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Os argumentos a favor de cada uma dessas correntes são eruditíssimos e ambas fazem
questão de apoiar-se nas mais atualizadas pesquisas científicas. É uma pena que
tanto esforço intelectual se desperdice numa discussão que parece ser calculada
para não levar a parte alguma.
Desde logo, os dois lados dão por pressuposto que a religião nasce de uma
“necessidade de crer”, esquecendo que a “fé” (mesmo aceitando-se a premissa falsa
de que ela se reduza à mera crença) é um elemento distintivo e típico do
cristianismo, ausente ou rarefeito em quase todas as demais religiões mundiais e
numa infinidade de tradições religiosas menores.
Em segundo lugar, é impossível julgar uma necessidade psíquica sem ter decidido
antes se o objeto dela existe ou não. Se existe um Deus, a necessidade de conhecê-
Lo e de caminhar em direção a Ele é uma coisa; outra totalmente diversa é o impulso
de inventá-Lo caso ele não exista. Transferir, portanto, o debate desde o problema
da existência de Deus para o da necessidade de crer n’Ele pode parecer um modo
inteligente de esquivar-se de controvérsias teológicas, reduzindo a questão às
dimensões do que pode ser abordado com os recursos da ciência atual, mas é óbvio
que toda discussão na qual o método determine kantianamente o objeto em vez de
amoldar-se a ele não pode levar jamais a nenhuma conclusão válida sobre o objeto
enquanto tal.
Em terceiro, o mais mínimo estudo das religiões comparadas mostra que elas são
incomparáveis, que simplesmente elas não são espécies do mesmo gênero. Que pode
haver de comum entre uma religião que promete integrar o homem no mundo físico e
dar-lhe o domínio das forças naturais e outra que lhe pede que dê as costas a este
universo, que aceite mesmo a miséria, a derrota e o fracasso nesta existência para
obter a vida eterna num outro mundo totalmente inimaginável?
Se você lê o Corão, verifica que ali está um código civil inteiro, regulando todas
as relações sociais, a propriedade, o comércio, o direito de família etc. Qualquer
código diferente é um crime e deve ser abolido à força, por ordem de Deus. Ao
cristão, ao contrário, o Evangelho recomenda que obedeça a qualquer código vigente,
com total indiferença. Como supor que remédios tão heterogêneos atendam a uma mesma
“necessidade”?
Em suma, o debate inteiro parte da premissa de que todas as religiões são “sistemas
de crenças” – entendendo crença no sentido kantiano daquilo que se pode pensar, mas
não saber.
O conteúdo das crenças sendo portanto indiscutível cientificamente, só resta
estudá-las em si mesmas, fazendo abstração do seu objeto e dando por pressuposto
que as religiões são fenômenos do imaginário coletivo, alheios à esfera da
“veracidade”, que é própria da ciência.
Acontece que, dentre as religiões, pelo menos uma, o cristianismo, não proclama a
crença em ideais etéreos e incognoscíveis, mas em determinados fatos da ordem
histórica e natural, perfeitamente acessíveis ao estudo científico. O historiador
pode averiguar se as profecias de Fátima se cumpriram ou não no prazo indicado e o
médico pode atestar se as curas miraculosas efetuadas por meio do Padre Pio se
realizaram ou não.