A verdade está em toda parte?
A ciência quer entender e
Há diversos modos de encaramos as religiões. Eis a mais tradicional:
conhecemos apenas a nossa religião e achamos que só ela está com a verdade.
Consideramos todas as outras falsas, problemáticas e até perigosas, fechando-
nos em nossa fé de maneira radical e intolerante. Foi essa postura que gerou as
guerras religiosas e o fanatismo de todos os tempos.
Outro ponto de vista é considerarmos que todas as religiões são
manifestações da verdade- embora, é claro, vejamos a nossa como a mais
verdadeira. Mas o fato de estarmos convictos da verdade de nossa fé não significa
que as outras também não possam ser verdadeiras ou, pelo menos, ter muitas
verdades. Será que a verdade caberia em uma única religião? Será que apenas
um grupo detém toda a verdade e os outras estão excluídos? A ideia que a
verdade está em toda parte aproxima-nos de todas as criaturas humanas,
permitindo-nos ver nelas traços em comum e perceber a universalidade de muitos
preceitos religiosos.
Há, ainda, um terceiro ponto de vista, de algumas correntes da
antropologia e da sociologia: a religião seria um fato social e cultural, e não
espiritual e sagrado. Ela é uma criação humana e tudo em que as pessoas crêem
faz parte de um mundo imaginário. E mais: não há nada em comum entre as
diversas manifestações religiosas, pois elas são fruto das culturas e das
circunstâncias históricas de cada época. E, se houver algo em comum, isso se dá
pela influência que uma exerceu sobre a outra. Evidentemente nenhuma religião
partilha esse ponto de vista, pois significaria declarar que não existe verdade em
suas crenças.
Quem busca a verdade
Todas as religiões afirmam verdades. Já a ciência e a filosofia procuram
verdades, mas a filosofia vai além: ela indaga se existe mesmo verdade ou se
tudo é apenas uma questão de opinião. Na Grécia antiga, por exemplo, alguns
sábios conhecidos como sofistas, diziam não existir nenhuma verdade, nenhuma
certeza de conhecimento: tudo depende de cada um. Sócrates (séc. V a.C.),
opondo-se a essa ideia, dizia que a verdade está dentro do ser humano: basta
descobri-la, fazer um parto dela.
As religiões aceitam verdades que foram reveladas pelo Transcendente,
como as verdades da Bíblia ou do Alcorão, por intermédio de um profeta, como
Moisés ou Maomé, ou de alguma pessoa iluminada, como Buda.
E a ciência, que tipo de verdade procura?
explicar o mundo, saber como funcionam as coisas e como se pode lidar com a
natureza. Ela observa, experimenta e faz deduções. Até o século XIX, os cientistas
achavam que suas descobertas eram verdades definitivas. Porém, a partir do
século XX, a ciência começou a duvidar de si mesma e a aceitar que as verdades
são provisórias, pois sempre se pode modifica-las com base em novas
observações.
Na segunda metade do século XX, surgiram os filósofos pós-modernos.
Como os sofistas, eles consideram que nenhuma verdade é realmente definitiva,
seja ela científica, religiosa, social ou filosófica: todas as verdades são apenas
opiniões. Assim, não podemos ter certeza de nada.
Como enxergar a verdade
Uma das ideias interessantes desenvolvidas por várias filosofias, como a
de Platão, discípulo de Sócrates, e religiões como a cristã, é que nossa melhor ou
pior visão da verdade não depende apenas de intelecto, mas de virtude e de amor.
Em outras palavras: quanto menos influenciados por sentimentos negativos
estivermos, quanto mais tivermos a consciência limpa e equilibrada, melhor visão
teremos das coisas.
Tanto a filosofia de Platão, como o cristianismo, o hinduísmo, o judaísmo
e o islamismo consideram que a suprema verdade é “Deus” (Transcendente).
Temos que ser o mais puros e cheios de amor possível para melhor enxergarmos
Deus e a verdade. Quando alguém enxerga apenas o nada, é porque não sentiu
Deus. Quem tem Deus na alma tem algumas certezas fundamentais.
O problema é que, no decorrer da História, muitas pessoas se declararam
próximas a deus, assumiram a verdade como se fossem donas dela e mandaram
matar, perseguir e atormentar quem não acreditasse no mesmo Deus ou na
mesma verdade.
Por isso é tão importante procurar a essência das religiões, que sempre
nos orienta a amar, servir e agir com bondade. Essa é uma verdade válida para
qualquer época e lugar.
INCONTRI, Dora. BIGHETO, Alessandro C. Todos os jeitos de crer. 2 ed. São
Paulo: Ática, 2014. v. 4.