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necessária do próprio universo. Platão, no entanto, distinguiu a razão intuitiva (noesis), que
mediante uma sucessão de operações, tal como a matemática. Para o pensamento medieval, o
Como o ser humano, racional, pode ceder-se a uma religiosidade? Segundo H. J Fraas:
“Não é a razão que, assistida pelo Espírito Santo, nos capacita a entender o que as Sagradas
Escrituras declaram a respeito do ser e dos atributos de Deus? Da sua eternidade e
imensidade, do seu poder, sabedoria e santidade? É pela razão que Deus nos capacita, até
certo ponto, a compreendermos o seu método de tratar com os filhos dos homens, a natureza
de suas várias dispensações – da velha e da nova, da lei e do evangelho. É por esta que nós
entendemos (o seu Espírito abrindo e iluminando os olhos do nosso entendimento) que não
nos devemos arrepender de nos termos arrependido, que é pela fé que somos salvos, quais
são a natureza e a condição da justificação e quais são os seus frutos imediatos e
subseqüentes. Pela razão aprendemos o que é o novo nascimento sem o qual não podemos
entrar no reino do céu, e a santidade sem a qual nenhum homem verá o Senhor. Pelo uso
devido da razão, nós chegamos a conhecer os elementos implícitos na santidade interior e o
que significa ser santo exteriormente – santo em toda conversação; em outras palavras qual
é a mente que houve em Cristo e o que é andar como Cristo andou.” 2
“ Faça à razão tudo que ela pode; usai-a até onde ela possa ir. Mas reconhecei ao
mesmo tempo que ela é totalmente incapaz de dar fé, esperança ou amor, e,
conseqüentemente, de produzir quer a verdadeira virtude que a felicidade substancial.
Espera estas coisas de fonte mais alta, do Pai dos espíritos da carne” 3
A fé (do latim fides), é crença, sendo o termo regularmente usado para denotar o
relacionamento religioso multilateral, para o qual o evangelho chama os homens e as mulheres –
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1 Hans´Jürgen FRAAS, A Religiosidade Humana, pp. 68
2 Burtner e Chiles, Coletânea da Teologia de João Wesley, pp. 28
3 Ibid, pp. 27
3
um relacionamento de confiança em Deus por meio de Cristo. A fé é uma dádiva de Deus., baseia-
um Ser Superior, a Deus em confiança, amor, entrega, devoção, fidelidade, obediência, adoração,
Os grandes místicos Platão, Paulo, Agostinho, Inácio, Tomás de Aquino, trataram dessa fé,
Suma Teológica que, A fé, pois, quanto ao assentimento que é o ato principal da fé, vem de Deus
Anselmo, tal como Agostinho antes dele, com respeito á relação entre fé e razão, representava
aquela posição que comumente se caracterizava pela expressão: “Creio para que possa
compreender” (credo ut intelligam). Baseando sua opinião nas palavras encontradas em Is. 7:9
(Vulgata): “Se não creres, não compreenderás”, os que seguem esta corrente enfatizam que a fé é
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4 R. N. CHAMPLIN, O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo, pp. 154-155
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“Não pretendo, Senhor, penetrar em tuas profundezas, pois de maneira alguma posso
comparar meu intelecto com o teu mas desejo compreender, até certo ponto, tua verdade, que
meu coração aceita e ama. Pois não busco compreender para que possa crer, mas creio para
que possa compreender. (Cap. 1).” 5
“Tal como a ordem correta é que creiamos as coisas profundas da fé cristã antes que ousemos
discuti-las com a razão, assim parece-me ser negligência se, depois de estarmos estabelecidos
na fé, não buscamos entender o que cremos. (I, Cap. 2). 6
É certo que ao longo da história da igreja, poucos teólogos têm esposado o racionalismo
puro, a saber: a idéia de que a razão, por si, possa deduzir a totalidade das verdades cristãs, sem ser
ajudada pela fé. Nos poucos casos onde essa abordagem pode ter sido usada, quase invariavelmente
Dentro do pensamento cristão, tem havido um grande número de opiniões sobre a razão.
Além do grande destaque sobre o assunto com Anselmo e Agostinho, outros sucessores
apologistas Cornelius Van Til e Gordon Clark. Mas é necessário conhecer o pensamento de Aquino
sobre fé e razão:
“Tomás de Aquino e seus discípulos procuram sustentar uma posição de equilíbrio delicado
entre a razão e a fé. Nesse caso, a razão é vista como um caminho viável rumo ao
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5 Bengt HÄGGLUND, História da Teologia, pp. 144-145
6 Ibid
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equilíbrio delicado entre a razão e a fé. Nesse caso, a razão é vista como um caminho viável
rumo ao conhecimento cristão, mas que está longe de ser “onicompetente”. Há várias
verdades que são acessíveis à razão: a existência de Deus e a Sua bondade. Mas a razão
também se vê diante de uma porta fechada em relação a muitas questões: não pode, por
questões são conhecidas sob a autoridade da fé. Além disso, a razão não governa os seus
domínios com exclusividade. Qualquer um dos itens a ele acessíveis também pode ser
conhecido pela fé. Na realidade, é certo que, para a maior parte das pessoas, a verdade é que
eles sabem que Deus existe e que Ele é bom somente pela fé. Além disso, Aquino contradisse
Sigério de Brabante, outro aristotélico, que sustentava uma teoria da dupla verdade: o
raciocínio, se for corretamente usado, não deve chegar a conclusões opostas à fé.” 7
Como se vê, as tensões entre fé e razão atravessaram séculos na história da igreja cristã. A
decorrer de mais de dois mil anos de existência. Uma explicação da fé e sua defesa, sempre foi
É bom lembrar que a defesa da fé e suas tensões e conflitos com a razão também tiveram
não dependia de experiências concretas históricas, mas de certas atitudes intelectuais. Estava
no plano do conhecimento mais do que no da experiência. Tanto fé como a crença
relacionam-se com a noção de conhecimento presente no mundo do Novo Testamento e da
Igreja Primitiva. (...) A crença nos artigos da fé, por outro lado, não dependia de experiências
concretas históricas, mas de certas atitudes intelectuais. Estava no plano do conhecimento
mais do que no da experiência. A fé ligava-se à prática. A uma certa prática, seria melhor
dizer. A crença nos artigos da fé, a uma racionalidade que, por sua vez, também dependia de
uma outra prática. Convém observar que tanto a fé, enquanto atitude humana, e a crença,
enquanto racionalidade, desenvolveram-se na Igreja Primitiva, tornando bastante complexa
a definição de fé cristã, até o momento em que a Segunda triunfa sobre a primeira.” 8
Para nós metodistas a Fé é sublime, crucial na vida do cristão. João Wesley sempre colocou
a Fé como primazia na vida cristã. Ele próprio passou a entender o real significado de sua fé a partir
de sua experiência íntima com Deus, sobretudo no famoso dia 24 de maio de 1738.
“Para Wesley essa visão (a chave para a experiência da salvação de Deus), resultou de duas
aceitação por Deus, através de uma vida santa, Wesley foi orientado por companheiros de
tempo, ficou-lhe claro que isso somente se lhe tornaria verdade salvadora se pudesse
experimentar o seu poder na própria vida, o que tornou realidade na célebre experiência de
à Carta aos Romanos foi concedida a Wesley a certeza de que devia unicamente confiar
em Cristo para alcançar a salvação e que Cristo tinha perdoado os seus pecados (“sim, os
meus pecados”). “ 9
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8 Jaci MARASCHIN, Fé Cristã e Ideologia, pp. 33
9 Walter KLAIBER & Manfred MARQUARDT, Viver a Graça de Deus, pp. 254
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natureza constitutiva da correlação íntima e inseparável entre sola fide (somente pela fé) e fides
Christi (a fé em Cristo).
Wesley por sua fé experimentou a fé cristã, colocando-a como artigo principal em sua
doutrina, mas, como já vimos entendeu que a razão é que obtemos conhecimento, capacitação. É
importante para entender as atitudes e posições teológicas de Wesley perceber que sua grande
reformadores a fé estava acima de tudo, para Wesley era necessário reconhecer sua separação entre
Um exemplo claro de que Wesley considerou a razão quando sua teologia trata sobre a
“Wesley, apesar de sua convicção de que a imagem de Deus no homem foi destruída pelo
pecado, manteve firmemente a idéia de que os homens, quanto mentalmente capazes de usar
a razão, conhecem alguma coisa de Deus. Na sua pregação sobre o pecado original, Wesley
– que tinha em alta estima a significação da razão par a fé e a vida dos cristãos, - afirmava
que, a partir das coisas visíveis, podemos inferir “a existência de um ser invisível, eterno
e poderoso”, isto é, reconhecer que Deus existe, mas que assim não conhecemos realmente
a Deus” 10
bíblicas sobre a fé cristã são difíceis de admitir, parecendo até mesmo incríveis, isto é, impossíveis
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10 Walter KLAIBER & Manfred MARQUARDT, Viver a Graça de Deus, pp. 254
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fundamentais da fé cristã.
A fé é, em primeira e última instância, obra de Deus. Isto foi elaborado e exposto, antes de
tudo por Karl Barth em sua “Dogmática da Igreja”. Ao afirmar isto Barth não exclui a fé como
obra também humana, e afirma expressamente: Falamos de um ato livre do homem, fundado na
ação de Deus, de um ato do coração humano, e não de um ato como tal do próprio Deus.
Nesse ponto, mais uma vez, reforça-se uma oposição a todas as tentativas de descrever a fé como
segundo uma auto-experiência, onde o homem usa de experiência própria e razão para vivenciar a
sua fé.
W. Vorländer diz que a “ Fé – é ser atingido e aceitar voluntariamente”, Atingido por Deus
Barth, em sua “Dogmática da Igreja”, comenta o texto de João 8:36: “ Se, pois, o filho vos
libertar, verdadeiramente sereis livres”, da seguinte forma: O Filho torna o homem livre para isto:
para que nele creia. Por isso a fé nele é um ato de genuína liberdade, não apesar, mas, justamente,
porque é obra do Filho. A condição de liberdade torna o homem capaz de usar da razão, da
vontade própria, da capacitação para a ação. É o que Vorländer disse sobre a participação do
homem na efetivação da fé. O coração do homem pode dobrar-se diante de Deus, derramar-se, por
que isso é a genuína fé, mas esse ato é aplicado em sã consciência, liberdade.
e a oposição de Aquino:
9
“A fé concebe Deus como o ser mais elevado e mais perfeito. Este conceito pode ser mais
apreendido intelectualmente mesmo pelos que negam a existência de Deus (cf. Sl 14:1). Mas
o que é o mais elevado que se pode conceber, não pode existir apenas no intelecto. Pois então
aquilo que existe na realidade – que é a categoria superior de existência a existir apenas
como idéia – seria elevado acima do mais elevado que se pode conceber, o que seria um
absurdo. Portanto, é preciso admitir que há um ser supremo que existe tanto no intelecto
como na realidade. A prova ontológica foi submetida a vários tipos de crítica mesmo na
Idade Média. Tomás de Aquino não a aceitou; ateve-se, em vez disso, à prova cosmológica.
Criticou o pensamento de Anselmo do seguinte modo: Supondo ser Deus o mais elevado que
se pode conceber – isto não prova a existência de Deus. A única conclusão que se pode tirar
é que se Deus é o mais elevado que se pode conceber, deve-se pensar que ele existe na
realidade. Mas a realidade não pode ser verificada desta maneira, pois não é uma qualidade
que se pode atribuir a um objeto da mesma maneira como as outras qualidades. A realidade
não pode ser verificada como necessidade de lógica, uma vez que não pertence à esfera da
lógica. 11
As tensões entre Fé e Razão foram, e ainda são questionadas mais evidentemente quando
se trata da crença na existência de Deus. A questão da existência de Deus não pode ser discutida
apenas em função da fé, mas deve levar em conta uma abordagem científica, filosófica e racional,
Para os dias de hoje muito mais torna-se necessário saber usar a fé e não subestimar a razão.
Ora se tem dado maior importância à fé e negligenciado a razão, ora se tem supervalorizado a
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11 Bengt HÄGGLUND, História da Teologogia, pp. 145
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Nesse tempo de novo milênio, pós-moderno, e cada vez mais individualista, o homem tem
procurado vivenciar a sua fé em meio a uma sociedade capitalista que manipula as massas, criando,
através da propaganda, padrões e necessidades que não são reais para a vida humana, e que não
Esta tendência que notamos na sociedade secular, ou seja, do povo absorver modismos sem
qualquer senso crítico, sem racionalidade, ocorre com os diversos movimentos religiosos
contemporâneos do mesmo modo com que os empresários que vende seus produtos inúteis
custas da carência e da necessidade do povo. Religiões e práticas místicas que não resistem a uma
“evangélicos” de acordo com o Censo 2000, deixa muito a desejar. Não pela pesquisa em si, mas
por essa camada enorme de “cristãos nominais” que anda crescendo a cada dia em nosso país.
inteligência. A própria Bíblia é uma revelação constante de Deus, que convida à reflexão
Não se pode negar que a razão desempenha um papel insubstituível na reflexão teológica e
na experiência da fé. Principalmente para nós metodistas, que temos no equilíbrio um de seus traços
fundamentais.
Nada substitui a fé genuína. A fé que tenho é pela minha experiência pessoal com Deus,
minha intimidade lúdica com o Pai, mas vivenciando-a com racionalidade, com amor e
responsabilidade, com emoção e inteligência, com esperança e confiança nessa obra divina que
nos dá vida.
11
BIBLIOGRAFIA
BURTNER, Robert W. & CHILES, Robert E., Coletânea da Teologia de João Wesley. Tradução:
Messias Freire. 2ª edição. Rio de Janeiro: Imprensa Metodista, Editora Unimep, 1995.
p. 27-28.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São
Gordon Chown. São Paulo: Edições Vida Nova, 1990. Volumes I e II. P. 232-233
FRAAS, Hans-Jürgen. A Religiosidade Humana. Tradução: Ilson Kayser e Werner Fuchs. São
MARASCHIN, Jacy e outros. Fé Cristã e Ideologias. São Paulo: Imprensa Metodista e Editora
Unimep, 1981. p. 33