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DESCOBRINDO A PSICOLOGIA

DISTINÇÃO ENTRE SENSO COMUM E CONHECIMENTO CIENTÍFICO


CONHECIMENTO DO SENSO COMUM

De modo natural e direto, vamos conhecendo os objetos que nos cercam, as pessoas com quem
lidamos, a cidade, a aldeia ou a rua em que moramos. Conhecemos os astros que vagueiam pelos céus,
sabemos onde é o supermercado mais próximo e aí selecionamos os produtos que queremos comprar.
Não temos dúvidas quanto às paragens e aos autocarros que nos conduzem à escola, e até sabemos o
automóvel que nos convinha se o pudéssemos comprar Sabemos o que devemos fazer para granjear o
sustento e para suportar o calor e o frio. Pronunciamo-nos sobre as pessoas que conhecemos, sobre as
suas ações, sobre as coisas do nosso meio e sobre os acontecimentos em geral, sabendo avaliá-los em
termos de solidariedade, justiça, lealdade, beleza e amizade, em suma, em termos do que é bom e do
que é mau. E fazemos tudo isto sem ser de forma propriamente científica, mas, antes, pela experiência
vivida, que é o “nosso” modo de conhecer e de nos relacionarmos como mundo. Quer dizer, a grande
maioria dos nossos atos e apreciações quotidianas são realizadas espontaneamente, com base no
“saber de experiência feito”.
A experiência vivida, que é a forma natural de contactar com as coisas, determina uma
modalidade de conhecimento que, por ser acessível a todas as pessoas, é costume designar-se por
conhecimento vulgar ou senso comum. Merece também o nome de conhecimento empírico, em
virtude de a sua origem residir na experiência das pessoas ao contactarem diretamente com as
situações reais.

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Carlos Martins
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O CONHECIMENTO DO SENSO COMUM


É o conhecimento partilhado pelos membros de uma
determinada comunidade, isto é, uma maneira mais ou
menos comum de ver o mundo, de encarar a vida e até de
responder aos problemas que o dia-a-dia levanta. Portanto, é
um saber que tem origem na vida prática do homem e que
serve para organizar essa mesma vida
Saber adquirido imediata e espontaneamente a partir da
experiência, sem qualquer intenção metódica ou sistemática
e sem qualquer preocupação reflexiva.

A verdade é que, dificilmente, conseguiríamos sobreviver se não pudéssemos extrair da nossa


experiência do mundo e da vida este tipo de conhecimentos que servem de guia para as nossas ações
no quotidiano e de adequação ao meio em que vivemos.
O senso comum revela-se, em muitas situações da nossa vida, útil e eficaz, nele adquirimos uma tal
confiança que, muitas vezes, acreditamos que o que nessa experiência nos é dado corresponde à
realidade.
Esta pretensiosa posse de “objetividade” e “certeza” faz do saber vulgar um “pronto a servir
preconceituoso “que, incapaz de lutar contra a sua ignorância, assume as suas opiniões como
evidências, os seus preconceitos como certezas e a sua eficácia como critério de verdade.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO
A ciência nasce do combate contra as evidências do senso comum e, por isso, no conhecimento
científico nada é dado, nada é espontâneo e nada é óbvio. A ciência é uma construção racional do
espírito humano.
Assim, se o espírito do senso comum repousa adormecido nas suas certezas e soluções,
contrariamente, o espírito científico desperta, irrequieto, nas suas incertezas e nos problemas que
coloca e na sua sede de mais saber e na busca por alcançar outros mundos possíveis.
O conhecimento científico tem um estatuto diferente do conhecimento vulgar, para um melhor
esclarecimento da oposição entre estes dois tipos de conhecimento salientaremos 3 características do
conhecimento científico que o demarcam liminarmente do senso comum: sublinharemos o seu carácter
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crítico, metódico e sistemático, em oposição ao senso comum que é um saber acrítico, espontâneo e
assistemático

Senso comum Conhecimento científico


Acrítico: é constituído por um conjunto de Crítico: é um tipo de conhecimento racional,
crenças aceites dogmaticamente sem as caracterizado por uma autonomia de espírito
submeter a um exame crítico Por isso é e mentalidade aberta, disposta a corrigir e
considerado dogmático e preconceituosos reconhecer erros.
Espontâneo: resulta do contacto direto e Metódico: a ciência é um conhecimento
imediato com a experiência. É a vida que construído, planeado. Toda a investigação
naturalmente ensina, não havendo científica é feita com regras, técnicas que são
preocupações de organização e estruturação. continuamente aperfeiçoadas,
Assistemático: os conhecimentos que Sistemático: os conhecimentos da ciência são
resultam da experiência de vida amontoam- organizados num sistema de ideias
se de forma desorganizada. Contentando-se logicamente interligadas. Exemplos disso são
com explicações superficiais. as leis, teorias, sistemas.

A PSICOLOGIA DO SENSO COMUM

Como próprio nome indica, uma psicologia do senso comum não é uma ciência, é, isso sim, uma
realidade cultural cada vez mais generalizada no mundo moderno. É frequente ouvir-se pessoas, falando
em nome da sua intuição ou até de deduções que teriam feito, afirmarem: “Ela não é inteligente, tenho
a certeza.” É claro que podem acertar, o senso comum pode acertar mas não é científico. Uma dedução
vulgar, isto é, não científica bem-feita pode levar a bons resultados. A palavra intuição é muitas vezes o
nome dado a um insight, compreensão global, às vezes repentina, de uma dedução comparativa muito
rápida. Os ensinamentos de Sigmund Freud (1856-1939), médico austríaco que marcou toda uma época
e continua a marcar, são, muitas vezes, citados por leigos. Assim, é frequente ouvir-se na rua, em
transportes públicos “É um frustrado, como é que há de ser feliz?!”
Esta forma de fazer Psicologia assenta em coisas que se ouviu dizer sobre teorias de psicólogos,
melhor ou pior assimiladas e que se tornaram estereótipos, como a já citada “frustração”. O conceito de
“fobia”, tão utilizado nos nossos dias, tantas vezes tão mal, é outro exemplo que pode citar-se, “tem a

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fobia do surf”, quando na realidade o que se quer dizer é mania, ao referir-se a alguém que gosta de
praticar aquele desporto (fobia significa medo, do grego fóbos meter medo, espantar). Para além destes
estereótipos, intervêm também na chamada Psicologia do senso comum, preconceitos, atitudes,
tradições, crenças, “não é boa rês, não vai à Igreja...”
Na realidade, todos nós sentimos que somos qualificados para emitir pareceres de índole
psicológica sobre os outros ou sobre nós próprios. Na realidade, emitimos alguns pareceres de carácter
mais ou menos psicológico. Pode ser divertido como um jogo mas pode também ser perigoso. Como já
se disse, podemos acertar e contudo a nossa atitude não é científica. Para sê-lo, teria de ter um objeto
assim como um método bem definidos que permitissem uma comprovação científica (por exemplo
laboratorial) das nossas conclusões e a medição das mesmas.

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Correntes que contribuíram para o desenvolvimento da Psicologia


Foram várias as correntes que contribuíram para o desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência,
quer no modo como entenderam e definiram o seu objeto de estudo, quer pelos métodos e técnicas
usados e desenvolvidos:
 Associacionismo de Wundt;
 Comportamentalismo de Watson;
 Psicanálise de Freud;
 Cognitivismo de Piaget;
 Humanismo de Carl Rogers.

Associacionismo / Estruturalismo de Wundt


Fundador Wundt
Wundt procurou identificar os elementos básicos que constituíam a estrutura da
experiência consciente. Sensações, sentimentos e imagens são, para Wundt, as
Pressupostos
unidades básicas da consciência e ao sabermos o modo como se combinam
identificaremos a estrutura da atividade consciente.

Objeto de Estudo Estudo da mente, dos processos mentais, da experiência consciente do Homem.

Identificar e isolar os elementos (sensações), de forma a explicar os processos


Objetivo
mentais complexos
Método Introspeção provocada em laboratório
O Associacionismo tornou a Psicologia autónoma da Psicologia.
Criação do 1.º laboratório de Psicologia.
Contributo Procurou introduzir-se, na Psicologia, o rigor e a objetividade das outras ciências
da época através da provocação de situações em laboratório e da análise das
sensações por uma pessoa diferente da que se autodescreve.

Conceitos fundamentais: Associacionismo; consciência; introspeção; sensação.

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Comportamentalismo / Behaviorismo de Watson


Fundador Watson
Para se construir como ciência, a Psicologia tem de se basear em observações
objetivas, ou seja, que possam ser verificadas por qualquer observador – o seu
objeto é o comportamento observável.
Pressupostos
A aprendizagem de comportamentos ocorre através da associação entre
estímulos objetivamente observáveis e as respostas comportamentais (reações
do organismo a esses estímulos), também objetivamente observáveis.
O comportamento, entendido no sentido estrito de atividade observável.
O comportamento (behavior) é o conjunto de respostas observáveis a estímulos
igualmente observáveis provenientes do meio em que um organismo se insere.
Objeto de Estudo Para Watson, somos totalmente condicionados pelo meio [R = f (S)]. Desvaloriza o
fator hereditariedade. Assim, alterando as situações que condicionam o
comportamento podemos modificá-lo.

Perceber como se processa a aprendizagem dos comportamentos (como se


Objetivo
adquirem, mantêm e desaparecem).
Método Método Experimental.
Com o Comportamentalismo a Psicologia assume o estatuto de ciência:
 O objeto muda: é agora o comportamento;
Contributo
 O método muda e torna-se mais objetivo: método experimental.
Alarga o campo da Psicologia ao estudo animal.

Conceitos fundamentais: Comportamentalismo; comportamento; estímulo; resposta.

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A Psicanálise - Freud
Fundador Freud
Salienta a influência determinante do inconsciente (conteúdos psicológicos como
impulsos, tendências, medos, de cuja existência o próprio indivíduo não tem
Pressupostos
consciência) para a vida psíquica do ser humano.
Salienta o papel da sexualidade infantil.
Aparelho psíquico humano: os processos mentais (sobretudo os fenómenos
Objeto de Estudo psíquicos inconscientes) e a influência que exercem sobre o nosso comportamento
e a nossa personalidade.
Objetivo Compreender como a personalidade do indivíduo se desenvolve
Método Método Psicanalítico.
A grande revolução freudiana consistiu na descoberta do Inconsciente e na
afirmação de que ele é a realidade psíquica fundamental. O nosso
comportamento é, em grande parte, motivado por desejos, pensamentos e
Contributo sentimentos inconscientes.
Atribui à criança uma vivência de sexualidade.
Pressupõe a existência de aspetos inatos, para além dos aprendidos.
Utiliza métodos subjetivos de simbolização (ex.: interpretação dos sonhos).

Conceitos fundamentais: Psicanálise; inconsciente; pré-consciente; consciente; sexualidade (infantil);


recalcamento.

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Construtivismo / Cognitivismo de Piaget


Fundador Piaget
O desenvolvimento é construído pelo próprio sujeito, que tem um papel ativo
Pressupostos
nas mudanças de estruturas de conhecimento.
A inteligência.
O estudo da interação entre os processos mentais, o comportamento e o meio. A
Objeto de Estudo
nossa ação sobre o meio e do meio sobre nós tem como resultado o reforço e a
sofisticação dos esquemas cognitivos e a construção de outros.
Compreender como se constroem as estruturas de conhecimento / inteligência
Objetivo
e quais os processos mentais subjacentes.
Método Método clínico e observação naturalista.
Salienta a importância do sujeito com um papel ativo na construção do seu
próprio processo de desenvolvimento.
Introduz a conceção de interação entre os aspetos hereditários e o meio.
Põe em evidência os aspetos qualitativos do pensamento: até então
Contributo considerava-se que as diferenças de inteligência entre os indivíduos eram
diferenças quantitativas (ex.: pensava-se que um adulto era mais inteligente do
que uma criança);
Piaget vem salientar a importância das diferenças qualitativas (ex.: um adulto
pensa de forma diferente de uma criança).
Conceitos fundamentais: Cognitivismo; Construtivismo; desenvolvimento; interação; sujeito;
personalidade.

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Watson e o Behaviorismo
Watson é o pai da psicologia científica, demarcando-se da psicologia tradicional que tinha:
- Por objeto a consciência
- Por método a introspeção
Considera que com Wundt a psicologia científica teve uma falsa partida, pois não conseguiu romper com
as conceções tradicionais.
Para a psicologia ser ciência tem que:
1. Romper com o passado
2. Constituir-se como um ramo experimental
Watson pretendia para a psicologia o mesmo estatuto da biologia, para tal o psicólogo tem de trabalhar
como um cientista, i.e., trabalhar com os dados que resultam da observação objetivas e pública. Assim,
corta com a introspeção e recorre à observação externa
Watson vai então estudar o comportamento observável, i.e., a resposta de um indivíduo a um dado
estímulo do meio.

E R

Cabe ao psicólogo decompor o seu objeto e explicá-lo de forma objetiva, para tal tem de recorrer ao
método experimental.
Behaviorismo = Comportamentalismo = teoria do comportamento
1) Noção de comportamento
O estudo do comportamento consiste em estabelecer relações entre: Estímulos e Respostas
Estímulo: conjunto de excitações que agem sobre o organismo. Qualquer objeto proveniente do mundo
externo ou qualquer modificação interna do organismo.
Comportamento: é o conjunto de respostas objetivamente observáveis que é determinado por um
conjunto de estímulos (situação) que provêm do meio físico e social em que o organismo se insere.

R= f (S)

O comportamento é função ou depende da situação


O psicólogo deverá:

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1. Perante o estímulo prever a resposta


2. Perante a resposta determinar a situação que a desencadeou

Watson não nega que entre o estímulo e a resposta se passe algo dentro do sujeito, mas tal não é
objeto da psicologia.

Críticas:
Conceção simplista e limitada:
1. Limitada porque muitas das condutas ficam por explicar: ex. pensamento, linguagem, emoções
2. Simplista:
2.1. Uma situação pode desencadear várias respostas
Ex. Assalto/acidente
2.2. Situações diferentes podem desencadear o mesmo tipo de resposta
Ex. Chorar

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BEHAVIORISMO

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O contributo de J. Watson

Comportamento:

+ Estímulo (E)...

Resposta (R)

...ou conjunto de estímulos:


situação (S)

...excitação que age sobre o


organismo cuja fonte pode ser
externa ou interna

Reação muscular ou glandular que


resulta da exposição ao (s)
estímulo (s)

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Watson
Se tivéssemos de sintetizar a visão watsoniana da Psicologia destacaríamos os seguintes pontos:
• A Psicologia é uma parte da ciência natural, cujo objeto é a conduta humana; a vida psíquica ou a
consciência não necessitam de menção. A linguagem é só "um tipo de conduta tão objetiva como o
basebol" e o pensar não é mais do que falar a nos próprios.
• A conduta é composta por elementos de resposta e pode ser analisada pelos métodos objetivos da
ciência natural.
• A conduta compõe-se de secreções glandulares e movimentos musculares, pelo que é redutível a
processos físico-químicos.
 Toda a resposta se deve a algum estímulo e a todo o estímulo se segue a resposta; assim, existe
um determinismo comportamental de causa e efeito.
 Os processos mentais ou da consciência, se existem, não podem estudar-se cientificamente.
Watson põe o acento máximo na importância do ambiente, na insignificante influência dos fatores
hereditários na conduta humana. O sentido utilitário que pretende dar à Psicologia vê-se no programa
positivo para o melhoramento dos seres humanos que apresenta na sua obra. O leitor pode imaginar o
fundamento deste programa: se o que importa é o ambiente, se a conduta depende do ambiente,
reformemos favoravelmente o ambiente e melhoraremos o ser humano. Na década de 20, Watson
passou a dedicar-se à Psicologia aplicada e à publicidade, desinteressando-se por completo da
Psicologia teórica, razão por que não escreveu mais nada importante. Perante isso, resta-nos lamentar a
perda prematura de um homem cuja energia, decisão e clarividência despertaram tanta atenção e
determinaram uma viragem tão importante na história da Psicologia.
Há que reconhecer que, apesar dos exageros reducionistas - sabemos mais dos nossos sentimentos,
pensamentos e dados de consciência pelo facto de reduzi-los a simples secreções internas ou ondas
elétricas? - De Watson, os seus contributos a favor da objetividade na Psicologia foram bem recebidos
pelos psicólogos americanos. Parece que a razão principal desta atitude foi a libertação dos estreitos
marcos introspecionistas a que estavam submetidos os teóricos da jovem ciência.

“O behaviorismo atual supõe evitar enunciados não comprovados experimentalmente, prescindindo da


psicanálise, introspeção, testes projetivos, etc., e manter um modelo mecanicista da conduta humana,
acentuando a aprendizagem e dando como explicação o condicionamento.”
[Antonio Caparrós, Historia da Psicologia, Plátano Editora, pp. 57-58]

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O CONTRIBUTO DE FREUD
Constituição do aparelho psíquico (primeira tópica)
- Foi na reflexão sobre os dados que recolheu junto dos - Freud, na sua obra Introdução à Psicanálise,
seus pacientes, das observações que fez sobre si próprio, recorre novamente a uma imagem para melhor
bem como do debate que sempre estabeleceu com explicar a sua conceção: o nosso psiquismo seria
investigadores, seus contemporâneos, que Freud foi constituído por uma grande sala — o inconsciente e
procurar o significado mais profundo das perturbações por urna pequena antecâmara, o consciente. Se
psicológicas. Seria impossível compreender os processos não lhe agradam censura-os, impedindo a sua
patológicos se só se admitisse a existência do consciente. entrada, impossibilitando-os de se tornarem
- A grande revolução introduzida por Freud consistiu na conscientes. Existe uma censura que bloqueia a
afirmação da existência do inconsciente, zona do tomada de consciência do material inconsciente, o
psiquismo constituída por pulsões, tendências e desejos qual pode se sujeito a um processo de
fundamentalmente de carácter afetivo-sexual, a qual não recalcamento.
é passível de conhecimento direto. À consciência é - O Recalcamento é um processo normal, mas a
atribuído um papel modesto, os processos psicológicos partir de determinados limites, é responsável por
mais determinantes ocorrem no inconsciente. comportamentos neuróticos e até mesmo
- Freud compara o psiquismo humano a um icebergue: a patológicos.
sua parte visível é muito pequena e corresponde ao
consciente, sendo constituída por imagens, lembranças,
ideias que se podem evocar e conhecer. Contudo, a parte
submersa, que não se vê, do icebergue é a maior e
corresponde ao inconsciente, cabendo-lhe um papel
determinante no comportamento.
- O pré-consciente (subconsciente) faz a ligação entre o
consciente e o inconsciente e corresponde, na imagem do
icebergue, a uma zona flutuante de passagem entre a
parte visível e a oculta e que varia o seu grau de
emersão/imersão. É constituído por conteúdos possíveis
de aceder à consciência. - O material inconsciente tende
a tornar-se consciente. Contudo, há todo um conjunto de
forças que se opõem a esta passagem.

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Aparelho Constituição do aparelho psíquico (segunda tópica)


psíquico Características
Id Instância constituída por pulsões inatas e por conteúdos, como os desejos, que são
posteriormente recalcados.
As pulsões procuram o prazer e urna satisfação imediata.
O id não é regido por preocupações lógicas, temporais ou espaciais.
É amoral. O id impulsiona e pressiona o ego e a sua atividade é inconsciente
Ego/Eu Instância que se constitui diferenciando-se do id no primeiro ano de vida. A sua energia vem-
lhe das pulsões do id.
Tem preocupações lógicas, de espaço e de tempo, assim como de coerência entre a força do
id e os constrangimentos da realidade.
Tenta ser moral.
O ego opõe-se a certos desejos do id, a sua atividade é sobretudo consciente, embora uma
parte seja inconsciente, como os mecanismos de defesa do ego.
Superego/Super Instância formada a partir de uma parte do ego, após o complexo de Édipo.
ego Constituído pela interiorização das imagens idealizadas dos pais e das regras sociais. Base da
consciência moral,
É hipermoral.
O superego age sobre o ego, filtra os conflitos id/ego, decide sobre o destino das pulsões e a
sua atividade é predominantemente inconsciente.

Outra conceção de comportamento - Piaget


Piaget propõe uma conceção mais dinâmica de comportamento.
O comportamento é a manifestação de uma personalidade numa dada situação, têm então em conta:
1. As determinações do meio
2. Determinações da personalidade

R =f (S P)

O comportamento depende ou é função da interação entre situação e a personalidade do sujeito, não


são independentes.

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A personalidade é um produto complexo em que intervêm diversos factores, ela vai-se construindo no
contexto do meio, nas diferentes situações vividas pelo sujeito
O modo como a situação vai ser interpretada depende:
- Da personalidade
- Das experiências vividas pelo indivíduo
O importante para explicar o comportamento é o modo como o indivíduo integra os dados da situação
tendo em conta a sua personalidade e experiência.

Piaget

Foi através da observação dos seus filhos e de outras crianças que Piaget procurou descobrir como é
que o conhecimento se organiza e estrutura. É precisamente na área do comportamento intelectual e
cognitivo da criança e do adolescente que este investigador vai incidir os seus estudos.
As suas pesquisas levam-no a concluir que o conhecimento é um processo interativo que envolve o
sujeito e o meio e que decorre em etapas sequenciais que Piaget designa por estádios de
desenvolvimento.
Piaget ultrapassa o debate dos que afirmavam o primado do sujeito, da componente hereditária e
daqueles que afirmavam o primado do meio: através da observação e da experimentação vai
demonstrar que há uma interação entre ambos na construção do conhecimento. Para o construtivismo
a vida psíquica desenvolve-se através da troca entre o sujeito e o meio; o conhecimento advém das
interações sujeito/objeto, dai que também se designe por interacionismo.
Piaget defende uma perspetiva psicogenética do conhecimento, atribuindo ao indivíduo um papel activo
na construção do conhecimento. Assim, na polémica que opõe o inatismo ao empirismo, ele propõe
uma dialética interativa: estruturas mentais - experiências.
Segundo Piaget, o desenvolvimento intelectual faz-se desde as reações reflexas inatas até à idade
adulta. Este processo desenvolve-se ao longo de quatro estádios.
Demarca-se das conceções anteriores, nomeadamente das correntes inatista (que coloca a ênfase na
componente genética), e behaviorista (que coloca a ênfase no meio) ao afirmar o carácter ativo que o
sujeito desempenha no processo de conhecimento.

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DISTINÇÃO ENTRE AS SEGUINTES CONCEÇÕES:


INATISTA, BEHAVIORISTA E CONSTRUTIVISTA

Conceção inatista
Autores que defendem a hereditariedade como fator preponderante no desenvolvimento humano
Segundo esta conceção, o sujeito é resultado das potencialidades transmitidas por hereditariedade.
Existiriam estruturas inatas no sujeito que organizariam a experiência do meio ambiente. O meio
desempenharia um papel pouco relevante no seu desenvolvimento.

Sujeito -------» Meio

Conceção behaviorista – A importância do meio no desenvolvimento humano


Watson
Segundo os behavioristas/comportamentalistas, o comportamento do ser humano e o seu
desenvolvimento dependem totalmente do meio em que o sujeito se encontra inserido. O sujeito tem
um papel passivo no processo de conhecimento e desenvolvimento.

Sujeito «------- Meio

Conceção construtivista – A importância da interacção entre a hereditariedade e o meio no


desenvolvimento humano
Piaget
O comportamento do indivíduo, a inteligência, resulta de uma construção progressiva do sujeito em
interação com o meio.

Sujeito «-------» Meio

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Marcos históricos da Psicologia: o contributo de António Damásio

Conceito-chave:
Emoção: estado particular de um organismo que surge acompanhado de uma
experiência subjetiva e de sinais viscerais (sentidos em certos órgãos do
organismo).

Função da Psicologia:
Revalorizar o papel das emoções e dos sentimentos na medida em que eles regulam o modo
como o indivíduo se relaciona com o mundo e com os outros indivíduos. Uma conduta
adequada exige não só raciocínio e bom senso mas também uma eficaz assistência das
emoções.

Método a aplicar:
Prática clínica com técnicas específicas das ciências médicas (imagens obtidas por scanner; ressonâncias
magnéticas, etc.)

...novidade de A. Damásio:

 Mostra que o corpo e a mente são uma realidade única e, portanto, que as emoções são tão
importantes quanto o raciocínio, não fazendo qualquer sentido separá-los;

 Mostra que as emoções são decisivas: a) na tomada de decisões eficazes, b) no modo como nos
relacionamos com os outros, c) no modo como nos integramos na sociedade;
 Mostra, em suma, que quando o raciocínio não tem uma adequada assistência das emoções, o
indivíduo tende a revelar-se inconstante, agressivo
19 e, portanto, inadaptado.
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Integração cognitivo-emocional de António Damásio


Fundador António Damásio
A atuação eficaz da razão está dependente de uma capacidade constante de
sentir emoções: permite decidir em conformidade com um sentido de futuro
pessoal, convenções sociais e princípios éticos.
Pressupostos
Certos aspetos do processo emocional são indispensáveis à razão: a emoção,
juntamente com os mecanismos fisiológicos que lhe estão subjacentes, ajuda na
tarefa de previsão do futuro e da planificação das ações.
A relação entre a Razão e a Emoção: a razão humana depende de vários sistemas
Objecto de Estudo cerebrais que funcionam em harmonia em diversos níveis de organização
neuronal e depende da colaboração das diferentes regiões cerebrais.
Compreender o mecanismo cognitivo e neural por detrás dos actos de pensar e
Objectivo decidir: a essência do processo de viver uma emoção é a perceção direta do
corpo.
Método Método Científico / Experimental: observação laboratorial
Salienta que o cérebro humano e o resto do corpo formam um organismo
unificado por meio de circuitos reguladores neurais e bioquímicos mutuamente
interactivos.
O organismo interage com o ambiente como um todo: a interação não é apenas
do corpo ou apenas do cérebro.
Contributo As operações fisiológicas a que chamamos mente derivam de uma estrutura total
e funcional: os fenómenos só podem ser totalmente entendidos no contexto da
interação de um organismo com um meio ambiente.
Considera o corpo como o que fornece um suporte de moldagem para as
representações cerebrais: o conhecimento e as emoções explicam-se pela boa
interação entre o cérebro e o corpo.

Conceitos fundamentais: Neurologia; interação; emoção; razão.

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EMOÇÕES

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Método Descrição Vantagens Limitações

- Análise introspetiva laboratorialmente


- O método introspetivo pode ser usado para - Apesar de o controlo laboratorial
controlada de estados de consciência —
Método compreender fenómenos psíquicos de difícil evidenciar preocupação científica, à
essencialmente de sensações — com o objetivo
Introspetivo observação externa, mas não se conseguiu impor introspeção não é reconhecida suficiente
de descobrir a sua estrutura (consciência) –
como metodologia científica. objetividade nem amplitude científicas.
Introspeção na 2ª Pessoa

- Dificuldade no controlo de variáveis


- Permite inferir relações causais entre a variável
- Método que, aplicado sobretudo em estranhas (como interferências subjetivas:
independente e a dependente, isto é, entre um
laboratório, procura controlar variáveis expectativas de experimentador e
comportamento e outro. Permite a formulação de
estranhas. Consiste na manipulação da variável participantes)
leis gerais sobre o comportamento.
independente, de modo a observar a sua relação - Artificialidade da situação experimental.
Método - O procedimento experimental é replicável pelo que
causal com a variável dependente. Limitação a determinadas áreas de
Experimental não se submete somente à prova dos factos como
- Exige, para a análise rigorosa dos resultados, a investigação (psicofisiologia,
também pode ser testado por um outro
constituição em condições estritamente aprendizagem, memória): muitos aspetos
experimentador em nome da autenticidade e
controladas de, pelo menos, dois grupos: o do comportamento humano, por razões
fidelidade dos resultados.
experimental e o de controlo. técnicas e éticas, não podem ser
estudados laboratorialmente.
- Estudo intensivo, aprofundado, de - Obtém grande quantidade de informação - O rigor dos resultados pode ser
Método
comportamentos e processos mentais de um detalhada que, nalguns casos, é de fenómenos novos, comprometido por lapsos e erros de
Clínico
determinado indivíduo ou de um pequeno grupo complexos e raros. memória do sujeito e pela tendência a

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de indivíduos. - Encara cada indivíduo como ser único e não como a comportar-se de modo "socialmente
- É um estudo de casos que, numa perspectiva expressão comportamental particular de uma lei desejável".
qualitativa, entende o seu objeto de estudo como geral. É um método de investigação e também de - Consome muito tempo.
o resultado de um processo. intervenção terapêutica. - Pode dar uma ideia pouco representativa
- Daí a necessidade de reconstituição biográfica de um facto psicológico.
desse percurso e de relação personalizada.
- A presença do observador pode alterar
- Observação sistemática do comportamento - O comportamento dos sujeitos observados é, em o comportamento habitual dos sujeitos.
humano e animal no contexto ou ambiente em princípio, mais natural, espontâneo e variado do que - As expectativas do observador podem
Observação que ocorre naturalmente. em contexto laboratorial. interferir no rigor dos resultados.
Naturalista - As variáveis não são manipuladas, surgem - Pode ser uma fonte credível de hipóteses realistas - Problemática na generalização das
independentemente da determinação do de investigação. observações a outros contextos reais e a
observador. outros sujeitos.

- Conjunto de técnicas (livre associação e - Na maioria da comunidade científica poucas - A principal crítica dirigida ao método
interpretação dos sonhos) e de processos vantagens são reconhecidas ao método psicanalítico insiste no facto de que as suas
(resistência e transferência) cu jo objetivo é psicanalítico, mas é inegável que ele nos esclareceu conclusões não são refutáveis, isto é, não
Método
trazer à consciência impulsos e desejos acerca do modo de funcionamento de regiões podem ser submetidas ao teste da
Psicanalítico
recalcados que se pensa estarem na origem dos psíquicas afastadas da consciência. experiência, ao confronto com factos
sintomas que fazem sofrer o paciente. objetivos.

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DESCOBRINDO A PSICOLOGIA

- Variável independente

Uma variável independente é uma variável que representa uma quantidade que está a ser manipulada numa experiência.
Exemplo:
Estás a fazer tarefas domésticas para ganhares algum dinheiro. Por cada tarefa que completas, recebes 3 €
Qual é a variável independente?
A variável independente é o número de tarefas que completas porque esta é a variável sobre a qual tens controlo.

- Variáveis dependentes

Uma variável dependente representa uma quantidade cujo valor depende da forma como a variável independente é manipulada.
Exemplo:
Vamos exemplificar com o mesmo contexto.
Estás a fazer tarefas domésticas para ganhares algum dinheiro. Por cada tarefa que completas, recebes 3 €
Qual é a variável dependente?
A variável dependente é a quantia em dinheiro que recebes porque esta quantia depende do número de tarefas que completas.

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METODOLOGIAS / TÉCNICAS EM PSICOLOGIA

Nos finais do século XIX, o modelo científico dominante era determinado pela exigência de rigor e objetividade de ciências, como a física, a química, ou a biologia.

MÉTODO INTROSPECTIVO
Introspeção: observação interior.
Esta corrente tem como objeto o estudo dos fenómenos psíquicos ou de consciência

Reacções de Ordem Psicológica


- Emoção interior
- Associação de ideias
- Imagens mentais
Reacções de Ordem Fisiológica
- Lágrimas ou riso
- Rubor
- Circulação acelerada
- Respiração ofegante
- Tremuras musculares

À psicologia introspetiva interessa a primeira ordem de factores: preconiza uma observação sistemática e a descrição dos conteúdos da consciência feita pelo
próprio indivíduo, de modo a estudar os elementos constitutivos desses conteúdos

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Wundt: vai tentar decompor a mente nos seus elementos simples – as sensações; as operações mentais não eram mais do que a organização de sensações
elementares, procurando relacioná-las com a estrutura do sistema nervoso, define como objecto da psicologia o estudo da experiência consciente do Homem,
procura conhecer os elementos constitutivos da consciência, a forma como se associam e relacionam.
Introspecção controlada: observadores treinados deveriam, no laboratório, descrever as suas experiências, resultantes de uma situação experimental definida.
Através da introspecção, os sujeitos experimentais descreviam os seus estados subjectivos, resultantes de estímulos visuais, auditivos e tácteis.
Esta é a Psicologia Estruturalista: tem como objecto a experiência humana estudada na perspectiva das experiências pessoais através da auto-observação

Críticas ao método introspectivo


Para Augusto Comte, este método, e a psicologia, não tinha qualquer valor científico dado que o sujeito que observa e o objecto observado são o mesmo:
«(...) o indivíduo que pensa não se pode dividir em dois: um que raciocinaria enquanto o outro se veria raciocinar.»
A condição fundamental de observação científica é a distinção clara entre observador e observado.

Falta de rigor:
* Da dificuldade de o observador se observar a si mesmo; dada a mobilidade do fenómeno psíquico, este nunca é coincidente no tempo com a sua observação,
portanto, não efectuamos nunca uma introspecção, mas uma retrospecção;

* Do facto de a tomada de consciência de um determinado fenómeno modificar esse mesmo fenómeno; a análise racional de um facto psíquico elimina, em grande
parte, os componentes afectivos desse facto – «(...) tomar consciência de que sou tímido já não é ser tímido (...)» (J. Paul Sartre);

* Da impossibilidade de o psicólogo observar a consciência de outro; se descrever já não é a mesma coisa que sentir o que se passa em nós, há que contar, ainda, que
as pessoas de meios socioculturais diferentes possuem formas de expressão não coincidentes para o mesmo fenómeno.

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Limitações:
* Despreza os factos de ordem fisiológica que são objetivos, interessando-lhe apenas a subjetividade dos estados de consciência,

* Não se pode aplicar aos domínios da psicologia infantil, da psicopatologia ou da psicologia animal;

* Os que se introspecionam apenas podem observar e descrever aquilo que têm na consciência, isto é, o que pode ser directa e voluntariamente evocado; no
entanto, a vida psíquica do homem é também constituída por factos que escapam à área consciente e que não deixam de ter papel de levo na determinação da
conduta humana.

«A introspecção modifica constantemente os fenómenos observados, e isto em todos os níveis. (...) Sob o aspecto afectivo, sem dúvida e a posteriori, a introspecção
dos sentimentos modifica-os, quer pelo facto de lhes acrescentar uma dimensão cognitiva, quer por os subordinar aos valores que, sem um sujeito saber, dirigem a
própria introspecção.»
Piaget (1976) A Situação das Ciências do Homem no Sistema das Ciências, Bertrand, p. 55.

Assim, os principais problemas que a o método da introspecção apresenta são:

1. Não existe uma separação clara entre o observado e o observador, ambos coincidem no mesmo sujeito. Assim sendo, não é possível garantir dados neutros e
objectivos.

2. A actividade mental não é fixa e estática, pelo contrário, move-se, é fluída. Assim sendo, o relato chega sempre demasiado tarde, ou seja, o acesso aos dados é
sempre indirecto, lento e aproximativo.

3. A linguagem, mediante a qual se faz o relato das sensações, é um instrumento limitado e, portanto, insuficiente. Primeiro porque as palavras nem sempre captam
a riqueza e a diversidade da realidade. Segundo porque nem sempre o indivíduo observado se expressa adequadamente.

4. Existem sensações fortes e perturbadoras que devido ao descontrolo que causam no indivíduo observado não são analisáveis.
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5. Não existe um verdadeiro hetero-controlo por parte do observador, ou seja, o controlo do indivíduo observado é sempre muito relativo.

6. A aplicação da introspecção é muito restrita:


a) Não pode ser aplicada a crianças, doentes mentais e animais;
b) Não pode ser aplicada à análise do «inconsciente».

7. O privilégio dado à análise das sensações, faz com que se desprezem as suas consequências: os comportamentos.

8. Dado o predomínio da subjectividade do observado, não é possível reter as sensações no seu estado puro.

A introspecção é hoje utilizada como complemento de outros métodos. O recurso à auto-observação pode fornecer dados sobre experiências interiores, como os
sentimentos, as fantasias; é através da expressão verbal que o sujeito traduzirá o que pensa ou o que sente a propósito de questões que lhe são colocadas; as
respostas dadas não podem ser encaradas pelo psicólogo como dados objectivos, requerendo, por isso, uma análise crítica, uma interpretação.

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...críticas ao «método psicanalítico»:

1. Acentua excessivamente o peso da sexualidade como motor do comportamento humano.


2. Esquece que para além da sexualidade, o trabalho, o amor e até a vontade de superar o sofrimento são também forças poderosas que prendem o indivíduo à
existência.

MÉTODO EXPERIMENTAL

Tem a sua origem nas ciências naturais, e é desde o século XVII o grande motor para o seu desenvolvimento: assegura, através da verificação e do controlo, o
rigor das conclusões.
Em psicologia, a partir da 2ª metade do século XIX, iniciaram-se as investigações experimentais: o 1º foi Gustav Fechner (1801/87), que no livro Elementos da
Psicofísica, descreveu várias experiências para estudar as sensações procurando estabelecer a relação entre intensidade do estímulo e a intensidade da reacção,
estabelecendo uma relação matemática; foi o 1º a preocupar-se com a aplicação dos métodos exactos das ciências da natureza ao estudo das relações entre os
processos mentais e os fenómenos físicos.
Considerado critério de cientificidade, o método experimental vai ser aplicado às ciências sociais e à psicologia - para os behavioristas é o instrumento privilegiado
para a formulação de leis que permitissem atingir o seu objectivo experimental: prever o comportamento perante determinadas situações. Contudo, esta concepção
é limitadora e redutora, este método tem uma aplicação limitada a determinadas áreas da investigação: no funcionamento do sistema nervoso, no estudo da
percepção, bem como em determinados aspectos da aprendizagem, memória, motivação e inteligência.

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Observação:
- Ocasional - quando não obedece a um plano pré-estabelecido, sendo posteriormente alvo de estudo mais aprofundado.
- Sistemática - sujeita a condições previamente fixadas que delimitam o que se pretende observar.
Ajuda de instrumentos, que pelo rigor conferem à observação um carácter mais científico (Ex: cronoscópio electrónico); instrumentos de fisiologia, para medir o ritmo
cardíaco, respiratório e circulatório (comportamentos emotivos); no estudo do desenvolvimento infantil, recorre-se a registos fotográficos, vídeos, sendo possível um
estudo mais profundo, pois podem ser consultados sempre que necessário.
A importância de mais de um observador, para garantir a objectividade. Apesar do desejo de rigor e de objectividade, tem de se recorrer muitas vezes à auto-análise
introspectiva, quando se lida com fenómenos não observáveis directamente sobre o comportamento do sujeito: questionários, em que se perguntam questões sobre
o que pensam, sentem ou fazem em situações reais ou hipotéticas, para conhecer as reacções afectivas, de interesse, opiniões. Estes questionários são, depois,
apreciados sob uma crítica cuidada.

Hipótese (prévia):
É frequentemente a hipótese prévia que orientará a observação e determinará as técnicas a utilizar.
«O uso de uma hipótese prévia representa apenas um ‘reforço’ aos métodos do observador, mas também se pode ver neste uso uma necessidade absoluta: é possível
considerar que uma observação efectuada sem hipótese não é susceptível de ter as suas técnicas determinadas e que só poderá fornecer dados não aproveitáveis.» (
Reuchlin)

A hipótese pode ser sugerida por uma observação pré-experimental, pode também ser inspirada num conjunto de conhecimentos já estabelecidos, a partir de outros
já existentes (ou hipóteses deduzidas). No contexto do método experimental, o investigador vai procurar estabelecer uma relação de causa e efeito entre dois tipos
de factos.

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Exemplo:
1 - Um psicólogo pretende estudar o insucesso escolar. Pode estabelecer uma hipótese: o insucesso escolar está directamente relacionado com o nível sociocultural
da família. Depois de ter definido os níveis socioculturais, irá procurar verificar se a presença de um facto – baixo nível socioeconómico – implica outro facto, isto é, o
insucesso escolar.
2 - Um psicólogo pretende estudar os factores que intervêm no processo de aprendizagem de um rato no trajecto de um labirinto. Põe como hipótese que quanto
mais fome o rato tem menos erros comete.
3 - Um psicólogo pretende estudar de que forma a violência na T.V. aumenta a agressividade nas crianças.

O carácter controlável da hipótese é a sua característica fundamental, sendo apenas válidas as que apresentam consequências susceptíveis de ser verificadas, pois são
explicações possíveis que necessitam ser testadas.
Estabelecer uma hipótese é pressupor que a presença ou modificação de um facto pode ocasionar a presença ou a modificação de outro.

MÉTODO CLÍNICO

Surge como reacção ao método experimental, que está mais interessado em resultados quantitativos do que na análise do processo em estudo.
Os investigadores clínicos consideram que muitos estudos laboratoriais e experimentais, ao fragmentarem, ao descontextualizarem o comportamento humano, para
melhor controlarem as variáveis independentes, perdem a possibilidade de uma apreensão global e aprofundada.

Freud - numa atitude de investigador clínico, escutava, compreendia e aprendia com os seus pacientes; tinha fortes preocupações terapêuticas.

Piaget - interessou-se em compreender como se desenvolvia a inteligência na criança, observou e analisou algumas crianças individualmente ou em grupo, e foi
através deste método que tentou compreender o processo: tentou conhecer os raciocínios empregues pelas crianças bem como a lógica inerente às respostas que
dava às questões e/ou às situações problemáticas com que as confrontava; não pretendia intervir no desenvolvimento nem era movido por preocupações
terapêuticas.
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 Este método é usado na pesquisa psicológica e, também, em determinadas intervenções do psicólogo em situações de terapia, apoio, aconselhamento e
orientação psicológica.
 É um conceito abrangente que se aplica a uma metodologia para investigar e intervir, que pode incidir e sobre sujeitos que têm ou não problemas psicológicos, em
pessoas individualmente ou em grupo; podem ser estudos breves ou longos.
 É inerente ao método a intersubjectividade, o emprego da intuição e da introspecção - uma das condições necessárias é a criação de uma empatia, segurança e
compreensão entre os intervenientes.
 A sua utilização permite aprofundar o conhecimento de alguns conteúdos de difícil acesso, como os sentimentos pessoais e pensamentos íntimos.
 Combina os métodos descritivos, para resolver o problema pessoal de alguém - dão uma descrição do comportamento que está a ser estudado:

1. Observação natural
É não sistemática, registando-se apenas o que se vê e ouve, sem seleccionar conscientemente alguns acontecimentos e ignorar outros; é morosa e não dá informação
útil suficiente;

2. Observação sistemática
O psicólogo está interessado na resposta a uma pergunta específica, e pode fazê-lo por este método, que é aplicável a muitos problemas práticos, como estudos de
opinião pública e factores que a influenciam, o papel da hereditariedade e do ambiente no desenvolvimento da inteligência;

3. Criação de testes
Instrumento para medir algum aspecto do comportamento de uma pessoa, como as capacidades, aptidões ou interesses e atitudes, e são feitos de acordo com um
modelo, sendo aplicados a um grupo representativo;

4. O método clínico é valioso no tratamento de casos individuais.

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TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO CLÍNICA

1. A Entrevista Clínica:
 Num clima de aceitação de alguém que escuta, a pessoa que recorre a um apoio psicológico pode expor livremente o que a preocupa; o psicólogo obtém no
decorrer da (s) entrevista (s) informações e tem um campo rico para observar e intervir;
 Interessa ao psicólogo observar as atitudes, os comportamentos verbais e não-verbais da pessoa, como é que esta descreve o que sente, como reage às questões
que são postas pelo psicólogo;
 Na entrevista clínica, o psicólogo pode conduzi-la de forma mais ou menos estruturada - ou segue um plano preestabelecido, ou introduz questões ou temas que
estimulam o paciente a abordar assuntos significativos;
 Serve como meio de diagnóstico e psicoterapia - através desta, a pessoa pode entender melhor o quê (e porquê) a preocupa, compreender-se a si mesma, sentir-
se segura e buscar energias e estratégias de resolução de problemas;
 Os problemas do paciente podem suscitar reacções conscientes e inconscientes ao psicólogo, que este deverá saber controlar.

2. A Entrevista como Técnica de Investigação:


 Entrevista não directiva - na conversa entre os interlocutores, a palavra circula livremente; o entrevistador deixa que o inquirido se exprima sem ele ter que
intervir; é dada total liberdade ao entrevistado;
 Entrevista semidirecta ou semiestruturada - o entrevistador orienta-se por um guião com algumas questões numa ordem que pode mudar; outras questões podem
surgir no decorrer da entrevista;
 Entrevista directiva ou estruturada - neste tipo de entrevista as questões colocadas a diferentes pessoas são idênticas, de modo a poder-se colher uma informação
estandardizada (uniformizado segundo um modelo).

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3. Anamnese e Dados Biográficos:
 Do grego anamneses, que significa «acto de chamar à memória»;
 É o conjunto estruturado de informações significativas passadas ou presentes relativas a uma pessoa; estes dados são importantes para a compreensão
aprofundada da história de vida de um indivíduo;
 Em certos casos - quando se trata por exemplo de crianças - o psicólogo terá de recorrer a outras fontes para recolher dados e assim construir a biografia do
observado.

4. A Observação Clínica:
 Consiste numa observação directa dos comportamentos e atitudes do sujeito com o objectivo de o compreender e aos seus problemas;
 Esta observação centrada na pessoa ocorre em todo as situações possíveis, isto é, durante a entrevista clínica, a execução de provas e de testes e nos diferentes
contextos onde decorre a vida do sujeito ou do grupo.

5. Os Testes no Método Clínico:


 São sobretudo os de personalidade - testes projectivos - que melhor respondem às necessidades do psicólogo clínico; neste tipo de testes, o sujeito projecta, nas
situações em que é colocado, características da sua personalidade;
 O psicólogo pode recorrer a outro tipo de testes, sobretudo para responder a necessidades de diagnóstico;
 A utilização de testes estandardizados no método clínico deve ser rodeada de precauções - o sujeito não pode ser colocado numa situação de exame e julgamento,
se assim acontecesse, estaria em causa a confiança interpessoal, a atitude clínica.

6. Testes Psicométricos:
 É um método constituído por um conjunto de técnicas, geralmente de natureza estatística, que permitem estudar dados psicológicos;
 Os psicólogos utilizam frequentemente os testes para avaliar determinados traços e características de uma dada população;
 O teste é uma situação experimental estandardizada que serve de estímulo a um comportamento;

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 O individuo que se submete a um teste - para avaliar a inteligência, a memória, a personalidade - deve responder a questões, executar um conjunto de tarefas em
condições bem definidas;
 Como situação experimental que é, todas as condições em que o teste decorre devem ser claramente definidas aplicadas do mesmo modo a todos os indivíduos -
o material do teste, as instruções, a atitude do psicólogo e o ambiente em que se executa a prova;
 O resultado do teste é constituído pelo comportamento efectuado, que é diferente conforme os casos; a forma como o registo é feito deve ser definida e
respeitada com rigor;
 O comportamento registado é avaliado estatisticamente e o indivíduo é classificado relativamente a um grupo de referência;

7. As Qualidades de um Teste:
 Padronização - refere-se ao modo como o teste é utilizado: as condições de aplicação, a cotação, a avaliação, devem ser rigorosamente as mesmas; se não for
respeitada em todas as etapas, os diferentes desempenhos entre os sujeitos não poderão ser imputáveis às diferenças individuais, mas serão produto das variações
das condições, por isso são estabelecidas normas de modo a assegurar a padronização;
 Fidelidade/fiabilidade - é a qualidade que faz com que a mesma prova, aplicada duas vezes seguidas à mesma pessoa, dê resultados idênticos, contudo, é difícil
obter uma verdadeira fidelidade, dado existem inúmeros factores que entram em jogo, como a fadiga, a motivação e empenho do sujeito, os resultados de um teste
devem ser estáveis para poderem permitir previsões;
 Validade preditiva - um teste mede aquilo que deve medir, para poder prever aquilo que pretende prever, por isso é tão importante definir claramente o que é
que um teste realmente mede;
 Sensibilidade - um teste tem maior sensibilidade quando apreende e classifica discriminadamente as características que pretende avaliar; é tanto mais sensível
quanto mais escalões de classificação de indivíduos previr.

8. A Construção de um Teste:
 Depois de definir o que pretende medir, o autor do teste organiza um número determinado de itens, I. é, faz a seleção dos ítens, dependendo a qualidade do teste
da sua escolha;

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 Experimentação preliminar dos ítens é organizada em forma de teste, e a sua formulação deve ser clara e precisa, em seguida o autor do teste aplica-o a uma
amostra de indivíduos, um grupo da população visada, os ítens secundário são eliminados e são determinados os limites de tempo de realização e as normas de
valorização;
 Faz-se uma aplicação padronizada numa amostra representativa dos indivíduos testados de todas as partes do país, determina-se a validade e a fidelidade do
teste; este processo pode durar anos;
 Com base na aplicação padronizada, desenvolvem-se e definem-.se níveis e normas;
 A construção de testes psicológicos, bem como a avaliação dos resultados obtidos pelos indivíduos testados, implicam a utilização de métodos estatísticos.

9. A Classificação dos Testes:


 Quanto ao número de indivíduos testados - testes individuais (a aplicação do teste é feita isoladamente a cada indivíduo pelo psicólogo), testes colectivos (são
aplicados simultaneamente a um grande número de indivíduos);
 Quanto à composição do teste - testes verbais (exigem a utilização e compreensão da linguagem falada e escrita), de execução não-verbal (utilização da linguagem
está reduzida ao mínimo, sendo utilizados materiais concretos que serão manipulados pelo indivíduo);
 Quanto ao objeto de medida - de acordo com o que pretendem medir, podemos distinguir testes de eficiência e testes de personalidade.

10. Testes de Eficiência:


 Testes de conhecimento - visam medir os conhecimentos adquiridos, quanto aos objetivos de ensino aprendizagem e de aproveitamento profissional;
 Testes de inteligência - podem ser verbais ou não verbais, consistem numa série de provas graduadas, podendo ser de compreensão, vocabulário, composição de
figuras ou objetos, etc.; podem permitir avaliar esta capacidade e a evolução da inteligência e das aptidões conforme a idade;
 Testes de aptidão - as aptidões são disposições para se efectuar, com mais ou menos eficácia, determinadas tarefas.

11. Testes de Personalidade:


 Têm por objetivo caracterizar aspectos da personalidade do sujeito;

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 Questionários - são constituídos por um vasto conjunto de perguntas a que o sujeito responde Sim/Não ou escolhe uma resposta entre as opções que lhe são
apresentadas; as respostas serão dadas de acordo com as opiniões, sentimentos, interesses do sujeito, o que permitirá avaliar quantitativamente aspectos não
intelectuais da personalidade;
 Testes objetivos de personalidade - visam avaliar quantitativamente aspectos da personalidade do sujeito, tais como a perseverança, a sugestionabilidade, os níveis
de aspiração;
 Testes projetivos - visam revelar aspetos mais profundos da personalidade que se projetam nas situações em que o sujeito é colocado, o material que constitui
este tipo de teste, de índole psicanalítica, deve permitir uma exploração livre e projetiva (mecanismo de defesa do ego pelo qual a pessoa atribui inconscientemente a
objetos ou pessoas, desejos ideias e características que não suporta admitir em si próprio) por parte do sujeito.

12. Comentário sobre a Aplicação dos Testes:


 Vieram responder à necessidade de descrever quantitativamente os factos psicológicos eos comportamentos;
 Ao nível da investigação são recursos importantes, pois constituem instrumentos de avaliação e classificação rápidos e económicos, e trazem para o processo de
pesquisa uma segurança;
 Objeções como instrumento de diagnóstico e de prognóstico, pelo seu carácter estático dos resultados que não refletem o carácter dinâmico e complexo do
psiquismo, pois ao valorizar o resultado não tem em conta o processo;
 O ambiente artificial da sua aplicação pode perturbar e/ou inibir o sujeito;
 Não têm em conta os condicionalismos sociais e culturais dos indivíduos.

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Exercícios de aplicação dos conhecimentos

Ficha de trabalho
Grupo I
1. Defina senso comum.
2. Dê exemplos deste tipo de conhecimento.
3. Indique três características do senso comum.
4. Distinga senso comum de conhecimento científico
5. Indique o objeto da psicologia científica.
6. Indique três investigadores que tenham contribuído para a constituição da psicologia como ciência.
7. Defina o objeto da psicologia para Wundt e indica o método utilizado por este autor.
8. Indique as razões porque se considera Watson o pai da psicologia científica.
9. Diga qual o objeto da psicologia para os behavioristas.
10. Indique qual o método preconizado pelos behavioristas.
11. Apresente uma definição de comportamento para esta corrente.
12. Escreva a fórmula que resume esta conceção.
13. Diga se os dados da consciência faziam parte do objeto da psicologia para os behavioristas.

Grupo II
As perguntas que se seguem estão relacionadas com a temática: métodos de investigação em psicologia
1. Indique limitações do método introspetivo.
2. Apresente as principais características do método clínico.
3. Diga qual o principal objetivo do método psicanalítico.

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4. Indique os elementos que constituem o psiquismo segundo Freud (1ª tópica).
5. Descreva o psiquismo segundo Freud (2ª tópica).
6. Indique os procedimentos utilizados quando se recorre ao método psicanalítico.
7. Diga por que razão Freud recorre à interpretação de sonhos.
8. Registe as principais correntes da psicologia que estudaste.
9. Faça uma lista dos principais métodos de investigação em psicologia.

UNIDADE 1. A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA


Tarefas:

Textos 1. e 2. - Que é a «Psicologia»?

«O que é a psicologia? É um campo de pesquisa por vezes definido 1. Definição de «psicologia»:


como a ciência do espírito, outras como a ciência do comportamento. ____________________________________________________________________________
Interessa-se pelo como e pelo porquê do que os organismos fazem. Porque ____________________________________________________________________________
uivam os lobos para a lua e os filhos se rebelam contra os pais; porque ____________________________________________________________________________
voam os pássaros e voam as borboletas na direcção da chama; porque nos ____________________________________________________________________________
lembramos de como montar uma bicicleta, vinte anos após a última vez; ____________________________________________________________________________
porque falam, amam e guerreiam os homens. Tudo isto são ____________________________________________________________________________
comportamentos e a psicologia é a ciência que os estuda a todos.» ____________________________________________________________________________

H. Gleitman, A. Fridlund & D. Reisberg, Psicologia, Fund. Calouste Gulbenkian, p. 1

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Embora as abordagens dos diferentes tipos de psicólogos sejam 2. Definição de «psicologia»:
diferenciadas, elas possuem um elemento comum: cada uma representa uma _______________________________________________________________________
área de especialidade de um campo geral de estudo chamado Psicologia. A _______________________________________________________________________
Psicologia é o estudo científico do comportamento e dos processos mentais. _______________________________________________________________________
Aquela definição parece inequívoca, porém a sua simplicidade é ilusória. _______________________________________________________________________
Com efeito, desde o início da disciplina os psicólogos têm debatido qual _______________________________________________________________________
deve ser o âmbito próprio do campo. Devem os psicólogos limitar-se ao estudo _______________________________________________________________________
do comportamento exterior e observável? É possível estudar o pensamento _______________________________________________________________________
interno de uma maneira científica? Deve o campo integrar em simultâneo o _______________________________________________________________________
estudo de tópicos diferenciados como a saúde física e mental, a percepção, os _______________________________________________________________________
sonhos, e a motivação? É apropriado estudar apenas o comportamento humano
ou deve ser incluído o estudo do comportamento de não humanos? 1.1. Tipo de campo de estudo:
Muitos psicólogos têm respondido a estas questões tomando uma posição _______________________________________________________________________
abrangente, defendendo que o campo deve ser receptivo a diversos pontos de _______________________________________________________________________
vista e abordagens. Consequentemente, a frase "comportamento e processos _______________________________________________________________________
mentais" incluída na definição deve ser entendida como possuindo múltiplos _______________________________________________________________________
significados: diz respeito não só ao que as pessoas fazem mas também aos seus _______________________________________________________________________
pensamentos, sentimentos, percepções, memórias e mesmo às actividades _______________________________________________________________________
biológicas que asseguram o funcionamento físico. _______________________________________________________________________
Quando os psicólogos falam em "estudo" do comportamento e dos _______________________________________________________________________
processos mentais, a sua perspectiva é, de igual modo, ampla. Para os psicólogos _______________________________________________________________________
não é suficiente descrever o comportamento. Como qualquer outra ciência, a _______________________________________________________________________
Psicologia procura explicar, prever, modificar e, em última instância, melhorar a _______________________________________________________________________

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vida das pessoas e o mundo em que vivemos. _______________________________________________________________________
R. Feldman, Compreender a Psicologia, McGraw Hill, pp. 4-5

Texto 3. - Qual o campo de estudo da Psicologia?

Os fenómenos que a Psicologia considera do seu domínio abrangem uma extensão imensa. Alguns
confinam com a biologia, outros fazem fronteira com as ciências sociais, como a antropologia e a sociologia.
Alguns dizem respeito ao comportamento dos animais, muitos outros pertencem ao comportamento dos
homens. Uns referem-se à experiência consciente, outros concentram-se no que as pessoas fazem,
independentemente do que possam pensar ou sentir por dentro. Alguns ocupam-se das pessoas ou dos
animais isolados, outros debruçam-se sobre o que fazem em grupo. Vários exemplos poderão proporcionar
uma primeira compreensão do campo da psicologia:

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Exemplo 1. — Imagens Electricamente Provocadas 1. Que relação é focada neste exemplo? Clarifica-a.
Considere-se a relação entre mecanismos biológicos e fenómenos psicológicos. _________________________________________________________________
Uns investigadores desenvolveram uma técnica de estimulação eléctrica dos _________________________________________________________________
cérebros de pacientes humanos, em vésperas de se sujeitarem a uma cirurgia _________________________________________________________________
cerebral. Estas operações são efectuadas geralmente com anestesia local e não _________________________________________________________________
geral. Deste modo, os pacientes continuam conscientes e as suas informações _________________________________________________________________
podem orientar o neurocirurgião no decurso da operação. Este e outros _________________________________________________________________
procedimentos mostraram que diferentes partes do cérebro exercem diferentes _________________________________________________________________
funções psicológicas. Por exemplo, ao serem estimulados em certas partes do _________________________________________________________________
cérebro, os pacientes têm experiências visuais — vêem faixas de cores ou luzes a _________________________________________________________________
tremeluzir. Quando estimulados noutras regiões, ouvem estalidos ou zunidos. A _________________________________________________________________
estimulação de outras áreas pode produzir o movimento involuntário de uma parte _________________________________________________________________
do corpo (Penfield e Roberts, 1959; Penfield, 1975). _________________________________________________________________
Resultados próximos provêm de estudos que observam o índice de circulação _________________________________________________________________
do sangue pelas diferentes partes do cérebro. Quando uma qualquer parte do corpo _________________________________________________________________
está particularmente activa, verifica-se aí um afluxo de sangue — traz oxigénio e _________________________________________________________________
alimento e leva os produtos inúteis — e o cérebro não é excepção. A questão que se _________________________________________________________________
levanta é a de se saber se a grandeza do afluxo do sangue depende daquilo que o _________________________________________________________________
paciente faz. A resposta é afirmativa. Se o paciente lê silenciosamente, certas _________________________________________________________________
regiões do cérebro recebem mais sangue (e assim presume-se que estejam mais _________________________________________________________________
activas) do que outras. Verifica-se uma diferente medida de fluxo sanguíneo, quando _________________________________________________________________
a pessoa lê alto; outra ainda, quando observa uma luz a mover-se, e assim por
diante (Lassen, Ingvar e Skinhoj, 1978).

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Exemplo 2. — Figuras e Sons Ambíguos 2. Partindo do exemplo
Muitos fenómenos psicológicos são melhor estudados não ao nível biológico anexo, pode a
mas psicológico. Um exemplo é a percepção de formas visuais ambíguas. (...) A Psicologia ser útil à
maneira como se percepcionam as figuras ambíguas depende muitas vezes do que Publicidade? Justifica.
se viu imediatamente antes. _________________
(...) O que é válido para as formas visuais é-o igualmente para a linguagem. _________________
Muitas expressões verbais são ambíguas. Quando apresentadas fora de contexto, _________________
podem ser compreendidas de muitos modos diferentes. Vejamos a seguinte frase, _________________
por exemplo: “o governador deu ordem à polícia para acabar com a bebida.” Esta _________________
frase pode ser uma ordem para impor sobriedade na população em geral. Pode _________________
também ser um apelo para que se acabe com a embriaguez na polícia. O modo _________________
exacto como for compreendida dependerá do contexto. Uma conversa anterior _________________
sobre vagabundos ou derrapagens estridentes levará talvez à primeira _________________
interpretação; uma conversa sobre alcoolismo entre empregados da cidade é _________________
provável que leve à segunda.

Exemplo 3. — O Mundo Perceptivo dos Bebés 3. Que sugere o


Fenómenos do género dos que acabámos de apresentar atestam o grande comportamento do
efeito da experiência anterior no que vemos e fazemos. Tal não significa, porém, que bebé? Explica.
todas as nossas competências psicológicas sejam adquiridas com a experiência. _________________
Algumas parecem fazer parte do equipamento inato que todos trazemos ao nascer. _________________
Um exemplo é o da reacção do bebé à altura. Os bebés que gatinham parecem ser _________________
notavelmente eficientes na detecção de precipícios, na vida do dia-a-dia. Uma _________________

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demonstração é a do precipício visual. Trata-se de uma mesa de vidro grande, _________________
dividida no meio por uma tábua de madeira. Num dos lados da tábua, colocou-se um _________________
padrão quadriculado por baixo do vidro; no outro o mesmo padrão encontra-se _________________
colocado no chão, cerca de 90 centímetros abaixo. Para os adultos, esta disposição _________________
assemelha-se a um desnível súbito, no centro da mesa. Os bebés de seis meses _________________
parecem vê-lo em grande medida da mesma maneira. Quando se coloca o bebé na _________________
tábua ao meio, e a mãe a chama, a reação depende de onde se encontra o menino, _________________
quando ela gesticula chamando-o. Se estiver no lado plano, ele gatinhará _________________
rapidamente ao seu encontro. Mas se o chamar do lado do precipício aparente, _________________
vence a prudência sobre a coragem e o bebé fica onde está.

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Exemplo 4. — Exibições e a Evolução da Comunicação 4. De que se ocupará a
Até agora, os exemplos dados referiram-se a comportamentos de indivíduos. Psicologia social?
Mas grande parte do objeto da psicologia é, por inerência, social. Isto tanto vale para _________________
os animais como para os homens. Virtualmente, todos os animais interagem com _________________
outros das respetivas espécies, seja como companheiros, como progenitores, como _________________
prole ou como rivais. _________________
Nos animais, muitas das interações sociais contam, em grande medida, com _________________
formas inatas de comunicação. Um exemplo é o da corte nos pássaros. Muitas _________________
espécies desenvolveram estruturas corporais ou rituais elaborados com os quais um _________________
dos sexos — geralmente o macho — corteja o outro. _________________
As modalidades do namoro dependem das espécies. Certos machos fazem a _________________
corte, fazendo-se notar: o pavão espalha em leque as magníficas penas da cauda, a _________________
ave-do-paraíso ostenta a plumagem enquanto se pendura dum ramo de cabeça para _________________
baixo, e a fragata vermelha enche de ar a bolsa avermelhada da garganta. Outros _________________
machos efectuam uma aproximação mais romântica: o pássaro-jardineiro constrói _________________
um ninho que decora com frutos e flores coloridos. Os machos de outras espécies _________________
dão prendas. Em todos os casos, a mensagem fundamental é a mesma: "Sou um _________________
pavão (ou ave-do-paraíso ou fragata ou o que seja) saudável, pretendente, e espero _________________
que as tuas intenções sejam semelhantes às minhas". _________________
Estas comunicações sociais baseiam-se em exibições que são próprias de cada _________________
espécie em particular, e que surgiram em consequência da selecção natural. São _________________
modos de um indivíduo informar um outro do seu estatuto e das suas intenções _________________
presentes. Algumas são exibições de acasalamento, como é o caso dos rituais de _________________

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corte. Outras são ameaças ("Desaparece, senão!"). Outras ainda são apelos à paz _________________
("Não me faças mal. Sou inofensivo!"). _________________
Algumas exibições inatas constituem a base das expressões nos homens. Um _________________
exemplo é o sorriso, uma reacção que se encontra em todos os bebés, mesmo nos _________________
nados-cegos que não puderam tê-lo aprendido por imitação. Frequentemente, é _________________
considerado um sinal pelo qual os homens dizem entre si: "Sê bom para mim. Eu
quero-te bem".

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Exemplo 5. — Comportamento Social Complexo nos Homens 5. A definição clássica de «Homem» (animal racional) é posta em causa pelo
As interações sociais humanas são geralmente muito mais subtis e flexíveis do exemplo anexo? Justifica.
que as dos outros animais. Os pavões têm uma única maneira de fazer a corte: _________________________________________________________________
espalham as penas da cauda e aguardam. _________________________________________________________________
Os homens e as mulheres são, como em muitas outras manifestações sociais, _________________________________________________________________
muito mais complexos a fazer a corte. Tentam uma aproximação e, se falhar, voltam _________________________________________________________________
a tentar outra e outra ainda. Se estas também não forem bem-sucedidas, os _________________________________________________________________
parceiros farão o possível por preservar a reputação do outro. Neste sentido, muito _________________________________________________________________
da vida social assenta na apreciação racional pelo indivíduo de como o outro reagirá _________________________________________________________________
às suas próprias acções: "Se eu fizer isto... ele irá pensar nisto... terei então de fazer _________________________________________________________________
isto...", e assim por diante. Tais subtilezas ultrapassam o pavão. Se os seus rituais de _________________________________________________________________
corte falharem, ele não dispõe de qualquer estratégia alternativa. Não irá tentar _________________________________________________________________
construir ninhos nem oferecer flores; tudo quanto pode fazer é estender as penas da _________________________________________________________________
cauda repetidamente. _________________________________________________________________
Embora o comportamento social humano encerre uma forte componente _________________________________________________________________
racional, existem certas exceções óbvias em que parecemos agir com escasso _________________________________________________________________
pensamento ou razão. Isso dá-se especialmente, quando nos encontramos em _________________________________________________________________
grandes grupos. O pânico é um exemplo. Quando alguém grita "Fogo!", num _________________________________________________________________
auditório completamente cheio, o pânico gerado poderá vir a provocar maior _________________________________________________________________
número de vítimas do que o próprio incêndio. No virar do século, um incêndio num _________________________________________________________________
teatro de Chicago provocou mais de seiscentos mortos, muitos dos quais asfixiados _________________________________________________________________
ou esmagados pela massa apavorada atrás deles. Nas palavras dum sobrevivente, _________________________________________________________________
"As marcas dos saltos dos sapatos nas faces mortas dão o testemunho mudo desse _________________________________________________________________

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facto cruel que é o de os animais humanos, possuídos pelo pavor, serem tão loucos e
insensíveis como um rebanho assustado em debandada" (Brown, 1965). É tarefa da
Psicologia procurar compreender por que razão a multidão agiu de maneira
diferente de como cada um dos seus membros actuaria se estivesse só.

H. Gleitman, A. Fridlund & D. Reisberg, Psicologia, Fund. Calouste Gulbenkian, pp. 2-6,
adaptado.

6. Podemos então concluir que: (assinala apenas as afirmações que consideras correctas):

1 A Psicologia ocupa-se exclusivamente do comportamento humano. 


2 O comportamento humano é mais complexo que o comportamento animal. 
3 Tal como outros animais, também o Homem possui alguns mecanismos de comunicação inatos. 
4 O campo da Psicologia é vasto e cada um dos seus problemas gera múltiplas perspectivas. 
5 Os comportamentos humanos são todos eles adquiridos mediante um processo de 
aprendizagem.
6 Acções, pensamentos, sentimentos, percepções, memórias, actividades biológicas: tudo isto é 
analisado pela Psicologia.
7 À Psicologia interessa apenas o indivíduo, não os Grupos e as Sociedades. 
8 A Psicologia busca unicamente compreender a dimensão psíquica do indivíduo. 
9 Para a Psicologia, interessa unicamente descrever o comportamento humano. 
10 A Psicologia, pelas suas características, medeia as Ciências Biológicas e as Ciências Sociais. 

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11 Cabe à Psicologia explicar, prever, modificar e melhorar a vida de cada indivíduo. 
12 A Psicologia pode, entre outras coisas, ajudar a compreender os mecanismos implicados na 
descodificação de imagens e de linguagens.
13 A Psicologia mostra que os fenómenos psicológicos não possuem uma base biológica. 
14 A Psicologia consiste no estudo científico do comportamento e dos processos mentais humanos. 

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