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Universidade Federal do Ceará

Campus Cariri
3o Encontro Universitário da UFC no Cariri
Juazeiro do Norte-CE, 26 a 28 de Outubro de 2011

AGOSTINHO E A NECESSIDADE DA FÉ NA FILOSOFIA


João Mendes Possiano ¹; Roberto Cunha(Orientador)²
¹ Aluno do Curso de Filosofia da UFC. Cariri. Bolsista do Programa de Iniciação a
Docência

² Professor do Curso de Filosofia da UFC. Cariri.

jpossiano@hotmail.com, robertocunha@ufc.br

RESUMO: Ao reivindicar o status filosófico do cristianismo, Agostinho se depara com


alguns problemas que essa escolha acaba lhe impondo, entre eles está a pressuposta
oposição entre fé e razão. O Bispo de Hipona ao argumentar em favor da fé, mostra não
somente a possibilidade de filosofar na fé, isto é, a relação entre fé e razão, mas também
a racionalidade que a fé reclama. Agostinho vai ainda mais longe, quando diz da
necessidade da fé para o exercício filosófico. Nesse sentido, sendo este um dos pontos
que Agostinho dedica em suas obras, este texto se propõe a apresentar como a filosofia
agostiniana entende a fé dentro do exercício filosófico, e as implicações que ela – a fé –
traz para filosofia, sua relação com a razão e sua necessidade para o exercício filosófico.

Introdução

Ao realizarmos estudos no campo da filosofia medieval, na maioria das vezes


nos deparamos com um problema enfrentado pelos pensadores desse período, a saber, a
pressuposta oposição entre fé e razão.
O advento da mensagem bíblica, principalmente do Novo Testamento, com a
introdução do cristianismo, trouxe grandes desafios àqueles que pretendiam filosofar,
pois como diz G. Reale, essa nova mensagem:

[…] produziu uma revolução de tal alcance que mudou todos os termos de
todos os problemas que o homem se propusera em filosofia no passado e
passou a condicionar também os termos nos quais o homem os proporia no
futuro. Em outras palavras, a mensagem bíblica condicionará aqueles que a
aceitam, obviamente de modo positivo, mas também condicionará aqueles
que a rejeitam [...] 1

Depois da mensagem bíblica, filosofar ignorando a fé não será mais possível,


seja tomando-a como parte do filosofar ou negando-a, ou seja, a fé parece desafio tanto
aos que a incluem em seus sistemas, como aos que a negam por completo.
Muitos foram aqueles que, para filosofar, tiveram de se debruçar sobre a questão
da fé e sua relação com a razão. Dentre eles destacamos Agostinho, que ao longo de sua
obra é possível encontrarmos seu esforço para filosofar na fé. Daí a importância de nos

1 G. Reale, p.8
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determos sobre o trabalho de Agostinho no conceito de fé e sua necessidade no contexto


filosófico. Para tanto, faremos as duas obras em que o tema perpassa-as a saber, A
Trindade e o Comentário ao Evangelho de João.
Mas em que consiste o trabalho de Agostinho? Ora, como dissemos
anteriormente, aos que filosofaram aceitando as verdades do pensamento
judaico/cristão, tiveram de introduzir, em seus sistemas de pensamento, o caráter da fé.
Dissemos também que, fé e razão apresentam uma pressuposta oposição, porém
Agostinho, em toda sua obra, mostrará que a fé tem caráter essencial para a filosofia. É
perceptível pois, em várias de suas obras, ora ele falar da primazia da fé, ora da razão.
Mas vale ressaltar que esta oscilação, entre um e outro tema, é compreensível, uma vez
que Agostinho respondia a muitas questões enviadas por diferentes personagens de sua
época, ou seja, dependendo do contexto em que as perguntas sobre o assunto – da fé ou
razão – eram postas.
O empreendimento de Agostinho não era apenas mostrar a possibilidade de
conciliação entre fé e razão, pois como a filosofia sempre fora o exercício racional que
se afastava das crenças e do pensamento ingênuo sobre a natureza do mundo, cabia
agora, ao defender o cristianismo como a filosofia 2, apontar o lugar da fé dentro do
contexto filosófico, pois até então, a fé apenas dizia respeito à religião e não tinha
espaço dentro do pensamento filosófico.
Mas como fazer isso? Para Agostinho, que sempre viu na razão o único meio
para conhecer a verdade, viu na fé outro aspecto que necessitava atenção. Como diz
Gilson:

Durante longos anos ele buscou a verdade pela razão; na época de suas
convicções maniqueístas, acreditou tê-la encontrada por esse método, então,
após um doloroso período de ceticismo, atormentado pelo desespero de
encontrar a verdade, constatou que a fé tinha permanentemente à disposição a
mesma verdade que sua razão não pudera atingir. Por tanto, em teoria, parece
lógico partir da razão para chegar à fé, mas na prática, não seria melhor o
método contrário? Não seria melhor crer para saber do que saber para crer, ou
mesmo para saber? É ao menos isso que sua experiência persuade Agostinho
e de que ele, por sua vez, quer nos persuadir.3

A experiência mostrara à Agostinho que a fé é um aspecto tão importante quanto


a razão. Ele encontra nas Escrituras fundamento para argumentar em favor do tema.
Toma assim, como base, o profeta Isaías,“Se não credes não compreendereis.” Está aí a
condição da filosofia agostiniana, se não se crê, não se entende. A fé, posta como
necessária, exige daquele que quer compreender, deixar que a fé torne-se condição para
conhecer. Mas que razão é essa que necessita da fé para conhecer aquilo que se pretende
conhecer? A razão por si só, não seria capaz de tal trabalho? Ao pôr como condição para
compreensão da verdade, algo que se apresenta anterior à razão, causa-nos, num
primeiro instante, estranhamento. No Comentário ao Evangelho de João, Agostinho
reforça essa condição.

Aquele que diz não ter entendido, ouça um conselho. No momento de revelar

2 Novaes, Moarcy. 2007. p. 93 – 94


3 Gilson, p.62
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uma verdade tão importante e profunda, Cristo Senhor se deu conta de que
nem todos a entenderiam, e por isso nas palavras que seguem dá um
conselho. Queres entender? Crê. Deus, com efeito, por meio do profeta, disse:
"Se não crerdes, não compreendereis". É isso que o Senhor entende, quando,
continuando diz: "Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá se esta
doutrina é de Deus, ou se falo por mim mesmo". O que significa "se alguém
quiser fazer a vontade dele"? Eu dissera: se alguém crer; e tinha dado este
conselho: se não compreendeste, crê! A inteligência é fruto da fé. Não
procures, portanto, entender para crer, mas crê para entender; porque, se não
crerdes, não entendereis.4

É possível notar nesta passagem que Agostinho reforça o caráter necessário de se


crer para então compreender. E àqueles que ainda não compreenderam resta crer, pois se
não crerem nunca compreenderão. A argumentação parece caracterizar-se em um
fideísmo, mas isso não se concretiza, pois apesar da fé ser a condição para a
compreensão, segundo Agostinho ela – a fé - só é possível porque a própria razão é
condição para se ter fé. A fé só é possível ao homem, pois este é o único, entre as
criaturas, que possui uma alma racional, assim, a fé tem seu caráter racional naquilo que
ela mesma condiciona. Crer para compreender, só se torna uma fórmula possível porque
o crer é assentido pela razão, que por sua vez, depois do impulso da fé, a razão
continuará a perscrutar. Ao crer submetemos a razão à autoridade, mas não qualquer
autoridade, mas à Deus. E existe ato mais racional que este?

A fé procura, a inteligência encontra; por isso o Profeta diz: "Se não crerdes, não
compreendereis". E por outro lado a inteligência procura ainda aquele que
encontrou; porque "Deus observa os filhos do homem", como se canta no Salmo
inspirado, "para ver se há quem tem inteligência, quem procura Deus". Portanto,
por isso o homem deve ser inteligente, para procurar Deus.5

Para Agostinho, a fé prepara o coração do homem para caminhar com a razão, a


fé é pois, nesse sentido, a purificadora da razão. Mas que impureza carrega a razão, que
se faz necessária a presença da fé? Ora, a razão é corrompida na medida em que seu
exercício, isolado da fé, evidencia sua insuficiência, seu limite. “Justamente porque não
entendes, crês; mas, crendo, tornas-te capaz de entender; com efeito, se não crês,
jamais conseguirás entender, porque te tornarás sempre menos capaz. Deixa que a fé te
purifique, a fim de que te seja concedido alcançar a plena inteligência.”6 Quando
cremos, segundo Agostinho, temos a tarefa de entender aquilo que cremos, mas a
condição é clara:“Se não crês, jamais conseguirás entender.” Por isso ele diz, “a fé
ajuda o conhecimento,”7 e ajudado pela fé o homem se tornará capaz de conhecer a
Verdade. E aqui encontramos o conteúdo, tanto da fé, quanto da razão, isto é, a
contemplação da Verdade. Eis a convergência entre fé e razão: o conteúdo, pois é o
conteúdo da fé que indica o que há de ser conhecido.

4 Comentário ao Evangelho de João. In Reale, p. 104


5 A Trindade, XV. 2.2. In: Reale, p. 104
6 Comentário ao Evangelho de João, 36,7. In: Reale, p. 105
7 A Trindade, VIII, 9, 13. In: Reale, p. 105
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Conclusão:

Agostinho mostra que a fé tem seu caráter racional justamente onde reside sua
possibilidade, isto é, na alma racional. Daí apenas o homem, entre todas as criaturas
poder crer. Sem a fé a razão torna-se limitada para encontrar a Verdade, nesse sentido a
razão necessita da fé para purificar-se de seus limites, porém, é a própria razão que dá
lugar a fé, ou seja, a razão dá assentimento à fé. Em Agostinho, crer é condição para
conhecer a Verdade, pois uma razão que tentar conhecer sem crer, jamais conseguirá. A
fé portanto, não é um fim em si mesma, mas impulsiona a razão para que, purificada,
possa continuar seu exercício.

Bibliografia:

AGOSTINHO. A Trindade. In: REALI, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da


Filosofia:
Patrística e Escolástica. 2ª Edição. São Paulo: Paulus, 2005.

_____. Comentário ao Evangelho de João. In: REALI, Giovanni. ANTISERI, Dario.


História da Filosofia: Patrística e Escolástica. Trad. Ivo Storniolo. Rev. Zolferino Tonon.
2ª ed. São Paulo: Paulus, 2005.

Filho, Moacyr Ayres Novaes. A Razão em Exercício: Estudos sobre a filosofia de


Agostinho. São Paulo: Discurso Editorial, 2007.

REALI, Giovanni. ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Patrística e Escolástica. 2ª


Edição. São Paulo: Paulus, 2005. p. 86 a 105.

GILSON, Etienne. A Filosofia Na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo:
MARTINS FONTES, 1995. pp. 142 a 158.

GILSON, Etienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. Trad. Cristiane Negreiros


Abbud Ayoub. São Paulo:Discurso Editorial; Paulus, 2006. p. 61 a 82.

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