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diana ferreira

DIPrivado Diana Ferreira

04/10/19 (aula 1)

Caso
prático 1:

A, francês e B, alemã, ambos residentes em Espanha, tendo propriedades confinantes no


Algarve, discutem a extensão dos respetivos direitos de propriedade, concretamente quanto a
saber se podem construir até à extrema e abrir janelas. Tal conduta é proibida pelas leis
portuguesa e espanhola mas permitida pela lei alemã. Quid iuris?

Precisamos de saber se este caso não deve ser resolvido apenas através dos direitos reais. Que
especificidade tem este caso face aos direitos reais? Temos aqui algo incomum, pois tem
ligações com vários ordenamentos jurídicos (francês, alemão, português e espanhol). É uma
relação plurilocalizada. Esses diferentes ordenamentos jurídicos dão soluções diferentes a este
problema. Segundo o OJ da frança, ele poderia abrir as janelas, em Portugal não. Neste tipo de
situações temos de invocar o DIP.
Direito Internacional Privado
QUE PROBLEMAS RESOLVE O DIPRIVADO?

1-O primeiro problema do DIP é o da competência internacional, i.e., será que perante uma
Aulas práticas – Afonso Patrão
relação internacional, os tribunais portugueses são competentes? Quando é que os tribunais
portugueses são competentes? A incompetência internacional é de conhecimento oficioso.
(não vamos estudar este problema, pois é estudado em DPCivil. Nos casos práticos podemos
pressupor que os tribunais portugueses são competentes).

2-Sendo o tribunal competente, precisamos de saber que lei aplicar (2º problema). Sendo
competente, que critérios vai o tribunal utilizar? É o problema de conflito de leis/lei aplicada.
Há vários métodos de solução a este problema. Neste caso prático vamos ver o método
tradicional, que é o método conflitual. Como funciona este método? Para cada matéria, o
legislador deve ter uma norma que escolha a lei aplicada– regra de conflitos. Mas com que
critério? Vai escolher a lei que tem uma ligação mais forte com o caso em questão ( critério de
proximidade). Isto é uma regra de conflitos. Poderá neste caso o juiz escolher a lei da
Dinamarca? NÃO – Princípio da transatividade: não pode ser aplicada uma lei que não tenha
ligação ao caso.

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Neste caso, porque não aplicar a lei portuguesa? Se cada país aplicasse a sua própria lei a
todos os casos que se colocam no seu país, iria causar uma instabilidade jurídica, pois no
momento em que os sujeitos entrassem noutros países, a lei nesse outro país seria inválida
(divorciada que foi para as filipinas e que lá é considerada casada). Assim, o princípio da
territorialidade foi afastado. Então temos de escolher uma lei.

As regras de conflitos em Portugal estão em vários sítios. Estão presentes no art.25º ao


art.65º, maioritariamente. Mas esta não é a nossa única fonte das regras de conflitos. Cada vez
mais existem fontes internacionais: regulamentos da EU e convenções internacionais. Antes de
irmos procurar ao CCivil, temos de ver se existe alguma regra externa que tenha substituído as
normas internas do CCivil. Nós só aplicamos as regras de conflito do CCivil se não houver
convenção nem regulamento da UE (estes regulamentos contribuem para o princípio da
harmonia jurídica internacional. Se houver uma unificação de critérios, o resultado vai ser o
mesmo em todos os países).

Se não houve unificação, é porque não há regulamento nem convenção da União Europeia.
Vamos então ao CCivil, art.46º, que escolhe a lei que nos vai dar a solução. As regras de
conflito são normas sobre normas, são normas de 2º grau (isto é assim para a escola de
Coimbra).

A regra de conflitos está dividida em três elementos:

1- Conceito-quadro (está para a regra de conflitos como a hipótese está para a norma
material): a hipótese serve para saber quando se aplica a norma material. O conceito-quadro
pretende definir o âmbito de aplicação da regra de conflitos. As hipóteses materiais descrevem
situações reais, já o conceito quadro utiliza conceitos técnico-jurídicos – isto vai-nos causar
muitos problemas, pois os conceitos jurídicos variam de sistema para sistema. (a hipótese não
muda, por exemplo, matar é igual em todo o lado). Estamos a usar conceitos jurídicos que
variam de país para país.

2- Elemento de conexão: circunstância que o legislador escolheu para determinar o critério


decisivo para saber qual a lei mais forte. (art.46º: elemento de conexão é o local das coisas,
pois para saber qual a lei mais forte nesta matéria temos que saber qual o local das coisas);
(art.62º: elemento de conexão é a nacionalidade); (art.45º: elemento de conexão é o local da

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atividade causadora do prejuízo); (art.50º: elemento de conexão é o local da celebração do


casamento);

3-Consequência jurídica: aplicação da lei que foi indicada pelo elemento de conexão, não a
tudo, mas apenas à matéria delimitada pelo conceito quadro.

A consequência jurídica, no nosso caso prático, vai regular a matéria da posse, propriedade e
direitos reais. Segundo o art.46º, a lei aplicável é a lei portuguesa. Como se aplica a lei
portuguesa aos direitos reais, não podem construir até à extrema nem abrir a janela.

3-Terceiro problema: reconhecimento de sentenças estrangeiras. (primeiro e segundo


problema – DPC.)

Concluímos assim o nosso primeiro caso prático.

Caso Prático 2:

Antónia, cidadã de 18 anos que é simultaneamente austríaca e saudita, residente na Arábia


Saudita, pretende contrair casamento em Portugal, sem autorização dos seus pais, com
Belmiro, português residente em Portugal, de 18 anos de idade.

O Conservador do Registo Civil tem dúvidas sobre a capacidade nupcial de Antónia. Na


verdade, em face da lei saudita, a mulher precisa de autorização do pai para casar até aos 21
anos sob pena de nulidade do casamento, ao passo que nas leis portuguesa e austríaca esta
autorização não é necessária.

Quid iuris, tendo em conta o art.49.º do Código Civil?

Não é uma situação puramente interna. Esta é uma relação privada internacional, pois temos
contacto com várias ordenações jurídicas (austríaca, saudita, Portugal). Qual é a primeira
questão?

1º problema- Tem o registo civil competência internacional ou não? Pressupomos a


competência, pois não estudamos este problema nesta disciplina. Neste caso, o registo civil
tem mesmo competência.

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2º problema- à luz de que lei é que o Registo Civil vai apreciar a capacidade nupcial para casar?
O enunciado do exame indica-nos as regras de conflitos que vamos ter de analisar. Neste caso,
já nos foi dito que teremos de analisar o artigo 49º. Isto é assim, exceto na matéria dos
contratos (aí não nos vai ser dada a regra de conflitos).

Olhando para o 49º:

Conceito quadro: capacidade para contrair casamento, capacidade para casar e regime da
falta e dos vícios de vontade dos contraentes.

Elemento de conexão: Fala-se no artigo em “lei pessoal” – art.31º/1, que se refere à


nacionalidade, logo o elemento de conexão do art.49º é a nacionalidade de cada um deles.
Eles têm nacionalidades diferentes, logo estamos a chamar mais do que uma lei. Vai chamar
uma lei para regular a capacidade do Belmiro (lei portuguesa) e outra lei para regular a
capacidade da Antónia (austríaca e saudita).

O que diz a lei portuguesa sobre a capacidade nupcial de Belmiro? Tem capacidade. Tem mais
de 18, logo pode casar.

Antónia tem duas nacionalidades, por um lado é austríaca e por outra é saudita. E agora? O
problema do direito da nacionalidade é problema do DIPrivado? Não. Mas estas questões de
conflitos de nacionalidade não são problema do DIP mas é questão previa ao dip, logo temos
de saber responder:

Casos de apátrida (?) (pessoa que não têm nacionalidade) - art-32º - aplica-se a lei da
residência habitual.

O caso de Antónia é um caso de plurinacionalidade (pessoas que têm mais do que uma
nacionalidade): art.27º: quando a pessoa tem duas ou mais nacionalidades, mas uma delas for
portuguesa, em Portugal ela considera-se portuguesa. Art.28º: se nenhuma das nacionalidades
for portuguesa, mas se reside num dos países de que é nacional, conta a nacionalidade do país
em que reside.

Mas se não residir em nenhum dos países de que é nacional? Art.28º, segunda parte,
considera-se nacional do país com que tenha a ligação mais estreita. O que é isto? É um
conceito indeterminado. Aqui o legislador desistiu, não é o legislador que vai dar a resposta,
ele passa essa tarefa para o julgador. O julgador é que vai ter de perceber qual é o país com
que tem relação mais estreita – consagração judicial do princípio da proximidade.

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No nosso caso, segundo o art.28º, ela reside num dos estados de que é nacional, assim, ela é
considerada neste caso de nacionalidade saudita. Logo, o conservador não casa Antónia, pois
na Arábia Saudita ela só pode casar aos 21. Se o conservador casasse Antónia, quando ela
chegasse à arábia, provavelmente ela não ia ser considerada casada.

*O caso MICHELETTI: (??????????????) No domínio das liberdades fundamentais, quando a


pessoa tem várias nacionalidades e uma delas for de um estado membro, o direito da ue
opõem-se a que a pessoa seja considerada de um estado terceiro.

A Antónia tem nacionalidade de um estado membro da EU, e isso deve-nos deixar alerta, pois
se o art.28º deixar de se aplicar, ela passa a ser considerada austríaca, e aí pode passar a poder
casar. Nos casos de casamento, não estamos perante uma liberdade fundamental, mas sim
numa liberdade civil.

Terminamos assim o caso prático nr.2.

18/10/19 (aula 2)

O método clássico do conflito de leis (método conflitual-usa regras de conflito para escolher a
lei a aplicar).

CLASSIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS DE CONEXÃO

Divide-se em três elementos: conceito-quadro (tem conceitos jurídicos, o que é um problema,


pois esses conceitos variam de sistema para sistema), elemento de conexão (circunstância que
o legislador escolhe como relevante para a determinação da lei a aplicar).

Podemos dividir os elementos de conexão em pessoais ou reais:

Pessoais: têm em conta os sujeitos da relação jurídica;

Reais: desconsideram os sujeitos da relação jurídica e olham ao objeto da relação jurídica;

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Art.57º conceito quadro: relações entre pais e filhos (responsabilidades parentais); elemento
de conexão: nacionalidade de um dos pais; a nacionalidade é um elemento de conexão
pessoal, pois olha para os sujeitos da relação jurídica.

Art.50º: conceito quadro: formas de casamento; elemento de conexão: o local da celebração.


Este elemento de conexão é real, porque desconsidera os sujeitos (não pergunta se são
portugueses, espanhóis, se residem em LA, etc.

A residência habitual é também um elemento de conexão pessoal (ao todo são a


nacionalidade, residência e domicílio).

Os elementos de conexão podem também classificar-se como:

Factuais: para nos concretizarmos, para saber para que lei apontam, só precisamos dos
sentidos (ex.: local de celebração, residência, nacionalidade…)

Jurídicos: para sabermos para que lei apontam, precisamos de aplicar normas. Só aplicando
normas é que sabemos para que lei apontam. (local onde a celebração deveria ser cumprida,
domicílio legal).

A tendência do DIP é preferir elementos de conexão factuais, pois os jurídicos podem variar o
seu significado de sistema para sistema.

Art.45º: conceito quadro: responsabilidade extracontratual por atos ilícitos ou pelo risco.
Elemento de conexão: o local onde ocorreu a atividade danosa; o local onde ocorreu o facto
que provocou o dano. Este conceito é real, pois desconsidera os sujeitos, e factual, pois apenas
precisamos de utilizar os sentidos para saber onde ocorreu o crime.

Art.62º: conceito quadro: sucessão por morte; elemento de conexão: nacionalidade. Este
conceito é pessoal, pois olha para os sujeitos da relação, e jurídico, pois para atribuir uma
nacionalidade precisamos de aplicar normas.

Móveis: podem ver aletrada a lei para que apontam ( o mesmo elemento hoje podem mandar
aplicar uma lei, e amanhã outra lei diferente)

Imóveis: não é possível alterar a lei que eles indicam, mandam aplicar sempre a mesma.

Art.33º/1 e 2: conceito quadro: capacidade da pessoa coletiva, constituição e funcionamento


de órgãos. Elementos de conexão: local da sede da administração efetiva. É um elemento de

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conexão pessoal, pois olha à característica de pessoa coletiva, factual, pois apenas usamos os
sentidos para sabermos onde está a sede, e móvel, pois a sede pode mudar de local.

O local da situação da coisa é um elemento de conexão da coisa é móvel ou imóvel? Depende


da coisa.

Quando o legislador usa elementos de conexão móveis, pode criar se um problema jurídico,
um conflito móvel (art.52º: imaginemos que A e B casaram em 2010, quando eram brasileiros.
Hoje, 2019, são portugueses. As relações entre os cônjuges são reguladas pela nacionalidade
que tinham quando se casara, ou pela que têm hoje? Isto é um conflito móvel ou sucessão de
estatutos)

Por vezes o legislador usa elementos de conexão moveis, mas transforma-os em imóveis
(art.53º: aqui, o que importa é a nacionalidade que os cônjuges tinham no momento do
casamento, ou seja, apesar de a nacionalidade ser um elemento de conexão móvel, o
legislador cristalizou-o, pois mesmo que mudem de nacionalidade, o que importa é a do
momento da pratica do casamento- cristalização do elemento de conexão móvel).

SISTEMAS DE CONEXÃO:

As regras de conflito podem ter apenas um elemento de conexão – sistema de conexão


simples – ou vários elementos de conexão – sistema de conexão múltipla.

O sistema de conexão múltipla pode ser alternativa, cumulativa, subsidiária ou distributiva.

Art.62º: o único elemento de conexão é a nacionalidade. Tradicionalmente, qual é o propósito


do legislador escolher apenas a nacionalidade como elemento de conexão único? Porque
entendeu que era a lei mais fácil, mais próxima, mais forte.

Às vezes, o legislador não está apenas disposto a escolher a lei mais próxima, preocupa-se
também com outros interesses, e é nessas alturas que ele utiliza sistemas de conexão múltipla.
Esses interesses variam, e consoante esses interesses, o legislador escolhe sistemas diferentes:

1.Conexões múltiplas alternativas: o legislador chama duas ou mais leis, mas o julgador aplica
apenas uma. (o conceito “ou” é sinónimo de uma conexão múltipla alternativa). O julgador
escolhe aquela que satisfizer o objetivo anunciado pelo legislador.

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Art.65ºCC: o legislador manda aplicar a lei do local da celebração ou a lei pessoal do autor da
herança (nacionalidade) – ou no momento da celebração, ou no momento da morte, ou ainda
a lei que em frança(por exemplo) a regra de conflitos manda aplicar – lei local. Aqui o
legislador chama 4 leis diferentes, mas o julgador apenas vai aplicar uma. Temos de procurar o
que quer realmente o legislador, e assim aplica-se a lei que melhor satisfaz o objetivo do
legislador. Aqui, o que o legislador quer é a validade do testamento. O testamento é valido se
cumprir uma das leis anteriormente referidas. Por exemplo, A português, residente em frança,
achou que o testamento bastaria ser feito por ele e guardado em casa. Em Portugal não é
assim. Mas, A, residente em frança, via as pessoas lá a fazer assim, logo tinha legítimas
expectativas para achar que bastava ser ele a escrever. O DIP não desconsidera essas legitimas
expectativas. i.e., as conexões múltiplas alternativas facilitam a estabilidade das relações
jurídicas, pois basta aplicar uma para o objetivo do legislador ser cumprido.

2.Conexões múltiplas cumulativas: o legislador chama duas ou mais leis, e o julgador aplica
todas. O legislador subordina a produção de um efeito jurídico, i.e., o efeito jurídico x só se
produzem se as leis todas concordarem. Basta que uma não concorde para não satisfazer o
efeito jurídico. Estas, ao contrário das alternativas, dificultam a estabilidade da relação jurídica,
pois todas têm que concordar, e isso é mais difícil do que aplicar apenas uma.

Art.60º/1: elemento de conexão é a nacionalidade. Mas não se fica por aqui. Também diz que
se a lei competente para regular as relações entre o adotando e progenitores, se essa lei não
admitir, a adoção não é admitida. É necessário que aqui as duas leis concordem (a da
nacionalidade do adotante e a lei que regula adotando e os pais biológicos). Se uma destas leis
disser que não, a adoção não é possível. Mas porquê dificultar? Porque a adoção, se apenas
respeitasse uma lei, poderia ser válida apenas num país, mas já não ser noutro, e isso não
pode acontecer.

*Art.33º/3: conexão múltipla cumulativa, a lei da sede antiga e a lei da sede nova têm de o
permitir, para o efeito jurídico se produzir.

*Batiffol diz-nos que “as conexões múltiplas prometem mais do que dão”: Estas prometeram
que iam chamar duas ou mais leis e que iam aplicar duas ou mais leis. Porquê? No exemplo da
adoção, uma lei dizia que se podia adotar, a outra já dizia que não. Como eram cumulativas, e
elas não concordavam, a adoção não era possível. Assim, estamos verdadeiramente a aplicar
as duas leis, tal como o legislador prometeu? Não. Apenas estamos a aplicar a lei que proíbe a
adoção, que é a lei mais restritiva.

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3.Conexões múltiplas subsidiárias: o legislador chama duas ou mais leis, mas o julgador aplica
apenas uma, de forma subsidiária, ou seja, por ordem de preferência do legislador.

A e B celebram um contrato de compra e venda e querem saber qual a lei que devem aplicar.
Art.41º: obrigações provenientes de negócios jurídicos. O elemento de conexão é a escolha
das partes. E se as partes não escolheram? É por isso que a regra de conflitos continua, e nos
diz que, na falta de escolha, aplica-se a lei da residência habitual comum das partes. Mas e se
não residirem no mesmo país? O legislador continua, e falhando esta, na falta de residência
comum, aplica-se a lei do local de celebração. Isto é uma conexão múltipla subsidiária. Para
que servem estas leis? Para prevenir a falta de lei aplicável. Em princípio, estas são aplicadas
para este objetivo, mas, podem também ser utilizadas para atingir um certo resultado material
(art.45º)

4.Conexões múltiplas distributivas: chama duas ou mais leis e aplica-as todas. Mas, o
legislador divide a relação jurídica e aplica uma lei diferente a cada parte da relação jurídica.
Exemplo: art.49º: o conceito quadro é a capacidade nupcial. O elemento de conexão é a
nacionalidade. Diríamos que era então uma conexão única, mas estamos a falar de casamento,
e para celebrar o casamento são necessárias duas pessoas, logo, falamos aqui da
nacionalidade de cada um dos nubentes. Ou seja, a capacidade nupcial de um rege-se
consoante a lei da sua nacionalidade, e a do outro consoante a sua. Porque faz isto o
legislador? Porque permite uma maior justiça formal, pois escolhe-se a lei mais forte para cada
parte da relação jurídica. Daí se dividir a relação jurídica. Contudo, têm um segundo objetivo.
Imaginem um português, A de 17 anos quer casar com uma espanhola, B, de 18 anos,
residentes em Espanha. Aqui são chamadas várias leis. Ao senhor A aplica-se a lei portuguesa e
a B a lei espanhola. A pode casar, pois os pais concordaram, e B também. Logo conseguimos
celebrar o casamento. Mas imaginemos que o legislador utilizava uma conexão única, por
exemplo o local de celebração. E aplicava-se então a lei espanhola. Segundo a lei espanhola, a
senhora B pode casar, mas A não pode. Assim, as conexões múltiplas distributivas facilitam a
constituição das relações, pois aplicam os impedimentos de uma certa lei apenas a uma parte
da relação jurídica.

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25/10/2019

Influência do tempo nas regras de conflitos

Sucessão das regras de conflitos: imaginem que a e b casaram em 1995 e hj querem saber
qual a lei aplicável às relações entre cônjuges (visto que a lei mudou em 1996). Que regra de
conflitos usar?

Sucessão de normas materiais dentro da lex causa: A e b casaram em 2000, brasileiros


residentes em Portugal. Aqui a lei não mudou, continua a ser o art.52º, em que o elemento de
conexão é a nacionalidade, logo a b aplicar-se-ia o direito brasileiro. o problema é que em
2000, no brasil vigorava um código civil e agora vigora outro.

Conflito móvel ou sucessão de estatutos: Caso em que não muda a regra de conflitos nem a
norma material: a e b casaram em 2000, mas hoje mudaram de nacionalidade. Que lei é que o
art.52 manda aplicar? A da nacionalidade que tinham antes ou a que tem agora? O que muda
aqui é a concretização do elemento de conexão.

Veremos agora a respetiva resolução destes três problemas:

1º problema (sucessão das regras de conflitos): O legislador por vezes resolve o problema.
Como? Quando o legislador muda a regra de conflitos, o próprio legislador resolve estes
problemas através de normas transitórias. (art.28º ROMA l dá a resolução do problema, é uma
norma transitória). Isto significa que este problema então nem sempre se põe, pois o
legislador dá automaticamente a resolução.

A questão dois é quando o legislador conflitual não tem um regime transitório. A e B casaram
em 1960, hoje põe se em Portugal uma questão jurídica em que é preciso determinar a lei a
aplicar à relação entre os cônjuges. Que lei aplicar? A lei que vigorava até 1960 ou a que vigora
agora? A conceção tradicional diz que temos de aplicar a lei antiga, sob pena de retroatividade.
Esta diz que não se deve aplicar a regra de conflitos nova. O problema é de saber se, aplicar a
regra nova é fazer uma aplicação retroativa da lei? A conceção atual diz que a regra de
conflitos escolhe a lei que vai regular o casamento, não fazem um juízo substantivo. Não faz,
neste sentido, falar em proibição da retroatividade das regras de conflitos, pois as regras de
conflitos não regulam o casamento, apenas escolhem a lei que vai regular. Assim, o juízo de
proximidade atual, em princípio é mais certeiro. Logo o juiz, aplicaria a regra atual, a regra
nova.

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Pode acontecer que, quando casaram, estivessem a contar com a aplicação da lei antiga. Se
agora aplicarmos a regra de conflitos nova, poderíamos estar a violar as legitimas expectativas.
Em princípio aplica-se a regra nova, salvo se houver expectativas das partes na regra de
conflitos antiga. Mas como se sabe se as partes tinham ou não expectativas na regra antiga?
Há um critério: se no momento da constituição da relação jurídica havia um contacto com o
foro(neste caso Portugal) presume-se que as partes talvez estejam a contar com a regra de
conflitos do foro(i.e., talvez foram ver a regra de conflitos portuguesa na altura). (outro
exemplo: A e B são brasileiros e em 1996 residiam em Portugal: quando casaram havia
contacto com Portugal, logo é possível que eles se tenham informado sobre qual a lei que se
aplicava na altura. Se A e B residissem na argentina, sem nunca terem vindo a Portugal, e
agora, 2019, eles estão em Portugal, aplica-se a regra de conflitos nova, pois eles em 1960 nem
sabiam que existia o código de Seabra antigo, logo podemos fazer o juízo mais moderno.

Na escola de lisboa, como é que isto se resolve? Para eles, as regras de conflito são normas
materiais, normas substantivas. Logo, a escola de lisboa aplica a regra de conflitos antiga, pois
se ve as regras de conflitos como materiais, estas são suscetíveis de retroatividade.

2º problema (Sucessão de normas materiais dentro da lex causa): A e B são brasileiros,


residem em Portugal e casaram em 2000. Qua lei aplicar a este casamento? Mudou o código
civil brasileiro em 2002. Sabemos que o art.52º manda aplicar a alei brasileira, mas qual? A que
vigorava antes, ou a que vigora hoje? Este não é um problema que o DIP resolve. O DIP apenas
resolve problemas de espaço. O DIP vai buscar a solução às regras transitórias da lei
competente, ou seja, temos de ir às regras transitórias brasileiras.

3º problema (Conflito móvel ou sucessão de estatutos): o conflito móvel muda a regra de


conflitos? Não. O que muda é a concretização do elemento de conexão. A regra de conflitos é
a mesma, só que antes mandava aplicar a lei A e agora manda aplicar a lei B. A e B casaram em
2010, altura em que eram brasileiros. Hoje há um litígio (art.52º), mas eles agora são
portugueses. Q lei aplicamos? A nacionalidade atual ou a que tinham antes? O problema do
conflito móvel só se põe nas regras de conflito que usam o elemento de conexão móvel, pois ó
sobre eles é que pode mudar a lei para que apontam. Isto também não acontece quando o
legislador cristaliza o elemento de conexão (art.53º fala da nacionalidade à data da prática do
casamento, aqui o legislador cristaliza o elemento de conexão que antes era móvel e assim
passa a imóvel).

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Há quatro propostas de resolução do conflito móvel:

1º - Pillet: Este conflito deve orientar se pelo princípio do reconhecimento de direitos


adquiridos, i.e., se a lei antiga dá um direito que a lei nova não dá, então aplica-se a lei antiga,
se a lei nova dá um direito que a antiga não dá, então aplica-se a lei nova. Aplica-se sempre a
mais ampla. Não tem acolhimento em Portugal.

2º - François Rigaux: qual é o objetivo da regra de conflitos? Escolher a lei mais próxima. Qual
é a lei mais próxima? A nova ou a velha? A nova. Logo, deve aplicar-se a lei nova. Isto é o que
realiza o objetivo da regra de conflitos. Não tem acolhimento em Portugal.

3º - Baptista Machado: este problema, na prática, é muito parecido com o segundo problema
que nos já vimos (sucessão de normas dentro da lei competente). Na prática, mudaram
normas. E é tao parecido que deve ser resolvido exatamente da mesma maneira. Como?
Tínhamos de procurar a resposta na lex causa, na lei competente. Então, vamos ver ao direito
transitório da lei nova se elas aceitam aplicação retroativa. Se a lei nova aceitar a
retroatividade, aplica-se a lei nova, se não aceitar (se disser que esta lei só se aplica a
casamentos celebrados a partir da data x), aplicamos a lei antiga. Esta tese favorece a
aplicação da lei nova.

4º Ferrer Correia: O conflito móvel não tem nada a ver com o conflito de leis no tempo. O que
acontece aqui é uma deslocação da relação jurídica (a nacionalidade, residência era uma e
passou a ser outra). Portanto, temos de ver qual é a lei que a regra de conflitos indica como
determinante. Aqui diz-se que o direito transitório não é aplicável, pois não houve sucessão de
leis no tempo. A solução procura-se regra de conflitos a regra de conflitos. Em cada regra de
conflitos temos de perceber se o legislador quer aplicar a lei velha ou a lei nova. Como é que
isto se aplica? Se estivermos a discutir a validade de uma relação constituída no passado, o
legislador quer que se aplique a lei antiga (da nacionalidade antiga). Se estivermos a discutir os
efeitos atuais de uma relação jurídica duradoura, então nesse caso faz sentido olhar à lei nova
(da nacionalidade nova). O artigo 52º manda sempre aplicar a lei nova.

Isto nem sempre é assim, há regras de conflitos que as vezes manda aplicar a nova e outras
vezes mandam aplicar a velha. (art.46º o elemento de conexão é a localização da coisa. Mas e
se a coisa nem sempre tenha estado no mesmo sítio? N percebi.)

Caso Prático 4:

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Em 2017, A comprou a B 2 toneladas de dentes de elefante no Quénia, país onde é proibida a


respetiva comercialização. De acordo com a lei queniana, tal proibição aplica-se a todas os
contratos, mesmo que a lei queniana não seja aplicável à situação concreta.

A e B escolheram como lei aplicável ao contrato a lei australiana, que nada proíbe quanto a
esta matéria. Como B não entregou os dentes de elefante, A intenta em Portugal uma ação de
responsabilidade contratual. Quid iuris?

Resolução:

Este caso é problema do DIP, pois tem contacto com vários ordenamentos jurídicos.

O primeiro problema é saber se o tribunal é competente. Nós pressupomos que sim, que o
tribunal português é competente.

O segundo problema é saber que lei regula esta situação, e para isso, nós temos vários
métodos de resolução deste problema, há vários métodos de determinação da regra aplicável,
e em Portugal vigora o pluralismo metódico, embora a base do sistema seja o método
conflitual. Logo, temos de saber se há regra de conflitos que nos permita escolher a lei
aplicável a este problema (problema este que é a responsabilidade contratual). A maioria das
regras de conflito dos contratos estão no regulamento ROMA 1. Art.3º Roma 1 é a regra geral
aplicável aos contratos. O elemento de conexão deste artigo é a escolha das partes. A isto se
chama o princípio da autonomia conflitual: possibilidade dada à parte de escolher a lei
aplicável à relação jurídica.

Sendo o elemento de conexão a escolha das partes, sabemos que as partes escolheram a lei
australiana, logo a lei aplicável ao contrato é a lei australiana.

E se não tivessem escolhido lei? Art.4º: na falta de escolha (conexão múltipla subsidiária).

Basta dizer que a lei aplicável é a lei australiana? Falta aplicar a lei. É importante aplicar a lei,
pois o DIP interessa-se pelo resultado. Logo, não basta escolher, tem de se aplicar.

Na lei australiana, o contrato é valido, pois não tem normas que proíbam a comercialização de
dentes der elefantes. Logo, condena-se o A a entregar os dentes ou a indemnizar.

Terminamos assim? Não.

Percebe-se que a Austrália não tenha normas a proibir a comercialização de elefantes? Claro,
na Austrália não há elefantes. Não tem interesse. Mas o DIP hoje não desconsidera que possa

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DIPrivado Diana Ferreira

haver com interesse político-legislativo dos estados. Há aqui algum estado que tenha
interesses político-legislativos em regular estas situações? Sim, o Quénia, que protege os
animais, etc. E o Quénia tem uma norma que proíbe a comercialização de dentes de elefante.
O Quénia tem uma norma material que proíbe a comercialização e estabelece o seu próprio
âmbito de aplicação, pois diz que “De acordo com a lei queniana, tal proibição aplica-se a
todas os contratos, mesmo que a lei queniana não seja aplicável à situação concreta”.

Nas normas de aplicação necessária e imediata, o legislador português deve-lhes obediência se


elas forem a lei do foro. Só que neste caso temos um problema: a norma de aplicação
necessária e imediata é estrangeira e não do foro.

Há várias teses que resolvem este problema:

1ª tese: Tese do estatuto obrigacional: diz-nos para aplicar as normas de aplicação imediata
estrangeiras, mas só as da lei competente, só as da lex causa. Se fosse assim, no nosso caso
aplicar-mos-ia a lei australiana.

“A tese do estatuto obrigacional dilui a natureza necessária e imediata daquelas normas”. Que
quererá dizer esta afirmação muito proposta nas orais? É uma afirmação verdadeira. Já íamos
aplicar ao contrato as normas australianas, quer sejam normas de aplicação necessária e
imediata, quer não sejam.

Se vigorar esta tese, qual é a solução do caso? Não podemos aplicar a lei do Quénia, logo, o
contrato é válido, logo, houve incumprimento.

2ª tese: Tese da conexão especial (autor alemão seguida em Portugal por Moura Ramos):
devemos aplicar as normas de aplicação de países estrangeiros que tenham uma conexão forte
com o caso. Porquê? É melhor aplicarmos as normas dos países que vão julgar o caso, para
conseguirmos obter uma harmonia jurídica, para evitar instabilidade. Para que a solução seja a
mesma, onde quer que o problema se ponha.

Se seguirmos esta tese, que solução tem o caso? Aplica-se a lei do Quénia? Sim, se houver uma
ligação especial do Quénia a este contrato? Sim, pois foi lá que o contrato foi celebrado. Assim,
aplicamos a lei do Quénia, logo o contrato é nulo.

3ª tese: tomada de consideração: o julgador não pode aplicar as normas de aplicação imediata
estrangeiras, apenas deve aplicar as do foro, mas tem de as levar em consideração no modo

14
DIPrivado Diana Ferreira

como aplica a lei competente. Esta tese diz que a lei do Quénia não se pode aplicar, mas,
quando o juiz aplicar a lei competente, que neste caso é australiana, mas deve-se lembrar da
lei queniana. Aplicando a lei competente, a australiana, o contrato é valido, o juiz tem que se
lembrar da lei estrangeira de aplicação necessária e imediata do Quénia que protegia os
elefantes. Isto tem relevância no que toca à culpa. Haverá culpa? O juiz, ao aplicar a lei
australiana, considera não culposa a violação do contrato. Assim, não há indemnização.

Que tese devemos seguir? Na generalidade das regras de conflitos, o julgador pode escolher.
Mas há alguns instrumentos de DIP que têm solução especial para o problema. Um dos casos é
o regulamento ROMA 1 não só escolhe a lei aplicável aos contratos, como também tem uma
solução- art.9º/1: não é uma norma de aplicação necessária imediata mas sim uma definição
de norma de aplicação necessária imediata. O art.9º/2 só trata da questão das normas de
aplicação imediata no foro. Isto não resolve o nosso problema. O art.9º/3 dá a oportunidade
ao juiz de decidir se aplica as normas de aplicação imediata da lei do país em que o contrato
deve ser executado, se elas tornarem o contrato ilegal.

Como sabemos qual é o país em que o contrato deveria ter sido executado? No nosso caso
como podemos saber se o Quénia é o país de execução do contrato? Que lei nos vai dizer qual
é o lugar do cumprimento do contrato? A lei que regula o contrato, no nosso caso é a lei
australiana.

O ROMA 1 defende a tese da conexão especial, mas em paralelo coma tese da autorização.

Como resolver então o contrato? Temos de ver, segundo a lei australiana, qual o local de
execução do contrato. Se for o Quénia, o contrato é nulo. Nos outros casos, não aplicamos a lei
do Quénia, logo seria válido.

08/11/2019

Qualificação do Metodo Conflitual

Caso Prático 6

Em Dezembro de 1997, Anna (dinamarquesa e residente em Portugal), fez, em Portugal, uma


promessa pública de oferta de 100.000$00 a quem encontrasse o seu cão. Dois dias depois,
Bernard, também dinamarquês residente em Portugal, encontrou o cão e entregou-o a Anna.

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DIPrivado Diana Ferreira

Alguns meses depois Anna e Bernard casaram. Em 2016 divorciaram-se e Bernard intenta
agora em Portugal uma ação de condenação para pagamento da dívida (de 500 Euros).

Anna alega a prescrição da dívida invocando que, segundo o direito dinamarquês, o prazo de
prescrição geral é de 5 anos e não existe na Dinamarca qualquer causa de suspensão
semelhante à do artigo 318º/a) do Código Civil português. Por outro lado, invoca que o
negócio de promessa pública não a vincula, pois não existe no direito dinamarquês (que
considera aplicável) norma similar à do art. 459º do Código Civil Português.

Bernard, pelo contrário, alega que a dívida não prescreveu, porquanto o respetivo prazo
esteve suspenso nos termos do art. 318º/a) do Código Civil Português (que entende ser
aplicável) e que, nos termos do artigo 309º do Código Civil Português (que entende dever
aplicar-se), o prazo de prescrição é de 20 anos.

Quid iuris, tendo em conta o disposto nos arts. 40º, 41º, 42º e 52º do CCiv., sabendo que o DIP
dinamarquês manda aplicar aos negócios jurídicos a lei do local da celebração e às relações
familiares a lei da nacionalidade comum dos cônjuges?

Não é relevante perguntar para a lei portuguesa que tipo de problema é este, pois nós não
fazemos a qualificação primária. Olhamos para as regras de conflitos e utilizamo-las em
simultâneo. De cada lei chamada não vamos aplicar a totalidade do seu ordenamento (para a
matéria x aplicamos a lei 1, mas não a totalidade do ordenamento da lei 1; temos de ver quais
as normas relativas da lei 1).

O problema da qualificação não é questão de saber que tipo de problema jurídico é aquele,
mas antes a questão de saber quando a matéria x é de competência da lei 1, é saber se as
normas lei 1 aplicáveis são ou não são da matéria x. Qualificamos normas materiais. Olhamos
para a função e conteúdo das normas de cada ordenamento e vamos caracterizá-las (art. 15º
CCiv.).

Como sabemos qual é a regra de conflitos que vamos utilizar no caso? não vamos utilizar uma,
mas várias regras para várias matérias diferentes. O ideal é começar por dividir: um primeiro
passo, que implica saber quais as leis competentes para cada matéria;

o Art. 52º do CC (relações entre os cônjuges) – aplicação da lei da Dinamarca. Quando


mandamos aplicar lei estrangeira, pode haver um problema – pode suceder que o DIP

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DIPrivado Diana Ferreira

dinamarquês considere competente uma outra lei. A lei dinamarquesa manda aplicar a lei
comum, logo à luz do seu DIP manda aplicar-se ela própria.

o Art. 41º e 42º do CC - tem o mesmo conceito quadro; em matéria de obrigações negociais é
aplicável a lei portuguesa.

o Artigo 40º do CC – tem como conceito quadro a prescrição e caducidade (fazemos uma
interpretação autónoma e teleologia do conceito);

Temos de fazer um elenco das normas materiais que são oferecidas pelos ordenamentos
jurídicos em contacto que sejam potencialmente aplicáveis e que possam resolver o caso
(temos de ir ver o enunciado).

a) Art. 318º A CCiv.: lei portuguesa; O que é que ela faz? (vamos qualificá-la, precisamos do seu
conteúdo e da sua função) Suspende a prescrição durante o casamento. (temos de fazer este
raciocínio para todas as normas que aparecem no enunciado).

b) Art. 459º CCiv.: lei portuguesa. O que faz? Prevê um negócio jurídico unilateral vinculativo,
que gera uma fonte de obrigações.

c) Art. 309º CCiv.: lei portuguesa. O que faz? Estabelece o prazo geral de prescrição.

d) Norma dinamarquesa que estabelece o prazo geral de prescrição em 5 anos (grande


argumento da Ana). Não há nenhuma norma dinamarquesa que estabeleça a suspensão.

e) Norma do CCiv dinamarquês que diz que o negócio de promessa não vincula.

Temos de pegar em cada uma destas normas materiais e fazer a sua


qualificação/caracterização, atendendo o art. 15º CCiv (conteúdo + função que desempenha).

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DIPrivado Diana Ferreira

a) Art. 318º-A CCiv.: conteúdo - suspende a prescrição entre os cônjuges enquanto durar o
casamento. Porque é que a lei portuguesa faz isto? Evitar que os cônjuges sejam obrigados a
propor ações um contra o outro. Função - o objetivo do legislador, ao criar esta suspensão, é
proteger a paz familiar, evitar que os cônjuges sejam obrigados a propor ações contra o outro,
evitar conflitos. É uma norma sobre as relações entre os cônjuges ou sobre o regime da
prescrição? A função é marcadamente familiar. Ou seja, é uma norma que se qualifica como
relativa às relações entre os cônjuges. Nessa medida, vamos subsumi-la no art. 52º CCiv.
Recuperamos as conclusões em matéria de relações entre os cônjuges, que ditam que se
aplique a lei dinamarquesa. Não se aplica a lei portuguesa.

b) Art. 459º CCiv.: tem um conteúdo de criação de negócio jurídico e a geração de obrigações.
É uma norma sobre negócios jurídicos. Se assim classificamos, agora vamos subsumi-lo no
conceito-quadro, para saber se é competente a lei. Podemos subsumir no art. 41º e 42º CCiv.
Em matéria de obrigações negociais, é competente a lei portuguesa. Esta norma é portuguesa
sobre obrigações negociais, logo, pode aplicar-se. Está a ser chamada à aplicação in casu.
Aplica-se a lei portuguesa.

c) Art.309º CC: procurando o seu conteúdo e função, sabemos que estabelece o prazo geral de
prescrição, que existe por razões de segurança jurídica, exercendo uma certa pressão sobre os
credores. É uma norma subsumível no art.40º, que considera competente a lei portuguesa (em
matéria de prescrição é aplicável a lei portuguesa). Aplica-se a lei portuguesa.

d) Norma dinamarquesa que estabelece o prazo geral de prescrição em 5 anos – motivos de


segurança jurídica e pressão sobre os credores. É uma norma sobre prescrição, subsumível no
art.40º CC, que diz que se aplicam as normas da lei portuguesa. Logo, esta lei dinamarquesa
não se aplica. Aplica-se a lei portuguesa.

e) Norma do CC dinamarquês que diz que o negócio de promessa não vincula. A função da
norma parece ser regular as regras do negócio jurídico unilateral de promessa pública.
Atendendo ao conteúdo e função, é uma norma sobre o negócio jurídico. Podemos subsumi-la
no conceito-quadro das obrigações negociais, logo, art.41º e 42º. Em matéria de obrigações

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DIPrivado Diana Ferreira

negociais, a lei competente é a lei portuguesa. Não se aplica a lei dinamarquesa, mas antes a
lei portuguesa.

Agora, resta resolver o caso concreto, tendo em conta as normas aplicáveis.

O negócio de promessa pública vincula ou não vincula? Vincula, porque é aplicável o art.459º
CC português (não vamos aplicar a lei dinamarquesa). Quem tem razão é o Bernardo.

E quanto ao prazo de prescrição? Ana dizia que o prazo era de 5 anos, Bernardo dizia 20. O
prazo será de 20 anos, pois aplicamos a lei portuguesa (art.309º CC).

O prazo suspende-se durante o casamento? Não, o prazo é de 20 anos, mas não se aplica a lei
portuguesa que o suspendia.

Por último: condenação ou absolvição? Ainda não prescreveu (dezembro de 1999). Condena-
se a pagar, pois só prescreve em dezembro de 2019.

b) E se adotasse a posição relativa à qualificação, quer de Ago quer de Robertson, como


resolveria esta hipótese?

Qualifica-se o problema à luz da lei do foro. Se o caso se apresentasse à lei material do foro,
qual a norma que diria que tipo de problema é este. Se este caso fosse puramente interno,
qual a norma do foro que seria a norma-chave do problema? Era o art.318º-A CC. Para a lei do
foro, seria um problema de relações entre os cônjuges, logo, a lei de conflitos que iríamos
utilizar era o art.52º e a lei competente seria a lei portuguesa. A Ana teria de pagar.

Qualificação secundária: Quais as normas da lei dinamarquesa que se aplicam? Aqui teríamos
uma divisão segundo a teoria tradicional. Temos, portanto, duas perspetivas:

(1) Para Ago, todas as normas enunciadas no caso, que sejam dinamarquesas têm aplicação,
independentemente de ver ou não o problema como uma relação entre os cônjuges. A Ana
não teria de pagar.

(2) Robertson: a lei competente é a dinamarquesa (qualificação primária). Distinguem-se


quanto à qualificação secundária: apenas aquelas relativas à matéria de relações entre os

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DIPrivado Diana Ferreira

cônjuges. No caso, não há normas na lei competente da matéria à qual foi chamada. E se a lei
dinamarquesa não tem normas em matéria de relações entre os cônjuges? Subsidiariamente,
deve fazer-se um chamamento indiscriminado, aplicamos as outras normas dinamarquesas,
mesmo que sejam sobre matérias diferentes. É aplicada a lei dinamarquesa no seu todo (igual
à primeira hipótese).

Apesar do método simples, levanta problemas de 4 ordens.

Caso Prático 7

Em fevereiro de 2016, A português e residente em Munique, e B também português mas


residente em Viena celebraram em Roma um contrato de compra e venda de um prédio
urbano situado em Berlim, tendo eleito como lex contractus a lei portuguesa.

Dois meses volvidos, pretendendo A ocupar o referido prédio, B recusou- se a entregá-lo. Em


seu favor alega ser ainda titular da propriedade do mesmo, porquanto não se havendo
verificado o negócio real e o registo, exigidos pelo direito alemão, não se deu ainda a
transferência da propriedade (§ 873 BGB).

A, por seu turno, contrapõe, ex vi dos artigos 408º/1 e 879º/a) do CCiv., a transmissão do
direito de propriedade sobre o prédio por mero efeito do contrato. Tendo em conta os artigos
46º do CC e 3º do Regulamento ROMA I, e sabendo que na Alemanha vigoram regras de
conflitos iguais às nossas, que solução daria a esta hipótese prática?

Estamos perante um problema de DIP pois há aqui contacto com mais de um ordenamento
jurídico. Temos a lei portuguesa (nacionalidade das partes); a lei alemã (porque o A reside na
Alemanha e é o local de situação do prédio); lei italiana (local de celebração do contrato); lei
austríaca (porque B reside lá).

Quais são os problemas que o DIP visa resolver perante relações plurilocalizadas?

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DIPrivado Diana Ferreira

(a) O juiz deve declarar-se oficiosamente incompetente? Presumimos a competência dos


tribunais portugueses.

(b) Lei aplicável. Em Portugal, vigora um pluralismo metódico, mas o sistema parte do método
conflitual. Sendo assim, temos de escolher uma regra de conflito. Vamos perguntar à lei do
foro? Não. É-nos indiferente. Temos várias regras de conflitos. Não precisamos de perguntar
ao foro que tipo de matéria é esta.

Vamos ver para onde apontam as várias regras de conflito e depois qualificar as normas
materiais.

(1) Normas de conflitos enunciadas no caso prático:

o Art.46º CC: posse, propriedade e demais direitos reais (conceito-quadro). Direitos reais para
efeitos deste artigo – interpretação autónoma, não são só os direitos reais da lei portuguesa,
visando abranger todas as figuras de outros ordenamentos que sejam afins. Interpretação
ampla de direitos reais.

o Art.3º Regulamento Roma I: parte substantiva do contrato – obrigações contratuais.

Concretização das normas referidas:

Ver a lei que consideram competente para a sua matéria. Precisamos de saber qual é o
elemento de conexão.

o Art.46º CC: situação da coisa. Onde está a coisa? Em Berlim, na Alemanha. O art.46º
considera competente a lei alemã. Temos, portanto, uma lei portuguesa que remete para uma
lei estrangeira, que pode originar um problema: temos de verificar se a lei estrangeira remete
para outra. A lei alemã remete para ela própria. Considera-se competente a lei alemã. Só as
normas que sejam relativas à matéria de direitos reais, atendendo ao seu conteúdo e função
(art.15º CC).

o Art.3º Regulamento Roma I: manda aplicar a lei portuguesa.

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DIPrivado Diana Ferreira

Assim: aplicamos a lei alemã em matéria de direitos reais; em matéria de obrigações


contratuais, aplicamos a lei portuguesa.

Temos de elencar as normas materiais que estão potencialmente a ser chamadas (no
enunciado), para depois as qualificarmos/caracterizarmos, saber em que conceito quadro é
que se subsumem.

(2) Elenco das normas e Qualificação

a) § 873 BGB: estabelece que o registo é constitutivo. É preciso registo para a transmissão da
propriedade.

Qualificação: está a regular direitos reais, criando um sistema de modo na transmissão dos
direitos reais (não basta o contrato para a transmissão). É uma norma sobre direitos reais, que
se subsume no conceito-quadro do art.46º CC, que manda aplicar a lei alemã. Em matéria de
direitos reais, aplica-se a lei alemã, logo vamos aplicar esta norma.

b) Art.408º CC: lei portuguesa, que estabelece o princípio da consensualidade em matéria de


direitos reais.

Qualificação: atendendo ao conteúdo e função da norma, regula a transmissão de direitos


reais e quer criar um sistema de título. É uma norma sobre direito reais, estabelecendo o
sistema de transmissão dos direitos reais, pelo que subsume no conceito-quadro do art.46º
CC. Recuperando as conclusões prévias, vamos aplicar a lei alemã em matéria de direitos reais,
logo, o art.408º do CC não se vai aplicar.

c) Art.879º/al. a) CC: transmissão da propriedade é um EFEITO da compra e venda.

Qualificação: atendendo ao seu conteúdo e função, estabelece o efeito do contrato de compra


e venda. Porquê, qual a sua função? É uma obrigação de transmitir a propriedade ou é um

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DIPrivado Diana Ferreira

efeito automático? É um efeito automático, pois está a concretizar o princípio da


consensualidade. Só por si o contrato transmite a propriedade, não gera uma obrigação
contratual. No fundo, regula o sistema de transmissão de direitos reais, logo, é uma norma
relativa aos direitos reais. Consequentemente, subsume-se ao conceito-quadro do art.46º CC,
que manda aplicar as leis alemãs em matéria de direitos reais só. Assim, esta lei não se vai
aplicar e aplica-se a lei alemã.

Agora, cabe resolver o caso de acordo com as normas que apuramos como aplicáveis,
portanto, o 873º do BGB. Quem tem razão é o vendedor. Antes do registo, a propriedade não
se transmite, pois aplicamos a lei alemã.

15/11/19

Caso prático 8:

A e B, casados e de nacionalidade espanhola, adotaram em Espanha, nos termos do direito


espanhol, C, uma criança de nacionalidade portuguesa que residia em Espanha. Algum tempo
depois D, português, pretende reconhecer a paternidade de C. A e B vêm impugnar o
reconhecimento invocando o artigo 1987.º do CC português, ao que D contrapõe que o direito
espanhol não conhece nenhum preceito análogo àquela disposição da nossa lei.

Quid iuris, atento o disposto nos artigos 56.º e 60.º do CC e tendo em conta que o DIP
espanhol submete a adoção internacional à lei da residência do adotado?

RESOLUÇÃO:

Segundo a lei portuguesa, depois da adoção, não é possível a filiação natural.

O que importa é saber se se aplica ou não o art.1987º.

Não fazemos qualificação primária sendo indiferente se é um problema de adoção ou não. Não
vigora o método de qualificação tradicional, pois violaria a harmonia jurídica e bloqueia os
institutos jurídicos desconhecidos. Também não precisamos de escolher a lei competente, pois
as regras de conflito já nos dão essa resposta, logo é um passo desnecessário.

23
DIPrivado Diana Ferreira

Então como devemos resolver este caso? Primeiro, devemos saber se este caso é ou não
objeto do DIP. É, pois está em contacto com vários ordenamentos jurídicos.

Vamos então resolver os problemas do DIP:

Os tribunais portugueses são competentes? Afirmativo, pois presumimos que os tribunais têm
competência.

Depois, à luz da lei o juiz vai avaliar se impugna ou não a perfilhação. Devemos então averiguar
qual é a lei de conflitos que se aplica a esta matéria. Cada regra de conflitos, quando manda
aplicar uma lei, não a vamos aplicar totalmente, mas sim apenas o que se aplica à matéria em
questão.

Temos de ver quais as leis competentes para cada matéria, mas como? Temos de recorrer às
regras de conflitos e perceber qual é a lei que estas indicam.

Quais são as regras de conflitos?

Art.56º, sendo o conceito quadro a constituição da filiação (temos que fazer uma interpretação
autónoma deste artigo).

Art.60º, sendo o conceito quadro a filiação adotiva (podemos adotar isto para uma adoção nos
estados unidos? Sim, temos de fazer uma interpretação autónoma).

Resta agora concretizar as regras de conflitos. Que leis elas apontam?

Art.56º: nacionalidade do progenitor (elemento de conexão jurídico, pessoal e móvel


cristalizado). Sendo D progenitor e português, o art.56º manda aplicar a lei portuguesa.

Art.60º: nr1: adoção singular; nr2: adoção conjunta. O art.60º/2 (estamos perante uma
adoção conjunta) manda aplicar a lei da nacionalidade comum dos cônjuges, neste caso, a lei
espanhola, mas dentro de Espanha, teríamos de averiguar qual a lei espanhola, pois existem
várias leis, pois é um ordenamento plurilegislativo).

Aqui, quando a nossa regra de conflitos manda aplicar uma lei estrangeira, pode existir um
conflito de leis, de sistemas, o problema se nós podemos ou não aceitar o reenvio para outra
lei, pois a lei espanhola pode remeter para outra lei (reenvio). Aceitamos o reenvio se isso
favorecer a harmonia jurídica.

A lei espanhola, manda aplicar a lei da residência da criança, neste caso Espanha. Assi, não
existe um problema de reenvio, pois a lei espanhola considera-se competente, pois não
remete para uma lei diferente da dela, neste caso.

24
DIPrivado Diana Ferreira

Agora, vamos ver as várias normas materiais potencialmente aplicáveis. O art.56º diz que a lei
competente é a lei portuguesa, mas esta só aplica as normas que pelo seu conteúdo e função
sejam relativas à meteria de filiação biológica. (art.15º). já da lei espanhola, vamos buscar as
normas que se aplicam apenas à adoção.

Temos então de elencar as várias normas aplicáveis à matéria do caso e qualificá-las. Que
normas são estas?:

Art.1987º: norma da lei portuguesa, proíbe a filiação biológica, posterior à adoção.

Na Espanha não há norma sobre isto, logo só temos uma norma para qualificar, e temos de
saber se esta se aplica ou não. O que devemos fazer para saber se se aplica ou não? Temos de
a classificar. Se for uma norma sobre filiação biológica aplica-se, se for sobre adoção não se
aplica, pois nessa matéria vigora a lei espanhola.

O que faz esta norma (art.1987º), e o que é que ela faz? Temos de olhar ao seu conteúdo e à
sua função: esta regra é uma exceção ao princípio fundamental da verdade biológica, pois não
se permite o estabelecimento da filiação ainda que seja uma filiação biológica. Este conteúdo
tem a função de proteger a adoção. Assim, podemos concluir que a matéria desta norma é
sobre a adoção, logo vamos reconduzi-la ao conceito quadro do art.60º, que nos diz que a lei
competente é a lei espanhola, logo o art.1987º não se aplica.

Notas sobre este caso:

Só existe um conflito negativo de qualificação quando não existem normas para aplicar. Neste
caso, ficamos sem solução? Não, pois se não se aplica a norma que proíbe a perfilhação, então
é porque se permite.

Mas, será que o caso termina aqui? Não basta averiguar que norma se aplica, temos de ver
qual é o resultado dessa aplicação. Aqui, D pode perfilhar, mas destruímos a adoção? Isto é um
pouco chocante, e não é isso que se pretende. Vamos ver um expediente do art.22º que
permite afastar normas estrangeiras quando estas se revelam chocantes para os nossos
princípios mais fundamentais. Conclusão, devemos sempre testar o resultado.

Caso prático 9:

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DIPrivado Diana Ferreira

Em 2012, A, italiana, casou-se com B, português, de acordo com o regime de comunhão de


adquiridos, passando ambos a residir em Portugal. Em julho de 2019, foi aberta a sucessão de
C, português residente em Milão, ex-marido de A, que, em testamento, havia nomeado A
como sua herdeira. Todavia, ainda nesse mês, A declarou, em escritura pública, o repúdio da
sucessão. B vem agora pedir a anulação do repúdio, invocando o n.º 2 do artigo1683.º e os n.
os 1 e 2 do artigo 1687.º do Código Civil português, ao que os herdeiros legítimos de C
contrapuseram que, no ordenamento jurídico italiano – e, designadamente, nos artigos 59.º e
ss. do Código Civil Italiano (que tratam da capacidade em geral) – não existia qualquer
disposição idêntica à do n.º 2 do artigo 1683.º citado supra, concluindo não ser exigível o
consentimento do cônjuge do sucessível. De facto, as indicadas normas italianas conferem
plena capacidade a A para repudiar sem consentimento de ninguém.

Cfr. os artigos 25.º e 52.º do Código Civil português e o artigo 21.º do Regulamento (UE)
650/2012 (regras de conflitos das matérias do caso) e tenha em consideração que a Lei Italiana
de Direito Internacional Privado considera competente para reger a capacidade a lex patriae e,
para regular as relações entre os cônjuges, a lei da residência conjugal.

a) Segundo o nosso ordenamento, quid iuris?

b) Se devesse seguir a conceção de Roberto Ago relativa à qualificação, como resolveria a


questão?

RESOLUÇÃO:

Este caso é objeto do DIP, pois está em contacto com vários ordenamentos.

a) Presumimos que os tribunais portugueses são competentes.

Foram-nos dadas as seguintes regras de conflito:

Art.25º: conceito quadro é a capacidade das pessoas, sucessões por morte, etc. este art.
Termina dizendo “salvo artigos…”, isto significa que passamos a ter artigos especiais para estas
matérias. Resumindo o conceito quadro principal são as relações especiais de família e por
morte.

Art.52º: conceito quadro são as relações entre os cônjuges (interpretação autónoma).

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DIPrivado Diana Ferreira

Art.21º do regulamento 659/2012: conceito quadro é a sucessão. Este regulamento é


conhecido como o regulamento das sucessões.

Usamos tanto as normas do CCiv como as do regulamento devido à transição das normas. Se
morreu antes de agosto de 2015 usamos o regulamento das sucessões, se morreu depois de
2015 usamos o art.62ºCC.

Vamos então concretizar as regras de conflito:

Art.25º: elemento de conexão é a nacionalidade (lei pessoal art.31º/1) de quem repudiou, A,


italiana, logo manda aplicar a lei italiana. Devemos ficar alerta pois manda aplicar uma lei
estrangeira e pode provocar para um conflito de sistemas. Se reenvia para outra lei devemos
ou não aceitar? Temos então que procurar a regra de conflitos da capacidade no enunciado. A
lei italiana manda aplicar a lei italiana, logo considera-se competente, logo não há reenvio.

Art.52º: manda aplicar a nacionalidade comum dos cônjuges A e B, contudo estes não têm
nacionalidade comum. Este elemento de conexão é impossível de concretizar, porém este
artigo tem uma outra solução, que é a residência comum, neste caso Portugal, portanto
aplicamos a lei portuguesa. Aqui não temos problema de reenvio, pois a nossa lei é
competente.

Art.21º regulamento: lei da residência habitual de quem morreu ao tempo da sua morte, neste
caso, Itália (milão). Mais uma vez devemos ficar alerta. Esta lei remete para outra lei? Que lei é
que a lei italiana manda aplicar? A mesma, pois esta norma é de um regulamento da EU, o que
significa que esta norma vigora da mesma forma tanto em Portugal como em Itália, logo Itália
considera-se competente, pois o seu DIP é igual ao nosso.

Art.15º: sucessões: lei italiana; capacidade: italiana; relações entre os cônjuges: portuguesa.

Vamos então elencar as várias normas materiais potencialmente aplicáveis, italianas e


portuguesas, e perceber que tipos de normas são essas, se são de matéria de capacidade, de
matéria de sucessões ou de matéria de relações entre os cônjuges:

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DIPrivado Diana Ferreira

Art.1683º/2 e 1687º: exigem o consentimento do cônjuge para o repúdio.

Art.59º CC italiano: plena capacidade para repudiar sem o consentimento de ninguém.

Estas normas são sobre o que? Precisamos de olhar ao seu conteúdo e função:

Art.1683º/2 e 1687º: primeiro, podemos concluir que as pessoas solteiras podem repudiar.
Para alem disso, concluímos que esta norma tem como função proteger o outro cônjuge.
Estamos perante uma ilegitimidade conjugal, pois reduz-se a capacidade dos cônjuges com
efeito do casamento, em ordem de proteger o outro cônjuge. Temos então o conteúdo
identificado: ilegitimidade conjugal. Mas qual é a função da norma? Porque criou esta
ilegitimidade? Se a pessoa aceita essa herança, é bom para o casal. Mas se repudiar, já não,
pois afeta o património. Pretende-se aqui proteger o património do casal.

Concluímos então, que esta norma incide sobre as relações entre os cônjuges, logo insere-se
no art.52, logo aplicamos a lei português, logo esta norma aplica-se.

Art.59º CC italiano: o enunciado diz-nos que este artigo é relativo à capacidade geral e
estabelece plena capacidade para repudiar, logo é uma norma relativa à capacidade – art.25º
CC. O artigo 25 diz que a lei competente em matéria de capacidade é a lei italiana. A lei italiana
diz que não precisa do consentimento de ninguém, o que vai contra a lei portuguesa
anteriormente aplicada.

Assim, estamos perante um conflito positivo de qualificações, pois as duas normas


simultaneamente aplicáveis são incompatíveis.

Duas notas antes de resolver o problema:

1.Porque é que isto acontece? Porque as fronteiras entre as várias matérias nem sempre são
estanques. Às vezes há normas da matéria A que acabam por produzir efeitos na matéria B.
Porém, este problema de conflito de qualificações ocorre muito raramente.

28
DIPrivado Diana Ferreira

2.Na teoria tradicional este problema também se coloca? Não. Porque só se aplica uma lei a
cada matéria.

Como resolver este conflito de qualificação? Se estamos a aplicar duas leis diferentes em
matérias diferentes e os resultados incompatíveis, temos de recorrer à hierarquização entre
regras de conflitos. Entre as duas regras de conflitos temos de escolher um, entre o art.25º e
52º.

FERRER Correia prevê alguns critérios de hierarquização:

- se tivermos um conflito entre a lei pessoal e a lei aplicável aos direitos reais, prevalece a lei
aplicável aos direitos reais. Este critério não serve, pois não estamos perante direitos reais
aqui.

- Se o conflito for entre a lei da substância do negócio e a lei da forma do negócio, prevalece a
lei da substância do negócio. Este critério também não serve. Não estamos perante um caso
de substância e forma do negócio.

- Se estiver em causa a proteção do cônjuge sobrevivo, e se houver em causa o conflito entre a


lei aplicável ao regime matrimonial e a lei aplicável à sucessão, prevalece o regime aplicável ao
regime matrimonial. Também não serve, pois o nosso problema é entre sucessão e relação
entre os cônjuges.

Como não podemos aplicar nenhum destes critérios, vamos resolver entre as normas materiais
incompatíveis. Se houver normas gerais e especiais, devemos escolher as especiais.

As normas especiais são os art.1682 e 1687. Logo, é necessário o consentimento, logo


anulamos o repúdio da senhora A, pois precisava do consentimento do marido.

Alínea b) do caso pratico:

Segundo Roberto Ago, devemos fazer duas qualificações. Primeiro uma qualificação primária –
qualificar os factos à luz da lei do foro para escolhermos uma regra de conflitos e uma lei
competente:

29
DIPrivado Diana Ferreira

Para a lei do foro, o problema é de relações entre os cônjuges, logo usamos o art.52º, só e
apenas. Logo a lei competente é a lei portuguesa.

Terminamos assim a lei primária.

Quanto à qualificação secundária, Ago diz que se aplica todo o ordenamento jurídico
português.

Resolução do caso: é necessário o consentimento, sendo anulado o repúdio. A solução é igual


à da primeira alínea.

A dupla qualificação nunca entra em conflitos, mas tem 4 grandes outros problemas:

O nosso sistema só gera conflito de qualificação as vezes, muito raramente, e tem solução.
Assim, a doutrina portuguesa não adota este método.

22/11/19

[Os casos práticos 10, 11, 12, 13, 14 não vão ser resolvidos nas aulas, pois já temos todos os
instrumentos para os fazer em casa].

Caso Prático 15

A, cidadão inglês residente em Portugal morreu em agosto de 2019, sem familiares, deixando
bens imóveis em Inglaterra. A lei inglesa permite a apropriação pela coroa dos bens sitos no
seu território nos termos de um direito real de ocupação (ocupação ius imperium). Por seu
turno, o Estado português pretende, segundo o disposto no artigo 2152.º CC ser chamado a
herdar a
totalidade da herança.

a) Quid iuris? Cfr. artigos 46.º CC e art.21.º e 22.º do Regulamento (UE) 650/2012.

b) E se todos os bens estivessem situados em Portugal, mas o de cuiús residisse em Londres, a


solução seria idêntica? Suponha que o DIP inglês adota opções conflituais iguais às nossas.

Resolução:

30
DIPrivado Diana Ferreira

1- Este caso é objeto do DIP? Sim, é uma situação plurilocalizada.

2- Podemos considerar os tribunais portugueses competentes? Visto que isto não é matéria do
DIP, vamos presumir que os tribunais portugueses são competentes.

3- Que regras devemos aplicar? Quanto a isto há vários métodos. Em Portugal adotamos
vigora o pluralismo metodológico, mas baseamo-nos mais no método conflitual, em que das
várias leis em contacto, se escolhe uma lei ou várias.
Agora precisamos de uma regra de conflitos. Como? O art.15º não permite fazer uma
classificação primária. Nós vamos chamar várias leis para matérias diferentes, e no fim
aplicamos de cada lei, só as normas da matéria em questão. Não precisamos de procurar as
regras de conflito, visto que já estão no enunciado e devemos concretizar essas regras de
conflito (é aqui que pode surgir o problema do reenvio):

Art.46º - conceito quadro é posse e propriedade dos direitos reais (temos de fazer uma
interpretação autónoma das normas materiais), e o elemento de conexão é a situação da
coisa, no nosso caso, Inglaterra, logo aplicamos a lei inglesa. Ao surgir uma lei estrangeira
devemos estar alertas, pois esta pode não se considerar competente e remeter para outra, e
gerar um problema de reenvio.
A lei inglesa considera-se competente? No fim da alínea b) diz-se que devemos considerar que
o DIP inglês tem regras de conflito iguais às nossas, assim, a lei inglesa manda aplicar também
a lei da situação da coisa, neste caso inglesa. Aqui não remete para outra, logo considera-se
competente (não há problema de reenvio).

Art.21º e art.22º do regulamento europeu das sucessões - o elemento de conexão do 21º é a


residência habitual do falecido à data da morte (residência é um elemento de conexão factual,
pessoal, móvel (cristalizado); o elemento de conexão do art.22º é a escolha da lei pelo autor
da sucessão (no caso não nos falam de escolha do autor). Devemos então identificar a
residência (Portugal), e aplicar a lei portuguesa. Assim, visto que não se manda aplicar a nossa
lei, não há problema de reenvio, pois não aponta para uma lei estrangeira.

Como já vimos, falta agora recorrer ao art.15º, que diz que devemos aplicar apenas as normas
que pelo seu conteúdo e função sejam qualificáveis como normas relativas aos direitos reais,
ou relativas ao direito das sucessões, para isso precisamos de qualificar as normas.

31
DIPrivado Diana Ferreira

A matéria de direitos reais vai ser regulada pela lei inglesa, e a matéria de direito das sucessões
pela lei portuguesa. Temos então de caracterizar para saber quais aplicar, e ao quê:

Matéria de Direitos reais:


- Há uma norma inglesa que diz que os bens imoveis situados em Inglaterra revertem a favor
do estado inglês, na falta de familiares.
- Art.1252º CC, em que o estado português se torna herdeiro, na falta de sucessores.

Depois de encontradas as normas, devemos encontrar o conteúdo e a função de cada norma:


- Norma inglesa: atribui à coroa o direito real de ocupação sobre os bens imóveis situados em
Inglaterra. Tem como função evitar que em Inglaterra existam bens imóveis sem dono.
Atendendo a este conteúdo e a esta função, esta é uma norma relativa a direitos reais.
Sendo uma norma de direitos reais, devemos então reconduzir esta norma ao art.46º, e sendo
uma norma inglesa, aplica-se, pois a matéria de direitos reais aplica-se a lei inglesa.

- Art.1252º: Diz que o Estado português é herdeiro de todos os bens, na falta de família. Aqui a
função é que a herança não fique vaga, que os direitos e obrigações não fiquem no ar.
Posto isto, estamos perante uma norma relativa ao conceito quadro de sucessões, como
nestas matérias se aplica a lei portuguesa, então esta lei aplica-se.

Assim, visto que se aplicam as duas normas, e as duas têm soluções opostas, estamos perante
um conflito positivo de qualificações – aplicamos duas leis diferentes (portuguesa e inglesa) a
matérias diferentes (reais e sucessões), coisa que habitualmente não tem problema nenhum,
mas as normas aplicáveis são incompatíveis.
Como resolvemos este problema?
Existem critérios para escolher qual delas aplicar. Em princípio tentamos escolher entre regras
de conflitos, e só se isso não for possível, escolhemos entre normas materiais.
Critérios:
- Substância do negócio vs. forma do negócio –> substância.
- Em matéria de proteção do cônjuge, regime matrimonial vs. regime de sucessões –> regime
material
- Direitos reais vs. estatuto pessoal (art.25º) –> direitos reais

32
DIPrivado Diana Ferreira

Este último critério resolve o nosso problema. Prevalece a lei reguladora dos direitos reais. Isto
é bom porque assim aplica-se a lei do sítio da coisa, e isto impede que se gerem problemas de
reconhecimento. Assim, os bens são ocupados pela coroa inglesa.

Alínea b)
Os bens estão em Portugal, e o senhor reside em Inglaterra. Isto inverte as regras de conflito.
A matéria de direitos reais manda aplicar a lei da situação da coisa, no neste caso, Portugal, e
aplica-se a lei portuguesa.
Em matéria de sucessões aplica-se a lei da residência, inglesa, e como eles têm as regras de
conflito iguais às nossas, então consideram-se competentes e aplica-se a lei inglesa.
Assim, matéria de direitos reais aplicamos a lei portuguesa, e em matéria de sucessões
aplicamos a lei inglesa.
Como já qualificámos as normas anteriormente, sabemos que a norma inglesa se reconduz ao
art.46º, pois é de direitos reais. Mas em matéria de direitos reais, é competente a lei
portuguesa. Logo, esta lei inglesa de direitos reais não se aplica.
Agora o art.2153º, é relativo a matéria de sucessões. Como já vimos, a matéria de sucessões
aplica-se a lei inglesa. Sendo o art.2153º português, não se aplica.
Estamos então perante um conflito negativo de qualificações. Este conflito é raro. Estamos a
aplicar duas leis diferentes a matérias diferentes, mas nenhuma das leis competentes tem
normas da matéria para a qual foram chamadas, e com isso criamos um vacum jurídico, o caso
fica impossível de decidir.
Temos de usar o instituto que autoriza o juiz a modificar o sistema – adaptação.
A adaptação tem várias formas, mas só damos uma:
Ferrer correia: Vamos perguntar se dentro das duas regras de conflitos conseguimos alguma
hierarquização. No nosso caso conseguimos, pois podemos dizer que a matéria dos direitos
reias prevalece (já vimos na alínea a)). Vamos ficcionar qua a norma do art.2153º é uma norma
real, pois se ela for uma norma real, aplicamos a lei portuguesa, segundo o art,46º que manda
aplicar a lei do sítio dos bens.

Solução: os bens vão para o Estado Português.

Caso prático 16:


A, brasileiro, residente em Portugal, pretende celebrar casamento, apresentando-se hoje
perante Conservatória do Registo Civil. O Conservador prepara-se para analisar a sua

33
DIPrivado Diana Ferreira

capacidade nupcial. Sabendo que a lei brasileira considera competente, neste domínio, a lei do
domicílio e pratica a referência material, que lei deve o Conservador aplicar?

Resolução:
Neste caso faltam as regras de conflitos. Porquê? Para irmos treinando a busca das regras de
conflitos.
Vamos procurar as regras de conflitos no CC, que seja da matéria da capacidade nupcial.
É o art.49º, que tem como conceito quadro a capacidade para contrair casamento, convenção
antenupcial e vícios de vontade dos contraentes. Este artigo chama a lei pessoal em relação a
cada nubente.
Como só nos interessa o nubente A, interessa-nos a lei pessoal de A, que em Portugal, em
princípio, é a lei da nacionalidade – lei brasileira.
Alerta 1! Mandamos aplicar uma lei estrangeira e isto pode gerar um problema de reenvio se
essa mesma lei estrangeira não se considerar competente. Temos sempre de ir ver as regras
de conflitos estrangeira. Alerta 2! Estamos em estatuto pessoal, logo para aceitar o reenvio
temos de ser mais exigentes, pois não podemos aplicar uma lei que não seja próxima ao
agente. Se houver reenvio, será um reenvio especial.
Posto isto, devemos olhar então às regras de conflitos estrangeira, que está sempre no
enunciado.
A lei brasileira manda aplicar a lei da residência. Entra em conflito connosco, pois nós achamos
que a lei mais próxima é a lei da nacionalidade. Isto é um conflito de sistemas.
Assim, nós remetemos para a lei brasileira, mas a lei brasileira manda aplicar a lei de
residência, neste caso, a lei portuguesa. Logo, estamos perante um reenvio de retorno –
art.18º.
Sabemos que o sistema de reenvio brasileiro é a referência material, ou seja, manda aplicar a
lei portuguesa por referência material.
Sabemos que temos uma posição pragmática sobre o reenvio, e apenas o aceitamos se este
promover a harmonia jurídica internacional. O legislador está disposto a deixar de aplicar a lei
que ele considera mais próxima para aplicar a mesma lei que os outros, para isto criar uma
harmonia jurídica internacional.
No fundo, temos que saber que leis é que os outros países estão a aplicar para saber se faz
sentido ou não aceitar o reenvio.
Se o caso se pusesse em 2 (brasil), aplicar-se-ia a L1 (Portugal), por referência material, que
desconsidera as regras de conflitos de L1.

34
DIPrivado Diana Ferreira

Como vemos, isto promove a harmonia jurídica, pois como aceitamos o reenvio, a L1 manda
aplicar a L2, mas, aceitando o reenvio, a L2 aplica a L1, logo a L1 aplica a L1. Mas para saber se
o podemos aceitar, devemos recorrer ao art.18º (retorno), e se os critérios estiverem
preenchidos, então podemos seguir com o reenvio. Nos termos do art.18º/1 aceita o reenvio.
Mas o caso não termina, pois estamos em matéria de estatuto pessoal e aceitámos o reenvio.
Nós aceitamos reenvio no estatuto pessoal, mas aqui não nos chega a harmonia jurídica
internacional, é preciso que se verifique harmonia qualificada (acordo entre a lei da
nacionalidade e da residência).
Na prática, quando estamos em estatuto pessoal (quando aplicamos a lei da nacionalidade
estamos perante o estatuto pessoal), e aceitamos o reenvio nos termos do art.18º/1, o caso
não termina. O art.18º/2 tem requisitos adicionais. Basta que um se preencha para que se
aceite o reenvio.
O primeiro requisito está preenchido, pois o agente reside em Portugal.

Caso pratico 17
A, alemã e com residência habitual em Espanha, pediu uma indemnização por danos sofridos à
sua honra e consideração em decorrência da publicação, num jornal português e em julho de
2018, de um artigo escrito por B, espanhol e residente em Espanha. Sabendo que a lei
espanhola considera aplicável a lex loci delicti e pratica a devolução simples, que lei considera
aplicável?
1- Sabendo que a lei espanhola considera aplicável a lex loci delicti e pratica a devolução
simples, que lei considera aplicável?
2- A sua resposta seria a mesma caso os danos tivessem sido originados por um acidente de
viação ocorrido em Portugal?

Resolução:
a) Violação dos direitos de personalidade – art.45º CC
b) Acidentes de viação – regulamento Roma ll

a) qual é a lei que o art.45º está a mandar aplicar à responsabilidade civil. O elemento de
conexão é o estado onde ocorreu o facto que gerou danos. Mas o nr.3 diz que se tiverem a
mesma nacionalidade ou a mesa residência, aplica-se uma destas.

35
DIPrivado Diana Ferreira

Assim, o nr.3 manda aplicar a lei espanhola, pois ambos residem em Espanha.

Alerta 1! A nossa lei manda aplicar uma lei estrangeira, e se esta não se considerar
competente podemos ter um caso de reenvio.

Devemos então analisar a regra de conflitos espanhola e a sua posição em matéria de reenvio.
Esta manda aplicar a lei local do delito – Portugal, lei portuguesa. Em relação à sua posição em
matéria de reenvio, pratica a devolução simples (não manda aplicar necessariamente a outra
lei, mas sim as regras de conflitos que essa lei manda aplicar).

E nós, aceitamos ou não o reenvio? Se promover a harmonia jurídica internacional;

Se o caso se pusesse em 2, este manda aplicar a L1 por devolução simples, logo manda aplicar
a lei 2, pois a devolução simples considera as regras de conflitos da lei 1 (e a lei 1 manda
aplicar a lei 2) logo T2 – L2.

Agora, para nós aceitarmos o reenvio, temos que ver os pressupostos do art.18º/1 (retorno).

Se a Lei 2 estiver a aplicar a lei portuguesa, aceita-se o reenvio. No nosso caso, a L2 manda
aplicar a L”, logo o pressuposto não está preenchido.

Isto remete para o art.16º que faz uma referência material, logo a L1 – L2.

Assim, não aceitamos o reenvio, pois nós não iamos deixar de aplicar a norma que nós
indicámos, pois nós mandámos aplicar a L2, logo o reenvio não ia ser útil.

b) a L1 manda aplicar a L2. Alerta1! Mandamos aplicar uma lei espanhola, mas neste caso
estamos perante um regulamento, logo têm as mesmas regras de conflito. Neste caso, ambas
as leis mandam aplicar a lei 2, logo a lei 2, espanhola, considera-se competente.

Fim do caso.

02/12/19

[podemos resolver o 23 e 24, não o 25 porque tem haver com o Regulamento das Sucessões,
não damos este ano]

Caso Prático 26

36
DIPrivado Diana Ferreira

A, cidadã francesa e residente em Itália, faleceu intestada em Portugal, sítio onde passava
férias, deixando um património composto exclusivamente por bens imóveis situados no
Paraguai.

1. Supondo que A faleceu a 1 de Agosto de 2015, qual a lei competente para reger a sua
sucessão, sabendo que:
- O direito francês aplica à sucessão dos bens imóveis a lex rei sitae e pratica a devolução
simples;

- O direito italiano manda aplicar à sucessão dos bens imóveis a lex patriae e é hostil ao
reenvio;

- A lei paraguaia, que em matéria de reenvio pratica a referência material, aplica à sucessão a
lex domicili, salvo quanto aos bens imóveis situados no Paraguai, caso em que considera
competente a lex rei sitae.

A nossa regra de conflitos, o artigo 62º do CC, manda aplicar a lei da nacionalidade, logo
manda aplicar a lei francesa (L2).
Aqui podemos ter um problema, pois quando mandamos aplicar lei estrangeira temos de ver
se ela é competente ou se manda aplicar outra lei, temos um problema de reenvio.
Também temos de estar atentos, pois estamos perante uma matéria de estatuto pessoal, a lei
da nacionalidade. Tem de existir harmonia jurídica qualificada.
O DIP francês manda aplicar a lei da situação da coisa, logo manda aplicar a lei paraguaia (L3) e
faz com devolução simples.
O DIP do Paraguai manda aplicar a situação da coisa, logo considera-se competente.
Aqui estamos perante uma transmissão de competências simples, logo temos de estar atentos
ao artigo 17º, caso aceitamos o reenvio.

Temos um sistema de reenvio pragmático, ou seja, temos de ver o que fazem nos outros
países para haver se podemos aceitar o reenvio em nome da harmonia jurídica internacional,
ou seja, deixamos de aplicar a lei que escolhemos como competente para aplicar outra.
No Paraguai (T3), se o caso fosse lá colocado, aplicava a lei do Paraguai (L3), pois considera-se
competente.
Na França (T2), se o caso fosse lá colocado, aplicava a lei do Paraguai (L3), pois em frança
considera competente esta lei e faz com devolução simples logo considera as regras de conflito
desse país.

37
DIPrivado Diana Ferreira

Chegados aqui, podemos aceitar o reenvio, porque ao aplicar a lei que não escolhemos
conseguimos a harmonia jurídica internacional, e assim ter estabilidade das relações jurídicas.
Nos termos do artigo 17º, nº1 do CC, podemos aceitar o reenvio, que diz que se o DIP da L2
devolver direta e indiretamente para outra lei e essa mesma lei se considerar competente
podemos aceitar o reenvio.
Como estamos a aceitar o reenvio e estamos perante uma matéria de estatuto pessoal, temos
de ser mais exigentes e então temos de recorrer ao artigo 17º, nº2 do CC.
Neste preceito, temos causas de cessão do reenvio, basta uma verificar-se que o reenvio que
aceitamos nos termos do número acima cessa:
❖ Se o interessado viver em Portugal;

❖ Se o país da residência estiver a aplicar a lei da nacionalidade.

No nosso caso o Sr. A não reside em Portugal, mas sim na Itália, e o DIP italiano (L4) em
matéria de sucessões manda aplicar a lei da nacionalidade do interessado, logo manda aplicar
a lei francesa (L2), com referência material.
Assim sendo, temos verificada uma causa de cessação de reenvio que aceitamos nos termos
do nº1 do artigo 17º do CC. Voltando assim para a regra do artigo 16º do CC.
Vamos abdicar da harmonia jurídica internacional, porque não havia harmonia jurídica
qualificada, logo as duas leis mais importantes para o individuo não estão de acordo.

Assim, aplica a lei que a pessoa mais conhece, ou seja, aplicamos a lei que entendemos que é a
lei mais próxima.
Contudo, no nº3 podemos reativar o reenvio, porque paramos o reenvio com base no nº2 e
estamos perante estatuto pessoal.
Para reativar temos de preencher três condições cumulativas que se encontram estabelecidas
no nº3: temos de estar perante uma situação lá elencada; a lei que consideramos competente
tem de considerar como competente a lei da situação da coisa (a L3 tem que ser a lei da
situação da coisa); e essa lei tem de considerar competente.
No nosso caso, todas as condições estão verificadas, logo podemos reativar o reenvio.
Logo, a sucessão do A vai ser regulada pela lei paraguaia (L3).
Fazemos isso a favor do princípio da maior proximidade, quando estamos a escolher uma lei
para regular uma universalidade de bens (sucessão), por vezes faz sentido destacar os bens
imoveis e submetê-los à lei da sua situação, porque onde queremos que a nossa decisão
produza efeitos é no país da situação da coisa.

38
DIPrivado Diana Ferreira

Aqui temos um afloramento indireto do princípio da maior proximidade (artigo 17º, nº3);
aceção conflitual.

2. Suponha agora que A faleceu a 1 de agosto de 2019. Qual a lei competente para a sucessão?
A regra de conflitos neste caso já é o Regulamento Europeu das Sucessões, que manda aplicar
a lei da residência habitual ao tempo da morte, artigo 21º.
Logo mandamos a aplicar a lei italiana (L2).
Como usamos um Regulamento, por isso o DIP italiana também vai usar como regra de
conflitos o Regulamento, logo também aplica a lei da residência ao tempo da morte.
Assim, neste caso aplica-se a lei italiana à sucessão do Sr. A.
[caso 27, usar o artigo 47º, regra complexa, tem um afloramento do princípio da maior
proximidade]

Caso Prático 28
A e B, ingleses e residentes em Londres, querem casar no Canadá país onde, para o efeito,
celebraram uma convenção antenupcial que é válida face ao direito inglês, mas nula face ao
direito canadiano, por incapacidade para a sua celebração.
Quid iuris sabendo que o Direito Internacional Privado inglês e canadiano regem a validade das
convenções antenupciais pela lei do lugar da celebração e que o direito inglês pratica a dupla
devolução?

Já celebraram a convenção, logo é uma situação a reconhecer e não constituídas, temos de ver
se essa convenção é válida em Portugal.
A nossa regra de conflitos, artigo 49º do CC, diz que a lei competente é a lei pessoal, lei da
nacionalidade, de cada nubente, como os dois nubentes tem a nacionalidade inglesa, logo
aplicamos a lei Inglesa (L2).
Aqui podemos ter um problema, pois quando mandamos aplicar lei estrangeira temos de ver
se ela é competente ou se manda aplicar outra lei, temos um problema de reenvio.
Também temos de estar atentos, pois estamos perante uma matéria de estatuto pessoal, a lei
da nacionalidade. Tem de existir harmonia jurídica qualificada.
O DIP inglês considera como competente o local da celebração, logo aplica a lei canadiana (L3)
e faz com dupla devolução.
O DIP canadiano considera como competente a lei do local da celebração, logo considera-se
competente (L3).

39
DIPrivado Diana Ferreira

Aqui estamos perante uma transmissão de competências simples, logo temos de estar atentos
ao artigo 17º, caso aceitamos o reenvio.
Temos um sistema de reenvio pragmático, ou seja, temos de ver o que fazem nos outros
países para haver se podemos aceitar o reenvio em nome da harmonia jurídica internacional,
ou seja, deixamos de aplicar a lei que escolhemos como competente para aplicar outra.
No Canadá (T3), se o caso fosse lá colocado, aplicava a lei canadiana (L3), pois considera-se
competente.

Na Inglaterra (T2), se o caso fosse lá colocado, aplicava a lei canadiana (L3), pois em Inglaterra
considera competente esta lei e faz com dupla devolução logo vai decidir exatamente igual
que decidiria o juiz no Canadá.
Chegados aqui, podemos aceitar o reenvio, porque ao aplicar a lei que não escolhemos
conseguimos a harmonia jurídica internacional, e assim ter estabilidade das relações jurídicas.
Nos termos do artigo 17º, nº1 do CC, podemos aceitar o reenvio, que diz que se o DIP da L2
devolver direta e indiretamente para outra lei e essa mesma lei se considerar competente
podemos aceitar o reenvio.
Como estamos a aceitar o reenvio e estamos perante uma matéria de estatuto pessoal, temos
de ser mais exigentes e então temos de recorrer ao artigo 17º, nº2 do CC.
Neste preceito, temos causas de cessão do reenvio, basta uma verificar-se que o reenvio que
aceitamos nos termos do número acima cessa:
❖ Se o interessado viver em Portugal;

❖ Se o país da residência estiver a aplicar a lei da nacionalidade.

No nosso caso, não se verifica nenhuma das duas causas de cessão deste preceito, logo
podemos manter o reenvio.
Mantendo o reenvio, aplicarmos a este caso a lei canadiana, que considera a convenção nula,
por incapacidade das partes.
O nosso sistema de reenvio tem outro princípio, o princípio do favor negotti, que funciona
como limite que esta no artigo 19º do CC.
As vezes faz parar o reenvio para salvaguardar a validade do negócio jurídico, para proteger as
expetativas das partes.
Temos dois requisitos: por causa da aceitação do reenvio o negócio é invalido; e o negócio tem
que ser válido para a lei que o DIP português considera como lei competente para regular o
caso.

40
DIPrivado Diana Ferreira

Assim, paramos o reenvio e vamos a plicar a lei inglesa (L2), e com isso o negócio tornasse
válido.
Para a Escola de Lisboa basta o preenchimento destes dois requisitos.

A Escola de Coimbra, por seu turno, é mais exigente para o parar o reenvio nestas situações.
Só faz sentido isto funcionar se houver verdadeiras expetativas das partes, para tal há dois
requisitos adicionais: o negocio já tenha sido celebrado, uma situação a reconhecer e não a
constituir; se no momento da constituição do negocio tem de haver contacto com o
ordenamento português, e assim tinham expetativas de ver aplicada a lei que Portugal
considera como lei competente (L2).
No nosso caso, não há nada que nos diga que eles tinham expetativas de que a lei que Portugal
considera como competente seria aplicada ao caso, logo não faz sentido que o artigo 19º
funcione neste caso.
Assim, continuamos a aplicar a lei do Canada, porque o reenvio não parou, logo a convenção é
inválida.

Caso Prático 29
A, brasileiro e residente em Portugal perfilhou B em Portugal, sendo este acto nulo face ao
direito português, mas válido face ao direito brasileiro.
a) Quid iuris sabendo que o direito brasileiro manda aplicar às questões de filiação a lei
do domicílio com referência material?

A nossa regra de conflitos, o artigo 56º do CC, manda aplicar a lei da nacionalidade à data da
filiação, aplicamos a lei brasileira (L2).
Aqui podemos ter um problema, pois quando mandamos aplicar lei estrangeira temos de ver
se ela é competente ou se manda aplicar outra lei, temos um problema de reenvio.
Tambem temos de estar atentos, pois estamos perante uma matéria de estatuto pessoal, a lei
da nacionalidade. Tem de existir harmonia jurídica qualificada.
O DIP brasileiro considera competente a lei do domicilio, logo manda aplicar a lei portuguesa
(L1), com referencia material.
Aqui estamos perante um retorno direto, logo temos de estar atentos ao artigo 18º, caso
aceitamos o reenvio.

41
DIPrivado Diana Ferreira

Temos um sistema de reenvio pragmático, ou seja, temos de ver o que fazem nos outros
países para haver se podemos aceitar o reenvio em nome da harmonia

jurídica internacional, ou seja, deixamos de aplicar a lei que escolhemos como competente
para aplicar outra.
No Brasil (T2), se o caso fosse lá colocado, aplicava a lei portuguesa (L1) pois faz uma
referência material, ou seja, desconsidera as regras de conflito da lei que considera
competente.
Chegados aqui, podemos aceitar o reenvio, porque ao aplicar a lei que não escolhemos
conseguimos a harmonia jurídica internacional, e assim ter estabilidade das relações jurídicas.
Nos termos do artigo 18º, nº1 do CC, podemos aceitar o reenvio, que diz que se o DIP da L2
devolver direta e indiretamente para o direito interno português.
Como estamos a aceitar o reenvio e estamos perante uma matéria de estatuto pessoal, temos
de ser mais exigentes e então temos de recorrer ao artigo 17º, nº2 do CC.
Neste preceito, temos requisitos adicionais (alternativos) para conseguir aceitar o reenvio
nestas situações:
❖ O interessado residir habitualmente em Portugal;

❖ Se o país da residência do interessado considera competente o direito interno português.

No nosso caso, está preenchido o primeiro requisito logo podemos manter o reenvio.
Mantendo o reenvio vamos aplicar a lei portuguesa, só que lei portuguesa considera a
perfilhação inválida.
O nosso sistema de reenvio tem outro princípio, o princípio do favor negotti, que funciona
como limite que esta no artigo 19º do CC.
As vezes faz parar o reenvio para salvaguardar a validade do negócio jurídico, para proteger as
expetativas das partes.
Temos dois requisitos: por causa da aceitação do reenvio o negócio é invalido; e o negócio tem
de ser válido para a lei que o DIP português considera como lei competente para regular o
caso.
Assim, paramos o reenvio e vamos a plicar a lei inglesa (L2), e com isso o negócio tornasse
válido.
Para a Escola de Lisboa basta o preenchimento destes dois requisitos.

A Escola de Coimbra, por seu turno, é mais exigente para o parar o reenvio nestas situações.
Só faz sentido isto funcionar se houver verdadeiras expetativas das partes, para tal há dois

42
DIPrivado Diana Ferreira

requisitos adicionais: o negocio já tenha sido celebrado, uma situação a reconhecer e não a
constituir; se no momento da constituição do negocio tem de haver contacto com o
ordenamento português, e assim tinham expetativas de ver aplicada a lei que Portugal
considera como lei competente (L2) – haja verdadeiras expetativas das partes em ver aplicada
a lei que o nosso sistema indica (L2).
Temos de presumir se houver algum ponto de contacto com a ordem jurídica portuguesa.
No nosso caso, temos esse contacto pois o A residia em Portugal e também perfilhou a criança
em Portugal.
Preenchendo os requisitos, cessamos o reenvio logo vamos aplicar a lei brasileira, sendo a
perfilhação válida.

b) E se a perfilhação fosse anulável à face do direito brasileiro?

06/12/19

Caso Prático 30
A e B, portugueses, casaram no Brasil em 1991 sem processo preliminar de publicações e aí
continuaram a residir até Janeiro de 2019, altura em que vieram de férias a Portugal e onde A
faleceria de acidente.
Discute-se nos tribunais portugueses a validade de uma doação feita no Brasil por A a B em
2013.
Os herdeiros testamentários de A entendem que a doação é nula face aos artigos 53.º, 1720.º
e 1762.º do Código Civil.
B invoca que possui os bens como sendo seus desde 2013 e que face à lei brasileira, onde as
relações entre os cônjuges são reguladas pela lei do domicílio comum, o negócio jurídico é
válido.
Quid iuris?

A nossa regra de conflitos, o artigo 53º do CC, manda aplicar a lei da nacionalidade comum
dos nubentes à data da celebração do casamento. A e B são portugueses, logo a lei do foro
considera-se competente.
Agora temos de fazer a qualificação das normas matérias segundo o artigo 15º do CC. Uma vez
que para a matéria do regime de bens é competente a lei portuguesa, mas não todo o
ordenamento.

43
DIPrivado Diana Ferreira

Os artigos 1720º e 1762º do CC, subsumem-se à regra de conflitos do artigo 53º do CC, logo
podemos aplicar estas normas. Assim sendo a doação é nula à luz do nosso ordenamento.
Só que a Sra. B tinha expetativas que a doação fosse válida, pois ela reside no Brasil, e se o
problema da validade da doação se colocasse nesse país aplicava a lei do domicílio comum,
logo a lei brasileira que considera este negócio jurídico válido.
Nestas situações temos de invocar o reconhecimento dos direitos adquiridos que vigora o
princípio favor negotti. O nosso legislador, quando estamos perante matéria de estatuto
pessoal, abdicar da lei que considera como competente, a lei da nacionalidade, que pode
considerar inválido um certo negócio, se esse mesmo negócio for válido para a outra lei mais
importante para o individuo, a lei da residência, e a mesma se considere competente (artigo
31º, nº2 do CC).
Mas para isto funcionar temos de verificar se todos os requisitos literais e doutrinais se
encontram preenchidos (cumulativamente):
- Temos de estar perante matéria de estatuto pessoal (literal) – porque a lei da nacionalidade
e a lei da residência estão em pé de igualdade para se aplicar; - preenchido
- Tem de ser um negócio jurídico já celebrado (literal) – pois só assim é que existem
expetativas para proteger (ideia do favor negotti) - Preenchido
- O negócio tem de ser celebrado no país da residência (literal); - Preenchido
- Que seja válido para a lei da residência e que a mesma se considere competente (literal). -
Preenchido
- Negócio jurídico já consolidado (doutrinais) – já tem de ter produzido efeitos, gerando
expetativas; - preenchido
- Que não haja uma sentença estrangeira sobre o assunto (doutrinais) – se houver já estamos
perante o reconhecimento de sentenças estrangeiras; - preenchido
- O reconhecimento tem de ser pedido a título principal e não incidental (doutrinais). –
Preenchido.

Todos os requisitos encontram-se preenchidos, logo podemos reconhecer este negócio como
válido, e a Sra. B tem direito aos bens; apesar de para Portugal não seja válida, as
reconhecemos a partir do reconhecimento dos direitos adquiridos, por força do artigo 31º, nº2
do CC, porque tanto a lei da nacionalidade como a lei da residência são leis muito importantes
para o individuo, logo se a país da residência considera válido temos que reconhecer isso.

44
DIPrivado Diana Ferreira

Caso Prático 31
A e B, espanhóis, residentes na Argentina, celebraram no Brasil uma convenção antenupcial,
onde estipularam o regime de comunhão de adquiridos, dispondo que A participaria na
comunhão por dois terços e B por um terço.
Anos mais tarde, quando já residiam em Portugal, decidiram divorciar-se e suscita-se a
validade dessa estipulação.
Isto porque quer a ordem jurídica espanhola, quer a ordem jurídica brasileira contêm um
preceito idêntico ao do artigo 1730.º do nosso Código Civil.
Diferentemente, a lei argentina não coloca entraves à validade daquela cláusula.
Sabendo que as leis argentina e brasileira submetem a validade das convenções antenupciais
ao direito do domicílio comum dos cônjuges no momento do casamento, e que o direito
espanhol remete para a lei nacional comum dos cônjuges, deveria ou não o juiz português
considerar válida esta cláusula?

A nossa regra de conflitos, o artigo 53º do CC, manda aplicar a lei da nacionalidade comum dos
nubentes à data da celebração do casamento. A e B são espanhóis (L2).
Aqui podemos ter um problema, pois quando mandamos aplicar lei estrangeira temos de ver
se ela é competente ou se manda aplicar outra lei, temos um problema de reenvio.
A lei espanhola considera-se competente, pois o seu DIP manda aplicar a lei nacional comum
dos cônjuges
Assim, a convenção antenupcial é nula, artigo 1730º. Logo a clausula não produz efeitos.
Só que a Srs. A e B tinham expetativas que a clausula fosse válida, pois eles residem na
Argentina, e se o problema da validade da clausula se colocasse nesse país aplicava a lei do
domicílio comum, logo a lei argentina que considera este negócio jurídico válido.
Nestas situações temos de invocar o reconhecimento dos direitos adquiridos que vigora o
princípio favor negotti. O nosso legislador, quando estamos perante matéria de estatuto
pessoal, abdicar da lei que considera como competente, a lei da nacionalidade, que pode
considerar inválido um certo negócio, se esse mesmo negócio for válido para a outra lei mais
importante para o individuo, a lei da residência, e a mesma se considere competente (artigo
31º, nº2 do CC).
Mas para isto funcionar temos de verificar se todos os requisitos literais e doutrinais se
encontram preenchidos (cumulativamente):
- Temos de estar perante matéria de estatuto pessoal (literal) – porque a lei da nacionalidade
e a lei da residência estão em pé de igualdade para se aplicar; - preenchido

45
DIPrivado Diana Ferreira

- Tem de ser um negócio jurídico já celebrado (literal) – pois só assim é que existem
expetativas para proteger (ideia do favor negotti) - Preenchido
- O negócio tem de ser celebrado no país da residência (literal); -> Não está preenchido; toda
a doutrina e jurisprudência concordam em flexibilizar o preceito e abdicar deste requisito, não
é imperativo; Podemos abdicar se no país da residência considera o negócio válido; é eta a
ratio do preceito e por isso o local da celebração não é determinante, podendo assim abdicar;
Faz uma flexibilização teleológica para cumprir a ratio do preceito;

- Que seja válido para a lei da residência e que a mesma se considere competente (literal). -
Preenchido
- Negócio jurídico já consolidado (doutrinais) – já tem de ter produzido efeitos, gerando
expetativas; - preenchido
- Que não haja uma sentença estrangeira sobre o assunto (doutrinais) – se houver já estamos
perante o reconhecimento de sentenças estrangeiras; - preenchido
- O reconhecimento tem de ser pedido a título principal e não incidental (doutrinais) -
preenchido

Todos os requisitos encontram-se preenchidos, logo podemos reconhecer este negócio como
válido.
Apesar de para Portugal não seja válida, ao reconhecer a partir do reconhecimento dos
direitos adquiridos, por força do artigo 31º, nº2 do CC, porque tanto a lei da nacionalidade
como a lei da residência são leis muito importantes para o individuo, logo se a país da
residência considera válido temos que reconhecer isso.

Caso Prático 32
Imagine que se discute actualmente nos tribunais portugueses a validade de um casamento
celebrado em Portugal, em 1988, entre A e B, cidadãos peruanos, mas residentes já há trinta e
cinco anos em Paris.
Na verdade, tal casamento, embora válido de acordo com o direito material português, violou
as disposições materiais peruanas e francesas vigentes em matéria de impedimentos
matrimoniais, pelo que seria inválido.
Qual deveria ser a atitude do tribunal português, sabendo que o direito peruano manda aplicar
a lex loci celebrationis e aceita o reenvio apenas na modalidade de retorno e que o direito
francês, à semelhança do nosso ordenamento, considera como competente a lex patriae para

46
DIPrivado Diana Ferreira

reger a capacidade matrimonial, embora, em matéria de reenvio, seja fiel à teoria da


devolução simples.

A nossa regra de conflitos, o artigo 49º do CC, manda aplicar a lei da nacionalidade de cada um
dos nubentes, A e B são ambos peruanos, logo mandamos aplicar a lei peruano (L2).
Aqui podemos ter um problema, pois quando mandamos aplicar lei estrangeira temos de ver
se ela é competente ou se manda aplicar outra lei, temos um problema de reenvio.
A lei peruana considera competente a lei do local da celebração, que é em Portugal, logo
manda aplicar a lei portuguesa (L1). O Peru tem um sistema de reenvio próprio, pois só aceita
na modalidade de retorno, em princípio faz referência material, a não ser que se faça retorno
para a sua lei.
Aqui estamos perante um retorno direto, logo temos de estar atentos ao artigo 18º, caso
aceitamos o reenvio.
Temos um sistema de reenvio pragmático, ou seja, temos de ver o que fazem nos outros
países para haver se podemos aceitar o reenvio em nome da harmonia jurídica internacional,
ou seja, deixamos de aplicar a lei que escolhemos como competente para aplicar outra.
No Peru (T2), se o caso fosse lá colocado, aplicava a lei peruana (L2) pois tem um sistema de
reenvio complexo, em princípio faz uma referência material, mas aceita o reenvio se houver
um retorno para a sua própria lei.
Não estamos numa situação do artigo 18º do CC, assim temos de recorrer à regra do artigo 16º
do CC.
Assim, aplicando a lei peruana o casamento de A e B é inválido à luz dessa lei.
Como há um negócio invalido já celebrado algum tempo, temos de ver o princípio favor
negotti e estar perante uma situação de reconhecimento adquiridos.
Nestas situações temos de invocar o reconhecimento dos direitos adquiridos que vigora o
princípio favor negotti. O nosso legislador, quando estamos perante matéria de estatuto
pessoal, abdicar da lei que considera como competente, a lei da nacionalidade, que pode
considerar inválido um certo negócio, se esse mesmo negócio for válido para a outra lei mais
importante para o individuo, a lei da residência, e a mesma se considere competente (artigo
31º, nº2 do CC).
Mas para isto funcionar temos de verificar se todos os requisitos literais e doutrinais se
encontram preenchidos (cumulativamente):

❖ Temos de estar perante matéria de estatuto pessoal (literal) – porque a lei da


nacionalidade e a lei da residência estão em pé de igualdade para se aplicar; - preenchido

47
DIPrivado Diana Ferreira

❖ Tem de ser um negócio jurídico já celebrado (literal) – pois só assim é que existem
expetativas para proteger (ideia do favor negotti) - Preenchido

❖ O negócio tem de ser celebrado no país da residência (literal); - Não está preenchido; toda
a doutrina e jurisprudência concordam em flexibilizar o preceito e abdicar deste requisito, não
é imperativo;

▪ Podemos abdicar se no país da residência considera o negócio válido; é eta a ratio do


preceito e por isso o local da celebração não é determinante, podendo assim abdicar;

▪ Faz uma flexibilização teleológica para cumprir a ratio do preceito;

❖ Que seja válido para a lei da residência e que a mesma se considere competente (literal). o
Não preenchido; a lei francesa considera o negócio inválido e a lei francesa também não se
considera competente; - Aqui temos de olhar tanto para as normas materiais como para as
normas conflituais;
❖ Negócio jurídico já consolidado (doutrinais) – já tem de ter produzido efeitos, gerando
expetativas; - preenchido
❖ Que não haja uma sentença estrangeira sobre o assunto (doutrinais) – se houver já
estamos perante o reconhecimento de sentenças estrangeiras; - preenchido
❖ O reconhecimento tem de ser pedido a título principal e não incidental (doutrinais) -
preenchido

Os requisitos não se encontram todos preenchidos, logo em princípio não podemos


reconhecer o negócio.
Só que na França, país da residência, segundo o seu DIP a lei competente é a lei portuguesa
que considera o casamento válido, ou seja, na França o casamento é válido.
Nestas situações, podemos reconhecer, pois fazemos outra interpretação extensiva,
teleológica; o quatro requisito também abrange os casos que aplicando outras leis, no país da
residência o negócio é válido.
O casamento é válido com base na interpretação extensiva do preceito.

Caso Prático 33

48
DIPrivado Diana Ferreira

A e B, cidadãos de Nova Iorque, residentes em Itália, contraíram casamento no Canadá, tendo


a respectiva capacidade nupcial sido apreciada à face do direito canadiano, que entendeu não
existir, no caso, um qualquer impedimento à celebração do matrimónio.
Sucede, porém, que A e B se encontravam ligados entre si por laços de parentesco que, quer
nos termos do direito material italiano, quer nos termos do direito nova-iorquino, teriam
provocado a nulidade do casamento.
Supondo que o casamento, entretanto, produziu os seus efeitos nos Estados Unidos da
América e que os tribunais portugueses eram hoje chamados a pronunciar-se sobre a
respectiva validade, diga como deveria ser resolvida a presente questão sabendo que:
-O direito italiano remete para a lei nacional dos nubentes;

-O direito de Nova Iorque e o direito do Canadá referem-se, para o efeito, à lei do local da
celebração do casamento;

-Os três ordenamentos são hostis ao reenvio.

A nossa regra de conflitos, o artigo 49º do CC, manda aplicar a lei da nacionalidade de cada um
dos nubentes, A e B são ambos de NY, logo mandamos aplicar a lei de NY (L2).
Aqui podemos ter um problema, pois quando mandamos aplicar lei estrangeira temos de ver
se ela é competente ou se manda aplicar outra lei, temos um problema de reenvio.
A lei de NY considera competente a lei do local da celebração, que foi no Canadá, logo manda
aplicar a lei canadiana (L3), e faz o reenvio com referência material.
A lei do Canada considera competente o local de celebração (L3), logo considera-se
competente.
Aqui estamos perante uma transmissão de competentes, logo temos de estar atentos ao artigo
17º, caso aceitamos o reenvio.
Temos um sistema de reenvio pragmático, ou seja, temos de ver o que fazem nos outros
países para haver se podemos aceitar o reenvio em nome da harmonia jurídica internacional,
ou seja, deixamos de aplicar a lei que escolhemos como competente para aplicar outra.
No Canadá (T3), se o casso fosse lá colocado, aplicava a lei canadiana, pois considera-se
competente.
Em NY (T2), se o caso fosse lá colocado, aplicava a lei canadiana (L3) pois tem um sistema de
reenvio com referência material, não considera as regras de conflito.
Chegados aqui, podemos aceitar o reenvio, porque ao aplicar a lei que não escolhemos
conseguimos a harmonia jurídica internacional, e assim ter estabilidade das relações jurídicas.

49
DIPrivado Diana Ferreira

Nos termos do artigo 17º, nº1 do CC, podemos aceitar o reenvio, que diz que se a L3 se
considera competente temos condições de aceitar.
Como estamos perante o estatuto pessoal, temos de recorrer ao nº2, para ver se continuamos
a aceitar o reenvio mesmo estando em matéria de estatuto pessoal. Neste preceito temos
causas de aceitação.
No nosso caso temos uma causa de cessão do reenvio, logo temos de parar o reenvio que
aceitamos segundo o artigo 17º ,nº1, pois no pais da residência manda aplicar as normas
matérias da lei da nacionalidade, não existe neste caso harmonia jurídica qualificada, as duas
leis mais importantes não estão de acordo.
Temos de ver se cabe no nº3 do artigo 17º, mas este caso não insere-se em nenhuma das
matérias la elencadas logo não podemos reativar o reenvio.
negotti e estar perante uma situação de reconhecimento adquiridos.
Nestas situações temos de invocar o reconhecimento dos direitos adquiridos que vigora o
princípio favor negotti. O nosso legislador, quando estamos perante matéria de estatuto
pessoal, abdicar da lei que considera como competente, a lei da nacionalidade, que pode
considerar inválido um certo negócio, se esse mesmo negócio for válido para a outra lei mais
importante para o individuo, a lei da residência, e a mesma se considere competente (artigo
31º, nº2 do CC).
Mas para isto funcionar temos de verificar se todos os requisitos literais e doutrinais se
encontram preenchidos (cumulativamente):

❖ Temos de estar perante matéria de estatuto pessoal (literal) – porque a lei da


nacionalidade e a lei da residência estão em pé de igualdade para se aplicar; - preenchido
❖ Tem de ser um negócio jurídico já celebrado (literal) – pois só assim é que existem
expetativas para proteger (ideia do favor negotti) - Preenchido
❖ O negócio tem de ser celebrado no país da residência (literal); - Não está preenchido; toda
a doutrina e jurisprudência concordam em flexibilizar o preceito e abdicar deste requisito, não
é imperativo;
▪ Podemos abdicar se no país da residência considera o negócio válido; é eta a ratio do
preceito e por isso o local da celebração não é determinante, podendo assim abdicar;
▪ Faz uma flexibilização teleológica para cumprir a ratio do preceito;
❖ Que seja válido para a lei da residência e que a mesma se considere competente (literal). -
Não preenchido; a lei francesa considera o negócio inválido e a lei francesa também não se
considera competente; Aqui temos de olhar tanto para as normas materiais como para as
normas conflituais;

50
DIPrivado Diana Ferreira

❖ Negócio jurídico já consolidado (doutrinais) – já tem de ter produzido efeitos, gerando


expetativas; - preenchido
❖ Que não haja uma sentença estrangeira sobre o assunto (doutrinais) – se houver já
estamos perante o reconhecimento de sentenças estrangeiras; - preenchido
❖ O reconhecimento tem de ser pedido a título principal e não incidental (doutrinais) –
preenchido

Os requisitos não se encontram todos preenchidos, logo em princípio não podemos


reconhecer o negócio.

Nestas situações, podemos reconhecer, pois fazemos outra interpretação extensiva,


teleológica; o quatro requisito também abrange os casos que aplicando outras leis, no país da
residência o negócio é válido. Não acontece neste caso.
Não podemos desistir agora, pois ainda podemos fazer uma interpretação enunciativa. Por
maioria de razão, temos de reconhecer o negócio que o país da nacionalidade seja
considerado válido.
No nosso caso, o país da nacionalidade considera competente a lei do canada que considera o
negocio válido, assim podemos reconhecer o casamento (Escola de Coimbra - não é posição da
Escola de Lisboa, pois diz que não podemos favorecer o principio do favor negotti a favor da
harmonia jurídica qualificada; mas Coimbra responde a este argumento dizendo que isso
acontece sobretudo no artigo 19º do CC).

13/12/19

Caso prático 34

A, brasileiro, domiciliado em Itália, perfilhou uma criança neste país sendo este acto válido à
face do direito interno italiano, mas nulo perante a ordem jurídica material brasileira. Supondo
que se discutia, anos mais tarde, a validade deste acto, que posição deveria tomar um tribunal
português a que a questão fosse presente?

Atente que o direito brasileiro manda regular a perfilhação pela lei do domicílio do perfilhante
e que o direito italiano a submete à lei nacional daquele, e ambos são hostis ao reenvio.

51
DIPrivado Diana Ferreira

A nossa regra de conflitos para este caso é o art.56º, artigo este que manda aplicar a lei
brasileira, mas, como sabemos, se porventura o direito brasileiro entrar em conflito connosco,
nós talvez abdicaremos de aplicar a nossa lei em nome da harmonia jurídica e do reenvio.

Não nos podemos esquecer que estamos no domínio da lei da nacionalidade e assim, o reenvio
será mais exigente (estamos em estatuto pessoal).

A lei brasileira manda aplicar a lei do domicílio, que é a lei italiana. Também sabemos que a lei
brasileira remete para a lei italiana por referência material.

Posto isto, precisamos de ver o que faz a lei italiana, que manda aplicar a lei brasileira (L2) por
referência material.

Com isto podemos concluir que para a lei italiana o negócio é válido, para a lei brasileira o
negócio é nulo.

(só há retorno quando alguma das leis manda aplicar a nossa lei, a L. Não basta haver “uma
seta para trás” para haver retorno)

Neste caso, estamos perante uma transmissão de competência simples.

O que nós queremos é que exista harmonia jurídica internacional (acordo entre os vários
países em relação à lei a aplicar, para assim se criar uma estabilidade, para não haver negócios
validos num país e inválidos noutros).

Neste caso, promove-se a harmonia jurídica internacional?

Se o caso se pusesse em 3, aplicar-se-ia a L2.

Se o caso se pusesse em 2, aplicar-se ia a L3

Só por aqui já conseguimos ver que o reenvio não consegue promover a harmonia jurídica
internacional, portanto, talvez não vale a pena fazer uso do reenvio.

Porém, temos de ter certezas de que não se preenche o requisito para a aceitação do reenvio
– aqui recorremos ao art.17º/1, em que pede que a L3 se considere competente, logo não
utilizamos o art.17º e passamos assim para o art.16º, que nos diz para fazer uma referência
material para a L2, e assim, aplica-se a L2.

Apesar de estarmos de em matéria de estatuto pessoal, não aceitámos o reenvio, portanto


não precisamos de recorrer ao art.17º/2.

52
DIPrivado Diana Ferreira

Não nos podemos esquecer que convém saber se há ou não harmonia jurídica qualificada: a lei
da nacionalidade manda a plicar a da residência e a lei da residência manda aplicar a lei da
nacionalidade – não há harmonia, logo não vamos aceitar o reenvio.

Assim, aplicamos a L2, como vimos acima.

A L2 diz que a perfilhação é nula.

Isto deve-nos deixar alerta, pois como sabemos o nosso DIP rege-se pelo princípio do favor
negotti – se houver legítimas expectativas, o DIP dá atenção a isto.

Dois expedientes deste princípio do favor negotti:

- art.19º/1 (não se aplica aqui pois não aceitámos o reenvio;

- 31º/2 – apesar de o negócio não ser válido para a lei competente, nós aceitamos aplicar
outra lei que se considere muito importante para a pessoa.

Requisitos do art.31º/2:

1- Estar no domínio do estatuto pessoal (porque nestas matérias existem duas leis muito
importantes)– sim;
2- Estar perante um negócio jurídico já celebrado – sim – pois fazemos uma interpretação
autónoma das regras de conflito e cabe aqui a perfilhação;
3- Ser celebrado no país da residência – sim – reside na Itália e foi celebrado em Itália;
4- Que o negocio seja válido para a lei da residência e que esta se considere competente
– lei italiana – para esta o negócio é válido, mas não se considera competente, pois
manda aplicar a lei brasileira – o critério não se preenche.

Não podemos desistir já.

Há duas interpretações do art.31º/2 que permitem salvaguardar a validade dos negócios


jurídicos:

1- Interpretação extensiva - Basta que no país da residência o negócio seja considerado


válido, mesmo que nesse país não aplique a mesma lei. Aqui, a lei italiana considera
manda aplicar a Lei brasileira, e a lei brasileira considera o negócio inválido, logo esta
interpretação não nos permite reconhecer a validade do negócio;

2- Para a escola de Coimbra podemos ainda fazer uma interpretação analógica deste
artigo – se estávamos dispostos a reconhecer como válidos os que são válidos nos país

53
DIPrivado Diana Ferreira

da residência, então, por maioria de razão, também devemos reconhecer como válidos
os negócios que são validos para a lei da nacionalidade (pois a lei da nacionalidade
para a nós é a mais importante, pois é a que a L1 manda aplicar). Assim, para a L2,
brasileira, aplica-se a L3, italiana, que considera o negócio válido.

Se estamos a considerar a perfilhação válida, no fundo estamos a aplicar a L3. Então porque
não aceitámos logo à partida a L3 com o reenvio? Porque não havia harmonia jurídica
internacional. Mas Coimbra defende que o princípio do favor negotti passa por cima da
harmonia jurídica internacional – o argumento é de que o nosso sistema mostra que entre os
dois se prefere o favor negotti do que a harmonia jurídica internacional.

Diferença entre o art.17º/2 e o 18º/2 (orais)

Em matérias de estatuto pessoal, o art.17º/2, em alguns casos, deixa funcionar o reenvio


mesmo sem existir harmonia jurídica qualificado. Porquê? Porque é que o legislador formulou
o art.17º/2 e o art.18º/2 de maneira diferente?

2 explicações:

Ferrer correia – o art.18º é mais exigente do que o art.17º, quanto à harmonia jurídica
qualificada, porque no caso do art.18 , o legislador conflitual português tem mais legitimidade.
isto porque a L2 remete para nós;

Batista machado – considera o art.18º normal, pois este só aceita o reenvio se houver
harmonia qualificada e essa é a regra. O art.17º é que é menos exigente. Porquê? No caso do
art.17º, nós não temos nenhuma ligação ao caso.

Caso prático 40

A, português, residente em Portugal, deslocou-se a Cabo Verde em dezembro de 2013 para


participar na instalação de uma unidade hoteleira. Durante a sua estadia, contratou B,
portuguesa e residente em Portugal, para tomar conta das crianças. Devido a um motivo
urgente regressou subitamente a Portugal em 2015, não tendo pagado os

54
DIPrivado Diana Ferreira

últimos dois meses de salário a B. Hoje, B intenta em Portugal uma ação de condenação contra
A, exigindo o pagamento da dívida e respetivos juros. A invoca a prescrição do crédito salarial
face ao direito português – artigo 337.º do Código do Trabalho (igual ao então vigente art.38.º
da LCT). B opõe a imprescritibilidade dos créditos salariais no direito cabo-verdiano.
Quid iuris?

O DIP tem três problemas para resolver.

O art.337º do CT diz-nos que o contrato já cessou em 2015, e B tinha um ano para intentar a
ação. Em cabo verde diz-se que os contratos não prescrevem.

O art.40 diz-nos que a lei que regula o contrato é a lei que regula a prescrição. Temos de
determinar qual é a regra de conflitos que nos leva à obrigação que recorre do contrato de
trabalho.

Temos 3 sistemas de DIP para determinar a lei a aplicar a negócios jurídicos: o art.41 e 42, a
convenção de Roma e o regulamento Roma 1.

O facto de Portugal não ter transposto o regulamento roma 1, não importa, pois é um
regulamento da UE e aplica-se a todos.

Segundo o Regulamento Roma l temos de ver 3 coisas:

1- Temos de estar perante um contrato;


2- Sendo um contrato, tem de ser em matéria civil ou comercial e não pode ser excluído
pelo art.1º/2.
3- Critério temporal – só se aplica o regulamento se o contrato tiver sido celebrado a
partir de 17 de dezembro de 2009.

Assim, concluímos que é o regulamento Roma l que nos vai dizer a lei aplicável ao contrato.
Segundo este, a lei que se aplica é a escolha das partes (art.3º) – princípio da autonomia
conflitual.

Será que podemos utilizar o regulamento numa situação que envolve não só estados membros
como também estados externos (cabo verde)? – art.2º - aplicação universal. É indiferente, a
lei que ele manda aplicar é a que nós mandamos aplicar, independentemente de estar em
causa um estado membro ou não.

55
DIPrivado Diana Ferreira

Se o regulamento mandar aplicar a lei de um estado membro, poderá haver um problema de


reenvio? Não, porque o regulamento vigora de igual forma em todos os estados membros.
Mas, como vimos, visto que o regulamento é de natureza universal, pode mandar aplicar uma
lei de um país que não seja membro da U.E. e aqui? Pode haver problema de reenvio?
Remissão do art.2º par ao art.20º que nos diz que se utiliza a referência material.
(desconsidera as regras de conflitos do da lei do país que manda aplicar).

Sabemos que no nosso caso não escolheram a lei aplicável ao contrato. O que fazer nestas
situações? Falhando a primeira conexão, vamos ver as conexões subsidiárias – art.42º.

Na falta de escolha, as regras de conflito vao variar conforme o tipo de contrato – art.4º
alíneas – e se tivermos um contrato que não esteja nestas alíneas? Recorremos ao art.4º/2.

O que é o art.4º/3? É uma cláusula de exceção. Aqui admite-se ao julgador excecionar o


critério que estava no nr.1 e 2.

O art.4º/4 diz que se tudo falhar se aplica a lei mais próxima. Quem escolhe a lei mais
próxima? O juiz. Mais outro expediente da flexibilização.

Neste caso não se aplica o art.4ºº, pois este só se aplica quando há igualdade entre as partes.

Para o contrato de trabalho, visto que existe uma parte mais fraca, temos um critério diferente
– art.8º.

Segundo o art.8º podem ou não as partes escolher a lei a aplicar? Podem. Qual é o risco aqui
presente? A parte mais forte vai influenciar a parte mais fraca e escolher a lei que mais lhe
convém. Assim, a autonomia conflitual nestes casos, vai ser muito mais limitada – “a escolha
não pode ter como consequência privar o trabalhador da proteção…”.

Nestes casos, tem sempre de se verificar duas leis – a lei escolhida e a lei aplicável na falta de
escolha.

No nosso caso não vamos ter de determinar duas leis porque eles não escolheram nenhuma,
apenas temos de determinar a lei a aplicar na falta de escolha – art.8º - qual é o elemento de
conexão na falta de escolha? O país onde se presta a atividade.

(incompleto)

Concluímos que o regulamento era aplicado, a prestação laboral era tomar conta das crianças
mas não sabemos onde se encontravam as crianças. Temos então de equacionar as duas

56
DIPrivado Diana Ferreira

hipóteses. Se as crianças estavam em Portugal, aplica-se a lei portuguesa e já prescreveu. Se as


crianças estavam em cabo verde, aplica-se a lei italiana e o contrato não prescreveu.

Caso prático 41

Em 2 de Maio de 2014 entre A, residente em Coimbra e uma sociedade portuguesa que se


dedica à construção civil, celebrou-se um contrato de trabalho. O local de trabalho situava-se
na Arábia Saudita. A retribuição era paga em euros, sendo fixada em função das tabelas
salariais constantes da convenção colectiva em vigor para o sector em Portugal. As partes
acordaram ainda que o contrato não seria regido pela lei portuguesa. Em 20 de Julho do
corrente ano, a sociedade comunicou por escrito ao trabalhador a vontade de rescindir o
contrato a partir do dia 30 de Setembro de 2019. A invoca a violação do direito português, mas
sociedade considera ter cumprido o direito da Arábia Saudita que considera competente.

a) Qual o direito competente para reger esta situação?

b) Supondo que o direito da Arábia Saudita é competente, que posição deveria o juiz
português tomar se a sociedade não conseguisse provar o conteúdo desse direito?

Falamos aqui de normas de cessação do contrato de trabalho.

Começamos por tentar se este contrato cabe no regulamento de Roma l, vendo se se verificam
os requisitos supra mencionados. No nosso caso, aplica-se sim o regulamento Roma l.

Como é um contrato com parte mais fraca, é mais flexível, tem depesage. Aqui, as partes
podem escolher a lei aplicável, mas essa escolha não pode ser desfavorável ao trabalhador.

Aqui, houve escolha? Não, apenas disseram qual era a lei que eles não queriam aplicar. Será
então que o regulamento permite uma escolha tácita da lei a aplicar? O art.3º diz que a
escolha deve ser expressa ou mesmo não se dizendo, percebe-se a lei que eles querem. Isto é
de facto admitir a escolha tácita.

Como sabemos se no nosso caso há ou não uma escolha tácita? Quais são os critérios para
estarmos perante uma escolha tácita?

A doutrina dá alguns critérios:

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DIPrivado Diana Ferreira

- Se houver menção a normas de uma certa lei, é indício que que as partes estavam a escolher
aquela lei;

- Se menciona um instituto que é específico de uma certa lei e que não existe em nenhuma
outra lei, presume-se q estão a escolher aquela lei;

- Se celebrar um pacto de jurisdição – escolha dos tribunais de um certo país.

Isto são indícios, não são regras de conflito. Não são decisivos. O juiz tem de olhar para o todo
do contrato e tentar perceber se existe algum destes indícios. No nosso caso prático, eles
eliminaram a lei portuguesa, o que pode querer dizer que preferiam a lei da arabia. Por outro
lado escolheram a taxa portuguesa, o que contraria o primeiro indício. Assim podemos dizer
que não existe aqui uma escolha tácita.

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