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DPM0215 – TEORIA GERAL DO DIREITO PENAL

Prof. Ana Elisa Bechara


Arthur Borghi (14/192 – 2020)
Introdução
- Direito penal surge como substituição da vingança privada por uma pena estabelecida de acordo com
padrões racionais. Assim sendo, lida com o sentimento vingativo da sociedade, mas também se manifesta
como meio de defesa a interesses sociais fundamentais. Nesse processo de proteção a esses valores,
mostra-se o desenvolvimento de um conflito latente entre garantias individuais do delinquente e a própria
proteção social. Esse conflito é, no entanto, somente aparente: as garantias individuais na verdade se
destinam a todos os cidadãos, não somente interessando ao delinquente ou ao condenado, mas sim a
todos – não é coerente uma divisão entre delinquentes x sociedade; todos somos ao mesmo tempo
potenciais delinquentes enquanto os condenados são, também, parte da sociedade.

- O objeto do direito penal são os crimes, como condutas humanas dotadas de sentido (ou seja, não são
objetivas, mas sim valoradas), imersas no âmbito das relações sociais. Não existe, pois, um
comportamento considerado negativo por si mesmo, ou seja, não há um plano natural do delito, mas sim
a atribuição social do sentido negativo a determinadas condutas.

- Controle social: compreende o sistema de controle da sociedade em manutenção da ordem social.


Assim sendo, é o conjunto de meios e instituições aplicadas aos indivíduos a fim de regular seus
comportamentos.
a) Formal: controle institucionalizado e centralizado, com indivíduos especializados em sua aplicação,
podendo agir por meio da coação física (polícia, MP, Judiciário);
b) Informal: controle generalizado na sociedade, descentralizado, que se desenvolve por meio da
sociedade e de sua auto regulação (família, igreja, escola).

- Direito Penal:
a) Nem toda expectativa social é regulada por controle social: só são considerados delitos os bens jurídicos
mais valorosos ou gravosos para a sociedade. Então, não se pode criminalizar um comportamento
considerado socialmente como neutro ou positivo.
b) Ultima ratio: o direito penal é o último instrumento de controle das expectativas sociais, ou seja, só é
utilizado subsidiariamente quando todas as demais instancias de controle lhe forem ineficazes. Isso porque
o direito penal é drástico, interfere na esfera privadíssima do individuo, demovendo-lhe direitos e
prerrogativas fundamentais (como a liberdade).
c) Para Litz, o direito penal é um conjunto de valores, princípios e normas que desvaloram e proíbem
determinados comportamentos e associam a eles, como pressupostos, penas ou medidas de segurança
como consequências jurídicas. Assim sendo tem-se como haja o poder punitivo do Estado, representante
da sociedade, que promove então uma relação de caráter publico com o individuo supostamente
delinquente. Ademais, tem-se como as sanções sejam muito custosas à sociedade e ao individuo,
justamente por serem brutais e estigmatizantes.
Observação: não há direito de punir, mas poder para tanto – “direito” é uma concepção atrelada ao
individuo, em oposição ao Estado em sua gênese; o Estado exerce, sim, um poder sobre a sociedade.
Entendendo-se a existência de um poder, é importante salientar a tendência expansiva do poder punitivo
– aonde entra o direito penal, como freio a esse poder estatal. Afinal, o direito penal surge como
contraposição ao antigo regime, na elaboração de um sistema de freios e contrapesos ao arbítrio punitivo
do poder absoluto, através do princípio da legalidade e da perspectiva da lei penal ser a carta magna do
cidadão/delinquente/indivíduo.

- Intervenção penal estatal


a) criminalização primária: determinação das condutas criminosas através de uma escolha valorativa
dos bens jurídicos a serem tutelados mediante criminalização (e sanção) no seio do âmbito legislativo.
b) criminalização secundária: no âmbito do judiciário (e do executivo no caso da policia), se desenvolve
como a aplicação da disposição abstrata da norma em uma situação concreta, de maneira seletiva –
somente alguns dos agentes são processados, em detrimentos de outros, assim como determinadas
condutas são processadas, em detrimento de outras também lesivas.
c) execução criminal: consiste na aplicação de sanção e fiscalização da pena por parte do Executivo,
que gere/administração da execução da sanção.

- Ciências criminais:
a) Política criminal: é o conjunto de estratégias de políticas publicas que atinem à prevenção e à
repressão do Estado (como ultima ratio, as penas). Conferem ao sistema penal sua função, finalidade e a
proporcionalidade das sanções em virtude de sua utilidade social.
b) Dogmática: concerne a aplicação e à prática do direito penal, internamente considerado (delito + pena;
âmbito do dever-ser).
c) Criminologia: promove crítica ao direito penal por meio de estudos extrínsecos ao sistema criminal,
com viés empírico e perspectiva crítico-analítica (âmbito do ser). Oferece prognósticos a serem
diagnosticados por meio do direito penal e da política criminal.

Observação: a criminologia e a política criminal são sistemas abertos, ou seja, que não se retroalimentam;
devem ser complementados subjetivamente pela valoração social e seguir e ser alimentado pela dinâmica
social.

Juarez Cirino dos Santos

- Direito penal define crimes, comina penas e prevê medidas de segurança. Crimes são descrições de
condutas, comissivas ou omissivas com associação de uma sanção. As condutas comissivas são positivas
(ações) e tem correlato um dever de omissão, enquanto as omissivas são negativas (omissões), com dever
associado de ação.
a) a ação ou omissão que gera um tipo de injusto é o objeto de reprovação (o que é reprovado)
b) a culpabilidade é o fundamento da reprovação (porque se reprova)
c) fato punível = (a) + (b).

- Objetivos do Direito Penal


1. Objetivos declarados (discurso jurídico oficial): consiste na proteção de bens jurídicos (valores
relevantes para a vida humana individual ou coletiva, selecionados por critérios constitucionais) com a
associação de uma pena. os bens jurídicos mais importantes são selecionados para a proteção penal, cuja
resposta/consequência são as mais graves no ordenamento jurídico. A proteção desses bens é, contudo,
subsidiária ou fragmentária. Ou seja, supõe a atuação principal de outros meios de proteção mais efetivos
antes da aplicação do sistema criminal, como última hipótese à ordem social; e não protege todos os bens
jurídicos, mas somente os selecionados como graves para serem criminalizados. Por fim, limita-se o poder
penal com o princípio da proporcionalidade, que acusa em linhas gerais que o mínimo desvalor não pode
ser punido criminalmente, mas sim civilmente e o máximo não pode ser punido com penas absurdas ou
cruéis.

2. Objetivos reais (discurso jurídico crítico): análise do significado político do direito penal como centro
de controle social, sob a perspectiva materialista (de luta de classes correspondente). Os sistemas
jurídicos instituem e garantem as condições materiais, protegendo interesses e necessidades dos grupos
hegemônicos – garantindo portanto as estruturas de capital e trabalho assalariado, instituindo o domínio
de uma classe sobre a outra. O direito penal também exerce uma função ilusória, de encobrimento e
naturalização dessas relações, que são apresentadas numa perspectiva diferente da realidade pelo
discurso oficial. Nos discursos declarados/manifestos se manifestam as dimensões de ilusão e realidade
das sociedades. Esse discurso declarado promove aparente neutralidade do sistema criminal, mas que é
dissolvida quando se estuda as fontes materiais e os modos de produção que fundamentam as classes
sociais – ou seja, trocando-se as fontes formais (leis) pelas materiais (modos de produção). Os objetivos
reais, pois, do sistema penal concernem a garantia e a reprodução da estrutura social desigual entre
classes, cujo seio possui exploração e opressão das classes subordinadas às hegemônicas. A pena
criminal, como cerne do direito penal (que é cerne do controle social), então, é em verdade instrumento
de reação oficial contra as violações da ordem social institucionalizada, garantindo a existência e
continuidade do sistema social como um todo.

2.1. Direito Penal e desigualdade social: as criminalizações primária (definição legal de crimes e penas
pelo poder legislativo) e secundária (sistema de justiça criminal - policia, justiça e prisão).
a) discursos manifestos:
- sistema criminal (secund.) como produtor do bem comum na garantia dos interesses sociais; e
- crimn. primária legitimada pela teoria jurídica do crime como critério de racionalidade.
b) discurso crítico:
- observa-se como os bens jurídicos escolhidos como gravosos para a criminalização são próprios das
elites econômicas e políticas, garantindo seus interesses, sua existência e reprodução. Assim sendo, a
criminalização primária pré-seleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal (os membros das
classes subalternas). As criminalizações das condutas próprias dos segmentos hegemônicos que
promovem lesões aos indivíduos são diferenciadas, não sendo definidas como tanto ou descritas de modo
impreciso e vago ou com penas irrisórias.
- na criminalização secundária, também, a proteção dos bens jurídicos tidos como gerais e comuns a todos
é promovido de forma desigual: aqueles que são das classes hegemônicas são seres humanos; os que
são das classes subalternas mas integrados na produção são objetos; os alheios à reprodução do capital
não são um nem outro, destruídos pela violência estrutural e institucional. Assim sendo, a criminalização
secundária seleciona os indivíduos a serem estigmatizados e processados de acordo com a posição social
que ocupem. Não se criminaliza secundariamente por conta da gravidade do crime ou da extensão do
dano, mas sim pela posição social do autor.

2.2. Bem jurídico – ainda um conceito necessário: juristas e criminólogos ainda procuram um referente
material na definição de crime capaz de exprimir a negatividade das situações conflituosas da vida coletiva,
entendendo o direito penal como ainda necessário à solução de determinados conflitos. Nesse contexto,
o conceito de bem jurídico como critério de criminalização e objeto de proteção constituem garantia
irrenunciável do direito penal no estado democrático de direito, em que se articulam as classes sociais
sobre a relação capital/trabalho assalariado. Além disso, admitir-se a proteção de bens jurídicos a partir
de criminalização não significa excluir a necessidade de relevância do bem jurídico à constituição de sua
proteção penal (o que implica que nem todos os bens jurídicos devem ser protegidos penalmente).

Direito Penal e o Estado democrático de Direito


O Direito penal conforma as condutas humanas de acordo com contextos específicos. Para se poder
entender o direito penal, deve-se atentar aos modelos de Estado no qual estão inseridos. Afinal, a
conformação social se dá em virtude também do modelo de Estado (democrático, absoluto, de Direito ou
social), em virtude desses modelos promoverem expectativas sociais que são balizadores da política
criminal, que é o que promove o sistema criminal com o direito penal.

- Modelos de Estado e direito penal


a) Estado de Direito: surge no contexto iluminista de contestação ao Estado absoluto. Nesse contexto, o
Estado de Direito promove a delimitação do poder do Estado pelo ordenamento (direito) – garante-se,
assim, autonomia do cidadão e direitos fundamentais básicos em face do arbítrio governamental (típico ao
absolutismo). Há, com isso, a transformação do súdito em cidadão (não mais submissão completa ao
poder estatal, mas sim posse de direitos que contestam e freiam o próprio arbítrio do governante).
Características: governo das leis como vontade geral, divisão de poderes, princípio da legalidade na
administração, garantia de direitos individuais (até contra o próprio Estado) e de sua concretização. Nesse
contexto, a ampla autonomia das liberdades dos indivíduos promove uma ausência de possibilidade de
coação e consequente neutralidade do Estado. O Estado continua com o poder, no entanto, de incidir
pontualmente contra as liberdades individuais dos cidadãos a fim de garantir a estabilidade social (e tão
somente). Com isso, observa-se a gênese do direito penal moderno: o delito é uma conduta que deve ser
previamente descrita e significar a violação de um valor; além disso, é o direito penal do fato, e não do
autor, ou seja, pune-se a partir do comportamento injusto e não a classe que o autor se insira ou sua
existência pronunciada de determinada forma (como era na sociedade estamental absoluta). Esse Estado,
tipicamente liberal, contudo, estabelece meramente uma igualdade formal entre os indivíduos, encobrindo
as desigualdades sociais de fato – o que tona essa liberdade inoperante, sendo incapaz de solucionar as
contradições materiais da sociedade.

b) Estado social (século XX): exercício poder mais voltado à efetivação e concretização de direitos;
proteção do individuo por meio do Estado e não contra o Estado (implementação de direitos sociais, de
socialidade entre as partes e de noções de justiça social). Materialmente, contudo, esse Estado interventor
não promove efetivamente os direitos e torna-se gradualmente arbitrário. Os interesses fundamentais
passam a ser valorados por sua eficácia (“proteção social”), desconsiderando o individuo, e gradualmente
apagando-o em função dos valores, promovendo uma espécie de submissão das minorias às maiorias.
Nesse contexto, a intervenção penal é máxima, e em detrimento dos indivíduos acusados e condenados,
mas sobretudo em função de uma suposta proteção social –> intervenção penal = terror penal.

c) Estado democrático de Direito: é orientado materialmente em direção à democracia, que tem como
figura central o cidadão – favorece-se, então, o efetivo desenvolvimento de seus cidadãos. Para tanto, o
sistema penal é posto a serviço do individuo e não o contrário (subordinação do sistema criminal ao
individuo). Assim sendo, o Estado democrático de Direito baseia-se em fundamentos, contidos no art. 1º
da CF/88, como do pluralismo político (diversidade de opiniões e expressões – convivência de interesses
e opiniões antagônicas devem ser respeitados e, mais do que isso, incentivados) e da dignidade da pessoa
humana. Nesse contexto, o direito penal atinge um formato de proteção dos interesses dos indivíduos
contra terceiros, a partir de uma intervenção penal mínima (subsidiária), conforme todos os demais
instrumentos de controle social falharem. Chega-se na máxima de intervenção penal mínima para a mais
estrita prevenção, e não eficácia máxima de intervenção absoluta.

- A função do direito penal no Estado democrático de Direito:


Perspectiva material (manifesta): define-se dogmaticamente como a proteção dos interesses sociais
fundamentais, contanto que seja de maneira subsidiária (ultima ratio – o ultimo recurso, mecanismo, para
controle social, após todos os outros falharem) e fragmentária (direito penal não protege todos os bens
jurídicos, mas sim aqueles mais gravosos e importantes, e somente aqueles ataques mais graves a esses
bens jurídicos mais valorosos).
Perspectiva fática: proteção da segurança cognitiva (em função das normas e de seus valores), na
reafirmação da norma quando o delito a nega (negação da negação do direito) – Jakobs (+ teoria do direito
penal do cidadão, com respaldo das garantias e direitos convencional, e do inimigo, aquele incapaz de
observar as expectativas sociais, de guerra, e ausência de garantias e prerrogativas em não se
considerando o delinquente como pessoa (em se considerando pessoa aquele que supre as expectativas
normativas)). Conceito muito amplo e maleável de apropriação política é falho – preferência pela
perspectiva material.
Perspectiva simbólica (latente): direito penal trabalha com o medo e com símbolos e de forma latente
com a formação de determinadas crenças e valores internamente aos sujeitos. Problema quando essa
função simbólica excede a material, e se torna tão meramente simbólico – não se volta mais à proteção
dos interesses sociais, mas somente de incutir valores na sociedade e legitimar intervenções do Estado
sem correspondência material efetiva. Não proteger nada, mas mostrar uma visão atuante do Estado à
sociedade (ex. corrupção como crime hediondo ou proteção ambiental rígida sem eficácia em sendo o
Estado brasileiro o maior agressor da natureza).

Princípios penais fundamentais


- Supremacia constitucional: exerce seu caráter transcendente por orientar materialmente por meio de
valores e axiomas principiológicos todo o ordenamento (caráter dirigente). Tríplice constitucional:
fundamentação, orientação e limitação dos ordenamentos infraconstitucionais. A vinculação entre direito
penal e constituição é necessária, porque é a Constituição que legitima o direito penal, que deve
corresponder com coerência e constitucionalidade. Além disso, a Constituição estabelece condutas
positivas (faculdades e poderes ao direito penal e não deveres, em razão da autonomia do Direito Penal)
e negativas (limite à ação do direito penal, proibições).

- Princípios penais fundamentais: são princípios inacabados, abertos em seus enunciados (não
taxativos) em virtude da potencialidade de integração além do sistema penal interpretado por seu interior,
mas adequando-o e atualizando-o a partir do dinamismo social). Eles não são necessariamente
positivados constitucionalmente, mas derivam da carga axiológica atribuída ao direito penal.

- Princípio da legalidade (art. 1º CP e art. 5, XXXIX, CF): não há crime sem lei anterior que defina e não
há pena sem prévia determinação legal. Finalidade de defesa do individuo contra o arbítrio penal do
Estado, defendendo-se os direitos e liberdades individuais do Estado (contexto tipicamente iluminista).
Assim sendo, nunca pode agir em malefício do individuo (in malam parte), sob risco de transtornar a
teleologia e natureza do princípio, mas sim em benefício do réu (in bonam parte). Portanto, compreende
retroatividade benéfica em função do réu (plano de extensão do princípio da legalidade).
a) garantia criminal (não há crime sem previsão anterior que defina) e penal (não há pena sem previsão
anterior que defina)
b) âmbito formal: direito penal, em se tratando das condutas mais gravosas e com arbítrio poderoso sobre
os indivíduos, define serie procedimental para estabelecimento de lei.
× Deve ser lei federal (normas administrativas, estaduais, municipais, a partir do executivo ou do
judiciário não podem produzir leis penais válidas). Costume jurisprudência são pois somente
fontes de interpretação em direito penal, e não de proibição.
× Requisito de ser lei escrita.
× Requisito da lei prévia: regra geral é a irretroatividade da norma penal, salvo in bonam parte
(agente ou réu), em razão da noção da justiça material.
× Requisito da taxatividade: deve ser a mais clara e precisa possível, sem termos estritamente
abstratos e polissêmicos, a fim de ser materialmente capaz de motivar os comportamentos devidos
dos cidadãos (em face de eventuais proibições ou consequentes permissões). Não devem ser
cláusulas gerais, que de tão abertas e subjetivas fazem com que o aplicador não tenha referência
valorativa definida, estabelecendo suas próprias (não-tipos). Ex. lei 7492/86, 1802/53, 3370.
A fim de se conseguir responder à dinamicidade social suscitada e promover operabilidade e
estabilidade (perenidade) às normas com espectro muito amplo sem se perder a taxatividade,
remete-se parte do conteúdo da proibição penal a outros institutos normativos extrapenais (lei de
drogas [substância entorpecente – ANVISA], de pesca em defeso [IBAMA]) – “normas penais em
branco”. A delegação de competência para fora do direito penal é inconstitucional, mas se aceitam
determinadas relativizações, contanto que respeite o núcleo da norma penal (objeto de proteção,
valor protegido, e o tipo de ataque a ser sancionado).

- Princípio da culpabilidade: não é taxativamente expresso em nenhum artigo do Código Penal e


somente parcialmente descrito no Art. 5º da Constituição.
a) impossibilidade de punir a personalidade: pune-se a conduta ativa ou negativa, e não quem a
pessoa é – a personalidade ou o caráter do autor; quem o autor é não tem lesividade nem se é possível
saber realmente quem o réu é verdadeiramente é. O direito penal de autor é intolerável e somente o de
fato é possível num Estado democrático de Direito. Art. 284 é dirigido não contra uma conduta, mas sim
contra uma classe religiosa não dominante (inconstitucional – fere a liberdade religiosa e o pluralismo
político previstos constitucionalmente e é exemplo claro do direito penal do autor).
b) individuação da responsabilidade penal: a responsabilidade penal é sempre subjetiva, pessoal,
individual. Crimes cometidos por pessoas jurídicas em matéria de direito ambiental são excepcionais,
devendo via de regra serem aplicados aos responsáveis pessoais pelos atos (e não objetivamente – como,
por exemplo, todos os sócios de uma empresa, representantes ou gestores; ou os pais pelos delitos dos
filhos; ou colaterais ao fato que não tenham efetiva participação no ato). Deve atingir aquele em específico
que promoveu materialmente o ilícito; ninguém deve ser penalizado pela conduta de outrem. Ferir esse
princípio gera descrédito com o Direito e desmotivação social em face do universo jurídico e de seus
valores envolvidos.
c) responsabilidade subjetiva: diferentemente da responsabilidade objetiva, como na seara ambiental
administrativa e consumerista, no qual a mera contestação da causalidade gera punição; vínculo subjetivo
– se era exigível ou não a motivação normativa; relação de causalidade intrínseca entre a conduta (ativa
ou passiva) de um individuo ao fato, em virtude da motivação normativa à conduta (o que é devido).

- Princípio da proporcionalidade: não basta por si mesma, deve ser recheada/completada com outros
requisitos – ofensividade do autor, lesividade da ação, reação social. Primeiro juízo de proporcionalidade
é legislativo, em se imputando axiologicamente uma pena maior a delitos envolvidos a bens jurídicos mais
gravosos (pena homicídio > pena furto), havendo uma coerência e sistematicidade interna ao
ordenamento. Depois, concretamente, avalia-se a proporcionalidade da ação a sua pena.
a) idoneidade/adequação: a pena deve ser adequada à conduta, ou seja, apta a adimplir os requisitos a
que se propõe (utilitarismo da pena);
b) necessidade/exigibilidade: entre o rol dos instrumentos aptos a atingir o mesmo efeito, deve-se
escolher o menos custoso e grave à sociedade;
c) proporcionalidade em sentido estrito: reação deve ter a mesma gravidade do que a ação (seja
legislativa ou concretamente nas decisões judiciais).

- Princípio da intervenção penal mínima: ultima ratio, ou seja, o último mecanismo/instrumento de


controle estatal da ordem social em matéria penal. Todos os demais meios de controle, tais como os
informais, devem ser aplicados prioritariamente – direito penal é subsidiário.

- Princípio da ofensividade ou lesividade: decorrente da intervenção penal mínima e na função do direito


penal de proteção material de interesses sociais gravosos. Só há delito quando a conduta do agente
significa uma lesão a um interesse social fundamental (bem jurídico) – nullum crimen sine iniuria.
a) exigência legislativa: as normas penais só podem descrever condutas lesivas a bens jurídicos – se for
uma norma que não ofende bem jurídico algum, não pode ser tolerada;
b) exigência judiciária: a partir de uma norma abstrata, deve-se analisar se no caso concreto o acusado
tenha ofendido realmente um interesse social fundamental;

- Princípio da humanidade das penas: intervenção do estado só se faz justificada quando tem utilidade
social e não há utilidade alguma em penas cruéis, que não trazem nenhum efeito positivo verificado. É
decorrente do iluminismo, como respeito à personalidade das pessoas (reconhecer os indivíduos como
pessoas) e sua consequente integridade. Tem seu cerne indiscutível e inegociável a dignidade da pessoa
humana. As penas corporais (e consequentemente capitais) foram gradativamente flexibilizadas e
descartadas por meio da humanização das penas, até serem integradas ao ordenamento brasileiro como
inadmissíveis (pena de morte é impossível no Brasil).
a) O direito penal deve priorizar outras penas à privativa de liberdade, que deve ser interpretada como
excepcional e não regra.
b) Deve-se atentar ao cumprimento da sentença prolatada, ou seja, deve-se privar-se o sentenciado tão
somente de sua liberdade e não de outros direitos fundamentais.
É princípio constantemente violado no sistema carcerário brasileiro. Mais do que simples problema do
sistema penal, tal falência é resultado político e ideológico da sociedade brasileira, que entende as penas
como retribuição aos delitos, naturalizando a desumanidade das penas. A ausência da humanidade das
penas alivia o sentimento social de vingança, mas a longo prazo produz uma efetividade inversa, não de
efeito positivo, esperado, mas de prejuízo aos índices de criminalidade e segurança aos valores
fundamentais da sociedade (sobretudo em se considerando o autogoverno das facções criminosas dentro
dos presídios). A humanidade das penas, portanto, é mais do que pensar na dignidade e em considerar o
detento como pessoa de direitos, mas também de proteção e utilidade da sociedade.

- Princípio da ressocialização: manifesto no art. 1º da Lei de Execução Penal (LEP). Qualquer pena de
direito penal deve se voltar à ressocialização do condenado. A noção atual é que não é que se ressocializa
por meio da pena, mas apesar dela. Baratta associa a reintrodução social. Não pode ser entendida como
reeducação do condenado, em se interpretando a pluralidade política de uma sociedade democrática e o
direito à autodeterminação de todos os indivíduos (não podendo, assim, o Estado inserir qualquer tipo de
valores em ninguém). Só é possível a motivação do individuo de acordo com os valores da sociedade se
houver integração social. Como se faz a reintegração social?

Juarez Cirino dos Santos

- Princípios constitucionais regem o direito penal nos níveis de criminalização primária e secundária,
sendo indispensáveis garantias do individuo em relação ao poder punitivo do estado. As normas jurídicas
compreendem regras e princípios: as regras são normas de conduta realizadas ou não pelo
comportamento humano material e os princípios são normas de otimização das possibilidades jurídicas.

- Princípio da legalidade: é a norma fundamental do Estado de Direito, a fim de proteção do individuo,


sob a fórmula nullum crimen, nulla poene sine lege. Proíbe a retroatividade, a analogia o costume como
fonte penal e a indeterminação dos tipos e penas (quando in bonam parte, são flexibilizados e aceitos pelo
ordenamento – lex praevia, lex scripta, lex stricta e lex certa).
a) Proibição da retroatividade da lei: lex praevia – proíbe todas as alterações dos pressupostos de
punibilidade e de sanção prejudiciais ao réu. A única exceção permitida de retroatividade é a do princípio
da lei penal mais benigna (in bonam parte), no art. 5º, XL, da CF.
b) Proibição da analogia da lei penal: as analogias, formadas pelo pensamento comparativos de casos
a fim de identificação de semelhanças aplicáveis, significa na seara penal a aplicação de fatos não
previstos, mas semelhantes aos previstos. Assim sendo, se o significado da analogia representar prejuízo
(prater legem ou contra legem) ao réu é analogia proibida; mas se representar benefício in bonam parte
(intra legem), é permitida.
c) Proibição do costume como fonte da lei penal: lex scripta – proíbe o costume como fundamento de
criminalização e de punição de condutas, salvo in bonam parte, quando exclui ou reduz a pena ou
descriminaliza o fato (perda de eficácia – perda de validade).
d) Proibição da indeterminação da lei penal: lex certa – exclui as leis indefinidas ou obscuras, que
favorecem decisões arbitrárias e dificultam o conhecimento da proibição (motivação dos sujeitos fica
comprometida); pressupõe um mínimo de determinação da lei penal, o conhecido princípio da taxatividade,
a exigência de certeza da lei.

- Princípio da culpabilidade: a culpabilidade pressupõe o tipo de injusto, mas não o contrário (a


culpabilidade encontra-se dentro dos tipos de injusto). Nulla poena sine culpa. Proíbe punição a pessoas
sem os requisitos de juízo de reprovação, sendo, pois, excluídos os:
(i) incapazes de saber o que fazem, ou seja, incapazes de compreender a norma e então determinar-se a
partir dela – inimputáveis, mas sem prejuízo a medidas de segurança que em virtude da periculosidade
criminal, tem natureza objetiva em função da proteção do autor e da sociedade;
(ii) que não sabem o que fazem em condição de erro de proibição inevitável, e que, portanto, não
poderiam motivar-se conforme a norma jurídica (o que motiva o juízo de reprovação); e
(iii) os imputáveis, que apesar de conhecimento pleno da proibição, não tinham poder e não fazer o que
fizeram, em contexto de anormalidade, definidos como situações de exculpação.
Todos os crimes qualificados pelo resultado são incompatíveis com o princípio e devem ser excluídos da
legislação penal, seja difusamente (práxis penal pelos tribunais) ou por ações direta de
inconstitucionalidade nos tribunais superiores (supremo).

- Princípio da lesividade: impede as criminalizações primaria e secundária pela logica de que lesões
irrelevantes contra bens jurídicos não devem ser protegidos pela lei penal; de mesma forma, lesões
insignificantes a bens jurídicos protegidos não constituem crime (princípio da insignificância).

- Princípio da proporcionalidade: possui três princípios parciais – adequação, necessidade e


proporcionalidade em sentido estrito (avaliação) – de aplicação sucessiva e complementar.
(i) adequação: otimização das possibilidades da realidade adequando os meios em relação aos fins
propostos. Assim, indaga-se se a pena é um meio adequado para realizar o fim proposto de proteção do
bem jurídico.
(ii) necessidade: questiona-se se a pena aplicada seria meio necessária para essa realização.
(iii) a proporcionalidade em sentido estrito promove otimização das possibilidades jurídicas, nas
criminalizações primária e secundária, adequando a pena aplicada à natureza e extensão da lesão sobre
o bem jurídico.
Assim sendo o princípio da proporcionalidade descarta penas excessivas ou desproporcionais em face do
desvalor da ação ou do resultado (função de retribuição equivalente). Possui duas dimensões: a) abstrata
– dirigida ao legislador na criminalização primária, definido as sanções em função da natureza e extensão
do dano social produzido (nesse contexto, é essencial a hierarquização dos bens jurídicos para produção
de penas em escalas – vida > patrimônio); e b) concreta – dirige-se ao judiciário na criminalização
secundária, quando da adequação dos custos individuais e sociais em relação à pena; nesse sentido, o
juiz pode fundamentar critérios compensatórios das desigualdades sociais decorrentes da criminalização
secundária, a fim de reduzir a seletividade dela, no momento de prolação da decisão como juízo de
reprovação.

- Princípio da humanidade: deduzido da dignidade da pessoa humana, fundamento do EDD. Exclui a


cominação de penas de morte, perpétuas, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (castrações,
mutilações etc). Além de influenciar a elaboração de penas cruéis, no plano abstrato, proíbe também
concretamente a execução de penas cruéis, em condições desumanas e indignas, como ocorre
invariavelmente no país, sobretudo com o Regime Disciplinar Diferenciado. Garante, pois, a integridade
física e moral do ser humano, além de prescrever que todos os demais direitos além dos não atingidos
pela sentença devem ser plenamente resguardados.

- Princípio da responsabilidade penal pessoal: limita a responsabilidade penal a (i) seres humanos,
excluindo as pessoas jurídicas, incapazes de culpabilidade e (ii) autores e partícipes do tipo de injusto,
ficando proibida estender a pena além da pessoa do condenado. O objeto da responsabilidade penal
pessoal é o tipo de injusto, realizado concretamente, mas o fundamento é a culpabilidade – deve somente
o culpado por um comportamento típico pode ser responsável pela realização desse tipo de injusto.

Processo valorativo e aplicação da lei penal


- Valoração da norma penal: em virtude do princípio da legalidade, tem-se como a fonte do direito penal
seja, necessariamente, uma lei escrita, anterior e determinada e que a competência para a elaboração
dessas normas seja a União. As normas são, pois, de análise central na toria penal. As normas, como
texto, contudo, são inacabadas, dependendo da leitura e interpretação a sua concretização (e
acabamento) – aqui, entra o processo de valoração das normas penais. Entre os muitos sentidos possíveis
da norma, deve-se aplicar uma interpretação teleológica: adotar a orientação da norma em virtude de
sua finalidade (análise valorativa teleológica), ou seja, a defesa do bem jurídico.
× Em virtude disso, deve-se interpretar a norma em face do que ela representa e dos casos materiais
que ela prevê, não devendo entender sua prescrição a casos não previstos (analogia), a não ser que
in bonam parte (favorável/benéfica ao agente – questão de justiça material). Normalmente, não se tem
aceitação jurisprudencial dessas analogias in bonam parte.

- Concurso de normas penais: hipóteses em que os casos materiais são regulados por mais de uma
norma penal. Nesses não se pode utilizar do desvalor duas, em virtude de uma noção justiça concreta, em
não se dever punir duas vezes um autor por só uma conduta – deve-se, assim, eleger só uma para ser
aplicada concretamente, que compreenda o caso como um todo. Critérios:
a) especialidade: quando uma norma tiver todos os elementos gerais das demais mais elementos
especializantes, essa deve ser aplicada. Ex: crime de infanticídio (que abarca o desvalor social do
homicídio e também a especialidade do caso, que no caso tem 4 elementos especializantes).
b) subsidiariedade: hipótese de que uma norma só pretende ser aplicada quando nenhuma outra for mais
cabível (é, portanto, subsidiária a outras). Pode ser expressa (manifestada pelo próprio tipo, “salvo se o
comportamento for considerado crime mais grave”) ou tácita (em função da gradação à ofensa ao bem
jurídico), como com (i) tentativa de crime, que é subsidiária à consumação do fato (responde-se somente
pelo homicídio, se houver óbito da vítima, ainda que com tentativas frustradas anteriores imediatamente
ao ilícito); (ii) dolo e culpa (culpa é subsidiária ao dolo) ; (iii) crimes de perigo e crimes de dano (crime de
perigo é subsidiário ao de dano); (iv) crimes simples e qualificados (simples são subsidiários aos
qualificados). Depende, portanto, de juízos valorativos, que podem ser complexos.
c) Consunção: uma norma absorve a outra quando, por si mesma, contém o desvalor que a outra encerra.
Duas hipóteses: (i) quando um fato normalmente acompanha outro (e não necessariamente), como meio
de consumação desse outro (relação meio-fim; concretamente, e não necessário, ou seja, poder-se-ia
não a utilizar e ainda atingir o efeito da outra). O crime-fim não necessariamente é mais lesivo ou grave.
Ex de falsidade documental que é absorvida pelo crime de sonegação ou porte de arma ilegal que é usada
para materializar homicídio; (ii) pós-atos ou atos posteriores, ou seja, atos que ocorrem depois da
consumação do crime com finalidade de assegurar o beneficio obtido pelo crime – não são punidos, por
serem considerados absorvidos logicamente pelo crime anterior, desde que não ofendam nenhum outro
bem jurídico. Ex de indução de receptação após consumação de furto; ocultação de cadáver após
homicídio promove duplo desvalor (a bens jurídicos diferentes), não sendo, pois, englobado. Aplicação é
valorativa e, portanto, de complicada aplicação, gerando na jurisprudência resultados diferentes a partir
de materializações semelhantes.

a) Lei penal no tempo:


- Sucessão (temporal) de normas penais:
Crimes podem ser consumados instantânea ou de maneira prolongada. Segundo o art. 4º do Código
Penal, segue-se no ordenamento brasileiro a teoria da ação – o momento do crime é o da conduta, ainda
que o resultado seja posterior. Assim, mesmo que o resultado da conduta se desenvolva muito depois
dela, a perpetração do crime é no momento da ação ou da omissão. Existem crimes permanentes, que
são aqueles cuja consumação se protrai no tempo (como um sequestro). Nesses casos, aplica-se a lei
mais imediatamente anterior à finalização da conduta, que pode ter surgido durante a execução
prolongada do ato ilícito (ou seja, a lei de vigência mais recente quando do encerramento da consumação
prolongada do ilícito). No caso de exercício irregular de medicina, ou na manutenção de casas de
prostituição, esses crimes são considerados habituais, necessitando do prolongamento temporal de
determinada conduta, mas somente com esse prolongamento há consumação do ilícito.
Importante: o nascimento da lei penal se dá com a data de início de sua vigência, e não quando ela é
sancionada; sua morte, de mesma forma, quando ela é revogada por outra.

- Art. 2º (abolitio criminis): exceção extrema à irretroatividade da norma penal, na hipótese de


descriminação de uma conduta ora criminalizada. Desaparecem todos os efeitos em relação ao fato, ainda
que o acusado esteja julgado e já condenado – observação: o fato em não desaparece, somente sua
desvaloração de ilicitude e seus efeitos. Juarez Cirino dos Santos prevê a retroatividade da lei penal nas
hipóteses de leis em branco, leis temporárias/excepcionais, lei de execução penal e jurisprudência.

- Art. 3º: leis temporárias (tem prazo de vigência determinada) ou excepcionais, ainda mantém a eficácia
dos efeitos concernentes a crimes perpetrados durante sua vigência, ainda que sejam ulteriormente
revogadas (ultra-atividade). Não há possibilidade de aplicação de abolitio criminis ou retroatividade
benéfica ao réu. Juarez Cirino dos Santos encerra uma controvérsia envolvendo a questão, no
concernente a argumentos de utilitarismo de dilacoes processuais pelo direito penal e da
incondicionalidade da exceção constitucional da retroatividade do princípio da lei penal mais favorável.

- Leis hibridas: a retroatividade parcial é possível, e não se é considerada como invasão da atividade
legislativa (o que comprometeria a divisão dos poderes de Estados de direito, mas não o faz pela previsão
do art. 2º, parágrafo único, na expressão “de qualquer modo”). Assim, pode-se retroagir parcialmente a lei
penal, naquilo que os efeitos forem benéficos ao réu, descartando-se a eficácia dos maléficos. Se a lei
posterior for maléfica, não se tem lógica sistêmica em a retroagir. É controvertida a questão, alguns autores
acusando a construção de lex tertia, proibida ao intérprete.

- Ultra-atividade: leis intermediárias podem sim ser aplicadas em casos concretos (de maneira retroativa
e ultrativa) em caso de benefício ao réu [L1 – C – L2 (+) – L3 ( – )]. L2 pode ser aplicada, com efeito retroativo
e ultrativo, ainda que tenha sido revogada pela L3, em virtude do caráter mínimo do direito penal.
b) Lei penal no espaço:
- Cada Estado é soberano e promove seu ordenamento nos limites territoriais de sua jurisdição e
soberania. Os indivíduos que promovem condutas no território são imputados a partir do ordenamento do
local, independendo sua nacionalidade. Pode-se exercer pressões diplomáticas entre estados, mas não
há garantia da eficácia dessas pressões diplomáticas. Preocupação do tema é a impunidade, por questão
de justiça concreta, em não se permitir a existência de um crime perfeito.

- Art. 5º (princípio da territorialidade): ao crime perpetrado em território brasileiro, independente da


nacionalidade dos envolvidos, aplica-se a lei penal brasileira. O âmbito espacial sujeito à soberania do
estado (território) não se limita ao solo do país (compreende também o espaço aéreo e as águas
brasileiras). Além do território, considera-se as hipóteses de expansão do território brasileiro no caso de
navios e aeronaves a serviço do Brasil, ainda que em território estrangeiro.
Princípio real ou de defesa

- Art. 6º (teoria da ubiquidade): o local da prática do crime é qualquer lugar, onde ocorreu o
comportamento (parcial ou totalmente) e onde o resultado se produziu ou deveria ter se produzido o
resultado (não segue, portanto, a teoria da conduta ou do resultado). Bis in idem (dupla penalização) é
intolerável pela carga axiológica do ordenamento brasileiro – art. 8º): pena cumprida no estrangeiro atenua
ou é computada integralmente na pena brasileira, a depender da similaridade das sanções.

Art. 7º: excepcionalidades ao princípio da territorialidade; aplicando-se o ordenamento brasileiro a crimes


ocorridos internacionalmente, independentemente da nacionalidade do agente.
i. Princípio real ou de defesa (da proteção): crimes considerados especialmente gravosos ao Brasil,
como contra a vida ou liberdade do Presidente, tem aplicação incondicionada da lei brasileira, ou
seja, independente do local do crime ou da nacionalidade de agente ou qualquer outra variável
suscitada (bem como os contrários ao patrimônio ou fé pública das p. jurídicas de direito público e
contra a administração pública por autor a serviço público). Pune-se pela lei nacional ainda que tenha
sido absolvido ou condenado no estrangeiro (art. 7º, §1º);
ii. Principio da nacionalidade ou personalidade: aplica-se a lei brasileira por crime cometido (forma
ativa, art. 7º, II, b) ou sofrido (forma passiva, art. 7º, §3º) por brasileiro no exterior, desde que o autor
retorne ao país e não tenha sido absolvido ou cumprido a pena (segue uma lógica de
subsidiariedade/condicionada, ou seja, somente quando não houver julgamento no território
estrangeiro, buscando-se evitar impunidade), além dos demais requisitos do § 2º, tal como a ilicitude
da conduta no local que ela foi perpetrada e no Brasil (dupla condenação) e o agente se adequar
aos requisitos previstos à extradição (regulados por tratados internacionais entre o Brasil e o país da
conduta);
iii. Princípio da representação ou da bandeira (também de aplicação condicionada, de
subsidiariedade): aplica-se a lei penal brasileira se aeronave ou embarcação com bandeira brasileira
e não forem julgados no território da conduta (art. 7º, II, c);
iv. Princípio da universalidade (competência penal universal ou cooperação penal internacional):
aplica-se por força de convenção internacionais os crimes que o Brasil se comprometeu a reprimir
por tratado ou convenção (art. 7º, II, a), ainda que o cidadão não seja brasileiro e a conduta não seja
criminalizada pelo ordenamento brasileiro ou do local de cometimento, por consideração de um
desvalor supranacional, de importância geral, independentemente dos Estados e de sua soberania
(caráter de supraestatalidade). Validade da jurisdição do Tribunal Penal Internacional para aqueles
estados signatários do Estatuto de Roma, como o Brasil, na perspectiva de Justiça universal. São
crimes imprescritíveis, mas seguem o princípio da legalidade (em contraposição aos julgamentos ad
hoc anteriores, de julgadores parciais e posteriores ao cometimento do delito). Segue os requisitos
do §2º do CP, assim como o princípio da nacionalidade o segue.
Extradição: ato de entrega de um delinquente ou potencialmente delinquente (i.e., que ainda será
julgado), pelo Estado em que esse individuo se encontra a outro jurisdicionalmente competente, mediante
solicitação diplomática desse a aquele. No brasil, é regulada pela Constituição e pelo Estatuto do
estrangeiro (Lei 6815/80 – ver especialmente arts. 63, 77, 78, I e II, art. 91 que concernem as condições
de concessão, compromissos do Estado requerente, a exclusão da extradição e a proibição de
dissimulação), sendo controlado jurisdicional (Supremo Tribunal Federal – filtro jurídico, de justiça e
objetividade) e politicamente (Chefe de Estado – filtro político, de conveniência internacional na
cooperação) e com regra geral de não extradição do brasileiro, salvo por crime cometido por naturalizado
antes de sua naturalização, além de princípios basilares, pautados nos princípios da justiça brasileira.
Extradição diferencia-se de deportação (saída obrigatória do estrangeiro que estiver de forma irregular
ou clandestina no território nacional, podendo retornar ao território nacional – art. 63/8615) e expulsão
(saída obrigatória do território nacional de estrangeiro que tiver atentado contra a ordem social ou política
nacional, não tendo prerrogativa de retornar ao Brasil – art. 75, I/8615).

Evolução epistemológica do direito penal


- Três etapas: a) sociedades totêmicas – crimes como ofensas aos deuses, resposta como tentativa de
aplicar a cólica divina; b) violência de um grupo a outro – pena é retribuição de um grupo por outro (espécie
de autotutela); c) sociedades organizadas em torno de um Estado – crime é transgressão à ordem jurídica
posta pelo Estado e pena é reação institucional contra a vontade individual

- Modelo tradicional punitivo é vertical, isto é, não de resolução de conflitos entre as partes mediante
consenso (horizontal), mas sim uma relação entre o réu e o Estado independente da vítima como parte
interessada, que se torna só signo autorizador da intervenção penal.

- Perspectiva histórica: o antigo regime, o direito penal era rigoroso e desigual, reflexo da sociedade de
privilégios de então. Não significava um direito penal de garantia dos direitos, mas sim de otimização da
punição estatal ao acusado, que era interpretado como inimigo do soberano e deveria, pois, ser eliminado.
Surge uma resposta humanitarista do iluminismo com base no contrato social: delito deixa de ser visto
pelo prisma ético-religioso, e passa a ser interpretado por sua dimensão danosa e sua utilidade. Surge
com isso uma espécie de garantia dos direitos dos indivíduos contra o arbítrio do Estado, que passa a ser
legitimada somente com o preenchimento dos requisitos de lesão (Beccaria e Homer). Esse direito penal
é tipicamente iluminista ou liberal e marca o surgimento do direito penal moderno, em moldes do que
conhecemos hoje (em contraposição ao antigo regime). No Brasil, evidencia-se 3 momentos: a) período
colonial – ordenações do reino português não eram rigorosamente aplicadas (legalidade), com base no
entendimento do que era a lei propriamente dita (o que nem sempre compactuava com a realidade) e em
integrações de lacunas em função de um senso comum e em perspectivas religiosas (noção de pecado).
Direito penal marcadamente cruel e arbitrário, pautado numa tradição jurisprudencial, de penas cruéis,
severas e heterogêneas (em função da classe social do apenado); b) período imperial – apuro técnico e
teórico, de tendência liberal, apesar de manter pena de morte; c) período republicano – a elaboração do
código penal é anterior à constituição, de forma acelerada e com falhas técnicas, que demandaram várias
alterações, formando uma “colcha de retalhos”. No estado novo, o código penal até agora em vigor é
promulgado. No período militar, além da violação dos direitos fundamentais, o brasil se isolou
cientificamente das discussões do direito penal, se atrasando na seara criminal (finalismo tardio na década
de 60 – chaga da dogmática brasileira, que foi parcialmente mas não homogeneamente superada).
Constituição de 1988 intensifica no direito penal a consciência de proteção dos interesses sociais e supra
individuais. Além de ser interpretado como um direito penal coletivo, a carga política do direito penal
atualmente é severa e simbólica, endurecida.

- Escola clássica: ideologia iluminista, pautada no Jusnaturalismo e no contrato social (base metafísica).
Delitos são culpáveis por representarem um delito a um direito subjetivo da vítima correspondente à lesão.
Método dedutivo: racionalista e abstrato. Os indivíduos são regidos pelo livre arbítrio, e os que delinquem
escolheram a promoção da lesão, o mal – base da responsabilidade penal. Verifica-se, então, a liberdade
do agente e o nexo psicológico comportamento-resultado (lesão). Esse nexo é baseado numa perspectiva
causal, naturalista, no qual o comportamento corresponde ao movimento muscular voluntário que
promoveria a lesão. A pena é uma resposta, retribuição, a culpa moral do agente. Retributivismo kantiano.
A escola se destina cientificamente ao legislador, no contexto de codificação, com vias de racionalização
do direito penal a sua positivação. Vinculação excessiva com a metafísica (jusracionalismo exacerbado) e
consequente afastamento da realidade, de juízo moralizante. Beccaria.
- Positivismo: reflexo do desenvolvimento científico e industrial, tentativa de estabilização do direito penal
como ciência a partir de uma imposição de metodologia empírica (metafísica não seria científica).
Destinatário não mais o legislador, e sim o aplicador das normas. Cientificidade passa a ser pautada nos
dados empíricos, priorizando o método lógico-formal e empírico (indutivo), com supressão dos valores
(subjetivismo → afastamento, imparcialidade). Delito é baseado na relação causal e empírica entre causa
e o resultado observado. Ausência de valoração, importante no direito penal. Formalismo, ordenamento
completo (basta subsunção) e fechado. Ordenamento como pressuposto e inquestionável. Estudo relativo
à prevenção (necessidade/funcionalidade da pena), e não só a retribuição (perspectiva clássica).
× Positivismo criminológico/sociológico: se difere do positivismo jurídico porque não toma as normas
como realidade dada (pressuposto inquestionável), mas sim o delito e o delinquente – diferença do
objeto, mas com mesmo método indutivo e empirista. a) Lombroso: delinquência como característica
inata do criminoso. Traços fenotípicos identificam o sujeito delinquente. b) Ferri: Inexistência do livre
arbítrio, determinismo. c) Garófalo: critério da temibilidade/perversibilidade do agente à reprovação
penal e sua gradação.

- Neokantismo (Radbruch, Meyer e Mezger): introdução da dimensão valorativa ao direito penal e em


seu sentido normativo. Associação da metodologia empírica ao que os autores denominam “normas de
cultura”. Bechara contesta esse relativismo axiológico com base na noção de “homem médio” e sua
valorização estritamente subjetiva. Concepção ampla e genérica do conceito de valor gera possibilidade
de apropriação ideológica muito permeável – nazismo (“momento de ruptura”). Isolamento da realidade
com foco estrito nos valores. “Positivismo jurídico aberto à filosofia dos valores”. Direito totalitário,
moralizante, de conteúdo estritamente ético.

- Finalismo (Welzel): demanda contra o arbítrio e o punitivismo do Estado em virtude do relativismo


axiológico do neokantismo. Welzel – o método não pode definir o objeto, mas sim o contrário. Ontologia.
Essência da ação humana é a sua finalidade (promoção do resultado mediante impressão de ação causal).
Ação e finalidade são pré-jurídicas, ontológicas. Introdução do dolo e da culpa na consideração do delito.

- Funcionalismo (Roxin): Necessidade de uma valoração normativa que incide na ação humana e sua
finalidade, sem contestá-las. Não se despreza a dimensão finalística das condutas humanas, mas exige-
se uma dimensão objetiva da conduta – análise dupla (sentido normativo e sentido final). Dimensão
teleológica-funcional do sistema penal em consonância ao sentido de política criminal. Concepção de
direito penal como proteção subsidiária de bem jurídico.
× Funcionalismo sistêmico (Jakobs): a proteção do direito penal não é a proteção do bem jurídico,
mas sim expectativas sociais institucionalizadas. A sociedade é sistema que carece de expectativa
das condutas de terceiros (institucionalizadas nas normas). Função do direito penal é a reafirmação
da validade das normas e da vigência do direito penal. Dimensão comunicativa. É um direito
conservador, que considera a realidade normativa como posta. Essa noção estritamente normativista
é premissa para um direito penal arbitrário. Direito penal do inimigo – indivíduos que não conseguem
corresponder a uma expectativa social mínima de observância das normas devem ser eliminados.

Teoria do delito
- Elementos fundamentais e comuns a todos os delitos (que devem ser preenchidos à materialização do
delito – com o desconhecimento de alguma dessas dimensões, não se pode tratar de delito): conduta
humana típica, antijurídica e culpável. Não basta uma concepção formal de ser um delito uma conduta
prevista criminalmente (é só primeira instância para o delito, primeiro limite à conduta punitivista do
Estado). Também é necessária uma dimensão material da conduta, ou seja, uma ofensa/lesão/dano a um
bem jurídico (desvalor da ação).

- Modelo bipartido de delito, que é subdividido em crimes e contravenções. O grau da ofensividade


(lesividade) é característica diferencial dos dois (crimes são delitos considerados mais graves a
contravenção). Parte especial do código penal contém crimes, enquanto a lei das contravenções penais
(lei 3688/41), as contravenções. As penas previstas no rol das contravenções penais, como delitos menos
graves, são mais brandas em relação as dos crimes (multa e prisão simples – regime diferenciado de
condenação e separação entre os tipos de detentos). Na prática, em virtude do menor potencial ofensivo,
raramente se chega a condenações e, mais raramente ainda em prisões efetivas.

- Percurso metodológico para a constatação do delito: (i) reconhecimento/eleição da norma adequada ao


caso material (parâmetro imediato de valoração), com verificação prévia de eventuais concorrências de
leis no tempo e no espaço; (ii) tipicidade; (iii) antijuridicidade; (iv) culpabilidade. Ordem de subsidiariedade.

1. Bem jurídico: princípio da legalidade deve ser mais do que um princípio formal, ou seja, normas devem
conter um aspecto material (objeto de proteção), que deixe claro sua motivação, ou seja, qual o sentido
de tutela pretendido pela norma.

- Dupla-função: a) função extra sistêmica (transcendente/crítica) – filtro/limite negativo do que pode ser
criminalizado primária e secundariamente; b) função intra sistêmica – interpretação material, ou seja, o
bem tutelado é critério interpretativo e valorativo do caso concreto (a conduta é ou não ofensiva a um bem
jurídico tutelado?); c) função classificatória – proporcionalidade entre condutas previstas criminalmente.

- Bem-jurídico não é interpretado como direitos subjetivo, mas um patrimônio não material, capaz de
tutelar de maneira institucional interesses relevantes. Necessidade de explicação e definição do conceito
de bem jurídico para promover o controle da intervenção penal. O bem jurídico é, por necessidade, um
interesse social fundamental (portanto, relevante), que adquire tutela jurídica. O rol de bens jurídicos é
taxativamente limitado negativamente pelo conteúdo material da Constituição (ou seja, não somente
estar previsto de maneira formal na Constituição é suficiente, nem emanar de uma demanda social de
parcela da sociedade também). Existem bens jurídicos individuais (vida, patrimônio, integridade física) e
coletivos, ditos difusos (meio ambiente, fé pública – titularidade indivisível e compartilhada, mas pode ser
atrelado individualmente aos sujeitos, devendo fazer referência ao indivíduo; são normalmente
desmaterializados/intangíveis – o que não é necessariamente problemático, vide crime de injúria que
protege o bem jurídico individual de honra, mas não pode ser pretexto para um bem jurídico impossível de
ser verificado, sob risco de ilegitimidade da norma (necessidade de uma proteção material, e não
somente um conteúdo dito espiritualizado, de mera atribuição de um dever jurídico dissociado de uma
defesa concreta)).

- Bem jurídico é critério importante, mas de limitação (critério negativo) – não é critério de máxima eficácia
(é necessário um bem jurídico a uma criminalização, mas nem todos os bens jurídicos devem ser tutelados
penalmente), seguindo-se os demais critérios constitucionais do sistema criminal tal como o de
subsidiariedade.

2. Tipicidade: descrição objetiva do delito, de uma conduta criminosa, contidas em uma norma penal, mas
que também deve ser associada a sua dimensão valorativa

- Evolução do conceito: a) Meyer: tipicidade é indício de antijuridicidade; b) Mezger: antijuridicidade é


essência da tipicidade – delitos são comportamentos tipicamente antijurídicos e culpáveis, somando a
antijuridicidade à tipicidade; c) Welzel: não se pode unir esses dois elementos, já que a ação final pode
ser a mesma, mas o processo valorativo é muito diferente – matar uma mosca é diferente de matar uma
pessoa [valoração é diferente]). Assim sendo, fica-se com a concepção de ser a tipicidade meramente
indiciária da antijuridicidade, tendo os 3 elementos do delito autonomia entre si.

- Tipo versus tipicidade: tipo concerne à descrição objetiva de um comportamento externo da norma
penal, enquanto a tipicidade consiste na congruência entre uma conduta concreta e um tipo penal (é típico?
subsunção – é típico, de perfeita congruência, ou atípico, não há congruência).

- Welzel: descrição típica não deve ser somente de uma conduta externa, mas deve levar em consideração
seus elementos internos (finalidade), devendo haver ao lado da tipicidade objetiva (materialização do
delito), também a tipicidade subjetiva (dolo e culpa descritos na norma). Promove-se um giro
metodológico de importante superação do mero causalismo: agora, analisa-se dolo e culpa já no primeiro
nível da tipicidade, e não somente na valoração de culpabilidade. Diz-se uma tipicidade complexa a partir
de então, composta pelas dimensões objetiva e subjetiva (pode ser dita dupla).

Tipicidade objetiva
1. Noções gerais
- A tipicidade objetiva não é mera relação de subsunção (encaixe lógico-formal). Faz parte, sim, em um
primeiro momento promover a tipicidade formal (relação de congruência entre uma norma abstrata), mas
é mister a análise de uma tipicidade também material (analisar se a conduta efetivamente promoveu
ofensa ao bem jurídico tutelado). Existem condutas que são formalmente típicas, mas não material
(estupro de vulnerável promovido por uma mulher em erro – é formalmente típica, mas não materialmente).

- Tipicidade objetiva também concerne uma valoração normativa (Roxin): sendo a tipicidade
materialização do princípio da legalidade, de sorte garantir em relação ao que pode ser feito (permissão
negativa) e efetivamente motivar o que não deve ser perpetrado (comunicação daquilo que é proibido).
Deve-se ir além da tipicidade formal e material, em virtude da teoria da imputação subjetiva
(comportamento deve ser devidamente imputado ao agente em virtude dos filtros da motivação normativa,
em face das normas jurídicas e extrajurídicas e sua capacidade de compreensão/interpretação social e
pelo agente).

- Modelo bipartido em tipicidade formal x material implica então não só desvalor de ação, mas também
de resultado – deve prevalecer o desvalor material, do resultado, em um sistema pautado na concepção
de bem jurídico. Distingue-se, pois, os crimes tentados (somente desvalor de ação). dos crimes
consumados (desvalor de ação e de resultado) – desvalor diferencial. Daqui infere-se o princípio da
insignificância (concerne sobretudo à relevância do comportamento – é critério objetivo e não subjetivo,
isto é, da insignificância objetiva da conduta em meio à sociedade). Insignificância gera atipicidade da
conduta (intervenção penal perde sentido no caso).

- Elementos subjetivos (da tipicidade objetiva): finalidade específica, própria, do ato contido no tipo penal
– “com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”
(art. 159) difere do simples cárcere privado, no qual tal finalidade ou elemento subjetivo não é presente.
Necessária a compreensão dos elementos subjetivos à consideração da tipicidade da conduta.

- Crimes de dano x crimes de perigo: primeiros envolvem lesão ao bem jurídico, com atingimento
concreto e executado; no perigo, há menor lesão, somente com sua exposição (antecipação do direito
penal em virtude do risco da lesão) – é diferente de crime consumado e tentado.
a) perigo concreto – descrição do risco no próprio tipo penal (art. 309 da legislação de trânsito);
b) perigo abstrato – presunção do perigo pelo legislador (“dirigir sem habilitação”). Perigo de prejuízo ao
princípio da ofensividade do direito penal com a presunção estanque de uma lesão – simplifica-se o tipo a
um simples dever jurídico. Atualmente se considera o perigo abstrato como ilegítimo, por envolver a
presunção de intenção. Conceito de perigo abstrato-concreto é então adotado: nos tipos penais em que
não há descrição expressa do perigo ao bem jurídico, mas não se podendo presumir a priori o perigo,
devendo ser promovida uma análise casuística. Princípio da precaução – insegurança promovida pela
ausência de controle em virtude do desconhecimento de eventuais riscos oriundos da conduta, ela é
proibida (exemplo da lei de biossegurança: proibição da prática de “manipulação genética de células
germinativas”).

- Sistema de comportamentos e motivações: a estrutura do sistema penal se funda na compreensão


da possibilidade concreta de motivação do agente conforme uma norma, mas ainda assim não se motivou.
Sendo os comportamentos ações finais, não são simples movimentos musculares, mas condutas
destinadas a alguma finalidade, os tipos penais são, via de regra, dolosos – isto é, a finalidade da conduta
do agente é de realizar a transgressão à norma – e só excepcionalmente (subsidiariedade) culposos em
virtude da maior gravidade do bem jurídico tutelado – ou seja, a finalidade da conduta não fora a de
verdadeira transgressão. Se uma conduta for prevista como dolosa (regra sistêmica em virtude da
ausência de especificação) e o comportamento material do individuo for culposo, tem-se uma conduta
atípica – aqui tipicidade e antijuridicidade mostram sua diferença, vide art. 163, cuja conduta culposa de
dano à coisa alheia seja antijurídica (motivo de indenização civil), mas não seja típica (previsão dolosa da
conduta) ou legítima defesa (art. 22 – excludente de ilicitude, apesar de eventual tipicidade da conduta).
× Ausência de comportamento humano:
a) estados de inconsciência (sonambulismo, hipnose) – comportamentos nesses estados não são
interpretados como ações humanas, mas como atos sem racionalização ou capacidade de motivação
do agente. Respondem eventuais terceiros responsáveis pelo estado de inconsciência do agente.
Observação: (i) em casos de embriaguez letárgica, respondem os agentes por seu comportamento
sob a lógica de aceitação do risco de eventual conduta lesiva com a ingestão consciente de droga; (ii)
não entram na ausência de comportamento os estados de depressão pós-parto, perturbação, etc., que
devem ser caracterizados no quesito da culpabilidade (reprovação pessoal) – não são considerados
suficientes para demoverem a capacidade de autodeterminação do agente;
b) movimentos reflexos (epilepsia);
c) força irresistível (vis absoluta) – não é coação psicológica, mas força física que determina uma
omissão em caso de ação e comissão em hipótese de omissão (amarrar ou forçar a atirar),
respondendo aquele que detém ou promove a força.

2. Relação de causalidade
- Art. 13: “causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” – a identificação do nexo
causal (empírico) entre conduta e resultado é importante mas não é considerada suficiente para definir
responsabilidade do agente.

- Tipologia: a) delito de resultado – no plano naturalístico, evidencia-se claramente a conduta e o


resultado e seu nexo de causalidade; b) delito de mera atividade – não há possibilidade de diferenciação
no plano naturalístico entre conduta e resultado, não conseguindo também que seja estabelecido nexo de
causalidade correlato (atenção – crime de dano/resultado é caracterização jurídica em virtude da afetação
do bem jurídico, delito de resultado/atividade é classificação naturalística, fatídica). Observação: nos
crimes omissivos, a relação de causalidade é iminentemente jurídica, e não naturalística (não é causa
empírica, evidenciada no plano natural, mas imputada pelo direito – lógica não é de supressão hipotética
de uma conduta, mas a introdução hipotética de uma conduta pautada em um dever de ação que não
resultaria no dano observado).

- Teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non): é uma teoria de causalidade que
defende ser causa toda condição que contribui ao resultado (processo de supressão mental hipotético –
se a supressão hipotética de uma provável causa define que o resultado superveniente não se
materializaria, ela é portanto causa dele). É adotado no art. 13 do CP. Não traduz um conceito de
causalidade, de forma que serve somente à legitimação do que já é a priori considerado pelo jurista, sendo
portanto arbitrária e deficiente no sistema penal – de sorte que é limitada e balizada pelo restante dos
dispositivos normativos do código.
a) possibilidade de regresso ao infinito (ad infinitum).
b) causalidade hipotética alternativa é problemática (mesmo sem aquela conduta específica, ainda
haveria resultado semelhante – homicídio de desenganado ou fuzilamento coletivo de um individuo) em
virtude de focar em possibilidades remotas do cometimento ou não cometimento do delito ou do resultado.
Necessário trabalhar-se com o que devidamente aconteceu, no mundo dos fatos correntes e não
hipotéticos. Teorema da caixa preta – aparente vinculação entre uma causa e um resultado, mas não se
sabe ao certo se há uma relação suficiente e necessária entre ambos.

- Art. 13, §1º: concausa superveniente (posterior), que embora relativamente independente da outra,
produz por si só os resultados – interrupção do primeiro curso causal, iniciando-se um segundo. Assim,
se após tentar matar alguém, que é socorrido e morre em virtude de um acidente de trânsito, o autor da
tentativa só responde por suas condutas e não completamente pelo resultado, de forma que seja imputável
a ele o tipo de homicídio tentado e não de homicídio consumado. Se a causa superveniente for
completamente independente, não se tem qualquer controvérsia sobre a não imputabilidade do resultado
ao autor originário. A análise valorativa jurídica depende estritamente da análise empírica, que é uma
primeira etapa (necessária, mas não suficiente).

3. Relevância objetiva da conduta


- Teoria da adequação social (Welzel): adequação social é apta a excluir a tipicidade da conduta. Isto é,
determinadas condutas, por mais que corroborem a tipicidade e preencham o nexo de subsunção com o
tipo penal, não podem ser consideradas típicas à luz das circunstâncias e do contexto em que estão
imersas e dos valores culturais envolvidas na conduta – carecendo de relevância ao sistema criminal.
Exemplos: lesão corporal em partidas de futebol, lesão corporal com o furar de orelhas de recém-nascidos.
Por não conceber critérios claros e objetivos sobre a apuração dos limites da adequação social, torna-se
impreciso e insuficiente, sobretudo em sociedades plurais e complexas, com muitas circunstâncias e
valorações diferentes sobre os comportamentos individuais dos sujeitos. É teoria cambaleante, imprecisa,
que transita entre a tipicidade e a antijuridicidade, mas sendo válida na explicação de determinados casos
e sua atipicidade frente a absorção social.

- Teoria da imputação objetiva (Roxin):


· Estabelece critérios de valoração objetiva de comportamentos e, portanto, do nexo causal. Para Roxin,
mais do que a verificação dos resultados, deve-se construir uma série de critérios que possibilitem (e
restrinjam) a imputação de determinados resultados ao sujeito – de forma a promover uma limitação à
intervenção do sistema criminal aos indivíduos. Sendo valoração objetiva do nexo causal, encontra-se em
momento posterior à constatação da causalidade, sendo assim subsidiário a ela. Esses critérios avaliativos
se encontram encerrados nos próprios dispositivos normativos, fazendo-se então um giro metodológico
da concepção ontológica à normativa de imputação. Busca-se a relevância concreta do
comportamento, de forma que nenhum dos critérios possa ser analisado aprioristicamente (ex ante), mas
a partir do exame do que verdadeiramente aconteceu, a partir das circunstâncias de cada caso (ex post).
Tratamos, pois, após a análise do nexo causal e da derradeira ofensa ao bem jurídico (tipicidade material),
ao estudo da relevância da conduta praticada.

· Regra geral: só pode ser imputado ao agente o comportamento no qual o agente tenha criado ou
aumentado um risco proibido que tenha efetivamente se materializado na ofensa a um bem jurídico.
Analisa-se, então, a produção do risco, a abrangência do risco no âmbito de proteção da norma e a
proibição do risco.
a) Diminuição do risco: se o agente tiver atuado diminuindo a ofensa ao bem jurídico, minorando os
resultados lesivos ao bem tutelado, a conduta é atípica. Lógica de que a ação foi motivada e orientou-se
no sentido da finalidade da norma. É importante que a diminuição deva se verificar materialmente, e não
ser apenas desejada, visada, pelo agente (filtro subjetivo). Exemplos: braço quebrado na tentativa de
mitigar o risco à vida; paramédico que quebra costela durante massagem torácica.
b) Não aumento do risco: se o agente não excedeu o risco normal da vida diária, à qual o fato está
normalmente subordinado. Envolve i) capacidade de domínio do fato (raio excede) e ii) tangibilidade do
risco, isto é, a relevância da participação do agente no resultado observado.
c) Insuficiência do risco criado pelo agente: se o risco criado é abstratamente suficiente à geração da
lesão ocasionada (o que normalmente o risco representa), de forma que um empurrão não seja suficiente
pra criar a condição de um homicídio naturalístico. Segue à questão de se seria suficiente a conduta
correta do autor para que o resultado não tivesse sido materializado. Se ainda com a conduta perfeita o
resultado presenciado se desse de mesma forma, é insignificante o risco promovido e atípica a conduta.
d) Risco permitido: tolerância social em virtude de uma atividade (turbulência em viagens aéreas) ou de
uma circunstância (declaração de divórcio e suicídio).
e) Âmbito de alcance do tipo (âmbito de proteção da norma): se o tipo encerra proteções secundárias
a bens jurídicos não necessariamente conexos à causalidade ou só o principal, isto é, quais são os casos
incluídos no alcance de proteção do tipo penal. Aqui, entra a discussão da contribuição (participação) da
vítima ao resultado e sua auto colocação em perigo – o tipo de homicídio, por exemplo, tutela o bem
jurídico vida ao ataque de terceiros e não de si próprio (roleta russa).
Tipicidade subjetiva
- A tipicidade subjetiva parte da premissa que, não podendo proibir o inevitável, resta ao legislador a
criminalização (proibição mediante sanção penal) as condutas evitáveis. Essa evitabilidade dos
comportamentos só se relaciona com condutas dolosas ou culposas (que são o sentido subjetivo da ofensa
ao bem jurídico lesado, isto é, a motivação do agente em violar a norma). É dividida em i) dolo, quando
há intencionalidade, isto é, consciência e vontade de ofender o bem; e ii) culpa, na qual a motivação do
desvalor é reduzida e atenuada, projetada na violação de uma exigência de cuidado e não na violação
deliberada do ordenamento e do bem jurídico. As duas hipóteses possuem estruturas e valorações
distintas: a valoração negativa da conduta é maior no crime doloso do que no culposo, ainda que ambos
produzam o mesmo resultado (homicídio doloso e culposo possuem o mesmo resultado, o óbito da vítima,
mas por motivações diferenciadas); de mesma sorte a conduta do crime doloso se estrutura como
diretamente dirigida contra uma norma proibitiva, enquanto o culposo se dirige a uma norma de cuidado,
ainda que ela tutele um mesmo bem jurídico que a lei proibitiva da conduta dolosa.

- Art. 18, parágrafo único: no silêncio da lei, a norma descreve uma conduta dolosa, devendo os crimes
culposos serem expressamente previstos como tanto pelos dispositivos normativos. Nesse sentido, pode-
se afirmar que a regra do código penal é de serem os crimes, dolosos, bem como excepcionais os
culposos.

1. Culpa
- A conduta não ofende diretamente uma norma proibitiva, mas um dever de conduta. Justifica a
existência do instituto na seara criminal por seu caráter motivador à adoção de cautela e atenção durante
a execução de determinadas condutas que envolvam determinado grau de perigo. Por não ofender
diametralmente a norma proibitiva, tem um desvalor menor do que nos crimes dolosos. Seu caráter é
originalmente de excepcionalidade no ordenamento, mas se evidencia uma tendência crescente de
aumento dessa categoria com a maior complexidade das dinâmicas econômicas e industriais e a
relacionada intensificação de riscos a bens jurídicos. Consiste numa falta grave a um dever de cuidado,
que efetivamente lese um bem jurídico relevante. Assim sendo, não existe tipo culposo tentado,
somente o consumado (princípio da intervenção penal mínima – medidas alternativas, como
administrativas e civis são suficientes à motivação e eventual reparação dos ilícitos culposos tentados,
que então não entram no universo criminal). De mesma forma, não existe crime culposo que não seja
grave (por exemplo, não há no direito penal um dano culposo).

- Dever objetivo de cuidado: sistema carrega os tipos culposos a partir da fórmula genérica “se o crime
é culposo”. Do art. 18, II, define-se o crime culposo “quando o agente deu causa ao resultado por
imprudência, negligência ou imperícia”. Assim, tem-se a necessidade de existência de um dever normativo
e não meramente moral. Esse dever normativo pode se dar mediante i) normas expressas, como regras
técnicas de recortes profissionais, vide conduta médica; e ii) regras de experiência (como as de zelo nos
cuidados dos filhos pelos pais). Princípio da confiança – na realização de uma atividade conhecidamente
perigosa, confia-se que os demais participantes dessa atividade estejam atuando com os cuidados devidos
– é o denominado “risco permitido” (comum a estruturas hierárquicas).

- Elementos da culpa:
a) falta do dever de cuidado: é juízo valorativo de analisar acerca do que, nas condições do caso em
específico, deveria ter sido feito e se a conduta passa dos limites do aceitável.
b) materialização do resultado: efetiva ofensa ao bem jurídico protegido pela norma, de forma que a
lesão evidenciada se relacione por meio de um nexo de causalidade à violação do dever jurídico de
cuidado (violação do dever deve ser causa do resultado observado).
c) previsibilidade objetiva do resultado: análise se o resultado era previsível ao agente nas
circunstâncias em que ele se encontrava. Deve-se promover uma análise independente do resultado
evidenciado no plano naturalístico, isto é, regredindo-se no tempo como se com desconhecimento do
resultado efetivo que se tem no presente a fim de poder verificar corretamente a condição de
previsibilidade no momento do delito; não é juízo abstrato, mas sim concreto e personalíssimo, de forma
que se analise o que o agente tinha condição de prever (e não o que ele efetivamente previu ou não).
- Espécies de culpa:
a) imprudência: falta do dever de cuidado numa conduta ativa (um fazer – dirigir acima da velocidade).
b) negligência: falta do dever por ausência de cautela, equiparado a um desleixo (veneno de rato com
criança pequena perto).
c) imperícia: impudência qualificada profissionalmente (imprudência técnica; médica)

- Tipos de culpa (pautado em seu desenvolvimento – previsão):


i) inconsciente: culpa com todos os seus elementos, mas na qual o agente concretamente não previu o
que era previsível, verificando-se uma ausência do nexo psicológico entre a conduta do agente e seu
resultado. Exemplo: mãe que deixa veneno de rato perto do filho criança.
ii) consciente: se aproxima ao dolo, mas não o é; culpa na qual o agente prevê o resultado que era
previsível, mas ainda assim agiu como agiu por confiar na não realização da ação (“acha que dá); nesse
caso, há previsão do previsível mas sem assunção do risco (ou senão se caracterizaria dolo).

2. Dolo
- Art. 18, I: concerne uma atitude motivada do agente em relação a sua conduta e à ofensa do bem jurídico.
Compreende a consciência e a vontade – intencionalidade – de realização da conduta. A partir do
finalismo, o dolo é tido como natural ou neutro, sem compreender a consciência da antijuridicidade da
conduta (outrora um aspecto de nexo psicológico).

- Elementos:
a) Elemento cognitivo – “representação” ou “consciência”: conhecimento dos tipos descritivos e
materiais. Deve ser i) real (não hipotético), ii) atual (no momento de execução da conduta) e iii) exaustivo,
(deve abranger todos os elementos do tipo – coincidência da conduta com a prescrição, e não necessidade
de saber todos os elementos do tipo). Traduz a necessidade do sujeito compreender sua conduta, bem
como das circunstâncias a ela relacionadas.
b) Elemento volitivo: concerne à vontade – vontade de realizar os elementos do tipo objetivo, isto é,
vontade de realização da lesão ao bem jurídico. Sendo assim, pressupõe conhecimento, ou seja, é
subsidiário ao elemento anterior. É diferente de motivação (motivo de lesar) e de objetivo (finalidade da
lesão) – Bechara: “é muito menos”.

- Tipos (dolo bifurca-se em dois sentidos, dois vetores):


a) Dolo direto: pleno conhecimento (representação) e vontade (“quis o resultado”); e
b) Dolo eventual (indireto): conhecimento reduzido e vontade relativa (“assumiu o risco de produzi-lo”).
Apesar de se diferenciar nos elementos constitutivos do dolo direto, tem seus efeitos de consequências
jurídicas equiparados a ele.

- Teorias explicativas do dolo:


a) Teoria da vontade (Francisco Carrara): vontade de atingir determinado resultado (art. 18, CP).
b) Teoria da representação (Franz von Liszt): basta o elemento cognitivo, isto é, mero conhecimento dos
resultados de sua conduta (consideração de serem eles certos ou prováveis), ainda que não se deseje
diretamente o resultado. Ausência de distinção entre dolo eventual e culpa consciente – mera
representação do resultado implicaria numa avaliação dolosa da conduta.
c) Teoria do consentimento (Bering): equivalência entre consentir e querer o resultado diretamente, ou
seja, não basta a mera representação ao dolo, sendo preciso que haja uma anuência, aquiescência com
a produção do resultado.

- Dolo eventual x culpa consciente


· Dolo eventual é hipótese na qual o agente não busca a ofensa ao bem jurídico, mas conhece o resultado
e segue atuando, produzindo finalmente a lesão ao bem jurídico. Nele, os elementos do dolo são
relativizados, atenuados – não há plena certeza (não há representação absoluta) e o agente não busca
diretamente o resultado, mas conta com a aquiescência, possibilidade concreta de promover o dano
observado, isto é, percebe o perigo inerente à conduta.
· Como diferenciar da culpa consciente? Necessidade de critérios diferenciadores, vide dificuldade de
diferenciação concreta nos casos materiais. (i) Caso da correia de couro (1955): mudança do BGH (de
teoria da vontade, que no caso concreto não havia se concretizado, à teoria de que conformar-se do
resultado já caracterizaria dolo) – relativização do dolo, com consentimento mais tênue, não como anuir
com o resultado, mas mera indiferença, conformação do resultado. (ii) Índio Pataxó (1997): jovens que
atearam fogo no índio Galdino que dormia, mediante combustível nos pés dele, e rapidamente se alastrou,
matando-o – não havia intenção; dificuldade de prova do dolo, erige a orientação do STJ desde então –
critério objetivo, normativo do dolo, i.e., juiz é o responsável pela avaliação da assunção de risco [lesão
corporal seguida de morte – homicídio culposo produto de uma lesão dolosa]; e (iii) Boate Kiss (2013).

· Teoria da vontade x probabilidade (conhecimento) x risco


a) teoria da vontade (consentimento): distinção na atitude do sujeito em relação ao resultado – no dolo,
o agente aceita a produção do resultado após entendê-lo como provável; no culposo, se o indivíduo
soubesse da certeza do resultado, encerraria sua conduta. Críticas: análise hipotética e não real,
dificuldade de prova, regra do “dane-se”. Juarez Tavares (expectativa do resultado): agente em ambos
os casos viola o limite do risco autorizado, mas: “no dolo eventual o agente, conforme o contexto em que
se desenvolve sua atividade descuidada, tem domínio objetivo da causalidade e, caso se dispusesse,
poderia conduzi-la em sentido diverso da produção do resultado de lesão ou perigo de lesão do bem
jurídico, tendo ciência de que, a partir de determinado momento, não poderia mais evitá-lo”, enquanto na
culpa consciente, o agente tem expectativa de poder evitá-lo, ainda que com as eventuais situações
adversas.

b) teoria da probabilidade/conhecimento (elemento cognitivo): difere-se no grau de conhecimento do


agente sobre a probabilidade do resultado – no dolo, a lesão é muito provável e mesmo assim o agente
ainda atua; na culpa, a lesão é pouco provável, mas existente, e ainda assim o agente atua. Críticas:
quando pode-se falar em “probabilidade alta”? Supressão do elemento volitivo (atirador de facas).

c) teoria do risco (perigo de dolo): quem age em dolo atua com consciência do risco idôneo de produzir
o resultado e se apresenta como risco ao bem jurídico. Críticas: percepção normativa do dolo se afasta da
realidade e das condições materiais em que está imerso o agente; quando pode-se reconhecer o “meio
idôneo de produção de um resultado pela experiência”? tem-se a tendência atual de normatização do dolo,
tal qual a analise do dolo pelo juiz e não por seu elemento volitivo, sendo arriscando à medida de provável
de recair-se na culpa consciente.

3. Tentativa (arts. 14-17)


3.1. Iter criminis (caminho do delito):
a) fase de cogitação, na qual o individuo delibera, pensa, organiza seus pensamentos; é estritamente
mental, cognitiva, de motivação;
b) fase de preparação, na qual sai-se do mundo mental e parte-se ao mundo material, à preparação
material do delito idealizado (ferramentário, coautores...), não sendo atos correspondentes em si ao delito,
mas preparatórios à fase de execução;
c) fase de execução, na qual inicia-se a concretização do delito tal como descrito, pelo tipo penal;
d) fase de consumação, na qual há completa consumação do tipo penal, a fase final do iter criminis,
ofendendo e vulnerando o tipo penal descrito na norma.

- A partir de quando o direito pode interferir? A partir de quando que momento as condutas se
tornam relevantes penalmente? Mera cogitação não é punível, já que não é meramente cognitivo, não
colocando materialmente e com segurança em risco, sem haver qualquer ataque ao bem jurídico; pode-
se mudar o percurso do crime, a deliberação acerca da conduta exteriorizada; fase preparatória não afeta
o bem jurídico, preparar não é realizar ou começar a realizar o delito, de sorte que atos preparatórios não
sejam relevantes ao direito penal (art. 291 CP, lei de terrorismo, art. 5º – pune atos “preparatórios de
terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito”) – discussão atual do direito penal em punir
ou culpabilizar condutas preparatórias, com a tentativa de premeditação dos crimes e das lesões do bem
jurídico com finalidade de preveni-las; alargamento da punição. Somente o c) e o d) podem ser punidos.
× Exaurimento – etapa posterior ao iter criminis, de gozo da conduta anteriormente firmada e da adoção
de medidas que assegure a lesão do bem, não interferindo à execução e consumação do crime, mas
pode impactar na quantidade de pena aplicável (mediante previsão expressa ou em virtude do art. 59).
× Consumação – ocorre momentos específicos conforme o time de delito consumado: (i) crimes de mera
atividade não tem divisão naturalístico, estanque, entre consumação e resultado, então a simples
conduta já acarreta na consumação do crime; (ii) crimes de resultado – consumação com a ocorrência
efetiva da lesão; (iii) crimes culposos – com a ocorrência do resultado, vulneração do bem jurídico,
não somente com a violação do bem do cuidado; (iv) crimes habituais, que exigem repetição
encadeada dos atos, se consumam com a necessária repetição do ato; (v) crimes permanentes
(sequestro), do qual a consumação é prolongada, renovando-se no tempo; (vi) crime omissivo próprio
– com a simples omissão, com a falta de cuidado; (vii) crime omissivo impróprio – se dá com a
ocorrência do resultado, com a lesão do bem jurídico; (viii) crime de perigo – com a ocorrência do
próprio perigo, com antecipação da intervenção penal a antes do dano propriamente dito.
× Execução – exposição a perigo do bem jurídico, cujo ataque completo só se verifica com a
consumação. Punição deve ser menor do que a consumação. Causa de diminuição da pena, Art. 14,
II: tentativa de crime – crime não se consuma em virtude de circunstâncias alheias à vontade do
agente; deve haver diminuição da pena de 1 a 2/3. Desvalor da ação é a mesma, então deveria ser a
mesma pena; código adota uma teoria de intensidade da afetação da conduta – diminuição da pena é
lógica em virtude da menor afetação do bem jurídico, ainda que sua conduta seja igualmente
desvalorada.

Elemento 1: Quando se inicia a execução? Doutrina brasileira se utiliza de ambas as teorias


a) teoria objetivo-formal (legalidade): só se inicia a execução da descrição do tipo, do seu núcleo
descritivo; pode não abranger todos os casos de forma justa e materialmente suficiente (Roxin – atos
parciais / intermediários são os últimos atos parciais antes da execução da lesão, podendo ser punida);
b) teoria material (além do princípio da reserva legal, princípio da afetação material do bem jurídico):
quando efetivamente sua conduta começa a gerar um perigo ao bem jurídico.

Elemento 2: Não consumação por condutas alheias do agente; e quando é vontade do agente, partindo
da deliberação do agente, ou seja, sua resolução? Não é art. 14.

Elemento 3: dolo de consumação – em relação ao delito consumado, inexistindo dolo de tentativa (dolo,
como motivação, visa a lesão derradeira ao bem jurídico, e não somente a sua tentativa).

3.2. Tipologia das tentativas:


a) imperfeita – inicia a execução do delito, mas as circunstâncias alheias se dão antes da prática de todos
os atos de execução, ou seja, antes do término da sua conduta ofensiva;
b) perfeita – agente inicia a execução e a conclui mas não se chega a uma execução, por motivos alheios
ao agente (salvado por médico). Conclusão de toda a execução, mas não se chega em sua consumação.
Relevância de dosimetria da pena: punição da imperfeita deve ser menor (redução maior na imperfeita).

3.2. Não admitem tentativa:


Não existe contravenção tentada, somente crime tentado. Punição da tentativa, anterior ao ataque efetivo
do bem protegido, em situações já de importância mitigada da contravenção, apresenta irrelevância penal.
Crimes culposos tem como elemento necessário a execução do resultado, faltando ele a mera violação ao
dever de cuidado não se verifica como suficiente à punição. Crimes praeter dolosos (lesão temporal
seguida de morte) – não há como haver tentativa. Crimes omissivos próprios – omissão de socorro,
responde-se por tudo ou por nada.

Art. 15. Crime não se consuma pela própria vontade do agente, por sua resolução e deliberação, de sorte
que só responda o agente pelos atos já praticados. Estado tem interesse político criminal na não
consumação do delito, isto é, que mesmo iniciada a execução do crime, que se volte atrás, evitando a
lesão ao bem por deliberação. desconsidera-se o perigo gerado, e somente pelos atos efetivamente
praticados (dispara contra marido, não acerta, desiste voluntariamente – não se responde; atingindo-se,
somente lesão corporal e não por tentativa de homicídio). Desistência voluntária – tentativa imperfeita.
Difere-se do arrependimento eficaz, também elemento do tipo, no qual o agente já esgota sua conduta –
tentativa imperfeita – e consegue reverter os efeitos lesivos do resultado (envenenamento,
arrependimento, tratamento adequado, não se promove lesão como óbito) – voluntário e contenção eficaz
dos resultados lesivos. Mesmos efeitos, mesmo tratamento político criminal. Responde-se por eventuais
resultados da conduta, lesões etc., e não pela motivação torpe.

Art. 17. Crime impossível. Duas hipóteses. Ineficácia absoluta do meio (incapacidade plena de gerar algum
perigo de morte – arma de brinquedo, envenenamento com açúcar) ou por absoluta impropriedade do
objetivo (tentar matar um morto – circunstância alheia tão absoluta que de qualquer forma o crime não
seria consumado, impossibilidade de promover perigo a um bem inexistente). Não se pune.

Art. 16. Arrependimento, mas diferente ao eficaz. Trata-se de arrependimento posterior à consumação,
não sendo mais no escopo dos crimes tentados. Conduta de arrependimento do agente, merecedora de
outro tratamento pelo ordenamento. Requisitos de (i) sem violência ou grave ameaça a pessoa (ii)
reparação do dano ou restituição da coisa (iii) até recebimento da queixa. Política criminal de reparação
do dano, de reparação da lesão cometida. Relevância político criminal. Discussões de proporcionalidade
e necessidade de utilização do sistema criminal em casos patrimoniais de devolução da coisa subtraída.

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