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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ESTADO DE SÃO PAULO


9ª Câmara de Direito Privado

Registro: 2021.0000851006

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação Cível


nº 1027558-83.2017.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que é
apelante BETA 14 INCORPORAÇÃO LTDA., é apelado RENON
EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA-EPP.

ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em
parte ao recurso. V. U. Sustentou oralmente a Dra. Carla Reis Bernardo -
OAB/SP 371.657.", de conformidade com o voto do Relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmo.


Desembargadores EDSON LUIZ DE QUEIROZ (Presidente) E JOSÉ APARÍCIO
COELHO PRADO NETO.

São Paulo, 19 de outubro de 2021.

GALDINO TOLEDO JÚNIOR


RELATOR
Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ESTADO DE SÃO PAULO
9ª Câmara de Direito Privado

Apelação Cível nº 1027558-83.2017.8.26.0405


Comarca: Osasco
Apelante: Beta 14 Incorporação Ltda.
Apelada: Renon Empreendimentos Imobiliários Ltda. -
EPP
Voto nº 32.070

CONTRATO PRELIMINAR - Ação de


resolução deste, cumulado com pretensão
indenizatória por perdas e danos, pelo
descumprimento do ajuste por desinteresse
da ré -Avenca que previa futura permuta
entre dono de terreno e incorporadora
imobiliária que pretendia edificar
empreendimento imobiliário sobre o imóvel
- Desistência do negócio por desinteresse da
adquirente - Sentença decretando a
responsabilidade da incorporadora pelo fim
do pacto, acolhendo obrigação da
construtora de quitar multas municipais
impostas por ausência de limpeza do terreno
no tempo em que ele esteve em sua posse e
lucros cessantes pela fruição, afastando
pedido de ressarcimento do IPTU incidente
sobre o bem, no mesmo período -
Inconformismo da ré aduzindo que não
havia pacto nenhum que obrigava as partes
a futura contratação, apenas propostas -
Suscitou, também, que jamais esteve na
posse do imóvel e que não iniciou
edificação de projeto em razão de impasse
ambiental pendente sobre o bem, não
devendo pagar multas por ausência de
capinagem e limpeza do terreno - Ausência
também de lucros cessantes por fruição -
Subsidiariamente, pugnou pela necessidade
de modificação da base de calculo dos
lucros cessantes arbitrados, por ser a
sentença ultra petita, em razão de fixação
sobre o valor de mercado do imóvel
enquanto que o autor arguiu seu pedido
sobre o valor venal deste - Pretensões
parcialmente acolhidas - Reconhecimento

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da existência de contrato preliminar que


vinculava as partes, assim, ao fazer nova
proposta a ré deu causa a resilição por
descumprimento das cláusulas inicialmente
pactuadas - Lucros cessantes devidos
todavia, de acordo com a base de cálculo
requerida pelo autor, em obediência ao
princípio da adstrição - Reconhecimento de
ausência de posse da ré durante o período de
tratativas preliminares, não incumbindo a
ela o pagamento de multa por infração
municipal de ausência de limpeza no
terreno, levando-se em consideração,
também, que a notificação prévia ao auto de
infração que exigia a limpeza foi destinada
ao proprietário, que se manteve inerte,
justificando mudança de endereço -
Sentença parcialmente modificada para
excluir a condenação ao pagamento das
multas e corrigir a base de cálculo dos
lucros cessantes - Apelo parcialmente
provido.

1. Ao relatório constante da r.

sentença de fls. 585/590, acrescento que esta julgou

parcialmente procedente ação indenizatória proposta por Renon

Empreendimentos Imobiliários em face de Beta 14 Incorporação

com base em descumprimento de “Memorando de

Entendimentos” entabulado entre as partes, para condenar a

requerida ao pagamento das multas lavradas pelo município de

Osasco, relativamente aos autos de infração do DUS

Departamento de Uso do Solo n. 20797 e n. 25030 e ao

pagamento de lucros cessantes como taxa de ocupação do

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terreno localizado na Rua Justino Alves Batista, n. 85, Vila

Quitaúna, Osasco SP, a ser calculada em 0,5% da avaliação do

imóvel, com resultado a ser multiplicado pelo número de meses

em que o imóvel permaneceu ocupado pela Ré, ou seja, por 43

meses, entre março de 2013 a novembro de 2016. Em razão da

sucumbência, condenou a ré ao pagamento de custas

processuais e honorários advocatícios que fixou em 10% sobre o

valor atualizado da causa.

Inconformada, apela a ré (fls.

606/632) sustentando, em síntese, que não foi a responsável

pelo desfazimento do negócio jurídico que inicialmente

pretendiam as partes e que o memorando de entendimentos

elaborado era apenas uma forma preliminar de contrato, por

isso ele não tem aplicabilidade legal entre as partes e, portanto,

não é capaz de gerar obrigações, sendo meramente uma forma

de alinhar previamente os entendimentos, termos e detalhes

que, posteriormente, poderiam ser formalizados através de um

contrato. Sustenta, ainda, que o contrato posterior somente não

foi firmado por ausência de vontade da apelada, que recebeu

proposta de construção de um supermercado no local. Quanto a

responsabilidade pelas multas, aduz que nunca obteve a posse

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do imóvel, pois, de acordo com o acordo expresso na Cláusula

2.9 do Memorando, a apelante só seria emitida na posse quando

o contrato de permuta fosse efetivamente firmado, e, ainda, a

testemunha Evandro, funcionário da autora, discorreu em juízo

que só adentrava no terreno quem o Sr. Renan (representante da

empresa autora) autorizava. Assim, procura afastar sua

responsabilidade pelo pagamento das multas municipais e

lucros cessantes, ressaltando que a apelada não comprou que

deixou de ganhar valor algum. Por fim, caso mantido o

julgamento, pugna pela correção do decisum, aduzindo que a r.

sentença proferido é ultra petita, pois fixou o percentual de

lucros cessantes sobre valor de avaliação do imóvel enquanto a

autora pleiteou a referida verba sobre o valor venal do bem.

O recurso foi regularmente

processado, com oferecimento de contrarrazões às fls. 638/646.

2. Extrai-se dos autos que em

20/03/2013 as partes firmaram “Memorando de Entendimento”

visando futuro contrato de permuta de imóveis para construção

de uma Incorporação Imobiliária por parte da construtora ré em

terreno pertencente à empresa autora (fls. 115/127).

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Aduz a autora que é proprietária do

terreno localizado na Rua Justino Alves Batista n.º 85, na Vila

Quitaúna, Município de Osasco, com medida de 12.152 m² e

que, em razão disso, recebeu proposta da requerida para a

implantação de um grande empreendimento imobiliário

residencial, denominado Osasco II, com a construção de 04

torres de 23 andares e 08 apartamentos, a ser incorporado por

esta em seu terreno e em troca lhe daria 16% das unidades.

A partir deste estudo imobiliário, no

dia 20.03.2013 as partes assinaram o instrumento denominado

“Memorando de entendimento” que tinha por objeto a permuta

de imóveis sem torna, ou seja, sem remuneração em dinheiro,

que basicamente a requerente aliena o terreno e recebe em

troca uma quantidade de apartamentos construídos pela

requerida.

A autora narrou, ainda, que o

instrumento foi assinado pelas partes, em caráter de

exclusividade, irrevogabilidade e irretratabilidade, todavia, em

2016, antes mesmo da ré obter a aprovação do poder público

municipal para incorporação, esta provocou reunião com a

requerente para informar que o mercado imobiliário era

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diferente do que a situação de março de 2013 e que as

condições comerciais estabelecidas entre as partes não eram

mais satisfatórias para a requerida. Com isso, apresentou nova

proposta comercial sem qualquer chance de ser aceita pela

requerente, posto que não pagava sequer o próprio terreno.

Neste momento, requereu a resilição do contrato preliminar.

Com o fim do pacto, propôs a

presente ação indenizatória para que a ré fosse condenada a

pagar duas multas lavradas pelo Município sobre o terreno em

2015 (fls. 133/134 e 135/136), em razão de falta de limpeza e

capinagem, por se tratar de período em que a ré estava na

posse.

Além disso, exigiu também o custeio

do IPTU 2016 e indenização por lucros cessantes no valor

mensal de 0,7% sobre o valor venal do imóvel durante a vigência

do contrato.

Em sua defesa, a ré suscitou que não

houve resilição contratual, pois ela apenas apresentou nova

proposta à autora, em razão das mudanças no cenário

econômico nacional, porém esta não aceitou. Além disso, arguiu

que nunca esteve na posse do imóvel objeto da presente

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demanda, e que a segurança do imóvel, inclusive, era realizada

por funcionário da autora, consignando que nunca foi concluído

o projeto de viabilidade perante o poder público municipal

porque o imóvel possuía pendencias ambientais, juntando

documentos.

Para acolher parcialmente a pretensão

autoral, entendeu o julgador a quo que a ré era responsável pelo

pagamento das multas por ausência de limpeza e capinagem de

terreno porque o acordo formulado entre as partes previa que a

requerida era responsável pelo pagamento, dentre outros itens,

de "toda e qualquer despesa direta ou indiretamente ligada à

edificação e sua legalização ou regularização" (fl. 119). Todavia,

quanto ao pagamento de IPTU, reconheceu que o item "G" da

Cláusula 2.3.1 do negócio (fls. 120) dispunha que competia a

requerida o pagamento de IPTU do imóvel e despesas oriundas

da execução da obra, tais como água, luz, encargos sociais e

outras despesas decorrentes da obra, após sua imissão na

posse, entendendo, desta forma, que a referida cláusula fazia

alusão ao IPTU que incidiria sobre a edificação, devidamente

registrada, e não sobre o terreno sem edificação. Por fim,

reconheceu também a configuração de ato ilícito constante da

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inobservância das normas administrativas para construção do

empreendimento Osasco II, as quais ensejaram aplicação de

multas pelo município, posto que a ré foi omissa ao não

proceder a limpeza do terreno, condenando a ré, em razão da

resolução do pacto, ao pagamento de lucros cessantes de 0,5%

do valor atualizado do imóvel, para ressarcir a Autora pela

privação injusta do uso do bem.

Contra esta decisão insurge-se a ré,

com parcial razão.

Ab initio, observo que o argumento

da recorrente quanto a força executiva do “Memorando de

entendimentos” firmado entre as partes não merece prosperar,

pois o referido documento não se trata de meras tratativas

preliminares como quer fazer crer a requerida, mas sim um

contrato preliminar com previsão de direitos e obrigações que

devem ser executados e respeitados.

O Contrato Preliminar é um negócio

jurídico no qual as partes se comprometem a assegurar a

contratação futura, sendo está a definitiva. Esta contratação é

comum em negociações empresariais, numa forma de

vinculação entre as partes, visando uma contratação efetiva no

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futuro, mas que no momento não pode se concretizar por

qualquer motivo alheio a despeito dos contratantes.

À toda evidência, se o memorando

redigido pelas partes fosse de meras tratativas, sem intuito de

concretização de compromisso entre as partes, as cláusulas 1.1.

e 1.2. (fls.194/205), não se fariam neste previsões de encargos

que deveriam ser assumidos por ambos os contratantes.

Assim, o contrato futuro previsto pelo

memorando preliminar só não se realizou porque a ré alterou as

condições de contratação prevista neste termo preliminar, dando

causa a sua resolução.

Exatamente, por essa razão, houve o

julgador monocrático deferir à apelada o pagamento de lucros

cessantes, uma vez que o compromisso prévio instituído pelas

partes, e descumprido pela ré, impediu que a autora fizesse

novos negócios e ou dele se dispusesse de outra forma,

sofrendo, com isso, redução patrimonial proporcional ao seu

valor locativo.

Como bem observado pela apelante,

todavia, o percentual fixado deve incidir sobre o valor venal do

imóvel a época da vigência do memorando, conforme requerido

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pela autora no pedido exordial, em respeito ao princípio da

adstrição.

De outro modo, não se vislumbra

possibilidade de responsabilização da apelante pelo pagamento

das multas aplicadas pelo município pela ausência de limpeza e

capinagem do terreno em questão.

Isto porque, apesar da r. sentença

proferida entender que o referido memorando entabulado entre

as partes previa que “...toda e qualquer despesa direta ou

indiretamente ligada à edificação e sua legalização ou

regularização" (fl. 119), no caso sub judice as infrações foram

lavradas por falta de limpeza e capinagem do terreno, sendo que

tais causas não se referem a “edificação do empreendimento”,

como previsto no memorando, que sequer estava aprovado pelo

poder público, por isso a responsabilidade de pagamento de

multa não pode ser atribuída a ré.

Tanto isso é verdade, que o próprio

julgador monocrático não atribuiu à ré a responsabilidade pelo

pagamento do IPTU no período de vigência do pacto, por

reconhecer que esta não estava com a posse do bem e que,

portanto, tal encargo apenas incidiria sobre as futuras unidades

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a serem erguidas no local.

Ademais, é certo que os autos de

infrações que ensejaram as multas foram lavrados após

notificação prévia de seu proprietário (fls. 133/134 e 135/136 e

137/141), e este tinha a obrigação de notificar a ré da

necessidade de limpeza se de fato, esta estivesse na posse do

imóvel, não podendo, simplesmente justificar que não recebeu

notificação porque mudou de endereço, pois competia a ela

alterar seus dados nos órgãos municipais.

Além disso, é incontroverso o fato

que sequer houve início de construções no terreno, sendo que

há provas de que a ré ainda não estava na posse efetiva do bem,

conforme alegações da testemunha Débora (gravação disponível

no link anexo a fls. 649), ex-funcionária da empresa ré, que

discorreu em juízo que a incorporadora só tomaria posse após a

assinatura do contrato que se daria após a resolução da questão

ambiental, que impedia utilização do terreno, questão

corroborada pelos documentos anexos às fls. 341/345.

Destarte, correspondia à proprietária

a obrigação de limpar e capinar o terreno para evitar punições

administrativas, ou pelo menos avisar a ré para que o fizesse,

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posto que a ela foi enviada notificação antes da autuação, sendo

que se não houve início de edificações pela requerida, não há

prova de que o entulho que havia no terreno pertencia a

apelante.

Nesse escopo, a condenação imposta

em primeiro grau a ré ao pagamento das referidas multas deve

ser excluída.

Nessas condições, meu voto dá

parcial provimento ao apelo para modificar parcialmente a r.

sentença proferida em primeira instância para excluir a

condenação que impôs a ré o pagamento das multas lavradas

pelo Município de Osasco (fls. 133/134 e 135/136) e modificar a

base de cálculo dos lucros cessantes, para que seja calculado

sobre o valor venal do imóvel nos anos de fruição de 2013 a

2016, a ser apurado em fase de liquidação.

Tendo em vista a sucumbência

recíproca, necessária a redistribuição do ônus da prova. Por isso

condeno cada parte ao pagamento de 50% das custas e despesas

processuais, bem como honorários advocatícios ao patrono da

parte contrária de 10% sobre o valor da condenação ou da soma

dos pleitos rejeitados, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º do

Apelação Cível nº 1027558-83.2017.8.26.0405 -Osasco - p. 13


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CPC.

3. Ante o exposto, meu voto acolhe

em parte o recurso.

Galdino Toledo Júnior


Relator

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