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Razão e Fé: a Liberdade de Consciência na

Maçonaria e a Religião

Três Olhares sobre Deus, fé, ciência e razão

A.’.R.’.L.’.S.’. Marrey Jr nº 43 - GOP - COMAB


Oriente de Porto Ferreira
Darcy Bittencourt das Chagas Filho M.’.M.’.
Maurilo Antonio Corrêa Humberto M.’.M.’.
Rafael Loureiro M.’.M.’.
RAZÃO E FÉ: A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
NA MAÇONARIA E A RELIGIÃO

“Em seus estudos o maçom deve ser guiado pela RAZÃO, AMOR e FÉ.”
Albert Pike

Darcy Bittencourt das Chagas Filho M∴M∴


Maurilo Antonio Corrêa Humberto M∴M∴
Rafael Loureiro M∴M∴

ARLS Marrey Junior - G.’.O.’.P.’.


Or∴ Porto Ferreira – SP

Um dos equívocos mais arraigados, no senso comum moderno, é ver a religião


como algo fundado em fatores exclusivamente subjetivos, sem nenhuma relevância
intelectual. Assim, ela seria reduzida a crenças sem fundamentos ou a um mero
sentimento interior, confinando-se, portanto, ao domínio do irracional. Na religião, não
haveria o que se pensar, aprender ou saber.
É preciso que se diga, no entanto, que tal concepção equivocada tem suas causas
históricas e sociais, e que também é própria não apenas de seus inimigos, mas também
de pessoas que se consideram sinceramente religiosas, no entanto, acreditam que a
religiosidade é isso mesmo: uma fuga da realidade para um mundo de fantasia, uma
exaltação do sentimentalismo em detrimento da racionalidade.
Uma religião é mais do que apenas um código divinamente inspirado na moral.
A religião além de ensinamentos de moral, nos traz revelações sobre um plano além do
material.
Diferentes religiões possuem diferentes abordagens ao que há nesse e em outros
planos, explanar sobre todas essas interpretações resultaria em material suficiente para
um livro, o que não é nosso propósito.
Uma pessoa religiosa é uma pessoa inspirada a viver de forma mais nobre de
acordo com este código de moral, tendo este como sua fonte de iluminação.
O Concílio do Vaticano I (1870), definiu a fé nos seguintes termos: “A fé… é uma
virtude sobrenatural pela qual, prevenidos e auxiliados pela graça de Deus, cremos
como verdadeiro o conteúdo da Revelação, não em virtude da verdade intrínseca
(evidência) das proposições reveladas, vistas a luz natural da razão, mas por causa da
autoridade de Deus, que não se pode enganar nem pode enganar a nós”.
O Concílio do Vaticano II, em 1965, também se pronunciou: “Ao Deus que revela,
deve-se a obediência da fé, pela qual o homem livremente se entrega todo a Deus,
prestando ao Deus revelador um obséquio pleno do intelecto e da vontade e dando
voluntário assentimento à revelação feita por Ele”. (Constituição Dei Verbum nº 5)
A fé e a razão, fides et ratio (em latim) “constituem como que as duas asas pelas
quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem
colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de
conhecer ao Criador, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à
verdade plena sobre si próprio”. (JOÃO PAULO II, 1998)
O homem sempre buscou compreender a origem e o destino de si e das
realidades que o circunda. Essa inquietude pela busca da verdade motivou os primeiros
filósofos pré-socráticos a buscarem a arché ¹1, o princípio originário e substancial de
todas as coisas, identificando-o com elementos da natureza e existentes em todas as
coisas (CARVALHO, 2006).
Quanto mais o homem conhece a realidade, o mundo, a si mesmo, maior se
tornam seus questionamentos com relação ao sentido das coisas e de sua própria
existência.
Portanto a razão, por si só, não satisfaz o espírito curioso, instigador,
contemplativo e ativo do homem. É, pois, necessário ir além do empírico, das
aparências, e mergulhar na essência da pessoa humana, em sua dimensão espiritual e
material.
A busca da verdade deixa de ser uma busca por algo fora de si, e passa a ser uma
experiência de autoconhecimento e de desbaste da pedra bruta.
[...] a fé nos faz crer em coisas que nem sempre entendemos pela razão: creio
tudo o que entendo, mas nem tudo que creio também entendo. Tudo o que

1
Arché é um (ou vários) elemento primordial que serviria de ponto de partida para todo o processo de
criação dos seres naturais. Além de estar presente em todas coisas, a arché seria uma atividade, uma força
dinâmica que, em conformidade com sua forma de ação, originaria a variedade dos fenômenos naturais.
compreendo conheço, mas nem tudo que creio conheço. (SANTO AGOSTINHO, De
Magistro, p.319, CARVALHO, 2006)
Ambas, fé e razão buscam apresentar a verdade, mas o que é a verdade?
Em grego, a verdade (aletheia) significa aquilo que não está oculto, o não
escondido, manifestando-se aos olhos e ao espírito, tal como é, ficando evidente à
razão.
Em latim, a verdade (veritas) é aquilo que pode ser demonstrado com precisão,
referindo-se ao rigor e a exatidão. Assim, a verdade depende da veracidade, da memória
dos detalhes.
Em hebraico, a verdade (emunah) significa confiança. É a esperança de que
aquilo que é será revelado ou irá aparecer por intervenção divina. Em outras palavras, a
verdade é convencionada pelo grupo que possui crenças em comum.
“No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus” (João
1,1). Assim consta no original grego do Evangelho segundo São João. “Logos” se traduz
por verbo, mas também por razão.
Tem-se, portanto, uma importante relação entre a razão e o ato de crer, pois
como o homem acreditaria na revelação divina se não fosse possível conhecê-la de
forma intelectiva, abstrata e conceitual?
A fé se encontra em dupla dimensão, divina e humana. Ela ao mesmo tempo é
um dom de deus e também, uma faculdade humana. “Ora, a fé é o firme fundamento
das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem”. (Hebreus 11:1.3)
Sendo assim percebemos que cada indivíduo tem a sua verdade de acordo com
sua fé, mas acima de tudo, existe A VERDADE, que só ao criador compete.

A FÉ NA MAÇONARIA
Ao contrário do que muitos pensam, não há um deus maçônico, os maçons
permanecem comprometidos ao deus da religião que professam.
Portanto, a maçonaria não é indiferente às religiões, pois sem interferir na
prática religiosa, ela espera que seus membros sigam sua própria fé, seja ela qual for,
por isso a obrigação do candidato deve ser sempre tomada sobre o livro ou livros
sagrados de sua religião, qual seja que considere mais solene e obrigatório.
O objetivo da maçonaria como ciência especulativa é a investigação das verdades
divinas. Desde o momento de sua iniciação como aprendiz, até o tempo em que recebe
a frutificação completa da luz maçônica, o maçom é um investigador cuja recompensa
é a verdade, e todas as cerimônias e tradições da ordem tendem para esse objetivo final.
Nosso 19° Landmark diz “A crença no Grande Arquiteto do Universo é um dos
mais importantes Landmarks da ordem. A negação dessa crença é impedimento
absoluto e insuperável para a iniciação. ”
No 20° Landmark temos: “Subsidiariamente à crença no Grande Arquiteto do
Universo, é exigida a crença em vida futura. ”
Vemos então que a crença em um princípio criador, seja qual for o nome e sua
origem, assim como a crença na imortalidade da alma, são obrigações do maçom, pois
apenas através da dissolução do ego e consequentemente, do invólucro tridimensional
que chamamos de corpo, que seremos capazes ascender a planos superiores.
O Landmark seguinte, o 21° consta: “É indispensável a existência, no altar, de um
livro da lei, o livro que, conforme a crença, se supõe conter a verdade revelada pelo
Grande Arquiteto do Universo. Não cuidando a maçonaria de intervir nas peculiaridades
da fé religiosa dos seus membros, esse livro pode variar de acordo com os credos. Exige,
por isso, esse Landmark que um “livro da lei” seja parte indispensável dos utensílios de
uma loja.”
“O livro da lei é para o maçom especulativo a sua armação mestra; sem ele não
pode trabalhar; aquilo que acredita ser a vontade relevada do Grande Arquiteto do
Universo constitui sua armação espiritual; e deve estar sempre diante de seus olhos nas
horas de seu trabalho especulativo, para ser a regra e diretriz de sua conduta. ”
A maçonaria, mesmo não sendo uma religião, é essencialmente religiosa. A
maioria de suas lendas e alegorias são de natureza sagrada, muitas entrelaçadas na
estrutura do cristianismo, principalmente em nosso rito, o Rito Escocês Antigo e Aceito.
Parte essencial da espiritualidade na cerimônia maçônica é a oração. Negar a
eficácia da oração é negar a eficácia da fé, pois ao orar, seja qual for a forma de oração,
dirigimos nossa intenção, vontade, pensamento e força à uma inteligência absoluta e
infinita. São pensamentos dirigidos ao desconhecido, sendo este, um oceano no qual a
consciência é a bússola em busca de magnetismo espiritual que conecta a alma com a
divindade.
Percebe-se então que a fé no criador está acima de qualquer religião. Motivo
pelo qual utilizamos o termo Grande Arquiteto do Universo, nos referindo ao criador de
forma imparcial e não sob a ótica de religiões, que resultam em diferentes nomes como
Deus, Buda, Alá... dentre outros.

CONCLUSÃO
Tendo a ciência, como uma forma de busca da razão, Manly Hall diz que “ciência
e religião são duas pontas de uma única verdade, mas o mundo não se beneficiará de
forma plena de seus estudos até que ambas, ciência e religião, tenham feito as pazes e
trabalhem junto para a realização da grande obra, a liberação do espirito e inteligência
da prisão tridimensional de ignorância, superstição e medo.”
Esse trecho nos traz a mente a Quarta Lei Hermética, a Lei da Polaridade, que
diz: "Tudo é duplo, tudo tem dois polos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual são
a mesma coisa. Os extremos se tocam. Todas as verdades são meias-verdades. Todos os
paradoxos podem ser reconciliados"
Ainda de acordo com o Caibalion, “a tese e a antítese são idênticas em natureza,
mas diferentes em grau, os opostos são os dois extremos da mesma coisa, diferindo
somente em grau...os extremos se tocam”.
Não que a filosofia ou ciência estejam em oposição a religião. Porque a filosofia
nada mais é do que o conhecimento de deus e da alma, a de uma analogia sábia. É o
guia intelectual que o sentimento religioso necessita. Filosofia é aquele progresso
intelectual e moral que o sentimento religioso inspira e enobrece.
A recomendação "Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo",
esculpida no Templo de Apolo em Delfos, deve ser assumida como uma regra para todo
o homem que deseje distinguir-se, no meio da criação inteira, pela sua qualificação de
homem, ou seja, enquanto conhecedor de si mesmo.
A conhecida sigla V.I.T.R.I.O.L. do latim "Visita Interiorem Terrae, Rectificando,
Invenies Occultum Lapidem", (Visita o Centro da Terra, Retificando-te, encontrarás a
Pedra Oculta) nos convida não apenas a mesma reflexão, mas também a prática
incessante de auto lapidação e evolução.
A relação entre fé e razão é intima, pois, para crer o homem precisa pensar e
para pensar precisa crer. “Não há motivo para existir concorrência entre a razão e a fé:
uma implica a outra, e cada qual tem seu espaço próprio de realização” (JOÃO PAULO II,
1998).
“O verdadeiro maçom não se limita a um único credo. Ele percebe com a divina
iluminação de sua loja, que como maçom, sua religião deve ser universal: Cristo, Buda,
Maomé, o nome pouco importa, pois, o maçom reconhece a luz, não o portador.
Ele adora todos os santuários e se curva diante de cada altar, seja templo,
mesquita ou catedral, percebendo com sua verdadeira compreensão a unidade de toda
a verdade espiritual” (MANLY HALL).
Ao longo da história, inúmeros são os casos de extremismo perpetrados por
fanáticos de ambos os lados, cegando o homem para a verdade pois quem procura a
separação, nunca encontrará harmonia. Mas quem procura a união, a encontrará.
Seguindo esse pensamento, o mestre maçom deve trabalhar sempre para unir a
fé e a razão de modo que possa iluminar esse mundo cada vez mais polarizado.
Nascidos no pecado da ignorância, devemos fazer uso da razão e da fé como
ferramentas para que a carne feita através do Verbo, reflita a glória de nosso Criador,
nesse e nos futuros planos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIVROS

THE LOST KEYS OF FREEMASONRY - Manly P. Hall - Editora TarcherPerigee


ANTIGA MAÇONARIA MÍSTICA ORIENTAL - DR. R. Swinburne Clymer - Editora Pensamento
MORAL E DOGMA - Albert Pike - Editora YOD
O CAIBALION - Três Iniciados - Editora Pensamento
COMPÊNDIO LITÚRGICO DO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO - Grande Oriente Paulista
RITUAL DE APRENDIZ MAÇOM - REAA - Grande Oriente Paulista
FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA MAÇÔNICA – VOL. 1 E 2 - Luiz Vitório Cichoski - Ed. Trolha 2019

ARTIGOS

FÉ E RAZÃO: DIMENSÕES ESSENCIAIS DA PESSOA HUMANA - José Ricardo Carvalho - Revista Scientia Vol. 03 Nº06 (2016)

SITES

CARTA ENCÍCLICA “FIDES ET RATIO” DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II (1998)


http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_14091998_fides-et-ratio.html
FREEMASONRY AND RELIGION - United Grand Lodge of England
https://grandlodgeofiowa.org/docs/Freemasonry_Religion/FreemasonryAndReligion.pdf

ARCHÉ, FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA - ROBERTA MELO


http://knoow.net/ciencsociaishuman/filosofia/arche-filosofia-pre-socratica/
O QUE É A FÉ?
https://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/o-que-e-a-fe/
RAZÃO E RELIGIÃO
https://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/razao-e-religiao/
FÉ E RAZÃO - MIRIAM ILZA SANTANA
https://www.infoescola.com/filosofia/fe-e-razao/

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