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O TEXTO DRAMÁTICO NA LITERATURA

BRASILEIRA

Dois perdidos
numa noite suja
Plínio Marcos

Profesora Dra Alcione Santos


Acadêmicas: Annalies Padron Chiappetta
Maribele dos Santos
PLÍNIO MARCOS
1935 - 1999

ESCRITOR
ATOR
TEATRÓLOGO
BRASILEIRO

Melhores obras: “Barrela” (1958),


“Dois Perdidos Numa Noite Suja”
(1966), “Navalha na Carne” (1967),
“Quando as Máquinas Param” (1972), e
“Madame Blavatsky” (1985).
Inspirado no conto "O Terror de Roma", de

DOIS
Alberto Moravia, "Dois Perdidos Numa
Noite Suja" tem sua primeira montagem no

PERDIDOS Bar Ponto de Encontro da Galeria


Metrópole, em São Paulo. Num quarto de

NUMA pensão, dois homens, Tonho e Paco,


conversam sobre a dura sobrevivência. Aos

NOITE poucos, o diálogo adquire contornos


grotescos e violentos, até culminar no
SUJA assassinato de Paco por Tonho. A peça, que
marca a estreia profissional de Plínio
Marcos, logo ganha o palco do Teatro de
Arena e, no ano seguinte, sob a direção de
Fauzi Arap, vai para o Rio de Janeiro, onde
encontra um grande sucesso.
CONTEXTO ● A contracultura é um movimento que tem seu auge na década de
HISTÓRICO 60, quando teve lugar um estilo de mobilização e contestação social e
com ele novos meios de comunicação em massa.

● Com o vultoso crescimento dos meios de comunicação, a difusão


de normas, valores, gostos e padrões de comportamento se
libertavam das amarras tradicionais e locais – como a religiosa e a
familiar –ganhando uma dimensão mais universal e aproximando a
juventude de todo o globo, de uma maior integração cultural e
humana.

● Governo de Ditadura Militar de Castello Branco. No plano


econômico, o governo de Castello Branco ficou marcado por uma
política de austeridade que tinha como objetivo primordial o
controle e a redução da inflação no Brasil, além do combate ao
endividamento público.
PERSONAGENS

TONHO
PACO
ALGUMAS CENAS

Alex Lanutti e Dom Capellari em cena na montagem de "Dois perdidos


em uma noite suja" da ocupação Noite Suja, no Teatro de Arena Eugênio
Kuznet
TRECHOS
ATO I
Cenário: Primeiro Quadro
Um quarto de hospedaria de TONHO - Ei! Pára de tocar
última categoria, onde se veem (Paco está deitado em uma das essa droga.
duas camas bem velhas, camas. Toca muito mal uma gaita. (Paco finge que não ouve)
caixotes improvisando De vez em quando para de tocar, TONHO – (Gritando). Não
cadeiras, roupas espalhadas, olha para seus pés, que estão escutou o que eu disse?
etc.; calçados com um lindo par de Pára com essa zoeira!
Nas paredes estão colados sapatos, completamente em (Paco continua a tocar)
recortes, fotografias de time de desacordo com sua roupa. Com a TONHO – É surdo,
futebol e de mulheres nuas. manga do paletó, limpa os sapatos. desgraçado?
Paco está tocando, entra Tonho, que (Tonho vai até Paco e o
não dá bola para Paco. Vai direto sacode pelos ombros)
para sua cama, senta-se nela e, com PACO – (Calmo.) Oi, você
as mãos, a examina ) está aí?
TONHO – Estou aqui para dormir. PACO – Então para de berrar e dorme.
PACO – E daí? Quer que eu toque uma canção de ninar? TONHO – Está bem. Mas não se meta a fazer barulho.
TONHO – Quero que você não faça barulho. (Tonho volta para sua cama, Paco recomeça a tocar.)
PACO – Puxa! Por quê? (....)
TONHO – Porque eu quero dormir. TONHO – Então toma. (Tonho joga a gaita na cama de Paco.)
PACO – Ainda é cedo. Se tocar, já sabe. Pego outra vez e quebro.
TONHO – Mas eu já quero dormir. (Paco limpa a gaita e a guarda. Olha o sapato, limpa com a
PACO – E eu, tocar. manga
TONHO – Eu paguei pra dormir. do paletó.)
PACO – Mas não vai conseguir. PACO – Você arranhou meu sapato. (Molha o dedo na boca e
TONHO – Quem disse que não? passa no sapato.) Meu pisante é legal pra chuchu. (Examina o
PACO – As pulgas. Essa estrebaria está assim de pulgas. sapato.) Você não acha bacana?
TONHO – Disso eu sei. Agora quero que você não me TONHO – Onde você roubou?
perturbe. PACO – Roubou o quê?
PACO – Poxa! Mas o que você quer?
TONHO – Só quero dormir.
TTONHO – O sapato. TONHO – Por que alguém ia dar um
PACO - Não roubei. sapato bonito desses para uma besta
TONHO – Não mente. como você?
PACO – Não sou ladrão. PACO – Ah, você também acha meu
TONHO – Você não me engana. sapato legal?
PACO – Nunca roubei nada. TONHO – Acho. E daí?
TONHO – Pensa que sou bobo? PACO – Já morei.
PACO – Você está enganado comigo. TONHO - O que?
PACO – (Bem nervoso) Eu não roubei! Eu PACO – Toda sua bronca.
não roubei! Eu não roubei! (Começa a TONHO – Que ronca, seu?
chorar.) Não roubei nada! Juro! Juro! Que PACO – Você bota olho gordo no meu
não roubei! Juro! pisante.
TONHO – (Gritando) Pára com isso! TONHO – Você é louco.
PACO – Eu não roubei! PACO – Louco nada. Agora eu sei porque
TONHO – Está bem! Está bem! Mas fecha você sempre invoca comigo.
esse berreiro. TONHO – Você é uma besta.
(Paco para de chorar e começa a rir.) PACO – Você tem um sapato velho, todo
jogado fora, e inveja o meu, bacana paca.
TONHO – Eu, não.
PACO – Invejoso.
TONHO – Cala essa boca.
Segundo Quadro

(Paco está deitado, entra Tonho. Paco TONHO – Você é muito valente. Mas por
para de tocar.) que parou quando eu cheguei? Ficou com
TONHO – Pode continuar tocando. medo?
PACO – Eu toco quando eu quero. PACO – Eu ter medo de homem? No dia
TONHO – Pensei que tinha parado por que eu tiver medo de homem, não uso
minha causa. mais cala com braguilha, nem saio mais
PACO - Paro só quando eu quero, na rua.
ninguém manda em mim.
TONHO – Esqueceu de ontem? TONHO – Então por que parou quando
PACO – Eu não esqueço nada. eu cheguei?
TONHO – Então deveria saber que, a PACO – Eu quero te dar um aviso.
hora que me encher, eu faço você parar TONHO – Dar um aviso pra mim?
na marra. PACO – Não para sua avó.
PACO – Não pense que todo dia é dia TONHO – O que é que você quer me
santo. Ontem foi ontem. avisar?
TONHO – E hoje é a mesma coisa. PACO – O que o negrão mandou te
PACO – Se eu quiser, eu toco. Você não avisar, poxa.
faz nada. TONHO – Que negrão?
PACO – Que negrão! Aquele lá do Terceiro Quadro
mercado.
TONHO – Como vou saber quem é? Lá (Tonho está deitado, Paco vai entrando. Senta-se na
tem muitos negrões. cama, fica olhando fixo para Tonho. Só depois de
PACO – Esse você manja. É um que usa muito tempo é que fala)
gorrinho de meia de mulher para alisar o PACO – Você é um trouxa.
cabelo. TONHO – Você não tem nada que ver com a minha
TONHO – O que ele quer comigo? vida.
PACO – Ele mandou avisar que vai te dar PACO – Afinou como uma bicha. Poxa, que papelão!
tanta porrada, que é até capaz de te TONHO – Papelão, não. Bati um papo com o negrão,
apagar. ficou tudo certo.
TONHO – Mas o que eu fiz pra ele? PACO – Muito bonito para sua cara. O sujeito te
PACO – Sei lá! Só sei que ele disse que cafetina, você ainda paga bebida pra ele. Você é um
você é muito fresco e que ele vai acabar otário. Deu a grana do peixe pro negrão. Quem
com essa frescura. Que você é um cara trabalha pra homem é relógio de ponto ou bicha.
que não aguenta nem um peido e que ele Depois que você se arrancou, ele tirou um bom sarro
vai te ensinar a não se atravessar na vida as tuas costas. Todo mundo mijou de rir.
dos outros. TONHO – O negrão contou que eu dei o dinheiro
TONHO – Quando ele falou isso? pra ele?
PACO – Hoje, no bar, me chamou e disse PACO – Claro! Você é trouxa. E agora todo mundo
tudo. Falou que eu era um cara legal, mas sabe.
que você era o fim da picada. TONHO – Só dei metade. Foi pra evitar briga. Eu
(Pausa.) estudei, não preciso me meter em encrenca.
Quarto Quadro Quinto Quadro
(...)
TONHO – Hoje eu pensei uma coisa. PACO - Deixa de frescura e vamos logo.
PACO – E daí? TONHO - Ainda não sei se vou.
TONHO – Eu sei como você ode PACO - Então resolve logo.
conseguir uma flauta. TONHO - Pode dar azar.
PACO – Por que você não pensa pra PACO - Vamos firme. O negrão e o Carocinho já
você? devem estar lá.
TONHO – Pensei. E como eu posso TONHO - Não tenho nada a ver com eles. Quero que
conseguir o sapato, você ode conseguir a eles se danem.
flauta. PACO - Eu também. E o Carocinho, que se dane
PACO – Como? mais, pra deixar de ser abelhudo.
TONHO - Com dinheiro. TONHO - Está bom. Vamos meter a cara e seja o que
PACO – Poxa, você é bidu paca, Boneca. Deus quiser.
TONHO – Acontece que sei onde tem PACO - Boa, Tonho. Vamos nós.
dinheiro. TONHO - Mas tem um porém. . .
PACO – Eu também sei. No Banco do PACO - Se abre.
Brasil. TONHO - Eu que mando mesmo.
PACO – Então conta pro negrão. PACO - Já falei que topo, poxa.
TONHO – Estou falando sério, paspalho. TONHO - E se você se fizer de besta, te apronto um
(Pausa) chaveco.
PACO - Está bem, seu!
TONHO - Assaltamos os namorados e é só. Eu TONHO - Está bem. Se eu mandar, você dá.
aponto o revólver, eles se apavoram, limpamos o PACO - Se gritarem, levam pau.
cara e damos o pé. TONHO - Só se gritarem, então.
PACO - Mas o revólver está sem bala. Você PACO - Poxa, claro que é! Se ficarem bonzinhos, não
mesmo disse. precisa porrada.
TONHO - Quem vai saber? Só se a gente contar. TONHO - Veja lá o que vai aprontar.
PACO - E se o cara não puser o galho dentro? PACO - Deixa de frescura e vamos logo. (Paco vai
Pode ser um cara de briga e sair no pau. E a sair. Tonho fica sentado.) PACO - Poxa, você vai ficar
mulher pode gritar paca. aí parado?
TONHO - Não grita, não. Vai por mim. (Tonho vacila.)
PACO - Se eles espernearem, dou uma paulada TONHO - Acho que não tem remédio. Vamos nós.
na cabeça do desgraçado. PACO - Positivo! Vamos pras cabeças! (Paco vai sair,
TONHO - Nada disso. Tonho o segura.)
PACO - Se complicar, dou. PACO - Mas que é agora?
TONHO - Só faz o que eu mandar. TONHO - Eu que mando, entendeu? Você só faz o
PACO - Mas, poxa, se a mulher botar a boca no que eu mandar! Entendeu bem? Eu que mando.
trombone?? Quer que todo mundo fragle a gente PACO - Claro, chefe. Você que manda. Mas vamos
com a boca na botija? Dou uma na nuca do cara logo, chefe.
e fim. Calam o bico na hora. (Os dois saem.) ( Pano fecha.)
TONHO - Não precisa nada disso.
PACO - Se se assanharem, precisa.
TONHO - Assaltamos os namorados e é só. Eu TONHO - Está bem. Se eu mandar, você dá.
aponto o revólver, eles se apavoram, limpamos o PACO - Se gritarem, levam pau.
cara e damos o pé. TONHO - Só se gritarem, então.
PACO - Mas o revólver está sem bala. Você PACO - Poxa, claro que é! Se ficarem bonzinhos, não
mesmo disse. precisa porrada.
TONHO - Quem vai saber? Só se a gente contar. TONHO - Veja lá o que vai aprontar.
PACO - E se o cara não puser o galho dentro? PACO - Deixa de frescura e vamos logo. (Paco vai
Pode ser um cara de briga e sair no pau. E a sair. Tonho fica sentado.) PACO - Poxa, você vai ficar
mulher pode gritar paca. aí parado?
TONHO - Não grita, não. Vai por mim. (Tonho vacila.)
PACO - Se eles espernearem, dou uma paulada TONHO - Acho que não tem remédio. Vamos nós.
na cabeça do desgraçado. PACO - Positivo! Vamos pras cabeças! (Paco vai sair,
TONHO - Nada disso. Tonho o segura.)
PACO - Se complicar, dou. PACO - Mas que é agora?
TONHO - Só faz o que eu mandar. TONHO - Eu que mando, entendeu? Você só faz o
PACO - Mas, poxa, se a mulher botar a boca no que eu mandar! Entendeu bem? Eu que mando.
trombone?? Quer que todo mundo fragle a gente PACO - Claro, chefe. Você que manda. Mas vamos
com a boca na botija? Dou uma na nuca do cara logo, chefe.
e fim. Calam o bico na hora. (Os dois saem.) ( Pano fecha.)
TONHO - Não precisa nada disso.
PACO - Se se assanharem, precisa.
ATO II
PPACO - Belo serviço! TONHO - Vai sarar e te entrega.
TONHO - Você é um miserável! PACO - Que nada! Aquele se acabou de vez.
(Pano abre, vão entrando PACO - Não começa a encher o TONHO - Deus queira que não.
Tonho e Paco. O primeiro traz saco. PACO - Poxa, meu! Naquele nem Deus dá
um par de sapatos na mão e, TONHO - Não precisava bater no jeito. Mandei o desgraçado direto pras picas.
nos bolsos, as bugigangas cara. TONHO - E a mulher? Esqueceu da mulher?
roubadas. Está bastante PACO - Bati e pronto. PACO - Que tem ela?
nervoso. Paco traz um porrete TONHO - Agora a polícia vai pegar TONHO - Ela também viu seu focinho.
na mão e está alegre.) no teu pé. PACO - E daí? Eu também vi o dela.
PACO - Os tiras não sabem quem TONHO - Ela te entregou pros tiras.
foi. PACO - Eu quero que ela se dane. Ela não
TONHO - O sujeito que levou a sabe onde eu moro.
porrada sabe. TONHO - Ela descreve o seu tipo e a polícia
PACO - Ele está estarrado. te acha.
PACO - Poxa, tira não é bidu. Não acham
ninguém.
TONHO - Não, é? Quero ver quando eles te
pegarem.
TONHO - Por favor, Paco. Chega! Chega!
PACO - Não me aporrinha, seu! A mulher tinha PACO - Chega, uma ova! Não tenho que aturar sua
cara de fuinha, deve ser uma burrona. De corpo choradeira! Pára de chorar, anda!
ainda quebrava um galho. Mas de cara era um (Tonho se contém. Está lívido. Olha fixamente para
bofe. Não vai descrever ninguém. Paco.)
TONHO - O único sabido é você. PACO - Assim. Bicha tem que obedecer. Não gosto
(...) de choradeira de bicha. Não gosta da sua droga de
TONHO - Pelo amor de Deus, Paco, me deixa vida, se dane! Dá um tiro nos cornos e não enche
em paz! Me deixa em paz! mais o saco dos outros. Quer continuar respirando,
PACO - Ai, ai, como a bicha é nervosa! continua, mas ninguém tem nada com a sua
TONHO - (Nervoso) – Estou te pedindo, Paco. aporrinhação. Precisa de alguma droga? Desaperta de
Pelo amor de Deus, me deixa em paz. arma na mão. Para que serve esse revólver que você
(Chorando) Minha vida é uma merda, eu já não tem aí? Usa essa porcaria! Ou se mata, ou aponta pra
agüento mais. Me esquece. Não quer trocar o cara de algum filho-da-puta, desses que andam por
sapato, não troca. Mas cala essa boca. Será que aí, e toma o que você quiser! Mas eu não quero mais
você não compreende? Eu estudei, posso ser escutar choradeira.
alguma coisa na puta da vida. Estou cansado de (Pausa)
tudo isso. De comer mal, de dormir nessa joça, TONHO - Você tem razão. (pega o revólver e fica
de trabalhar no mercado, de te aturar. Estou olhando fixamente para a arma.) Você nunca mais
farto! Me deixa em paz! (Esconde a cabeça entre vai escutar eu chorar. Nem você, nem ninguém. Pra
as mãos e chora nervosamente.) mim, não tem escolha. O que tem que ser, é.
PACO - Ai, ai, como a Tonha Bichona está (Continua olhando a arma.)
nervosinha. (Pausa)
PACO - Esse revólver não tem bala.
TONHO - Eu sei. Mas é fácil botar uma bala no PACO - Poxa, se você não gosta, mixa a brincadeira e
tambor. (Tira do bolso da calça uma bala e a olha pronto.
fixamente, antes de colocá- la no tambor.) Como TONHO - Você é muito chato, Paco.
vê, Paco, agora não falta nada. (Paco está sentado PACO - Eu juro. Juro por Deus que corto a onda.
na cama, meio assustado.) Juro!
(Pausa) TONHO - Também preciso de um par de sapatos. O
PACO - Que vai fazer? que eu tenho não serve pra mim.
TONHO - Estou pensando. PACO - O meu lhe serve. A gente troca de sapato.
PACO - Você vai se matar? TONHO - Eu não preciso disso, Paco. Basta eu
(Pausa) apontar o berro pra algum cara e ele vira o rabo. É só
PACO - Você vai se matar? eu querer.
(Pausa) PACO - Poxa, Tonho, nós sempre fomos parceiros.
PACO - Vai acabar com você mesmo? Você sempre foi um cara legal. Não vai fazer papelão
TONHO - (Bem pausado) – Vou acabar com comigo agora.
você, Paco. TONHO - Paco, você é um monte de merda, você
PACO - Comigo? Poxa, comigo? Mas eu não te fede. Você é nojento.
fiz nada. PACO - (Forçando o riso) – Você quer me gozar.
TONHO - Você disse que eu era bicha. TONHO - Vou acabar com a sua raça, vagabundo.
PACO - Estava brincando.
TONHO - Pois é. Mas seu brinquedo me enchia
o saco.
PACO -Mas, poxa. . . poxa. . . TONHO - Tira o sapato, vamos.
TONHO - Vou te apagar, canalha. PACO - Meu. . . sapato. . .
PACO - Escuta, Tonho. . . Eu. . . poxa. . . eu. . . TONHO - Passa pra cá.
não te fiz nada. . . (Paco tira o sapato.)
TONHO - Vai se acabar aqui, Paco. TONHO - Agora vamos dividir tudo. Meio a meio.
PACO - Tonho, você não pode me sacanear. . . PACO - Claro. Poxa. . . assim que tem que ser.
Não pode. . . (Tonho vem avançando lentamente TONHO - Tudo pra mim. O brinco pra você. (Tonho
para junto de Paco.) joga o brinco em cima de Paco.)
PACO - Mas, poxa, Tonho. . . Nós sempre fomos TONHO - Acabou sua malandragem. Bota essa droga
amigos. . . na orelha!
TONHO - Quem tem amigo é puta de zona. PACO - Poxa, Tonho. . . Isso é sacanagem.
PACO - Escuta, Tonho. . . TONHO - (Tonho encosta o revólver na testa de
TONHO - Cala a boca. (Pausa) Paco.)
TONHO - Assim. Agora acabou a sua boca- TONHO - Não conversa e faz o que eu mando.
dura. Vamos ver como está a sua malandragem. (Paco põe o brinco.)
Cadê o dinheiro, a caneta, o isqueiro, a cinta, o TONHO - Agora anda pra lá e pra cá. Anda! É surdo,
relógio, o anel, o broche, a pulseira? Anda, quero desgraçado?
tudo. Não escutou? (Paco anda.)
(Paco põe tudo sobre a cama.)
TONHO - Rebola! Rebola, miserável, rebola! TONHO (Frio) – Vou acabar com você. Mas te dou
PACO - Escuta, Tonho. . . Isso não! uma chance. Prefere um tiro nos cornos ou um
TONHO - Rebola! Rebola, filho-da-puta! beliscão? Só que o beliscão vai ser no saco com o
(Paco anda rebolando, está quase chorando.) alicate. E enquanto eu aperto, você vai ter que tocar
TONHO - Bicha! Bicha sem-vergonha! Ria, gaita.
bicha! Ria! (Paco ri, a sua risada mais parece (Pausa)
choro.) TONHO - Anda, escolhe logo. (Paco cai de joelhos.)
TONHO - (Sem rir) – Estou cagando de rir de PACO - Pelo amor de Deus, não faz isso comigo. Pelo
você, bicha louca! amor de Deus. . . Juro. . . Eu juro. . . eu não te encho
(Paco começa a chorar.) mais o saco. . . Nunca mais. . . Pelo amor de Deus,
PACO - Poxa, Tonho, não faz isso comigo. Poxa, deixa eu me arrancar. . . Eu . . . eu juro. . .
Tonho! Pelo amor de Deus! Não faz isso comigo! TONHO - Cala a boca! Você me dá nojo.
TONHO - Cala a boca! (Tonho cospe na cara de Paco.)
PACO - Tonho. . . eu. . . (Tonho encosta o revólver na cara de Paco e fuzila.)
TONHO - Fecha o bico. (Pausa) TONHO - Se acabou, malandro. Se apagou. Foi pras
TONHO - Cadê o alicate? (Paco treme.) picas.
TONHO - Dá o alicate! (Paco vai caindo devagar. Tonho fica algum tempo
(Paco entrega o alicate.) em silêncio, depois começa a rir e vai pegando as
coisas de Paco.)
TONHO - Por que você não ri agora, paspalho?
Por que não ri? Eu estou estourando de rir! (Toca
a gaita e dança.) Até danço de alegria! Eu sou
mau! Eu sou o Tonho Maluco, o Perigoso! Mau
pacas!

(Pega as bugigangas e sai dançando.) (Pano


fecha.)

FIM
REFERÊNCIAS
●DOIS Perdidos Numa Noite Suja. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura
Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento399237/dois-perdidos-numa-noite-suja.
Acesso em: 04 de novembro de 2021. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

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