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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

(05/11/2018)

 Caso prático 8

Para se determinar a lei aplicável, na maior parte das vezes, recorre-se às regras de
conflito. Mas com o nosso método de qualificação podemos aplicar várias regras de
conflito à mesma situação jurídica. Aplicamos a Lei 1 para a matéria x da relação
jurídica e a Lei 2 para a matéria Y da mesma relação. A interpretação é feita de uma
forma autónoma e teleológica, de forma a abranger figuras afins que possam existir
noutros sistemas (art 15º).

Por exemplo no artigo 60º/2, quando se fala aí em “marido e mulher”, esta


referência deve ser interpretada e forma autónoma e teleológica, de forma a abranger os
casais homossexuais.

O enunciado manda atentar aos arts 56º e 60º. Devemos começar por identificar
os respetivos conceitos-quadro:

o art 56º: constituição de filiação biológica


o - art 60º: constituição de filiação adotiva

Analisando o artigo 60º (relativo pois à filiação adotiva), o seu número 2


estabelece que quando a adoção seja feita por marido e mulher (interpretado de forma
autónoma e teleológica, como já vimos), a lei competente será a lei nacional comum dos
cônjuges. Assim, será a lei espanhola a competente para reger esta filiação.

Nota: a Espanha é um ordenamento plurilegislativo.

Temos de estar atentos à possibilidade de um conflito de sistemas, isto é, ao


problema de reenvio: a lei espanhola pode não se achar competente e remeter para outra
lei. E enunciado diz que o DIP espanhol manda aplica a lei da residência do adotado.
Como ele reside em Espanha, a lei espanhola considera-se competente.

O art 60º manda aplicar da lei espanhola as normas relativas à filiação adotiva (e
apenas essas!). Quanto à filiação biológica, o art 56º manda aplicar a lei portuguesa.
Normas materiais potencialmente aplicáveis (estão no enunciado)

 Art 1987º do CC: proíbe o estabelecimento da filiação biológica depois


de decretada a adoção.

Agora, temos de qualificar (caracterizar) esta norma, tendo em conta o seu


conteúdo (o que este preceito faz) e função (a sua ratio legis) que desempenha na lei a
que pertence. Quem faz a operação de qualificação é o julgador. No caso, vamos
averiguar se o art 1987º é relativo à filiação adotiva ou biológica.

Conteúdo: Este preceito impede o estabelecimento da filiação biológica depois


de decretada a filiação adotiva. Apresenta um desvio ao princípio da verdade biológica,
princípio estruturante do direito da família.

Ratio Legis: este preceito vai proteger a adoção já decretada.

Logo, atendendo ao seu conteúdo e à sua função, este preceito que rompe com o
principio da verdade biológica em favor da estabilidade da adoção, podemos concluir
que se trata de uma lei relativa à filiação adotiva.

Nesta matéria, a lei competente, como já vimos, é a lei espanhola. Logo esta lei
não se irá aplicar.

Não tendo a lei espanhola nenhum preceito semelhante, o juiz deverá anular a
adoção e reconhecer a paternidade de D.

Nota: Poderíamos recorrer à cláusula geral de ordem pública internacional (art


22º) para impedir a anulação da adoção.

 Caso Prático 10

1º: Este é um problema de DIP?

Sim, é uma situação plurilocalizada: tem elementos de conexão com a ordem


jurídica portuguesa e a italiana.

2º: O tribunal pt é competente?

Presumimos que sim.

3º Que leis são aplicáveis?


O nosso sistema de qualificação não escolhe só uma lei para aplicar ao caso;
aplica diversas leis consoante as matérias em causa.

Regras de Conflito relevantes

o Art 25º CC

Tem como Conceito-Quadro (CQ) o estado e a capacidade das pessoas.


Capacidade deve ser interpretada aqui de forma autónoma e teleológica de forma a
abranger outras figuras afins.

Manda aplicar a lei pessoal. Segundo o artigo 31º/1, a lei pessoal será a lei da
nacionalidade. Logo manda aplicar a lei italiana.

Haverá problemas de reenvio?


Não. A lei italiana, em matéria de capacidade, manda aplicar a lei da
nacionalidade, logo considera-se competente.

o Art 52º CC

CQ: relações entre os cônjuges. Novamente, este preceito deve ser interpretado
forma autónoma e teleológica de forma a abranger outras figuras afins.

Esta regra de conflitos (RC) apresenta conexões múltiplas subsidiárias.

- nº1: nacionalidade comum Não têm

- nº2: residência habitual comum Residem ambos em Portugal.

Logo, aplicar-se-á a lei portuguesa.

o Art 21º Regulamento (UE) n.o 650/2012

É um regulamento relativo a matéria sucessória. Manda aplicar a lei da última


residência do de cujus. No caso, mandaria aplicar a lei italiana.
Normas materiais potencialmente aplicáveis

o Arts 1683/2 e 1687 do CC (PT)

Conteúdo: torna o repúdio anulável por falta de consentimento do outro cônjuge.


Atribui legitimidade ao outro cônjuge por causa do casamento.

Função: impede conflitos no seio familiar

Esta norma limita a capacidade por causa do casamento e tem como objetivo
impedir conflitos na família. Assim, será uma norma relativa ao casamento. Subsume-se
o artigo 1683º no artigo 52º. Então, o art 1683º irá aplicar-se quanto pois, já vimos nós,
a lei competente de acordo com o art 52º é a portuguesa.

o Arts 59º e seguintes do CC Italino

Segundo estes artigos, há plena capacidade para repudiar, ou seja, não é


necessário consentimento.

O enunciado diz que os artigos 59º e seguintes do código italiano são sobre a
capacidade em geral. Assim, subsume-se o art 59º e seguintes no artigo 25º CC.

Assim, aplicar-se-ão os artigos 52º e 25º do CC. Para o artigo 52º, que manda
aplicar a lei material portuguesa, é necessário consentimento, portanto o repúdio seria
anulável (arts 1683º/2 e 1687). O artigo 25º, que manda aplicar a lei italiana (arts 59º e
seguintes do CC italiano), atribuiu plena capacidade a A para repudiar, portanto o
repúdio seria válido.

Há soluções conflituantes. Devemos primeiro tentar compatibilizá-las. Mas no


caso não é possível, são disposições incompatíveis. Terá de se aplicar só uma. Qual?
Vamos ter de hierarquizar as RC (e não as normas materiais!), com base em critérios
fornecidos pela doutrina e pela jurisprudência.

 1º critério: a regra sobre a substância prevalece sobre a forma do


negócio jurídico.
- A regra da substância manda aplicar a lei mais próxima, enquanto que a
regra da forma apenas se preocupa com a validade do negócio
- Existem sinais que esta é a preferência do legislador, nomeadamente o
artigo 36/1 2ª parte

 2º critério: as regras sobre direitos reais prevalecem sobre as regras


relativas a direitos pessoais
- o estatuo da situação da coisa (quanto a imóveis) apresenta uma maior
ligação do que o estatuto pessoal [o prédio não muda de sítio enquanto
que a pessoa muda de nacionalidade]
- uma maior efetividade da decisão

 3º Critério: regras sobre regime de bens prevalecem sobre as regras


relativas à sucessão

Este critério é relativo à proteção do cônjuge sobrevivo. Não é tanto um conflito


entre leis, mas sim um conflito na sua ordem de aplicação. Deve aplicar-se primeiro
aquela que produziu primeiro os seus efeitos. Assim, aplicar-se-á primeiro as normas
relativas ao regime de bens pois já foram formadas expectativas antes da morte.

No caso prático, nenhum destes critérios serve:

- Não está em causa forma e substância

- Não estão em causa direitos reais contra direitos pessoais

- Quem morreu não foi um dos cônjuges

Falhando os 3 critérios, recorre-se à solução de recurso: escolhe-se entre as


normas materiais. Vamos interpretá-las como se fizessem parte do nosso ordenamento
jurídico. Assim, aplicaremos o art 1683º em vez do art 59º do CC italiano porque o art
1683º é uma regra especial e o art 59º é uma norma geral (“Lei especial derroga lei
geral”).

[Outro critério que podemos ter em conta (não foi necessário no caso) é a
entrada em vigor das leis: a lei mais recente presume-se melhor que a lei mais antiga.]
Solução: o repúdio é anulado pois era necessário o consentimento do outro
cônjuge.

Nota: Este conflito foi criado porque chamamos várias leis ao mesmo caso
(conflito de qualificações). No método tradicional, escolhia-se apenas uma lei para o caso
todo.

Alínea b)

Teoria tradicional da qualificação: qualificavam-se factos (teoria da dupla


qualificação).

Procedia-se primeiro a uma qualificação primária: qualificava-se a lei


competente. Perante os factos, que norma do foro se aplicaria (se fosse uma situação
puramente interna)? No caso, aplicava-se o artigo 1683º. A RC que trata dessa matéria é
ao artigo 52º, que manda aplicar a lei portuguesa.

Depois, procedia-se à qualificação secundária: a qualificação propriamente dita


– respondiam à questão “Que norma vamos aplicar?”. Era um chamamento
indiscriminado: apliquem-se todas as normas aplicáveis. De acordo com a lei
portuguesa, é necessário consentimento. Logo, o repúdio é anulável.

Vantagens:

- Sistema mais simples

- Nunca cria conflito de qualificações (só se aplica uma lei)

Desvantagens

As vantagens deste sistema não chegam para o admitirmos. Apesar do nosso


método ser mais complexo, gerando conflitos de qualificações, nós temos critérios para
os resolver (chegámos a mesma conclusão que o método tradicional). O nosso método
tem a vantagem de melhor contribuir para a harmonia jurídica internacional, principio
basilar do nosso DIP.

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