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BLASFÊMIAS E IRREVERÊNCIAS NO BRASIL SETECENTISTA: A TERCEIRA

VISITAÇÃO DO SANTO OFÍCIO DA INQUISIÇÃO AO


ESTADO DO GRÃO-PARÁ EM 1763-69

Autor: Alexandre Ribeiro Martins


Orientador: Geraldo Pieroni

Conforme afirma Teodoro Sampaio, para não se “(...) perder


INTRODUÇÃO
de vista que era esta uma terra de degredo, com uma sociedade
Em Portugal, no início da era moderna, a religião católica era um dos transplantada a regenerar-se”3, a ortodoxia da fé foi observada em três
pilares que constituíam a sociedade ibérica. As fortes expressões de fé, visitações do Santo Ofício da Inquisição, e dentre elas, última e mais
repletas de conteúdo místico e supersticioso eram afirmadas por meio de longa, ao Estado do Grão-Pará, entre os anos de 1763 até 1769, nos
fulgurantes manifestações, onde o auto público, segundo o que nos consta valerá como referência para o desenvolvimento deste trabalho.
Luiz Nazário, nasce de uma imbricação entre o ódio da massa inclinada a Dentre os vários crimes de heresia citados nas atas inquisitoriais
pogrons e excitada por pregadores e o poder de morte do Estado1. das Visitações, a blasfêmia se destaca significativamente por estar
Na mentalidade lusitana, o crime e o pecado eram observados por inserida em um campo de valoração que na história do povo de Deus
Ordenações e Regimentos Inquisitoriais, onde a máxima era: “aquele é digno de atenção, presente do primeiro ao último livro da Bíblia,
que violenta a lei será violentado por ela”2, já que a coroa e o altar sempre acompanhado de severa proibição.
eram intrinsecamente unidos em uma mesma concepção de poder. Blasfêmias e irreverências no Brasil setecentista: A Terceira
Não obstante, suas colônias eram diretamente influenciadas por Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará em
este ditame cultural, sofrendo miscigenações diversas, mas sempre 1763-69 é um estudo sobre o pecado da blasfêmia, até então, somente
participantes desta densa atmosfera legislativa e religiosa. empreendido pela ciência teológica, resgatando ideais testamentários
No Brasil, a fé semeada pela Evangelização desde os primeiros e neo-testamentários, senão, compreendidos a partir da Patrística4
missionários jesuítas constituía um norteador da colônia, perpassando ou por meio de produções atuais de cunho exegético, pastoral ou
as mentalidades éticas e morais, para compor a própria compreensão doutrinal.
de existência subjetiva desde os senhores de engenho até os escravos Uma análise do ponto de vista histórico acerca deste pecado explora
cristianizados. um campo ainda pouco visto pela história cultural brasileira, apontando

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um indicador de sentido pouquíssimo estudado, capaz de revelar uma Renascimento – O Contexto de François Rabelais, 1987, uma vez que
face da identidade colonial setecentista ainda não contemplada. o teórico russo afirma haver na negação uma forma de valorização da
Para que seja possível tal empreendimento, será de grandiosa religião por meio de uma alegoria popular e do realismo grotesco.
valia a obra de Jean Delumeau, Mentalitès: Histoire des cultures et Desta forma, quando lemos o cometimento do pecado da
des sociétés, 19895, onde o historiador francês faz uma leitura do blasfêmia pelos colonos ultramarinos no Livro da Visitação, a partir
cristianismo ocidental e do pecado da blasfêmia em suas diversas de Jean Delumeau, Roger Chartier, Mircea Eliade e Mikhain Bakhtin,
frequências no decorrer dos tempos, correlacionando-a com o contamos com uma significação da qual emergem sentidos não
entendimento de lei e de fé próprios a cada contexto. somente apreendidos em uma leitura comum, mas, a possibilidade de
Outro teórico essencial para elaboração deste estudo é o historiador entendermos manifestações simbólicas e materiais que nos remetem a
Roger Chartier, na obra A beira da falésia. A história entre certezas relações de poder e de cultura existentes no Brasil do século XVIII.
e inquietudes, 2002, em especial: O Mundo como representação pp. Para tanto, serão utilizadas duas fontes primárias: O livro da
61-79, dando instrumentos teóricos para compreender principalmente Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará, 1763-69, onde
o conceito de representação, apontando a realidade como uma encontramos as confissões e denunciações depostas contra os hereges
representação intelectual significada a partir do grupo social de e pecadores aos inquisidores, e como constituição jurídica e religiosa,
indivíduos que dela participa. as Ordenações Filipinas, impressas em 1603, e em especial o livro V,
Uma vez iluminados por ambos os teóricos que dão margem referente aos códigos penais e ao tratamento com os infratores.
de entendimento da sociedade e seus valores, nos debruçaremos As Ordenações Filipinas constituem uma importante fonte na
em Mircea Eliade, uma vez que o campo pelo qual este trabalho apreensão de sentido jurídico e religioso, pelas quais poderemos colher
desenvolver-se-á será o da religião. os fundamentos que nos nortearão no entendimento das diversas
Para Eliade, na obra O Sagrado e o Profano, 1996, a essência do situações relatadas nas confissões e denunciações, uma vez que,
homem religioso se dá pela existência de duas realidades norteadoras, além de uma jurisdição complexa, a Igreja passava por um período de
a do sagrado e a do profano6, e é justamente nesta dualidade que compreensão teológica, dogmática e pastoral próprios da época.
percorre a cultura colonial, quando o pecado situa-se no profano, e Articulando estas fontes a partir dos instrumentos teóricos
a heresia blasfêmica, em sua representação simbólica a profanação fornecidos pelos autores acima citados, no primeiro capítulo deste
pública de maior gravidade. trabalho voltaremos nosso olhar para fé lusitana, a partir de seus
Além da visão dualista proposta por Eliade, na análise dos casos mecanismos contextuais, e em desdobramento, a religiosidade
de confissões e denunciações, será de interessante aplicabilidade colonial, abordando as visitações do Santo Ofício e as formas pelas
a obra de Mikhail Bakhtin, A Cultura Popular na Idade Média e no quais aplicavam seus julgamentos.

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Para possibilitar este empreendimento, trataremos de conceitos Em especial, Portugal tinha na religião um normatizador que
fundamentais a tal abordagem, como o sentido teológico do pecado perpassava a vida social e individual dos católicos ibéricos. A fé
da blasfêmia e sua histórica de significação até a evangelização nos dogmas evangélicos e nas sagradas devoções não somente
portuguesa, e daí, estabeleceremos aproximações entre o pecado e o tangenciava a mentalidade lusitana, como a feria diretamente,
crime do ponto de vista jurídico lusitano. já que o português “(...) não se concebe sem um catolicismo
Uma vez alcançado este objetivo, voltaremos nossa atenção, no fervoroso” 7.
segundo capítulo, a Terceira Visitação do Santo Ofício ao Estado do Arautos do Evangelho, os lusitanos compreendiam a monarquia
Grão-Pará, entre os anos de 1763 e 1769, sob a breve justificativa de como um reflexo do reino celestial, e por isso, por meio da
entendimento acerca do contexto formal que permeou esta visitação, Inquisição, defendiam e difundiam a fé católica respondendo de
para então, tratar especificamente dos pecados aqui denunciados ou forma zelosa a uma vocação divina.
confessados a mesa do Ofício. A figura lusitana do rei era concebida como alguém revestido
Mensurando uma tipologia de pecados e crimes relatados, de autoridade dada pelo próprio Deus. Em Kantorowicz 8,
nos ateremos especificamente ao pecado da blasfêmia, e mais compreendemos a figura do rei medieval, apontando seu aspecto
especificamente, a blasfêmia pública e oral, presente cinco vezes nas duplo, dividido entre a sua existência pública e pessoal. No
atas inquisitoriais, e delas, buscaremos colher numa leitura atenta que tange a existência pessoal do rei, o autor sustenta numa
alguns elementos que nos permitirão alcançar os objetivos propostos, primeira instância, a ideia de um homem normal, participante das
num estudo do colono a partir se seu crime herético. efemeridades humanas, repleta de defeitos e infantilidades.
Mas, quando se refere ao aspecto público e político, num
segundo momento, afirma que o rei tem sua imagem transformada
1. A FÉ LUSITANA E A
de maneira mística e dogmática, tornando-o eterno, logo, seus
RELIGIOSIDADE COLONIAL
embates jurídicos, filosóficos e religiosos são indiscutíveis.
Segundo o que nos consta Sérgio Buarque de Holanda, herdeiro
Na mesma medida em que o descobrimento da América desta tradição, o rei de Portugal:
apontava para um grande feito do homem europeu que se tornava
(...) tem seu poder das mãos de Deus, e seu vigário tenente é livre
matematicamente capaz de desbravar grandes mares com uma de toda a lei humana. A monarquia, portanto, é a mais importante
relativa precisão, multidões se dedicavam na Corte com o magismo instituição do Estado português; pelas suas relações com os outros
órgãos administrativos e classes sociais é que poderemos ter uma
e com o maravilhoso em práticas cotidianas de um povo comum e idéia do panorama institucional predominantemente às vésperas
religioso. da descoberta do Brasil9.

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Foi por meio da instituição do Padroado que a Coroa portuguesa Nós também procuramos – e é lícito confessá-lo – auferir lucros
e riquezas, sem os quais a Europa não poderia compensar as
constituiu-se patrona das missões católicas e instituições
despesas enormes que todos os dias fazemos. Merecemos, porém,
eclesiásticas na África, Ásia e depois da descoberta, no Brasil10. louvores por não sulcarmos os mares, como outrora fizeram e
Uma das respostas concretas ao chamamento de Deus ainda hoje fazem muitos povos da Itália, da Espanha e da França,
quais inermes mercadores em busca só de especiarias, mas com
discernida pelos cristãos ibéricos ao padroado se daria por meio das exércitos e armadas, bem apanhadas contra o inimigo, não tanto
navegações, que, além do aspecto religioso, conotava uma busca de para a dilatação do nosso Império, como para a expansão de
nossas crenças14.
expansão comercial engendrada por fatores políticos diversos.
Arno Wehling e Maria José C. M. Wehling11, reportando-se aos Dando ênfase ao aspecto religioso, imprescindível ao próprio
motivacionais que impeliram os lusitanos a empreitadas marítimas, contexto social português setecentista, temos na Crônica do
partem do pressuposto que é inútil procurar exclusividades, descobrimento e conquista da Guiné, em Zurara, a expressão máxima
contudo, dentre os consideráveis, destacam primeiramente os de um missionário luso comum ao seu tempo:
fatores econômicos, afirmando:
A quinta razão [das que moveram o infame aos descobrimentos
A escassez de ouro na Europa do século XV e sua conseqüente marítimos] foi o grande desejo que havia [o infame] de acrescentar
valorização estimularam a busca do ouro africano. Os em a santa fé de nosso senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas
estabelecimentos pesqueiros controlados pelo rei, pela nobreza as almas que se quisessem salvar, conhecendo que todo o mistério
e por comerciantes tenderam a expandir-se, beneficiados pelo da encarnação, morte e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, foi
aumento do consumo. A permanente falta de cereais, sobretudo obrado a este fim, scilicet, por salvação das almas perdidas, as
de trigo, motivou a conquista de Ceuta em 1415, e mais tarde, quais o dito senhor queria, por seus trabalhos e despesas, trazer
a colonização de colônias naquelas ilhas. Produtos africanos, ao verdadeiro caminho15.
como couros e tinturas, além de escravos, eram igualmente
valorizados na Europa12. Uma vez descoberto o Mundo Novo e instaurado o processo de
O cenário político, para os autores, certamente favoreceu a colonização, o português define a colônia, como afirma Pero Góis em
expansão das navegações, num contexto de: “consolidação da 1546, escrevendo ao monarca para reclamar do estado caótico em que
dinastia de Avis no poder, o emprego da experiência militar da se encontrava a Terra Brasilis, pois, “(...) tudo nasce da pouca justiça e
nobreza, a concorrência do reino de Castela e a própria união, pouco temor de Deus e de Vossa Alteza que em algumas partes desta
em 1469, de Castela e Aragão pelo casamento de Isabel e terra se faz e há, por onde se, de Vossa Alteza não é provida perder-
Fernando” .
13 se-á todo o Brasil em dois anos”16.
O Império e os lucros somavam-se aos anseios religiosos D. João III, três anos depois envia então, como se tivesse ouvido
inerentes da mentalidade portuguesa. Damião Góis, 1502-1574, os apelos de Pero Góis, à colônia Tomé de Sousa e os primeiros
reportando-se à navegação, é um exemplo clássico deste período. missionários, todos jesuítas, esclarecendo que “(...) a principal causa

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que me moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi por que considerando desde as origens a profissão de fé indígena como
a gente dela se convertesse à nossa santa fé católica”17 e com isso, blasfêmicas e irreverentes contra Deus.
dando início a cristianização em terras tropicais. A Igreja enquanto instituição, não ficaria ociosa com relação a
Quando os jesuítas chegaram ao Brasil, em 1549, o Concílio de tal emergência, tomando iniciativas para que na colônia a fé fosse
Trento estava prestes a encerrar sua primeira fase, que, sucedida de observada a partir dos mesmos padrões que regiam a Metrópole,
outras duas fases, constituía o Concílio mais longo da história da Igreja, exercendo da mesma forma os mecanismos inquisitoriais para que
reafirmando a fé nos dogmas, como resposta à Reforma, conforme assim o fizesse.
afirma Delumeau, posicionando-se como uma “cidade sitiada”18.
1.1 As visitações do santo
Apesar da descoberta ultramarina representar um trunfo
ofício no Brasil
meridional, o trópico não foi tratado de forma enfática pelo Concílio
da Contra-Reforma, já que “ (...) o concílio foi ecumênico de direito, Degredados para o Brasil, por causa do cometimento do pecado
não de fato. Representou sobretudo a cristandade (...) da Europa”19. da blasfêmia, vários cristãos ibéricos uniram-se aos colonos, para
Não teve nem sequer “(...) um prelado colonial que assistisse às suas representar uma parcela considerável de crentes distantes de qualquer
sessões”20. tipo de vigilância e observação, devido à imensidade do território
Conforme afirma Vainfas21, vinculada aos ditames do Concílio de brasileiro e da, ainda, precária estruturação eclesiástica institucional
Trento, a Inquisição ibérica, após meados do século XVI, por meio de na colônia.
sua abordagem coercitiva, nos permite inseri-la num dos processos Fazendo um levantamento histórico acerca dos processos
fundamentais da modernidade: a perseguição da cultura e moralidades inquisitoriais na Europa que resultaram no degredo ao Brasil, devido
populares pela Igreja católica e, nos países protestantes, pelas Igrejas ao cometimento exclusivo do pecado blasfêmico, situamos: Lisboa,
reformadas articuladas aos poderes civis. Coimbra e Évora. Os processos de Lisboa23 em específico são:
O autor afirma, na obra A heresia dos índios , a impressão dos
22
processo 746: Francisco de Almeida Negrão; 956: Manuel João; 1491:
missionários jesuítas com relação aos “selvagens tropicais” numa João Nunes; 5703: Antônio Luís de Meneses; 8821: Serafim Leite e o
gradativa ressignificação, quando numa primeira instância chamaram processo 12231: Pero de Carvalhais.
alguns rituais indígenas, como os caraíbas, de santidades, para o que Em Coimbra24, temos o processo 1716: Silvestre da Silva, e em
com o passar do tempo considerar-se-iam práticas verdadeiramente Évora25: processo 2004: Antônio Pires; 2462: Diogo da Cruz; 2595:
diabólicas, réplicas do sabá europeu, idolatrias rebeldes e heréticas. Francisco dos Arcos; 4537: Luís Cabral; 5585: André Vicente; 5649:
Salientam-se desde as primeiras impressões dos missionários com Pedro Afonso; 6963: Diogo Pacheco de Mendonça; 7697: Maria Soares
os nativos a repressão e o rigor no trato com os blasfemadores, e o processo 11677: Diogo Alfaia.

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Preocupados com as heresias tropicais, os lusitanos estendendo A porção de número 2 representa o pecado da blasfêmia,
seus olhares para colônia, enviaram ao Brasil três visitações do Santo inserida na porção maior, referente aos demais pecados confessados,
Ofício da Santa Inquisição26, a primeira entre 1591-95, a segunda entre configurando só a blasfêmia uma proporção de 24% do total das
1618-21 e a terceira entre 1763-69. confissões relatadas pelas atas inquisitoriais.
Siqueira afirma, referindo-se as denúncias relatadas nas visitações Dentre os pecados denunciados, temos da mesma forma a
da Bahia e Pernambuco, que a blasfêmia na colônia foi alvo da constatação gráfica para melhor entendimento do cometimento de tal
observância inquisitorial, pois: crime, segundo o que nos consta:
(...) [nas] visitações, centenas de confissões e de denúncias foram
consignadas por escrito e, em meio aos acusados, encontramos
muitos blasfemadores. Nas visitações à Bahia e a Pernambuco, 283
faltas foram confessadas, sendo que as que aparecem com mais
freqüência são as blasfêmias. Contam-se 68 expressões insultantes
que renegam a Deus, zombam dos santos ou colocam em dúvida a
virgindade de Maria. Nas de denúncias da Bahia e de Pernambuco,
entre as 950 coletadas, 90 são blasfêmias e 177 referem-se a
desrespeito a Jesus Cristo, à Virgem, aos santos e aos sacramentos,
além de 58 expressões que contêm palavras injuriosas. Um total de
335 casos que representam 34% dos crimes denunciados27.

Logo, embasados nos dados de Siqueira, acima citados,


temos graficamente a seguinte representação acerca dos pecados
confessados em relação à presença da blasfêmia: Neste caso, 30% do total dos casos de pecados denunciados
a mesa inquisitorial nas Visitações, segundo ainda, Siqueira , são
referentes à blasfêmia, direta ou indiretamente, conotando mais uma
vez a frequência com que era cometido.
Assim, o gráfico final que representa estatisticamente esta questão
se constitui da seguinte forma:

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Reportando a este revelador de valores sociais, afirmado por
Delumeau, de maneira complementar, encontramos em Roger Chartier
a possibilidade de compreensão das identidades sociais nas relações
impostas pelos detentores de poder, mas também, pela atribuição de
importância das representações sociais que cada grupo estabelece.
Para Chartier, a representação é uma configuração intelectual
pela qual a realidade é constituída, num reconhecimento da própria
identidade social dos indivíduos onde se evidenciam significados,
tornando então possível emergirem valores e identidades tanto
individuais quanto sócio-culturais32.
Um total de 34% dos casos relatados tem relação com a blasfêmia, Logo, compreender o pecado da blasfêmia no Brasil setecentista,
ao passo que os outros 66% constituem os demais crimes pegos é compreender um signo de pensamento teórico que estabelece
pela malha inquisitorial. Diante destas estatísticas, fica perceptível possibilidades de entendimento das modalidades variáveis que
o quanto era frequente o cometimento desta heresia carregada de discriminam categorias de significados33 próprios dos autóctones,
sentido simbólico: Mas quais os fatores ou motivos que realmente as negros africanos, mulatos brasileiros e brancos portugueses.
engendraram? Para que se possa entender a blasfêmia colonial inserida neste
Delumeau nos abrilhanta com a compreensão de que a blasfêmia ínterim, antes, faz-se necessário a compreensão da legislação
é um dos pecados que, quando cometidos com uma certa frequência, lusitana, que estendida às suas colônias, fundamentava o imaginário
indicam um período de instabilidade mental29, e como não poderia da evangelização e das missões empreendidas, que além de apontar o
deixar de ser, no Brasil o impacto da cultura européia na evangelização cometimento do pecado da heresia em sua instância religiosa, também
sobrepôs-se à cultura tropical e inseriu o colono em um novo campo de significava diretamente um crime previsto pela constituição.
valores, abalando-o em suas estruturas fundamentais.
1.2 Os dois braços da justiça:
Ao intitular o cristianismo do século XVI e XVII como “civilização da
eclesiástico e secular
blasfêmia” , o historiador aponta para existência de uma religiosidade
30

superficial, marcada pela teatralização da fé, esvaziada de seu sentido


originário. Para tanto, afirma que “injúrias e blasfêmias (os termos 1.2.1 O Logos e a blasfêmia
não são sinônimos) constituem, sem dúvida, um revelador de um No cenário cristão, a palavra tem um significado especial,
determinado grupo social e de seus valores aceitos e rejeitados”31. principalmente a partir da Patrística, também chamada teologia

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dos Grandes Padres da Igreja, no período Medieval, e cujas raízes discípulos, que: “se alguém tiver pronunciado uma blasfêmia contra o
permaneceram por muito tempo, e em especial na Europa cristã, no Espírito Santo, não lhe será perdoada nem no presente, nem no século
sentido hermenêutico e exegético das Sagradas Escrituras. futuro” .
A própria revelação de Deus nos escritos testamentários aponta Luiz de Granada no Guia dos pecadores, do século XVI, afirma,
sua relação íntima com a palavra, quando a comunidade trinitária se corroborando São Tomás de Aquino e Santo Agostinho que: “Dos
torna manifesta pelo Espírito Santo, que no vocabulário original é pecados mortais, o mais grave é a blasfêmia, muito próximo dos três
citado como: tò pneuma tò hágion34. pecados mais graves do mundo que são a infidelidade, a desesperança
A expressão grega pneuma, que pode ser entendida na vernácula e a ira contra Deus, no absoluto o mais grave de todos”40.
como uma espécie de sopro, um suspiro que emana do interior de A epistemologia da palavra blasfêmia remete-nos a duas palavras
Deus, só se concretiza por meio do Logos, citado desde o livro do gregas: blaptein (lesar, ferir, danificar) e phème (reputação). Blapto,
Gênese como palavra criadora, até sua encarnação como o ápice do estragar, destruir; phain, tornar visível. Consiste basicamente em
plano de Deus, conforme nos atesta o Evangelho de João no primeiro danificar a imagem de alguém, de maneira pública, de forma oral
capítulo, na pessoa de Jesus Cristo35. principalmente.
Santo Agostinho, referindo-se à gratidão humana que se tornava Pieroni, na obra Os Excluídos do Reino, cita, referente a esta
uma vocação, afirmava que “a despeito de tudo, o homem, pequena questão, Nicolau Eymerich no trato com os blasfemadores, afirmando
parcela de vossa criação quer louvar-vos”36, fazendo-o por meio da o seguinte: “(...) o caso deles compete ao tribunal da Inquisição? Se
palavra, capaz de exprimir o que se encontra no coração37. afirmativo, os blasfemadores devem ser considerados como heréticos
Justamente contrária a tal propósito, a blasfêmia configura uma ou como suspeito de heresia?”41.
ruptura com o plano divino e com a própria natureza da criação, por A resposta a tal questionamento é retirada da obra O dicionário
meio da palavra, denegrindo e ofendendo a Deus e a sua Igreja. dos Inquisidores, afirmando o seguinte: “Existem dois tipos de
Por essa razão, São Tomás de Aquino afirma que, quando o homem blasfemadores que não se pode confundir, (...) [o primeiro é constituído]
por livre iniciativa comete um pecado de tamanha gravidade, não é por aqueles que não se opõem aos artigos da fé (...). Mesmo que o
digno de perdão, pela justificativa de que “quando a vontade se volta Santo Ofício não se interesse pelos blasfemadores simples, eles deve
para uma coisa contrária à caridade pela qual estamos ordenados ao ser castigados” .
fim último, há no pecado, por seu próprio objeto, matéria para ser O segundo tipo de blasfemador, em compensação, é tratado de
mortal (...)[como] contra o amor a Deus, como a blasfêmia”38. maneira severa pela Inquisição, conforme nos consta: “(...) mas há um
A própria sagrada escritura confirma a gravidade da blasfêmia, outro tipo de blasfemadores que proferem ataques diretos contra os
quando o evangelista Mateus relata o que Jesus disse aos seus artigos de fé. Atacam de frente a onipotência divina (...). Por meio

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disso, negam o primeiro artigo da fé”, e a estes, “(...) serão tratados Ao final do século XVII, foram criados mais três bispados: o
como heréticos, e os inquisidores podem persegui-los”43. do Rio de Janeiro, em 1676; o bispado de Olinda, em 1676, e o
A perseguição inquisitorial, contudo, não se dava de forma aleatória bispado do Maranhão, em 1677 , elevando a Bahia a condição de
segundo julgamentos de valores propriamente subjetivos dos juízes, pois, arcebispado, por iniciativa do papa Inocêncio XI.
partia de uma legislação com categorias detalhadas e minuciosas para o Um outro bispado brasileiro foi instituído na capitania do Grão-
trato de tal irreverência tanto na Metrópole, como na colônia brasileira. Pará, no ano de 1719, subordinado não ao arcebispado da Bahia,
mas ao de Lisboa, desmembrando-se da diocese do Maranhão,
1.2.2 O pecado e o crime outrora pertencente.
Em nota oficial do arcebispado da Bahia, encontramos
As Ordenações Filipinas, impressas em 1603, constituíram por
uma justificativa para tal desdobramento entre as dioceses e
muito tempo a legislação lusitana, precedidas pelas ordenações
prelazias:
Afonsinas e Manuelinas, responsáveis pela sustentação jurídica e
O arcebispo da Bahia expõe a V. M. por este Conselho em
religiosa tanto da Metrópole como de suas colônias. carta de 24 de janeiro deste presente ano, que por carta de 06
No Brasil colônia, o primeiro bispado criado, contemporâneo à de setembro do ano próximo passado, lhe ordenou V. M. desse
formação do governo geral, pertencia à capitania da Bahia, subordinada o seu consentimento para se erigirem dois bispados naquela
América, além dos que já estão eretos e que não somente dá o
ao arcebispado de Lisboa. A esse bispado, desmembraram-se duas seu consentimento, mas muitas graças a Deus Nosso Senhor
prelazias: uma no Rio de Janeiro e outra em Pernambuco. por inspirar a V. M. tão pio e católico zela pela salvação de
seus vassalos em querer lhes dar Pastores que de mais perto
A prelazia do Rio de Janeiro foi autorizada em 19 de julho de
possam conhecer e remediar as suas ovelhas, visto como as
1575, pelo papa Gregório XIII, compreendendo as capitanias de São grandes distâncias dos três bispados Bahia, Rio de Janeiro e
Vicente, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Porto Seguro, e a prelazia Pernambuco lhes dificultam e quase impossibilitam as visitas
que tanto encomenda o Santo Concílio Tridentino46.
de Pernambuco, instituída pelo papa Paulo V, em 1614, abrangendo
Pernambuco, Paraíba e Maranhão44. O Brasil, portanto, contava com dois eixos jurídicos, o arcebispado
A prelazia, criada em 1614, contudo, teve uma breve duração, da Bahia, embasado pelas Constituições Primeiras do Arcebispado
sendo revogada em 1624, e seu território voltou a fazer parte da da Bahia47, de 1707, e o Estado do Maranhão e do Grão-Pará,
diocese de Salvador. pertencentes ao arcebispado de Lisboa, e conseqüentemente, regidos
Referindo-se a esta condição, Salgado afirma que a administração pelas Ordenações Filipinas, diretamente.
de ambos os prelados era independente da diocese baiana, contudo, Conforme afirma Pieroni, nas Ordenações Filipinas, as punições
continuavam sujeitos ao bispado de Salvador. 45 impostas aos hereges eram severas, pois:

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A expressão que designa a pena de morte - morra por ello - é E pola terceira vez, além da pena pecuniária, sejam degradados
freqüente. Mas a sentença morra por ello, bem como a morra por trez annos para Africa, e se for peão, para as Galés51.
isso, não significa unicamente a morte física, mas pode às vezes
significar a morte civil, a qual excluía o condenado de seu meio Evidencia-se neste caso, a partir do que consta nas Ordenações
social por uma condenação ao degredo48.
que as penas para os hereges que arrenegavam a Deus, Jesus ou
As Ordenações Filipinas, assim como as Afonsinas e Manuelinas, a Virgem Maria, eram relativas ao papel social exercido por cada
e mais tarde, pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da categoria de indivíduos na colônia, sem deixar de lado o fato de que
Bahia, eram compostas por cinco livros, aos quais encontravam-se todos participavam de um comum resultado: a punição.
normatizações tanto civis como religiosas. Da mesma forma, contudo, com menores penas, as Ordenações
Nas Ordenações, em especial no livro V, nos 21 títulos referentes estipulavam o tratamento com os que “descrendo, pezando, ou
ao direito e procedimentos penais, consta o tratamento com os hereges dizendo outras blasfemias contra algum Santo”52, com cobrança de
e o que em especial nos interessa, o trato com os blasfemadores. taxas, sem, no entanto, penalizar com morte ou degredo.
No título: “Dos Heréticos e dos Apóstatas”, primeira matéria do O próprio Livro V das Ordenações, apesar de estipular penas
livro V das Ordenações Filipinas, a heresia encontra-se no mesmo relativas à gravidade das blasfêmias, deixa uma brecha jurídica,
âmago de um crime. Herético era, portanto, a pessoa que sustentava dando liberdade interpretativa aos Julgadores, conforme nos
com tenacidade um sentimento errôneo acerca de algum dogma de fé, consta:
afastando-se da religião oficial , e por isso, fora da lei.
49
Porém, se alguma pessoa de qualquer condição per algumas outras
Apontando diretamente para a blasfêmia, as Ordenações, no título palavras mais enormes e fêas blasfemar, ou arrenegar de nosso
Senhor, ou de nossa Senhora, ou da sua Fé, ou dos seus Santos,
II fazem uma série de observações. “Dos que arrenegão, on blasfemão fique em alvidrio dos Julgadores lhe darem outras maiores penas
de Deos, ou dos Santos”50, é a citação que encabeça o texto, composto corporeaes, segundo lhes per direito parecer, havendo respeito à
graveza das palavras, e qualidade das pessoas, e do tempo e lugar,
de multas e penas para quem assim o fizesse.
onde forem ditas53.
Para tanto, nas Ordenações encontramos a seguinte exortação:
Conjecturamos que Giraldo Joze de Abranches, em 1763, ao
Qualquer que arrenegar, descrer, ou pezar de Deos, ou de sua Santa
Fé, ou disser outras bla sfêmias, pola primeira vez, sendo Fidalgo, chegar no Estado do “Pará, Maranhão e Ryo negro”54 para a Visitação
pague vinte cruzados, e seja degradado hum anno para Africa. do Santo Ofício da Inquisição, comungava e sobretudo, aplicaria,
E sendo Cavalleiro, ou Scudeiro, pague quatro mil reis, e seja
degradado hum anno para Africa. justamente estes valores presentes nas Ordenações.
E se fòr peão, dem-lhe trinta açoutes ao pé do Pelourinho com Consta na ata de comissão para abertura oficial da Visitação a
baraço e pregão, e pague dous mil reis.
delegação de autoridade total em nome da Igreja, para o visitador
E pola segunda vez, todos os sobreditos incorram nas mesmas
penas em dobro. Abranches, legitimado da seguinte forma: “Nossas vezes, e damos

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inteyro poder. E pella mesma Autoridade Apostolica mandamos em secular, reforçando o poderio do diocesano frente às ordens religiosas
virtude de Santa Obediência e Sob pena de excomunhaõ”55. que favoreciam a descentralização do poder do Estado58.
Uma vez revestido de autoridade, a metafórica afirmação de Levando em consideração estes fatores sociais e religiosos, situa-
Souza apresentando a visitação como uma colheita, os visitadores se a Terceira Visitação, como forma de corroborar o poderio régio,
como os colheitadores que colhiam os frutos dos evangelizadores, que acionando mecanismos eficazes de coerção e controle.
semearam a palavra56, então se concretiza na colônia. O visitador oficial, outrora Inquisidor Apostólico da Inquisição de
A efetivação da visitação inquisitorial no Brasil, portanto, Évora, enviado pela diocese de Lisboa, antes de fixado nos trópicos,
embasada pelos pressupostos teóricos elaborados neste capítulo, assina uma ata de comissão, expondo a seriedade com que seria
se dará, sobretudo, a partir de confissões e denunciações, dentre as promulgado o Ofício Divino da seguinte forma:
quais, trataremos com especial atenção os casos relativos à blasfêmia, No delicto, E crime de herezia, E apoztazia, no de peccado nefando,
analisados no capítulo que se segue. ou Em Outro qualquer, que pertença Ao Santo Officio da Inquizicão,
tomar aprezentacoens E quais quer denunciacoens e informacoens
2. A TERCEIRA VISITAÇÃO DO SANTO Testemunhadas Contras ellas E aSim Oz fautores, receptores, a
defensores das mesmas E pera que possa fazer, e faca Contra Oz
OFÍCIO AO ESTADO DO GRÃO-PARÁ culpados acada hum delles processos imforma descida de Direyto,
Sendo necessário Segundo a forma d aBulla da Inquizição e Breves
Antecipando a vinda do visitador Giraldo José de Abranches, Concedidos ao Santo officio,E pera que possa prender Aos dittos
enviado a Belém em 1763, o irmão do ministro Sebastião José de Culpados, e Sentencialos Em final Conforme o regimento, e fazer todas
as mais couzas, que ao dito cargo de Inquizidor, e Vizitador do Santo
Carvalho e Melo, Francisco Xavier de Mendonça Furtado ocupava o Officio pertençen; E pera todo o Sobre ditto e Suas dependências lhe
posto de secretário da Marinha e Negócios Ultramarinos, depois de cometemos, Nossas vezes, a damos inteyro poder59.
governar o Estado do Grão-Pará e Maranhão na década anterior a Assim, depois da formação de uma outra comissão, mais uma vez
Visitação. criada para oficializar o envio de Abranches a colônia, ainda, foi necessário
Foi Francisco Xavier de Mendonça Furtado, neste mesmo período, a promulgação de uma “Provizao do Notario60”, com informações do
o responsável pela aplicação das reformas pombalinas, determinando notário e acompanhante do inquisidor, padre Ignacio Joze Pastana.
o fim da preeminência das ordens religiosas, em colaboração com os Uma vez feito isso, estabeleceu-se uma “Provizaõ de Meirinho”61
bispos frei Miguel de Bulhões e, seu substituto, frei João de São José para acompanhar o visitador durante sua estadia no Brasil, para o
e Queiroz57. Estado do Grão-Pará e Maranhão, em 19 de setembro de 1763. Aos
Na realidade, a reforma pombalina não significou o enfraquecimento 23 dias do mês de setembro do mesmo ano, apresentou-se ao Senado
da Igreja na retirada de ordens regulares importantes, mas antes, da Câmara das Provisões e Comissões dos Senhores do Conselho
conotou a preponderância do papel exercido pelos bispos e pelo clero Geral o Senhor inquisidor Visitador62.

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Finalmente, no dia 25 de setembro 1763, assinaram oficializando o pecados cometidos na colônia estabelecem vínculos entre a fé lusitana,
início da Terceira Visitação da Inquisição, “Giraldo Joze de Abanches, mesclada de elementos populares, com a religiosidade dos escravos
Custodio Joze da Conceicaõ, p.Ignacio Joze Pastana, Sebastiaõ Vieira e dos índios, dando ao Brasil exclusividade em vários aspectos, se
dos Santos e Andre Joze Pinheiro” , e com isso, observando de modo
63
comparado aos crimes ultramarinos.
oficial os colonos do Arcebispado de Lisboa em terras além mar. A feitiçaria é um forte indício desta miscigenação, já que, diferente
É desta forma que o Brasil recebe um ofício que se torna da Europa, o folclore que circunda o feitiço não está relacionado
santificado, já que seus objetivos visavam eliminar as anomalias sociais diretamente aos ritos demoníacos característicos da Idade Média,
naquilo em que feriam a Igreja Católica como instituição, bem como como em várias instâncias constam as atas inquisitoriais de Coimbra,
sua doutrina e os seus agentes. Para tanto, vários crimes de heresia Lisboa e Évora, mas na grande maioria, no Brasil, estão vinculados
foram observados e postos em julgamento, e para melhor entender o com rituais indígenas ou ainda, com manifestações religiosas dos
pecado em seu contexto, convém-nos um estudo inicial acerca de sua escravos64.
diversidade e particularidade. A blasfêmia é o crime que aparece com maior frequência, e para
tanto, convém distingui-la em suas instâncias, pois, basicamente,
2.1 Tipologia dos pecados
conforme pude relatar, em suas vinte e duas ocorrências, alterna-se
Nas confissões e denunciações da Visitação do Santo Ofício ao metodologicamente em três diferentes aplicações.
Estado do Grão-Pará e Maranhão, vários foram os crimes relatados A primeira se refere a rezas e orações, que feriam diretamente
nas atas inquisitoriais. Analisando os quarenta e seis casos presentes as verdades da fé da Igreja e seus ensinamentos, cometida doze
no Livro da Visitação, constamos a seguinte tipologia de pecados: vezes, motivada provavelmente pelas mesmas circunstâncias que
engendraram as feitiçarias, resultantes das diversas influências
culturais que sofreu o colono no século XVIII.
O segundo tipo é o de blasfêmias pronunciadas em momentos
de cólera ou furor, ofendendo publicamente a Deus. É justamente na
análise deste tipo específico de blasfêmia que ocorre por cinco vezes,
é que trataremos a seguir, com o intuito de estabelecer aproximações
de compreensão acerca do colono e sua religiosidade, do ponto de
vista histórico e cultural.
Já a terceira e última forma de blasfêmia, seis vezes relatada,
Perpassando as mais diversas formas de expressão religiosa, os é a que acontece reforçada com o manuseio de objetos sagrados,

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também chamados de sacramentais, onde se destacam as heresias dos quais o cotidiano do colono se revela em suas nuanças próprias,
que envolvem o crucifixo ou objetos litúrgicos usados na Missa. possibilitando perceber valores que emergem nas particularidades das
Desta forma, temos a seguinte proporção: circunstâncias apresentadas à mesa do Santo Ofício.

2.2 Análise dos casos

2.2.1 O vômito do monstro


No livro do Apocalipse, a blasfêmia é a besta arrogante, o monstro
disforme cujo vômito em todos os instantes se volta à ofensa contra
Deus. Arrebatado, afirma o apóstolo João: “a fera abriu a boca em
blasfêmia contra Deus, para insultar o seu nome”65.
Tanto nas Sagradas Escrituras quanto no imaginário luso-brasileiro,
o monstro blasfemador deveria ser vencido. Não obstante, ou pelo
Dentre estes cinco casos, temos três denunciações e duas poder eclesiástico ou pelo poder laico, não seria aceitável deixar
apresentações e confissões, configurando um total de 60% de impune tamanha heresia, assim como Deus não deixara, exterminando
acusações em relação aos 40% de apresentações e confissões, no final dos tempos Satanás66 com um sopro poderoso67.
conforme nos consta: Nos relatos das confissões e denunciações na Terceira Visitação,
as blasfêmias eram na grande maioria cometidas em atos de cólera ou
de desilusão. Contudo, remetiam a uma simbologia que perpassava os
simples questionamentos ou desabafos, para uma fonte de significados
que, além de conotar a fé e seus deslizes, também possibilita a
compreensão do colono em seu momento de fraqueza, dando brechas
de entendimento da personalidade e subjetividade comum ao seu
tempo.
Assim se deu com padre Miguel Angelo de Morais, de 67 anos,
sacerdote do hábito de São Pedro e cura da Freguesia de Nossa
Com 22% do total dos casos, as blasfêmias orais denunciadas Senhora do Rosário. Morais dirigiu-se a Giraldo Joze de Abranches
(60%) e confessadas (40%) constituem uma fonte de significados para denunciar o primeiro caso de blasfêmia encontrado nas atas de

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denunciações, registrado aos 10 dias do mês de outubro de 1763. num contexto onde a crença na infalibilidade já existia, contudo, só
O denunciado era o Sargento Mor Engenheiro, conhecido como formalmente oficializada no Concílio Vaticano I no século XIX.
Gronfelt, que blasfemou por construir uma interpretação teológica e Desde o século XII, a canonização passou a ser proclamada pelo
dogmática de forma depreciativa, afirmando: Papa de forma oficial para culto e veneração. No século XVI, após o
Que Deos parecia iniquoo; porque Sabendo que huma alma Se Concílio de Trento, surgiu a exigência da comprovação científica dos
havia peder a errava neste mundo E que aSim o Sentiaõ e diziaõ milagres como forma de garantir ainda mais a fidedignidade do santo.
Os Luteranos que pareciaõ tinhaõ razão dando Outras Muntas68.
Justamente por isso, a blasfêmia feria não somente ao plano
Padre Miguel, diante de tamanha heresia, afirma em sua espiritual com suas audaciosas afirmações, mas atingia diretamente
denunciação que exortou severamente Gronfelt acerca de seu nefando também, ao dar razão aos luteranos, a Igreja institucional e o Império,
erro, contudo, relata que o Engenheiro continuava a blasfemar. também chamados de “corpo de Cristo”.
Ao proferir sua provocante afirmação chamando Deus de iníquo, Mais umas vez repreendido, o blasfemador não demonstrou
o denunciado, além de contrapor-se à onisciência de Deus, também arrependimento, e por isso, não escapou dos olhares inquisidores, já
feria diretamente uma verdade de fé, o livre arbítrio, defendido por que seus atos eram inaceitáveis à Igreja setecentista.
vários expoentes da doutrina católica como forma de interpretação da A Igreja do século XVIII era marcadamente caracterizada pela sua
economia da salvação desde Adão e Eva. forte união com o Estado, ainda mais quando os motivacionais cristãos
Já dizia Santo Irineu, no século II, que “o homem é dotado de no Brasil embasaram-se na “(...) evangelização antes por razões de
razão e por isso é semelhante a Deus: foi criado livre e senhor de Estado do que pelas da Alma”71.
seus atos” . Logo, a Igreja entendia que Deus não interferia nos atos
69 Logo, o intuito de preservar a imagem do Estado era fundamental
humanos de forma direta, e, portanto, negar em pleno século XVIII para Inquisição tanto quando a preservação da fé, por isso, quando
esta realidade, era desconsiderar dezesseis séculos de uma verdade Deus era chamado “injusto ou iníquo”, na realidade, era ao rei um
de fé professada. possível insulto ou irreverência.
Passados aproximadamente dois meses, o padre novamente Pieroni acerca da relação da blasfêmia com os poderios laico e
se defronta com o Sargento tecendo heresias, desta vez ferindo a secular, afirma que :
crença e veneração dos santos e suas imagens, dizendo publicamente
Os esforços das autoridades reais na repressão da blasfêmia
que: “Muntos Santos Cujas Imagens Estaõ nos Altares Estaõ ardendo encontram-se justificado pela teoria do direito divino. A blasfêmia é
suas almas nos infernos”70. considerada atentatória à Majestade Divina e a seu representante
no Reino; o rei é o emissário de Deus no território onde reina e,
Mais uma vez padre Miguel repreende o blasfemador
portanto, deve cuidar para que Deus não seja insultado. Nesse
afirmando que o Papa não erra em seus pronunciamentos e decretos, sentido, injuriar a Deus é injuriar o próprio rei72.

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É visando esta vertente interpretativa cujos desdobramentos de Deos Nosso Senhor Castigaua a alguns por huma culpa So E naõ
Castigaua a Outras que tinhaõ innumeraveis Culpas E alguns
fé poderiam inferir na coroa e vice e versa que as Ordenações tratam
destes por hum acto de contriçaõ que fariaõ na hora de Sua morte
de modo rigoroso qualquer desacato ao poder. No título VII do Livro V, de Salvaçaõ, e que alguns dos Outros tendo ouvido bem huma
Dos que dizem mal de-Rey, existe inclusive a inferência de que a pena culpa So Se perdiaõ .

diante de tal desacato poderia resultar em morte, “tendo as palavras Poder e justiça, duas palavras subentendidas na confissão e que
taes qualidades, porque a mereça”73. ecoavam pelos ouvidos dos visitadores com gravidades simbólicas
Sob este viés, o caso do padre Miguel Angelo de Morais ganha que dificilmente não seriam observadas e punidas caso não houvesse
um sentido próprio numa perspectiva temporal e presente ao campo contrição.
político, com nuanças complementares acerca da blasfêmia presenciada Do ponto de vista teologal, São Tomás de Aquino, um dos grandes
e posta em julgamento. nomes que fundamentava a compreensão da Igreja do século XVIII,
A partir desta mesma perspectiva de análise é que a confissão de acerca desta questão dizia que “em Deus o poder e a essência (...), a
Dionisio de Affonseca, enxertado em húmus diversos, se constitui uma sabedoria e a justiça são uma coisa só e mesma coisa”76, logo, poder
afronta aos poderios régio e sagrado, apesar de apresentar-se de forma e justiça estavam intrínsecos a própria essência de Deus, e negar tais
branda aos olhos desatentos, mas não aos inquisidores. valores, era negar a própria ontologia sagrada.
O jovem de 26 anos, clérigo e capelão Tonsurado, aos sete dias de Neste ínterim, outro agravante pesava sobre a mesa da Inquisição,
abril de 1764, na cidade do Pará, dirigiu-se ao tribunal para confessar sua pois, atribuir ao rei ausência de poder ou justiça, configurava num
blasfêmia proferida em um ato de desconsolo perante sua enfermidade. crime gravíssimo de julgamento exclusivo, pois, “o que disser mal de
Encontrando-se na casa de sua tia Escolastica de Souza, oprimido seu Rey, não será julgado per outro Juiz, senão por elle mesmo”77.
de uma grave doença que perdurava há um ano, sofrendo além da febre, Desta forma, tanto no plano espiritual quanto no plano material,
fortes dores no corpo, blasfemou diante de sua tia e de duas irmãs, o pecado e o crime deveriam ser tratados com o rigor que imprimisse
quando disse: seriedade ao julgamento, a fim de guiar o rebanho de Cristo aos retos
Que os diabos o leuasem ja para os infernos = porque janaõ Esperaua caminhos78.
Saude, E que Deos o Sepultase tambem nos infernos porque
A língua impura que se desviava do aprisco e que atacava
desesperou da Sua Mizericordia, pois estando daquella Sorte de Nada
Seruia Neste Mundo, aranhando se pela cabeça E puxando se pellos veemente a Deus e sua Igreja, também poderia ser agravada por ações
proprios Cabelos74. que moviam a blasfêmia, ou seja, a atos blasfêmicos que aumentavam
E disse que não muito distante disso, ainda na casa de sua tia, o teor da heresia.
conversando com Francisco da Costa Barboza, com suas tias e outras É por isso que no Dicionário dos inquisidores, de forma muito
pessoas que ali se encontravam, reparava que: didática existe a seguinte instrução:

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E aqueles que blasfemam por ações? Aqueles que jogam pedras naõ tinha Cometido Somente quando Se Celebraua o Santo Sacrificio
ou excrementos na figura do Nosso Senhor Jesus Cristo, ou
da Missa”83.
sobre a cruz, ou sobre a Virgem Maria, ou sobre qualquer santo,
com quais penas serão punidos? Os canonistas explicavam-se a Admoestado por praticas pecaminosas a partir dos escritos de
esse propósito. Um fulano joga uma pedra ao acaso. Por acaso, São Paulo, Joze chamou-o de bêbado. Além do mais, não rezava os
a pedra atinge a imagem de Cristo. Não há crime de lesa-
majestade. Ao contrário, há crime de lesa-majestade se a pedra terços comuns da noite e nunca foi visto rezando qualquer oração,
for deliberadamente lançada para tocar a imagem e se ela tocá-la, sempre rindo e debochando das manifestações de fé dos demais
efetivamente. Aquele que age assim deve ser punido por crime de
encarcerados.
lesa-majestade e deve morrer (...) pois isso é um ato irreverente .
Não menos blasfêmico, era seu deboche com a Santa Eucaristia,
Blasfemar por ação, ferir objetos de representação religiosa uma vez que ele depois da comunhão retirava da boca partículas da
ou ainda, desrespeitar a Eucaristia, eram os crimes cometidos e hóstia e colocava no cano de “huma Espingarda como fim de que
denunciados a mesa inquisitorial no dia 26 de agosto de 1765, na Levasem os diabos a Hostia”84.
cidade do Belém do Pará, pelo denunciante encarcerado Luis de Souza O veemente ódio do português blasfemador parece provir de uma
Sylva, residente do presídio da Freguesia de Santo Antonio da Villa de revolta acerca da legislação e da religião, já que residia no Brasil e aqui
Campo Mayor do Morumbi, sem ofício, e de idade de 28 anos. se encontrava encarcerado, e daí, emergem uma série de possibilidades
Seis meses depois de sua prisão, Luis afirma que um outro detento, interpretativas das quais só podemos conjecturar.
Francisco Joze, alfaiate natural do Reino era um constante blasfemador Aventando através de uma leitura de Mikhail Bakhtin, podemos
e herético, e que o mesmo testemunharam vários outros detentos. analisar o caso do Francisco Joze a partir do universo popular, como
Dizia Francisco Joze que “(...) naõ há Deos, E que o Deos que ha possibilidade de uma valorização do sagrado, e não de sua violação. Neste
o piza debaxo dos pes.”80. Por várias vezes, ainda, quando recebiam a sentido, transcende-se a visão dualista apresentada por Eliade85, quando
visita do Santíssimo Sacramento, enquanto os outros presos todos se trata do Sagrado e do Profano como instâncias distintas e contraditórias.
punham de joelhos, o dito Joze virava-se de costas, prostrado em pé Para o teórico russo, a orientação para baixo é própria de todas
dando chutes no chão de ódio e dizendo “Caõ perro”81. as formas de alegria popular e do realismo grotesco. “Tudo o que está
Além disso, denunciava ainda Luis, que Francisco dizia acabado, quase eterno, limitado e arcaico precipita-se para o ‘baixo’
constantemente não ser ele filho de Deus, mas “Como diabo, que terrestre e corporal para aí morrer e renascer”86.
Com Deos porque Deos Naõ tinha poder algum E Somente o tinha A associação coprófila em relação às negações bruscas do
o diabo”82, não assistindo nem a Missa, ficando de costas quando o blasfemador neste sentido aponta para um positivo renegador,
sacerdote celebrava diante da cadeia, rindo em voz alta ou em outras residindo uma ambivalência de desprezo, contudo, pressupondo um
vezes “Comettendo o abominauel pecado da malicia, o qual pecado universo religioso imprescindível ao cristão ibérico.

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Francisco Joze, neste sentido, apesar de atacar e blasfemar A invocação ao demônio era considerada numa hierarquia de
com atos e com palavras atentando contra Deus e sua Igreja nos valores de gravidade herética, como um dos piores crimes possíveis de
sacramentos, sacramentais e nos santos, e pego pela inquisição, é serem cometidos, já que a figura do diabo, anjo que se rebelou contra
uma possibilidade de compreensão da inversão dos valores cristãos, Deus, era exaltada.
sem, contudo, deixá-los de lado. No século XV, Eymerich, Francisco Peña, em O manual dos
Mesmo os cristãos fervorosos estavam suscetíveis ao cometimento inquisidores, citado por Pieroni90, ao tratarem deste grau de blasfêmia,
de um crime blasfêmico, ainda mais quando expostos a situações que constavam que se a blasfêmia for grave e frequente, seja amordaçado
motivassem a tal deslize. Os inquisidores eram conscientes disto, e seu autor, colocada nele a mitra da difamação, a famosa carocha, e, nu
justamente por causa desta realidade, afirmavam que : “(...) o blasfemador até a cintura seja publicamente flagelado.
sabe a que fúrias o conduz o jogo ou outra coisa, e que impropérios A figura do diabo era recorrente do imaginário do povo europeu,
heréticos vomita. Que se vigie, se quiser evitar a justiça inquisitorial”87. propagado nas missões em terras tropicais, e fortemente presente no
Vigilância provavelmente não foi o que aconteceu aos nove dias do vocabulário blasfêmico. Segundo o que nos consta Trevor Roper,
mês de março de 1765, com Ignacio Peres Pereyra XV, Sargento Supra Os povos primitivos da Europa – como de outros continentes –
de Gradeyros da Companhia de que foi Capitão Aniceto Francisco de tinham conhecimento de encantamentos e feitiços, e a noção de
vôo noturno “com Diana ou Heródias” perdurou nos primeiros
Carualho, de 27 anos de idade.
séculos cristãos, mas a substância essencial da nova demonologia –
Em um jogo de cartas, acompanhado de Jose Luis, lisboeta, o pacto com Satã, o sabbat das feiticeiras, o intercurso carnal com
soldado da Companhia do Capitão Jose Antonio Salgado, de 22 anos, os demônios etc. – e a estrutura hierárquica e sistemática do reino
do Diabo constituem produto autônomo do final da IdadeMédia
Ignacio, ao perder o jogo disse que lhe parecia não havia inferno nem [...]. Uma vez deslanchada, esta mitologia ganhou ímpeto próprio.
demônios “(...) porquanto tendo por dez, ou doze vezes interiomente Estabeleceu-se como folclore, gerando suas próprias evidências, e
atuando muito além de seu lugar de origem91.
dezzejado que o demonio o ajuda-se para ganhar invocando o no Seo
mesmo interior”88. Recorrendo a satanás enquanto um personagem mítico, dotado
Jose Luis, percebendo a invocação de Ignacio, confessou a ele de destreza para ajudá-lo no jogo e, posteriormente, demonstrando
no instante do jogo que também invocava Satanás da mesma forma, contrição apresentando-se a mesa inquisitorial, Ignacio Peres Pereyra
e que mais, desejava encontrar-se com o Demônio, falar com ele, XV negociou com os dois representantes maiores da pedagogia
aparecendo-lhe visualmente, e porque tal desejo nunca fora atendido, utilizada pelo Estado/Igreja, para controle de seus subordinados, o
concluíram que não existia nem demônio, nem inferno, já que “Sem Diabo e a Inquisição92.
duuida que lhe hauiaõ de apparecer, ou que Ao menos lhe hauiaõ fallar A implantação destes valores, transcendidos dos seus locais
inuisiuel mente”89. de origem, ganhava sentido na medida em que o cristianismo era

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propagado. Trilhando os mesmos caminhos reservados até então remete diretamente a Virgem Maria era um crime que constava
aos brancos, os negros cristianizados assumiam crenças européias no livro V, título II das Ordenações Filipinas, configurando uma
segundo a sua visão de mundo. No reino do Congo, desde o século heresia média, mas, como a audaz ofensa de Rosaura se estendeu
XVI, conforme nos consta Selma Pantoja , esse processo acontecia
93
até a Santíssima Trindade, seu crime era inegável e sua blasfêmia
de forma notável. era gravíssima.
Enviados ao Brasil, muitos escravos africanos participaram da Constou João Vidal que repreendeu severamente Rosaura,
mesa inquisitorial, não somente como denunciados, mas muitas mas a mesma não se importou, e disse mais, lamentando-se “Não
vezes como denunciantes, acusando hereges por desobedecerem ter ahi huma imagem do Senhor Crucificado que tinha Em Sua
aos ensinamentos da Mater Eclesia. caza para atirar Com ella Ao meio da Rua pêra que todos Uissem
Assim se deu aos quinze dias do mês de outubro de 1763, na aquele desacato“ 96.
cidade do Pará, na denunciação de João Vidal de Sam Joze, de 30 Desde o Concílio Ecumênico de Nicéia II, no ano de 787, a
anos, nascido no Congo e de ofício de sangrador. Igreja trata de forma rigorosa o respeito e a veneração à imagem
Segundo Elizabeth Belmas 94, a blasfêmia é a própria do sexo religiosa como uma forma de indicação direta a pessoa que ela
masculino, considerada como resultante de uma manifestação de representa, e neste caso, ao próprio Filho de Deus em sua entrega
energia e virilidade. Justamente por isso, é decorrente encontramos máxima na cruz.
nas denunciações e confissões, homens blasfemadores, contudo, Rosaura e suas amigas blasfemadoras atingiam diretamente
na denúncia de João Vidal, são as mulheres quem cometem a a forte representação religiosa da qual comungavam, com gestos
torpeza do pecado blasfêmico. repletos de simbolismo, renegando a fé de forma pública, e por
O grupo de mulheres denunciadas era formado por: Constança isso, fitadas pelos olhares dos inquisidores.
Maria, Joanna Mendes, sua cunhada Azeitona, Raimunda Assim, dentre os aspectos analisados, a fé era renegada pela
Mameluca e uma vizinha chamada Rosaura. blasfêmia do colono pelos diversos motivos elencados, levando em
Na sua denunciação, Vidal afirma que Rosaura atirou o Rosário consideração não somente o contexto político, mas, sobretudo, o
que tinha em seu pescoço, rompendo o cordão e jogando ao chão contexto religioso que permeava a compreensão de mundo que
as contas, pisoteando-as e blasfemando dizendo que: “renegaua tinham. Contritos e arrependidos em confissões e apresentações
da SantiSima Trindade E da Virgem Maria Nossa Senhora” 95. ou por desencargo de suas consciências em denunciações,
A piedade medieval do Ocidente desenvolveu a oração do registraram-se estes crimes, na provável última e mais longa visita
Rosário como alternativa popular à Oração das Horas e difundiu- do Santo Ofício da Inquisição ao Brasil, mais especificamente ao
se no século XII com São Bernardo. Ofender a um símbolo que Estado do Grão-Pará e Maranhão, nos anos de 1763 até 1769.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Em cada um destes casos, foi possível pensar, salvo as devidas
limitações, o colono em seu contexto social e religioso, estabelecendo
Embora não se tratasse do principal objetivo de observância dos vínculos com o pensamento teológico e cultural, em crimes que
inquisidores na Visitação do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará e afetavam não somente a Igreja enquanto Instituição, mas a harmonia
Maranhão, a blasfêmia, recorrente em várias confissões e denunciações social como um todo.
apresenta-se enquanto uma fonte da qual emergem representações O historiador Jean Delumeau, consciente desta relação, afirma
sociais que nos deram possibilidades de conhecer alguns aspectos dos que o blasfemador “(...) não aparece mais somente como aquele que
colonos do século XVIII. se arrisca a desencadear a cólera divina que toda a comunidade deverá
Segundo Robert Muchembled97, a blasfêmia é parte integrante e suportar. Simboliza também e, sobretudo, aquele que ameaça uma
obrigatória do cristianismo, um componente ativo da cultura religiosa. No harmonia social”104.
Brasil católico setecentista, a blasfêmia foi um “crime” cometido por toda Visando justamente a esta harmonia social, é que os colonos
classe de indivíduos, de clérigos consagrados a escravos cristianizados. buscavam purgar-se de suas consciências, valendo-se da Inquisição
Na análise dos casos blasfêmicos apresentados à mesa inquisitorial, que, conforme afirma Emerych e Peña, na aplicação de seus castigos
entre 1763 e 1769, fez-se necessário estabelecer um recorte metódico, e degredos, tinha como finalidade não salvar necessariamente “(...)
para então tratar de três casos denunciados e dois confessados que a alma do acusado, mas de manter o bem público e de aterrorizar o
envolveram este delito herético verbal especificamente. povo”105, gerindo sua manutenção nas mentalidades enquanto um
Pieroni, citando Jean Chevalier e Alain Gheerbrant no Dictionnaire mecanismo dotado de poder normativo, regido pelos interesses da
des symboles, afirma que a boca “é representada na iconografia Igreja e do Estado.
universal tanto pela gorja do monstro quanto pelos lábios dos anjos”, Talvez seja por isto que, ao término de cada denunciação ou
podendo ser “(...) a porta do Paraíso ou a do Inferno”98, logo, os pecados confissão apresentada ao visitador Abranches, questionava-se acerca
verbais remetiam a uma simbologia que se vinculava diretamente a do objetivo pelo qual levou o colono a dirigir-se à mesa inquisitorial,
salvação ou a eterna danação. e daí, a resultante de uma resposta comum a quase todos os casos,
Assim, temos como agentes desta trama: padre Miguel Angelo de afirmando ser: “para descarregar suas consciências”106.
Morais denunciando Gronfelt99; a confissão de Dionisio de Affonseca, Esta iniciativa vinha de encontro a uma dupla preocupação: a
clérigo e capelão tonsurado100; o encarcerado Luis de Souza Sylva primeira vinculada à idéia de redimir-se do pecado, reajustando-se aos
denunciando Francisco Joze101; a confissão de Ignacio Peres Pereyra padrões sociais ordinários estipulados pela religião, a segunda e não
XV102 e a denunciação de João Vidal de Sam Joze para com um grupo menos importante, é provavelmente provinda do medo de ser pego
de mulheres blasfemadoras103. pela Santa Inquisição, uma vez que o pecado blasfêmico analisado

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 19 | História | 2010


tinha vínculo direto com ofensas públicas a Deus, portanto, o risco mediação da história cultural, cujos métodos permitiram estabelecer
de ser capturado pelos tentáculos inquisitoriais a qualquer instante aproximações com o cotidiano social e religioso do luso-afro-brasileiro
gerava um clima de medo e desconfiança na maioria dos cidadãos. do século XVIII.
Na nossa amostra dos casos de blasfêmias tratados nesta
monografia, provavelmente existiram estes dois agravantes
motivacionais, e a partir deles, cada um desenvolveu-se em suas
particularidades, em uma sociedade que, conforme afirma Pieroni,
“está saturada do sagrado, o crente trata espontaneamente Deus e a
corte celeste com grande familiaridade”107.
Uma religião herdada pela colonização, e vivenciada exaustivamente
pelos colonos como constituinte de um horizonte de compreensão, sem
dúvidas seria alvo de constantes ataques, mesmo havendo o medo
pela repressão e correção, agravado pela projeção do reino celeste
ao reino terreno, quando as irreverências a Deus estendiam-se ao
próprio Rei, conotando um aspecto jurídico e criminal, em uma mesma
instância ao religioso.
Devido à complexidade atrelada ao pecado da blasfêmia e ao seu
estudo, que envolve um entendimento teológico, jurídico e cultural,
Jean Delumeau afirma que “o historiador das mentalidades deve utilizar
este revelador. Daí o interesse deste caso”108. Para tanto, procurei ir
além das mentalidades adentrando nas representações para poder
melhor enxergar o significado simbólico das palavras e dos gestos.
Enfim, blasfêmias e irreverências no Brasil setecentista, a partir da
análise dos casos de confissões e denunciações na Terceira Visitação
do Santo Ofício ao Estado do Grão-Pará e Maranhão, constituíram
um estudo em vista a uma abordagem histórico-cultural, acerca dos
gestos, comportamentos, experiências que não podem ser analisados
simplesmente do ponto de vista religioso e dogmático, mas pela

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 20 | História | 2010


Notas de Rodapé
1
NAZÁRIO, Luiz. Julgamento em Chamas – Autos de fé como espetáculos de massa. In. NOVINSKY, Anita. Inquisição : ensaios sobre
mentalidades, heresias e arte. São Paulo : Edusp, 1987, p. 537.
2
DICIONÁRIO DOS INQUISIDORES (Valência, 1494), direção de Louis Sala-Molins, Paris, Galilée, 1981, p. 284.
3
SAMPAIO, Teodoro. História da fundação da cidade do Salvador. Bahia : Tipografia Beniditina Ltda, 1949, p.210.
4
A Patrística, situada entre os séculos I e VIII, era uma filosofia cristã, representada por grandes nomes como Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino, dentre outros.
5
Cf. DELUMEAU, Jean. Mentalites: Histoire des cultures et dês sociétés. Paris: Èditions Imago, 1989.
6
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.20.
7
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, p. 203.
8
Cf. KANTOROWICZ, Ernert. Os dois corpos do rei: Um estudo sobre a teologia medieval. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 2000.
9
HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira – I. A época colonial. 1. Do descobrimento à expansão territorial. São
Paulo: Bertrand, 1989, p.16.
10
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.86.
11
Cf. WHELING, Arno, WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
12
Idem, p. 37.
13
Idem, p. 37.
14
WHELING, Arno, WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p.38.
15
SOUZA, Laura de Mello e. O Inferno Atlântico: Demonologia e Colonização – Século XVI-XVIII. São Paulo: Companhia das letras, 1993,
p.22.
16
Idem., p.23.
17
LEITE, Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. São Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954, p.05.
18
VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios. São Paulo: Companhia das letras, 1997, p.19.
19
DELUMEAU, Jean. Un Chemin d’Histoire, Chrétienté et Christianisation. In. THOMAS, Keith. Religião e Declínio da Magia. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991, edição inglesa de 1971, p.67.
20
BOXER, Charles, O império colonial português. Lisboa: Edições 70, 1981, p.101.
21
VAINFAS, Ronaldo. Estudos históricos. Rio de Janeiro: Companhia das letras, 1988, p.173.
22
_____. A heresia dos índios. São Paulo: Companhia das letras, 1997, p.14.

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23
ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício. Livro 435 - Inquisição de Lisboa, 1540-1778.
24
ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício. Livro 433 - Inquisição de Coimbra, 1567-1781.
25
ANTT, Conselho Geral do Santo Ofício. Livro 434 - Inquisição de Évora, 1542-1763.
26
A Visitação da Bahia e Pernambuco (1591-1595); da Bahia (1618) e do Estado do Grão Pará (1763-9).
27
SÔNIA, A. Siqueira. A inquisição portuguesa e a sociedade colonial, São Paulo: Editora Ática, 1978, p. 227.
28
SÔNIA, A. Siqueira. A inquisição portuguesa e a sociedade colonial, São Paulo: Editora Ática, 1978, p. 227.
29
DELUMEAU, Jean. Mentalites: Histoire des cultures et des sociétés. Paris: Editions Imago, 1989, p.09.
30
Idem., p.09.
31
Idem., p.11.
32
CHARTIER, Roger. A beira da falésia. A história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2002, p.72.
33
CHARTIER, Roger. A beira da falésia. A história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2002, p.74.
34
Traduz-se como: sopro que vem do interior.
35
Bíblia Sagrada, Jô 1,14.
36
Sto. Agostinho, Conf. I, 1,1. In. Catecismo da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p.22.
37
Bíblia Sagrada. Lc. 6,45.
38
Sto. Tomás de Aquino. S. Th., I-II, 88,2, In. Catecismo da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 497.
39
Bíblia Sagrada. Mt. 12,32.
40
DIDIEU, Jean-Pierre. Le modele religieux: les disciplines Du langage et de l’action. In. BENNASSAR, Bartolomeo. L’Inquisition espagnole,
France: Hachettep, 1996, p. 242.
41
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do reino. São Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000, p. 205.
42
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do reino. São Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000, p.205.
43
Idem., p.206.
44
Cf. QUINTÃO, Antonia Aparecida. Lá vem o meu parente: as irmandades de pretos e pardos no Rio de Janeiro e em Pernambuco (século XVIII).
São Paulo: FAPESP, 2002.
45
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos. A administração no Brasil Colônia. São Paulo: Ed. Nova Fronteira, 1992, p. 116.
46
LISBOA, AHU, BA, Cód. 253 (1704-1724), f. 249, 22/9/1721.
47
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em 1707, foram feitas e ordenadas por Dom Sebastião Monteiro da Vide, bispo do dito
arcebispado e do conselho de sua majestade, impressa em Lisboa no ano de 1719 e em Coimbra, em 1720, com todas as licenças necessárias,

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de conteúdo teológico e pastoral que tinham como objetivo responder aos anseios da fé colonial.
48
PIERONI, Geraldo. Revista do Centro de memória do Judiciário, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, volume 1, números 1 e 2, 2001,
p.02.
49
LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas-Livro V, São Paulo: Companhia das letras, 1999, p.149.
50
Idem., p. 150.
51
LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas-Livro V, São Paulo: Companhia das letras, 1999, p. 150.
52
Idem., p.150.
53
Idem., p.151.
54
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.115.
55
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.116.
56
Cf. SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986, p.140.
57
DOMINGUES, Evandro. Resumos expandidos do Simpósio Temático 29 / XXIII SNH, 2001.
58
Cf. CARVALHO, Laerte Ramos de. As Reformas Pombalinas da Instrução Pública. São Paulo: Saraiva: Ed. Universidade de São Paulo, 1978.
59
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978, p.
117.
60
Idem., p.117.
61
Idem., p.118.
62
Idem., p.119.
63
Idem., p.125.
64
Cf. VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios. São Paulo: Companhia das letras, 1997.
65
Bíblia Sagrada. Ap. 13, 6-7.
66
Bíblia Sagrada. IITes 2,8.
67
Conferir simbologia do sopro na página 16.
68
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.145.
69
Sto. Irineu, Adv. Haer., 4,4,3. In. Catecismo da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 472.

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70
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.145.
71
SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. p.88.
72
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. Editora Universidade de Brasília: São Paulo, 2000. p. 209.
73
LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas-Livro V, São Paulo: Companhia das letras, 1999, p. 192.
74
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.199.
75
Idem., p. 199.
76
Sto. Tomas de Aquino, S. Th. I,25,5, ad 1. In. Catecismo da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 81.
77
LARA, Silvia Hunold. Ordenações Filipinas-Livro V, São Paulo: Companhia das letras, 1999, p.184.
78
Cf. Bíblia Sagrada. Jo. 10.
79
MOLINS, Louis Sala. Le dictionnaiere des inquisiteurs,Galilée: Débats, 1981. p.113.
80
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.233.
81
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.233.
82
Idem., p.234.
83
Idem., p.234.
84
Idem., p.234.
85
Cf. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
86
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais. São Paulo: Ed. Hucitec, 1987,
p.325.
87
MOLINS, Louis Sala. Le dictionnaiere des inquisiteurs,Galilée: Débats, 1981. p.65.
88
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978, p.
230.
89
Idem., p. 231.
90
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do Reino. Editora Universidade de Brasília: São Paulo, 2000. p. 209.

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 24 | História | 2010


91
TREVOR, Roper. A fobia às bruxas na Europa - Religião e Sociedade, 12/2. Rio de Janeiro: Campus, 1985, p. 33.
92
Cf. SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
93
Cf. PANTOJA, Selma. Revista Lusófona de Ciência das Religiões – Ano III, 2004 / n.º 5/6 – pp.117-136.
94
MUCHEMBLED, Robert (org). Mentalites – Histoire des cultures et des sociétés – Injures et blasphemes. France: Éditions Imago, 1989,
p.21.
95
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.163.
96
Idem., p.163.
97
MUCHEMBLED, Robert, L’invention de l’homme moderne, Paris : Èditions Imago, 1988, p. 76.
98
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do reino. São Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000, p.213.
99
LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará 1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978,
p.144.
100
Idem., p.198.
101
Idem., p.233.
102
Idem., p.229.
103
Idem., p.162.
104
DELUMEAU, Jean. Un Chemin d’HIstoire, Paris: Foyard, 1981, p. 42.
105
NAZÁRIO, Luiz. Julgamento em Chamas – Autos de fé como espetáculos de massa. In. NOVINSKY, Anita. Inquisição : ensaios sobre
mentalidades, heresias e arte. São Paulo : Edusp, 1987, p.528.
106
Presente a cada finalização de processos. Cf. LAPA, J.R. Amaral. Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição ao Estado do Grão-Pará
1763-69. São Paulo: Editora Vozes, 1978.
107
PIERONI, Geraldo. Os excluídos do reino. São Paulo: Imprensa oficial do Estado, 2000, p.222.
108
DELUMEAU, Jean. Mentalites: Histoire des cultures et des sociétés. Paris: Editions Imago, 1989, p.11.

Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná 25 | História | 2010

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