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Falamos na aula passada sobre dois tipos de Revelação, aquilo que a Tradição

Cristã chama de a Revelação Natural e a Revelação propriamente dita, que é


aquela que nós conhecemos, chegou pelos Profetas e através da Encarnação. E
disse que a Revelação Natural é uma certa expressão da sabedoria Divina
através das próprias criaturas físicas. O mundo físico por ser visível aos nossos
sentidos manifesta uma ordem e qualidades que, na medida em que nós
utilizarmos da inteligência para sondar essas qualidades, alguma coisa da
sabedoria Divina chega até nós.
E a Revelação propriamente dita, que podemos chamar de Sobrenatural, é
aquela que deriva de uma espécie de intervenção milagrosa de Deus na história,
na natureza, e que exige de nós em contrapartida, um ato de Fé, já que a nossa
Razão não pode sondar na totalidade os conhecimentos que são revelados por
esse meio.
Então, uma coisa é a sabedoria Divina tal qual é manifesta nos vegetais, no céu,
na terra, nos animais, na vida humana e etc, e outra coisa é um segundo plano
de ação que Deus infunde na natureza e na história a partir da história da
salvação tal qual nós conhecemos, passando pelo Dilúvio, pela História de
Israel, culminando no fenômeno da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição
de Jesus Cristo, Nosso Senhor.
O instrumento da Apologética é fundamentalmente a Razão, a Inteligência. Ela
toma os dados da Revelação, os artigos da nossa fé e toma como pré suposto.
Não é objeto dela tratar desses assuntos, ela pressupõe esses assuntos. Quem
trata desses assuntos para estabelecer e desenvolver a Doutrina e os Dogmas é
a outro tipo de Teologia. A Apologética parte do pressuposto dos dados da
Revelação para através da Razão e da Inteligência fazer a defesa desses dados
perante as heresias, os ataques e as críticas que a nossa fé pode sofrer por
meio do mundo por assim dizer. O instrumento fundamental da Apologética é a
Razão, a Inteligência. E aprendendo as regras fundamentais pela qual a Razão
humana funciona poderemos penetrar nas várias ideologias, nas várias
heresias, nas várias opiniões humanas e conseguir de algum modo defender a
nossa fé que, na maioria das vezes são elaboradíssimas e sofisticadíssimas.
Temos que ser sábios o suficiente sob o ponto de vista Filosófico para perceber
contradições nessas ideias elaboradas que querem atentar contra a nossa fé.
Essas coisas ocorrem ou por má intenção, pessoas infiltradas no corpo da Igreja
para produzir isso, ou seja, lobos em pele de cordeiro, ou pela falta de
discernimento, falta de método para conseguir levar essa luz da Razão até o
terreno movediço e obscuro das ideologias, das heresias, das opiniões que o
mundo produz.
Temos então que compreender bem essa luz natural com a qual Deus nos
dotou e pela qual nós vamos de algum modo aperfeiçoar o nosso conhecimento
que vem pela luz da fé. Quer dizer, compreender bem a Razão para que através
dela possamos compreender melhor a nossa Fé e nos tornarmos capazes de
defendê-la e inclusive de converter a visão de algumas pessoas que estão
hipnotizadas por essas ideologias ou por essas heresias. No fundo as ideologias
modernas nascem quase todas das antigas heresias.
Vamos falar hoje sobre a Razão, a Inteligência, como ela funciona, o que é a
Verdade, se ela pode ser negada ou não. Isso pois um dos grandes problemas
do século XX e isso começa lá em 1900 com um sujeito chamado Nietzsche, e
vai ganhando corpo e se intensificando ao longo desse século XX é a negação
da própria Razão. A ideia de que a Razão não é essa luz natural que os
homens sempre acreditaram que fosse. E consequentemente isso implica na
negação do objeto da Razão que é a Verdade. Se a Razão não é essa luz
natural que sempre se acreditou, logo, o objeto dela também não é isso tudo que
nós acreditávamos que era. Que dizer que a Verdade então não passaria de
uma simples opinião, de um simples ponto de vista. E isso dá origem ao que
chamamos hoje popularmente de Relativismo. Nietzsche chamava isso de
perspectivismo e agente chama de Relativismo, que é a ideia de que não existe
Razão, não existe Verdade e tudo, as discussões humanas se passam sempre
num campo onde cada indivíduo tem as suas preferências subjetivas e
particulares e ficam tentando enfrentar o outro sem que nenhum critério objetivo
possa existir para separar o joio do trigo. E o debate nada mais é do que as
pessoas tentando passar o seu joio se passar por trigo. Só existe joio. Essa ideia
de que tudo é opinião, de que tudo depende de um ponto de vista, ela deriva de
uma negação da própria Razão e consequentemente da própria Verdade.
Durante a maior parte da história humana, até a metade do século XIX isso não
era um problema, pois as pessoas não negavam a existência da Verdade e não
negavam a existência de uma faculdade racional no ser humano. O próprio
Iluminismo que é uma tradição inimiga da Igreja sob a maior parte dos seus
aspectos, ainda endeusava a Razão. Eles aceitavam a autoridade da Razão, o
que eles não aceitavam era a autoridade da Fé. Só que pouco depois do
Iluminismo aparece Nietzsche, Freud e dizem que esse negócio de Razão, de
Consciência está por fora. Para eles nossa Razão é escrava de forças
impulsivas do inconsciente e no fundo tá todo mundo querendo convencer o
outro da sua própria opinião. O fato é que nem sempre foi assim, isso é uma
coisa recente. São Tomas de Aquino escreve um livro de Apologética chamada
Suma Contra os Gentios. E nesse livro ele defende a fé contra as considerações
que os pagãos, Judeus, Muçulmanos faziam em relação a nossa fé. E nesse
livro ele não questiona em nenhum momento a autoridade da Razão. A
autoridade da Razão é um pressuposto tanto aceito por Santo Tomas, quanto
pelos Judeus, quanto pelos Muçulmanos e pelos Pagãos. Eles então têm um
terreno em comum, dado pela aceitação da Razão, que é a capacidade de
compreender a verdade das coisas, dentro do qual eles podem começar uma
discussão sóbria, objetiva, de modo que um possa esclarecer para o outro
algumas coisas. Essa Verdade em comum independe do homem, pois ela é uma
Verdade objetiva, pois ela é a estrutura do próprio mundo, e se direcionarmos
nossa mente para essa verdade, as nossas opiniões, os nossos equívocos em
um momento ou outro serão resolvidos justamente em razão desse critério que é
a própria realidade, que é a própria verdade. Isso permitia a discussão entre
sábios de culturas muito diferentes, religiões muito diferentes ocorressem. Hoje
nós não temos mais esse terreno, pois se formos discutir com um Marxista, um
Ideólogo de Gênero, com professores de Filosofia, Psicanalistas, Pedagogos,
falando no sentido geral, eles não aceitam mais esse critério. Pelo contrário, a
maior parte deles vai dizer que não existe mundo objetivo, que tudo isso aqui é
produzindo pela nossa mente, pela nossa linguagem e inclusive você pode se
auto definir, se auto determinar aquilo que você é. Hoje sou uma vaca, amanhã
posso ser um cachorro, um gato, um pato, uma mulher, etc. E isso não tem
como discutir, de modo que o primeiro passo que nós temos que tomar muitas
vezes para empreender uma discussão saudável, e inclusive para defender a
nossa fé, é primeiro mostrar para o sujeito que existe nele um negócio chamado
Razão, Inteligência, e que existe na realidade uma estrutura objetiva que não
depende da nossa opinião e que essa Razão permite a cada um de nós
compreender essa estrutura e falarmos uma mesma linguagem. Mas convencer
o sujeito disso é muito difícil, porque isso é um pré-requisito de qualquer
discussão humana. Tenho que trazer a pessoa para dentro do terreno onde a
discussão pode um dia começar. Mas por enquanto estou falando com um
sujeito que está fora de onde qualquer discussão razoável é possível. E por isso
essas discussões em geral terminam em gritaria, histerismo, hostilidades,
intervenções onde gritam até as pessoas ficarem quietas e não levam a nada.
Digo tudo isso para frisar a importância do que é a Razão e por isso temos que
tomar posse desse critério pelo qual poderemos penetrar nas opiniões do mundo
sem nos perdermos nessa opinião. A Razão é como se fosse uma lanterna, o
olho da Alma, pelo qual você se orienta e orienta a sua Alma. Deus te deu uma
ferramenta para saber se essa ou aquela opinião é verdadeira, que é a Razão.
Mas parece que isso foi apagado de nossa sociedade, e nossa cultura apagou
essa ferramenta da nossa perspectiva, não nos ensinou a usá-la. Precisamos
tomar posse dela. “A Razão é o olho da alma e a Fé é a pupila desse olho”. E
isso confirma o que falamos, de que não há oposição entre Razão e Fé, como
não há oposição entre o olho e a pupila.
Vamos falar um pouquinho da Razão. O processo de conhecimento é como um
processo de nutrição, como comer alguma coisa e extrair daquele alimento os
nutrientes que vão se integrar ao seu corpo. E todo conhecimento humano parte
do mundo físico. O homem conhece as coisas pelo mundo físico. E entram no
homem pelas janelas da alma que são os nossos cinco sentidos. Vemos um
objeto físico e a forma desse objeto passa para dentro da nossa imaginação e
fica retida na nossa imaginação e na nossa memória. Essa forma fica na nossa
imaginação, na nossa memória sem a matéria que ocupa um lugar no espaço. A
imaginação começa a matar o objeto físico. E esse processo chamamos de
abstração, pois abstrai a matéria ficando somente a imagem sensível. Esse é o
objeto da Imaginação, mas ainda não é o objeto da Razão, da Inteligência. Eu já
peguei o nutriente da Imaginação porque eu abstraio a matéria física e retenho a
figura imaginária do objeto que chamamos de imagem / forma sensível.
Essa forma sensível já não tem mais a matéria física, mas ela tem qualidades
físicas. Quando eu imagino um cachorro eu imagino um cachorro que eu já vi.
Pensar um cachorro é diferente. Você pensa um cachorro, esse conceito, esse
objeto do que você entende ser cachorro, essa essência de cachorro já não tem
mais cor, não tem mais tamanho, matéria e nem qualidades sensíveis, mas uma
pura essência de cachorro.
Ex: Aprendendo a contar na escolinha. O professor coloca três maçãs, tiram
duas ficam uma. Depois ele faz a mesma coisa com laranja, limão, peras etc.
Ele faz com outras frutas para que você entenda que o importante ali não é o
tipo de objeto, mas é uma essência que está se manifestando no objeto. Olhe
que fantástico. Agora a criança olha para a maçã e não vê maçã, mas sim o 4,
ou o 5 etc. Coisa que um animal não pode ver, pois o animal só verá a maçã e
nem sabe que é a maçã. O homem é capaz de captar as essências das coisas.
E o objeto da Razão são coisas invisíveis. Quem vai negar que existe o número
dois. Num certo sentido os números não estão em lugar nenhum, pois ocupar
um lugar é próprio de coisas físicas, e coisas que não são físicas não ocupam
um lugar no espaço e, no entanto, existem. Vejam, o número dois existe, mas só
não ocupa um lugar no espaço. Nem na minha imaginação ele existe, pois nela
eu vejo a grafia ocidental do número dois, mas a essência dois ela conhece. E
boas coisas existem sob a forma da dualidade. No princípio Deus criou o céu e a
terra; separou as águas de cima das águas debaixo; fez o sol e a lua; fez o
homem e a mulher; fez o dia e a noite; temos dois olhos; duas mãos; duas
pernas; etc. O número dois aqui, ou seja, as coisas físicas que aparecem na
forma de dualidade estão te manifestando algum sentido espiritual. Veja que
fizemos o trajeto do mundo físico para o mundo da inteligência nesse exemplo.
E isso é uma nutrição, ou seja, acabamos de matar o objeto físico e ficamos só
com a essência dele. E nesse caso nossa Razão foi alimentada e não
somente a nossa imaginação.
E o que falamos aqui é importantíssimo, pois a maior parte das ideologias que
existem hoje são oriundas da imaginação e não da Razão, por isso quando
ouvimos falar do conteúdo dessas tais ideologias pensamos assim: como pode
alguém acreditar num negócio desses. Por exemplo as pessoas que são
contra o pré conceito da espécie, onde elas acham que podem definir a sua
espécie ao qual nós pertencemos. O sujeito vai lá e acha que é um cabrito
e quer o direito de ser chamado de cabrito. E ai de você se chamá-lo de ser
humano. Só que, exigir que as pessoas te considerem como um animal é
um ato próprio de animal irracional ou de ser humano? Um animal pode
exigir direitos? Claro que não, e só um ser humano pode exigir direito. Então, no
momento mesmo que o sujeito afirma que ele não é um ser humano, ele exerce
a sua prerrogativa humana de exigir direitos. Só que ele não percebe isso
porque ele não está no nível da Razão. Ele não está raciocinando, ele está
imaginando. E no mundo imaginário você pode ser um cabrito, um cachorro,
uma galinha, um pato e por aí vai. Já viram isso acontecer num sonho? Você
está conversando com uma pessoa, daqui a pouco vira outra pessoa, depois
você está voando, etc. E aquele homem cabrito está no mundo do sonho, da
fantasia. E boa parte das ideologias de hoje se baseiam em fantasia nosso
trabalho hoje é um pouco pior do que na época de Santo Tomas, Santo
Agostinho etc. Isso porque estamos tendo que aprender a usar a Razão
ofuscada por uma educação que ofuscou a presença da Razão na nossa alma.
Somos vítimas de adoração ao inconsciente, sobre o que meus sonhos querem
dizer sobre mim, a minha essência, e isso são coisas que vão nos tirando a
autonomia, a minha semelhança com Deus, por mais que elas tenham em algum
grau algum sentido. Então, como as ideologias estão trabalhando no nível da
imaginação, em sua maior parte, não vai ser muito difícil a gente perceber o
ponto fraco delas. O difícil é conseguir desenvolver um raciocínio para se
comunicar com essa pessoa que está no nível da imaginação. As vezes a única
coisa que você consegue fazer é chamar a atenção da pessoa para o dia a dia
dela, da sua vivência. Na vida é difícil negar que dois mais dois não é mais
quatro, é o que você quiser. Na hora de pegar um troco no supermercado, ou no
banco, se o caixa dá o troco errado ou dá a metade do dinheiro que ele ia sacar
no banco, nesse momento ele esquece a ideologia e usa a Razão.
Bem, em cima daquela imagem na imaginação, a nossa inteligência abstrai mais
um pouco para o resto de matéria que ficou na imaginação, separa as cores, as
figuras, o tamanho, o gosto, o cheiro, e deixa sobrar somente o ser daquela
coisa percebida. Vi o cavalo, passei a mão nele, depois eu imagino esse cavalo
em casa, e então, não tem mais a matéria, mas tem a cor do pelo, o tamanho,
um pouco do cheiro, da figura, e então entra a inteligência e tira todas essas
características físicas, e deixa sobrar somente aquilo que fez daquele ser um
cavalo. E o que faz dele um cavalo não é o tamanho, o pelo, a cor, pois temos
cavalos de outros tamanhos, cores, pelos etc. O que faz desse ser um cavalo
não é mais propriedade exclusiva daquele cavalo, pois ela tem que estar
presente em todos os outros cavalos, senão, eles não seriam cavalos.
Percebam o salto que estamos dando, do cavalo físico vou para o cavalo
imaginário e com o esforço da inteligência eu capto a essência do cavalo, o ser
do cavalo. Só que quando eu capto isso eu sai do individual e fui para o
universal, pois o que eu captei está presente em todos os cavalos e é por isso
que eu reconheço os vários cavalos que existem. É isso que me faz olhar para
um ser e dizer: é um cavalo. logo, o objeto da inteligência não é uma forma
sensível, colorida, mas sim uma forma inteligível, uma coisa que você só
entende, mas não visualiza nem com os olhos e nem com a imaginação. Eu
a contemplo. É tão sutil, que no momento que você entende, ela parece que
foge de você. No entanto fazemos isso todos os dias. Se não fôssemos capazes
de fazer essa abstração não viveríamos como seres humanos. Conversando
com alguém no seu emprego, em todo momento estou saindo do mundo físico e
indo para o mundo das essências. Ninguém conversa só se referindo ao
mundo físico, como quem fica apontando, este banco, este chão, esta porta.
Não!
Ex: As pessoas buscam tanto a felicidade, como se elas estivessem nos
automóveis, nas festas. Ora, de que automóvel você está falando nesse
momento? Eu não estou imaginando automóvel aqui, mas me referindo a
Essência do automóvel. E de que felicidade estou falando nesse momento?
Estou me referindo a Essência da felicidade. E fazemos isso o tempo todo. É
difícil sim falar desse processo, mas exercer o processo de usar a inteligência é
uma coisa cotidiana que fazemos todos os dias.
No entanto, as Universidades se converteram no lugar onde vamos para fingir
que isso não existe. Para eles a Razão não existe, que a Verdade não existe. E
que sou eu que chamo aquilo de cavalo e começo a pensar e achar que existe
um cavalo ali. Literalmente é isso. E isso faz do mundo uma esquizofrenia e faz
do ser humano cada vez mais um animalzinho onde o que vale é quem grita
mais alto, e isso conduz a humanidade para a barbárie. Lembre-se nesse
momento de São João Crisóstomo, que dizia que em tempos de degeneração
extrema nem milagre resolve. Você pode fazer milagre na frente de uma pessoa
que ela não acredita. É o uso copioso da palavra que resolve, é você aprender a
usar a Razão, o Logos, a Lógica Divina. E a Razão é a capacidade de perceber
a essência das coisas. E a essência das coisas é a verdade de cada coisa. É
você olhar para uma mulher e falar, é uma mulher. A inteligência é uma
capacidade que nós temos de fazer uma passagem para o mundo real. É
um instrumento que temos para acessar o mundo real. E duvidar disso é estar
se enlouquecendo.
Na próxima aula começaremos a atacar essas teses e perceberemos que elas
não se sustentam. E começaremos pelas teses que questionam a autoridade da
própria Razão e da Verdade. Se não formos capazes de provar a Razão existe e
que a Verdade existe não conseguiremos provar mais nada, pois todo o resto
depende disso. Quem sabe conseguiremos ser um mestre da argumentação,
não por mim mesmo, mas por uma luz que está parte em mim e parte no mundo
porque Deus fez as coisas inteligentemente e ordenadas. O fio da sabedoria é
sempre maior do que a gente, mas está sempre disponível a nós, e por isso
crescemos em sabedoria.

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