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OPÚSCULO SOBRE A TOLERÂNCIA.


César Augusto Santos Pedroso1.

INTRODUÇÃO:

O que é Tolerância? Aqui me associo a Santo Agostinho quando perguntado


pelo Tempo, e, sua resposta possui grande valia, diz o Bispo de Hipona: “Se
ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fez a pergunta, já
não sei”2. Voltaire em seu Dicionário Filosófico, no verbete Tolerância, inicia com
a mesma inquietante pergunta: O que é Tolerância? E não a responde, pois, o
filósofo prefere apontar diversas situações, onde os contrários se manifestam.

Nesse esforço, tentaremos descobrir através daquilo que entendemos ser o


princípio gerador de Tolerância, ou seja, a Observação, pois, é a partir do
processo onde o Observador e Observado, produzem a Construção do
Conhecimento, se é que sabemos o que é o Conhecimento3! Se não o sabemos,
como saberemos o que é Tolerância?

Sendo assim, nos aventuraremos nessa viagem, onde tentaremos apoiados nas
ferramentas que ao longo de nossa idade provecta, construíram aquilo que
chamamos de Pertencimento, ou seja, nossa Consciência Experiencial e nossa
Consciência Conceitual, que apoiadas pelos estudos de História e Filosofia, nos
darão força e coragem para darmos o passo rumo as profundezas do abismo
sem fim, na tentativa de encontrarmos respostas. Muitos querem, mas não
podem; outros podem, mas não querem; nós podemos e queremos, por isso
daremos o passo rumo ao que buscamos.

1Historiador, Filósofo e Livre Pensador com PerigosaMente que desconforta.


2 Santo Agostinho: Confissões.
3 Ler artigo de Linda Zagzebski in Epistemologia do Conhecimento.
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DESENVOLVIMENTO:

Cremos ser a Observação a ferramenta para descobrirmos o segredo do mágico


quando retira da cartola um coelho. Por mais rápidas que sejam as mãos do
ilusionista, nossos olhos e pensamentos são indiscutivelmente mais dotados de
velocidade e Percepção. A Observação é o método das Ciências. Até mesmo a
História que têm seu objeto o Fato que se encontra no passado, possui a
Observação como seu principal método, pois, de nada adiantaria o Fato ter
ocorrido, se não for a Observação do historiador em transforma-lo em Fato
Histórico, e suas implicações na movimentação na vida do Homem.

O mesmo acontece com a Filosofia. Pois o que seria do filósofo se não fosse a
movimentação do Homem em Tempo e Espaço, e, as implicações que em sua
vida, são ocasionadas pelos seus movimentos? Sócrates movimentava seus
discípulos através da Maiêutica, os retirando de sua zona de conforto, Heráclito,
ao banhar-se no rio, se transmutava junto com as águas em um continuo mover-
se em transformação.

E assim seguimos, nos transformando. Passamos pelas fases de nosso


crescimento físico e intelectual, até atingirmos a idade de estarmos prontos para
nos transformarmos em Pó, pois dele viemos, e, a ele voltaremos. Atualmente
vivemos numa época de crise onde os valores que nos eram significativos,
edificantes e intocáveis, entraram em choque devido a desmitificação do Homem
pelo Homem que faz sobressair a ação de não pensar e não agir, e, assim, viver
por viver sem o Espírito Crítico.

Nossa principal característica atual enquanto colocados nesse contexto, é a


busca pela sobrevivência, onde nos movimentamos escrevendo nossa História,
agindo positiva ou negativamente dentro do Espaço e Tempo que vivemos,
tornando-nos os únicos responsáveis por nossas paixões e desejos, entretanto,
percebermos que nossas “relações interpessoais estão cada vez mais
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depauperadas, desprovidas de sentido, de compreensão e coerência”4, por falta


do Espírito Crítico.

Praticar o Espírito Crítico, é observar. É atentar a todos os elementos dos


discursos que nos cercam, que nos encaminham e dirigem, apontando como
devemos nos posicionar em nosso grupo social. Ora, se somos dirigidos,
encaminhados, direcionados por um discurso condicionante, não somos Espírito
Critico e sim Espírito Ingênuo, este se caracteriza pela ausência de Observação,
de crítica aos discursos determinantes que negam a edificação do grupo social,
ou dos indivíduos que o compõe.

Aqui chamaremos os Espíritos Críticos e Ingênuos de Consciência Crítica e


Consciência Ingênua, isso se deve ao fato, de sermos dotados indiscutivelmente
de Consciência, que seguindo as orientações do filósofo Juan Cruz Cruz em seu
livro Filosofia da História, divide a Consciência em Existencial e Conceitual. À
primeira, é o arcabouço de nossas experiências, de nossos pertencimentos, se
bons ou ruins, não importa, pois, de um modo ou outro, um dia se manifestarão;
à segunda, é como lidamos com aquelas experiências, classificando-as,
conceituando-as e as colocando, a frente de nossas ações.

Ora, se nossas Consciências são movidas pelo Senso Comum, é óbvio que não
praticamos a Observação, e, por conseguinte, optamos por participar em nosso
grupo social, como indivíduos meramente opinativos, sem maiores
profundidades em nossos movimentos sem nos valermos do “Não Educativo”
que muito incomoda, ou melhor, desacomoda, pois, cria aquilo que chamamos
de “Sadio Contraditório”.

Eis a Consciência Crítica em movimento, e ao movimentar-se, é bombardeada


pela Consciência Ingênua, ou, por aqueles que precisam que sejamos como o
gado que se desloca porque um o fez, ou seja, o “efeito manada”, que nada mais
é que um Movimento da Consciência Ingênua estimulada por um discurso

4 Thums, Jorge Acesso à Realidade. Editora Sulina 2ª edição, 2000.


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determinante, mecânico, condicionante, que não permite a liberdade de


pensamento.

Todos os Homens, por natureza tendem ao Saber5. A busca do Homem pelo


Saber passa pelo método primeiro que é a Observação. Esse método produz no
Homem dois tipos de pensamentos o Indutivo e o Dedutivo, duas nobres formas
de pensar que estruturam a Ciência. Observar, deduzir, intuir, formular
problemas, hipóteses, é um processo que incomoda, ou desacomoda os
ingênuos, pois, dele, nascem nossas conclusões a respeito de nossa
Observação.

Durante esse processo, estamos no caminho para respondermos nossa


pergunta inicial, o que é Tolerância? Sabemos que entre o Observador e o
Observado, se estabelece uma perfeita linha de raciocínio, onde um ao observar
o outro e vice-versa, formam uma via de mão dupla, pois, estabelecem o Sadio
Contraditório e o Não Educativo, pois, com efeito, as informações de um e de
outro, são processadas e levadas às suas Consciências Experiencial e
Conceitual, formadoras de questionamentos que movimentam a relação. Ou
seja, Tolerância é movimentar a relação.

Entretanto, façamos um exercício no sentido de que se um dos Observadores,


não permita que o acesso seja dialético ou de mão dupla, interrompendo assim,
o processo o Movimento ao Sadio Contraditório e ao Não Educativo, assim
teremos uma relação parasitária que não se adéqua ao processo, com efeito,
não permitindo ao Outro que sua fala seja ouvida, que a mesma não passe pelo
crivo científico da Observação, o que teremos?

Eis o que dizem aqueles que pensam saber o que é Tolerância. Os incautos que
inculcam nos menos favorecidos da faculdade Inteligência, apregoam que
Tolerância é calar-se diante do Outro, aquele que, desapercebida ou até
propositadamente comete um erro, uma ofensa, ou um deslize de qualquer
natureza. Segundo aqueles que se valem da Consciência Ingênua, o ato de não

5 Aristóteles: Metafisica Livro I.


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apresentarmos o Sadio Contraditório e o Não Educativo, é um ato de Tolerância.


Ledo engano!

O ato de calar-se caracteriza-se como omissão, conivência, submissão,


resignação ou acomodação, que encontra na falta de Movimento, o abrigo da
Inércia, que acorrenta nosso cérebro não permitindo acesso a coragem para
dizermos “Não”, e, assim, buscarmos o sadio diálogo entre as partes afetadas.
O Movimento Dialético, e o bom respeitoso e construtivo Debate, nos fortalece
ao movimentar nosso Espírito na sadia busca à técnica de questionar e
responder algo, proporcionando assim, a descoberta de qual é nosso papel, junto
ao grupo social chamado Humanidade onde vivemos.

Chama-se Espírito Livre aquele que pensa de forma diferente do


que se espera dele, em virtude de sua origem, de seu meio, de sua
posição e de seu oficio, ou em virtude dos pontos de vista
dominantes de sua época. Ele é a exceção, os espíritos
subordinados são as regras; estes o recriminam por seus
princípios de liberdade terem por origem o desejo de surpreender
ou por lhe permitirem chegar a ações livres, isto é, a atos que são
compatíveis com a moral dependente. (...) Em geral, contudo, ele
terá de seu lado a verdade ou pelo menos o espírito da busca da
verdade: ele procura razões, ou outros uma crença 6

O Homem de Espírito Livre, é aquele que observa, que se movimenta, que


questiona e permite ser questionado e observado, contemplando o sadio e
respeitador Não Educativo, estabelecendo com efeito, o Bom Debate, enquanto
o Espírito Subordinado, é o reacionário, que desconfiado, busca a inércia na
tentativa de jamais se envolver, pois, teme a verdade, ou mesmo aqueles, que a
procuram incessantemente.

Santo Agostinho, Linda Zagzebski, Heráclito, Sócrates, Aristóteles e outros que


contribuíram com seus Movimentos, suas Observações e Bons Debates na
formação de Homens de Consciências Críticas, nos apontam o quanto agimos
certo em dar o passo inicial na direção do abismo que nos assusta devido sua

6 Nietzsche: Humano Demasiado Humano. Editora Escala, São Paulo 3ª edição 2013.
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escuridão, contudo, esses pensadores confiaram que se os seguíssemos, a luz


que ilumina suas mentes brilhantes, não nos faltará em nosso caminho rumo ao
Bom Combate.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Fomos em direção ao abismo. Seguimos Aristóteles que afirma ser de nossa


natureza a busca pelo Saber, (realmente o Estagira têm razão). Entramos no rio
de Heráclito, e, ao sairmos, éramos outros em águas diferentes, enfim,
combatemos o Bom Combate7 contra os incrédulos que não se movimentam,
não observam e se escondem no fundo da caverna de Platão, evitando o conflito
entre os conceitos e as imagens que lhes são seus reflexos. Após nossa incursão
no abismo, e, nosso retorno, trouxemos de lá um recado aos incautos parasitas
que tentam nos calar através de suas falácias:

Nada posso lhe dar que não exista em você mesmo; não posso
abrir-lhe outro mundo de imagens além daquele que existe em sua
própria alma. Nada posso lhe dar, a não ser a oportunidade, o
impulso e a chave, eu lhe mostrarei o seu próprio mundo, e, isso
é tudo8.

7 Apóstolo Paulo: Livro da Lei: Timóteo 4:6-8.


8 Hermann Hesse: O Lobo da Estepe.
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