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Aula 2 - A Natureza da Razão e a Racionalidade da Revelação

Na aula passada falamos um pouco sobre o que consiste a Apologética, e um


pouco sobre algumas questões referentes a relação entre a fé e a razão. Vimos
como esse problema era tratado no início do Cristianismo quando os primeiros
Cristãos se depararam com a Filosofia Grega num ambiente imerso já dentro da
Filosofia onde o Cristianismo se desenvolveu. E uma das coisas que vimos é
que isso que é tão comum hoje, que é a ideia de que existe uma oposição entre
fé e razão é uma coisa num certo sentido muito recente. Isso começa no
Iluminismo por volta do século XVIII (talvez um pouco antes ou um pouco
depois), mas isso começa num mesmo momento em que a obrigação se tornou
obrigatória e universal e isso também, no mesmo momento em que foi inventada
a imprensa, onde livros começaram a circular de uma maneira muito intensa, a
Igreja já não detinha mais uma hegemonia cultural como tinha até então, os
Jesuítas que eram a ala intelectual combatente da Igreja já tinha sido pelos
próprios Iluministas destruídos. A ordem dos Jesuítas apesar de existir tal como
ela era antes, foi praticamente destruída, e justamente com a intenção de que o
nosso acesso a Teologia, do que o patrimônio intelectual desenvolvido pelos
primeiros filósofos Cristãos fosse vedado, fosse rompido. A própria abolição do
Latim foi algo feito, segundo o que a gente entende, foi feito nessa intenção.
Criou-se um abismo entre o primeiro milênio do Cristianismo onde foi um
período de um desenvolvimento intelectual absurdo, de tal modo que a gente
não tendo mais acesso àquilo e sendo bombardeado com uma série de novas
mitologias, novas ideologias, novas interpretações da terra, do cosmos, do
mundo, da origem do ser humano etc, que é o que começa ali justamente a
partir do século XVIII, a nossa própria vida sendo tão intensificamente
modificada com a Revolução Industrial, tudo isso nos colocou praticamente num
novo mundo, num novo contexto, cultural, psicológico, social que fez com que
essa ideia de que a Fé e a Razão são coisas opostas não só entrasse nas
nossas mentes, como parecessem até muito razoável acreditar. E parece que
colocamos um lugar na nossa mente em que a Fé e a Razão não são coisas
conciliáveis. Por mais que sejamos Cristãos, existe algo em nós que nos inclina
a aceitar essa ideia, porque nós ouvimos isso na escola, ouvimos isso nos filmes
que vemos, e vivemos num mundo que já não é mais um mundo litúrgico vamos
dizer assim. Nosso mundo já não respira mais aquela atmosfera sobrenatural tal
como respirava o mundo que antecedeu a esses últimos trezentos anos. E o
que os primeiros Cristãos diziam é que a Fé e a Razão não podiam se opor
por princípio porque eram duas luzes com a qual Deus havia dotado o ser
humano. Uma por natureza (uma Luz Natural), quer dizer, o ser humano foi
naturalmente constituído e dotado de Inteligência ou de Razão que para nós é a
mesma coisa, e uma sobrenatural (uma Luz Sobrenatural) que Deus dá para o
homem através da Graça, que é uma força infundida na Alma humana, Ele dá
a Virtude da Fé, que é uma segunda luz que auxilia a Inteligência,
complementa a Inteligência e a capacita a aderir a algumas verdades que
sozinha a Inteligência não poderia alcançar. O verdadeiro Cristão, que foi
Batizado, que está em estado de Graça, ele não acredita nas verdades da fé por
um ato arbitrário da vontade, como se ele de uma hora para outra decidiu
acreditar. Não! A inteligência dele percebe aquilo como verdadeiro, ainda que ele
não possa provar por ‘A’ mais ‘B’ aquilo. Mas a Fé é como se fosse um ouvido
espiritual que é desenvolvido no fiel pelo qual ele houve uma melodia muito sutil
ligando todo o cosmos, toda a realidade às Verdades Reveladas, de tal modo
que ele percebe que tem uma inteligibilidade naquilo, tem uma lógica por trás,
uma ordem que é muito mais bem explicada a partir das verdades reveladas. É
algo difícil de verbalizar mesmo, mas quem já parou para pensar e perceber isso
sabe do que eu estou falando. Chega um certo momento da nossa vida
espiritual que fica muito difícil não Crer. Você olha e diz: “não é possível,
porque isso aqui faz muito sentido, é muito real e as coisas realmente
acontecem”. E ao mesmo tempo, as verdades que o mundo me oferece se
tornam muito pálidas, muito fracas, muito parciais. Elas dão conta de um
aspecto ou de outro, mas são muito superficiais.
Então, a postura Tradicional é esta: Fé e Razão se complementam, não como
duas metades, mas como duas luzes. Uma mais luminosa que a outra, e
que portanto, auxilia essa outra. Mas nós vimos também que a Razão auxilia
a Fé na medida em que aquelas pessoas que ainda não tem Fé vão apresentar
contra as verdades reveladas uma série de argumentos. E tudo o que elas têm
para poder apresentar esses argumentos é a luz da razão. Então, aqueles que
não creem, os infiéis, eles vão apresentar contra as verdades reveladas uma
série de argumentos, de objeções baseadas no razoável, na razão. Pelo menos
a pretensão de quem argumenta é estar baseado na razão. Diante dessas
pessoas é que a Apologética começa a fazer sentido, pois ela é uma
maneira de você mostrar que ainda que as verdades nas quais você
acredita, ainda que o objeto da sua Fé não tenha sido alcançado por você
pela Razão, mas tenha sido Revelado por Deus, a Razão não pode se opor
a eles, porque uma luz não pode se opor a outra luz. Esse é o grande
objetivo da Apologética, pois não é nem tanto provar as verdades de Fé,
mas é provar que as objeções contra as verdades de Fé são Irracionais.
Isso porque temos verdades de Fé que não dá para provar, como por exemplo, a
Santíssima Trindade, que Jesus é Deus. Isso não dá para provar. Isso é uma
parcela de luz na qual Deus quer que nós Creiamos. E eu vou explicar hoje o
que é a Fé do ponto de vista racional. Ele quer que creiamos, pois vocês
imaginem se todas as verdades reveladas pudessem ser provadas pela razão. A
nossa soberba já é imensa, e se isso fosse possível o ser humano se destruiria.
Então, Deus parece que reserva um percentual da verdade revelada que
transcende a razão humana e que por isso a razão humana não pode prová-la,
demonstrá-la. Na verdade, tem uma série de verdades naturais que também a
razão não pode demonstrar. Na verdade, quando queremos legitimar alguma
coisa dizemos que aquilo dali é racional, mas existem vários meios da razão
para fundamentar algo, e só uma parcela muito pequena de coisas no âmbito
natural, da natureza, podem ser demonstradas por ‘A’ mais ‘B’ pela razão. É
muito pouca coisa. A maior parte das coisas nós acreditamos porque temos Fé
na autoridade dos cientistas, dos professores, dos escritores, etc., uma outra
parte a qual nos dedicamos a estudar e cada um aqui tem uma profissão e
estuda alguma área. Nós aderimos àquelas verdades por experiência, por
razoabilidade, onde você avalia e vê que parece com muita certeza que as
coisas são assim, mas se alguém te pedir para você provar matematicamente
você verá que não dá para provar, mas a experiência junto com a reflexão me
mostra que é praticamente impossível que não seja assim. Mas não é tão
impossível quanto é impossível que dois mais dois não sejam quatro. A
matemática é uma área onde eu posso usar a razão do ponto de vista
demonstrativo, por A mais B e não tem como negar esse tipo de coisa. Agora,
temos que entender que a matemática é uma esfera muito pequena da
realidade. Todo o restante, Biologia, Química, Cosmologia, Física, Sociologia,
Direito, Psicologia, tudo isso está num âmbito sobre o qual a razão tem um
poder relativo, e por isso é que as pessoas discordam muito nessas áreas.
Você não vai ver um professor de matemática entrando em sala e dizendo que
teve uma descoberta nova e agora dois mais dois não é mais quatro. E então,
quando vocês forem pegar o troco na padaria lembrem-se disso, dois mais dois
agora é vinte e seis. Não faz sentido esse tipo de coisa, mas no campo da
História, da Sociologia, da Química, etc, a sua mente não recusa isso, pois você
sabe que tem algo nessas áreas que não podem ser absolutamente
demonstrados pela razão, e o mesmo acontecem com as Verdades
Reveladas. Alguns dados revelados podem ser provados e demonstrados pela
razão, outros não. Só que, como as Verdades da Fé estão acima da Razão,
esses dados que não podem ser demonstrados, não podem ser
demonstrados porque transcendem a Razão. No campo da natureza, o que a
razão não consegue demonstrar é porque é confuso. Se você vai estudar, por
exemplo, uma coisa como a sociedade, é muito confuso estudar sociedade
porque envolve o interesse das pessoas, os sentimentos, as decisões, a
imprevisibilidade do mundo humano, então, a sua razão não pode calcular
demais em cima da sociedade porque o objeto é confuso e imprevisível. Por
isso, tem coisas na realidade natural, no mundo físico aqui, que a razão não dá
conta do ponto de vista exato. Por isso dizemos que as Ciências Naturais não
são exatas. E esse grau de inexatidão vem do fato de que as coisas naturais
são confusas, elas estão em movimento, elas se mesclam umas as outras. Mas
no campo de Fé, do Sobrenatural, as Verdades que a Razão não alcança, a
Razão não alcança, não porque elas sejam confusas, mas porque elas são
claras demais para nossa Razão, por assim dizer. É luz demais, para a nossa
Razão. A Santíssima Trindade por exemplo, onde a Revelação nos mostra que
Deus é uma Única Substância com Três Pessoas, isso é demais para a nossa
Razão. Nossa Razão é limitada e só consegue enxergar e raciocinar em
cima do que a gente percebe aqui. E aqui só conseguimos perceber uma
natureza e uma pessoa. Ninguém tem a experiência de uma natureza que tenha
duas pessoas, três pessoas ali dentro. Mesmo um caso de dupla personalidade
a gente sabe que é uma pessoa só. Agora, no âmbito do sobrenatural, algumas
verdades reveladas são grandes demais para a nossa razão e então a gente
não as compreende racionalmente por um excesso de luz que ela possui e não
porque elas são confusas. Estão entendendo?
Então vejam bem, a razão é sempre limitada, seja para analisar o mundo
natural, seja para analisar o mundo sobrenatural. Mas sempre tem algo no
mundo natural, assim como no mundo sobrenatural que a razão pode comprovar
de uma maneira necessária e não tem como você negar. Negar é afirmar aquilo.
E é dentro desse contexto que vamos exercitar isso que chamamos de
Apologética, que nada mais é do que um empreendimento que visa defender as
verdades reveladas diante dos ataques da razão. Porque ainda que a sua razão
não possa compreender boa parte das verdades reveladas, ela também não
pode questionar, porque uma luz não pode se opor a uma outra luz. Uma
verdade não pode se opor a uma outra verdade. Quando isso acontece, de uma
verdade se opor a uma outra verdade, é porque em algum aspecto tem falsidade
ali no meio. A Apologética vai ser a defesa das verdades reveladas diante dos
ataques feitos pelos infiéis, no geral, se baseando na razão. O ataque se baseia
na razão e a defesa também, porque se o ataque parte de um infiel ele não vai
aceitar a autoridade da fé. Então tenho que usar a autoridade que é comum a
todos os homens, fiéis e infiéis, que é a razão, para poder mostrar que não tem
como a razão se opor a fé, e com isso, tentar fazer o sujeito ter o seu primeiro
ato de fé, além de defender a sua fé também, é claro. A Apologética também é
um instrumento de conversão, porque se fizermos um trabalho bem feito o infiel
verá que ao ter mais luz naquilo, ele irá beber dela e se converterá.
Tem uma parte da Apologética que é mais saborosa, pois pegamos os vários
temas e começamos a mostrar o porque que aquilo está errado, mostrando as
imprecisões racionais que tais temas ou teorias trazem. Compreender a verdade
das coisas gera um deleite, pois quando você entende uma coisa, essa luz da
razão te dá um deleite, a sua inteligência repousa. Da mesma forma que sua
língua repousa no saboroso, a sua inteligência repousa no verdadeiro. E isso é
gostoso, mas também é gostoso porque atiça a nossa soberba. Você é colocado
do lado de quem está do lado da razão é bom por duas outras razões, seja
porque sua razão repousa no verdadeiro, seja porque o seu ego também salta
por cima do ego dos outros. Primeiro temos que entender o que é a razão, como
ela funciona, o que é a fé, até mesmo para que possamos ter o máximo de
prudência e cautela na Apologética. É preciso paciência.
A Tradição reconhece dois tipos de Revelações. Tem a revelação feita a partir da
Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo, do que Ele viveu, do que Ele
ensinou. Isso é o que chamamos de revelação num sentido mais ordinário, quer
dizer, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade se uniu com a natureza
humana, veio até nós e ensinou coisas para os homens, pregando uma doutrina,
um conhecimento, deixando os Sacramentos etc, e isso é o que chamamos de
revelação Cristã, vamos dizer assim. Mas todos os Santos Padres, Teólogos e
Doutores da Igreja diziam uma coisa que é muito óbvia, não só do ponto de vista
racional, como também do ponto de vista da própria Escritura, onde eles
reconheciam uma revelação anterior a essa, que não é a dos Judeus não.
Vamos colocar a dos Judeus junto com a de Cristo aqui. Mas é uma Revelação
que eles chamavam de Revelação Natural. É uma Revelação que Deus faz ao
homem por meio das próprias criaturas, por meio da própria natureza. Imaginem
que quando um artista faz uma obra, ele deixa algo dele naquela obra, aquela
obra fala um pouco dele. Ela fala também de outras coisas porque aquele artista
não existe sozinho, ele existe no mundo cheio de coisas e então, ele escreve um
livro falando de outras coisas, mas é claro que lendo aquele livro você também
compreende algo daquele artista, além de compreender algo além de outras
coisas da qual o livro fala. Agora imaginem que esse artista é Deus, Ele cria as
coisas e essa obra que Ele cria não pode falar de outra coisa, só pode falar
Dele, pelo simples fato de que não tem outa coisa. Diferente do artista que está
no mundo junto com outros seres, Deus está sozinho, pois e absoluto, e ‘está
solto de’, pois existe independente de qualquer outra coisa, Ele existe por Si
mesmo e Ele se basta. Então, se esse Ser Absoluto resolve criar, produzir uma
obra, é claro que essa obra vai trazer vestígios, como diz São Boa Ventura, que
falam, que apontam para o autor dessa obra e somente para o autor dessa obra
e para mais nada. Isso porque ela só poderia falar Dele, pois não existe mais
nada ainda. Vai passar a existir a partir dessa obra que Ele criar e fazer. Então,
todos os Santos Padres vão dizer que a criação, o conjunto das criaturas já é
um Livro Sagrado, Liber Mundi, como diz Santo Tomas de Aquino. A natureza
já é um Livro Sagrado e as Escrituras falam intensamente das criaturas, como a
Sarça ardente, as águas, terra onde corre leite e mel, a pedra, um ramo de
oliveira, a serpente, o leão e assim por diante. Ela só faz isso porque as próprias
criaturas são em relação a Deus uma espécie de fotografia, uma espécie de
manifestação em escala menor daquilo que Deus é, daquilo que Deus quer, do
próprio plano de Deus, do próprio logos divino. O Cristianismo na medida em
que perde de vista essa revelação que antecede a revelação escrita ele parece
que esvazia um pouco a sua experiência do mundo. E não podemos perder isso
de vista. E foi por esse esvaziamento que começou a entrar essas concepções
mecanicistas do mundo, onde se vê o mundo como uma máquina, o mundo é só
matéria, o mundo é só átomo. E se você começa a pensar o mundo dessa
maneira, em última instância você será levado a conclusão de que o mundo não
precisa de Deus, pois o mundo é uma máquina, um monte de partículas que se
encontram, se auto organiza e então porque eu precisaria de um Deus? Dráuzio
Varela disse certa vez que o choque de partículas que aconteceu no mundo é
muito maior do que os milagres de Jesus, muito maior do que o milagre da
multiplicação dos pães, e porque então acreditar em Deus. Por isso, se
perdermos de vista que Deus é o criador das criaturas e que esse criador está
presente, que a Palavra Dele se manifesta nesse discurso, ou melhor, se você
perde de vista que a própria natureza é um discurso Divino, um abismo é
colocado entre você e Deus, do ponto de vista das criaturas, do mundo externo.
E esse mundo externo vai ficando material, vai ficando grosseiro, pois ele não é
mais vivo e então, abre-se espaço para essas concepções materialistas do
mundo que vão te afastar de Deus. E eu estou falando disso porque essa
Revelação Natural, quer dizer, as marcas que Deus deixa no mundo físico, que
são manifestadas na beleza das coisas, na ordem do universo, na qualidade que
as coisas apresentam, sobretudo na beleza e na harmonia do mundo, tudo isso
é o grande sinal que Deus deixa nas coisas, além de indefinidos outros. Mas o
grande sinal é a beleza, a harmonia e a ordem que nós podemos perceber no
mundo. Esses sinais que Deus deixa na natureza e que a torna muito mais do
que um conjunto de coisas soltas, mas sobretudo um grande livro que pode
ser lido pelo homem, ele tem como correlato no homem uma capacidade que o
homem possui de fazer a leitura desse livro. Deus não daria um livro ao homem
sem que o mesmo não tivesse a capacidade de ler esse livro.
E qual é o instrumento que o homem se utiliza para ler esse livro? Primeiro
são os cinco sentidos, que é a primeira fonte pela qual a beleza e a harmonia
do mundo entra para você. Mas em última instância é a Inteligência, porque na
medida em que você começa a perceber essa beleza externa do mundo, como
diria Platão, você vai vendo que o pôr do sol é bonito, as árvores são bonitas, os
animais, as pessoas, e daqui a pouco você vai perceber que a relação entre os
animais com as plantas e com as estações também é bonita. A relação do
homem com o outro homem também é bonita. O fato de você existir na
sociedade e poder sentar num banco que não foi feito por você mas por outros
homens que nem sabiam quem era você, isso também é uma ordem e também
é bonito. E é mais bonito que a ordem visível. O homem aos poucos vai
percebendo que existe uma ordem invisível por trás das coisas, uma
ordem mais profunda que mostra que existe uma lógica, uma inteligência
por trás disso tudo, por trás da natureza. E o que no homem é capaz de ler
essa lógica interna é a Inteligência, é a Razão. Inteligência é a capacidade de
ler por dentro. (inter / lere). É a capacidade de ler aquilo que está nas
profundezas das coisas, de ler aquilo que os sentidos não são capazes de ler.
Então, a Revelação Natural corresponde a inteligência humana. Deus criou o
mundo, criou a natureza, criou o conjunto das criaturas e esse conjunto das
criaturas é como se fosse um livro, é a Primeira Revelação, e Ele dotou uma
dessas criaturas, desses seres criados, uma espécie dessas criaturas que
é o homem, de uma capacidade de ler esse livro, e essa capacidade é o
que a gente chama de Inteligência. E porque que eu estou dizendo isso.
Porque a Razão humana, a Inteligência humana, ela é muito mais do que uma
capacidade de raciocinar. Ela é uma capacidade de receber uma Revelação,
uma Revelação que é natural. A Inteligência humana é como se fosse uma cera
na qual as coisas do mundo são impressas, e você vai recebendo as verdades
que as coisas vão te mostrando, e ela é passiva, ela não é ativa. Entender uma
coisa é receber na nossa inteligência a Verdade que essas coisas transmitem. E
se as coisas transmitem verdades, elas estão revelando alguma coisa, elas
estão mostrando alguma coisa. Um grande Teólogo chamado John Piper
dizia isso: a Razão tal como Santo Tomas de Aquino, Santo Agostinho,
Platão e Aristóteles entendiam, não é uma simples capacidade de
raciocinar como nós somos levados a crer hoje, mas sim uma capacidade
de receber uma informação, uma Revelação Natural. Por si só ela não pode
receber uma Revelação Sobrenatural, que vai depender da Fé, mas a
Revelação Natural foi feita para recebê-la.

Quem já leu o livro da Sabedoria sabe o que eu vou dizer agora (ex:”Eu estou
nas praças, nas montanhas, nas fontes, gritando o tempo inteiro para os
homens, mas os homens não me ouvem”). Se você perde de vista que a
natureza é uma maneira da Palavra Divina se Revelar não vai enxergar essa
Revelação. Então, o que se manifesta nas coisas é o próprio Logos Divino,
é o Verbo Divino. Deus fez as coisas com a sua Palavra e a Palavra
manifesta o Verbo Interior, a Ideia, e então é o próprio Cristo que se insinua
para a Razão humana através das criaturas. E eu estou chamando a atenção
para isso porque temos que entender muito bem o que é a Razão humana.
Ela não é uma calculadora que nós temos, mas ela é antes de tudo uma
capacidade de receber uma verdade que se manifesta para nós através das
coisas. E essa verdade já é o Cristo em alguma medida porque as coisas
foram feitas por meio do Verbo e se elas trazem alguma marca, elas trazem
a marca do seu Criador. Então, se você perde a ideia de que as criaturas
trazem uma espécie de tecido revelador, o que é uma coisa muito óbvia, porque
você vê que a obra de arte humana nada mais é do que isso: se o homem
consegue pegar a matéria prima e transmitir um conteúdo através dela que a
gente chama de arte, de técnica, ele faz isso porque é dotado de inteligência.
Então, a matéria para ele não é só um obstáculo, um alimento que ele destrói
para se nutrir, mas ela também se torna uma matéria para comunicação, para
ele comunicar alguma coisa. É aqui que está a nobreza do homem em relação
aos animais, pois o homem é artista. Os animais até se utilizam da matéria, mas
se uma maneira muito primitiva, como por exemplo, as cores de suas penas
quando o pavão abre o leque de suas penas. É uma comunicação muito
primitiva se compararmos com a técnica humana. Ele faz isso porque é
inteligente.
E Deus sendo inteligente, ele não poderia fazer um mundo, um conjunto de
criaturas que não dissesse nada do que ele é. Medite sobre isso. É impossível
uma inteligência agir sobre uma matéria sem tornar essa matéria inteligível. E
entramos na Revelação agora. É por isso que quando lemos o Evangelho, não o
lemos só buscando as palavras de Cristo, mas lemos também os gestos de
Cristo, os lugares onde Ele entrou, as montanhas que eles subiram. E não sei se
já leram as homilias dos grandes Doutores e Santos consagrados. Eles não
focam somente no que Cristo disse. E vemos hoje mesmo nas homilias Padres
dizerem, olha, essa cidade daqui de onde Ele saiu significa isso, significa tal
aspecto da sua vida, tal aspecto da sua alma. Cristo aqui nessa passagem falou
sentado para simbolizar isso, depois falou em pé para simbolizar aquilo e etc. E
agora pensem bem, se Cristo é a Verdade, cada gesto Dele, cada passo
Dele, cada cena do drama da vida Dele então, diz alguma coisa para nós. E
é por isso que a gente medita na Paixão de Cristo. O que significa isso, que
Cristo caiu três vezes ao carregar a Cruz? Ele está dizendo alguma coisa para
nós. Num certo sentido isso já acontecia com as criaturas. Ele já está dizendo
algo para nós com a chuva, com a neve, com o sol, com a terra, com o céu e por
isso que quando Ele vai falar Ele se refere justamente a isso, ao trigo, ao céu, a
terra, a chuva, e a própria vida do Cristo, os gestos, o caminhar, os movimentos
que Ele faz são imagens inteligíveis. Na nossa vida não é assim, porque nós não
somos inteligência, nós temos uma inteligência. As vezes eu aceno para uma
pessoa e isso tem um sentido, mas as vezes uma pessoa acenou para mim do
outro lado porque ela achou que eu acenei para ela, mas eu só estava coçando
a cabeça, quer dizer, as vezes as coisas que eu faço tem sentido, e as vezes
não. Isso porque eu tenho uma capacidade lógica aqui, mas eu não sou o logos
Divino. Eu participo desse logos em algum grau, mas o Cristo não, pois tudo o
que Ele faz tem algum sentido. Só que quando pensamos nessa segunda
Revelação, a Encarnação, ela faz chegar até nós, pelo seu próprio veículo, que
é um Deus que se faz homem, um Deus Encarnado, ela já mostra que chega até
nós ordens, verdades, que transcendem a nossa capacidade racional. Os
próprios milagres atestam isso, as coisas que Cristo diz, as coisas que
acontecem com Ele (Ele morre e ressuscita, sobe aos céus, é filho de Deus e é
Deus ao mesmo tempo...), todas essas coisas estão além da nossa razão. E se
Ele quer que nós aceitemos e compreendamos essas coisas, Ele tem que nos
dotar de uma capacidade pela qual nós possamos aderir a essas coisas, a
essas verdades. E é aqui que entra a Fé. Se a inteligência é a capacidade de
ler a Revelação Natural que se insinua na natureza, a Fé é a capacidade
que Deus nos dá, pois ela não é natural, é sobrenatural, pois é Deus que
infunde em nós, então, a Fé é essa capacidade pela qual nos tornamos
aptos a ler, a aceitar, a conhecer e a compreender as Verdades
Sobrenaturais que são Reveladas por Jesus Cristo.
Vejam que Fé e Razão são coisas análogas só que cada uma está numa escala
diferente. E até por isso elas não poderiam se opor. Só pode se opor coisas que
estão numa mesma escala. A Fé diz respeito a uma ordem Sobrenatural e a
Razão a uma ordem Natural. Só que tem um detalhe. A ordem natural fala da
mesma coisa que a ordem sobrenatural fala. O mundo natural fala de Deus para
nós e por isso ele serve a Fé.
Por isso existe um esforço humano racional de compreender algo a partir da
natureza. Observando o fenômeno usando a sua razão para coletar vestígios da
face de Deus na história humana e por esses vestígios também compreendemos
algo de Deus. Só que com isso ainda chegamos num número muito pequeno de
verdades sobre Deus. Mas é um instrumento de conhecimento legítimo de Deus,
mas ainda pequeno. E então, quando nos deparamos com a Revelação, com o
próprio Cristo Encarnado na história revelando sua própria vida, isso se torna
muito maior. Vocês já ouviram um testemunho de uma pessoa? Quando
ouvimos a gente diz assim: “nossa eu jamais poderia imaginar que tudo isso
aconteceu com essa pessoa”. Isso é uma Revelação. E é isso que Deus faz. É a
pedagogia de Deus para que possamos entende-lo, entender que Ele existe.
Primeiro Ele te dá um tecido de sinais, de símbolos, de coisas, para você
exercitar a sua Razão e tentar encontrá-lo, e é possível. São Paulo diz que Deus
nunca nos abandonou, mas permitiu aos homens que o conhecessem
através de suas próprias criaturas. E essa passagem está nas cartas de São
Paulo quando ele vai falar sobre os gentios dizendo que Deus nunca os
abandonou. E aqui passamos a entender até a idolatria. O que é idolatria? É
você parar de ver aquilo que a natureza te mostra e adorar a própria natureza e
não o seu criador que é Deus. A natureza está a nossa disposição para nos dizer
algo de Deus.
A Revelação sobrenatural equivale a um testemunho. Agora é Deus que veio e
falou um monte de coisa Dele para você e é natural que a sua razão fique meio
enlouquecida. E qual é a contra partida de uma Revelação como essa? É que
você pode acreditar ou não. Isso não pode ser provado, mas você pode mover a
sua inteligência a aderir a isso.
Vejam, se eu falo isso para vocês: “Todo homem é mortal”. “Sócrates é homem”.
“Logo, Sócrates é mortal”. Tem como duvidar de um silogismo desse? Não! Isso
é o que chamamos de dedução lógica. Isso é um conhecimento racional que não
tem como você negar. Com as Verdades Reveladas não dá para fazer isso,
deduzir isso. Então, qual é a única opção. Vocês podem crer no que eu estou
falando. E o que é o Crer? Crer, é quando a sua inteligência não podendo
aceitar algo por força da dedução lógica, quando a inteligência não pode aderir
aquilo por necessidade, quando a própria verdade não é suficientemente forte
para mover a sua inteligência a aceita-la, pois tal verdade não é uma verdade
lógica, então, nós temos que fazer um esforço para que a minha inteligência
aceite aquilo. Então, o homem move a sua inteligência para a direção daquela
verdade, para que ela, a inteligência aceite aquilo. Isso é a Fé. E Santo
Agostinho nos ensina que Fé é pensar concordando. Eu penso numa
Verdade Revelada, mas a própria verdade revelada por si mesma não tem força
para fazer a sua inteligência aceitar aquilo. E essa força vem de onde? Primeiro
de você. Você move a sua inteligência naquela direção. O que faz você mover a
sua razão pela vontade para que ela aceite aquela Verdade Revelada é a
confiança que você tem na pessoa que está revelando. E quando Deus te revela
alguma coisa não tem como Ele mentir, pela própria definição de Deus. E é por
isso que você força a sua inteligência a aceitar aquilo que Ele te revelou. Mas
como essa Verdade Revelada é grande demais para a sua inteligência, só pela
sua força ela não consegue aceitar aquilo. Então, aderimos a Graça. A Fé é uma
adesão da inteligência a uma Verdade Revelada, adesão que só pode ser dada
quando a inteligência é movida pela sua vontade, já que aquela verdade por si
só não tem força para te convencer, pois ela não é lógica, então, Deus te manda
uma Graça. No momento mesmo que Ele percebe que você está crendo, Ele te
manda a sua Graça, uma força sobrenatural. E essa força é que vai fazer você
desenvolver aquela certeza de que você não duvida mais. Ainda que não
percebamos, mas é o próprio Deus que está se manifestando para você pela
sua Graça. Então, você passa a aderir àquela Verdade. Deus manda a Graça
que ilumina a sua inteligência e convida à vontade, como diz Santo Tomas. A
Graça ilumina a sua inteligência te fazendo enxergar aquela verdade e convida à
vontade, ou seja, ela soma a força dela a sua vontade para que a sua vontade
consiga impulsionar a sua inteligência a aceitar aquilo. E quanto mais aceita
aquilo pela força da sua vontade, mais você vê daquilo, e quanto mais você vê
daquilo mais você ama aquilo. E então a Fé vai se unindo a caridade, ou seja, a
sua fé vai se unindo a sua vontade onde está enraizada a sua caridade. Esse é
o motor da sua Santificação que se for progredindo, no final, você estará vendo
essas coisas. E isso chamamos de contemplação infusa. E tem Santos que
veem a Santíssima Trindade. E viu porque nele a fé e a caridade estão
perfeitamente unidas. A iluminação da inteligência e a atração da vontade por
Deus pela Graça é muito grande. E aquilo vai se tornando manifesto. É o
conhecimento que vem pela Fé, como diz as Escrituras.
Explicamos o conhecimento racional e o conhecimento que vem pela fé. Tudo
isso para mostrar para vocês que existe uma razoabilidade na fé. Não é uma
simples adesão do nada como se fosse uma história da carochinha. Tem uma
mecânica, um processo psicológico ao qual se soma a força da Graça no qual o
ser humano se torna capaz de crer, coisa que para os infiéis são absurdas. E a
apologética usa a razão que trabalha em cima da revelação natural para
defender a sua fé e conduzir o sujeito ao primeiro ato de fé dele, onde a Graça
começa a agir, movendo a vontade dele, iluminando a sua inteligência para fazê-
lo enxergar as verdades maravilhosas diante da qual as verdades racionais
ficam pálidas.

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