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Teatro

Brasileiro

Prof. Leomar Peruzzo

Indaial – 2022
1a Edição
Elaboração:
Prof. Leomar Peruzzo

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

P471t

Peruzzo, Leomar

Teatro brasileiro. / Leomar Peruzzo – Indaial: UNIASSELVI, 2022

258 p.; il.

ISBN 978-85-515-0519-9
ISBN Digital 978-85-515-0515-1

1. Evolução teatral em terras brasileiras. - Brasil. II. Centro Universitário


Leonardo da Vinci.

CDD B869.2

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Bem-vindo à disciplina de Teatro Brasileiro! O material que
você está prestes a conhecer foi desenvolvido com a agrupamento de temas que
estão conectados ao desenvolvimento do teatro brasileiro. O Livro Didático busca
dialogar com os fundamentos do Teatro Brasileiro desde a instauração do império até
a contemporaneidade. Os diálogos estabelecidos entre os diversos temas incitam a
reflexão em torno das origens do teatro brasileiro e os aspectos que a evolução teatral
em terras brasileiras apresentou.
O teatro brasileiro instalou-se em terras brasileiras com a chegada dos
colonizadores e a necessidade de catequização dos povos originários. Esse fato inaugura
a invasão de signos e significados da religião e dos dogmas tradicionalmente impostos
pela doutrina cristã. Em terras brasileiras, os povos que aqui residiam provavelmente
praticavam rituais com intuito religioso ou rituais que conectavam corpo e natureza. Em
termos de arte dramática, os padrões clássicos europeus desembarcaram no Brasil com
a vinda dos portugueses; e o desenvolvimento de centros urbanos trouxe a necessidade
de implementar a produção de espetáculos de teatro.
Na Unidade 1, abordaremos aspectos do teatro no Brasil Colônia e os aspectos
que definiram as primeiras manifestações teatrais eurocêntricas e com fundamentos
na doutrinação religiosa. Nesse período, a arte dramática era recurso eficiente para
introduzir os dogmas religiosos e desenvolver a instauração dos padrões religiosos da
época. Os conteúdos selecionados dialogam com uma perspectiva contemporânea na
discussão e apresentação dos principais aspectos do teatro no Brasil.
Em seguida, na Unidade 2, estudaremos o teatro pré-moderno e seus aspectos
que, posteriormente, desencadearam a arte dramática brasileira na modernidade. Os
processos criativos e os modos de criar desenvolveram espetáculos de teatro em um
tempo de profundas transformações sociais – fossem elas no Brasil ou em dimensões
globais. Foi no período modernista que o teatro brasileiro solidificou suas bases e criou
metodologias específicas para o desenvolvimento de modalidades teatrais originais.
Esse período precedeu a era de ouro do teatro nacional e revelou grandes dramaturgos,
encenadores e produtores de teatro.
Por fim, na Unidade 3, aprenderemos o teatro brasileiro na contemporaneidade,
seus hibridismos e o desenvolvimento de grupos de pesquisa em arte dramática. Este
período foi marcado por conflitos sociais, ditadura militar, retrocessos em incentivos
para a produção, mas rico em propostas de resistência populares, em diversidade de
propostas teatrais e implementação de cursos superiores em arte dramática. Por fim,
convidamos você, acadêmico, para mergulhar no universo da arte dramática brasileira
e construir seu conhecimento em torno dos aspectos que são importantes para a
definição de um teatro dito brasileiro.
Bons estudos!
Prof. Leomar Peruzzo
GIO
Olá, eu sou a Gio!

No livro didático, você encontrará blocos com informações


adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento
acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender
melhor o que são essas informações adicionais e por que você
poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações
durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais
e outras fontes de conhecimento que complementam o
assunto estudado em questão.

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os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina.
A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um
novo visual – com um formato mais prático, que cabe na
bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada
também digital, em que você pode acompanhar os recursos
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deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura
interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no
texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que
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apresentamos também este livro no formato digital. Portanto,
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nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos,
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res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
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preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - ORIGENS E FUNDAMENTOS DO TEATRO BRASILEIRO................................... 1

TÓPICO 1 - O TEATRO NO BRASIL COLÔNIA..........................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 RAÍZES DO TEATRO BRASILEIRO.......................................................................................4
3 OS JESUÍTAS E O TEATRO DE CATEQUESE .......................................................................6
4 O TEATRO E AS INFLUÊNCIAS EUROPEIAS E AFRICANAS...............................................9
5 OS ESPAÇOS DO TEATRO NO BRASIL COLÔNIA.............................................................. 13
6 INDUMENTÁRIA E ASPECTOS VISUAIS ........................................................................... 16
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 19
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 20

TÓPICO 2 - O TEATRO E O ROMANTISMO BRASILEIRO..................................................... 23


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 23
2 O ROMANTISMO E SUAS CARACTERÍSTICAS ................................................................ 24
3 A TRAGÉDIA E MELODRAMA BRASILEIROS ................................................................... 30
4 O DRAMA E A DRAMATURGIA ...........................................................................................37
5 COMÉDIA DE COSTUMES .................................................................................................. 41
6 O ATOR, A ARTE DE ATUAR E O ESPETÁCULO................................................................ 44
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 48
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 49

TÓPICO 3 - TEATRO NATURALISTA E REALISTA................................................................ 51


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 51
2 A DRAMATURGIA REALISTA............................................................................................ 52
3 A DRAMATURGIA NATURALISTA..................................................................................... 56
4 ENCENADORES DO ESPETÁCULO TEATRAL REALISTA .................................................59
5 ENCENADORES DO ESPETÁCULO TEATRAL NATURALISTA ................................................ 61
6 A COMÉDIA DE COSTUMES, ENCENADORES E EVOLUÇÕES......................................... 64
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................. 68
RESUMO DO TÓPICO 3..........................................................................................................73
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................74

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................76

UNIDADE 2 — O TEATRO MODERNO NO BRASIL.................................................................79

TÓPICO 1 — O TEATRO BRASILEIRO QUE PRECEDE A MODERNIDADE ............................. 81


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 81
2 MOVIMENTOS CULTURAIS E TEATRAIS.......................................................................... 82
3 CARACTERÍSTICAS DO TEATRO PRÉ-MODERNO ...........................................................87
4 ENCENADORES E PROCESSOS CRIATIVOS ................................................................... 94
5 ASPECTOS VISUAIS DO TEATRO MODERNISTA.............................................................100
5.1 A CENOGRAFIA MODERNISTA ........................................................................................................103
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................106
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................107
TÓPICO 2 - O MODERNISMO E O TEATRO BRASILEIRO....................................................109
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................109
2 CARACTERÍSTICAS DO MODERNISMO E O TEATRO BRASILEIRO................................109
3 AS TRANSOFRMAÇÕES DO TEATRO MODERNISTA BRASILEIRO................................. 113
4 ENCENADORES MODERNISTAS NO BRASIL.................................................................. 118
5 PROCESSOS DE CRIAÇÃO TEATRAL .............................................................................123
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................125
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................126

TÓPICO 3 - A CENA MODERNA E A PROFISSIONALIZAÇÃO DO TEATRO MODERNO


NO BRASIL ..........................................................................................................................129
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................129
2 O MODERNISMO E A REFORMULAÇÃO DA AÇÃO CÊNICA ............................................130
3 PROCESSOS E CRIAÇÕES DE CENAS MODERNISTAS BRASILEIRAS .........................133
4 OS MECANISMOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS ATORES E DAS ATRIZES..............136
5 ENSAIADORES E ENCENADORES MODERNISTAS BRASILEIROS................................138
6 TRANSIÇÃO PARA A CONTEMPORANEIDADE ...............................................................142
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................145
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................152
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................153

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................155

UNIDADE 3 — O TEATRO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO.................................................. 157

TÓPICO 1 — TEATRO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS............................................................159


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................159
2 TEATRO, EXPERIMENTAÇÕES E PESQUISA TEATRAL..................................................160
3 RESISTÊNCIA E POLITIZAÇÃO POR MEIO DO TEATRO..................................................165
4 O TEATRO DE AUGUSTO BOAL........................................................................................ 173
5 O PENSAMENTO CRÍTICO E ESTÉTICO NO TEATRO BRASILEIRO ............................... 179
6 CONTRIBUIÇÕES DO TEATRO DE ARENA, TBC E OUTRAS VANGUARDAS.................... 181
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................185
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................187

TÓPICO 2 - TEATRO EXPERIMENTAL................................................................................189


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................189
2 TEATRO OFICINA E O PANORAMA TEATRAL DAS DÉCADAS DE 1860 E 1970
NO BRASIL...........................................................................................................................190
2.1 O TEATRO E A DITADURA MILITAR ................................................................................................ 194
3 TEATRO E PERFORMANCE ARTE ................................................................................... 197
4 TEATRO, CORPO E A FORMAÇÃO DO ATOR .................................................................. 200
5 DRAMATURGIA E A CENA CONTEMPORÂNEA.............................................................. 204
6 GRUPO LUME, GALPÃO E COLETIVOS TEATRAIS ........................................................ 206
7 OUTRAS POSSIBILIDADES .............................................................................................212
7.1 CENOGRAFIA E ASPECTOS VISUAIS CONTEMPORÂNEOS ...................................................... 216
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................219
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................221

TÓPICO 3 - TEATRO E A EDUCAÇÃO................................................................................. 223


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 223
2 PEDAGOGIAS DO TEATRO.............................................................................................. 224
3 DRAMA COMO MÉTODO DE ENSINO.............................................................................. 226
4 TEATRO DE RUA E DE BONECOS.................................................................................... 230
5 TEATRO PARA A INFÂNCIA E JUVENTIDE .................................................................... 234
6 TEATRO NA ESCOLA E SUAS POSSIBILIDADES........................................................... 237
6.1 ENSINO DE HISTÓRIA DO TEATRO NO BRASIL ........................................................................... 241
6.2 POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS................................................................................................. 242
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................... 245
RESUMO DO TÓPICO 3....................................................................................................... 252
AUTOATIVIDADE................................................................................................................ 254

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 256
UNIDADE 1 -

ORIGENS E FUNDAMENTOS
DO TEATRO BRASILEIRO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar os aspectos das origens e evolução do teatro no Brasil;

• argumentar em torno dos aspectos do teatro brasileiro nos diversos períodos;

• sintetizar saberes em torno dos assuntos abordados;

• conhecer as diferentes manifestações do teatro ao longo da história;

• identificar as características do teatro no Brasil colonial;

• elaborar conhecimentos em torno do romantismo, naturalismo e realismo brasileiro

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O TEATRO NO BRASIL COLÔNIA


TÓPICO 2 – O TEATRO E O ROMANTISMO BRASILEIRO
TÓPICO 3 – TEATRO NATURALISTA E REALISTA

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UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
O TEATRO NO BRASIL COLÔNIA

1 INTRODUÇÃO
Convidamos você a mergulhar no cenário do Brasil recém-habitado por
desbravadores europeus com seus ares de superioridade, vestimentas bufantes e
tradições religiosas específicas. Os padrões europeus de teatro chegaram com a cultura
dos colonizadores e com a intencionalidade de doutrinar os povos originários que por
aqui viviam. Se pensarmos em rituais para organizar a experiência religiosa ou para
cultuar divindades específicas praticadas pelas tribos de povos originários, podemos
cogitar a presença de ações teatralizadas para fins ritualísticos. A Figura 1 propõe
retratar, de forma ficcional, a primeiro ritual religioso realizado em terras brasileiras que
pode ter marcado a presença da cultura branca europeia.

FIGURA 1 – PINTURA DA PRIMEIRA MISSA REALIZADA NO BRASIL EM 1500, DE VICTOR MEIRELLES (1861)

FONTE: <https://bit.ly/3uCi3AK>. Acesso em: 11 nov. 2021

O teatro como conhecemos na contemporaneidade chegou tardiamente em


terras brasileiras, enquanto a Europa apreciava grandes produções que precediam a era
do teatro elizabetano na Inglaterra. Se adotarmos como arte dramática os espetáculos
amadores, com finalidade religiosa (ou conectadas com comemorações específicas), o
seu aparecimento ocorreu simultaneamente com a instauração da nação, da fundação
de vilas e povoados (ou da presença das ações de catequização dos povos originários).

3
Este tópico explora a arte dramática conectada com a chegada da Companhia
de Jesus e seus missionários, além de suas práticas para disseminar as tradições,
pensamento e dogmas relacionados à religião. Os temas que surgem em dramaturgias
são os bíblicos, que buscavam inserir as crenças religiosas e enclausurar os corpos que
aqui viviam sua liberdade em tradições religiosas com traços medievais.

Posteriormente, exploraremos aspectos do teatro brasileiro conectados aos


movimentos culturais e artísticos que eclodiram no Brasil colônia e reverberaram
para além dos aspectos religiosos, burgueses ou da família real. O teatro no Brasil
passou de raízes rígidas e religiosas para firmar-se como arte dramática nacional com
características próprias, com estilo tropical e com exuberância tal como é a diversidade
cultural do país.

2 RAÍZES DO TEATRO BRASILEIRO


A raiz é a parte de uma planta, árvore ou vegetação que possui a função de fixar
a arborescência no solo para poder absorver nutrientes para então sobreviver. A ideia de
buscar as raízes do teatro brasileiro está conectada com a possibilidade de conhecermos
onde fixou-se as primeiras ações de arte dramática em solo brasileiro para que pudesse
florescer as manifestações teatrais que sucederam o período colonial brasileiro.

Este material está estruturado em três esferas centrais que localizam o estudante
no tempo, espaço e quais personagens históricos agiam no contexto histórico-cultural
da época abordada. Quem? Como? Quando? São esferas que agregam os principais fatos
do período abordado e traçam linhas temporais no desenvolvimento do teatro brasileiro.

Efetivamente, a presença de arte dramática, próxima a arte que conhecemos


hoje, em terras brasileiras deu-se com a chegada dos jesuítas. Talvez a prática de
representações dramatizadas e ritualizadas estivesse presente nas práticas dos povos
originários.

Os povos europeus introduziram práticas escolarizadas utilizando encenações


teatrais. Esse fato inaugurou a presença de arte dramática como recurso para o ensino
de dogmas religiosos.

Com a criação da Província do Brasil, em 1552, os jesuítas traziam de Portugal


a inserção da arte dramática, a prática de latim e valores que reafirmavam o ponto de
vista católico e refutando fortemente os movimentos de contrarreforma (PRADO, 2012).

Os contextos da época do Brasil colônia exigiram que os responsáveis pela


Companhia de Jesus adotassem diferentes línguas nas encenações como o português,
espanhol e tupi-guarani.

4
O padre Manoel da Nóbrega (1517-1570) em 1957 escreve um dos primeiros
diálogos destinados para a encenação. Esse diálogo chamava-se Conversão do Gentio
e representa um dos primeiros registros da presença de textos dramatúrgicos no
período provincial. A maior expansão do teatro no período do Brasil província ocorreu
aproximadamente em 1567 em que o padre José de Anchieta, apoiado pelo padre
Nóbrega, apresenta em São Paulo de Piratininga uma peça com título de Pregação
Universal. Desse texto chegou somente duas estrofes aos tempos atuais.

FIGURA 2 – IGNÁCIO DE LOYOLA (1491-1556), FUNDADOR DA COMPANHIA DE JESUS

FONTE: <https://bit.ly/370tKcp>. Acesso em: 21 jan. 2022.

A imagem apresenta o principal personagem que fundou a Companhia de Jesus


responsável por implementar ações de catequização em terras brasileiras. Uma aura de
santificação, impostação de mãos e a presença de um livro com escritos aparentemente
sagrados, compõem a atmosfera do retrato. A Companhia de Jesus pretendia acessar
os ensinamentos religiosos por meio de diferentes recursos dentre eles a elaboração e
apresentação de obras teatrais compostas pelos padres Manoel da Nóbrega e posteriormente
o padre José de Anchieta. As escolas de ‘ler e escrever’ mantidas pela Companhia de Jesus
promoviam as primeiras ações conectadas à educação no Brasil e, neste contexto, que a
presença do teatro marcou os fundamentos da arte dramática. As escolas de ler e escrever
ou os colégios de humanidades estavam presentes em estados como Pernambuco, Bahia,
Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Vicente e São Paulo (PRADO, 2012).

Cerca de 25 espetáculos como peças simples e diálogos foram montadas


nesse período pelos jesuítas. Desse pequeno acervo de textos, somente oito textos
foram preservados atribuídos ao padre José de Anchieta (1534-1597). Esse cenário
de desenvolvimento da dominação católica marcou o nascimento de práticas de
arte dramática conectadas com rituais religiosos de adoração aos personagens
sagrados adotados pela igreja católica. Além das encenações criadas pelos jesuítas,
as celebrações católicas e procissões eram baseadas em rituais dramatizados que
comoviam os espectadores.

5
As celebrações continham roteiros que mostravam símbolos e imagens de
santos, mas também incluíam encenações que abordavam particularidades de cada
santidade envolvida ou trechos bíblicos. Temas relacionados aos assuntos bíblicos
e santidades conectadas à instituição religiosa estavam presentes. As estratégias
para envolver os povos nativos nas celebrações ou doutrinar os que viviam em terras
brasileiras eram variadas e buscavam nas áreas da Arte para que os objetivos pudessem
sem atingidos. A música, dança, canto e teatro eram amplamente explorados para
que os integrantes das escolas de Ler e Escrever, coordenadas pelos padres jesuítas,
conhecessem a doutrina religiosa e realizar a conversão ao cristianismo (PRADO, 2012). A
seguir, adentraremos aos aspectos específicos do teatro de catequese e as celebrações
que marcavam os rituais festivos.

3 OS JESUÍTAS E O TEATRO DE CATEQUESE


Os jesuítas desembarcaram onde é o estado da Bahia por volta de 1549 e
iniciaram seus trabalhos de conversão do povo nativo. Como estratégia de doutrinar
o povo que aqui vivia e converter o maior número de pessoas possível os integrantes
da Companhia de Jesus passaram a utilizar recursos originados no campo da arte para
que a doutrinação ocorresse. Dessa maneira, o que chamamos de Teatro de Catequese
foi a modalidade teatral em que os religiosos se apropriavam de elementos do teatro
para realizar suas propostas de evangelização. A linguagem corporal era utilizada como
importante recurso para que os povos que aqui viviam absorvessem os ensinamentos.

Os Jesuítas e a Companhia de Jesus, desde sua inauguração e implementação


das ações de catequização dos povos originários, buscavam por meio da arte os
instrumentos necessários para que seus ensinamentos pudessem ser disseminados.
O padre Manoel da Nóbrega vislumbrava atrair para suas pregações os povos nativos
da américa. Os recursos artísticos eram amplamente explorados para mostrar aos
espectadores os valores, dogmas e ensinamentos cristãos. Em um cenário brasileiro
de exuberância natural, a presença de tribos nativas com culturas próprias, o desafio
dos integrantes da Companhia de Jesus era catequizar o maior número de pessoas e
convertê-las aos valores cristãos europeus.

A dramaturgia jesuítica estava conectada com elementos do Brasil Colônia e de


caráter religioso. As festividades religiosas eram realizadas para cultuar personagens
religiosos como santos e celebrações abordando passagens bíblicas. A presença de
elementos da cultura nativa marcava as festividades. Em momentos, a ritualidade
deslocava-se para a cultura nativa ou era inserida nas procissões promovidas pelos
integrantes da Companhia de Jesus. Esses aspectos definiam os espaços de encenação,
os diálogos estabelecidos que poderiam ser conectados entre si ou não. As procissões
poderiam ter paradas por minutos para exaltar algum momento específico da celebração.
Era comum ter figuras simbólicas sacras que representavam a Sé, a Cidade, divindade
ou um anjo, por exemplo (PRADO, 2012).

6
FIGURA 3 – NA CABANA DE PINDOBUÇU (1920), DE BENEDITO CALIXTO (1853-1927)

FONTE: <https://bit.ly/3qNumch>. Acesso em: 20 jan. 2022.

A imagem que apresentamos na Figura 3 é uma pintura do artista brasileiro


Benedito Calixto (1853-1927), em que retrata os missionários jesuítas Anchieta e
Nóbrega catequizando um grupo de nativos. Os cenários eram compostos por elementos
naturais e em encenações compostas por estudantes de diferentes níveis. As entidades
maléficas como o diabo eram retratadas como personagens cômicos aos moldes de
Gil Vicente (1465-1536), dramaturgo português de destaque. Os recursos utilizados
para a comunicação durante as encenações eram de natureza sensorial composta por
danças, músicas, presença de instrumentos de sopro e percussão dos povos nativos
que poderiam equivaler aos instrumentos europeus “[...] e, antes e acima de tudo, o
aspecto lúdico do teatro, entendido como jogo, brincadeira, porta imaginária através da
qual entravam com enorme entusiasmo os índios, simulando ciladas, declarações de
guerra, combates navais” (PRADO, 2012, p. 24).

O ritmo da procissão envolvia os espectadores com sermão e momentos para


adorar as relíquias com beijos e adorações diversas. Danças com meninos nativos de
até oito anos, com pinturas corporais eram realizadas. Outros adereços eram adotados
como diademas de penas, colares e braceletes. Dançavam, cantavam e executavam
ações que remetiam a situações.

As procissões eram intermináveis e findavam em frente à Santa Casa, que estava


preparada para receber as relíquias que seguiam com os participantes. Erguiam-se em
um palco elevado, como os que conhecemos na atualidade, para receber uma encenação.
Nele as relíquias eram postas em um rico altar; e, posteriormente, apresentava-se
um diálogo do martírio do santo em que figuras com figurinos ricamente preparados,
simulavam choros e outras ações que comoviam os observadores. Uma cena comovente
que causou lágrimas, comoção, alegria aos espectadores foi a apresentação de um ator
atado a um mastro. A cidade ficou comovida com a grandiosidade da encenação e até
mulheres compareceram, visto que a presença feminina não era bem-vinda.

7
FIGURA 4 – PADRE ANCHIETA, DE CÂNDIDO PORTINARI (1903-1962)

FONTE: <https://bit.ly/3qNFIgx>. Acesso em: 20 jan. 2022.

A pintura do artista brasileiro Cândido Portinari (1903-1962) apresenta certa


simplicidade e um momento de concentração do padre jesuíta José de Anchieta
supostamente em praias brasileiras. José de Anchieta foi o padre que atuou como
missionário e escreveu poemas e dramaturgias nas línguas Tupi, Português e Castelhano.
As peças e poesias compostas pelo padre José Anchieta possuíam também trechos que
mesclavam os idiomas para que pudessem ser acessíveis aos espectadores e atender
aos objetivos de catequização.

A utilização da cena teatral como instrumento para evangelização pode ser


considerada uma das primeiras iniciativas de educação por meio da arte em terras
brasileiras. Os trechos em tupi poderiam sem destinados ao público nativo e os trechos
em português e castelhano destinados ao público europeu. Peças que são importantes
pela sua extensão e importância histórica são a Festa de São Lourenço com 1.493 versos
e a peça Vila de Vitória com 1.674 versos (PRADO, 2012).

DICAS
Para ampliar seus conhecimentos em torno do teatro de José de Anchieta,
você pode acessar o artigo intitulado “José de Anchieta, o teatro e a
educação dos moços do Colégio de Jesus na Bahia do século XVI”, que
aborda amplamente os aspectos do teatro praticado na época e poderá
conferir os versos retirados de textos originais da época do Teatro de
Catequese, publicado na revista eletrônica HISTEDBR, da Universidade
Estadual de Campinas. Disponível em: https://bit.ly/3AAZRKe.

8
FIGURA 5 – ANTIGO PÁTIO DO COLÉGIO DE SÃO PAULO, BENEDITO CALIXTO (1853-1927)

FONTE: <https://bit.ly/3Lm2uDW>. Acesso em: 20 jan. 2022.

A imagem apresenta a pintura do pátio do colégio que posteriormente esse


cenário foi palco da fundação da cidade de São Paulo. Essa construção representa os
moldes arquitetônicos para as escolas dos jesuítas. Essas construções eram palcos para
a criação e apresentações teatrais. A seguir, apresentaremos as influências do teatro
europeu e das ritualidades africanas na construção da identidade do teatro brasileiro.

4 O TEATRO E AS INFLUÊNCIAS EUROPEIAS E AFRICANAS


Com certo fracasso em dominar os povos originários, os colonizadores
buscaram em terras africanas ou em suas colônias na África a população negra que lá
habitavam para serem escravizados em terras brasileiras. Os povos africanos marcaram
presença na cultura da época e transformaram profundamente o cotidiano das cidades
da época. Desde os tempos do Brasil colônia a cultura dos povos africanos contribuíram
para que pudéssemos ter a diversidade cultural que o Brasil possui em tempos atuais.
Práticas como danças, musicalidade, religiosidade, práticas gastronômicas e idioma
estiveram presentes em todo o território nacional em maior escala nos estados de Bahia,
Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande
do Sul (SOUZA; GUASTI, 2018).

Ao pensarmos na cultura africana como fonte de elementos culturais que


influenciaram a construção de aspectos culturais, artísticos e em termos de idioma,
encontramos diversos exemplos que podemos citar como: “[...] cochilar, corcunda,
dengo, fubá, gibi, macaco, maconha, macumba, marimbondo, miçanga, moleque,
quitanda, quitute, tanga, xingar, banguela, babaca, cafofo, cafundó, cambada,
muquirana, muvuca, entre inúmeras outras palavras” (SOUZA; GUASTI, 2018, p. 4). Nas
danças e rituais religiosos encontramos fontes para a construção de dramaturgias afro-
brasileiras. Onde os rituais originados no candomblé e as narrativas dos orixás marcavam
presença nas práticas dos grupos escravizados, que se reuniam de modo clandestino, a
presença das práticas de capoeira enriqueceram a cultura. Os tambores eram utilizados
para rituais religiosos e mais tarde incorporados em práticas da capoeira. A mescla entre
9
arte marcial, esporte, música e cultura popular é presente hoje nas práticas da capoeira.
No passado, os povos escravizados eram proibidos de praticar a luta originária do sul
de angola e como ato de revolta reuniam-se em terrenos mata adentro para praticar
(SOUZA; GUASTI, 2018).

FIGURA 6 – RODA DE CAPOEIRA COM O MESTRE JOSÉ CARLOS, EM SANTA TEREZA NO RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://bit.ly/3u9Oisi>. Acesso em: 20 jan. 2022.

A Figura 6 alguns movimentos de capoeira com participantes observando o jogo


e apreciando a prática. O escritor José de Alencar, em 1865, propôs o termo capoeira
como um vocábulo em tupi caa-apuam-era, que significa ilha de mato já cortado onde
os escravizados praticavam a luta. Souza (2014) define capoeira como uma espécie de
luta dançada em que dois protagonistas estabelecem uma espécie de jogo dançado com
golpes de pernas e de cabeça que mobiliza o corpo por inteiro permitindo uso de mãos
para apoiar-se e estabelecendo uma espécie de ginga para a interação. Geralmente,
cria-se um círculo de praticantes em torno de dois capoeiristas que jogam permitindo
a alternância dos participantes de acordo com a necessidade. Destreza, resistência,
força física e um corpo disponível para a prática são exigências fundamentais para o
desenvolvimento da capoeira.

A música e ritmo é fundamental na prática da capoeira e define o estilo do jogo.


Os instrumentos que compõem uma roda de capoeira são “[...] três berimbaus, dois
pandeiros e um atabaque, geralmente acompanhados de um bater de palmas” (SOUZA;
GUASTI, 2018, p. 5). Segundo Souza (2014), os elementos que aparecem na capoeira são
evidentes como instrumentos musicais, formação circular, o gingado típico, as cantadas
com letras específicas, bem como os movimentos dançados.

Outra dança que possui origens na cultura africana é o Tambor de Crioula do


Maranhão. Essa dança é uma forma de expressão da cultura popular que envolve figurinos
coloridos e movimentos dança circular. É uma manifestação típica do estado do Maranhão,
praticada por africanos escravizados em louvor a São Benedito, um dos santos de grande
popularidade entre a comunidade negra. De acordo com Ferretti (2006), o Tambor de
Crioula no Maranhão é uma dança pouco estudada e divulgada que, como outras danças,

10
de matriz africana, apresenta beleza e referenciais históricos. “É uma dança alegre,
marcada por muito movimento dos brincantes e muita descontração. É considerado
Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro desde 2007, pois é uma forma de expressão afro-
brasileira que envolve dança circular e percussão de tambores” (IPHAN, 2014, s. p.).

FIGURA 7 – TAMBOR DE CRIOULA DO MARANHÃO

FONTE: <https://bit.ly/32Ddkol>. Acesso em: 20 jan. 2022.

Depois de conhecer o Tambor de Crioula, ampliaremos nossos olhares com outra


manifestação presente na cultura brasileira, que surgiu de manifestações populares
conectadas à cultura africana. Estamos falando do Frevo, palavra de origem popular
que significa ferver ou efervescência, agitação ou rebuliço. Na década de 1930, surgiu
a classificação do Frevo em três modalidades: frevo-de-rua; frevo-canção e frevo-de-
bloco (SOUZA; GUASTI, 2018). O Frevo nasceu de uma mescla de ritmos dançantes e a
capoeira. Os movimentos da capoeira foram inseridos nas danças com a utilização de
acessórios como o guarda-chuva e figurinos com cores vibrantes. O Frevo, seja ela qual
for a modalidade, foi inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão do IPHAN
em 2007. É uma forma de expressão musical, coreográfica e poética que está presente
principalmente no cenário das cidades de Recife e Olinda, no estado de Pernambuco.
Com data de surgimento aproximada no século XIX, em manifestações carnavalescas,
passou a fazer parte das festividades populares nas cidades citadas. Em 2012, o Frevo
foi considerado Patrimônio Imaterial a Humanidade pela Unesco (IPHAN, 2014, s. p.).

FIGURA 8 – CENA DE FREVO

FONTE: <https://bit.ly/3DjtzoA>. Acesso em: 20 jan. 2022.

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O Carimbó é uma manifestação de dança de roda que ocorre no litoral do
estado do Pará. Na forma tradicional da manifestação, o Carimbó é acompanhado por
tambores de madeira, geralmente troncos de árvores. A modalidade de dança possui
origens na cultura indígena, porém mesclou-se com a cultura de matriz africana e na
atualidade também podemos encontrar a manifestação no nordeste do país. A batida de
tambores, instrumentos de corda e a presença de chocalhos são sonoridades comuns.
Os participantes utilizam figurinos com cores vibrantes e com combinações que podem
remeter à diversidade da biodiversidade nacional.

FIGURA 9 – GRUPO TRADICIONAL PREPARADO PARA DANÇAR CARIMBÓ

FONTE: <http://wikidanca.net/wiki/images/8/8a/CARIMB~2.JPG>. Acesso em: 20 jan. 2022.

Os movimentos soltos e sensuais, com intensos giros em que o personagem


feminino tenta cobrir o masculino com sua saia. As mulheres geralmente dançam sem
calçados e vestem saias longas, até os pés, franzidas e rodadas. Estampas de florais,
blusas brancas, pulseiras e colares de tamanho grande são vestimentas tradicionais. Em
seus cabelos encontra-se ramos de rosas ou camélias. “Os homens dançam utilizando
calças, geralmente brancas e simples, comumente com a bainha enrolada, costume
herdado dos ancestrais negros que utilizavam a bainha da calça desta forma devido
às atividades exercidas, como, por exemplo, a coleta de caranguejos nos manguezais”
(SOUZA; GUASTI, 2018, p. 7).

Existem outras manifestações culturais que podemos conhecer como


o Maracatu, o Congo entre outras possibilidades de ampliar o repertório cultural
conectando com as artes cênicas no Brasil. Esses aspectos da cultura popular podem
ser conectados com a formação da cultura brasileira desde o período da catequização
jesuíta e traçar possíveis fundamentos do teatro no Brasil.

As manifestações cênicas contidas nos rituais de povos nativos, as propostas


de evangelização por meio de montagens teatrais ou rituais/procissões católicos e
posteriormente à presença das manifestações culturais de matriz africana compõem
as raízes das artes cênicas brasileiras. Os moldes clássicos europeus aportaram em
terras brasileiras por meio de padres Jesuítas, desenvolveram-se com a colaboração de
nativos e a comunidade africana.

12
A importância de conhecer os aspectos das origens e desenvolvimento do
Teatro no Brasil está em ampliar o repertório cultural para que se possa utilizar tais
recursos em possíveis propostas de ensino-aprendizagem das artes cênicas ou em
produções artísticas.

Uma manifestação dançada, ritualizada, sagrada, religiosa para uma manifestação


festiva e popular está um caminho de miscigenação e transformação cultural que vale
a pena conhecer para que estudos futuros possam apontar a riqueza das artes cênicas
brasileiras e ampliar as possibilidades de resgatar modos de criar Teatro em tempos
do Brasil colônia. As manifestações atuais em dança possuem riqueza de elementos
visuais, musicais, rítmicos, movimentações corporais e expressividade cênica para que
possamos inserir em nossas produções artísticas. A seguir, estudaremos os espaços do
teatro no Brasil colônia e os aspectos que perduraram até os dias atuais.

ESTUDOS FUTUROS
Recomendamos visitar o site eletrônico do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (IPHAN) – autarquia federal vinculada ao Ministério do
Turismo que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro.
Cabe ao IPHAN proteger e promover os bens culturais do país, assegurando
sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras. Confira o
endereço eletrônico: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/872.

5 OS ESPAÇOS DO TEATRO NO BRASIL COLÔNIA


Ao abordarmos os espaços para o teatro no Brasil colônia necessitamos voltar
nossas atenções para as práticas teatrais destinadas para a catequização dos povos
nativos. Esse fato incluía a realização de cenas em espaços diversos como locais para
a celebração religiosa, espaços para o estudo de textos bíblicos, palcos criados para
receber cenas religiosas e os espaços das ruas, local onde ocorriam as procissões
religiosas ou festividades. Em textos de dramaturgias do padre José de Anchieta que
chegaram até aos tempos atuais aparecem personagens que permitem traçar um
panorama de possíveis espaços utilizados para as cenas do teatro de catequese.

Na peça Festa de São Lourenço, os personagens que aparecem são variados.


Os papéis principais são ocupados por Guaixará e Aimberê, chefes tamoios que lutaram
ao lado dos franceses contra portugueses e jesuítas. Correndo risco de vida estavam
Nóbrega e Anchieta; Décio e Valeriano como imperadores dos primeiros séculos e ainda
os santos São Sebastião e São Lourenço – estes como mártires desse período.

13
O primeiro morto a flechadas o outro queimado em uma espécie de grelha.
Anjos, o Temor e o Amor de Deus estavam presentes. A encenação era organizada em
personagens que poderíamos dividir em dois grandes grupos: os aliados e os inimigos
da Igreja Católica (PRADO, 2012).

O conflito era estabelecido por São Sebastião (padroeiro do Rio de Janeiro)


e São Lourenço (que era padroeiro de onde hoje chamamos de Niterói). Guaixará e
Aimberê como inimigos dos jesuítas eram demônios auxiliados por demônios menores
que se chamavam Saravaia, Tataurana, Urubu, Jaguaruçu, Caborê.

A moral era baseada no velho testamento, o qual prega o olho por olho, dente
por dente. As cenas eras criadas para serem encenadas em espaço específico em que
poderiam erguer elementos naturais e simbólicos para reforçar os efeitos dramáticos.
Não havia definição clara de onde iniciava a terra e onde iniciava o céu ou o inferno. Um
caminhar constante marcava a ação dramática descentralizada (PRADO, 2012).

Um dos episódios finaliza com a prisão dos demônios pelo Anjo guardião da
cidade que se assemelhava a um Anjo da guarda concebido para ser guardião das
pessoas. O Anjo recebia ajuda de São Lourenço e de São Sebastião e representavam
o Bem agindo para vencer o Mal. Às vezes, apareciam chefes indígenas para proferir
frases como a seguinte “a taba inteira é pecadora” (PRADO, 2012, p. 27) na intenção
de mostrar que estavam tomando consciência de que estavam religiosamente errados
passando a ser submissos e servis ao Anjo ou aos dogmas religiosos.

A finalidade da inserção dos ensinamentos religiosos no cotidiano das tribos era


substituir a religião ou as práticas mitológicas dos povos originais pela tradição Cristã.
Os seres sobrenaturais contidos na crença tupi como o Anhangá poderia ser associado
ao papel de Satanás e Tupã, divindade do trovão era substituído por Deus.

Os jesuítas mobilizavam elementos necessários para que as tribos pudessem


internalizar os valores religiosos da Igreja Católica. Símbolos, narrativas, elementos
que representavam as divindades, santos e outros elementos eram explorados. Os
espaços para a encenação estendiam-se desde as igrejas construídas muitas vezes
precariamente para receber os nativos. As ruas também poderiam ser utilizadas como
palco de encenações e procissões para celebrar as passagens bíblicas (PRADO, 2012).

A igreja pregava com todo os seus recursos que os povos deveriam ser europeus
aos seus moldes e abandonar as maneiras complexas de ser dos povos nativos. Os
discursos inseriam por todos os lados a promessa de que ao se converterem aos valores
cristãos, os nativos ganhariam o reino dos céus. Um certo conservadorismo era inserido
ao afirmarem que tudo existe por uma razão de ser como é e não pode ser modificado.
Como não há possibilidade de mudança também se extinguiam as noções de justiça ou
de injustiça social para reinar os valores sustentados pela Igreja Católica (PRADO, 2012).

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FIGURA 10 – ILUSTRAÇÃO DE ESPAÇO CÊNICO DO TEATRO DE CATEQUESE

FONTE: <https://bit.ly/3r6kafF>. Acesso em: 20 jan. 2022.

Na peça Aldeia de Guaraparim, o texto dramatúrgico mais longo na língua tupi,


voltada para o povo indígena. E a peça Visitação de Santa Isabel era voltada para os
mistérios cristãos e ao público de fiéis. As peças “[...] assinalam, por assim dizer, os
pontos extremos da dramaturgia jesuítica: a que se volta para fora, para a catequese, e
a que se volta para dentro, para o culto religioso. O teatro dos catecúmenos e o teatro
dos fiéis” (PRADO, 2012, p. 33).

Esse texto composto por 865 versos inicia de modo tranquilo com a presença de
demônios, próximos aos que a cultura tradicional religiosa nos apresentou, correspondem
aos vícios e se preparam para desafiar o poder de Nossa Senhora. “O Inferno acha-
se representado por nada menos do que quatro diabos, reunidos em conciliábulo – o
concílio do Mal” (PRADO, 2012, p. 33). Diante de textos dramatúrgicos que abordavam
passagens bíblicas, seres celestiais, divindades, personagens europeus e seres
maléficos propunham a utilização de símbolos religiosos que marcavam as cenas e as
vestimentas acompanhavam os signos de cada personagem. Muitas vezes, o espaço
para a encenação era o chão das igrejas, o espaço ao ar livre ou em palcos montados
para receber os espetáculos. As festividades tomavam as ruas e os espetáculos eram
conectados com a divindade de cada data comemorativa ou passagem bíblica. As
encenações compunham com as procissões e os espetáculos encerravam-se nas
proximidades da procissão reconduzindo as relíquias sagradas que protegiam as cidades
aos locais em que repousavam até a próxima celebração (PRADO, 2012).

Os espaços públicos eram utilizados para realizar encenações, embora


a precariedade dos espaços no Brasil colônia destinados para apresentações, os
espetáculos ocupavam os mais variados espaços conforme a necessidade de acessar
aos nativos e moradores das províncias a palavra bíblica e os ensinamentos da religião
católica. Com o desenvolvimento das províncias, os espaços destinados ao teatro
passaram a ter melhores recursos para receber espectadores e espetáculos teatrais.

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6 INDUMENTÁRIA E ASPECTOS VISUAIS
A indumentária e aspectos visuais correspondem aos elementos utilizados
em uma encenação que podem ser identificados como visualidades, como figurinos,
cenários ou outros elementos utilizados para traduzir signos importantes para a
realização do espetáculo.

No teatro de catequese ou o teatro como instrumento de evangelização, os


Padres jesuítas utilizavam recursos disponíveis para que as encenações pudessem ser
realizadas. Com efeitos cômicos e cessibilidade ao público, mesmo que a dramaturgia
não atendesse aos componentes clássicos, o objetivo central era levar a palavra do
evangelho aos nativos. Em muitas produções, o acabamento artístico era precário pela
escolha de priorizar a narrativa contendo a mensagem central conectada a religião
católica (PRADO, 2012).

Ao buscar elementos naturais e simbólicos, os padres encenadores traziam


para a cena teatral jesuíta certo apelo ao teatro realista e naturalista. Referimo-nos aos
padres como encenadores pois concebiam além dos textos dramatúrgicos escritos em
versos, criavam a composição de cenas para a apresentação.

Na peça Na Festa de São Lourenço elementos naturais marcavam presença


como o fogo que martirizava o santo e formava uma espécie de núcleo central. Esse
elemento poderia ter diferentes significados dependendo da situação. Ora o fogo poderia
ser o fogo do inferno, ora poderia representar o fogo sobrenatural, signo de infinito poder
punitivo do Divino.

“É eterno, por ser também espiritual, além de material. Essa espiritualização –


ou metaforização crescente – completa-se com o fogo que é a negação do anterior, o
fogo positivo, aquele que sustém o santo em seu martírio, neutralizando as chamas da
grelha ao abrasar-lhe a alma” (PRADO, 2012, p. 32).

A Figura 11, do artesão Eduardo Gomes, um painel de azulejos, que retrata uma
cena de celebração retratando a fundação de uma cidade. Os jesuítas participaram da
fundação das primeiras cidades do Brasil e em rituais específicos, com indumentárias
da época, realizaram seus atos celebrativos.

A obra de azulejos integra o Marco de Fundação da Cidade de Salvador, na praia


de Porto da Barra, na capital baiana e podemos conferir a indumentária dos líderes
religiosos e políticos da época.

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FIGURA 11 – PAINEL DE AZULEJOS, DO ARTESÃO EDUARDO GOMES

FONTE: <https://bit.ly/3IMfCk1>. Acesso em: 20 jan. 2022.

Os principais aspectos da indumentária e visualidade do teatro de catequese


atendiam às necessidades de evangelização do povo nativo. O termo indumentária
refere-se a roupa que alguém usa para se vestir. Neste caso, estamos abordando os
usos de roupas para as encenações definidas como teatro de catequese. A indumentária
também é termo que usamos para definir o estudo do vestuário de determinada época.
Neste sentido, os padres jesuítas buscavam nas passagens bíblicas, nos recursos
disponíveis e na vestimenta da época recursos visuais e de figurinos para inserir nas
encenações. Os padrões clássicos reinavam, principalmente nas unidades dramáticas
textuais, já que a cena teatral era baseada em finalidades específicas como a doutrinação
dos povos nativos.

As dramaturgias europeias, portuguesas e espanholas, influenciaram


amplamente a produção teatral desse período e as manifestações teatrais que sucederam
as épocas seguintes. Os aspectos visuais que dispomos na atualidade para a criação de
cenas é amplamente desenvolvido e as propostas podem ser as mais variadas. Na época,
apesar da precariedade, os dirigentes da Companhia de jesus buscavam desenvolver
encenações que retratassem a existência de uma única divindade em detrimento das
múltiplas divindades dos povos nativos. As noções de céu inferno, Deus e Diabo, bem
e mal, boa conduta e má conduta, profano e sagrado foram impostos pelas ações dos
padres jesuítas por meio do Teatro.

Estes dualismos europeus foram amplamente difundidos pelos colonizadores e


impostos a toda a população que aqui residia. Com a vinda do povo africano, escravizado,
a repressão aos costumes e crenças passou a ser constante em terras brasileiras. Mesmo
com toda a tentativa de reprimir, proibir, censurar e implantar valores cristãos, a cultura
dos povos nativos e africanos permaneceu viva em milhares de elementos da cultura
atual brasileira. A corporalidade, fisicalidade e modos de existir, crer e adorar divindades
múltiplas não desapareceu da cultura brasileira, apesar de termos a predominância de
religiosidade baseada na tradição do cristianismo.

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Pensar em manifestações teatrais como recurso para desenvolver habilidades
coletivas ou para a ampliação de repertório cultural ou até para pensar uma possibilidade
de coletividade pode ser importante no contexto da educação da atualidade. Na época
da ocupação do território brasileiro pelos povos europeus, o teatro estava a serviço da
religião e na atualidade. Portanto, o teatro necessita estar a serviço de algo ou alguma
intencionalidade? Reflita esta questão, acadêmico.

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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O teatro de catequese era um recurso importante para a evangelização dos povos


nativos e disseminou a tradição europeia, religiosa e artística.

• Podemos afirmar que as primeiras ações de educação por meio da arte teatral foram
desenvolvidas no período do Brasil Colônia.

• Os textos dramatúrgicos eram escritos pelos padres que também criavam as


encenações com os recursos disponíveis.

• O principal objetivo das encenações era a conversão dos povos nativos para os
valores religiosos da tradição cristã católica.

• Os povos africanos influenciaram amplamente a cultura da época e marcaram


presença com suas tradições religiosas, danças e hábitos incorporados nas
propostas de encenação.

• Os espaços para a encenação teatral eram diversos e poderiam ser adaptados


conforme a necessidade e a ênfase estava nos espaços conectados com as
celebrações religiosas e procissões.

• A indumentária e aspectos visuais eram compostos por elementos simbólicos que


representavam as divindades e os personagens conectados com a vida real usavam
figurinos que remetiam ao cotidiano.

• Os aspectos da cenografia acompanhavam as datas comemorativas, celebrações


dos santos e as passagens bíblicas.

• Elementos naturais poderiam ser utilizados para as encenações como fogo, ou


materiais da floresta. Outros elementos eram utilizados como objetos considerados
sagrados ou relíquias conectadas com os ensinamentos da tradição cristã.

• O teatro estava a serviço da religiosidade e da doutrinação católica pelos povos


europeus. Dessa forma, todas as iniciativas teatrais estavam voltadas para esta
finalidade. Os rituais religiosos ou rituais dos povos que residiam no Brasil foram
explorados para integrar as encenações.

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AUTOATIVIDADE
1 Com base nas discussões em torno do teatro no período do Brasil Colônia, percebemos
que os textos dramatúrgicos eram compostos por versos baseados em passagens
bíblicas e ensinamentos da igreja católica. Temas relacionados aos assuntos bíblicos
e santidades conectadas à instituição religiosa estavam presentes. Sobre esses
aspectos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A principal função do teatro no período do Brasil Colônia era oferecer a ampliação


do repertório cultural e transformar a realidade social da época, na intenção de
inserir a cultura artística em comunidades indígenas.
b) ( ) A música, dança, canto e teatro eram amplamente explorados para que os
integrantes das escolas de Ler e Escrever, coordenadas pelos padres jesuítas, a
doutrina religiosa e realizar a conversão ao cristianismo.
c) ( ) Temas como as aventuras dos colonizadores e a mitologia grega eram comuns
no período colonial. Por isso, as encenações eram voltadas para as pessoas que
chegavam ao Brasil como forma de entretenimento.
d) ( ) Os padres jesuítas buscavam nos princípios religiosos baseados nos livros da
cultura africana e procuravam exaltar a prática de rituais que buscavam adorar
diversas divindades ou orixás. Essas divindades estavam conectadas com as
forças da natureza.

2 O teatro de catequese era baseado em textos longos que exaltavam as divindades


da igreja católica e buscavam exaltar a supremacia do monoteísmo em detrimento
do politeísmo encontrado nas práticas ritualísticas. Com base nas definições dos
enfoques dados para as manifestações teatrais praticadas pelos padres jesuítas,
analise as sentenças a seguir:

I- As áreas da arte eram exploradas para a composição de encenações que pudessem


atender aos objetivos de doutrinação dos povos nativos que aqui viviam.
II- A música, danças, canto e outros recursos eram utilizados para que a doutrina
católica e o cristianismo fossem a única opção para a salvação.
III- O teatro de catequese permitia o culto aos deuses do povo nativo e posteriormente
absorveu as divindades do povo africano tornando a prática religiosa como uma
grande festa da diversidade.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

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3 A cultura africana marca presença na constituição do povo brasileiro desde que
o povo escravizado passou a cultuar suas divindades de modo clandestino. Os
elementos da cultura africana marcam presença no cotidiano brasileiro na língua,
nos aspectos religiosos e em modos de viver em coletividade. De acordo com as
influências africanas na constituição da cultura, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) Cochilar, corcunda, dengo, fubá, gibi, macaco, maconha, macumba, marimbondo,


miçanga, moleque, quitanda, quitute, tanga, xingar são exemplos de palavras
originadas na cultura africana.
( ) Os rituais religiosos e elementos contidos no candomblé, as narrativas dos orixás e
a prática de capoeira enriqueceram a cultura.
( ) O povo africano aportou no Brasil por vontade própria trazendo suas práticas e
hábitos introduzindo no Brasil a diversidade cultural que encontramos atualmente.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Os fatos históricos mostram que o povo africano foi arrancado de suas terras
e escravizado por povos que colonizavam terras da américa. Com a vinda dos
povos africanos, com suas práticas religiosas e hábitos culturais, o Brasil passou
a ter enorme diversidade cultural, mesmo que as manifestações culturais fossem
reprimidas pelos líderes europeus da época. Neste sentido, disserte sobre a influência
da cultura africana na constituição da cultura brasileira e quais elementos são fontes
de inspiração para a criação de cenas teatrais.

5 Ao pensarmos nos aspectos visuais e cenografia da época do Teatro de Catequese,


podemos encontrar alguns elementos que são recorrentes como os símbolos religiosos
e as narrativas que exaltavam a importância de adoração a uma única divindade.
Este fato nos permite pensar em um teatro como instrumento de ensino e imposição
de aspectos culturais de um povo dominante. Diante desses pressupostos, disserte
sobre os aspectos visuais e a indumentária presente no Teatro de Catequese.

21
22
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
O TEATRO E O ROMANTISMO BRASILEIRO

1 INTRODUÇÃO
O Romantismo, como movimento artístico, possui suas raízes na literatura. Ele
alastrou-se por outras áreas da arte. Com o Teatro não ocorreu de outra forma, pois
recebeu as novas discussões e propostas por meio dos textos dramatúrgicos e ampliou
seus aspectos para a cena. Uma onda revolucionária chega ao Brasil por volta de 1836:
a onda romântica. Longe de ser algo aos moldes do amor romântico, ou algo inventado
para representar narrativas amorosas, esse movimento literário e artístico estava
conectado ao que podemos definir como dramalhão.

O Romantismo foi um dos movimentos artísticos que marcou o século XIX. O


seu suposto marco inaugural deu-se com a publicação da obra Suspiros Poéticos e
Saudades do escritor Gonçalves de Magalhães, em 1836. As principais manifestações
literárias do Romantismo incluem obras em prosa e em verso. A chegada da família real, a
reclassificação do território nacional, deixando a dimensão de colônia de exploração para
tornar-se Reino Unido a Portugal. Dentre os nomes que protagonizaram o Romantismo
na literatura estão José de Alencar, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de
Abreu e Castro Alves.

O contexto histórico brasileiro marcado pela presença da Família Real portuguesa.


A implantação em terras brasileiras da sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,
trouxe inúmeras modificações sociais e a modernização do país. Houve a criação da
imprensa brasileira, a construção do Museu Nacional, fundação do Banco do Brasil,
abertura de portos para países com relações amistosas com o Brasil, criação da Marinha,
o Tesouro Nacional entre outros acontecimentos que impulsionaram a cultura brasileira.

Com esse pressuposto, caro acadêmico, adentramos ao tema que atravessa este
tópico. O teatro Romântico ou o Romantismo como proposta estética de encenação marcou
a produção espetacular do Brasil. Neste sentido, o Tópico 2 busca reunir informações que
possam enriquecer seu percurso de construção de conhecimento na Arte Dramática. O
subtítulo Romantismo e suas características apresenta discussões em torno do movimento
artístico e busca traçar conexões com a constituição do teatro brasileiro.

O drama e a dramaturgia no período romântico passaram por transformações ao


refutar os parâmetros clássicos e buscar outros modos de composição textual e de cenas
que atendessem às necessidades da nova proposta. A tragédia, a comédia de costumes
e os modos dos atores desenvolverem a arte teatral foi transformada na medida que o

23
estilo foi estabelecendo-se em propostas teatrais diversificadas. Recomendamos leitura
atenta, com pausas para pesquisar e esclarecer as possíveis dúvidas e construir seu
conhecimento histórico na área das artes cênicas.

2 O ROMANTISMO E SUAS CARACTERÍSTICAS


Neste subtópico, apresentamos as principais características do teatro brasileiro
em que recebe influências de movimentos artísticos e culturais como o romantismo.
Em meados do século XVIII com o esgotamento das poéticas clássicas, a burguesia
exigiu novos modos dramatúrgicos que retratassem as mudanças que ocorriam na
Europa, principalmente na França. Ocorreu a tradução de peças de Shakespeare, o
fortalecimento de um teatro nacional e o teatro aproximou-se da vida cotidiana, do
público e da esfera burguesa. A proposta de um Curso de Literatura Dramática, em 1811,
por Schlegel (1772- 1829) estabeleceu importantes discussões para que as linhas de um
drama romântico pudessem germinar. Uma nova estética teatral floresceu e engajou
diversos dramaturgos interessados a produzir uma proposta cênica voltada para os
valores românticos. O caminho para o drama romântico foi traçado por Victor Hugo e
Alexandre Dumas na França (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

Em terras brasileiras, as discussões do Romantismo chegaram tardiamente. Em


terras brasileiras o romantismo chega para marcar um período histórico e já vitorioso,
como um fato consumado, estabelece uma estética específica. O teatro dito romântico
no Brasil é inaugurado tardiamente em relação aos modos europeus. O primeiro texto
que aborda o estilo foi proposto em 1832 composto por estudantes de Direito do Largo
de São Francisco, em São Paulo. O texto era em formato de artigo e possuía o título de
Ensaio sobre a Tragédia que buscava defender a poética clássica e das tragédias de
Corneille, Racine e Voltaire. Os autores do texto reafirmavam sua posição contrária ao
Romantismo, condenavam autores como Shakespeare e outros que não obedeciam às
regras praticadas no Classicismo (GUINSBURG et al. 2006; PRADO, 2012).

No Brasil, o gênero deixou marcas profundas, iniciando pela literatura e


alastrando-se por outras áreas da arte. O romance-folhetim uma espécie de rodapé
literário, crônica leve, fantasiosa protagonizadas por autores como Martins Pena,
Alencar, Macedo, França Júnior e Machado de Assis (PRADO, 2012). O folhetim deriva da
língua francesa (feuilleton, que significa “folha de livro”) e possui um formato específico
sendo que sua publicação é feita em partes com certa frequência em jornais, periódicos
ou revistas da época.

Quanto ao seu conteúdo, ele era repleto de narrativas ágeis, de compreensão


fácil que se popularizou entre a população da época. Essa modalidade surgiu
primeiramente em terras francesas no início do século XIX e chegou em terras
americanas posteriormente.

24
Sua definição é específica relaciona-se com a seção (geralmente na parte
inferior) de um jornal, revista ou outro material de circulação periódica. A seção poderia
conter crítica literária, fragmentos de romances, novelas, contos ou outros escritos que
retratavam o estilo do romantismo da época. A seguir, a Figura 12 traz um trecho de Os
Amassadores, de Máximo Gorki, publicado no jornal A Democracia, em 1905. Era comum
os jornais operários publicarem em formato de folhetins os romances sociais, históricos,
policiais e outras variações.

FIGURA 12 – FOLHETIM PUBLICADO NO JORNAL A DEMOCRACIA EM 21 DE MAIO DE 1905

FONTE: <https://bit.ly/3r6qUKp>. Acesso em: 22 jan. 2022.

A eclosão do romantismo atravessou o contexto europeu na segunda metade


do século XVIII. E com o escritor Manoel Figueiredo, que se dedicava ao teatro, encontrou
o caminho necessário para evoluir do romanesco para o romântico. Ele buscou associar
seus escritos com formas literárias populares: “[...] o romanesco e o mágico (referia-se às
"mágicas" teatrais), "o romanesco e o incrível":', pondo em evidência que o vocábulo ainda
não se desprendera de sua fonte, o romance medieval, cheio de aventuras e prodígios,
parodiado e supostamente enterrado por Cervantes no Dom Quixote” (PRADO, 2012, p. 68).

Em termos gerais o movimento literário e artístico que chamamos de Romantismo


possui características também gerais como: liberdade de criação e de expressão,
nacionalismo, religiosidade, valorização da natureza, valorização das emoções, individualismo
e egocentrismo, pessimismo, escapismo, idealismo. Neste sentido, as obras literárias e em
outras áreas da arte traziam universos individuais, valorizando o eu, o individual, o ponto
de vista particular e a expressão de sentimentos com liberdade. Este aspecto ofereceu
liberdade de expressão e criação com certo descolamento das regras externas.

Acoplado a este aspecto, encontramos a tendência ao nacionalismo e a


religiosidade. O resgate de feitos heroicos e fatos históricos, valorização da pátria e de
valores nacionais eram presentes nas obras do romantismo. A religiosidade exaltava o
cristianismo como suporte para um certo consolo para as frustrações e inspiração para
ações nobres. O poeta Gonçalves Dias é um exemplo de poeta romântico. A Canção do
Exílio escrita quando o autor estava em Portugal. Os versos mais famosos são:
25
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Outra característica deste movimento artístico é a valorização da natureza.


O autor romântico transforma a natureza em protagonista, um personagem que
apresenta seu eu. Ele é obsessivamente voltado pala natureza e busca nela inspiração
para descrever as maravilhas que contempla, podendo conectar com emoções e exaltar
nacionalismo. Outro trecho da Canção do Exílio, confira:

Nosso céu tem mais estrelas


Nossas várzeas têm mais flores
Nossos bosques têm mais vida
Nossa vida, mais amores.

O autor romântico valorizava, ainda, as emoções, seu individualismo e o


egocentrismo. As emoções pessoais era uma das principais fontes de inspiração
para o Romanismo. Na expressão de seus sentimentos, por meio dos personagens,
o autor buscava expressar suas situações de vida e aspectos que enfatizavam certo
individualismo e egocentrismo. Esta característica evidenciava os universos, desejos,
paixões, e frustrações de um microcosmo individual.

Outras características que podemos elencar para o Romantismo são o


pessimismo e o escapismo seguido de um certo idealismo. Na constatação da
impossibilidade de realizar suas vontades, os autores caíam em certo pessimismo
demonstrando atmosferas que envolviam angústia, solidão, desespero, tristeza e
frustração. Essa tendência determinava as atmosferas de narrativas literárias e as cenas
teatrais românticas. Resoluções de dramaturgias deste período apresentavam como
resolução dos conflitos a angústia, morte, suicídio. Um bom exemplo para exemplificar
essa característica é a clássica peça intitulada Romeu e Julieta de Willian Shakespeare
em que os personagens centrais sofrem um final trágico.

Para escapar de aspectos da realidade, os autores apelavam para certo escapismo


e a saída poderia ser por meio da morte ou suicídio. O contexto histórico da época, a
revolução Francesa e um cenário precário induziam a invenção de certo idealismo. Essa
visão idealizada do mundo o autor romântico busca idealizar a pátria, a mulher e o amor.
Pátria retratada com perfeição, a figura da mulher bela, submissa, frágil e virgem e o amor
abrange uma dimensão espiritual e conquistado com muito sofrimento. Nessa perspectiva,
o romantismo francês produziu autores como Cormeille, que concebia uma conspiração
contra a pátria, Racine, reconhecido como um dos mais habilidoso versificador e Voltaire
considerado o primeiro dos seres pensantes (PRADO, 2012).

26
O teatro brasileiro moderno passou a ter visibilidade e constituiu-se quando o
ator João Caetano apresentou no mesmo ano, em 1838, uma tragédia de Gonçalves
de Magalhães, uma comédia em um ato de Martins Pena. Esse fato representa a
composição de uma dramaturgia originalmente brasileira, com dramaturgos e atores
nacionais. Foi na terceira década do século XIX que a produção teatral se desenvolveu
no Brasil. Até este período o teatro que aqui era apresentado originava-se de terras
europeias. Artistas, dramaturgias e empresários eram importados de Portugal para
posteriormente consolidar a produção teatral, casas de espetáculos e espectadores
assíduos (PRADO, 2012).

As raízes do teatro brasileiro estão fixadas no teatro português, que por sua
vez, recebeu influências de um teatro desenvolvido na França e outros países da
Europa. Um gosto voltado para o melodrama de temática sentimental chegou em terras
portuguesas e veio ao Brasil com companhias teatrais que excursionavam pelo país.
Adiante trataremos do melodrama e as tragédias do teatro brasileiro. Nesse momento,
concentraremos nossas forças a traçar conexões entre o Romantismo Literário, a
dramaturgia brasileira e um teatro desenvolvido em terras brasileiras.

A primeira companhia que aporta em terras brasileiras foi a companhia dramática


de Mariana Torres, no século XIX, precisamente em 1812. A companhia traz sete atores
nessa oportunidade e retorna em 1819 para uma longa temporada permanecendo até
1822. Neste território de desenvolvimento teatral brasileiro, os estilos das encenações
modificaram-se na medida que as produções se multiplicaram. As dramaturgias
apresentavam certas sinuosidades em seu enredo nos primeiros atos para eu o
espectador mantivesse um nível de ansiedade elevado. Quando aparentemente tudo
parece não ter solução, a intervenção da Divina Providência (PRADO, 2012).

O público saía dos espetáculos aliviado e reconfortado com a resolução das


peças que poderiam apresentar certo otimismo moral. Os princípios que reinavam as
dramaturgias eram aspectos da bondade do mundo, a justiça que é justa e que na terra
pagamos pelos delitos, como uma lei suprema do retorno do que fazemos na existência.

Para que essa trama ocorra estes grupos, protagonistas e antagonistas,


necessitam ser reconhecidos pela nítida definição de seus papéis. “Quem é mau, é mau
mesmo; quem é bom, é bom mesmo. Inexiste possibilidade de meio termo” (PRADO,
2012, p. 73). Neste sentido, os crimes cometidos eram de certa gravidade, acusações
infundadas, golpes de bens ou títulos, assassinatos e atos com certo requinte de
perversidade. Crimes comuns, cometidos nas ruas apareciam nas tramas.

Nesse contexto, dois acontecimentos marcaram o teatro neste período como


fatos fundamentais para este período. A encenação da tragédia Antônio José ou
O Poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães, e da comédia O Juiz de Paz da
Roça de Martins Pena. Esse acontecimento ocorreu em 1938 e marca o nascimento
oficial da dramaturgia brasileira. Neste sentido, além dos fatos mencionados, duas
crônicas românticas marcaram o drama brasileiro romântico: “A Órfã ou A Assembleia

27
dos Condes Livres e Camões, do escritor franco-brasileiro Luís Antônio Burgain, e as
primeiras comédias, O Triunfo da Imprensa e Um dos Muitos de Joaquim José Teixeira
(mal escondido sob as iniciais J. J. T)” (KIST, 2012, p. 75, grifos nossos). A Figura 13 traz
uma ideia de indumentária do Romantismo e seus valores voltados para a burguesia.

FIGURA 13 – INDUMENTÁRIA DO PERÍODO DO ROMANTISMO E PROPOSTA DE CARACTERIZAÇÃO PARA


TEATRO DA ÉPOCA

FONTE: <https://bit.ly/3DkBmCo>. Acesso em: 21 jan. 2022.

Os principais aspectos que o romantismo proporcionou para o teatro no Brasil


foi a possibilidade de instaurar um teatro genuinamente brasileiro que se aproximavam
das primeiras peças de Victor Hugo e Alexandre Dumas como as mais românticas,
que rompiam com o classicismo em níveis literários, sociais, estéticos, metafísicos e
morais. O drama romântico “[...] onde o herói ou a heroína trazem dentro de si, a um só
tempo, o bem e o mal, o anjo e o demônio, na linguagem poética da época, embebida de
cristianismo” (PRADO, 2012, p. 73). Estes aspectos geram transgressões operadas pelos
personagens como reis, rainhas ou por aqueles que deveriam ser exemplos da moral e
boa conduta. Tais transgressões podem ser crimes como estupros, incestos, parricídio e
outros atos que reforçam a resolução de uma trama do período romântico.

A questão central do teatro romântico circunda termos populares como


o romanesco e mágico, as mágicas teatrais e surreais; o romanesco e o incrível, o
fantástico, aventuras incríveis, prodigiosas, histórias amorosas, histórias fantasiosas e
narrativas que exaltavam o envolvimento amoroso impossível. Personagens homens
solteiros submetidos a leis sociais e ao amor e que se envolviam com mulheres casadas.
Libidinagem, desejos proibidos, luxúria, amor ingênuo capaz de sacrifícios como de
oferecer a própria virgindade ou a vida. Em Alexandre Dumas, a mulher submissa ao
homem, sentimentalmente e sexualmente, encontra-se envolvida em atmosferas de
dependência emocional à figura masculina e que se realiza no casamento (PRADO,

28
2012). O período do Romantismo foi rico por estabelecer o nascimento de uma
dramaturgia original brasileira, tanto no aspecto da encenação romântica, quanto da
estética fantasiosa.

ESTUDOS FUTUROS
A seguir, apresentamos um fragmento do texto do dramaturgo Martins Pena
(Luís Carlos Martins Pena). O renomado dramaturgo nasceu no Rio de Janeiro,
em 5 de novembro de 1815, e faleceu em Lisboa, Portugal, em 7 de dezembro
de 1848. Dentre suas mais notáveis obras está a peça O Juiz de Paz na Roça. O
texto apresenta características do período do romantismo, mas está localizado
na comédia de costumes que estudaremos a diante. Acesse o texto na íntegra,
em: http://www.bdteatro.ufu.br/bitstream/123456789/120/1/TT00149.pdf.

O JUIZ DE PAZ NA ROÇA

Texto dramatúrgico em um ato do dramaturgo.


Martins Pena
ATO ÚNICO

CENA 1

Sala com uma porta no fundo. No meio uma mesa, junto à qual coserão MARIA
ROSA E ANINHA
MARIA ROSA – Teu pai hoje tarda muito.
ANINHA – Ele disse que tinha hoje muito que fazer.
MARIA ROSA – Pobre homem! Mata-se com tanto trabalho! É quase meio-dia e
ainda não voltou. Desde as quatro horas da manhã que saiu; está só com uma
xícara de café.
ANINHA – Meu pai quando principia um trabalho não gosta de o largar, e minha mãe
bem sabe que êle tem só a Agostinho.
MARIA ROSA – É verdade. Os meias-caras agora estão tão caros! Quando havia
valongo eram mais baratos.
ANINHA – Meu pai disse que quando desmanchar o mandiocal grande há-de
comprar uma negrinha para mim.
MARIA ROSA – Também já me disse.
ANINHA – Minha mãe, já preparou a jacuba para meu pai?
MARIA ROSA – É verdade! De que me ia esquecendo! Vai aí fora e traz dous limões.

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(ANINHA SAI) Se o Manoel João viesse e não achasse a jacuba pronta, tínhamos
campanha velha. Do que me tinha esquecido! (ENTRA ANINHA)
ANINHA – Aqui estão os limões.
MARIA ROSA – Fica tomando conta aqui, enquanto eu vou lá dentro (SAI)
ANINHA – (SÓ) – Minha mãe já se ia demorando muito. Pensava que já não poderia
falar com senhor José, que está esperando-me debaixo dos cafêzeiros. Mas como
minha mãe está lá dentro, e meu pai não entra nesta meia hora, posso fazê-lo
entrar aqui (CHEGA À PORTA E ACENA COM O LENÇO). Ele aí vem.

FONTE: <https://www.curso-objetivo.br/vestibular/obras_literarias/Martins_Pena/o_juiz_de_paz_da_
roca.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2022.

3 A TRAGÉDIA E MELODRAMA BRASILEIROS


As definições clássicas de Tragédia transitam por territórios da cultura grega e
reverberou uma estética teatral conectada com os ideais da Grécia Antiga. A tragédia
surgiu conectada ou em termos opostos à comédia. Como gênero dramático, a tragédia
estava inserida como ritual de celebração e para cultuar o deus da fertilidade. A tragédia
possuía certo apelo para o didatismo e tentava mostrar como os espectadores deveriam
lidar com os sentimentos e emoções como o ódio, vingança, amores, traições, ciúmes.
Em contraponto ou em complementaridade, a comédia tratava de situações cotidianas
que pudessem promover o riso ou o deboche. Esses referenciais não foram abandonados
ou extintos na tragédia ou melodramas brasileiros.

De acordo com os referenciais gregos, uma tragédia grega deveria conter um


prólogo, episódio e êxodo. O prólogo funciona como cenas que introduzem a trama com
o coro anunciando, por meio de canto e outros recursos, ao espectador o que está
por vir ou onde a história localiza-se. Os episódios possuem a função de apresentar os
diálogos que ocorrem entre os devidos personagens e entre o coro e as personagens. Os
episódios possuíam a função de mostrar o modo como o personagem central opera na
trama. O êxodo é a finalização do espetáculo teatral grego onde o personagem heroico
reconhece que errou e é contemplado com o castigo divino.

Neste sentido, o melodrama brasileiro apresentou certa conexão com as


raízes gregas e “[...] a sentimentalidade, a variedade de tom, a mensagem positiva e a
exuberância formal marcam o estilo melodramático. Ao acentuar a distinção face aos
gêneros clássicos, os autores de melodramas demarcam as fronteiras de um estilo com
personalidade própria” (KIST, 2012, p. 78). A Figura 14 apresenta uma cena da tragédia
clássica Édipo Rei de Sófocles.

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FIGURA 14 – CENA DA TRAGÉDIA GREGA ÉDIPO REI. ALEGORIA ILUSTRATIVA

FONTE: <https://bit.ly/3Ha2EfV>. Acesso em: 28 set. de 2021.

Os sentidos da tragédia clássica permaneceram em conexão com o melodrama


brasileiro pois os personagens que aportavam neste estilo facilmente poderiam ser
confundidos com os heróis trágicos que aparentemente possuem uma vida de origem
nobre e respeitados em seu cotidiano. Uma vez que o objetivo da tragédia era retratar
questões existenciais, apontar as consequências de suas escolhas e reforçar os efeitos
de uma escolha má. Um fator que influenciou o teatro brasileiro e foi as tendências
europeias, portuguesas e francesas que permitiram o desenvolvimento de um gosto
popular pelo teatro da época. Neste sentido o que estava em ascensão era o melodrama
que explorava temática fundada em aspectos sentimentais (PRADO, 2012).

Ao aportarem no Brasil as companhias teatrais buscavam estabelecer-se em


cidades com certa fervura cultural para que pudessem garantir o público necessário
para obter sucesso em suas produções. “A diferença do ponto de vista entre drama e
melodrama fica patentemente clara quando se confronta o desfecho de duas dessas
peças, ambas colocando em cena a relação pais-filhos, tão encarecida pelo cristianismo”
(PRADO, 2012, p. 73). A influência dessas companhias no teatro brasileiro na definição
de um padrão artístico e estético foi tamanha que permitiu delinear aspectos como
protocolos de espetáculos, a estética de uma noite de apresentações teatrais e até os
modos que os atores desenvolviam seus papéis em cena. A indumentária, aspectos
visuais e a composição da cenografia faziam parte da herança que aportou com as
companhias estrangeiras.

31
FIGURA 15 – INDUMENTÁRIA DE ESPETÁCULOS DO ROMANTISMO

FONTE <https://bit.ly/36EU1gj>. Acesso em: 21 jan. 2022.

O repertório das companhias era selecionado para que obtivessem aceitação


imediata, o que facilitou a popularização do estilo melodramático. Uma noite de
espetáculos nos moldes melodramáticos contavam com três partes distintas, mas que
se interconectavam.

O início era marcado por um número dito sério, esse número poderia aparecer
tanto no drama romântico, no melodrama ou em uma tragédia. Para finalizar a noite
de espetáculos eram exibidos dois números ditos mais leves: uma comédia, farsa ou
bailado. “Sendo tragédia, a peça seguia o padrão neoclássico, acentuando a contenção
em termos de ação, de espaço e de tempo, além de ostentar notável virtuosismo formal.
O drama, por sua vez, era de caráter histórico ou, então, simplesmente contava uma
história sentimental” (KIST, 2012, p. 76).

Em ternos de aceitação de estilo as que agradava o grande público,

[...] as peças seguiam um estilo melodramático que facilmente agradava


o grande público. Isso acontecia na França, onde o melodrama tinha se
desenvolvido, e em Portugal, que acatara a moda. No Brasil, o processo
é semelhante, acrescido de uma particularidade: o melodrama toma
o espaço dos gêneros tradicionais, como é o caso da tragédia, com
velocidade muito maior do que naqueles países. Provavelmente são
duas as razões implicadas: o nível de exigência da plateia, responsável
pela tendência para preferir diversões menos sofisticadas e a fórmula
intrinsecamente otimista do melodrama, que encoraja heróis e
heroínas a lutar por uma sorte melhor (KIST, 2012, p. 76).

O estilo melodrama está ligado ao escritor francês Charles Guilbert de Pixérécourt,


que escreveu uma centena de textos dramatúrgicos, que, evidentemente, foram
encenados inúmeras vezes, levando ao seu sucesso garantido junto ao seu público. “O

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melodrama entrelaça vários gêneros. Contém elementos da epopeia, da tragédia, das
narrativas de terror e da comédia [...], e apresenta quatro figuras características: o herói,
o traidor, a vítima e o bobo, através de numerosas variações” (KIST, 2012, p. 77).

Esse estilo de encenação – ou propriamente dito, um gênero teatral – pode


adaptar-se às necessidades de ser acessível ao público em que será exibido. Se
pensarmos em aspectos que o definem há esferas ou pontos que podemos destacar
que podemos citar em ordem de três: o primeiro ponto está em valorizar o espetáculo
em contraponto a acabamento retórico.

O segundo ponto circunda a felicidade do par central do enredo ou o par que


está conectado por um relacionamento amoroso e o terceiro ponto deste gênero
está a mensagem que buscavam edificar o espectador, ou seja, tentam lançar uma
mensagem instrutiva. A preocupação com a recepção e a tentativa de agradar a plateia
desencadearam uma nova concepção de verossimilhança no teatro.

O melodrama é uma composição movimentada que reúne muitos


personagens e se desenvolve em torno de emoções intensas. Ele é
capaz de aproximar uma soma notável de elementos díspares e até
antagónicos, porque desafia conceitos de verossimilhança vigentes
em outros gêneros dramáticos. Ao misturar epopeia, tragédia,
narrativas de terror e comédia no espaço de uma única peça, vê-se
obrigado a encontrar solução nova para administrar um conjunto tão
opulento (KIST, 2012, p. 77).

FONTE 16 – LIVRO DE MARTINS PENA QUE RETRATA O ESTILO DO TEXTO DRAMATÚRGICO DO ROMANTISMO

FONTE: <https://static.preparaenem.com/2021/02/o-novico.jpg>. Acesso em: 28 set. de 2021.

A trama melodramática poderia apresentar ainda como convenções como um


final feliz, o bem é recompensado e o mal recebe punição exemplar. Este aspecto foi
devidamente explorado e em iniciativas de romper com esse padrão, ou de pensar em
uma nova concepção de verossimilhança, os dramaturgos apostaram em enredos que
buscavam apresentar múltiplos enredos que de modo entrelaçado oferece conclusões
desencontradas para os diversos personagens.
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FONTE 17 – PINTURA ALMEIDA JÚNIOR (1850-1899): MOÇA COM LIVRO

FONTE: <https://bit.ly/3o6fu7v>. Acesso em: 29 set. 2021.

A pintura de Almeida Júnior (1850-1899) retrata a atmosfera do período do


romantismo brasileiro. Os personagens que era alvo das tramas do romantismo eras
geralmente femininas e idealizavam o amor perfeito. Consequentemente, o estilo
respingou nos gêneros que surgiram depois como o melodrama e a comédia de
costumes. O melodrama pode parecer um modo de teatro que busca apresentar certa
simplicidade ou desprovido de efeitos grandiosos. No entanto, no quesito manter a
atenção do espectador, este estilo apresenta certa engenhosidade.

Contrapõe personagens representativas de valores opostos: vício


e virtude; patriotismo e traição; amor e ódio. Alterna momentos de
extrema desolação com outros de euforia, fazendo as mudanças
ocorrer em alta velocidade. Em geral, no andamento da peça o mal
se mostra mais vigoroso, mas, no fim, depois de batalhas, duelos,
explosões e de muitas lágrimas, a situação muda e a virtude são
devidamente reconhecidas (KIST, 2012, p. 77).

Quanto ao desfecho de uma peça melodramática obedece a uma ordem


específica como apresentar uma ordem que deve manter-se para sempre. Assim como
a felicidade do par que desempenha o papel de enamorados que sustentam o amor
romântico e perfeito. Para este feito, o andamento da trama apresenta o afastamento
de qualquer impedimento que poderia afastar o par romântico. “A ideia de que o
binômio felicidade-casamento é indissociável está fortemente vinculada à tradição do
melodrama. Pode haver casos de peças que não fazem do casamento a sua culminância,
porém a mensagem edificante está invariavelmente presente” (KIST, 2012, p. 78).

Neste âmbito de pensarmos nas características do melodrama, podemos afirmar


a que a retórica elegante, rebuscamento e textos sofisticados ficam em plano secundário.
Esse fato se dá pela característica da plateia brasileira da época estar receptiva a recursos
complexos de linguagem. Uma plateia que prefere viver emoções intensas era comum na
época que presenciar discursos rebuscados. Assim podemos afirmar que o melodrama se
desenvolveu conectado com a recepção, com a aceitação do público ou com a tentativa
de ajustar os espetáculos de acordo com o que a reação da plateia.
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As condições da recepção desempenharam importante papel na popularização
do melodrama. Desta forma, o público experimentava na mesma encenação a alternância
de “[...] momentos de tensão máxima com outros de riso e de descontração. O espectador
atravessava sucessivos estados, ria e chorava, e no final saia recompensado. Se não
testemunha sempre a felicidade dos jovens apaixonados, encontra a certeza de que o
crime não compensa” (KIST, 2012, p. 78).

Para exemplificar estes aspectos, trazemos um trecho do texto Trinta Anos ou A


Vida de um Jogador, de autoria de Victor Ducange e Dinaux e datado de 1831. Neste texto
uma passagem retrata alguns dos aspectos com o pai salvando na última hora o filho que
tentara matar, sem saber quem ele era, para morrer pateticamente em seu lugar:

GEORGES (sem alento): Infelizes, de quem eu tenho causado a desgraça!... Meu filho,
detesta o jogo... Bem vês os seus furores e os seus crimes!... Cara esposa... A morte
já se apresenta ante os meus olhos... Oxalá que as tuas virtudes obtenham a sua
justa recompensa e a graça e o perdão do delinquente!

Os universos dramáticos em oposição atravessados por uma dose de metafísica.


Dois aspectos dramáticos apresentam esferas e atmosferas de ação que operam em
intensas conexões: um em contestação, confusão e de moventes deslocamentos. Outra
esfera de reafirmação dos valores moralmente corretos e religiosos. “O crime está no
centro de ambos, mas movendo-se em direções contrárias” (PRADO, 2012, p. 74).

Os folhetins da época reforçavam as características do melodrama brasileiros


trazendo enredos novelescos que poderiam oscilar do melodrama par ao drama de
modo que os dois estilos fossem facilmente confundidos. Em alguns casos poderiam ser
considerados pejorativamente, em termos populares do meio teatral, como dramalhão.
Algum tempo depois Artur Azevedo vai empregar este termo em seus escritos sobre
a arte teatral. Um certo apelo medieval poderia aparecer, o adultério feminino, a
prevaricação de uma condessa enquanto seu esposo encontra-se em viagem ou em
missão de conquista. O final da trama poderia ser marcado com uma impiedosa ação
radical conectada com algo romântico (PRADO, 2012).

O soneto de Artur Azevedo retrata esse aspecto dramalhão da época e demonstra


alguns aspectos apresentados anteriormente. Confira a seguir o soneto (GUINSBURG;
FARIA; LIMA, 2006, p. 119):

Que dramalhão! Um intrigante ousado,


Vendo chegar da Palestina o conde,
Diz-lhe que a pobre condessa esconde
No seio o fruto de um amor culpado.

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Naturalmente o conde fica irado:
- O pai quem é? – pergunta. Eu! Lhe reponde
Um pajem que entra – Um duelo – Sim! Quando? Onde?
No encontro morre o amante desgraçado.

Folga o intrigante... Porém surge um mano,


E, vendo morto o irmão, perde a cabeça;
Crava um punhal no peito do tirano!

É preso o mano, mata-se a condessa,


Endoidece o marido... E cai o pano
Antes que outra desgraça aconteça.
Artur Azevedo

O melodrama com sua extraordinária capacidade de arranjar finais felizes,


distribuir castigos por má condutas e recompensas para que merecer ou por mérito
de cada personagem. Ao melodrama podemos atribuir a função de provar por todas as
conexões e resoluções que Deus escreve direito por linhas tortas, ou seja, a divindade é a
mantenedora de todos os seres e acontecimentos. Neste sentido “[...] o público deleita-se
com o espetáculo da vilania, porque sabe que no fim sairá reconfortado em seu otimismo
moral. Apesar das aparências, o mundo é bom, a justiça, que tarda, mas não falha, acaba
por realizar-se aqui mesmo na terra, perante os nossos olhos” (PRADO, 2012, p. 73).

A radicalidade do melodrama estava em estabelecer relações entre dois grupos


básicos de protagonistas e antagonistas que podem ser reconhecidos nitidamente pelas
características que operam em cada esfera de ações dramáticas. Personagem mau
é extremamente mau e personagem bom, benevolamente bom. A moderação é algo
que não está presente e o meio termo oferece espaço para extremismos. “Quanto aos
crimes cometidos, graves, sem dúvida, acusações falsas, usurpação de bens e títulos
sociais, assassínios, são, de certo modo, de ordem primária, não possuindo requintes
intelectuais de perversidade. Sem prejuízo da malignidade, são crimes comuns, desses
que correm as ruas” (PRADO, 2012, p. 73).

FIGURA 18 – OS DRAMATURGOS ARTUR AZEVEDO E GONÇALVES DE MAGALHÃES

FONTES: <https://bit.ly/3ACmSfS>. Acesso em: 21 jan. 2022.

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FIGURA 19 – GONÇALVES DE MAGALHÃES

FONTE: <https://bit.ly/3G6riNg>. Acesso em: 21 jan. 2022.

Em um cenário em que a estrutura da tragédia clássica e neoclássica e do drama


romântico marcaram presença, o melodrama representa uma proposta híbrida que
conseguiu estabelecer-se em meio caminho para atender a um público interessado nas
tramas melodramáticas e suas peripécias. Mesmo com camadas sociais intelectualizadas
preferindo assistir espetáculos que se aproximavam dos valores morais da tragédia
clássica, no Brasil o gênero melodramático obteve sua consolidação. O gênero
melodramático sucedeu o Romantismo que obteve com o dramaturgo Gonçalves de
Magalhães e seu texto icônico Antônio José ou O Poeta e a Inquisição (KIST, 2012). Para
complementar este tema sugerimos acessar o texto que mencionamos anteriormente
que poderá oferecer novas conexões com o movimento do Romantismo e reconhecer
possíveis características do gênero melodramático.

ESTUDOS FUTUROS
Acesse o texto que foi o principal pontapé para o surgimento do romantismo
com o dramaturgo Domingos José Gonçalves de Magalhães e seu texto Antônio
José ou O Poeta e a Inquisição. Neste texto, você poderá conferir as características
de um texto dramatúrgico do romantismo e desenhar, associar ou conectar
seus aspectos com o gênero melodramático. Bons estudos! Disponível em:
https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4161.

4 O DRAMA E A DRAMATURGIA
Neste subtópico, abordaremos o Drama e a Dramaturgia no período em que o
teatro firmou duas raízes no Brasil e outras discussões que se conectam com o tema
enfatizando as possibilidades de conhecermos as definições destes dois termos. O Drama
como gênero, estilo ou possiblidade do ser humano produzir enredos que podem retratar
37
determinadas situações reais ou fictícias. Dramatização corresponde a capacidade do ser
humano de criar ação corporal assumindo as características de um personagem. Já a
dramaturgia corresponde aos textos criados para serem encenados, para serem postos
em cena por diferentes atores, companhias ou diversas adaptações possíveis.

Neste sentido, o ato de contar histórias está presente desde os tempos primitivos
quando os habitantes das cavernas supostamente costumavam relatar suas caçadas ou
acontecimentos para seus pares usando recursos dramáticos. Desde tempos antigos,
o hábito de relatar por meio da oralidade, suas histórias envolvendo seres fantásticos,
deuses ou feitos heroicos esteve presente. Neste sentido, o recurso da oralidade e a
capacidade de contar histórias fantásticas também foi um recurso utilizado nessa época.

Como vimos anteriormente, o teatro brasileiro nasceu em ações religiosas de


padres jesuítas para catequisar povos nativos. Essas narrativas eram baseadas em
biografias de santos, passagens bíblicas ou outras criações dramatúrgicas criadas
pelos padres jesuítas. Este início da construção de uma tradição artística teatral foi
aperfeiçoada e foi importante para a presença, em séculos mais tarde, de um teatro
original brasileiro. O período de implementação das primeiras comunidades e os séculos
posteriores foi marcado pela presença de encenações a serviço da catequização.

O teatro servia como instrumento de evangelização. Mais tarde, a presença


de espetáculos teatrais com objetivos de entretenimento e arte foram desenvolvidos
conectados com a vinda da família real e a modernização das cidades. Esse fato permitiu
a construção de casas de espetáculos em diversas cidades do país e a constituição de
uma arte teatral centrada nas possibilidades de experienciar esteticamente o fenômeno
teatral, afastando-se de abordagens submetidas a outras finalidades a não ser a
apreciação estética.

A estrutura clássica de uma dramaturgia circundava os seguintes elementos: o


prólogo, o desenvolvimento, resolução, final e êxodo. A presença do coro era fundamental
para que a trama pudesse ser desenvolvida. O coro consistia em um grupo de atores
que marcavam a presença nas cenas com cantos, textos pronunciados coletivamente e
outras movimentações que pudessem ser importantes para o espetáculo.

FIGURA 20 – CORO AOS MOLDES GREGOS EM ENCENAÇÃO CONTEMPORÂNEA

FONTE: < https://bit.ly/3qMjmvQ >. Acesso em: 28 set. 2021


38
De acordo com as discussões anteriores a dramaturgia brasileira estabeleceu-
se recebendo influências de movimentos artísticos que ocorreram com intensidade no
continente europeu e ressoou em outras localidades. As companhias teatrais que vinham
de Portugal ou de outro país europeu, trouxeram vivacidade para o desenvolvimento
teatral no Brasil.

A inevitável miscigenação de culturas ocorreu com a vinda do povo africano e


da permanência da cultura nativa em diversos aspectos da cultura artística nacional.
Vimos também anteriormente as manifestações culturais que temos na atualidade que
apresentam características dos povos africanos ou dos povos originários. Em alguns
casos, temos a presença da cultura açoriana, espanhola ou de outro país europeu que
colonizou o Brasil.

Posteriormente à vinda da família real para o Brasil, as produções passaram a certa


intensificação para atender a um público crescente. O romantismo europeu desenvolveu
suas ramificações que sucedeu o melodrama e a comédia de costumes. A estrutura
dramática passou a romper com padrões clássicos para inserir novas possibilidades
criativas. O Romantismo cresceu imensamente na literatura e a dramaturgia recebeu
suas ressonâncias. Os exageros do romantismo foram incorporados no melodrama
que passou a ser estilo central de encenação de uma época em que o teatro brasileiro
passou a fortalecer suas bases.

Em tempos que o teatro se adaptava de acordo com a recepção, ou seja, o


público influenciava diretamente nos modos de criar teatro quando aceitava um
estilo calorosamente e a expectativa popular era de retornar para o teatro e encontrar
encenações com o mesmo formato e configuração. A retórica rebuscada que outrora era
presente em textos do romantismo, abre espaço para uma linguagem simplificada para
que pudesse ser acessível diante de um espectador que apresentava pouca aderência
a textos longos complexos e rebuscados (KIST, 2012).

O público da época optava por encenações que pudessem oferecem emoções


arrebatadoras fazendo do espetáculo momento de certa descontração. As encenações
melodramáticas buscavam prender a atenção do público com a alternância de
momentos tensos para logo após apresentar momentos de risos. Era comum uma
trama melodramática apresentar recursos para fazer o público chorar, rir, tensionar e ser
testemunha da felicidade do casal protagonista apaixonado. Na trama melodramática, a
certeza de que o crime não compensa e de final feliz eram certos (KIST, 2012).

Quando autores passam a romper com os padrões dos gêneros clássicos da


dramaturgia, rompem com textos versados e estabelecem novos modos de escrita,
passam a provocar os encenadores a criarem modos outros de encenação. As fronteiras
entre o drama clássico e o melodrama foram rompidas para permitir o nascimento de
personalidade própria. A estrutura da dramaturgia melodramática passa a ser o exagero,
busca por ideais amorosos, certa simplicidade em comparação aos textos anteriores,
final feliz e certo exagero em representar o amor romântico e perfeito (KIST, 2012).

39
A dramaturgia melodramática busca entrelaçar diversos gêneros, podendo
conter a epopeia, a tragédia, narrativas de terror, a comédia entre outros modos de
criar textos e encenações para um espectador que adorava ser surpreendido. Este
aspecto pode ter desenvolvido a base para que a dramaturgia brasileira pudesse ter sua
consolidação artística. Geralmente, as tramas apresentavam personagens característicos
como o herói, o traidor, a vítima e o bobo. Estes personagens estabeleciam suas ações
valorizando o espetáculo, ante aos discursos retóricos clássicos, destacando a busca
e concretização da felicidade do par romântico e uma mensagem final que buscava
reforçar ideais um tanto religiosos (KIST, 2012).

Ao desafiar os fundamentos e conceitos da verossimilhança vigente na época, o


melodrama apresenta elementos díspares e até antagônicos, que parecem contraditórios.
Ao misturar etilos de narrativas em um único texto o dramaturgo encontra a tarefa difícil
de encontrar encadeamentos coerentes e desfechos aceitáveis ou imprevisíveis. É
comum encontrarmos soluções divinas ou casos de milagres para reafirmar a predileção
do público por uma história com final feliz, o bem recompensado e o mal sofrendo as
punições de acordo com o feito maléfico. Em certo sentido, podemos considerar o
melodrama como um gênero de teatro singelo. Suas tramas são engenhosas ao buscar
recursos para prender a atenção do espectador. Ao contrapor personagens com valores
opostos como vícios e virtudes, patriotismo e traição; amor e ódio os dramaturgos criam
momentos extremos de euforia, operando mudanças bruscas, velocidades outras e
atmosferas. “Em geral, no andamento da peça o mal se mostra mais vigoroso, mas, no
fim, depois de batalhas, duelos, explosões e de muitas lágrimas, a situação muda e a
virtude são devidamente reconhecidas” (KIST, 2012, p. 77).

Os modos de apresentar o desfecho das encenações melodramáticas definido


pelo apelo ao que permanece para sempre, a felicidade que perdura acentuando o
casamento feliz em contraponto com a traição que pode destruir a perfeição do casal
de enamorados. já o drama histórico está estruturado em feitos reais que podem ter
acontecido em outros países e que apresenta a possibilidade de entrelaçar os fatos
narrados com uma história amorosa fictícia. A narrativa amorosa pode entrelaçar os
acontecimentos em conflitos políticos que não concordam com a união amorosa até
apresentar elementos que resolvem a trama (KIST, 2012).

As dramaturgias deste período, tanto o melodrama quanto o drama histórico se


distanciaram das canônicas regras da tragédia para dar espaço a histórias permeadas
de elementos surpresa. O descolamento dos esquemas da tragédia clássica permitiu
abandonar as noções de espaço e tempo, “[...] a ação concentrada no tempo e no espaço,
envolvendo um número pequeno de personagens, pouca ação física e linguagem
versificada” (KIST, 2012, p. 78)

Outros elementos eram utilizados para retratar em cena o que os textos


dramatúrgicos deste período retrataram, do drama e melodrama, apresentavam um
certo deslocamento por diferentes espaços e atmosferas para traduzir por meio da cena,
os sentimentos que envolvem os personagens. “[...] iluminação, movimento, figurinos e

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múltiplos elementos plásticos são convocados para compor cenários impressionantes.
Tal dispersão vai igualmente afetar a unidade de tempo” (KIST, 2012, p. 78). As peripécias
em continuidade são recurso importante, bem como avanços temporais, regressões ao
passado ou outro movimento memorial para decifrar segredos ou resolver tramas.

As dramaturgias dessa época eram cheias de elementos que deixavam o enredo


repleto de reviravoltas, confusões de identidade, cartas que se perderam e não chegaram
ao destinatário, disfarces para tramar emboscadas, desencontros que culminavam em
acontecimentos e a presença de envenenamento ou de punhaladas suicidas. Estes
aspectos aparecem tanto em dramaturgias do romantismo quando no melodrama. “O
romantismo elege temas que a sociedade concebe como tabus. Amor impossível, adultério,
incesto, estupro, parricídio e regicídio são os principais dentre eles” (AZEVEDO, 2012, p.
95). O que difere os dois gêneros está no fato de o melodrama estar envolvido em deixar
evidente a lição de moral com finais felizes e punições para maus versus recompensas
para os bons. “Já o drama romântico quer trazer ao palco figuras que estão em conflito
com os valores da sociedade, que se recusam a aceitar as regras estabelecidas e que,
muitas vezes, se dilaceram internamente por causa disso” (AZEVEDO, 2012, p. 95).

Considerando o contexto histórico da época do Brasil colônia, o teatro


desenvolveu-se de forma original e com expressiva contribuição para a arte brasileira.
Este período aponta para a tentativa de desenvolver uma dramaturgia que seja original
brasileira e que possa retratar a aproximação com o espectador da época. As companhias
teatrais que aqui aportaram encontraram campo fértil para o desenvolvimento de um
teatro que pudesse atender as necessidades da burguesia, mas que se aproximou do
espectador popular. A seguir trataremos de outro gênero de arte dramática amplamente
desenvolvida no Brasil e que se popularizou tanto quanto o melodrama.

5 COMÉDIA DE COSTUMES
A comédia de costumes é centrada no retrato de determinado grupo social em
que o dramaturgo está inserido. A abordagem é de aspectos dos hábitos e costumes de
um grupo social e nunca sobre um indivíduo. A crítica satírica envolvendo os tipos sociais
mesmo com a estilização cômica. Este gênero prioriza o retrato de uma sociedade com
hábitos e costumes que podem provocar o riso. Em terras brasileiras a comédia de costumes
apoiou-se em na comicidade, na intriga e tipos sociais. Com Martins Pena, considerado o
Mollière brasileiro, o gênero nasceu e desenvolveu-se (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006)

No período do romantismo brasileiro surgiu além do melodrama as comédias


românticas. Essa modalidade desenvolveu-se amplamente com as produções do
comediógrafo Martins Pena. Com habilidade para escrever textos dramatúrgicos
era fiel aos temas nacionalistas o autor impressionava com a inserção de meandros
dos costumes que faziam rir (AZEVEDO, 2012). Um fato histórico que impulsionou o
desenvolvimento cultural foi a vinda da missão francesa em 1816.

41
Mesmo com a presença de artistas e intelectuais vindos da Europa, a crítica da
imprensa da época anunciava a precariedade da arte brasileira e convocava os artistas
ou companhias a buscarem no contexto europeu a qualidade idealizada. “A inauguração
do Real Teatro de São João em 1813, depois rebatizado ao compasso das conjunturas
políticas, animou a criação de aproximadamente 23 casas de espetáculo em diversos
pontos do reinado na primeira metade do século XIX” (ARÊAS, 2012, p. 121).

FIGURA 21 – PRAÇA DO TEATRO REAL SÃO JOÃO – RIO DE JANEIRO. PINTURA DE JEAN BAPTISTE DEBRET
(APROX. 1834)

FONTE: <https://bit.ly/3tRfvzi>. Acesso em: 28 set. 2021.

O gênero que mais floresceu em terras brasileiras foi a comédia que rompeu
com padrões, em meio a instabilidade cultural e crises de sentido. Há discussões sobre
quem obteve os créditos em torno da criação da comédia brasileira. Alguns estudiosos
afirmam que o criador da comédia nacional foi a obra de Araújo Porto Alegre. Outros
estudiosos afirmam que a criação da comédia nacional se deu com a obra de Martins
Pena e Joaquim Manuel de Macedo (ARÊAS, 2012).

Luís Carlos Martins Pena (1815-1848) foi dramaturgo, poeta e personagem que
praticou a escrita de textos para serem encenados reunindo aspectos da comédia de
costumes. Sua infância foi difícil, órfão de pai e mãe aos dez anos não tinha acesso aos
intelectuais da época. Sem revelar sua vocação, foi enviado por um grupo de tutores
comerciantes a fazer aulas de economia. Nesse tempo, teve acesso a aula de música
e possuía uma admirada voz de tenor. Estudou línguas, como inglês, francês e italiano.
“Essa formação variada e não ortodoxa certamente facilitou-lhe o desenvolvimento do
gosto artístico, aguçando o ouvido e o olhar de observador, qualidades prescindíveis a
quem alimente pretensões teatrais” (ARÊAS, 2012, p. 124).

O ano de 1838 foi decisivo para o teatro brasileiro e para Martins Pena por estrear
em pouco tempo com um sucesso estrondoso dois espetáculos que encenaram seus
textos dramatúrgicos. A peça Antônio José e a primeira comédia com O Juiz de Paz da
Roça. A obra de Martins Pena está apoiada na “[...] política do favor como mola social, a
corrupção em todos os níveis, a precariedade e atraso do aparelho judicial, a exploração

42
exercida por estrangeiros e a má assimilação da cultura europeia importada [...]” (ARÊAS,
2012, p. 125). As obras de Martins Pena eram geralmente protagonizadas pelo ator João
Caetano. “Acrescentem-se a esse rolo contrabando de escravos, os mecanismos da
contravenção, a servidão por dívida, comportamentos sexuais e familiares etc. Esses e
outros aspectos que percorriam a sociedade brasileira de alto a baixo são exibidos no
palco” (ARÊAS, 2012, p. 125).

Um jogo de palavras que desmentiam realidades da cena e das personagens.


Contextos escravistas aparecem para estabelecer certa incompatibilidade entre que
está sendo dito e o que executam em movimentos que constroem certa ironia dramática
de uma encenação.

Entre as personagens encontramos funcionários públicos e toda uma


gama de empregados de repartições, representantes da elaboração
lenta e difícil de uma camada social intermediária no Brasil. A eles
acrescentam-se caixeiros, classe politicamente avançada na, sacristãos,
soldados, artesãos, floristas e costureiras, essas últimas tidas como
profissões prostituídas de moças pobres (ARÊAS, 2012, p. 127).

Outros elementos que aparecem na dramaturgia de Martins Pena em


apresentações de rua com engenhosidade, presença de animais adestrados, pirotecnia
com fogos, recursos sustentados por armações e emboscadas. Atores “[...] executando
piruetas no alto de mastros, bufões ‘irresistíveis’ e até mesmo números da Commedia
dell'Arte” (ARÊAS, 2012, p. 127, grifo nosso).

Em 1844 o texto O Namorado ou A Noite de São João o autor presenta-se


extremamente inovador conjugando três fios condutores: o primeiro consiste em uma
trama amorosa característica da comédia de costumes; mesmo que ele nunca tenha
dedicado seu tempo a escrever comédias de amor.

O segundo fio condutor está firmado na farsa rústica portuguesa, personagens


submetidos a dívidas. A farsa com personagens rústicos, palavras coloquiais e
pancadaria sobrepõe-se em uma revolta por uma relação exploratória trabalhista. E o
terceiro fio condutor da comédia de Martins Pena transita em elementos próprios da
farsa com personagens característicos: personagem idoso com desejos sexuais por
uma moçoila que possui um marido e o sobrinho do idoso interessados em possuí-la.
Para finalizar a trama a convergência destes três fios ocorre com uma fogueira em noite
de São João como metáfora do amor e do que será resolvido (ARÊAS, 2012).

A comédia de costumes de Martins Pena há tramas amorosas e sexuais que


rompem com padrões sociais e até com barreiras entre classes: “[...] entre jovens da
mesma condição econômica, outros mais pobres, entre velhos casados e ricos, entre
serviçais, entre patrão (moço ou velho) com empregadas, entre moço rico e vários tipos
de mulher: velha, moça, bonita, feia, branca, cabocla, escrava” (ARÊAS, 2012, p. 129).
Os ditos pressupostos teatrais atravessavam a comédia, oferecendo para a resolução
da trama entrelaçadamente uma versão que remete facilmente aos modelos clássicos.

43
Neste sentido, a inovação inventiva de Pena foi a introdução na “[...] simetria da tradição
cômica (velhos versus jovens, serviçais versus amos, nacionais versus estrangeiros
etc.) uma assimetria básica: a presença dos escravos, que se deslocam no palco sem
correspondência de pares” (ARÊAS, 2012, p. 30).

Para encerrar a trama inovadora de Pena, a presença de escravizados eram


frequente e eles sem protagonismo, agiam como suas funções sociais exercendo papéis
e submissão sem a devida razão, desprovidos de capacidade de pronunciamento,
trabalham incessantemente aos berros e chicoteamentos de seus senhores. Eram
frequentemente enganados, forçados a compor a narrativa à margem da trama
central divertida e velozmente construída ou contemplada pelo espectador. O tema
da escravização de pessoas africanas seguia a tradição da época e marcava presença
como suporte para as peripécias centrais (ARÊAS, 2012).

A produção de comédias de Martins Pena estava de consonância com as


necessidades de oferecer ao espectador obras teatrais que provocassem o riso com
cenas baseadas nos hábitos e costumes de uma sociedade brasileira baseada nas
relações de exploração do trabalho, da burguesia em conchavos tenebrosos e a
presença de uma corte real que operava politicamente em território nacional. Diante da
precariedade de espaços, recursos e possibilidades cênicas, o legado de Martins Pena
perdurou até os tempos atuais em que iniciativas populares de comédias e humoristas
nacionais promovem a criação de releituras e adaptações de estilos conectados a
comédia de costumes. Dramaturgias televisivas e programas de humor apresentam
traços de uma comédia com suas raízes nos costumes, condições sociais, sátiras
com questões de classes e diálogos com personagens tipo. No subtópico a seguir,
abordaremos o ator, sua arte de atuar em espetáculos da época abordada neste tópico.
Seguimos com nossos estudos.

6 O ATOR, A ARTE DE ATUAR E O ESPETÁCULO


Ao abordarmos o termo ator podemos buscar referências ao ato profissional
de atuar em espetáculos cênicos. Em uma ação temporal, espacial e geograficamente
localizada em uma cena teatralizada, o ator busca corporificar as mais variadas histórias
e apresentá-las a um público. O ator exerce em sua arte de atuar uma criação ficcional
que envolve seu corpo como um todo. Seja pelo estes os sujeitos que executam uma
cena teatral, o ator e a atriz, são peças fundamentais para que o fenômeno artístico
teatral possa ocorrer (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

Considerando o trabalho de atuação em espetáculos teatrais do período colonial


brasileiro foi amplamente afetado pela vinda de D. João VI ao Brasil, em 1808. O Príncipe
Regente da Coroa portuguesa adota política de incentivo à cultura e desenvolvimento
das artes cênicas. Nesse sentido, busca incentivar as artes cênicas com o princípio de
que o teatro é um instrumento civilizador. Com este objetivo, o Príncipe providencia o

44
convite de companhias teatrais portuguesas para instalarem-se em terras brasileiras,
no teatro Real São João, para produzir espetáculos teatrais. Neste período o ator João
Caetano dos Santos considerado o primeiro ator brasileiro reconhecido. Este importante
personagem definiu os modos de atuação da época e influenciou outros artistas da
cena. Ele propunha que o ator é responsável pela criação de um papel e ele necessita
conhecer profundamente a sociedade em que está inserido e estudas outros modos de
vida e cabe ao ator representar papéis com credibilidade em qualquer estilo, seja em
encenações românticas ou em comédias (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

FIGURA 22 – O ATOR JOÃO CAETANO (1808-1863)

FONTE: <https://bit.ly/3IJF0qI>. Acesso em: 29 set. 2021.

O ator João Caetano é peça central para compreender a formação do teatro


brasileiro na perspectiva de um desenvolvimento específico nacional. O ator marcou
os palcos do teatro brasileiro com sua genialidade, vivacidade e intensa produção. O
ator foi exceção da época por ter desenvolvido o setor cultural de tal forma que outros
profissionais ligados as artes cênicas não atingiram. “Somente ele, na sua dupla função
de ator e de empresário, sustentou durante três decênios a continuidade de nossa vida
teatral, em condições sempre adversas e em nível surpreendentemente alto (RAMOS,
2012, p. 137).

O período de desenvolvimento do teatro romântico ocorreu entre 1833 e 1863,


coincidindo com a atuação e sucesso do ator João Caetano. No ano de 1933 o ator
cria na cidade de Niterói a primeira companhia teatral do Brasil. “Trinta anos na vida do
maior ator romântico compreendem todas as manifestações dramáticas e cênicas do
romantismo teatral e tangenciam, inclusive, as fases identificadas como anterior e de
ruptura com o romantismo” (RAMOS, 2012, p. 138).

45
João Caetano foi o ator que mais encenou textos dramatúrgicos de Martins
Pena no Imperial Theatro São Pedro. Esse Teatro recebeu o nome de Real Teatro São
João e posteriormente alterou o nome para Imperial Theatro São Pedro. O período de
encenações que iniciou com a “[...] estreia de O Juiz de Paz da Roça no Teatro S. Pedro,
em outubro de 1838, poucos meses depois da encenação de António José ou o Poeta
e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães (1811-1882), até o fim da colaboração de
Pena como folhetinista do Jornal do Comércio, em outubro de 1847” (RAMOS, 2012, p.
138). Neste sentido, o ator contribuiu amplamente como artista teatral consolidando os
percursos e processos de encenação no Brasil.

O ator João Caetano agia como empresário, produtor, ator, adaptador teatral
e fomentador incansável das artes da cena. Suas atuações eram virtuosas e como
produtor atuou intensamente até 1857, ano da inauguração do Teatro São Pedro, que
manteve até sua morte como uma referência das artes cênicas no Brasil. “Também é
inegável que no estilo de interpretação de João Caetano já havia um passo no caminho
do realismo, na medida em que se rompia com o modelo neoclássico de interpretação
e avançava-se rumo a uma interpretação menos hierática e mais sanguínea” (RAMOS,
2012, p. 138).

O trabalho de atuação de João Caetano buscava compreender o corpo humano


seu funcionamento, pontos de equilíbrio e esquemas de movimentos. Explorava
oposições entre membros superiores e inferiores, movimentos de braços e antebraços
para captar a atenção do público.

Ao compreender o funcionamento dos músculos faciais para que pudessem estar


prontos para qualquer ação cênica, o ator buscava o condicionamento necessário para
uma atuação prodigiosa. Além disso, João Caetano procurou estudar profundamente
seu instrumento de trabalho (seu corpo) para que se tornasse potencialmente criativo,
artístico e com capacidade para transformar-se de acordo com cada encenação
(RAMOS, 2012).

O ator traduziu em suas encenações o sentimento romântico com certa inovação


ao adotar novos modos de encenação que se afastavam dos moldes versados e diálogos
rebuscados. O ator desempenhou importante papel ao estrelar faras, melodramas,
tragédias e óperas ou produzir encenações de enorme sucesso na época. A tecnologia
cênica foi amplamente desenvolvida nessa época ao montar espetáculos com bases
românticas que reverberaram no surgimento de um teatro dito realista. As comédias
de costumes, as operetas, de encenações mágicas, materialidades conectadas com o
cotidiano fundaram o teatro que floresceria em décadas seguintes. Nesse sentido, “[...]
além do papel central de João Caetano em todo o processo, sobressai a participação de
Martins Pena como dramaturgo, encenador e crítico. É ele que, mais do que o consagrado
ator; emerge como o grande pioneiro no processo de aquisição de uma tecnologia de
encenação europeia” “(RAMOS, 2012, p. 139).

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As noites de espetáculos eram eventos importantes que poderiam agregar
operas aos moldes europeus, comédias, dramas românticos e melodramas. Essa
variedade buscava fomentar e desenvolver o gosto ou o hábito de fruir espetáculos de
arte teatral. A presença de elementos diversos em encenações marcavam a variedade
dos espetáculos. Nesse sentido, a

[...] participação combinada de membros dos corpos estáveis –


músicos, atores e bailarinos – e artistas convidados. Esse ecletismo,
que combinava a ópera e a farsa, o melodrama e o concerto de
câmara reflete, na verdade, o papel central que uma instituição como
o S. Pedro desempenhou na difusão cultural e no entretenimento
da população da corte nas três primeiras décadas depois da
independência (RAMOS, 2012, p. 142)

Nesta perspectiva, o ator João Caetano “[...], foi um ator extraordinário, que
se notabilizou como protagonista de tragédias neoclássicas, dramas românticos e
melodramas, que consagraram seu estilo de interpretação grandioso e grandiloquente”
(RAMOS, 2012, p. 148). Para finalizar este tópico de estudos reforçamos a necessidade de
conhecermos as raízes do teatro brasileiro e como a atualidade apresenta a diversidade
cultural e cênica possibilitando experimentações conectadas a diversas áreas da arte.

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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O romantismo foi um movimento literário, artístico que perpassou as mais diversas


áreas da arte, e, com o teatro não foi diferente, permitindo florescer um estilo
dramatúrgico originariamente brasileiro.

• As características do romantismo incluíam exaltação de ideais amorosos, certa


liberdade de expressão, tendência ao nacionalismo, sustentação da religiosidade,
valorização da emoção diante da razão, egocentrismo acentuado e individualismo.

• O melodrama recebeu influências do romantismo e do teatro vindo da Europa. No


melodrama o texto era elaborado considerando a recepção de um público que não
aderia a textos rebuscados. No melodrama, a plateia vibrava com intensas emoções
e termos populares nas tramas.

• Os textos dramatúrgicos do melodrama entrelaçavam diversos gêneros para que


o espetáculo pudesse oferecer o máximo de surpresa, emoção e imprevisibilidade.
Esse aspecto ofereceu significativo avanço para a dramaturgia original do país.

• A comédia de costumes era baseada em textos que pudessem causar o riso na plateia
e fundada em hábitos cotidianos de uma sociedade. Poderiam aparecer peripécias
envolvendo tramas amorosas, personagens envolvidos em dívidas e os universos
eram coletivos e raramente individuais.

• O maior dramaturgo da comédia de costumes no Brasil foi o escritor Martins Pena que
era considerado o Mollière brasileiro.

• O ator João Caetano foi importante para o teatro brasileiro por ter múltiplas habilidades
além de ser um exímio ator. Ele era empresário, produtor, ator e encenador que
revolucionou os modos de produzir artes cênicas no Brasil.

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AUTOATIVIDADE
1 O movimento literário brasileiro chamado de “Romantismo” ocorreu na literatura, na
arte dramática e na pintura. O florescimento do Romantismo deu-se com influências
do período romântico europeu e agregou elementos de um teatro brasileiro em
desenvolvimento para posteriormente consolidar uma arte dramática essencialmente
brasileira. Diante desse pressuposto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O romantismo era baseado em enredos surreais, narrativas fantásticas, e adoção


de recursos clássicos tradicionalmente ancorados no teatro antigo.
b) ( ) A estética do romantismo está ancorada no teatro de catequese e na proposta
de inserir textos bíblicos intencionando a doutrinação da plateia.
c) ( ) O período romântico foi marcado pela liberdade de criação teatral e com
certo desapego aos moldes teatrais europeus para fazer nascer um teatro
especificamente conectado com ideais do governo argentino.
d) ( ) As características do Romantismo eram conectadas com ideais amorosos, certa
liberdade de expressão, tendência ao nacionalismo, sustentação da religiosidade
entre outras.

2 O melodrama surgiu com a reunião de estilos, gêneros e elementos teatrais e


da necessidade de inovar os modos de fazer teatro no Brasil. O público de teatro
melodramático preferia encontrar nos espetáculos fortes emoções e refutar textos
rebuscados ou versados. Com base nas definições dos do teatro melodramático,
analise as sentenças a seguir:

I- No melodrama o texto era elaborado considerando a recepção de um público que


não aderia a textos rebuscados.
II- Emoções fortes, elementos surpresa e mistura de gêneros eram elementos
presentes em uma encenação melodramática.
III- O melodrama era baseado em conceitos da filosofia grega e estava estruturado nos
moldes tradicionais do teatro antigo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

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3 O dramaturgo Martins Pena foi um dos escritores de notável destaque no cenário
da dramaturgia nacional. Ele foi considerado o Mollière brasileiro pelo seu estilo
de composição de textos dramatúrgicos que agradavam o público e por adotar
elementos ou recursos teatrais que remetem aos textos escritos pelo dramaturgo
francês Mollière. De acordo com os seus princípios, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) A dramaturgia de Martins Pena estava conectada com os costumes sociais e


enfatizava aspectos de cada contexto social.
( ) A dramaturgia de Martins Pena estava conectada com o gênero comédia de
costumes e buscou inspiração nos textos de dramaturgos europeus como Mollière.
( ) A dramaturgia de Martins Pena não foi bem aceita pelo público da época e esse fato
forçou o autor a modificar seu estilo de escrita para retornar aos padrões europeus.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A comédia de costumes é um gênero teatral que envolve tramas contendo situações


que provocam o riso. São personagens tipo que agem para desenvolver uma
dramaturgia baseada em textos baseados em hábitos cotidianos de uma sociedade.
Poderiam aparecer peripécias, envolvendo tramas amorosas, personagens envolvidos
em dívidas e os universos eram coletivos e raramente individuais. Diante destes
pressupostos, disserte sobre a comédia de costumes.

5 O ator de teatro João Caetano foi personagem central no desenvolvimento do teatro


Brasileiro. Ele com suas múltiplas habilidades, o ator encenou inúmeros textos de
Martins Pena e agiu como produtor, encenador e agente das artes cênicas. O ator
João Caetano foi mantenedor de espaços teatrais de companhias e produtor de
milhares de espetáculos relacionados as artes cênicas. De acordo com a genialidade
de João Caetano, disserte sobre sua proposta de atuação ou trabalho de ator.

50
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
TEATRO NATURALISTA E REALISTA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você encontrará conhecimentos importantes sobre estilos e
abordagens conectados com o teatro realista, naturalista e seus representantes. A
dramaturgia brasileira de um período em desenvolvimento das cidades brasileiras passou
por profundas transformações. A configuração da sociedade brasileira e as influências
externas como de companhias de teatro europeias influenciaram o desenvolvimento de
estilos inovadores. O realismo no teatro nasceu em meio a efervescência social e cultural
e de uma ascensão de uma burguesia brasileira com suas características próprias.

O Realismo e Naturalismo no teatro brasileiro podem ser facilmente confundidos


se pensarmos nas definições gerais a serem discutidas. Os ismos em termos de
movimentos artísticos indicam o desenvolvimento de iniciativas que promovem
inovações, estilos próprios ou atitudes coletivas que podem definir os modos de
estabelecer relações com a arte e o conhecimento que pode surgir dela.

O Realismo busca ressaltar em suas propostas de encenação certa feição


ao moralismo, descreve os costumes justapostos à prescrição de valores fundados
eticamente no trabalho, na honestidade, no casamento como algo sagrado, apresenta
uma burguesia boa em oposição a burguesia má. Os personagens circundam as
atmosferas de heróis com comportamento exemplar, pais e mães de família ou jovens
moços que possuem comportamento aos moldes considerados moralmente aceitos.
No naturalismo, o objetivo da cena estava fundado na ação de recortar uma fração de
realidade e tentar reproduzir esse recorte de modo que seja idêntico ao real (GUINSBURG;
FARIA; LIMA, 2006; FARIA, 2012).

Acadêmico, no Tópico 3, abordaremos aspectos que poderão definir ou


aprofundar as definições em torno destes estilos da cena brasileira, conhecer os
principais dramaturgos que influenciaram a elaboração de um teatro que marcou uma
época de intensas modificações culturais. Aproveite para realizar pesquisas pontuais
para conhecer o estilo dos textos dramatúrgicos e identificar os diferentes estilos de
dramaturgia que estudaremos neste tópico.

51
2 A DRAMATURGIA REALISTA
Para entendermos o teatro realista necessitamos cessar certos conceitos que
são elementares para a analisar as características que compõem a estética realista. Neste
estilo, como uma reação ao teatro romântico, as iniciativas realistas disputavam espaços
com as propostas teatrais do Romantismo. O Realismo como um modelo dramatúrgico
que marcou história na obra de Alexandre Dumas e Émile Augier, foi composto com certo
distanciamento das paixões e exageros, das tramas que idealizavam amores ou de tensões
dramáticas. “Estes autores trazem para as tramas certa naturalidade como princípio
que norteia os diálogos das cenas. Este fato traz para a cena uma descrição próxima ao
verdadeiro dos costumes da burguesia” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 266).

As dramaturgias Realistas além de estarem conectadas com aspectos da vida


real, buscavam conectar-se com certa feição moralizadora ao descrever os costumes
justapostos a prescrição de valores considerados éticos como o trabalho, a honestidade
e o casamento de um enredo que se presta ao debate de questões sociais e que opõem
bons e maus burgueses. Há, no realismo, uma tentativa de idealizar a sociedade e de
exaltar a burguesia e seus valores ditos como morais e corretos.

Os personagens maus burgueses eram caçadores, especuladores, preguiçosos


e desonestos. “Já os heróis eram os papéis como: pais e mães de família ou moços e
moças que tem a cabeça no lugar; e o amor que vale não é mais a paixão ardente, mas
o amor conjugal, que deve ser calmo e sereno” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 266).
Como resultante desta trama posta em cena apresenta certa relatividade quanto aos
fatos e busca uma melhora da sociedade inserindo tendências a atitudes moralizantes.
Neste estilo de encenação, valorizava-se o que era considerado a maior instituição da
época: a família.

No ano de 1885 o Teatro Ginásio Dramático iniciou a montagem de dramaturgias


francesas da chamada “escola realista”. Essas dramaturgias tratavam dos costumes e
problemáticas que circundavam o universo da burguesia da época. Os autores Alexandre
Dumas Filho, Émile Augier, Theodore Barriêre e Octave Feuillet (entre outros). Este fato
impulsionou a produção de encenações realistas em outros países. No Brasil as peças
realistas francesas começaram a ser encenadas no Rio de Janeiro, considerado um
centro de forte movimentação cultural, o público e os intelectuais da época foram
tomados por certo entusiasmo. Esse fato ocorreu não somente por ser uma novidade
vinda dos palcos franceses, mas por ser uma oportunidade de educar o espectador
da época. Este novo modo de encenação, “[...] por suas características formais e pelos
assuntos que discutia em cena, podia ter um enorme alcance social, no sentido de
educar a plateia, mostrando-lhe a superioridade dos valores éticos da burguesia, tais
como o trabalho, a honestidade, o casamento e a família” (FARIA, 2012, p. 159).

52
FIGURA 23 – RETRATO DO PINTOR GUSTAVE COURBET (1819-1877)

FONTE: <https://bit.ly/3uGmU3F>. Acesso em: 29 set. 2021.

A pintura de Gustave Courbet retrata certo Realismo na pintura que buscava


retratar personagens como suas aparências reais. Temas cotidianos e personagens
reais com todos os seus detalhes poderiam estar em cenas realistas. Ao reconhecermos
as diferentes características da cena teatral realista, entendemos este movimento
como um retrato da vida social burguesa idealizada por valores específicos. Autênticas
comédias realistas que não só objetivavam provocar o riso, mas retratar costumes de
uma parcela da sociedade da época. As encenações “[...] evitam exageros na expressão
dos sentimentos das personagens e nos diálogos que buscam reproduzir a linguagem
do dia a dia” (FARIA, 2012, p. 160).

Os espetáculos realistas apresentavam cenas que circundavam os universos da


burguesia que eram captados por meio da tendência dos dramaturgos da época. Eles
buscavam criar uma trama em que descrevia os modos de vida e apresentava os valores
éticos e estéticos na oposição entre os bons e maus burgueses. A sociedade burguesa
era apresentada com retoques moralizantes e a moralidade presente favorecia um
padrão de sociedade ideal. A conclusão dos espetáculos realistas era marcada na vitória
da boa burguesia sobre a má conduta. Era comum a expulsão dos maus do convívio dos
bons e punições exemplares também poderiam aparecer. Nesse contexto:
o resultado é sempre o retrato melhorado de uma sociedade moderna,
civilizada e moralizada. Não há lugar, por exemplo, para as esposas
adúlteras ou para os jovens impetuosos que colocam a paixão acima
das convenções sociais nesse universo. Os heróis, ao contrário, são
comportados pais e mães de família ou moços e moças que têm a
cabeça no lugar; e o amor que vale não é mais a paixão ardente dos
tempos românticos, mas o amor conjugal, que deve ser calmo e sereno.
Igualmente devem ser banidos da boa sociedade os agiotas, os caça-
dotes que veem no casamento um meio de enriquecimento, os viciados
no jogo, os golpistas que acumulam dinheiro ilicitamente e, acima
de tudo, as prostitutas, uma ameaça aos maridos e jovens das boas
famílias. Apenas o trabalho honesto deve pautar a vida do bom burguês
e só pelo trabalho é que ele deve enriquecer (FARIA, 2012, p. 160)

53
O primeiro dramaturgo que escreveu uma trama realista seguindo os padrões
franceses foi José de Alencar (1829-1877). O texto estreou em 5 de novembro de 1857, no
Ginásio Dramático e chamava-se O Demônio Familiar. Essa trama, definida pelo próprio
Alencar como uma encenação que retrata os costumes da época, como uma pintura
doméstica, um esboço inacabado das cenas que poderiam se passar em qualquer casa
da época.

O texto retratava a família brasileira ideal para uma burguesia em ascensão.


Neste sentido, a contribuição de Alencar para o desenvolvimento do teatro brasileiro
deu-se entre 1857 e 1862. Sua obra pode ser analisada sob dois pontos de vista: o
primeiro era a intenção de privilegiar temas urbanos e abordagens de aspectos que
apresentavam questões para a compreensão da formação de uma classe em ascensão:
a burguesia da época.

Em segundo ponto o “[...] terreno artístico, inaugurou o realismo teatral, servindo


de exemplo para toda uma geração que consolidou esse movimento na cena brasileira,
nos anos que se seguiram” (FARIA, 2012, p. 167).

A cena realista estava repleta de tramas que traziam para a centralidade teatral
uma burguesia moralizante. Estes aspectos firmaram um movimento coeso, com
atualização estética, conceitos delineados ligados a dramaturgos de renome e artistas
prestigiados. O principal cenário onde ocorreram as encenações teatrais realistas foi o
Ginásio Dramático. Esse espaço passou a ser:

[...] frequentado por essas novas classes sociais em ascensão,


formadas por pessoas de bom gosto, educadas, como não se cansaram
de registrar os folhetinistas. O que viam no palco, de certa forma, era
um retrato do seu universo doméstico e social, pautado pela defesa
do trabalho, do casamento, da família, da honra, da honestidade e da
inteligência. Não é sem motivo, pois, que as personagens principais
das peças brasileiras sejam médicos, advogados, engenheiros,
negociantes, jornalistas, ou seja, profissionais liberais e intelectuais
de mentalidade burguesa. Assim, tanto no palco quanto na plateia
uma parcela da sociedade brasileira acreditava-se moderna e
civilizada, porque em sintonia com as tendências das sociedades
mais avançadas. O que se deve ressaltar, portanto, é que nossos
(FARIA, 2012, p. 184).

O teatro realista ainda propunha algumas discussões de cunho social como o


problema da escravização dos povos africanos. Textos como O Demónio Familiar, Sete
de Setembro, História de uma Moça Rica e Cancros Sociais, buscaram criticar a estrutura
social escravocrata herdada das práticas sociais do Brasil colônia que dificuldade de
entrarmos para um período de modernidade burguesa. Um fato que foi marco divisório
entre o teatro realista e as outras estéticas teatrais foi o refinamento moral da sociedade.
Nesse sentido, os dramaturgos da época captaram a valorização à família tradicional no
universo da burguesia. “E a instituição burguesa por excelência que esteve no centro
das preocupações dos dramaturgos franceses foi a família. Preservá-la, defendê-la,
enaltecê-la, eis o que fizeram em suas obras” (FARIA, 2012, p. 184).

54
FIGURA 24 – PINTURA DE ALMEIDA JUNIOR (1850-1899). O VIOLEIRO, DE 1899.

FONTE: < https://bit.ly/3IL5EQ0 >. Acesso em: 29 set. 2021.

A pintura da Figura 22 representa a influência da estética Realista na cultura


brasileira. A cena apresentada na pintura mostra os detalhes de uma cena cotidiana
com certa dramaticidade do real. Com esses apontamentos, uma inferência podemos
fazer com relação aos aspectos do teatro realista. Os escritores ou dramaturgos
brasileiros foram fundamentais para o desenvolvimento de uma consciência burguesa
brasileira. Eles absorveram elementos do teatro realista francês e conectados com as
transformações socais atualizaram a estética teatral brasileira.

Dez anos seguintes, depois de 1865, a estética teatral realista obteve êxito e
destaque entre inúmeros dramaturgos e críticos teatrais. “Ainda que as peças cômicas e
musicadas tenham conquistado o favor do público e se tornado hegemônicas em nossos
palcos, a ideia de que o teatro devia ser uma escola de costumes e um instrumento de
moralização e civilização continuava a ter adeptos” (FARIA, 2012, p. 184).

Este estilo, estética ou modo de criar dramaturgias para serem postas em


cena acompanha os padrões, experimentações ou modos de apreciar arte teatral em
uma época de profundas modificações na cultura brasileira. Da mesma maneira que
os padres jesuítas apropriaram-se de recursos teatrais para inserir seus ideais cristãos,
em certa dimensão do teatro realista as tramas traziam a burguesia como idealizada e
que poderia ser boa ou corrupta, mas que defendia os valores indiscutíveis da família
tradicional. Alguns autores ousaram discutir a questão da escravidão no Brasil, mas o
que os registros indicam sobre o assunto é que esse tema foi timidamente desenvolvido
e a cultura afro-brasileira permaneceu invisibilizada. No próximo assunto, abordaremos
as propostas de dramaturgias naturalistas.

ESTUDOS FUTUROS
Aproveite para conhecer mais aspectos do movimento Naturalista e Realista.
Acesse o link a seguir e busque estudar as características apresentadas
conectando com as informações que trazemos neste Livro Didático: https://
www.todamateria.com.br/naturalismo-movimento-naturalista/.

55
3 A DRAMATURGIA NATURALISTA
A Dramaturgia Naturalista apesar de ser confundida com o realismo, operou em
bases que estabeleceram características especificas e uma cena que se diferencia pelo
apelo ao real e tentar recortar situações reais e levá-las para a cena. O crescimento da
dramaturgia naturalista deu-se em meio a manifestos, outros movimentos artísticos
e experimentações diversas. O manifesto do dramaturgo Émile Zola quando escreve
o texto manifesto O Naturalismo no Teatro. Este texto trazia à tona discussões em
torno do teatro que estava nos palcos e propôs experimentar outras possibilidades
cênicas conectadas com a realidade ou com a busca por levar para os palcos cenas que
pudessem ser uma imitação da realidade tal como ela se apresenta.

Esse aspecto nos leva a pensar em uma cena composta por figurinos,
interpretação e cenários que remetem a um espaço real e cotidiano. O dramaturgo
afirmava que a cena naturalista deveria conter personagens de carne e osso, com certa
realidade natural, sem artifícios ou outros aspectos que levassem o público a navegar
pela mentira das encenações que eram postas nos palcos da época. O autor afirmava
ainda que era necessário libertar os personagens de meandros da ficção, de simbologia
convencional conectadas as virtudes e vícios. A determinação dos personagens seria
conduzida por uma lógica temperamental do próprio personagem. Zola pretendia banir
as artificialidades, truques de cena que pareciam mágicos e ou outro truque que não
remetessem ao natural da vida cotidiana (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

Ele criticava os moldes, receitas aplicadas a criação de cenas e as conhecidas


maneiras de provocar riso fácil ou lágrimas momentâneas. Defendia a construção de
uma obra teatral baseada nos princípios dramáticos, com investigação sincera do real.
E nas palavras finais do texto de Zola esperava que o teatro possa avançar em outras
propostas para além do romantismo e que a arte dramática possa voltar-se para os
princípios das artes cênicas, da arte moderna conectadas com estudo dos aspectos
naturais, da anatomia do corpo humano, de traduzir em cena uma espécie de pintura
viva, originalmente posto em cena como nenhum dramaturgo o fez. Esse vigor buscava
estabelecer discussões em torno de uma nova estética teatral e sem economias,
apresentar uma cena teatral de modo a retratar um quadro vivo. O espectador posto
como observador de um episódio da vida cotidiana (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

A Figura 23 apresenta uma cena que remete a estética Naturalista. Com ela
podemos pensar em um teatro voltado para certo cientificismo, detalhes naturais e
cenografias compostas por elementos reais.

56
FIGURA 25 – PINTURA DO PINTOR PORTUGUÊS COLUMBANO BORDALO PINHEIRO (1857-1929). O GRUPO
DO LEÃO, DE 1885

FONTE: <https://bit.ly/3g4RcWY>. Acesso em: 29 set. 2021.

As ideias de Zola não formam postas em prática pelos artistas e dramaturgos


da época. Somente depois de algumas décadas que um jovem autor chamado André
Antoine, em Paris, pôs em prática no Theâtre Libre um realismo impressionante. Os
elementos que compõem a cena, como cenários, figurinos, interpretações, convergiam
para a realização espetacular de “[...] criar na mente do espectador a ilusão de que estava
diante de uma cena real. Antoine esmerou-se na construção do espaço cênico verista e
radicalizou a ideia da “quarta parede”, fazendo com que os artistas do seu grupo dessem
a impressão de que estavam vivendo e não apenas representando” (GUINSBURG; FARIA;
LIMA, 2006, p. 207).

Em terras europeias, além da França, o estilo naturalista fertilizou com dramaturgos


como Hauptamann, Ibsen e Strindberg. Outros encenadores na Alemanha, Inglaterra
e Rússia aderiram ao movimento. E se pensarmos em reverberações desse período do
teatro mundial, teremos o desenvolvimento do trabalho do grande encenador, dramaturgo
e estudioso em teatro Constantin Stanislávski como um exemplo de ramificação do teatro
naturalista. Os estudos de Stanislávski desenvolveu método de criação, interpretação e
trabalho de composição cênica (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

DICA
O Actors Studio dirigido por Lee Strasberg foi importante para o
desenvolvimento da estética naturalista. A formação de atores passou a
ter um enfoque em aspectos específicos como características psicológicas.
Acesse o link a seguir e conheça os aspectos do teatro de Stanislávski e faça
conexões com o teatro naturalista: https://bit.ly/3r25RIR.

57
Em terras brasileiras, o naturalismo teatral foi pouco aceito e no final do século
XIX os intelectuais da época combatiam tal estética. Um dos primeiros espetáculos
teatrais que podemos associar com a estética naturalista aconteceu em julho de 1878 foi
a adaptação do romance de Eça de Queirós. A peça obteve sucesso razoável e contribuiu
para o desenvolvimento do Naturalismo. Em 1880 o ator e empresário Furtado Coelho
pôs em cena a adaptação de Thérèse Raquin, realizada por ele mesmo. Desta vez, o
espetáculo foi bem-sucedido e teve bom público, principalmente por causa da atuação
extraordinária de Lucinda Simões, a atriz encarregada de viver em cena o papel da esposa
que mata o marido para ficar com o amante (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

De modo geral, o movimento naturalista causava incômodos na sociedade


da época por apresentar temas com certa ousadia, pontos de vista específicos de
sexualidade e tramas que poderiam se tornar um perigo para a estrutura sagrada da
família tradicional. As montagens permitiram tecer outras críticas como questionar se
seria possível a existência do Naturalismo na arte dramática sendo que a força maior
estaria na narração. E como abordar os mais variados temas ousados como assexualidade
seriam questões pertinentes para os artistas da época. Outro questionamento era de
que o estilo naturalista poderia não ser como era apresentado pois nem mesmo Zola
concebeu e levou ao público uma obra naturalista (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

O teatro musical e a comédia ocupavam espaço dos teatros da época e somente


alguns dramaturgos ousavam experimentar os princípios naturalistas para as cenas.
Aluísio de Azevedo tentou em 1884 adaptar o romance O Mulato.

O espetáculo por mais bem recebido que tenha sido, ficou em cartaz pouco
tempo. Em 1886, Emílio Rouède e seus parceiros escreveram e encenaram o drama
O Caboclo em que o personagem central trazia fortes traços naturalistas. Somente
em 1890, Rouède encenou a comédia Um Caso de Adultério, que foi considerado um
espetáculo Naturalista.

A estética Naturalista permaneceu movendo as engrenagens da cena brasileira


na virada do século XIX para o XX. Esse fato ocorreu pela vinda de companhias de outros
países trazendo em seus repertórios encenações naturalistas. A estética do Naturalismo
estava presente nas cenas, textos e no trabalho de atuação. Posteriormente a esta fase,
início do século XX, o teatro naturalista não vingou nos palcos brasileiros. O Naturalismo
retomou os palcos, agora suportado pelas efervescências da modernidade e com o
surgimento das primeiras companhias teatrais. Esse fato deu-se entre 1940 e 1950 e
permaneceu presente em produções de companhias como “Os comediantes e o Teatro
Popular de Arte, no Rio de Janeiro; o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e o Teatro de
Arena, em São Paulo” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 208).

O Naturalismo Brasileiro conectado com ideais realistas extremos e não como


um movimento conectado com uma dimensão de conhecimento específico. As milhares
de montagens da época passaram a destacar a veracidade em seus cenários e o trabalho
de atuação baseado nos princípios de Stanislávski. “O mesmo fenômeno ocorreu na

58
dramaturgia, que se debruçou sobre a realidade brasileira, como demonstra o repertório
do Teatro de Arena, pra reproduzi-la em cena com o máximo de verdade” (GUINSBURG;
FARIA; LIMA, 2006, p. 208).

Para selarmos o fechamento deste subtópico, há de se pensar nos parâmetros


que definem cada um dos estilos. É comum exercermos confusões. Como Realismo e
Naturalismo se confundem, aplica-se o segundo quando um dramaturgo faz um recorte
da realidade e a reproduz de modo radical.

4 ENCENADORES DO ESPETÁCULO TEATRAL REALISTA


Ao abordarmos as primeiras manifestações do teatro realista foram
protagonizadas pelo escritor José de Alencar escrevendo três obras com a estética
realista em 1857. São elas: O Demônio Familiar, O Crédito e As Asas e um Anjo. “Estas
comedias realistas colocavam em cena a burguesia brasileira discutindo problemas
sociais como a escravidão doméstica, o casamento pro dinheiro, a especulação e a
prostituição ao mesmo tempo que defende os seus valores e modo de vida” (GUINSBURG;
FARIA; LIMA, 2006, p. 267).

Outros autores destacaram-se nesse cenário de desenvolvimento teatral como


os que estão listados a seguir:

Quintino Bocaíuva: Onfália e Os Mineiros da Descgraça; Joaquin Manuel


de Macedo: Luxo e Vaidade e Lusbela; Aquiles Varejão: A Época, A
Resignação e O Cativeiro Moral; Sizenando Barreto Nabuco de Araújo:
O Cínico e A Túnica de Nessus; Valentim José da Silveira Lopes: Sete
de Setembro e Amor e Dinheiro; Pinheiro Guimarães: História de uma
Moça Rica; Francisco Manuel Álvares de Araújo: De Ladrão a Barão;
França Júnior: Os Tipos da Atualidade; Constantino do Amaral Tavares:
Um Casamento da Época e Maria Angélica Ribeiro: Gabriela e Cancros
Sociais” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 267, grifos do original).

No trecho citado anteriormente está em destaque (itálico) os títulos dos textos


criados pelos respectivos autores. A citação evidencia ainda que foi um período de
intensa produção que desenvolveu o teatro e a estética realista. Toda essa produção
dramatúrgica constituía um repertório de nível razoável e algumas encenações
conquistavam o público, denunciando uma preferência de um período da história
cultural brasileira. As peças também obtiveram sucesso junto aos críticos teatrais e as
respectivas produções comumente poderiam indicar em seu título o assunto em que
se tratava o enredo. Essas produções ainda estabeleciam conexões com o estilo do
romantismo, sem causar rupturas radicais, mas conviver com elementos romanistas em
produções classificadas como realistas. Os autores realistas caminhavam para atualizar
a estética do Romantismo e inserir nas tramas elementos que as tornassem realistas.

Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) foi importante escritor que


influenciou o movimento Realista brasileiro e José de Alencar (1829-1877).

59
FIGURA 26 – FOTOGRAFIAS DE MACHADO DE ASSIS

FONTE: <https://bit.ly/3tS9FxZ>. Acesso em: 29 set. 2021.

FIGURA 27 – JOSÉ DE ALENCAR

FONTE: <https://afontegeek.files.wordpress.com/2013/09/josc3a9-de-alencar.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2022.

As produções já retratam os hábitos sociais de uma burguesia aberta a


princípios liberais e seus valores voltados para padrões tipicamente conservadores.
Como mencionamos anteriormente, os textos ditos realistas criadas no Brasil eram
profissionais com certa posição social, considerados de classe emergente da cidade do
Rio de Janeiro. “Desse modo, os espetadores podiam se reconhecer no palco e aplaudir
o esforço dos dramaturgos empenhados em pôr em cena a fatia mais moderna da
sociedade brasileira” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 267).

O principal aspecto da dramaturgia realista era permeado por uma tendência em


criar uma imagem de uma burguesia emergente. Esse esforço recebeu influências das
transformações sociais ocorridas na França e captou as modificações que ocorriam na
cultura brasileira. Dessa mescla surgiu um teatro esteticamente voltado para exaltar um
segmento social. A estética realista permaneceu nos palcos brasileiros como referência
para críticos por mais ou menos 20 anos seguintes de 1865.

60
Outro aspecto que vingou em palcos brasileiros deste período foram espetáculos
que apresentavas tramas cômicas e elementos musicados, porém as peças ainda
deveriam ser uma espécie, segundo Faria (2012), de escola de costumes. Quanto aos
aspectos visuais houve certo aperfeiçoamento da cenografia, mobílias reais postas em
cena, telas pintadas e obras de arte a todos os artefatos que pudessem criar a sensação
de estar assistindo a uma cena real da casa de uma família burguesa.

Os figurinos apresentavam o que as tendências da moda ditavam e “[...] o


estilo de interpretação tornou-se menos enfático e mais natural, sem o antigo cunho
melodramático que era comum nos artistas do Teatro S. Pedro de Alcântara” (FARIA,
2012, p. 191).

No estilo realista o ensaiador ou encenador orientava a interpretação dos


personagens. Ele dirigia como deveria ser a interceptação dos artistas, os usos da voz, os
gestos e movimentos para que remetessem para uma situação real, tentando reproduzir
mais natural possível cena que estava sendo produzida. Havia um cuidado especial com
a movimentação e relação estabelecida com os móveis e objetos presentes na cena. Um
efeito moralizador era comum estar presente nas encenações realistas” (FARIA, 2012).

Quando mencionamos o termo natural em uma encenação realista estamos


fazendo uma conexão com a tentativa de trazer para a cena tudo que pudesse fazer
a encenação parecer uma cena da vida real. A seguir, abordaremos os encenadores do
espetáculo naturalista.

5 ENCENADORES DO ESPETÁCULO TEATRAL NATURALISTA


Para traçar um panorama do teatro naturalista, seus produtos espetaculares e
os encenadores que levaram para o palco os princípios da estética naturalista pregada
por Zola, é preciso apresentar alguns aspectos do cenário cultural da Europa. Um feito
de destaque foi a peça Espectros de Henrik Ibsen que despertou debates intensos sobre
a estética naturalista. Esta dramaturgia foi encenada por diversos teatrólogos.

Em 1889 foi apresentada em Berlin. Em 1890 foi exibida no Thèâtre Zacconi em


Paris e em 1891 exibida pelo Indepedent Theatre em Londres. Em 1892 Ermette Zacconi
produziu o espetáculo em Florença e, em 1896, em Barcelona. Stanislávski encenou-a
em Moscou e, em 1906, Meierhold apresentou-a em São Petersburgo ocasião em que
ousou apresentá-la como uma versão antinaturalista (BERTHOLD, 2001).

Este fato firmou o espetáculo como uma encenação com forte apelo naturalista
e mesmo os encenadores que ousaram quebrar parâmetros ditos como naturalistas,
continuou remetendo em seus elementos, estruturas que traziam para as discussões o
naturalismo.

61
O naturalismo como instrumento de combate a estética realista não obteve
sucesso esperado tanto que os estilos ou estéticas teatrais passavam a marcar presença
em propostas inovadoras que mesclavam elementos diversos. O movimento naturalista
e suas estéticas apresentava apelos para que em cena aparecesse a face da realidade
como ela é.

FIGURA 28 – O DIRETOR ANDRÉ ANTOINE (1858-1943)

FONTE: <https://images.moviefit.me/p/m/198862-andre-antoine.webp>. Acesso em: 29 set. 2021.

André Antoaine, importante dramaturgo, encenador e proprietário do Théâtre


Antoine, buscou observar espetáculos em Bruxelas em 1888 por duas semanas no
Monnaie Theater. Em Moscou, com Stanislávski procurava observar o cuidado por levar
a cena aspectos que criavam efeitos naturalistas e coerência lógica da concepção das
cenas. Antoaine pôs em cena um princípio que remetia a reprodução exata da vida,
assim como pregava Zola. O cenário apresentava em uma caixa cênica composta por
portas reais que se abriam e janelas que se escancaravam conforme a necessidade
da cena. Teto em madeira sustentados por vigas robustas, troncos de árvores reais.
Certa vez, o encenador ousou compor o cenário com pedaços de carne pendurados em
ganchos aos moldes de açougueiro (BERTHOLD, 2001).

Este fato inusitado ocorreu depois de ter problemas com o cenógrafo e como
uma solução imediata, resolveu partir para inserir elementos radicalmente naturais.
Pensando nos limites entre cada movimento, o realismo e naturalismo, podemos afirmar
que as fronteiras são marcadas por estéticas semelhantes, porém os objetivos das
cenas eras distintos. Enquanto o Naturalismo pregava certo cientificismo, uma cena que
reproduzia o real, com elementos naturais, com cenários que remetiam a vida natural,
no realismo a tendência era idealizar hábitos de uma burguesia e retratar moralmente
os valores como o bom, o mau, a família e um universo de castigo e recompensas.
Na estética naturalista bosques inteiros, arbustos e outros elementos poderiam ser

62
retirados da floresta e inseridos na cena, um certo reforço a quarta parede e apelos
para uma interpretação que poderia remeter a uma cena cotidiana (BERTHOLD, 2001,
GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

O encenador David Belasco, inseriu na cena naturalista americana o que


considerava ser cópias idênticas do Oeste selvagem. Eram exploradores de ouro,
bandidos e mocinhos. Em The Girl from the Golden West ou A Garota do Oeste Dourado
inseriu uma brilhante composição operística. Em 1910 o palco do New Yorks Metropolitam
Opera House em um idêntico campo de cabanas da Califórnia com árvores de floresta
virgem no cenário (BERTHOLD, 2001)

Outro elemento que Antoine buscava reforçar era um jogo demarcado com a
quarta parede a tal ponto que a ordem era ignorar a presença do público. Se a cena
necessitasse ficar de costas para a plateia, assim era feito. Nessa nova estética, a cena
deixava de assumir a postura predominantemente frontal, para adotar as costas diante
do público.

O efeito de estar executar as cenas em posição predominantemente frontal agora


era deixada em segundo plano. Zola pregava uma estética naturalista que abandonasse
as estruturas da tragédia clássica. Um dos exemplos didáticos para este novo modelo
era a recomendação de Zola na adaptação da novela Thérèse Raquin, Thérêse e Laurent
a inserção de dois corpos reais dissecados. Esse procedimento estava conectado com
um teatro que biscava certo grau de cientificismo e exagero na composição naturalista
(BERTHOLD, 2001).

Como no Brasil, a estética Naturalista chegou ao final do século XIX, e encontrou


certas resistências para que pudesse vigorar. O teatro da época estava conectado com
aspirações tradicionais, os espectadores com preferências a emoções fortes, linguagem
alinhada com a literatura romântica e certa ilusão imaginativa posta em cena não aceitou
a realidade fria, calma com certa veracidade nos elementos.

Uma adaptação do romance de Eça de Queiroz foi adaptada por Antônio


Frederico Cardoso de Meneses para o teatro em 1878 e o encenador Furtado Coelho
levou ao palco do Teatro Cassino (FARIA, 2012).

Os princípios da dramaturgia naturalista foram recebidos no Brasil e postos em


cena buscando atender a ideia de que a peça deveria ser como uma tese social, com
um andamento vivo, com certa relevância em seus quadros remetendo o real, contendo
reflexões morais, sátiras refinadas e ao mesmo tempo terríveis ou cortantes como uma
navalha. Essa trama deveria ser capaz de afetar, mover e desencadear efeitos de vida
no espírito como um todo. Em terras brasileiras esses princípios foram timidamente
postos em cena. A verdade da cena naturalista foi rejeitada pelo espectador brasileiro
(BERTHOLD, 2001, GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

63
O maior representante desta estética no Brasil foi Aluíso de Azevedo. Se com
Venenos que curam o autor não conseguiu inserir as ideias naturalistas, em O Caboclo, o
autor chegou próximo aos propósitos do naturalismo. Nesse texto havia espaços sociais
retratados com certo grau de realidade. “A ação se passa em uma fábrica de cigarros,
situada num arrabalde do Rio de Janeiro. Não é muito comum que operários sejam
personagens de peças teatrais no Brasil do século XIX” (FARIA, 2012, p. 314). O autor
consolida o desafio de uma escrita conectada com os ideais naturalistas inserindo em
suas tramas cenários naturais e tramas envolvendo camadas populares da cidade do Rio
de Janeiro, como em O Cortiço. A seguir, abordaremos aspectos da comédia de costumes,
suas evoluções e encenadores que contribuíram para a estética da comédia brasileira.

6 A COMÉDIA DE COSTUMES, ENCENADORES E EVOLUÇÕES


Dos textos cômicos, da comédia de costumes e de efervescência cultural do
século XIX, surgiram outros modos de criar espetáculos. Com a decadência dos estilos
românticos e realista, por volta de 1859, e a criação no Rio de Janeiro do teatro Alcazar
Lyrique pelo empresário Joseph Arnaud novas estéticas puderam ganhar espaço. O
público masculino em específico foi atraído para o universo de cabaré proposto pelo
novo teatro. Mesas dispostas diante ao palco, espetáculos com muita música, dança
e belas atrizes que protagonizavam duetos, pequenos vaudevilles e cenas cômicas
(BRITO, 2012).

Esse novo formato de teatro cômico e musicado que era repleto de


entretenimento e diversão, obteve enorme sucesso ao ponto de causar retração em
escritores e intelectuais. Este fato causou protestos e manifestações contrárias
publicadas em jornais e revistas. O repertório era baseado em produções francesas e
encenadas na língua original dos textos, bem como protagonizadas por atrizes vindas
diretamente da França. Não tardou para que este novo modelo de diversão se tornasse
predominante no cenário carioca (BRITO, 2012).

Outro estilo que surgiu nesse período foi a Opereta ou a ópera bufa. Em fevereiro
de 1865 o teatro Alcazar Lyrique estreou o espetáculo Orphée aux enfers, uma opereta
com música de Offenbach e texto de Hector Cremieux e Ludovic Halévy. Este espetáculo
permaneceu em cartaz por aproximadamente um ano e com sucesso considerável
abriu caminho para outras iniciativas de operetas inclusive outras propostas compostas
por Offenbach ou por Charles Lecocq. Nesta onda de entusiasmo, com encenações
cômicas e burlescas, dramaturgos brasileiros passaram a adaptar, operar traduções ou a
escrever peças no estilo opereta. “Os empresários teatrais exploraram incansavelmente
a opereta e as outras formas dramáticas cômicas e musicadas, que foram surgindo e
consolidando o gosto teatral das nossas plateias nos últimos decênios do século XIX.”
(BRITO, 2012, p. 219).

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A opereta como estilo de encenação ou como gênero teatral burlesco obteve
sucesso devido ao encenador alemão Jacques Offenbach que em meados dos anos
de 1850 na cidade de Paris, passou a utilizar o espaço de espetáculos do Théâtre des
Bouffes-Parisiens. Nesse espaço “[...] apresentava espetáculos compostos por dois ou
três esquetes de um ato cada, sempre em tons farsescos e satíricos, e entremeados
por números musicais executados por uma orquestra de dezesseis músicos” (BRITO,
2012, p. 219). Em 1858, presentou sua obra de maior destaque Orphée aux enfers, que
era uma releitura do mito grego Orfeu. Esse mito abordava a paixão de um músico
pela amada e vai até o inferno para tentar reencontrar seu amor. “Pouco tempo depois,
Offenbach escreveu outras operetas (La Belle HéIene, 1864; La Vie parisienne, 1866;
Barbe-Bteue, 1867; La Grande-Duchesse de Gérolstein, 1867) que conquistaram Paris e
todo o território europeu (BRITO, 2012, p. 219).

Não tardou para que o sucesso das operetas burlescas chegarem ao Brasil e
pudessem se mesclar com o que acontecia por aqui. Em 1864, Orphée aux enfers foi
levada aos palcos brasileiros e com grande sucesso, conquistou a crítica da época.
Muitas das operetas francesas foram adaptadas e encenadas em palcos brasileiros. Os
moldes mais praticados foram os que Offenbach ou por Lecocq idealizaram em terras
francesas. Os encenadores brasileiros mantinham partituras originais e trilhas sonoras,
mas adaptavam as tramas para os costumes e hábitos nacionais. Neste ponto, as
operetas recebiam elementos nacionais de modo que se mesclavam com o que era
praticado por aqui (BRITO, 2012).

Parodiar operetas francesas tornou-se prática em teatros cariocas e, em 1868,


o ator Francisco Correia Vasques encenou Teatro Fênix Dramática Orfeu na Roça, uma
paródia de Orfeu no inferno.

À irreverência do original Vasques acrescentou o tempero brasileiro,


transformando Orfeu em Zeferino Rabeca, barbeiro do arraial, e Eurídice
em Dona Brígida, roceira que sonha em morar no Rio de Janeiro. O
rebaixamento típico da farsa atingiu os demais personagens (Cupido,
Morfeu e Hércules transformam-se respectivamente em Quinquim
das Moças. Joaquim Preguiça e Antônio Faquista) e o próprio enredo,
centrado nas brigas conjugais, nas aventuras e estrepolias do casal
protagonista. O sucesso obtido por Vasques foi ainda maior do que o
de Orphée aux enfers. E a consequência disso não tardou a aparecer:
o público fluminense podia assistir às operetas francesas no Alcazar,
em Machado de Assis, Do Teatro (BRITO, 2012, p. 220, grifo nosso).

Com temática escrachada, universos satíricos, resgatavam apelos sentimentais,


cômicos e até hábitos ou costumes da sociedade da época. Outros elementos que
comumente apareciam eram apelos populares, efeitos mágicos, dramas com enredos
fantásticos. Francisco Correia Vasques apostou nas dramaturgias de Artur Azevedo, que
passou a escrever adaptações de operetas francesas.

Em 1876, encenou no Teatro Fênix Dramática A Casinha de Fresco, uma releitura


de La Petitemariée, música de Charles Lecocq e texto de Leterrier e Vanloo. Com
certo sucesso desta adaptação, Artur Azevedo ousou assinar a coautoria de um texto
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chamado Nova Viagem ti Lua em parceria com Frederico Severo. A encenação obteve
certo sucesso e impulsionou uma nova produção de Artur Azevedo. Em 1880, estreia
Os Noivos e A Princesa dos Cajueiros o autor Artur Azevedo atinge a consolidação da
opereta com características predominantemente nacionais (BRITO, 2012).

As operetas, assim como os demais gêneros que sucederam esse novo modo
de encenar, buscavam bases em elementos como a composição musical, coreografias,
dramaturgias adaptadas, cenografia espetacular e interpretações fantásticas. No
processo de criação brasileiro, o autor, e nesse caso podemos citar Artur Azevedo,
buscava conhecer os artistas envolvidos e criava uma proposta de encenação de acordo
com a necessidade do coletivo ou que pudesse ser melhor postas em cena pelos artistas
envolvidos. Em tempos que as companhias nem sempre tinham condições de manter
produções grandiosas ou de contratar grupo de artistas como bailarinos, músicos,
atores e atrizes, figurinista e outros profissionais que faziam parte das encenações. O
sucesso das produções significaria o sustento da companhia e a manutenção de novas
produções com elementos necessários para que a encenação pudesse ser levada aos
palcos de grandes centros.

Em tempos em que desafiar as correntes hegemônicas poderia representar


o fracasso de suas iniciativas, um dramaturgo, poeta e artista da cena produziu
uma expressiva obra que poderia instaurar reverberações no teatro contemporâneo.
Estamos falando de Qorpo Santo. Esse ícone da dramaturgia viveu em um tempo de
enormes transformações e presenciou o desenvolvimento do modernismo brasileiro.
José Joaquim de Campos Leão, nasceu em 19 de abril de 1829, na Vila Triunfo, município
de uma província do Rio Grande do Sul. Foi oi um dramaturgo, poeta, jornalista, tipógrafo
e professor. A Figura 27 ilustra o retrato do dramaturgo.

FIGURA 29 – O DRAMATURGO QORPO SANTO (1829-1883)

FONTE: <https://bit.ly/3NBvNEn>. Acesso em: 12 nov. 2021

Sua formação profissional passa pelo magistério, em Porto Alegre e ao exercer


a prática docente, passa a criar textos dramatúrgicos paralelamente a fundação de seu
grupo dramático em 1852. O artista da cena conhecido como Qorpo Santo escrevia
comédias contendo situações absurdas, estruturas fragmentadas e personagens que

66
apresentavam certas caricaturas o que desafiava os moldes hegemônicos do século
XIX. A crítica de arte da época refutava amplamente o trabalho deste dramaturgo. Seus
textos foram compostos depois de 1862, mesma época em que se afastou da docência
problemas mentais. Seu transtorno mental definido como monomania, quando uma
espécie de alienação mental parece absorver suas capacidades mentais e fixa em uma
ideia ou ideias que circundam o mesmo tema. Essa mania por uma ideia, comprometia
sua convivência social e sua atuação como docente. Depois de seu diagnóstico, o
artista autodenomina-se Qorpo Santo, como aquele que passa de um homem comum
para uma certa dimensão divina. Dentre seus textos dramatúrgicos estão:

O hóspede atrevido ou O brilhante escondido; A impossibilidade da


santificação ou A santificação transformada; O marinheiro escritor;
Dois irmãos; Duas páginas em branco; Mateus e Mateusa; As relações
naturais; Hoje sou um; e amanhã outro; Eu sou vida; eu não sou
morte; A separação de dois esposos, O marido extremoso; ou o
pai cuidadoso; Um credor da fazenda nacional; Um assovio; Certa
Entidade em busca de outra; Lanterna de fogo; Um parto; Uma pitada
de rapé (incompleta) (GONÇALVES, 2018, p. 171)

É importante ressaltar a composição dos textos de Qorpo Santo baseada


em uma espécie de comicidade própria, situações aparentemente sem sentido,
personagens caricatos, certo apelo para o grotesco, o tom satírico e farsesco, abertura
para a fragmentação e subversão de princípios dramáticos. “Tais características são
entrecortadas por situações estranhamente exemplares de orientações morais, que
trazem um conservadorismo arraigado a preocupações com a ordem político-social,
manutenção da família e progresso do país” (GONÇALVES, 2018, p. 172).

Estes aspectos localizam a obra de Qorpo Santo como uma introdução a um teatro
conectado com as vanguardas e propondo uma certa inovação dramatúrgica. O teatro de
Qorpo Santo propõe diálogos com o que iria constituir-se no que conhecemos como teatro
do absurdo. Neste sentido, o autor representa uma proposta de inovação dramatúrgica para
a época e que possivelmente esteve conectado com os princípios de um teatro original
brasileiro ou com os princípios defendidos pelo movimento modernista brasileiro.

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LEITURA
COMPLEMENTAR
TEATRO E SOCIEDADE NO BRASIL COLÔNIA: A CENA JESUÍTICA DO AUTO DE
SÃO LOURENÇO

Sérgio de Carvalho

Até o início do século XIX, a modernidade dos fenômenos teatrais na colônia


passava longe de um sistema aristocrático ou mercantil de entretenimento, com suas
casas de espetáculos, elencos estáveis, especialização em tipos e definição de repertório
de acordo com gêneros do palco. Estava, como quase sempre esteve, impossibilitada
de absorver um conjunto de autores nativos interessados na representação de temática
nacional através da forma dramática, como ocorreu na Europa pós-Renascimento.

RECUSA E MANUTENÇÃO DO MODELO DRAMÁTICO

É significativo que Décio de Almeida Prado (1993), num dos mais importantes
estudos sobre a história do teatro no Brasil, se veja obrigado a suspender os critérios
convencionais que balizam a tradição de análise do teatro nacional na era burguesa. No
primeiro parágrafo do livro comenta sua decisão:

O teatro chegou ao Brasil tão cedo ou tão tarde quanto se desejar.


Se por teatro entendermos espetáculos amadores isolados, de fins
religiosos ou comemorativos, o seu aparecimento coincide com a
formação da própria nacionalidade, tendo surgido com a catequese
das tribos indígenas feita pelos missionários da recém fundada
Companhia de Jesus. Se, no entanto, para conferir ao conceito a
sua plena expressão, exigirmos que haja uma certa continuidade
no palco, com escritores, atores e público relativamente estáveis,
então o teatro só terá nascido alguns anos após a Independência, na
terceira década do século XIX (PRADO, 1993, p. 15)

A hesitação em renunciar à “plena expressão” de certo conceito de teatro não


impede, entretanto, o crítico de se dedicar ao exame da cena jesuítica. E a qualidade de
seu comentário, um dos melhores sobre a dramaturgia de Anchieta, extrai energias da
percepção de que os autos jesuíticos só têm sentido quando associados às formas ditas
parateatrais e a um contexto maior. Conscientemente ou não, Décio segue os passos de
uma nova historiografia do teatro europeu, que a partir da década de 1970 percebe que
só poderá conhecer aspectos novos do teatro medieval se adotar um “amplo conceito
de teatralidade” capaz de incluir atividades do cerimonial eclesiástico e o âmbito das
celebrações da vida social da corte e da cidade. Enfim, um teatro que “não tem uma
realização textual própria e que tampouco era habitualmente recolhido por escrito”
(PÉREZ PRIEGO, 2009, p. 17).

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Contudo, como compreender a encenação jesuítica que modela textos de
um autor como Anchieta? A grande maioria dos historiadores do teatro no Brasil que
trataram do tema recorre à mesma fonte documental, fornecedora de imagens vivas da
época: os escritos do Padre Fernão Cardim.

No ano de 1583, Cardim, ainda jovem, chegou ao Brasil na privilegiada condição


de acompanhante do visitador da Companhia do Jesus, Cristóvão de Gouveia. Sua
Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica registra as andanças da comitiva
do visitador por colégios, casas e aldeias mantidas pela Companhia, entre Pernambuco
e São Paulo. Cardim é de fato um escritor notável, ainda que sua motivação literária
seja apresentar o bom sucesso da própria viagem de visitação, em sua capacidade de
dinamizar o processo missionário em curso, em contraste com a matéria humana e
natural tão refratária e estranha.

Os mais impressionantes registros da teatralidade jesuítica feitos por ele são,


portanto, os das festas de recebimento, aquelas em que as aldeias ou a comunidade do
colégio se organizam para saudar o visitante ilustre, com procissões, coros cantados,
saudações dialogadas, fogos de artifício e representações com adereços. O mote da
festa era a doação de alguma relíquia sagrada, sendo que Visitador Gouveia trouxe
na mala diversos ossos de santos, enviados pelo Papa, para serem distribuídos como
objeto de culto das igrejas em construção.

Praticamente todos os historiadores do teatro no Brasil reproduziram trechos


de Fernão Cardim, um “guia prestimoso nesses assuntos”, na expressão de Galante de
Sousa, quando se tratava de fornecer alguma imagem cênica complementar aos textos
de Anchieta. Um desses relatos, também citado parcialmente por Décio de Almeida
Prado, refere-se a um incrível recebimento ocorrido em fins de novembro de 1584, em
que os índios encenam uma captura guerreira do Visitador, quando chegaram os padres
para a festa de Nossa Senhora da Conceição, numa aldeia situada a três léguas de
Salvador, na Bahia:

Foi o padre visitante fazer-lhes a festa. Os índios também lhe fizeram


a sua: porque duas léguas da aldeia em um rio mui largo e formoso
(por ser o caminho por água) vieram […] com seus tambores, pífaros
e frautas, providos de mui formosos arcos e frechas mui galantes; e
faziam a modo de guerra naval muitas ciladas em o rio, arrebentando
poucos e poucos com grandes gritas, e prepassando pela canoa do
padre lhe davam o Ereiupe, fingindo que o cercavam e o cativavam.
Neste tempo um menino, prepassando em uma canoa pelo padre
Visitador, lhe disse em sua língua: Pay, marápe guarinime nande
popeçoari? “em tempo de guerra e cerco como estás desarmado?”
e meteu-lhe um arco e frechas na mão. O padre, assim armado, e
ele dando suas algazarras e urros, tocando seus tambores, frautas
e pífanos, levaram o padre até a aldeia, com algumas danças que
tinham prestes. […] Acabada a missa houve procissão solene
pela aldeia, com danças dos índios a seu modo e à portuguesa; e
alguns mancebos honrados também festejaram o dia dançando na
procissão, e representaram um breve diálogo e devoto sobre cada
palavra da Ave-Maria, e esta obra dizem compôs o padre Álvaro Lobo
e até ao Brasil chegam suas obras e caridades (CARDIM, 1980, p. 166)
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Décio de Almeida Prado (1993), inspirado pela citação, sugere alguns princípios
dessa teatralidade aberta, toda feita de interações entre a cena e a festa, e que
condiciona a dramaturgia de Anchieta:

Temos aí, esboçados por Fernão Cardim, alguns dos princípios


fundamentais da encenação – e, portanto, da dramaturgia – jesuítica:
o teatro concebido como parte de uma festa maior, que nem por
ser religiosa deixa de ter lados francamente profanos e divertidos;
o constante deslocamento no espaço (observável também nas
festividades indígenas), como suporte de diálogos ocasionais, não
necessariamente ligados entre si, que faziam a procissão estacionar
por minutos; as figuras simbólicas, quando não sacras (a Sé, a Cidade,
o Anjo); o cenário quase sempre natural; os papéis interpretados por
alunos de vários níveis, sem exclusão de indígenas; o diabo visto como
fonte de comicidade, à maneira indígena (e portuguesa, se lembrarmos
de Gil Vicente); a comunicação de natureza sensorial, proporcionada
pela música e pela dança, com os instrumentos indígenas de sopro
e percussão sendo equiparados aos correspondentes europeus
(frauta, tambor); e, antes e acima de tudo, o aspecto lúdico do teatro,
entendido como jogo, brincadeira, porta imaginária através da qual
entravam com enorme entusiasmo os índios […] (PRADO, 1993, p. 20)

Em que pese a ótima enumeração de princípios artísticos não dramáticos, o que


se vê na sequência do ensaio de Décio de Almeida Prado, entretanto, são comentários
que pouco incorporam esse conjunto de observações. Ele passa a resenhar os
principais temas e figuras das peças de Anchieta, com comentários lúcidos em torno
da questão catequética, interpolados por avaliações que tendem à depreciação formal.
A dificuldade de estabelecer conexões entre a forma do auto e a teatralidade aberta
indicada no próprio texto cria um dualismo analítico, que é resolvido com o apelo a
critérios dramáticos externos à obra e oriundos de uma tradição teatral posterior.

FORMA HETERÓCLITA DO AUTO DE SÃO LOURENÇO

Não cabe aqui refletir as razões desse movimento contraditório no ensaio de


Décio de Almeida Prado. O que interessa é constatar que o resu¬mo das principais
personagens e características formais de uma peça como Auto de São Lourenço
– a mais famosa de Anchieta – não é suficiente para que sua teatralidade possa ser
investigada como fenômeno histórico.

Algo do sentido real do material escapa à análise do crítico. Ele apresenta bem
o cortejo inicial da peça, descreve os demônios tupinambás que aparecem no tablado
para estimular os pecados da aldeia (os vícios da bebedeira, luxúria e violência); indica
que são esses mesmos índios-demônios que, após a conversão combativa do Anjo,
se oporão aos antigos imperadores romanos que supliciaram a São Lourenço e São
Sebastião; e destaca bem a dimensão cômica da peça, aspecto importantíssimo da
forma e ignorado por muitos.

A descrição, entretanto, não vai além dos conteúdos mais evidentes e reitera a
fórmula consagrada do teatro catequético. O crítico chega a sugerir que a confusão da
70
peça decorre de uma livre associação feita por Anchieta em torno do tema do orago São
Lourenço, sendo “a unidade dramática das mais precárias”:

Já deve ter ficado claro, a esta altura, que a coerência formal, ao


contrário da religiosa, nunca esteve entre as cogitações ao autor de
Na Festa de S. Lourenço. […] Buscava-se, como se percebe, um efeito
cômico acessível ao público, ainda que à custa da lógica e das regras
habituais da dramaturgia. Importava o “recado” […] religioso, não a
estruturação e o acabamento artístico. Mas qual seria esse recado, em
relação à área indígena, a mais especificamente visada? Os jesuítas
tinham em mira dois fins precisos: substituir uma religião (ou mitologia)
por outra e um código moral por outro (PRADO, 1993, p. 29).

Numa versão sintética do mesmo raciocínio, em Prado (1999), o incômodo com


o caráter caótico e episódico da estrutura, e com a simultaneidade espacial e temporal
da cena jesuítica, persiste:

É possível que a dispersão desse heteróclito universo ficcional


se justificasse, em parte, pelo caráter itinerante do espetáculo,
desenvolvido muitas vezes em formato de procissão, com paradas
em diferentes lugares, cada uma dando origem a um episódio
autônomo, dentro do tema religioso geral (PRADO, 1993, p. 20).

Sem mediações que permitam compreender o “caráter heteróclito” da


dramaturgia, o que passaria pelo aprofundamento das conexões sugeridas pelo próprio
crítico com base em Cardim (quanto à função do teatro: “a cena é parte de uma festa
maior”; quanto à forma teatral: aberta, processional, alegórica), Décio de Almeida
Prado combina o juízo de valor particular, amparado em critérios de unidade estética
e dramática, a uma observação geral sobre a função daquela dramaturgia no nível
temático: substituir o fundamento reli¬gioso e o código moral da plateia indígena.

Por trás do argumento, há a ideia de que se trata de um teatro menor por ser
instrumental, que subordina dimensão estética à eficácia cômico-religiosa. E em um
segundo nível, não nomeado, o crítico parece rejeitar a própria poética alegorizante
da peça, ecoando o ponto de vista condenatório do classicismo descrito por Walter
Benjamin (1984, p. 184): “Denunciar a alegoria vendo nela um modo de ilustração, e não
uma forma de expressão”.

No entanto, o processo alegórico contido no Auto de São Lourenço, com seu


caos metafórico, talvez esteja de fato em um lugar de difícil classificação, intermediário
entre o didatismo da alegoria medieval cristã, modelada pela forma do auto religioso, e o
sentido místico-histórico-natural, da alegoria barroca. Assume, na verdade, um lugar sem
precedentes literários, movido pela pressão de seus temas coloniais imediatos. Nesse
sentido, o crítico – e o historiador do teatro – terá de se perguntar o que essa “precária
unidade” (heteróclita e orientada pelo princípio da substituição, como toda alegoria) tem a
dizer concretamente sobre as relações entre aquele teatro e aquela sociedade?

71
Anchieta e a alegoria da aculturação

Outro caminho analítico também pode ser percorrido por quem procura
compreender uma peça como Auto de São Lourenço. Aparentemente mais útil à crítica
literária do que à história do teatro, ele permite, entretanto, pensar na possibilidade de
uma abordagem interpretativa mais imanente à obra. Nesse sentido, o método do ensaio
de Alfredo Bosi (1992) seria inverso ao de Décio de Almeida Prado. Bosi procura sondar,
através da estrutura linguística e rítmica dos versos de Anchieta, um processo maior da
história da cultura. Para o crítico, o trabalho fundamental do poeta Anchieta começaria
em moldar, no interior dos códigos tupis, uma “forma bastante próxima das medidas
trovadorescas em suas variantes populares ibéricas” (BOSI, 1992, p. 64). Examina, a
partir daí, as dificuldades do sistema de correlações culturais nas aproximações dos
jesuítas aos índios. Conceitos mais ou menos abstratos para os cristãos, como o “reino
de Deus” ou o “demônio”, são os que exigem do poeta-missionário um esforço de
penetração no imaginário do outro e geram uma nova representação do sagrado, que
não é mais teologia cristã nem crença tupi: surgiria assim uma “terceira esfera simbólica,
uma espécie de mitologia paralela que só a situação colonial tornou possível” (BOSI,
1992, p. 65). A partir da procura de homologias, ele levanta a hipótese de que o ponto
fundamental de convergência cultural:

[…] não se encontrava nem em liturgias a divindades criadoras, nem


na lembrança de mitos astrais, mas no culto dos mortos, no conjuro
dos bons espíritos e no esconjuro dos maus. Eis as funções das
cerimônias de canto e dança, das beberagens (caiunagens), do fumo
inspirado e dos transes que cabia ao pajé presidir (BOSI, 1992, p. 69)

O teatro de Anchieta, portanto, teria sido construído como parte dessa


substituição catequética das cerimônias tupi-guarani em relação aos mortos por uma
“liturgia coral e pinturesca que se desdobrava em procissões”. A análise de trecho do Auto
de São Lourenço feita pelo crítico confirma essa hipótese. A fala do demônio Guaixará
que descreve suas supostas obras malignas (bebedeiras, dança, preparação pictórica
do corpo, fumo, sexo livre e antropofagia) surge como uma exposição do sistema ritual
dos tupis a ser substituído pela visão cristã e talvez, poderíamos acrescentar, pela
própria ordem ritual da cena.

A conclusão ideológica, assim, não deixa de ser semelhante à de Décio de Almeida


Prado. O problema maior estaria na veiculação de uma ideologia estética regressiva
por parte de um dramaturgo que teria condições de fazer diferente: “A pedagogia da
conversão apagava os traços progressistas virtuais do Evangelho fazendo-os regredir
a um substituto para a magia dos tupis” (BOSI, 1992, p. 93). Sua avaliação negativa da
experiência teatral de Anchieta é apresentada em contraste com considerações positivas
sobre a poesia lírica do padre. A lírica, ao expressar o sentimento religioso individual, seria
construída por Anchieta de forma mais moderna, não ilustrativa, enfim simbólica.

FONTE: <https://doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v15i1p6-53 >. Acesso em: 29 set. 2021.

72
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• As encenações ditas realistas buscavam estar conectadas com ideais como valores
considerados éticos como o trabalho, a honestidade e o casamento de um enredo
que se presta ao debate de questões sociais e que opõem bons e maus burgueses.

• No realismo há uma tentativa de idealizar a sociedade e de exaltar a burguesia e


seus valores ditos como morais e corretos para exaltar uma instituição considerada a
suprema instância social: a família tradicional brasileira.

• As produções realistas retratavam os hábitos de uma burguesia em ascensão com


seus padrões conservadores. Os personagens eram apresentados como profissionais
com certa posição social, considerados de classe emergente da cidade do Rio de
Janeiro.

• A cena naturalista apresentava elementos naturais e poderia ser confundida


facilmente como uma cena real do cotidiano. Dessa forma, os elementos de cena
seguiam esses princípios.

• Os princípios naturalistas de encenação buscavam inserir em seus espetáculos


personagens de carne e osso, com certa realidade natural, sem artifícios ou outros
aspectos que levassem o público a navegar pela mentira das encenações que eram
postas nos palcos da época.

• A comédia de costumes era composta por cenas cômicas que apresentavam


peripécias entre os personagens centrais que evidenciavam ou satirizavam os
hábitos e costumes da sociedade da época.

• A opereta trazia para a cena uma mescla entre comédia, musical, cenas burlescas
e trabalho de bufões que foi aceita com muito sucesso na época, tanto na Europa
quanto no Brasil.

73
AUTOATIVIDADE
1 As dramaturgias Realistas, além de estarem conectadas com aspectos da vida real,
buscavam conectar-se com certa feição moralizadora ao descrever os costumes
justapostos a prescrição de valores considerados éticos como o trabalho, a
honestidade e o casamento de um enredo que se presta ao debate de questões
sociais e que opõem bons e maus burgueses. No realismo há uma tentativa de
idealizar a sociedade e de exaltar a burguesia e seus valores ditos como morais e
corretos. Diante destes indicativos, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O Realismo tentava idealizar a sociedade burguesa da época de exaltar seus


valores ditos como morais e corretos.
b) ( ) O Realismo traz para a cena a proposta de encenação voltada para princípios
surreais, interpretação natural e cenários minimalistas.
c) ( ) O Realismo buscava realizar um teatro, no qual permitia explorar a cultura
popular e outros elementos encontrados na sociedade da época.
d) ( ) O Realismo busca exaltar fatores que definem o teatro oriental de modo que em
meados do século XX, o teatro brasileiro estava em desenvolvimento lento.

2 O teatro Naturalista foi idealizado pelo dramaturgo Emile Zola em que afirmava a
urgência em compor uma cena composta por figurinos, interpelação e cenários que
remetessem ao cotidiano. Esse cotidiano posto em cena deveria ser detalhadamente
natural como uma cena que ocorre na vida real. Elementos reais como móveis,
arbustos, árvores e figurinos reais faziam a composição da cena naturalista. Certo
cientificismo era princípio para a composição de todas as etapas. Com base nesses
princípios, analise as sentenças a seguir:

I- O dramaturgo afirmava que a cena naturalista deveria conter personagens de carne


e osso, com certa realidade natural, sem artifícios ou outros aspectos que levassem o
público a navegar pela mentira das encenações que eram postas nos palcos da época.
II- O autor afirmava ainda que era necessário libertar os personagens de meandros da
ficção, de simbologia convencional conectadas as virtudes e vícios. A determinação dos
personagens seria conduzida por uma lógica temperamental do próprio personagem.
III- O dramaturgo Emile Zola estava conectado com a tendência de produções
espetaculares que apresentavam os musicais como principal característica do
naturalismo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

74
3 De acordo com os princípios da dramaturgia Realista, o que podemos encontrar nas
cenas é os hábitos sociais de uma burguesia que buscava inserir seus ideais na trama
teatral e estabelecer valores morais considerados corretos. Este fato denunciava a
tendência de conservar os desejos de uma burguesia em ascensão conectada com
certo conservadorismo. De acordo com os princípios apresentados, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) As produções já retratam os hábitos sociais de uma burguesia aberta a princípios


liberais e seus valores voltados para padrões tipicamente conservadores.
( ) Os dramaturgos da época esforçavam-se em pôr em cena uma parcela da
sociedade brasileira considerada moderna.
( ) Os valores da época eram conectados com a propagação cultural e acesso aos
produtos teatrais que buscavam encenar temas religiosos e passagens bíblicas
como princípio realista.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V– F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A opereta como estilo de encenação ou como gênero teatral burlesco obteve sucesso
devido ao encenador alemão Jacques Offenbach que em meados dos anos de 1850
na cidade de Paris, passou a utilizar o espaço de espetáculos do Théâtre des Bouffes-
Parisiens. Neste sentido, disserte sobre a opereta e suas características.

5 O estilo de dramaturgia e de encenação Naturalista difere-se do estilo Realista


por abordagens específicas quanto ao conteúdo, procedimentos de encenação e
princípios que podem se aproximar dependendo da produção teatral. Diante destes
argumentos, disserte sobre as diferenças entre os dois gêneros de encenação.

75
REFERÊNCIAS
ARÊAS, V. O Teatro romântico: A comédia de costumes. In. GUINSBURG, J.;
FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro
profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva; Edições
SESCSP, 2012. p. 119 -136.

AZEVEDO, E. R. O teatro romântico: o drama. In. GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.


História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da
primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva; Edições SESCSP, 2012. p.
94-118

BERTHOLD, M. História mundial do teatro. Tradução de Paula V. Zurawski, J.


Guinsburg, Sérgio Clovis e Clóvis Garcia. São Paulo: Perspectiva, 2001.

BRITO, R. J. S. O teatro de entretenimento e as tentativas naturalistas: o


teatro cômico e musicado. In. GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro
brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira metade do
século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 219-232.

CARVALHO, S. de. Teatro e sociedade no Brasil colônia: a cena jesuítica do Auto


de São Lourenço. Revista Sala Preta, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 6-53, 2015. Acesso
em: 25 set. 2021.

FARIA, J. R. O teatro cômico e musicado: o naturalismo: dramaturgia e encenações.


In. GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das
origens ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo:
Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 296-320.

FERRETTI, S. F. Mário de Andrade e o Tambor de Crioula do Maranhão. Revista Pós


Ciências Sociais, São Luís, v. 3, n. 5, jul. p. 93-112, 2006. Acesso em: 25 set. 2021.

GONÇALVES, M. C. Revisitando a dramaturgia de Qorpo Santo em seu contexto


original. Revista Sala Preta, São Paulo, v. 18, n. 1, 2018. Disponível em: https://
doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v18i1p168-180. Acesso em: 11 nov. 2021.

GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.; LIMA, M. A. de L. Dicionário do teatro brasileiro:


temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva; Sesc São Paulo, 2006.

IPHAN. Roda de capoeira. Iphan, Instituto Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional. Brasília, c2014. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/
detalhes/66. Acesso em: 25 set. 2021.

76
KIST, I. S. O teatro romântico: a tragédia e o melodrama. In. GUINSBURG, J.;
FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro
profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva; Edições
SESCSP, 2012. p. 75-93.

PRADO, D. A. As raízes do teatro brasileiro. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História


do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira
metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva; Edições SESCSP, 2012. p. 21-52.

SOUZA, I. C. de; GUASTI, M. C. F. A. Cultura africana e sua influência na cultura


brasileira. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDANTES DE BIBLIOTECONOMIA,
DOCUMENTAÇÃO, CIÊNCIA E GESTÃO DA INFORMAÇÃO, 41., 2018, Rio de
Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: UFRJ, 2018. Disponível em: https://app.uff.br/
riuff/bitstream/1/12906/1/510.pdf. Acesso em: 29 set. 2021.

SOUZA, M. de M. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2014.

RAMOS, L. F. O teatro romântico: a arte do ator e o espetáculo teatral. In.


GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das origens
ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva;
Edições SESCSP, 2012. p. 137-158.

77
78
UNIDADE 2 —

O TEATRO MODERNO NO
BRASIL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar elementos que compuseram o cenário do teatro brasileiro deste período;

• conhecer os fatos que marcaram o teatro brasileiro no período pré-moderno;

• sintetizar informações em torno do teatro brasileiro pré-moderno;

• argumentar sobre o teatro no modernismo brasileiro e formular inferências sobre os


temas abordados.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O TEATRO BRASILEIRO QUE PRECEDE A MODERNIDADE


TÓPICO 2 – O MODERNISMO E O TEATRO BRASILEIRO
TÓPICO 3 – A CENA MODERNA E A PROFISSIONALIZAÇÃO DO TEATRO MODERNO NO
BRASIL

CHAMADA
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um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

79
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A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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80
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
O TEATRO BRASILEIRO QUE PRECEDE A
MODERNIDADE

1 INTRODUÇÃO
Os movimentos e manifestações culturais que precederam o Romantismo,
Realismo e Naturalismo intensificaram o desenvolvimento do teatro no Brasil. Se o
Naturalismo pregava o cientificismo e que em cena os personagens fossem de carne e
ossos, no período seguinte, a cultura brasileira passou por profundas transformações
que precederam a modernidade.

Na primeira década do século XX, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se um


grande centro cultural, junto a São Paulo. A transformação urbanística que a cidade
passou, inspirada na reforma ocorrida na cidade de Paris, no século XIX, pretendia
modernizar os espaços urbanos, privilegiando os espaços para que a classe nobre e
classe pobre fosse lançada aos morros ou subúrbios da cidade.

Com o fim do império e a instauração da república, a cidade do Rio de Janeiro


passou a estar informalmente dividido entre o Rio dito civilizado e o Rio atrasado. Esse
período de transição também representou a modernização nos modos de produção e
disseminação de produtos culturais.

A indústria de entretenimento ganhou força com o fortalecimento dos veículos


de imprensa e a campanha da abolição das práticas de escravidão; e com a construção
de novos espaços para diversão impulsionou transformações em setores culturais como
a produção teatral.

Com esse panorama, multiplicaram-se o número de casas de espetáculos como


cafés-concerto, circos, teatros que ofereciam uma variedade de opções de espetáculos
em artes cênicas o que exigiu a profissionalização de artistas da cena como atores e
atrizes, cenógrafos, figurinistas, dramaturgos e demais profissionais envolvidos na
produção teatral brasileira.

Os aspectos que prevaleciam nesse período eram a ideia de decadência do teatro


nacional. Entretanto, o que ocorria com os teatros dessa época era uma efervescência
nos palcos; e a permanência da tradição cômica em produções musicadas populares e o
desenvolvimento de uma cultura artística era voltada para as massas (REIS; MARQUES,
2012).

81
Neste sentido, esta unidade apresentará os principais elementos que compõem
o teatro no período de transição pré-moderno e alguns aspectos do modernismo. O
tópico apresenta o teatro que antecede o advento da modernidade. O período foi de
intensas experimentações e de protagonismo brasileiro em produções teatrais originais.
Assim, seguimos nossos estudos para ampliar saberes em torno do Teatro brasileiro.
Bons estudos!

2 MOVIMENTOS CULTURAIS E TEATRAIS


Ao lançarmos para a discussão o termo movimento como algo movente, que
instaura certo fluxo de deslocamento, podemos conectar com a dinâmica própria
da cultura. A cultura como algo que mesmo com sua fixidez, está permeada pelos
deslocamentos produzidos por grupos sociais que permitem criar, recriar e praticar
realidades. No caso das manifestações artísticas e práticas conectadas com a arte
teatral no Brasil apresentaram características específicas.

O início do século XX os espetáculos preferidos do público eram os estilos


ligados aos musicais. Predominava ainda as comédias musicadas, revistas de ano e
carnavalescas, operetas, espetáculos parodiados e vaudevilles.

Pensava-se em desenvolver um teatro que pudesse ser sério ou que pudesse


reunir características nacionais de modo que seria identificado como teatro nacional.

As variedades cênicas da época indicavam a confirmação de um teatro voltado


aos costumes e hábitos da sociedade carioca. Toda essa efervescência criou “[...] um
rico mercado em que trabalhava um grande número de atores e atrizes, empresários,
autores, ensaiadores, cenógrafos, assim como diversos outros profissionais relacionados
às montagens dos espetáculos.” (MARQUES; REIS, 2012, p. 322).

Nessa intensa movimentação, os palcos eram tomados por novidades; e os


espetáculos permaneciam pouco tempo em cartaz para que novas produções pudessem
atrair o público sedento por diversão e arte. O Teatro de Revista era modalidade que
atraia o público por tratar de temas populares, cenas rápidas, envolvendo música, dança
e certo apelo ao riso fácil.

A presença de atrizes-bailarinas, vestidas com figurinos coloridos e exuberantes,


chamadas vedetes, era comum. Essa modalidade era uma espécie de teatro ligeiro, com
uma mistura de prosa e versos, com quadros que poderiam ser postos em sequência.
O cotidiano era inspiração para as cenas, caricaturas da realidade, crítica divertida e
alegre.

82
FIGURA 1 – ESPETÁCULO DE TEATRO DE REVISTA, NÃO SOU DE BRIGA, PRODUÇÃO DE WALTER PINTO
(TEATRO RECREIO, 1946)

FONTE: <https://bit.ly/3CARq2v>. Acesso em: 9 mar. 2022.

Espetáculo de teatro de revista, Não sou de briga, produção de Walter Pinto


(Teatro Recreio, 1946). Para a moda e costumes da sociedade, os prazeres e apelos sexuais
poderiam ser comuns. Eles poderiam até mesmo aparecer nas cenas. O terreno revisteiro
é o domínio dos costumes, da moda, dos prazeres e, principalmente, da atualidade.
Algumas características eram comuns em diferentes países: “[...] a sucessão de cenas ou
quadros bem distintos; atualidade; o espetacular; a intenção cômico-satírica; a malícia; o
duplo sentido; a rapidez do ritmo [...] o ritmo vertiginoso é condição básica do texto e da
encenação, indispensável ao seu sucesso” (GUINSBURG et al., 2006, p. 270).

Em fase de implementação do gênero no Brasil, os espetáculos eram compostos


por três atos somente. Entre as décadas de 1920 e 1930, revistas de dois atos como
a revista carnavalesca Pé de Anjo surgiram. Esse gênero teatral popularizou-se no
Brasil por conter espetáculos que eram compostos por números falados, coreografias,
canto, cenas rápidas com humor e crítica social. A cidade de Rio de Janeiro foi palco da
efervescência do Teatro de Revista. A crítica humorada de aspectos sociais e políticos
conectada com certa sensualidade dos corpos em cena cativou o público da época.

FIGURA 2 – FOTO DA PEÇA DO TEATRO DE REVISTA NEM TE LIGO, DA COMPANHIA DE TEATRO WALTER
PINTO, NO TEATRO RECREIO, 1946

FONTE: <https://bit.ly/3t2XCx7>. Acesso em: 16 out. 2021.

83
A criação das cenas buscava elementos de outras áreas, como a música,
a dança, o canto e a opereta ou musicais para compor seus quadros. A exuberância
dos figurinos era marca presente nas cenas; e os textos poderiam ser compostos
com uma junção de diferentes textos ou de autores diversos. As músicas poderiam
ser inseridas de acordo com a necessidade e sem o compromisso de ter composições
originais marcando a sonoridade cênica. Pequenos intervalos entre um ato e outro não
prejudicavam o andamento do espetáculo.

Esse gênero de teatro poderia ser classificado facilmente como teatro musicado
e seguia uma estrutura estabelecida para este gênero. Essa espécie de fórmula
dependia dos encenadores, atores e atrizes ou do que a companhia estava disposta
a inserir nas cenas do espetáculo. O Teatro de Revista possuiu função importante na
história das artes cênicas no período pré-modernidade. Além de estabelecer um estilo
de teatro conectado com raízes brasileiras, buscou divulgar a cultura e a música popular
brasileira. Nessas décadas (1920-1930) surgiram dois subgêneros de Teatro de Revista:
a Revista Carnavalesca e a Revista de Ano. “Revistas como Pé de Anjo e Olelê, Olalá
são emblemáticas desse período. Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt formaram a dupla
de autores mais importantes dessas décadas em que o teatro e a música eram uma só
entidade” (GUINSBURG et al. 2006, p. 271, grifo nosso)

FIGURA 3 – CARTAZ DE DIVULGAÇÃO DE ESPETÁCULO DE REVISTA

FONTE: <https://bit.ly/3MGHSaY>. Acesso em: 17 out. 2021.

A Revista Carnavalesca era composta por elementos que traziam certa


brasilidade com os tipos, mulatos, malandros, mistura de elementos que compõem o
ritmo alucinante da música popular. Nessa inserção de aspetos folclóricos regionalistas
da cena brasileira e de outros aspectos que contribuíram para o surgimento de uma
variação do Teatro de Revista que se denominou Revista Carnavalesca. Essa variedade
buscava trazer para a cena uma espécie de mistura do Carnaval popular e a mágica
cênica que o Teatro de Revista apresentava.

84
O retrato de um, aqui e agora, com a espetacularidade do Carnaval figurava a nova
cena carioca. A conexão entre a festa que se popularizava, o Carnaval, e os espetáculos
de Teatro de Revista tiveram grande sucesso inserindo músicas carnavalescas e temas
que buscavam exaltar a festa popular (GUINSBURG et al., 2006).

A apresentação de Teatro de Revistas Carnavalescas divulgava o cancioneiro


popular, lançavam novos sucessos carnavalescos que saíam dos palcos para a avenida,
com toda a expressividade popular que o Carnaval apresentava. A outra variedade a ser
apresentada nesta discussão é a revista de ano. Esta variedade estava presente antes
mesmo do desenvolvimento do gênero Teatro de Revista ou da chegada definitiva deste
gênero no Brasil. A revista de ano estava presente como um espetáculo que traçava
uma retrospectiva bem-humorada dos acontecimentos daquele ano. Os principais
acontecimentos políticos, culturais ou sociais eram postos em cena com certo humor em
quadros que poderiam estar conectados com um tema central para aquela apresentação.
“A revista de ano caracterizava-se por “passar em revista” os fatos do ano que terminava.
Tratava-se de uma resenha dos acontecimentos do ano, teatralizada, musicada, cheia de
humor e crítica. No Brasil, ela aportou em 1859” (GUINSBURG et al., 2006, p. 271).

A primeira revista de ano a ser encenada na cidade do Rio de Janeiro foi a de


Figueiredo Novaes, em 1859, e intitulava-se de “As Surpresas do Senhor José da Piedade”.
Mesmo com certa dificuldade de estabelecer-se como espetáculo teatral, foi no final do
século XIX, por volta de 1884 que a revista de ano obteve seu sucesso merecido com O
Mandarim escrito pela dupla de enorme sucesso: Artur Azevedo (1855-1908) e Moreira
Sampaio (1851-1901). Além de revisar, com um apelo ao humor, os acontecimentos que
ocorreram no ano que findava, essa modalidade apresentava outras características que
a definem: “[...] a epicidade, um fio condutor tênue, uma ação de movimento e a figura do
compére (popularmente conhecido como compadre, personagem misto de apresentador
e coringa que introduz e dá unidades aos quadros)” (GUINSBURG et al., 2006, p. 271).

FIGURA 4 – POSTAL DA COMPANHIA DE REVISTAS DE WALTER PINTO, DA ÉPOCA EM QUE SE


APRESENTAVAM NO TEATRO RECREIO DO RIO DE JANEIRO

FONTE: <https://bit.ly/37nqfwO>. Acesso em: 26 out. 2021.

85
O disparador das cenas revisteiras era a chegada de alguém, em algum local,
poderia ser uma cidade a ser abordada na encenação, para visitar, percorrer, atravessar
os obstáculos da trama. Quase um apresentador dos quadros cômicos ou dos episódios
fantasiosos, o que se pode chamar de condutor da cena, movia as peças necessárias
para revisar os fatos ocorridos naquele ano.

Essa busca, sempre constante nas revistas de ano, era o elemento


que dava ritmo aos espetáculos, havia sempre alguém e alguém que
escapava por um triz. Havia, portanto, uma pequena história, um
enredo tênue e ingênuo, mas flexível o bastante para desencadear
o desfile dos principais fatos e figuras que se destacaram durante o
ano, mostrados através de quadros de fantasia, esquetes e canções. O
enredo era desencadeado já no prólogo, que costumeiramente se dava
numa região extraterrestre ou fora da cidade que seria revisada durante
o espetáculo. Assim, era comum uma personagem em apuros ir pedir
inspiração a Apolo ou a qualquer outro deus do Olimpo, que nomeava
um “enviado” para ajudar o primeiro. “Caídos na Terra, formavam uma
dupla de compèrs (ou compadres) (GUINSBURG et al. 2006, p. 272).

Dentre os mais famosos escritores desse gênero, temos Artur Azevedo, que,
com A Fantasia e O Tribofe, conseguiu aproximar a revista brasileira aos moldes clássicos
franceses, com forte ação dramática. A revista de ano era composta por três atos com várias
subdivisões em quadros conectados, como mencionamos anteriormente, pelo compère.

Alguns fatores influenciaram para que esse gênero pudesse ter enorme
sucesso, dentre eles está a época de desenvolvimento das cidades, o clima, a música
em ascensão e acontecimentos sociais ou políticos. A metamorfose deu-se quando
esse gênero passou a apresentar certo abrasileiramento tornando-se a manifestação
cênica expressivamente nacional (GUINSBURG et al., 2006).

A revista de ano evoluiu pouco a pouco e formou-se como produto culturalmente


brasileiro e passou a ter dois atos, inicialmente possuía três, o compère foi substituído por
uma espécie de “chefe de quadro” que oferecia para cada quadro sonoridade, frenesi e
visualidade brasileira. “A revista de ano evoluiu para o formato “Revista”. Após a morte de Artur
Azevedo, em 1908, o modelo já se transformara, acabando por perder o caráter de resenha
crítica e satírica dos acontecimentos do ano anterior” (GUINSBURG et al. 2006, p. 272).

As fases da Revista como gênero teatral passou por várias fases: inicialmente
como revista-de-teatro, contendo cenas cômicas, belas vedetes até a espetacularidade
do carnaval. Depois da década de 1950 e equívocos procedimentais, o Teatro de Revista
chegou em seu declínio. Os encenadores adotaram regras marginais, descuido com as
montagens de modo que apresentavam obras sem o devido acabamento.

O público afastou-se e, em pouco tempo, esse gênero declinou até chegar ao


esquecimento. Esse gênero desenvolveu um modo de criar cenas, através da comicidade
em um teatro que refletiu as características de uma realidade social em desenvolvimento
pré-moderno. Esse gênero revelou grandes estrelas ou vedetes como: Luz del Fuego
(1917-1967), Elvira Pagã (1920 – 2003) e Virgínia Lane (1920-2014).

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FIGURA 5 – A VEDETE VIRGÍNIA LANE

FONTE: <https://bit.ly/3Cyul0x>. Acesso em: 9 jan. 2022.

A seguir, avançaremos aos aspectos que compuseram o cenário do teatro pré-


moderno.

3 CARACTERÍSTICAS DO TEATRO PRÉ-MODERNO


O teatro que antecedeu o período modernista brasileiro esteve mergulhado em
novas possibilidades criativas com intercâmbio cultural e artístico, preparando um fértil
território para o que a modernidade representou no cenário artístico cultural brasileiro. As
primeiras décadas do século XX foram marcadas pela intensa movimentação artística e
cultural. Tratar dessa época é tratar de um tempo em que “[...] diversidade de estilos, línguas,
tipos e encenações povoava o palco e requeria da plateia constante adequação, dada a
defasagem estabelecida entre as novas correntes em vigor na Europa e sua chegada ao
Brasil, por meio das companhias dramáticas estrangeiras” (COSTA, 2012, p. 335).

Se pensarmos em uma palavra que defina este período podemos trazer a ideia
de movimento. A revolução industrial impulsionou profundas transformações sociais
e consequentemente culturais. O cinema oferecia experiências por meio da figura em
movimento que nenhuma outra manifestação de arte conseguia oferecer. A presença
das máquinas e os automóveis modificava a dinâmica das cidades de modo que os
ritmos ou velocidades não seriam os mesmos.

A instauração da república extinguia o império e os movimentos sociais,


políticos e artísticos fortaleciam-se. Movimentos como o realismo, naturalismo,
parnasianismo e simbolismo ocorreriam com certa simultaneidade. O clima que marcou
a fase pré-modernidade foi composto por contaminações culturais vindas de outros
países, principalmente da Europa, para estabelecer a busca por uma identidade artística
nacional (COSTA, 2012).

87
FIGURA 6 – GRAÇA ARANHA

FONTE: <https://bit.ly/3hZOIdz>. Acesso em: 26 out. 2021.

Se pensarmos em uma palavra que permita definir este período pré-moderno,


elencamos a ideia de movimento ou velocidade. A figura em movimento presente
no cinema figurava as experiências estéticas nas salas de exibições. Movimentos
feministas, sociais e políticos eclodiam nos centros urbanos. A presença dos carros
e da industrialização marcaram a modificação das velocidades urbanas. As máquinas
ritmaram os movimentos desse período e determinaram as acoplagens ou conexões
dos corpos. O Império finda sua existência para dar espaço ao novo sistema político,
a República dita Velha. As manifestações artísticas foram impulsionadas por uma
espécie de simultaneidade de movimentos artísticos como o Realismo, Naturalismo,
Parnasianismo e Simbolismo (GUINSBURG et al., 2006).

Outros fatores estavam presentes no cenário nacional da época que podem


ser considerados importantes. As influências dos padrões artísticos europeus estavam
presentes, porém em terras brasileiras iniciavam movimentações em direção à criação
de arte com identidade brasileira. Nas artes da cena figuravam o teatro dito ligeiro
(cenas rápidas e a presença de músicas coreografadas), que influenciaram amplamente
o desenvolvimento teatral de modo que novas geografias e cenografias definiam
os contornos da cena pré-moderna e posteriormente, a modernidade artística. Os
rebuscamentos textuais deram espaço para a música, coreografias e visualidades em
um estilo teatral que assume características brasileiras (GUINSBURG et al., 2006).

As mudanças ocorrem em todos os setores da vida privada e pública do país.


A economia apoia-se na agricultura cafeeira, com exportação intensa dos produtos
brasileiros como açúcar e café. Outras mudanças ocorreram em setores como a
economia, baseada na exploração do café regulada pelo governo, o desenvolvimento
industrial explorando a mão de obra barata, precarização da vida urbana, crescimento de
desigualdades e de uma classe burguesa que ostentava novidades artísticas. O poder de

88
compra das elites influenciou a produção de arte nacional, bem como a produção teatral
voltada para a satisfação burguesa e em outra vertente teatral, a crítica e denúncia de
realidades sociais também poderiam estar presentes. As incoerências sociais também
eram postas em cena para mostrar as condições sociais da época.

Neste sentido, as produções teatrais passaram a ser criadas com a


intencionalidade de ofertar espetáculos tanto para plateias populares quanto ao público
considerado refinado. A turbulência, rebeldia, avanços e diversidade cultural foram
elementos que compuseram a cena pré-modernista. Ao percebermos como principal
representante do teatro dito ligeiro, Artur Azevedo confirmou a continuidade de um
teatro cômico e musicado na transição do século XIX para o XX. As produções dessa
época atendiam as expectativas também do espectador de baixa renda ao oferecerem
baixos preços nas bilheterias.

O teatro dito ligeiro estava em decadência desde os últimos anos do século


XIX, pois os ventos sopravam ares de um teatro dito sério. Apesar da intensa produção,
a tendência da época forçava um retorno aos padrões estéticos franceses ou em uma
dramaturgia vinda de terras europeias. A inspiração deveria originar-se do conhecimento
do teatro francês. Nesse período, dramaturgos de sucesso como Edmond Rostand
(1868-1918), Eugêne Brieux (1858-1932), Henri Bataille (1872-1922), Henry Bernstein
(1876-1953), Maurice Donnay (1859-1945) eram postos em cena por companhias
estrangeiras que circulavam em terras brasileiras. Outros dramaturgos faziam sucesso
em Paris como Ibsen, Maeterlinck, Sudermann, D'Annunzio.

FIGURA 7 – HENRIK IBSEN (1828-1906)

FONTE: <https://bit.ly/3J0aOZg>. Acesso em: 26 out. 2021.

Com centros urbanos e culturais pontualmente localizados nas capitais do país,


um Brasil com a produção artística focada em centros em contrapartida de um interior
brasileiro distante das evoluções industriais, com certo abando, realidade violenta, com
pouco acesso aos benefícios tecnológicos. Esses fatos denunciam o abandono e atraso

89
em que as cidades periféricas ou interioranas foram submetidas. Outros fatos permeavam
a realidade brasileira em transição com os conflitos armados como: canudos e o contestado.
Neste contexto, os contrastes apresentavam-se em diferentes esferas de modo que a
máquina carro contrastava com a carruagem ou o carro de boi com protagonistas ditos
caipiras de pés descalços. Com essa realidade, os textos dramatúrgicos e a literatura
brasileira apresentaram personagens que são clássicos da dramaturgia e personagens
populares como: “Antônio Conselheiro, Jeca Tatu, Policarpo Quaresma, o Barão de Belfort,
Coelho Neto (o "último heleno") e o dândi João do Rio são uma pequena amostra da
realidade plural e contraditória do período” (COSTA, 2012, p. 336).

DICA
Para acessar e conhecer mais textos teatrais desse período, recomendamos
acessar os endereços eletrônicos a seguir. Neles você poderá baixar textos
de dramaturgos brasileiros e conhecer outros textos de dramaturgos
internacionais. Bons estudos.
• Oficina de Teatro: https://bit.ly/3w6w0ci.
• Centro de Dramaturgia Contemporânea: https://bit.ly/3t4bs2z.

INTERESSANTE
O Centro de Dramaturgia Contemporânea agrega, além de textos
dramatúrgicos, outras propostas desenvolvidas pelo Teatro Académico de Gil
Vicente (TAGV) em parceria com a Universidade de Coimbra, em Portugal.

Assim, o teatro permanece vivo, seja pelas cenas musicadas ou pelos dramas
e comédias francesas. Com a criação do Teatro Trianon, por volta de 1915, as comédias
de costumes marcaram a presença no cenário da cultura carioca. O teatro como
arte da cena interagia profundamente com a realidade, seja pelas temáticas ou pela
constante busca pela presença do público nos espetáculos teatrais. Embates entre
estilos, tendências e modos de criar cenas talvez seja o ponto conflitante no período
pré-modernismo e durante o modernismo brasileiro.

Esse período foi uma espécie de preparo dos territórios para o que estava por
vir: uma época de intenso desenvolvimento cultural, artísticos e social. Os produtos
naturalistas de Zola e Ibsen ainda estavam em vigência no Brasil e ainda se configuravam
em trabalhos como A Muralha, de Coelho Neto ou a Herança de Júlia Lopes de Almeida.

90
“No chamado "teatro da paixão", de linhagem francesa, cujos
expoentes são Henri Bataille (1872-1922), Porto Riche (1849-1930)
e Bernstein (1928-1990) influência Flores de Sombra, de Cláudio de
Souza (1876-1954), Berenice, de Cláudio de Souza, A Bela Madame
Vargas, de João do Rio (1881-1921), e Neve ao Sol, de Coelho Neto
(1864-1934)” (COSTA, 2012, p. 336, grifo nosso).

Outra vertente teatral nacional buscava na ação dramática o tensionamento


entre a burguesia e as classes populares expunha em trabalhos das artes cênicas o
apodrecimento das instituições, escancarava a corrupção, o egoísmo hipocrisia, ambição
e paixões avassaladoras que geravam desespero e desfechos com muita dor. Esse
cenário sempre apoiado por um pano de fundo internacional de modo que as tendências
internacionais interferissem diretamente na cultura nacional, o teatro buscou conectar-
se com elementos da cultura brasileira. No âmbito internacional, a modernidade é
precedida por movimentos artísticos como o simbolismo e o impressionismo nas artes
visuais e, no que se refere às artes da cena e as dramaturgias criadas nesse período,
elas seguiam as propostas de Maeterlinck (1862-1949), Tchékhov (1860-1904), O’Neill e
outras propostas criadas no intuído da peça bem-feita que discutiam os dentinhos do
ser humano e demais seres vivos.

Questões conectadas com a criação teatral e a funcionalidade do diretor teatral


influenciaram o que chamamos de processo de encenação. Os estudos em torno da
interpretação teatral de Constantin Stanislavski inauguram novas abordagens. Com
esse grande expoente, outros nomes despontaram como destaques na invenção de
um teatro voltado para a criação recriação da própria área. Em uma proposta utópica,
a mentalidade de uma época de inovação idealizou e realizou montagens de Reinhardt
e idealizadas por Appia (1862-1928) e Craig (1872-1966). Nomes como Evreinoff (1879-
1953), Romain Rolland (1866-1944), Copeau (1879-1949), Meierhold (1874-1940),
Piscator (1893-1966), Brecht (1898-1956) e Artaud (1896-1948), protagonizaram grande
inventividade no campo teatral (COSTA, 2012; GUINSBURG et al., 2006).

FIGURA 8 – ANTONIN ARTAUD

FONTE: <https://bit.ly/3I7h5ky>. Acesso em: 21 nov. 2021.

91
Cada encenador, diretor ou artista da cena buscava desenvolver saberes por
meio de suas perspectivas de criação teatral e em terras brasileiras as reverberações
destas propostas permitiram pensar em um teatro renovado e envolto em controversas
tensões entre a comédia musicada e as novas tendências. Duas tendências destacaram-
se no cenário moderno brasileiro que merecem destaque: a evolutiva e a ruptura. A
tendência evolutiva considerava os modelos e procedimentos modernos, mesmo com
certa dispersão, ao longo da linha histórica iriam sedimentando-se, acumulando-
se em termos de dramaturgia, quanto na encenação. Essas dimensões assumiam
interconexões que dificilmente poderiam ser isoladas ou identificar marcos essenciais.

Renato Vianna (1869-1894), em 1922, apresenta A Última Encenação de Fausto,


que precedeu a longa etapa de experimentações modernistas. Em 1927 foi a vez de
Eugênia e Álvaro Moreyra no chamado Teatro de Brinquedo (Rio de Janeiro) de lançar
duas produções de Adão, Eva e Outros Membros da Família. Flávio de Carvalho com o
Teatro da Experiência em São Paulo apresenta O Bailado do Deus Morto (1933). O Rei da
Vela, de Oswald de Andrade (1890-1954) publicado em 1933, foi apresentado no teatro
mencionado e Amor, texto de Oduvaldo Vianna (1892-1972), que foi encenado em São
Paulo, em 1933, e no Rio de Janeiro, em 1934, contendo cenários inovadores, múltiplos
e que impressionavam pela inventividade (GUINSBURG et al., 2006).

Outra produção que se destacou em 1938 foi Romeu e Julieta, que, na


concepção de Itália Fausta (1879-1951), no Teatro do Estudante, traduzia as aspirações da
modernidade teatral somente pelo fato de dar visibilidade ao trabalho de uma encenadora.
O grupo Os Comediantes trabalhava intensamente para levar aos palcos encenações que
traduzissem as aspirações modernistas até levar ao palco o texto de Nelson Rodrigues
em 1943, dirigido por Zbigniew Ziembinski (1908-1978); Vestido de Noiva.

FIGURA 9 – ZBIGNIEW ZIEMBINSKI

FONTE: <https://bit.ly/3MLAJpN>. Acesso em: 26 out. 2021.

Esta encenação trazia para o palco novos modos de conceber a cena e os planos
que traduziam realidade ou ficção, sonho e imaginação, simultaneidade de planos e
iluminação como elemento integrante de uma dramaturgia em transformação. Com a
implantação da Nova República (1934-1945), o Brasil inicia um intenso movimento para

92
firmar um teatro brasileiro e com a originalidade da cultura do país, mesmo adentrando
um período de repressão militar implantado pela política de repressão aos movimentos
populares e às manifestações artísticas (GUINSBURG et al., 2006).

FIGURA 10 – VESTIDO DE NOIVA, 1943, TEXTO DE NELSON RODRIGUES

FONTE: <https://bit.ly/3vUZkmh>. Acesso: 9 jan. 2022.

O texto de Nelson Rodrigues e a encenação de Ziembinski mostram a presença


de rupturas e avanços no cenário teatral brasileiro. Essa iniciativa firma como principal
elemento para a encenação modernista a relação entre a tríade autor/encenador/elenco.
Outro fator que impulsionou a produção teatral foi a fundação do Teatro Brasileiro de
Comédia, o TBC na cidade de São Paulo, em 1948. O TBC foi importante para o teatro
moderno em sua grandiosidade e importância na produção teatral na cidade de
São Paulo. A discussão que seguiremos no próximo trecho apresentará importantes
encenadores deste período.

INTERESSANTE
Fundado em 1948 pelo imigrante italiano Franco Zampari, o Teatro Brasileiro
de Comédia (TBC) inovou na cena cultural paulista adotando modos de criar
teatro com certo profissionalismo que até então não era comum no Brasil.
O TBC reuniu uma série de atores brasileiros de enorme talento e diretores,
cenógrafos, europeus, que deram uma nova marca ao Teatro do Brasil e ares
de pioneirismo a companhia, que se dedicava a apresentar textos clássicos da
dramaturgia e textos locais. Para conhecer mais sobre o TBC acesse o artigo
“O teatro no Brasil e o teatro brasileiro de comédia”, da pesquisadora Elisa
Maura Pereira Ferreira no endereço eletrônico: https://bit.ly/3tcutjr.

93
4 ENCENADORES E PROCESSOS CRIATIVOS
Ao abordarmos a temática encenadores e processos criativos da época pré-
moderna e modernista estamos trazendo para a discussão os modos de abordar a
produção cênica e os personagens que protagonizaram os principais feitos artísticos
dessa época de transformações. O teatro exigia criações que atendessem ao mesmo
tempo o gosto popular e de uma elite emergente. Após a morte de Artur Azevedo (1855-
1908) e de seu parceiro Moreira Sampaio (1851-1901), principais ícones da cena revisteira,
outros autores e encenadores receberam estaque nas primeiras décadas do século XX.
Entre eles estavam Cardoso de Menezes (1878-1958), Carlos Bettencourt (1888-1941),
Raul Pederneiras (1874-1953) e Luiz Peixoto (1889-1973). Este grupo de artistas da cena
biscavam manter relações criativas com artistas de outras áreas, como “[...] escritores,
caricaturistas e compositores, os chamados "humoristas boêmios", artistas e intelectuais
cariocas que tiveram enorme atuação, por meio do riso, da descontração e da criatividade,
na crítica da modernidade [...]” (REIS; MARQUES, 2012, p. 323). Essa crítica à modernidade
estava vinculada a uma tentativa de questionar a imposição a imposição de um projeto
eurocêntrico centrado em seus próprios modelos estéticos e processos criativos.

FIGURA 11 – CARTAZ DE O BILONTRA, DE ARTUR AZEVEDO E MOREIRA SAMPAIO

FONTE: <https://bit.ly/3IaIVg4>. Acesso em: 26 out. 2021.

Quando abordamos o tema processos criativos, estamos trazendo para o foco


de estudo as abordagens criativas para a escrita de textos dramatúrgicos ou para a
criação de material cênico que será posto no palco com uma determinada edição das
cenas. Os artistas da cena citados anteriormente, com cartunistas, jornalistas e outros
profissionais que buscavam outros modos de expressão, integrar-se socialmente, ou
pelos movimentos que ocupavam as ruas, ou por movimentos literários, ou por artistas
que se opunham aos moldes estéticos vindos de terras estrangeiras ou com origens
nas elites que influenciavam nos modos de escrever a história do Rio de Janeiro. Este
movimento permitia que as produções teatrais pudessem ser alternativas para provocar
discussões em torno de aspectos da sociedade da época.

94
Nesta direção, os textos dramatúrgicos que surgiam retratavam com comicidade,
música e personagens caricatos, a cidade dita moderna, com luzes e amplas avenidas
promovidas pelas reformas urbanas em contraponto a um Rio de Janeiro destinado ao
esquecimento. Essa tendência ao abandono de parte da cidade e de construção de uma
aparência urbana para inaugurar a modernidade retratava a acentuada desigualdade
social em que a população estava submetida. “Relacionando-se tanto com a cultura
sofisticada quanto com a cultura popular de sua época, esses aurores retrataram uma série
de tipos das ruas do Rio, não apenas no teatro musicado, ao qual muitos se dedicaram,
mas também em conferências humorísticas ilustradas” (REIS, MARQUES, 2012, p. 324).

FIGURA 12 – RAUL PEDERNEIRAS

FONTE: <https://bit.ly/3i0JRc6>. Acesso em: 26 out. 2021.

Raul Pederneiras (1874-1953), nasceu na cidade do Rio de Janeiro, tendo sua


formação inicial foi em Direito, e com sua habilidade na escrita, tornou-se colaborador
de muitos folhetos, periódicos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Como presidente
da Associação Brasileira de Imprensa e conselheiro da Sociedade de Autores Teatrais
incentivou a produção de dramaturgias. Delegado de polícia, participou de muitos
grupos literários e científicos, atuou como caricaturista em periódicos que abordavam
com humor e temas específicos. A Grande Revista, espetáculo apresentado no Teatro
Recreio consagrou o autor como um hábil escritor que captou as características do
Teatro de Revista para uma versão moderna. Nessa agradável vertente, o escritor
apresenta no Pavilhão Internacional, O Babaquara, que estreou em 1912. Outro trabalho
de destaque foi a encenação intitulada O Rio Civiliza-se, slogan utilizado pela imprensa
da época, estreou no Cine-Teatro Rio Branco em 1912 (REIS, MARQUES, 2012).

Dois espetáculos de autoria de Raul merecem destaque em suas produções


dramatúrgicas: A Última do Dudu e O Morro da Graça, ambas de 1915. A primeira abordava
como tema central o azarado ex-presidente Hermes da Fonseca e a segunda brincava
com o local em que Pinheiro Machado, senador de destaque, recebia seus visitantes
inusitados. Essa última era embalada por música de Assis Pacheco Percival encenada
no Teatro República (REIS, MARQUES, 2012).

95
FIGURA 13 – FREDERICO CARDOSO E SOUZA

FONTE: <https://bit.ly/36gixEg>. Acesso em: 25 out. 2021.

Frederico Cardoso de Menezes e Souza (1878-1958) nasceu no bairro do Catete,


na cidade do Rio de Janeiro. Cresceu em meio a efervescência carioca e entre artistas,
intelectuais e outros personagens de destaque no cenário teatral carioca. A casa de seus
pais era frequentada por inúmeras figuras famosas já que seu pai, Antônio Frederico
Cardozo de Menezes e Souza era músico, escritor, poeta e encenador conhecido no
cenário artístico carioca e filho do barão de Paranapiacaba no período de 1875 a 1901.
Seu pai possuía acesso ao imperador D. Pedro II e sua mãe Judith Ribas Cardozo de
Menezes e Souza, também era ligada à música. Por ser musicista colaboradora de Artur
Napoleão que compôs inúmeras partituras na virada do século XIX. Em 1895, tornou-
se funcionário público, trabalhou no Tesouro Nacional, onde se aposentou. Sua estreia
como autor de textos teatrais deu-se em 1912 com a peça teatral burleta intitulada
Comes e Bebes, na Companhia de Teatro São José. Este autor tornou-se um dos mais
famosos teatrólogos do gênero ligeiro carioca e firmando-se como autor de Revistas
Carnavalescas (REIS, MARQUES, 2012).

O autor destacou-se com peças musicadas, sendo escritor de textos teatrais


em parceria com Carlos Bettencourt por mais de dez anos consecutivos. Com essa feliz
parceria escreveu mais de 33 peças burletas levadas aos palcos pela Companhia de
Revistas e Burletas, empresariada por Paschoal Segreto (1868-1920). Esse dramaturgo
presenciou mais de uma centena de apresentações da peça Gato, Baeta e Carapicú,
sendo considerada peça de qualidade para o teatro dito ligeiro.

96
FIGURA 14 – PASCHOAL SEGRETO

FONTE: <https://bit.ly/3vZsq3F>. Acesso em: 9 mar. 2022.

FIGURA 15 – CARLOS BETTENCOURT

FONTE: <https://bit.ly/3tS0Ti2>. Acesso em: 26 out. 2021

Paschoal Segreto (1868-1920) foi importante para a cultura nacional, pois além
de incentivador da produção de arte, trouxe o cinema para o Brasil. De origem Italiana,
encontrou em terras brasileiras sua morada. Quando assumiu a função de Ministro das
Diversões do Rio de Janeiro implementou salas de cinema para que os filmes pudessem
ser exibidos. Além destes feitos, Paschoal Segreto foi empresário que investia na
produção de peças teatrais que fizerem muito sucesso na época. Carlos Bettencourt
(1888-1941), também nasceu no Rio de Janeiro, filho de médico e por força da família,
obrigado pelo pai a seguir a mesma carreira, foi estudar medicina, permanecendo apenas
um ano na faculdade. Ele tornou-se funcionário público no setor da saúde e escrevia
suas peças nas horas em que não estava em seu trabalho oficial. Em 1909, conseguiu
emprego na função de repórter no jornal O País com o pseudônimo de Assombro.

97
O primeiro sucesso de destaque foi a burleta Forrobodó, com autoria de Luiz
Peixoto e Cardoso de Menezes. O autor conseguiu a proeza de ter seus textos encenados
por diversas companhias como: “[...] de João de Deus e Margarida Max, ambas no
Teatro Recreio; a Companhia Nacional de Operetas e Melodramas do Teatro S. Pedro, da
Empresa Paschoal Segreto; a Companhia de Antônio de Souza, no Teatro Carlos Gomes”
(REIS, MARQUES, 2012, p. 325).

A seguir, conheceremos o artista da cena chamado Luiz Peixoto (1889-1973).

FIGURA 16 – LUIZ PEIXOTO

FONTE: <https://bit.ly/3CDDxkb>. Acesso em: 26 out. 2021.

Luiz Peixoto (1889-1973) foi considerado um dos maiores autores no período de


60 anos. Natural de Niterói, nasceu em 1889 e, já em 1912, era consagrado como autor
de teatro. Mergulhou desde cedo no cenário artístico da época, produzindo trabalhos
como caricaturista, o que marcou o início de sua carreira, mantinha conexões rotineiras
com pessoas influentes da imprensa, escritores e autores do dito teatro musicado.
Nesse círculo de amizades, e ligações artísticas, boemia e criações, encontrou ao autor
que conhecemos anteriormente:

Carlos Bettencourt. Esse autor esteve presente na primeira fase


de sua carreira e com ele escreveu seu primeiro trabalho para o
teatro chamado Seiscentos e Seis, em 1911. Esse trabalho obteve
pouca repercussão e tempo depois escreveu Forrobodó, também
mencionado anteriormente, como um dos maiores sucessos da
dupla (REIS, MARQUES, 2012, p. 325).

Sua atuação como autor teatral nas primeiras décadas do século XX, foi na
produção de burletas com grande senso de humor, um olhar sensível para a realidade
social brasileira e as desigualdades que se acentuavam. Sua parceria de sucesso com
Carlos Bettencourt estendeu-se para além da aclamada peça Forrobodó. Em 1916, no
Teatro São José, estreou Morro da Favela que apresentava como trama inovadora os
habitantes da favela e seus costumes. A burleta era composta por uma trama do cotidiano
98
do Rio de Janeiro e por hábitos costumeiros do povo. Outra produção no mesmo período
foi a peça Dança de Velho. Esse trabalho possuía cinco atros e apresentava temática
carnavalesca permanecendo em cartaz por mais de uma centena de apresentações
(REIS, MARQUES, 2012).

Com a parceria de Raul Pederneiras, Peixoto produziu O Gaúcho, em 1916 no


Teatro São José. Em 1917, Peixoto ainda escreveu Três Pancadas, com parceria de Carlos
Bettencourt e em 1918, com a mesma parceria, estreou a burleta Flor do Catumbi e, com
parceria de Freire Júnior, escreveu Saco do Alferes. Essa burleta abordava novamente o
cotidiano das camadas populares de forma que:

“[...] o dom de observação dos jovens autores captava com um realismo


lírico, uma certa cumplicidade sentimental, o comportamento de
cidadãos marginalizados pela sociedade de massa, urbana, como
alfaiates, sapateiros remendões, matutas explorados pelas ambições
eleitorais, solteironas amadas por poetas de terceira ordem e
preteridas por mulatinhas sestrosas e maxixeiras, e chefetes políticos
sem eira nem beira” (REIS, MARQUES, 2012, p. 326)

As festividades do período junino também era tema das cenas da época


permeadas por trocadilhos da cultura brasileira. A burleta República de Itapiru, de
1919, escrita em parceria com Luís Edmundo obteve enorme sucesso. Em sequência,
o sucesso de Seiscentos e Seis, de 1911, citada anteriormente, em parceria com Carlos
Bettencourt. Escreveu ainda as Revistas Abre Alas, de 1913 e Roda Viva, de 1915,
produções em parceria com João Rego Barros.

Em parceria com Raul Pederneiras, produziu em 1912 a revista Morreu o Neves. A


atuação de Luiz Peixoto estendeu-se por inúmeras companhias e sua ocupação deu-se em
múltiplas funções como dramaturgo, diretor das companhias teatrais, produziu cenografia,
figurinos, dirigiu cenas, criou letras de trilhas sonoras e foi ator em trabalhos humorísticos.

Além dessas contribuições para o teatro nacional, o autor é considerado um


expoente do teatro nacional ao adotar coro de atrizes e figurinos aos moldes da companhia
francesa Ba-ta-clan. Esse fato de 1922 ofereceu ao autor enorme prestígio, trazendo
importantes parcerias para sua carreira. O autor, contribuiu ainda para a fundação do
Teatro de Brinquedo em 1977 em parceria com Heckel, Álvaro e Eugênia Moreyra.

Em 1930 foi diretor de arte do Cassino da Urca, levando a casa de shows ao


sucesso revelando profissionais da música popular brasileira e do teatro dito ligeiro para
os palcos internacionais. Sendo responsável pelo enorme sucesso da cantora Carmem
Miranda, saindo dos palcos brasileiros para a Broadway e Hollywood. Para selar seus
feitos, o autor foi responsável, com outros sócios, pela fundação da Sociedade de
Autores Teatrais. Dirigiu, na década de 1960, a Escola Dramática Martins Pena.

Os nomes de importantes dramaturgos citados nesse breve estudo trouxeram


contribuições valiosas para o teatro em construção no período pré-modernista e para
o modernismo brasileiro. Os dramaturgos buscaram construir um teatro que, além

99
de ter aspectos que remetiam a um teatro caricato, ao apresentar letras de músicas,
poesias e situações envolvendo personagens tipo da cultura popular excluídos das
ações de modernização em que a cidade do Rio de Janeiro foi submetida. “Eram
mulatos pemósticos, tias baianas, prostitutas, valentões da capoeira, portugueses
ricos ou coronéis do interior enlouquecidos por mulatas que os maltratavam com seus
requebros” (REIS, MARQUES, 2012, p. 326).

Quanto aos cenários que geralmente estavam presentes nos espetáculos


teatrais deste período eram ambientes internos como clubes em que ocorriam festas
carnavalescas, circos, pensões ou festas populares como quermesses. Os aspectos
cenográficos deste período exploraremos logo a seguir. Estes autores tiveram papéis
importantes na construção de um teatro dito nacional. A função desses autores estava
conectada com a de ser comediógrafos ou dramaturgos que movimentavam as peças
que constituíram os gêneros que, posteriormente, foram definidos como teatro ligeiro.
A comum prática de produzir textos de forma colaborativa permitia que a criação
cênica pudesse ter originalidade e liberdade de expressar o que os autores criavam
em conjunto. A seguir, estudaremos aspectos visuais do teatro moderno. Este trecho
estará voltado para os aspectos visuais do teatro pré-moderno e início do modernismo
brasileiro (REIS, MARQUES, 2012).

5 ASPECTOS VISUAIS DO TEATRO MODERNISTA


Ao abordarmos os aspectos que compõem a visualidade presente no teatro pré-
modernista e início do modernismo há a necessidade de definirmos os componentes
que constituem cenografia como principal elemento dos aspectos visuais. Há um
panorama que baseou a presença de um teatro voltado para a comédia, exaltação
de aspectos populares e inserção de figurinos estravagantes e festivos. A tendência
naturalista e realista inseriam no palco elementos que pudessem remeter a uma cena
real, um cenário com elementos naturais ou carregada de móveis de uma sala de estar
com todos os detalhes possíveis. É importante destacar que há semelhanças entre as
duas abordagens de estilo cenográfico. Enquanto o Realismo buscava apresentar uma
cenografia que fosse idêntica a uma cena real, o Naturalismo também poderia apresentar
certos elementos que eram retirados do cotidiano, porém a abordagem científica era
parâmetro para definir os aspectos visuais da cena Naturalista.

No momento pré-moderno do teatro nacional, o clima de transformação e de


uma certa busca por novas abordagens que atendessem o gosto popular expandiu-
se. A moldura posta no palco por meio de elementos pictóricos, plásticos e retirados
do cotidiano deu espaço para elementos com apelo festivo, inovações tecnológicas e
corpos dançantes cobertos por figurinos carnavalescos. A musicalidade e coreografias
precisamente ensaiadas também eram fatores que influenciavam os aspectos visuais
do teatro pré-modernista.

100
FIGURA 17 – CENA DO ESPETÁCULO O REI DA VELA DE 1967

FONTE: <https://bit.ly/3vWyYjN>. Acesso em: 9 jan. 2022.

A figura anterior apresenta uma ideia do cenário modernista e é um registro


do fotógrafo Fredi Kleemann (1927-1974) do espetáculo O Rei da Vela (1967). Essa
figura compõe o cervo do Idart, do Centro Cultural de São Paulo. O registro apresenta à
esquerda, no primeiro plano, os atores Edgard Gurgel Aranha (Totó Fruta do Conde); à
direita, sentados, a atriz Etty Fraser (Dona Cesarina) e Renato Borghi (Abelardo I).

Ao pensarmos nos termos cenário, cenografia ou aspectos visuais do pré-


modernismo ou do modernismo teatral brasileiro há a necessidade de discutirmos
algumas definições para estes termos. A cenografia que compõe os aspectos visuais
do teatro vincula-se com elementos visuais que compõem as cenas de determinado
espetáculo de artes cênicas. Para além de uma questão decorativa, com excessos
ou com elementos essenciais, a cenografia busca ambientar a cena ou localizar os
acontecimentos do espetáculo no tempo em espaço. Das noções de tela de fundo,
de tela tempo-espacial, o cenário passa a ter função importante na realização de um
espetáculo teatral, seja no modernismo ou na contemporaneidade (PAVIS, 2008).

Da estética naturalista, da ilusão realista, os aspectos visuais ainda podem


ser considerados como dispositivos cênicos com certa versatilidade e funcionalidade
de acordo com cada concepção de cena. O cenário como aspecto visual estabelece
importantes conexões com outros elementos visuais como a iluminação, figurinos
e elementos textuais. A visualidade presente no teatro pré-modernista e modernista
buscava acentuar o que os textos orientavam, muitas vezes, com certa redundância.
Esse aspecto passou a ser questionado na mediada que encenações apresentaram em
sua sequência de cenas aspectos visuais essenciais para o espetáculo acontecer.

O cenário e outros elementos que compõem os aspectos visuais do teatro


buscavam ser uma espécie de ilustração, representação que molda arquitetonicamente
a cena e estabelece o espaço em que a ação cênica ocorre. Somente em meados do
século XIX, em plena efervescência cultural que os aspectos visuais ou cenográficos

101
passam a apresentar certa liberdade cênica ao sintetizar, simbolizar ou propor uma
cenografia subordinada a cena, ou ao que a cena necessita para acontecer. Os
excessos foram eliminados para que a cena modernista pudesse criar estéticas novas
(GUINSBURG et al., 2006, PAVIS, 2008).

FIGURA 18 – AS ATRIZES LOLA BRAH E YONÁ MAGALHÃES EM MONTAGEM DE VESTIDO DE NOIVA, 1965

FONTE: <https://bit.ly/3wOX4ND>. Acesso: 9 jan. 2022.

Dos excessos realistas, naturalistas e festividades do teatro de revista, para


uma relação de plasticidade tridimensional, sem função mimética rígida, passa a ser
uma totalidade geradora da ação dramática. Vazios, movimentações de elementos
e a mínima presença de elementos cenográficos passa a ser prática constante nas
produções que sucederam o modernismo. O pré-modernismo funcionou como um
período de gestação para que posteriormente pudessem nascer propostas ousadas de
cenografia explorando infinitas possibilidades.

A maleabilidade cenográfica expande-se para a amplitude da encenação na medida


em que se conecta com a interpretação dos atores e atrizes, da recepção do espectador
e outros componentes da cena. Neste sentido, as práticas que surgem desse período é o
desenvolvimento de novos princípios para os usos da cenografia: “[...] a escolha de uma
forma ou de um material básico, busca de um tom rítmico ou de um princípio estruturante,
interpenetração visual dos materiais humanos e plásticos” (PAVIS, 2008, p. 43).

Os aspectos visuais do teatro deste período buscavam, por meio dos excessos
revisteiros, das cenas ligeiras e das comédias musicadas traduzir a busca por inovações.
A figura masculina estava em destaque no que se refere a encenação, produção e
escrita de dramaturgias.

As figuras femininas estavam presentes nos palcos exercendo o papel de


vedetes ou de personagens que exibiam seus corpos em figurinos com cores vívidas
e extravagante. As coreografias e músicas eram executadas por um grupo de atrizes

102
que dançavam e cantavam com todo glamour que a cena da época oferecia. Mesmo
com todo protagonismo masculino, os figurinos que estavam em destaque eram das
vedetes que basicamente exerciam o papel de símbolos sexuais, atraindo um público
dito masculino. A diante discutiremos outros aspectos específicos do cenário e da
cenografia deste período.

5.1 A CENOGRAFIA MODERNISTA


Tempos mais tarde, o surgimento de propostas de cenografia como a estética
do teatro pobre de Grotowski (1933-1999) e Peter Brook (1925-), em que o não cenário ou
ausência de cenário como proposta de cenografia oferecia para a cena a eliminação de
excessos permitindo a exaltação da atuação e de elementos essencialmente necessários
para a cena. O vazio do palco assumindo a presença de uma cenografia voltada para o
trabalho de atores e atrizes. A cenografia modernista exercia um papel de fertilização
criativa para permitir a vinda de um tempo de enormes inovações contemporâneas.

O que podemos chamar de cenário verbal, dispositivo cênico, máquina teatral


ou objeto cênico, termos que podemos utilizar para discutir as definições de cenografia,
são termos que possibilitam a discussão de usos e transformações da cenografia ao
longo da pré-modernidade e modernidade cultural brasileira. O que limitava a cena
pelos excessos, o que agia como uma prisão para a cena ou como uma reprodução fiel
de cenários do cotidiano no palco, agora poderia ser questionado, e, por meio da ação
do encenador, a presença de cenários funcionais passou a ser prática recorrente nas
produções brasileiras.

A cenografia assume duas funções dramatúrgicas, desde a antiguidade até a


atualidade, e no período modernista não seria diferente. A primeira função dramatúrgica
do cenário é: Ilustração e figuração de elementos que estão presentes no universo
dramático. O encenador ou o cenógrafo busca selecionar elementos que o texto traz como
sugestões e posiciona em cena de modo a fazer parte da cena que ocorrerá. A presença
estilizada desses elementos ou signos que podem ser atualizados par serem postos
em cena, variam de uma abordagem naturalista, detalhada e impressionantemente
correspondente ao real quanto inserir parte dos elementos que a cena exige. Um signo
central, um objeto que sintetiza a informação da cena ou outro aspecto pode ser posto
em cena como uma sugestão do espaço e tempo da cena ou outra informação pontual
(PAVIS, 2008, grifo nosso).

A segunda função é a construção e modificação que não se restringe ao espaço


do palco, não há restrições nessa máquina de representar, com seus acoplamentos e
conexões que representam, sugerem e tentam afastar-se da representação mimética.
Nessa função a cenografia busca por meio de elementos pontuais, planos, elevados,
passarelas, andaimes e cenários flexíveis para que os atores e atrizes possam construir
cenas ou espaços para a ação dramática (PAVIS, 2008, grifo nosso).

103
A palavra cenografia, do grego, skêllographia, compreende a arte de adornar
o teatro com diversos recursos que compõem uma cena teatral. No renascimento, a
cenografia estava voltada a construção de telas em perspectiva que eram postas no
fundo da cena. Em termos modernos, a cenografia está conectada com os aspectos
visuais e permite pensar o espaço da cena teatral, dos elementos que compõem cada
cena e da localização temporal da narrativa apresentada.

Os aspectos visuais e a cenografia deixam de ser ornamentos, de figurantes da cena


teatral, para assumirem proporções tridimensionais, rompendo com a bidimensionalidade
dos painéis pintados para a tridimensionalidade proposta por concepções arquitetônicas.
Como uma escultura, com profundidade e certa evolução estética cênica, a cenografia
transforma-se profundamente nos anos que marcaram a modernidade.

FIGURA 19 – CENA DO ESPETÁCULO O VESTIDO DE NOIVA DE 1943

FONTE: <https://bit.ly/3MIxGPd>. Acesso em: 9 jan. 2022.

Durante muito tempo, e nos princípios naturalistas/realistas, a verossimilhança


ideal em que o texto sugeria era essencial estar em cena. Neste sentido, “[...]a
cenografia consistia em dar ao espectador os meios para localizar e reconhecer um
lugar neutro (palácio, praça), universal, adaptado a todas as situações e próprio para
situar abstratamente o homem eterno, sem raízes étnicas e sociais” (PAVIS, 2008, p. 45).
Depois de todas as transformações, a cenografia passa a exercer um papel importante
dentre os aspectos visuais da cena teatral.

A cenografia passa a esclarecer a cena, serve de suporte para o acontecimento


teatral, anuncia o movimento da cena e oferece dinâmica entre espaço e texto no jogo
teatral. O que chamamos de dispositivo cênico é o resultado da ação dos artistas da cena
assumindo a função semiológica da encenação. O jogo de correspondências que estrutura
as relações entre os aspectos visuais e a cena busca “[...] conciliação dos diferentes
materiais cênicos, interdependência desses sistemas, em particular da figura e do texto;
busca da situação de enunciação não "ideal" ou "fiel", porém a mais produtiva possível
para ler o texto dramático e vinculá-lo a outras práticas do teatro” (PAVIS, 2008, p. 45).

104
O artista da cena ou o cenógrafo recebe autonomia para buscar processos
criativos individuais que ofereça uma dimensão original para a montagem do espetáculo
teatral de modo que os atores e atrizes recebam o destaque necessário para cada
cena. Nesta perspectiva, elementos como volumes, cores, elementos como instalação,
amplitude e profundidade recebem nova valorização. O palco pode ser alterado, as
noções dos moldes italianos rompidos e ampliação das conexões entre área de cena
e espectadores. Essas experimentações modernistas permitirão aparecer uma cena
contemporânea com a valorização dos espaços entre. O encontro entre obra teatral
e espectadores recebe dimensões ritualísticas o espectador pode subir ao palco e os
limites entre atores, atrizes e espectadores borrados (PAVIS, 2008).

Seja com aspectos naturalistas/realistas, com comédias de costumes ou com


o Teatro de Revista, o teatro brasileiro seguiu seu curso de transformações intensas
e apresentado originalidade nos aspectos visuais de cada fase citada neste trecho
de estudos. Seguimos com o resumo do tópico 1, para posteriormente acessar as
autoatividades.

INTERESSANTE
Para ampliar os conhecimentos sobre a cenografia, acesse o artigo da Revista
Tecnologia intitulado: “Novos caminhos para a cenografia diante da evolução
tecnológica: o teatro e a realidade aumentada”. Nesse artigo, você poderá
conhecer a cenografia de maneira objetiva com exemplos e reflexões pertinentes.
Acesse em: https://bit.ly/36gjRqI.

105
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O período que precede o modernismo artístico no Brasil havia uma vontade de


desenvolver uma arte teatral que pudesse retratar certa seriedade nos processos e
procedimentos criativos e com identidade nacional. O teatro da época estava voltado
para os costumes e hábitos da sociedade carioca criando um rico panorama de
produção artístico teatral permitindo eu os profissionais da cena pudessem atuar em
produções de enorme sucesso.

• As produções da época recebiam influências de um teatro europeu, principalmente


da França e era adaptado para atender às necessidades da sociedade e da pateia
carioca. O teatro da época era classificado como teatro musicado, dito ligeiro que
buscava seguir estrutura definida por poucos atos, cenas curtas contendo tom
de humor e a presença de coreografias executadas por um elenco de atrizes que
apresentavam-se com figurinos extravagantes.

• O gênero Teatro de Revista foi importante para a história do teatro brasileiro por
apresentar um teatro conectado com as raízes originadas em território nacional e
buscava divulgar a música popular brasileira. Nessas décadas (1920-1930) surgiram
dois subgêneros de Teatro de Revista: a Revista Carnavalesca e a revista de ano.

• A revista de ano buscava apresentar em cenas curtas os principais fatos que


ocorreram naquele ano. A Revista Carnavalesca apresentava por meio de músicas e
bailados o universo do Carnaval como as marchinhas e aspectos visuais aos moldes
do carnaval da época.

• A época em estudo pode ser definida pelas palavras movimento e velocidade.


Nesse cenário de inovações e transformações sociais, os aspectos visuais do teatro
passaram por intensas experimentações que modificariam profundamente os modos
de conceber as cenas teatrais. O cenário composto por grandes pinturas ou elementos
naturais/realistas passa a estabelece novas conexões com a cena, espectadores e
demais elementos da dramaturgia modernista.

• A cenografia passou a explorar elementos tridimensionais, cores, volumes, planos,


andaimes e dispositivos cenográficos essenciais para que a cena pudesse acontecer.
Nessa perspectiva, os atores e atrizes podem desenvolver cenas em que o cenário é
alterado em uma espécie de construção dos espaços ou visualidades da cena.

106
AUTOATIVIDADE
1 Os movimentos artísticos que ocorreram no período pré-modernista e modernista
da cultura brasileira foram decisivos para a construção de uma identidade teatral
nacional e para o sucesso dos gêneros teatrais que revelaram importantes artistas da
cena. Neste sentido, assinale a alternativa CORRETA que contém os gêneros teatrais
que se desenvolveram nesse período:

a) ( ) Teatro de Revista, Revista de Ano e Revista Carnavalesca.


b) ( ) Teatro Pobre, Teatro do Negro e Teatro Pobre.
c) ( ) Teatro Original, Teatro Musical e Ópera.
d) ( ) Teatro Oficina, Teatro de Bonecos e Teatro de Comédia.

2 O período que precede o modernismo artístico em terras brasileiras predominava


a vontade de desenvolver uma arte teatral que pudesse retratar certa seriedade
nos processos e procedimentos criativos e com identidade nacional, permitindo os
profissionais da cena pudessem atuar em produções de enorme sucesso. Com base
nesses pressupostos, analise as sentenças a seguir:

I- O teatro da época estava voltado para os costumes e hábitos da sociedade carioca


criando um rico panorama de produção artístico teatral.
II- O teatro da época era inundado por referências culturais que vinham de países como
a França e que influenciavam os modos de criar ou compor espetáculos teatrais.
III- As produções teatrais da época ainda eram desenvolvidas aos moldes do teatro de
catequese, onde o principal objetivo era catequizar o povo que frequentava o teatro.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

3 O gênero Teatro de Revista marcou a história do teatro nacional por apresentar foi
importante uma abordagem conectada com moldes franceses, mas que buscava as
raízes originadas do território nacional e divulgava a música popular brasileira. De acordo
com essa informação, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Nessas décadas (1920 e 1930) surgiram dois subgêneros de Teatro de Revista: a


Revista Carnavalesca e a Revista de Ano.
( ) A Revista de Ano buscava apresentar em cenas curtas os principais fatos que
ocorreram naquele ano.
( ) A Revista Carnavalesca apresentava por meio de músicas e bailados o universo do
Carnaval como as marchinhas e aspectos visuais aos moldes do carnaval da época.
107
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Os aspectos visuais que compõem a visualidade presente no teatro pré-modernista


e início do modernismo é definido por componentes que a cenografia como principal
elemento dos aspectos visuais. Há um panorama que baseou a presença de um teatro
voltado para a comédia, exaltação de aspectos populares e inserção de figurinos
estravagantes e festivos. Neste sentido, disserte sobre as funções da cenografia.

5 O surgimento do gênero Teatro de Revista foi importante para a história do teatro


brasileiro na medida em que permitiu desenvolver propostas de espetáculos com
características da sociedade carioca ou paulista. As origens do Teatro de Revista
são europeias e chegaram ao Brasil por meio de companhias teatrais que por aqui
aportavam com seus espetáculos. Com base nessas informações, disserte sobre as
origens do Teatro de Revista e suas contribuições para a história do teatro Nacional.

108
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
O MODERNISMO E O TEATRO BRASILEIRO

1 INTRODUÇÃO
O período em que o movimento modernista brasileiro apresentou suas propostas,
o Brasil passava por profundas transformações em diversos setores, e acultura não foi
diferente. O tópico anterior apresentou alguns aspectos do período que antecedeu o
movimento modernista brasileiro e ofereceu para você, leitor, um panorama artístico
cultural brasileiro. Esse panorama evidenciou os anseios de uma época em que o teatro
também se transformou profundamente, recebendo influências da cultura francesa
para desenvolver um teatro com características brasileiras.

É importante ressaltar que neste material de estudo trataremos do modernismo


enquanto movimento artístico-cultural, de modo que o advento da modernidade ficará
em segundo plano e pouco discutido. Neste trecho do livro, buscaremos aprofundar
alguns aspectos lançados anteriormente e trazer outros temas com foco específico no
movimento modernista, suas características e como definiu a estética teatral de um
período de buscas por identidade nacional.

Neste tópico, abordaremos as características do movimento modernista e


como essa efervescência influenciou a criação, acesso e recepção de obras artísticas
na área do teatro. Ainda exploraremos os caminhos percorridos por artistas da cena na
busca de uma expressão teatral que representasse os anseios brasileiros. O Manifesto
Antropofágico da Semana de Arte Moderna anunciava novas possibilidades estéticas
que buscavam referências brasileiras para os processos criativos. Oswald de Andrade
(1976) já anunciava no Manifesto Antropofágico que haveria de ter constante busca
por síntese, em contraponto aos excessos naturalistas, haveria de ter equilíbrio e
tecnicidade na finalização dos trabalhos. Diante da cópia de parâmetros internacionais
para priorizar a surpresa e novas perspectivas nacionais. A seguir adentraremos aos
temas deste tópico. Bons estudos.

2 CARACTERÍSTICAS DO MODERNISMO E O TEATRO


BRASILEIRO
Para aprofundarmos os aspectos e características do teatro modernista brasileiro,
há a necessidade e traçar um panorama histórico social dos principais fatos que ocorreram
na época. No tópico 1, apresentamos alguns aspectos do teatro modernista ao trazer para
a discussão o cenário teatral do final do século XIX e início do século XX.

109
Esse período deu-se o que chamamos de pré-modernismo, ou seja, o que
ocorreu no período que colaborou para que o movimento modernista pudesse ter seu
marco principal na Semana de Arte Moderna de 1922 e a implementações de parâmetros
de criação vinculados com os ideais deste movimento (REIS, MARQUES, 2012).

De 1900 até 1920, companhias dramáticas e artistas da cena de grande fama


visitaram o país para apresentar seus trabalhos e dessa forma, passaram a influenciar
a produção teatral deste período. Este é um aspecto que aconteceu com intensidade
mesmo em meio a efervescência do modernismo. O teatro brasileiro desenvolveu-se de
maneira tímida e diversificada para mais tarde ostentar enorme prestígio nesse período
até a implementação do regime militar. Mesmo com toda a truculência e censura do
regime ditatorial, década de 1960 em diante, o teatro resistiu, permitindo o florescimento
intenso de propostas artísticas contemporâneas pós-ditadura.

O período que precede o desenvolvimento do modernismo brasileiro, possui


conexões com a modernidade. Há de se pensar as diferenças entre a modernidade industrial
com o movimento modernista brasileiro. Falar na modernidade é falar de um movimento
de avanços tecnológicos e culturais em esfera macro, pois abarca a transformação dos
processos de industrialização dos grandes centros, aumento da população citadina e
avanços tecnológicos que culminariam na contemporaneidade. O movimento modernista
brasileiro estava conectado com questões micro, no sentido de serem localizadas em
grandes centros brasileiros e com reverberações em outros centros brasileiros. Desta
maneira, o modernismo estava ligado com discussões nacionalistas, desenvolvimento de
arte acessível e que pudesse traduzir as características de um Brasil múltiplo.

O Brasil independente há apenas 100 anos, ainda estava mergulhado com


conservadores e escravocratas. Talvez a estrutura escravocrata não tenha sido extinta até
os dias de hoje, mas em apenas três ou quadro décadas após a abolição da escravatura, a
cultura brasileira estava conectada com parâmetros estéticos europeus, branco, misógino
e racista. Esses aspectos pouco foram discutidos durante o advento do modernismo,
além da presença de personagens femininas em produções artísticas. A figura da mulher
estava conectada com a ideia de símbolo sexual e objeto erótico masculino.

Havia um espírito conservador da província que ainda influenciava as iniciativas


artísticas e padrões estéticos da cena teatral. O Brasil colônia era mantido pelos recursos
que vinham da exploração da cana de açúcar e da extração do ouro. No Brasil monarquia,
o cultivo e comercialização do café utilizando trabalho escravo sustentou a prosperidade
de uma elite brasileira. A aristocracia brasileira cresceu durante o reinado de D. Pedro II,
que mais tarde juntaram-se a uma burguesia de comerciantes abastados que passaram a
fomentar o desenvolvimento de uma vida cultural ou de entretenimento no Rio de Janeiro.

Esse fomento da cultura artística estava conectado com uma elite do Rio de
Janeiro ou das principais cidades provinciais. Esse desenvolvimento econômico de uma
parcela da sociedade brasileira conectada com “[...] os ciclos econômicos – cana de

110
açúcar, mineração, pecuária, algodão, café, borracha – e a consequente acumulação
de capital legaram ao país um conjunto arquitetônico de edifícios teatrais que se
sobressaem pela sua condição monumental” (TORRES; VIERIA, 2012, p. 388).

As casas monumentais foram destacadas na paisagem urbana por sua


localização privilegiada e destinadas a uma classe elitizada. As salas de espetáculos, ao
mesmo tempo que representavam espaços destinados para a exibição de obras artísticas
ligadas às artes cênicas e música, tornaram-se local de convivência da burguesia
aristocrática. Esse espaço de socialização passou a ser uma espécie de ambiente que
desfilavam seu poder aquisitivo nos adereços, vestimentas, pompa, mostravam suas
esposas, filhas e arranjavam casamentos ou negociavam influências. Entre um ato e
outro das peças teatrais, a aristocracia definia destinos para suas filhas, seus negócios
e até mesmo destinos das cidades (TORRES; VIERIA, 2012).

Em 1900, no Rio de Janeiro, havia onze casas de espetáculos entre pequenos


palcos e grandes espaços abarcando cerca de 1.300 espectadores. A construção do Teatro
Municipal acentuou esses aspectos permitindo a circulação de espetáculos vindos de
países da América do Norte e da Europa. Nas primeiras décadas do século XX, marcaram
presença as companhias vindas do exterior e circulavam pelas cidades litorâneas do
país. Destacavam-se grupos teatrais líricos “[...] francesas e italianas; as companhias
dramáticas e de zarzuelas espanholas; e as companhias lusitanas de vários gêneros. Em
menor número, registram-se os conjuntos dramáticos e líricos de origem alemã em visita
às recentes colônias instaladas no sul do país” (TORRES; VIERIA, 2012, p. 391).

A elite brasileira adorava a cultura europeia, de forma que as companhias


buscavam anunciar suas produções destacando o gênero do espetáculo ou utilizavam
o nome de determinado artista de prestígio presente na produção. Os espectadores
frequentavam as salas de espetáculos estrangeiros interessados no repertório e dos
artistas da cena de enorme fama. As companhias apresentavam-se utilizando a língua
de origem, e mesmo as classes desfavorecidas frequentavam as salas e prestigiavam
produções em línguas de origem francesa ou italiana. Para a classe definida como elite,
a presença da língua italiana era conectada ao canto lírico ou à ópera; e o francês era
ligado à tradição da dramaturgia europeia. A presença da cultura europeia conectava-se
com um gosto das elites cariocas ou de outros centros, pelo padrão estético vindo de
outros países (TORRES; VIERIA, 2012).

Outros aspectos influenciavam o gosto da elite brasileira por parâmetros


culturais artísticos das artes cênicas vindos do exterior, a tentativa de invisibilizar
um passado conectado ao regime escravocrata, o aumento do fluxo migratório,
principalmente de cidades italianas, francesas, espanholas e portuguesas foram fatores
que intensificaram o gosto por produções europeias. Em termos de cultura, três fatores,
ainda definiram a presença de intensos valores europeus em territórios brasileiros. O
primeiro foi a prática de adotar a língua francesa como segunda língua. Essa adoção
do idioma era garantia de “[...] Idioma dos negócios e da diplomacia, verifica-se que por

111
detrás do valor simbólico da língua francesa estava uma tradição histórica e cultural,
a qual os membros dirigentes da então jovem república brasileira procurava assimilar,
reafirmando cada vez mais os seus laços ao difundi-la.” (TORRES; VIERIA, 2012, p. 391).

Um segundo fator o que chamamos de espírito latino que estruturava gêneros


como comédia, desenvolvido amplamente e países da Europa como França, Itália e
Espanha, chegando ao Brasil por influência portuguesa. O terceiro fator, já mencionado
anteriormente, é o interesse de encontrar nos palcos artistas da cena como atores
e atrizes de enorme fama, carisma e que cativavam o público com suas atuações
brilhantes (TORRES; VIERIA, 2012).

Após a construção de casas de espetáculos em diversos centros urbanos a


dificuldade de oferecer produções teatrais favorecia a vinda de companhias estrangeiras.
Sem companhias nacionais que preenchessem os palcos teatrais, o acolhimento de
companhias teatrais europeias era comum. “Os gêneros que circulavam por esse período
eram burletas, operetas, revistas, peças de atualidades. A urgência de desenvolvimento
de produções nacionais também era um desejo dos movimentos culturais que cresciam
em meados da década de 1920” (TORRES; VIERIA, 2012, p. 397). Mesmo com toda as
mudanças e a presença de cultura teatral, seja por meio da vinda de companhias do
exterior ou por meio de produções locais, a proposta de uma cena teatral que pudesse
ser conceitual ou apresentar elementos que posteriormente foram amplamente
explorados no teatro contemporâneo, era pouco presente. A cena modernista ainda
apresentava aspectos que estavam ligados a convenções estabelecidas por gêneros
teatrais específicos (TORRES; VIERIA, 2012).

A dramaturgia de um tempo de enormes transformações culturais foi marcada


por gêneros específicos como a comedia de costumes, o Tetro de Revista, as Burletas,
Operetas apresentadas por companhias estrangeiras que aportavam nas cidades
litorâneas para apresentarem suas produções. O movimento modernista e seus
expoentes propunham a produção de arte com parâmetros nacionalistas. A literatura,
as artes visuais e a música expressaram amplamente essas aspirações, e a dramaturgia
modernista manteve parâmetros dos gêneros que estavam em destaque, mas levaram
para a cena aspectos de um Brasil ainda desconhecido.

As dramaturgias da época, principalmente a comédia, gênero mais praticado,


traziam para cena um retrato divertido, crítico e pouco explorado em montagens
teatrais. O período modernista foi “[...] com um movimento artístico atuante e um
conjunto de obras que demonstravam a continuidade de uma produção dramatúrgica
predominantemente cômica, popular, cujo objetivo é a tentativa de decifrar, compreender
e, sobretudo, explicar o Brasil” (BRAGA, 2012, p. 404).

O contexto do modernismo e a produção teatral do início do século XX e o que


sucedeu a Semana de Arte Moderna de 1922 caracterizaram-se pela aceleração das
mudanças sociais e culturais que refletiam diretamente nas produções teatrais. Assim os
gêneros dramáticos encenados no Brasil buscavam espelhar as realidades sociais de modo

112
que os dramas tratavam dos conflitos que a sociedade apresentava e a comédia alinhada
com uma afirmação de valores nacionalistas. Este fato preservou a tradição de um riso
voltado para a crítica dos costumes revelando grandes dramaturgos que destacaremos
em trecho a diante. Os dramaturgos deste período apropriaram-se de recursos como a
ironia, a satirização, o deboche para divertir as plateias e criticar os costumes de uma
época de intensas modificações na estrutura social, e principalmente urbana.

3 AS TRANSOFRMAÇÕES DO TEATRO MODERNISTA


BRASILEIRO
Neste trecho discutiremos diretamente algumas transformações que ocorreram
no teatro brasileiro durante o período modernista brasileiro. Depois da movimentação
artístico-cultural que ocorreu durante e depois da Semana de Arte Moderna de 1922.

Esse marco para o início do Modernismo brasileiro ocorreu durante uma semana,
de 13 a 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo. As manifestações
artístico-culturais que ocorreram nesse período eram as mais variadas possíveis para a
época e abarcavam espetáculos de dança, música, recitais de poesia, exposições de artes
visuais e peças de teatro. Esse evento foi o marco para o Modernismo brasileiro mostrando
perspectivas inovadoras para a arte brasileira influenciada pela vanguarda europeia.

IMPORTANTE
O termo vanguarda significa, no seu sentido ligado ao exército, a guarda
que abre a ordem da luta ou batalha. Pode ser a guarda avançada que
abre a marcha para a batalha. Um pelotão militar à frente. Neste sentido,
o termo Vanguarda aplicado ao movimento modernista está ligado ao
que está à frente de seu tempo e provoca instabilidade, tensionamentos
e discussões.

A exposição de obras artísticas que durou cerca de uma semana, foi organizada e
coordenada pelos escritores Mário de Andrade, Oswald de Andrade e pelo artista plástico
Di Cavalcanti. O principal objetivo do evento era exibir ao público a arte brasileira de
diversos artistas em diferentes linguagens. Os dias do evento mostraram obras musicais,
da literatura, poesia, pintura, dança, teatro, escultura que foi produzida na época. Os
organizadores pretendiam causar uma revolução na arte brasileira por meio de um certo
rompimento com o conservadorismo. Para isso, as obras provocavam o público a repensar
a arte. Os padrões artísticos clássicos europeus eram o alvo principal de críticas.

113
Os artistas apresentaram obras que adotavam o uso de linguagem coloquial
que possibilitava aproximar a arte do modo que a língua é usada no cotidiano. Esse fato
mostrou a vontade de romper com o rebuscamento dos textos tradicionais. O formalismo
e os padrões academicistas também foi um ato defendido pelo movimento. A liberdade
de expressão era defendida com a afirmação de uma identidade estética nacional que
permitisse produções com temas locais e que retratassem o cotidiano brasileiro. Outro
fator importante, foi a provocação de experiencias estéticas que chocaram a comunidade
da época. Essas experiências eram inspiradas nas vanguardas europeias que em
movimentos como o futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo. Esses movimentos,
mesmo sendo originados em terrar europeias, foram importantes para a elaboração de
novas propostas artísticas ou para propor inovações artístico-culturais.

FIGURA 20 – CARTAZES DA PRIMEIRA NOITE DA SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922

FONTE: <https://bit.ly/3hXGZwL>; <https://bit.ly/3tS2Nzc>. Acesso em: 8 nov. 2021.

As primeiras décadas do século XX, o cenário político brasileiro passava por


turbulências que afetavam as esferas sociais e as produções artísticas. O avento
do capitalismo, a modificação dos processos de produção e trabalho alteraram-se
profundamente com a implementação de maquinários. Esses fatos inflaram os centros
urbanos e ampliaram as necessidades de produzir arte para o público que crescia.

Como abordamos em trechos anteriores, havia a circulação de produções


teatrais, musicais e de óperas que definiam o gosto popular e influenciavam as produções
locais. Neste sentido, o movimento intencionava buscar romper com o tradicionalismo
que estava instaurado no Brasil e propor arte que pudesse ser inovadora. Outro contexto
importante para pensar as inovações modernistas era a participação de artistas que
estava conectado com a chamada oligarquia cafeeira. Co recursos para viajar para países
que as manifestações artísticas eram de vanguarda, os artistas resolveram propor uma
semana de intensas proposições estéticas que fossem inovadoras.

114
Com a intenção de adotar uma visão da arte renovada, ampliada e com maiores
possibilidades de expressão, a Semana de Arte Moderna não buscava romper com
os padrões estéticos conservadores europeus, para então adotar uma identidade
artística brasileira. Isso significava buscar inspiração em vanguardas europeias, porém
abandonando os padrões tradicionais.

Os artistas que participaram da Semana de Arte Moderna de maior destaque


foram: Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954), Graça Aranha
(1868-1931), Tarsila do Amaral (1886-1973), Victor Brecheret (1894-1955), Plínio Salgado
(1895-1975), Anita Malfatti (1889-1964), Menotti Del Picchia (1892-1988), Ronald de
Carvalho (1893-1935), Guilherme de Almeida (1890-1969), Sérgio Milliet (1898-1966), Heitor
Villa-Lobos (1887-1959), Tácito de Almeida (1889-1940) e Di Cavalcanti (1897- 1976).

Os acontecimentos da Semana de Arte Moderna de 1922 tiveram valor histórico,


cultural e artístico para o panorama da produção cultural brasileira. Mesmo concentrada
em São Paulo, a reverberação dessa movimentação influenciou o desenvolvimento de
outras possibilidades culturais posteriores como o Tropicalismo, a Lira Paulistana e a
Bossa Nova.

Outro movimento nacionalista de intensa repercussão cultural foi o Movimento


Pau-Brasil que objetiva inverter a lógica de consumo cultural, exterior para o interior do
país, exportando produções artísticas para outros países. Esse movimento implementado
por Oswald de Andrade, também buscava criticar o academicismo e a burguesia para
defender uma arte nacionalista. Surgiu outro movimento de destaque formado por
Menotti del Picchia (1892-1988), Plínio Salgado (1895-1988), Guilherme de Almeida
(1890-1969) e Cassiano Ricardo (1895-1974) que era chamado de Movimento Verde-
Amarelo. Esse movimento criticava alguns argumentos adotados pelo Pau-Brasil, como
o racismo, o ufanismo, (como quem se orgulha de algo com exagero), porém compôs o
cenário da produção de uma identidade nacionalista (GUINSBURG et al. 2006).

Mesmo o modernista, com bases ancoradas nos acontecimentos da Semana


de Arte Moderna 1922, estava encharcado de propostas artísticas conectadas com a
literatura, a música e as artes plásticas.

As manifestações na linguagem teatral estavam presentes de maneira tímida


em São Paulo, pois a maior concentração de produções na área teatral ocorria na
cidade do Rio de Janeiro. Fatores que antecederam a eclosão cultural da Semana de
Arte Moderna foram a primeira exposição de Anita Malfatti, em 1917 e a elaboração do
projeto escultórico do Monumento das Bandeiras de Brecheret em 1920. O apelo por
uma renovação estética permeava o desejo de abandonar os parâmetros estéticos
portugueses ou europeus, para fazer nascer uma certa ruptura com o purismo, modos
tradicionais de expressão artística ou com os códigos impostos pelas relações com os
colonizadores (GUINSBURG et al. 2006).

115
A proposta deste movimento artístico cultural estava centrada na tentativa de
criar uma espécie de língua própria e legitimar a estética originada no Brasil. Nessa
proposta de um nacionalismo que pudesse integrar as manifestações culturais, com
bases na modificação dos valores artísticos, morais, sociais e raciais. Em se tratando
da linguagem teatral, a Semana de Arte Moderna parece ter ignorado que poderia ter
sido inclusa no movimento. Prevalecia o teatro de Revista, as comédias musicadas e ao
circo. As reverberações desse período aconteceram tardiamente e somente em 1926,
que Antônio de Alcântara Machado ergueu-se em favor da renovação teatral. Suas
ideias foram ignoradas pelas companhias profissionais (GUINSBURG et al. 2006).

As provocações estéticas do período em que o modernismo eclodiu na cidade


de São Paulo e, posteriormente, reverberou nas produções artísticas e movimentos
das décadas seguintes, seguiram os princípios que foram estabelecidos nas tradições
cômicas da dramaturgia brasileira. Esse modo de criação espetacular exigia conhecer
tecnicamente os processos criativos, ter fluência nos diálogos, ser escritor habilidoso para
construir textos que pudessem ser postos em cena com qualidade, ter certa artesania
ou carpintaria nas construções teatrais intimidade com a carpintaria necessária para
manter o formato de encenação que fazia enorme sucesso na época. A tradição cômica
experimentava diversas maneiras de produzir espetáculos, mas mantendo as ditas
fórmulas que as consagraram como populares. Dentre estes gêneros estavam o teatro
musicado, as revistas de ano, as burletas, as operetas e as comédias de costumes.

O teatro Musicado e As Revistas de ano tiveram em Artur Azevedo


seu maior representante; “as burletas, iniciadas por Martins Pena
foram continuadas por Macedo, Alencar e França Júnior, entre outros,
têm sido, ao longo de toda a nossa história teatral, a trilha por onde
desfilaram com maior felicidade os tipos característicos de nossa
sociedade, para as plateias brasileiras de todas as épocas (BRAGA,
2012, p. 404).

IMPORTANTE
O TEATRO MUSICADO é aqui entendido como o gênero: teatro alegre ou ligeiro (ou
Gênero ligeiro). Eram formas teatrais simplificadas, criações não elaboradas, realizadas
rapidamente, sem propósitos artísticos mais elevados. REVISTAS DE ANO: era
uma variação do Teatro de Revista em que as produções eram criadas aos
moldes revisteiros que trouxeram ao Brasil um modo peculiar, extravagante
e bem-humorado de criar cenas curtas, contendo música e coreografias
executadas por atrizes vestidas com figurinos extravagantes e festivos. A
revista de ano era uma apresentação que em sua sequência de cenas
buscava trazer para o palco os principais fatos que ocorreram naquele
ano. BURLETAS: eram apresentações cômicas, com certo tom farsesco
e com cenas rápidas. As OPERETAS: eram pequenas óperas contendo a
presença de canto em estilo da ópera e com partes recitadas. COMÉDIAS
DE COSTUMES: é um gênero do teatro brasileiro em que apresenta uma
sátira da sociedade da época com certo tom de crítica social. É atribuído
ao escritor francês Molière a criação desse gênero e no Brasil, Martins
Pena e Arthur Azevedo são pioneiros.

116
A proposta que estava alinhada com os princípios do modernismo no teatro foi
desenvolvida por Alcântara Machado. Esse artista da cena propunha ao teatro brasileiro
da época uma estratégia de duas abordagens. A primeira abordagem previa a adoção,
certa reprodução, uma cópia dos princípios dramatúrgicos internacionais para na
segunda abordagem, recriar antropofagicamente, um teatro conectado com a cultura
brasileira. Esse repertório adquirido devorando as práticas internacionais, deveria ser
base para processos criativos que pudessem trazer para os palcos a cultura brasileira.

O teatro deste período, ou o teatro profissional manteve-se em seu fluxo,


sem absorver as inovações que ocorriam pelo mundo afora. Uma das tentativas de
modernizar deu-se na esfera amadora com o artista da cena Renato Vianna, lançando
no ano de 1922 uma produção chamada Batalha da Quimera, na cidade do rio de janeiro.
Essa produção apresentou-se inovadora por apresentar uma composição de cenas com
certa síntese da ação dramatúrgica, utilizando iluminação associada aos elementos
e valores dramáticos, valorização de silêncios e oportunizando a presença de planos
cênicos, com destaques para o trabalho de direção (GUINSBURG et al. 2006).

Um dos primeiros espetáculos a estrear nesse período foi A Última Encarnação


de Fausto, também comandado por Renato Vianna. Esse trabalho foi duramente criticado
e não obteve sucesso com a estreia em São Paulo com um grupo teatral chamado
“Colméia”. Anos depois deste ferio, na cidade do Rio de Janeiro, o encenador fundou o
Teatro de Arte, e em tempos depois (1927) com a criação do Teatro de Brinquedo, dirigido
por Álvaro Moreyra, faziam parte do que chamavam teatro amador.

Os objetivos dessas iniciativas eram desenvolver um teatro voltado para as elites,


composto por atores e atrizes que ao mesmo tempo faziam parte de uma elite carioca. Eram
senhorinhas, escritores, compositores, pintores que não almejavam fazer da prática teatral
uma profissão, mas oferecer a uma plateia restrita conhecer o repertório de vanguarda
internacional. Os novos autores eram postos em cena para construir um teatro da elite para
e elite. Mesmo tentando fugir dos parâmetros do academicismo, não visavam implementar
grandes modificações nos modos de produzir encenações (GUINSBURG et al. 2006).

FIGURA 21 – ÁLVARO MOREYRA

FONTE: <https://bit.ly/3t3NZhW>. Acesso em: 7 nov. 2021.


117
O primeiro espetáculo de Moreyra foi Adão, Eva e Outros Membros da Família que
obteve pouco sucesso. O paulista Flávio de Carvalho, tentava buscar novas maneiras de
compor obras dramáticas. Em São Paulo, o Teatro de Experiência que buscava encontrar
novas maneiras de criar teatro em terras brasileiras. Desafiou-se a criar uma encenação
em pouco tempo. A peça Bailado do Deus Morto foi montada em apenas três dias e a
estreia apresentou cenas polêmicas que culminaram na proibição de sua exibição e
no fechamento do teatro. Este espetáculo ousava apresentar uma caracterização de
personagens utilizando máscaras de metal (alumínio), camisolas brancas flutuando
em um cenário de destruição, com recursos cenográficos mínimos e a iluminação com
cores vibrantes.

Os relatos deste espetáculo, afirmaram o que poderíamos dizer que se conecta


com uma abordagem surrealista, original e que dialogava com os movimentos modernistas
da época. Mesmo com tenência a serem iniciativas inovadoras do teatro dito amador,
quando foram revisitadas por profissionais da cena, não foram adotadas para a criação de
espetáculos. As iniciativas teatrais modernistas foram tímidas e sustentaram caminhos
para que mais tarde a cena brasileira pudesse florescer a cena teatral contemporânea
com ampla inovação e qualidade artística.

Um Brasil em movimento, um Brasil inventivo, com exuberância natural e


cultural, estava aberto para novas possibilidades da cena teatral. Uma nova perspectiva
nascia para refutar os princípios naturalistas, romantistas, contra o academicismo
técnico e elitizado para abrir um campo de possibilidades, inicialmente na poesia, artes
visuais e, posteriormente, nas demais linguagens artísticas. O espírito modernista, ainda
que conectado com certa elite artística e branca da época, deflagou a possibilidade
de resgatar um Brasil esquecido ou invisibilizado por padrões estéticos hegemônicos
internacionais. Os elementos da cultura africana, da cultura popular e das classes com
baixa renda passaram a ter a possibilidade de protagonizar a cena teatral brasileira. A
seguir abordaremos alguns encenadores do período modernista no Brasil.

4 ENCENADORES MODERNISTAS NO BRASIL


Os ventos do modernismo sacudiam as tradicionais comunidades elitizadas da
época e na área teatral os efeitos modernistas reverberaram timidamente. Na época,
os objetivos estavam voltados para a descoberta de modos de atrair o público e não
de reformular profundamente os modos de produzir teatro. Defendia-se deixar o teatro
como era, e desse modo seria eterno, a humanidade seria a mesma e o teatro sem a
renovação pregada pelo movimento modernista. Os processos de encenação deveriam
permanecer os mesmos e a renovação desses processos técnicos seriam possíveis
desde que ocorresse uma renovação da sociedade. Aparentemente, esses argumentos
pareciam ser uma espécie de crítica aos novos movimentos criados para satisfazer o
desejo de alguns grupos de artistas.

118
A atitude teatral da época estava conectada com o desprezo de alterações
no teatro dito profissional. De 1917 até 1922, o teatro passou por poucas modificações
ou renovação. As propostas que surgiam estava a alinhadas com os moldes que eram
praticados. Uma pequena renovação em termos de temática, mais tarde culminaria no
desenvolvimento da comédia de costumes. O marco inicial para este fato foi a estreia
da peça de Cláudio de Souza (1876-1954), Flores de Sombra, em fevereiro de 1917. Nesta
movimentação teatral estavam os artistas da cena Viriato Corrêa (1884-1967), Abadie
Faria Rosa, Gastão Tijeiro (1880-1965) e Armando Gonzaga entre outros. Essa tentativa
de renovação, mobilizou superficialmente nos processos de criação e fruição do teatro.
Essa temática propunha uma regionalização teatral que apelou para um nacionalismo
com certa nostalgia, privilegiando valores rurais em detrimento aos valores urbanos da
realidade brasileira. A renovação dita como formal, que mobilizasse os modos de conceber
e executar a dramaturgia, a cena modernista, a produção e interpretação, continuou com
as bases fundadas no século XIX. O movimento modernista tentou estabelecer certa
modernização dramatúrgica que ressoou em textos de Mario de Andrade, em 1922. Estes
textos ficaram engavetados por décadas (GUINSBURG et al. 2006).

Outros textos dramatúrgicos foram escritos neste período por escritores como
Menotti Del Picchia e Graça Aranha, que foram participantes ativos do movimento
modernista. Essas peças chegaram ao palco, mas pouco modificaram o teatro que
predominava. Uma das propostas dramatúrgicas dessa época foram as três peças
de Oswald de Andrade: Oswald de Andrade: O Rei da Vela, O Homem e o Cavalo e A
Morta, datadas da década de 1930, e que foram postas em cena somente depois de três
décadas. Em 1967, a montagem de O Rei da Vela pelo encenador José Celso Martinez
Corrêa, o Zé Celso, em que propôs novas maneiras de encenar este texto que traduzia
os anseios modernistas.

Em meio a tantas figuras masculinas, as mulheres iniciaram suas investidas como


personagens e protagonistas de um fazer teatral inovador e descolado da objetificação
do corpo conectado com os símbolos sexuais. Itália Fausta (1879-1951), importante atriz
profissional que buscou inovações longe do dito teatro profissional. Este modo de fazer
teatro evitava inovações ou experimentações. Dessa maneira, sem poder investigar
novas maneiras de fazer arte, a atriz vincula-se ao teatro amador, primeiramente ao
Teatro de Brinquedo e as experimentações de Renato Vianna.

119
FIGURA 22 – RETRATO DA ARTISTA DA CENA ITÁLIA FAUSTA (1879-1951)

FONTE: <https://bit.ly/3qMY01e>.Acesso em: 13 nov. 2021.

Em 1916, na cidade do Rio de Janeiro a artista da cena citada anteriormente,


fez parte do chamado Teatro da Natureza que propunha renovar as dramaturgias do
repertório internacional encenadas ao ar livre. Esta iniciativa teve curta temporada e
adaptou textos como Oréstia, de Ésquilo e Édipo Rei, de Sófocles; Bodas de Lia, de
Pedroso Rodrigues; A Cavalaria Rusticana, de Giovani Verga; e O Mártir do Calvário, de
Eduardo Garrido. Em 1938, a atriz dirigiu Romeu e Julieta, de Shakespeare, encenado pelo
Teatro do Estudante do Brasil que foi importante grupo para a renovação dramatúrgica
brasileira. A efetiva renovação na dramaturgia brasileira ocorreu somente a quase duas
décadas depois da Semana de Arte Moderna de 1922 com a implementação, em 1948,
com a criação da EAD, Escola de Arte Dramática de Alfredo Mesquita. Essa escola
foi inovadora na dimensão de implementar novas propostas de interpretação teatral
(GUINSBURG et al. 2006).

A criação e do TBC, Teatro Brasileiro de Comédia, de Franco Zampari, definiu a


implementação da renovação nos processos de criação, estrutura e estética dramática.
O teatro amador também, como mencionamos anteriormente, foi responsável pela
experimentação e renovação da cena brasileira. Um dos fatores de o teatro estar à
margem das inovações propostas pelo movimento modernista foi a produção cênica
estar concentrada na cidade do Rio de Janeiro. A produção teatral de São Paulo estava
conectada com as práticas do Rio de Janeiro e por concentrar esferas do poder político
e cultural, era cidade privilegiada. A cidade de São Paulo estava centrada na renovação
da estrutura social e no crescimento econômico, um tanto apegada à cultura tradicional
de modo que o movimento modernista causou ampla polêmica em sua realização.

O século XX foi marcado pela presença das comédias de costumes e em se


tratando de buscar originalidade e nacionalismo na produção de espetáculos teatrais.
A ausência de um sentimento nacionalista, por parte da população brasileira levou o
movimento modernista no teatro ter dificuldades para disseminar suas aspirações.

120
Inúmeras comédias ao longo das décadas de 1920 e 1930 em que Oduvaldo Vianna
(1892-1972) escreveu e encenou muitas comédias como: Manhãs de Sol (1921), A Vida
é um Sonho (1922), Última Ilusão (1923), Um Tostãozinho de Felicidade e O Vendedor de
Ilusões (1931).

FIGURA 23 – RETRATO DE ODUVALDO VIANNA

FONTE <https://bit.ly/35ND7Md>. Acesso em: 13 nov. 2021.

Esse importante profissional da cena foi um autor, diretor, produtor e roteirista


de teatro e cinema e militante comunista brasileiro que influenciou amplamente a
produção teatral da época e pretendia competir com o cinema desenvolvendo uma
espécie de espetáculo curto, em um ato que poderia conter dança, música e elementos
teatrais da comédia.

Uma peça teatral de pequena duração que, por meio de elementos musicais
e da ópera, buscavam o virtuosismo, e que descrevia os costumes da época. Em O
Castagnaro da Festa (1927), apresentou em suas cenas os tipos de imigrantes de São
Paulo com seus sotaques e maneiras de comportar-se. Em tempos de desenvolvimento
do teatro Brasileiro, esse artista da cena foi importante integrante do Teatro de Arena,
que conheceremos adiante. Ele ainda fundou o Centro Popular da UNE e o Grupo
Opinião. Sua dramaturgia apresenta a realidade brasileira por meio de personagens
que retratavam pessoas simples e trabalhadoras. A intenção de refutar as influências
estrangeiras estava presente em suas produções e buscava retratar a cultura popular
brasileira como maneira de valorizar aspectos que permaneciam excluídos dos palcos
teatrais” (BRAGA, 2012).

O empresário comandou diversas companhias teatrais e valorizou imensamente


o repertório nacional, a comédia de costumes e os anseios de buscar a identidade
nacional do teatro. Nas décadas de 1920 e 1930, as comédias de costumes continuavam
a reunir expressivo público e outras preocupações passaram a rondar as intenções dos
produtores de teatro. O drama histórico e a comédia histórica aparecem nos palcos com

121
textos de Joracy Camargo (1898-1973). Com anseios progressistas, Oduvaldo também
apresenta propostas progressistas ao escrever textos em que exalta a presença da
mulher como no texto Mas que Mulher! (1932) em que abordava questões ligadas ao
divórcio. A atriz Dulcina de Moraes (1908-1996).

FIGURA 24 – FIGURA DE DULCINA DE MORAES

FONTE: <https://bit.ly/37nsCjb>. Acesso em: 13 nov. 2021.

A revelação da atriz Dulcina de Moraes importante para que os assuntos


relacionados ao universo feminino pudessem receber espaço nas produções teatrais
brasileiras. Assuntos como divórcio e os direitos da mulher passaram a estar nos
assuntos postos em cena. Apesar de pouco avançar em assuntos de emancipação
feminina ou de buscar questionar valores machistas e patriarcais, as inciativas abriam
caminho para questionar as práticas comuns como o casamento como um negócio ou
a mulher como moeda de troca.

Oduvaldo ainda inova com seus modos de encenação e a construção estrutural


da dramaturgia da época. Ele compõe uma comédia em 38 quadros, com cenários
fragmentados, usando planos verticais e horizontais, definindo o espaço cênico em
cinco partes que poderiam apresentar cenas lado a lado que ocorreriam em locais
fictícios diferentes. Outro ato inovador foi o uso da iluminação colorida para definir ações
dramáticas, atmosferas ou transições temporais. A seguir abordaremos especificamente
os processos e abordagens na produção obras de arte na área do teatro.

IMPORTANTE
Para conhecer mais sobre o dramaturgo Oduvaldo Vianna e seus feitos para o
teatro brasileiro, no link a seguir há uma página da FUNARTE em que apresenta
brevemente os feitos do artista da cena. Link para estudo: http://portais.
funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/familia-vianna/oduvaldo-vianna-
um-inovador-no-teatro-no-radio-e-no-cinema-brasileiros/

122
5 PROCESSOS DE CRIAÇÃO TEATRAL
No caminho para o desenvolvimento de uma arte dramática voltada para as
características nacional ou para uma arte original brasileira, autores ousaram romper com os
procedimentos tradicionais para criar possibilidades de novos modos de criar dramaturgias.

Martins Pena e França Junior nas décadas de 1910 até 1930 continuaram a criar
textos para a comédia de costumes e um modo de cenas que desprezavam a elite urbana
que esperava ver nos palcos os moldes dramatúrgicos europeus. Essa tentativa de refutar
o estrangeirismo e de estabelece novas maneiras de criar teatro abriu espaço para a
valorização de produtos característicos de terras brasileiras.

Neste sentido, as propostas dramatúrgicas encenadas no período modernista


brasileiro estavam conectadas com a crítica humorada do culto das aparências, das
falhas e excessos expostos ao ridículo. Nessas comédias de costumes buscavam um
retrato dos tipos, fatos, valores e modos de vida que eram observados pelos dramaturgos.

Nas abordagens modernistas, essa prática é posta em segundo plano para


evidenciar uma tendência nacionalista posta em três dimensões: os tipos do imigrante
italiano (na dramaturgia da cidade de São Paulo); a linguagem regionalista posta em
cena por meio das expressões orais, da paisagem sonora e de personagens ligados ao
universo dito caipira e a terceira dimensão estava a reação nacional urbana em busca
de novas possiblidades de encenar a vida.

Um cenário político instável, uma nação culturalmente jovem tentando reafirmar-


se independente culturalmente de outros países exigia uma prática de arte que pudesse
nascer em solo nacional. As propostas dramatúrgicas da época apresentam conexões
diretas ao nacionalismo e criticavam o excesso de estrangeirismos que o vocabulário
nacional apresentava. Outras produções valorizavam o país com suas riquezas naturais
e culturais e polêmicas questões apareciam para conflitar a tendência conservadora
da época. Havia uma um conflito entre a tradição do agronegócio pastoril e os avanços
que a modernidade ou industrialização promovia no Brasil. As elites urbanas tentavam
a todo custo manter a conexão com valores e modelos europeus enquanto a população
em geral não estava preocupada com estes parâmetros.

Para as elites, a classe popular era desprezada e considerada motivos de atraso


brasileiro. Esse aspecto ressaltava a desigualdade social e cultural, influenciava os
processos de criação teatral e reforçava um estigma social ou até certa inferioridade
cultural ao valorizar modos de produzir e apreciar arte vindos do exterior (BRAGA, 2012)

Dentre as profundas transformações da época, início do século XX, nas esferas


econômicas, sociais e políticas reverberaram nos demais âmbitos das organizações
sociais e consequentemente, na dramaturgia brasileira. O papel da mulher no modelo
tradicional de família passa a ser questionado, bem como o lugar social da figura
feminina. Produções como
123
A Emancipação das Mulheres (1852), de Antônio de Castro Lopes; ou
As Doutoras (1887), de França Júnior, continuando a ser explorado
na República, em peças como A Mulher (1907), de Coelho Neto; A
Herança (1908), de Júlia Lopes de Almeida; As Sufragistas (1916) de
Domingos de Castro Lopes; e No Tempo Antigo (1918) de Antônio
Guimarães (BRAGA, 2012, p. 414).

Na peça A Emancipação das Mulheres, o desfecho traz uma visão utópica e ridícula
buscar por emancipação feminina, a peça As Doutoras, o desfecho também segue essa
ideia, porém as personagens centrais possuem formação acadêmica e diplomadas, uma
em medicina e a outra em direito. Essas presenças femininas anunciavam as modificações
que estavam próximas. Os contextos sociais excluíam a mulher da efetiva organização
social que se apresentava conservadora, patriarcal e misógina. Os espaços sociais
eram desenhados para privilegiar as figuras masculinas e as dramaturgias buscavam,
timidamente modificar o papel feminino, porém prevalecia certa ridicularização da mulher,
seu sentimentalismo ou participação social (BRAGA, 2012).

A dramaturgia da época buscava acompanhar as modificações da sociedade


que se encaminhava para firmar a independência cultural e artística. Neste sentido,
a produção de teatro e espetáculos de artes cênicas buscava encontrar sua própria
identidade e originalidade dramatúrgica.

A maior representatividade na dramaturgia brasileira foi a comédia que buscou


modificar-se ao longo das décadas e movimentos artísticos. Um certo nacionalismo
fortalecia as modificações na dramaturgia e reverberava nos modos de desenvolver as
peças da época. Dessa maneira, mesmo que sem grandes modificações ou revoluções
na cena modernista, a dramaturgia trazia em suas propostas o reflexo crítico de uma
época conturbada. “A comédia de costumes foi a continuidade de um movimento teatral
ativo, atraente para as plateias de então, e o degrau onde se puderam apoiar as buscas
de novas formas e estilos dramáticos nos anos que se seguiram” (BRAGA, 2012, p. 416).

Os conflitos sociais e as lutas por uma sociedade justa e igualitária estarão


em constante fortalecimento e a dramaturgia da época em parte estava voltada para
anseios da vanguarda europeia, parte buscava absorver princípios inspiradores de
movimentos artísticos estrangeiros para nutrir a tentativa de desenvolver a identidade
teatral brasileira. Outra vertente artística buscava manter os moldes que a elite dos
grandes centros buscava ver em palcos dos teatros luxuosos da época. Assim, o
movimento de nacionalização da dramaturgia não seria concretizado antes da década
de 1950 e interrompido pela instauração do regime militar. O florescimento do teatro
somente volta a ser realidade com a redemocratização e a queda do regime da censura.

124
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O que chamamos de teatro modernista absorveu as aspirações de uma sociedade


dividida em movimentos pró-modernização das produções ou pela busca de
identidade nacional e uma parcela da sociedade que pretendia permanecer conectada
com os moldes europeus e academicistas.

• A modernização dos grandes centros urbanos trouxe para as respectivas cidades a


construção de inúmeros teatros luxuosos, como o Teatro Municipal do Rio de Janeiro
(1909), o Teatro Municipal de São Paulo (1911) e o Teatro Amazonas (1986). Essas casas
de espetáculo anunciaram uma nova era na circulação de produções das artes cênicas.

• Uma elite brasileira estava voltada para as produções que utilizavam artistas famosos
ou que buscavam destacar o gênero que produziam. O nome de determinado artista
da cena de enorme fama estava em evidência nas divulgações para atrair um público
específico.

• Outro aspecto apreciado pela elite era o uso da língua de origem das companhias. Os
idiomas que eram comuns em espetáculos era o italiano e o francês. Esses idiomas
eram facilmente associados ao glamour da ópera e canto lírico.

• O período pré-moderno, bem como o modernismo brasileiro, trouxe para o Brasil


profundas transformações e nos gêneros que obtiveram destaque estavam a
comedia de costumes, o Tetro de Revista, as Burletas, Operetas apresentadas por
companhias estrangeiras ou por companhias nacionais.

• O movimento modernista defendia a busca por uma identidade nacional em suas


produções. A literatura, as artes visuais e a música conseguiram expressar essas
aspirações, porém, a dramaturgia manteve os modelos de sucesso, absorvendo as
propostas modernistas somente depois de algumas décadas.

• A Semana de Arte Moderna de 1922 foi marco para o início do Modernismo brasileiro.
Durante uma semana, de 13 a 18 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo,
ocorreram manifestações artístico-culturais inovadoras para a época e abarcavam
espetáculos de dança, música, recitais de poesia, exposições de artes visuais e peças
de teatro.

• As produções dramatúrgicas da época tentaram conectar-se com o nacionalismo e


criticar os excessos de estrangeirismos utilizados no vocabulário nacional. Algumas
produções valorizavam o país com suas riquezas naturais e culturais e polêmicas
questões apareciam para conflitar a tendencia conservadora da época.

125
AUTOATIVIDADE
1 O período que antecede o movimento modernista brasileiro está intensamente
conectado com o advento da modernidade e o desenvolvimento industrial. A
dramaturgia brasileira passa por transformações lentas, mas significativas. As
experiências artísticas da modernidade propunham uma arte voltada ao espectador,
a vida e renovar os processos de criação. Sobre este período, da história do Teatro
Brasileiro, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Mencionar o advento da modernidade, é abordar um movimento de avanços


tecnológicos e culturais em esfera macro, pois abarca a transformação dos
processos de industrialização.
b) ( ) O movimento modernista brasileiro estava conectado com questões
internacionais de modo que a arte local era constantemente desprezada.
c) ( ) Questões como a busca por implantar um regime político autoritário e a
constante desvalorização do produto cultural nacional.
d) ( ) As questões que envolvem a modernidade não estão conectadas com a
dramaturgia ou com os modos de criar e apresentar trabalhos das artes cênicas.

2 A dramaturgia de um tempo de enormes transformações culturais foi marcada por


gêneros específicos como a comedia de costumes, o Tetro de Revista, as Burletas,
Operetas apresentadas por companhias estrangeiras que aportavam nas cidades
litorâneas para apresentarem suas produções. O período modernista foi “[...] com
um movimento artístico atuante e um conjunto de obras que demonstravam a
continuidade de uma produção dramatúrgica predominantemente cômica, popular,
cujo objetivo é a tentativa de decifrar, compreender e, sobretudo, explicar o Brasil”
(BRAGA, 2012, p. 404). Com base neste panorama do período modernista brasileiro,
analise as sentenças a seguir:
FONTE: BRAGA, C. Retomada da comédia de costumes. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro
brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo:
Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 403-416.

I- O movimento modernista e seus expoentes propunham a produção de arte com


parâmetros nacionalistas e a valorização aspectos internos.
II- A literatura, as artes visuais e a música expressaram amplamente essas aspirações,
e a dramaturgia modernista manteve parâmetros dos gêneros que estavam em
destaque, mas levaram para a cena aspectos de um Brasil ainda desconhecido.
III- As dramaturgias da época, principalmente a comédia, gênero mais praticado, traziam
para cena um retrato divertido, crítico e pouco explorado em montagens teatrais.

126
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 As provocações estéticas do período em que o modernismo eclodiu na cidade de São


Paulo reverberaram nas produções artísticas e movimentos das décadas seguintes.
As companhias seguiram os princípios que foram estabelecidos nas tradições
cômicas da dramaturgia brasileira. De acordo com esses princípios, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A criação espetacular exigia conhecer tecnicamente os processos criativos, ter


fluência nos diálogos, ser escritor habilidoso para construir textos que pudessem
ser postos em cena com qualidade.
( ) Outra habilidade importante era ter certa artesania ou carpintaria nas construções
teatrais, intimidade com a carpintaria necessária para manter o formato de
encenação que fazia enorme sucesso na época.
( ) A tradição cômica experimentava diversas maneiras de produzir espetáculos, mas
mantendo as ditas fórmulas que as consagraram como populares.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O período modernista e o período anterior, foram marcados por certa tradição cômica
que experimentava diversas maneiras de produzir espetáculos, mas mantendo as
ditas fórmulas que as consagraram como populares. Dentre estes gêneros estavam
o teatro musicado, as revistas de ano, as burletas, as operetas e as comédias de
costumes. Diante desse pressuposto, disserte sobre essas variedades teatrais e suas
características.

5 Apesar da eclosão do Movimento Modernista ter provocado inúmeras inovações no


campo da arte, a dramaturgia pouco absorveu os princípios renovadores para a criação
e apreciação de arte. Nesse sentido, a dramaturgia seguiu seu caminho; e, somente
décadas depois do movimento, ocorreram significativas modificações nos modos de
criar e acessar arte teatral. Diante desse panorama, disserte sobre os motivos pelos
quais a dramaturgia da época não aderiu ao movimento modernista.

127
128
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
A CENA MODERNA E A PROFISSIONALIZAÇÃO
DO TEATRO MODERNO NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
Neste momento, buscaremos trazer para o campo da discussão a cena
modernista e a profissionalização dos artistas da cena que produziam intensamente
obras para serem acessadas ao público. O período em que o modernismo ganhou força
como movimento artístico foi de intensas transformações, principalmente nas áreas da
arte que fizeram parte do movimento. A dramaturgia, como vimos anteriormente, resistiu
às proposições modernistas para conservar uma produção de espetáculos baseada em
moldes consolidados.

Neste sentido, a variedade de espetáculos que surgiam seguia o gosto de


uma classe elitizada. A escassez de registros e pesquisas sobre esse tema dificultam a
discussão sobre os modos de criar, acessar e apreciar teatro da época.

A cena timidamente modernista, seguia em segundo plano até algumas


décadas posteriores ao movimento modernista. Nesse tempo, as companhias teatrais,
dramaturgos e profissionais da cena caminharam para um aperfeiçoamento dos
processos criativos, e do que podemos chamar a profissionalização do teatro brasileiro.

Quando tratamos de profissionalização, estamos tratando de desenvolver


atributos, competências e habilidades necessárias para o exercício das variadas
atividades relacionadas a produção de espetáculos teatrais, de dança, música ou
musicais. Em uma época marcada pela presença da comédia de costumes, pelo teatro
de revista, as operetas e as propostas ligadas ao teatro musicado. Ao lançarmos olhares
para os textos dramatúrgicos que chegaram aos tempos atuais, é perceptível a presença
de um contorno crítico, cômico e popular, com objetivos de compreender e explicitar
aspectos de um Brasil ainda em constante transformações.

Essa vasta produção que marcou as primeiras décadas do século XX apresentou


vestígios da rápida mudança social que o Brasil passou – e é possível identificar aspectos
dessa transformação na cena teatral modernista dos diversos gêneros encenados. Cada
gênero teatral encenado nessa época refletia aspectos de uma sociedade em ebulição.

Enquanto os dramas mostravam os conflitos sociais que surgiam na época, “‘[...]


as comédias, paralelamente à afirmação nacionalista, perseveraram na risonha tradição
da crítica dos costumes iniciada nos primórdios do Império, caracterizando-se como
o gênero da crítica social por excelência, e tendo, no Brasil, diversos e felizes cultores”

129
(BRAGA, 2012, p. 403). Por meio de recursos dramatúrgicos que os autores encenadores
captaram a preferência popular pelas comédias e o teatro musicado. Assim, veremos
adiante os aspectos que definiram a cena modernista, a profissionalização e a instauração
de um teatro nacional com força.

2 O MODERNISMO E A REFORMULAÇÃO DA AÇÃO CÊNICA


Se o movimento modernista buscava promover experimentações no campo da
arte, o teatro preocupava-se em aperfeiçoar os moldes que rendiam enorme prestígio
aos profissionais da cena. Um dos aspectos que foram reforçados nesse período são
os aprofundamentos de recursos dramáticos como a ironia, deboche, tipos sociais e os
costumes. As comédias arrastavam para as plateias espectadores de todas as idades e
classes sociais. “Conhecimento técnico, fluência nos diálogos, habilidade na construção
dos textos, intimidade com a carpintaria teatral foram qualidades comuns à maioria
dos escritores cómicos de nossa dramaturgia [...]” (BRAGA, 2012, p. 403), neste icônico
período que reverberou até os dias atuais em produções ligadas à comédia.

Dentre os gêneros que exigiram apurada profissionalização quanto aos processos


criativos, de montagem e atuação foi a dramaturgia cômica como o “[...] teatro musicado,
as revistas de ano, as burletas, as operetas; e no teatro declamado as comédias de
costumes (BRAGA, 2012, p. 403). Os maiores expoentes na produção de dramaturgias
cômicas nesses gêneros foram Martins Pena (1815-1848), Joaquim Manoel de Macedo
(1820-1882), Jose de Alencar (1829-1877) e França Júnior (1838-1890). Esses gêneros
apresentaram em suas cenas os tipos característicos de personagens que retrataram
uma sociedade em reformulação, em uma época em que a defesa de rir para remediar
os problemas era uma questão recorrente.

Um panorama exclusivamente masculino, quando se referia à construção


textual de dramaturgias, apresentava-se. Esta questão talvez seja importante para
pesar o papel da mulher nesse contexto social. Evidentemente, esta é uma questão
para discussões posteriores e, nesse momento, é pertinente pensarmos em torno dos
motivos que destinavam as mulheres a estarem no palco como dançarinas, vedetes
ou atrizes que apresentavam enorme beleza corporal e desempenho em executar as
cenas de um teatro baseado na busca por profissionalização. É nesse contexto que os
movimentos feministas também plantaram suas sementes para que posteriormente os
movimentos de redemocratização pudessem emancipar a mulher e abrir caminhos para
igualdade entre os gêneros.

A cena teatral brasileira trilhava um caminho de conexão com o riso, pois a


comédia era o gênero preferido da comunidade carioca e paulista. Os assuntos históricos
apresentam dados que se originam desses dois centros culturais. O Rio de Janeiro
como um principal centro e São Paulo como outro centro de importante movimentação
cultural. Este motivo, define os panoramas que discutiremos neste material de estudo.
O gênero cômico frequentemente era alvo de críticas por parte de críticos de arte. As
130
críticas apontavam o teatro da época como superficial, excessivamente voltado para
o riso fácil, de apelo popular e objetivava agradar certo público cativo. Assim como o
pensador Sócrates defendia, em tempos antigos, que as tragédias deveriam apresentar
tramas que exibissem tramas úteis, reflexivas e até educativas. Os intelectuais
reforçavam que os gêneros cômicos ou as comédias de costumes não apresentavam
utilidade, sua produção estava voltada para uma intencionalidade de agradar a plateia
que buscava uma cena divertida que proporcionasse apenas diversão.

A ideia de agradar determinada plateia, aparece nas primeiras reflexões


aristotélicas em torno da arte dramática. E nas comédias do período modernista, a
relação de agradar ao público aparece como alternativa para manter o sucesso e
prestígio de muitas encenações. A dimensão da utilidade, nas comédias estava ligada
aos modos de mostrar os problemas de conduta ou comportamentos de um grupo social
e de personagens daquele grupo social. Desta forma, quando as comédias buscavam
apresentar correções para tais problemas de conduta, as propostas de encenação
deveriam apresentar certa dimensão imitativa da vida ou espelhar os costumes do
cotidiano para levar a plateia a entender com facilidade os contextos ou discursos.
Esses parâmetros eram defendidos pelo filosofo Cícero e objetivavam estabelecer uma
conexão direta com os espectadores.

Neste sentido, a comédia de costumes no Brasil, buscava atingir o objetivo de


provocar o riso “[...] de agradar, quanto ao de corrigir, através da exposição ao ridículo,
diferentes desvios de conduta, também peculiares a grupos ou indivíduos que lhe
fossem contemporâneos, obedecendo, assim, aos mais tradicionais pressupostos da
comédia” (BRAGA, 2012, p. 404). Entretanto, um problema foi identificado nos processos
de encenação de espetáculos teatrais. Esse problema estava ligado com a imitação de
aspectos que apresentassem a realidade de classes populares ou de classes elitizadas
por apresentar um Brasil idealizado e utópico que se pretendia encontrar em tempos
futuros. Um aspecto a ser destacado é o fato de os dramaturgos priorizarem, desde
Martins Pena, as comédias traziam personagens ligados aos roceiros, os personagens
populares, pessoas suburbanas, em contraponto aos juízes, advogados, os abastados ou
pessoas que faziam parte da chamada high society. Desta maneira, verifica-se que as
críticas desferidas na época estavam conectadas a um plano de fundo preconceituoso,
para favorecer um modo de produzir arte teatral semelhante ao conservadorismo francês.

131
NOTA
O termo high society está ligado a língua inglesa para significar a alta
sociedade. Esse termo foi adotado para definir a classe alta brasileira
do período modernista. Esse grupo era composto por pessoas com alto
poder financeiro e que almejavam ter status ou se destacar socialmente,
ostentando riqueza e poder. A alta burguesia brasileira que frequentava
locais requintados, restritos e elitizados. Na música popular brasileira,
a cantora Elis Regina gravou uma letra de composta por Rita Carvalho,
Roberto Zenobio, Affonso De Carvalho, com o título Alô, alô, Marciano.
Essa letra propõe uma crítica de forma irônica a high society da época. A
interpretação da cantora é provocativa e estimula o pensamento em torno
de um grupo social fútil e marcado pelos excessos. Vale a pena conferir nas
plataformas digitais.

As plateias populares lotavam os espetáculos cômicos em contraponto a


uma plateia dita chique que preferia frequentar espetáculos que circulavam no Brasil,
vindos de terras europeias. Essa fixação por espetáculos europeus era resquício de
uma valorização exacerbada de produtos estrangeiros e desprezo por produções que
apresentavam características brasileiras. Aos poucos a cena cômica passou a assumir
características brasileiras em seus modos de composição de cenas e temas que
remetiam a personagens típicos de regiões brasileiras (BRAGA, 2012)

Um Brasil a ser inventado, um preconceito ao que se originava em terras


tupiniquins e rejeição a composição étnica que a sociedade apresentava. O espírito
colonial que pairava nas atmosferas sociais e uma valorização exacerbada aos padrões
estéticos europeus marcavam os tensionamentos da cena modernista.

De um lado comediógrafos faziam enorme sucesso compondo comédias que


retratavam, criticavam e estabeleciam importantes conexões com os aspectos sociais da
época. Evidentemente que a elite da época rejeitava o fato de o Brasil ser majoritariamente
miscigenado e pouco arianos, colonizados. Uma sociedade marcada pelo sustento de
ideais europeus de civilização, precisamente franceses, rejeitava elementos que eram
originados da classe popular, seus personagens e cenários (BRAGA, 2012).

De um ponto de vista modernista, podemos afirmar que até a década de 1920


o teatro era composto por uma atmosfera vazia, com público pouco expressivo sem
contato com novas possibilidade estéticas.

A dramaturgia brasileira ainda resistia a qualquer revolução estética proposta


e autores ignorando as propostas revolucionarias da cena moderna como Stanislavski,
Gordon Craig, Appia e outros estudiosos de teatro. Uma certa má vontade da produção
teatral da época ou uma resistência aos modos inovadores de criar e apresentar teatro.

132
Outro ponto de vista era de que havia um enorme movimento teatral, não na
dimensão da literatura ou de outras áreas, mas um movimento ligado a teatralização da
apresentação e apreciação artística. A seguir, aprofundaremos as discussões em torno
dos modos de criar e acessar a arte teatral deste período.

3 PROCESSOS E CRIAÇÕES DE CENAS MODERNISTAS


BRASILEIRAS
Quando pensamos em criação, composição e produção de espetáculos de artes
cênicas estamos habitando o território do trabalho criador de encenadores, diretores,
atores e atrizes, figurinistas, produtores culturais, iluminadores e profissionais que
colaboram para a estruturação de espetáculos teatrais.

Os percursos e processos criativos podem ser diversificados de acordo com


a variedade e propostas de encenação. As companhias teatrais podem ter diversas
configurações, desde uma proposta colaborativa, baseada na decisão democrática,
grupos com propostas mistas, ou grupos que propõem contatações profissionais aos
moldes de prestação de serviços.

Em um período que as análises críticas apresentavam avaliações equivocadas


do teatro como o esvaziamento de aprimoramento da cena, de público ou que não estava
alinhada a uma vanguarda idealizada, o teatro seguiu seu curso e desenvolveu-se para
além das avaliações negativadas. Talvez tampouco a Europa absorveu as propostas
inovadoras da vanguarda modernista.

Quando analisamos propostas inovadoras da cena teatral europeia, também


identificamos que tais iniciativas postas em cena foram refutadas quando lançadas
e somente décadas depois, os feitos inovadores inspiraram outras propostas de
espetáculos teatrais (BRAGA, 2012).

Um exemplo desse fato são as inovações propostas pelo suíço Adolphe Appia
em 1895 e que reverberaram em outras propostas de encenação somente nas décadas
de 1950 e 1960. Esse movimento de resistência aos novos modos de encenar teatro
ocorreu também em terras brasileiras. Esse movimento de proposição de inovações e
de resistência configurou os professos criativos da época o que mais tarde, influenciou
na caracterização do teatro modernista.

Na Europa, outras inovações além de Appia foram propostas como as propostas


de Craig (1872-1966) e Copeau (1879-1849), igualmente rejeitadas e postas em prática
com êxito tempos depois.

133
FIGURA 25 – EDWARD GORDON CRAIG E JACQUES COPEAU

FONTE: <https://bit.ly/3I3dVOM>; <https://bit.ly/3IgXizv>. Acesso em: 21 nov. 2021.

Uma primeira questão para entender os fatores que definiram percursos e


processos de criação teatral da época é a tendência de produtores das artes cênicas
rejeitarem as inovações propostas. Fato que ocorreu amplamente no Brasil, mesmo
depois da Semana de Arte Moderna de 1922. As transformações propostas pelos
encenadores nas primeiras décadas do século XX, não obtiveram sucesso por resistência
da própria classe artística e pelo público em geral. Talvez nem a comunidade europeia,
nem a sociedade brasileira estava preparada para assimilar as inovações modernistas.
Outro fator que tensionava esses agitos artísticos eram as cobranças, por parte dos
profissionais da crítica teatral, que artistas e profissionais da cena pusessem em cena
os ideais modernistas.

Outra questão, pertinente para pensarmos os fatores que definiram os


processos criativos da época, foram as características do próprio gênero cômico.
A crítica aos comportamentos era presente nos espetáculos e direcionava para um
algo dito por Henri Bergson como geral e não direcionada a aspectos individuais. Isso
significa que a comédia objetiva apresentar situações que pretendem corrigir desvios
comportamentais. Para isso, os personagens são geralmente tipos individualizados,
mas que essas caracterizações sejam identificadas facilmente pelo grupo a que se
destina. Esse aspecto pretendia alcançar o maior número de pessoas possível por meio
das características que permitissem identificar o grupo de origem evidenciado os erros
coletivos e tentar corrigir a conduta do público em geral.

O autor ainda afirma que se a plateia identificar um defeito que seja ridículo,
poderia apontar mudanças comportamentais. Nesse sentido a função da comédia
estaria em provocar no público essa noção de ridículo de modo que pudesse promover
essa correção defeituosa do comportamento. Nesse sentido, as encenações cômicas
buscavam apresentar aspectos que imitam os acontecimentos e comportamentos

134
humanos, a rigidez de um tipo particular, automatismo e movimentos desconectados
com a vida. A comicidade da época apontava as imperfeições individuais ou coletivas
exigindo uma correção imediata.

Ele acreditava que o riso poderia trazer essa correção do comportamento.


O riso tratado como certo gesto social que, por sua natureza, poderia reprimir os
comportamentos ditos desviantes. “Assim, o que se exprimiu em nossos palcos foram
justamente nossos desvios coletivos, essencialmente cômicos, que suscitavam o riso
também coletivo – a propósito de características bastante peculiares (e risíveis) de
nossa sociedade e de determinados tipos que a ela pertenciam” (BRAGA, 2012, p. 405).

Neste sentido, os processos criativos apontavam para apresentar inúmeros


desvios da sociedade brasileira, marcada pela colonização europeia. As comédias
produzidas nas primeiras décadas do século XX, apontavam inúmeros desvios e um
que recorrentemente aparecia era a dificuldade de identificar um espírito nacionalista.

Algumas encenações apresentavam aspectos direcionados diretamente a


grupos e situações. Outro aspecto que aparecia era o culto as aparências e a punição
desses defeitos e desvios “[...] é a punição desses defeitos ou desvios, das extravagâncias
e excessos com a exposição das falhas ao ridículo. Enfim, nossas comédias de costumes
retrataram, de fato, os tipos, valores e modos de vida que mereciam ser observados e
corrigidos, alguns dos quais comentaremos agora” (BRAGA, 2012, p. 408).

Dentre os autores que propuseram comédias, que inseriam hábitos sociais ou o


panorama da vida carioca, foi Artur Azevedo. Este autor, em suas revistas de ano retratou
a vida da sociedade carioca da vidrada do século e em suas comédias de costumes
apresentavam o retrato de uma sociedade marcada pelos excessos, futilidade e desprezo
pela classe popular ou o que possui origens em terras tupiniquins. Outro autor que captou
os ditos desvios sociais foi Coelho Neto. Esse comediógrafo traduziu em suas comédias
e compôs cenas cômicas punindo ou criando situações ridicularizantes para tais
comportamentos. Nas décadas de 1910-1930, Gastão Tojeiro, foi um dos comediógrafos
de grande prestígio da Geração Trianon. Esse dramaturgo destacou-se por sua intensa
produção de textos, um número superior a cem textos (BRAGA, 2012).

A seguir abordaremos o processo de profissionalização dos atores e atrizes


em um período de intensas provocações estéticas e de transição para um período que
influenciou os modos de conceber, acessar e desenvolver propostas inovadoras. A
profissionalização ocorreu como uma necessidade da classe artística ou como evolução
essencial para a dramaturgia brasileira ou para a classe de artistas da cena.

135
4 OS MECANISMOS DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS
ATORES E DAS ATRIZES
No trecho anterior, discutimos os tensionamentos entre os fatores que definiram
as produções teatrais do início e meados do século XX. Nesse momento, abordaremos
o panorama da produção teatral da época que permitiu a profissionalização de atores
e atrizes ou de toda um coletivo de artistas da cena, ou seja, os mecanismos que
definiram o panorama da produção teatral da época. De uma tendência a direcionar
o espectador a rir de situações em que espelham ironicamente a figura ridícula do
próprio espectador. Esses aspectos nos direcionam a pensar acerca das competências
e habilidades necessárias para executar com maestria os espetáculos, seja no teatro
musicado, operetas, burletas, nos gêneros cômicos ou revistas de ano. Os dramas
também eram encenados e exigiam dos profissionais habilidades necessárias para
levar para a cena a profundidade dramática da trama e dos personagens. A época em
que começaram a surgir os grandes ícones do teatro profissional brasileiro, como o
ator Procópio Ferreira (que estreou em 1919). Essa produção chamava-se O Simpático
Jeremias e o protagonista foi interpretado pelo ator Leopoldo Fróes, esse papel o ator
manteve em seu repertório toda sua trajetória. Nessa trama, o Jeremias é um criado
que ópera solucionando os conflitos que permeiam as relações das personagens. Essas
características compuseram o estilo que foi nomeada de Comédia Nova.

FIGURA 26 – ATOR PROCÓPIO FERREIRA

FONTE: <https://bit.ly/3J9pLZ6>. Acesso em: 21 nov. 2021.

O fato de um criado operar a solução de problemas assemelha-se a um


personagem conectado com a Commedia dell’Arte, o Arlequin. A arquitetura cômica
desse texto estava alinhada a peças clássicas do dramaturgo Molière desse autor, o
personagem Scapin. Outro texto que apresentava um panorama dos costumes da
época foi o texto Eu Arranjo Tudo, de Cláudio de Souza (1876-1954). Esse texto traz em

136
sua narrativa as traquinagens de um personagem chamado Bernardo que é responsável
por todas as tarefas de seu local de trabalho e passa a confundir as tarefas e acaba
solucionando as confissões que surgem. Essa comédia estreou em 22 de novembro
de 1915, no Teatro Trianon. O protagonista desta comédia também conecta a tradição
cômica brasileira com a Commédia dell’Arte nessa espécie de trapalhão inteligente.
Diversos costumes da época eram postos em cena nessa trama.

O Teatro Profissional dos anos de 1920 aos anos de 1950 foi marcado pela maestria
de profissionais que conseguiram grande prestígio e competições por atuações de
destaque. Os astros e estrelas surgiram nessa época com suas atuações espetaculares
que arrastavam multidões. A fama e idolatria de atores da época permeava as condições
da profissionalização de atores e atrizes. Astro era uma palavra utilizada com frequência
e possui vários significados, dependendo seus usos e contextos. Os atores e atrizes
considerados astros ou estrelas de teatro ocupavam lugares de prestígio, com destaque
para as figuras masculinas e as figuras femininas ainda eram associadas a objetos
de desejo ou objetos sexuais de uma sociedade estruturalmente preconceituosa
e machista. De um local de destaque, grandeza, ou tirania a uma acepção de figura
pejorativa. Em astronomia astro é todo corpo celeste que possui luz própria. Nesse
sentido, o astro estava associado a aquele ator ou atriz que obtivesse enorme destaque
em suas atuações artísticas. Os astros e estrelas orbitavam em rotas de enorme fama e
geralmente, buscavam manter seu sucesso em carreiras longas. A corrida para chegar
ao destaque ou manter-se no foco da cena modernista com todas as pompas que um
astro ou estrela idealizavam talvez fosse uma tarefa difícil e um preço alto a pagar.

Essas duas palavras, estrela e astro, são importantes para pensar a


profissionalização de artista da cena. Uma constituição de atores e atrizes que reunissem
habilidades múltiplas, com capacidade de atuar, dançar, cantar e com capacidade para
atuar em comédias e dramas com versatilidade. Há uma certa subordinação a toda essa
iluminação atribuída a um profissional da cena. Um artista da cena busca relacionar-
se com seu público de maneira a cativar popularidade e influenciar gostos. Um astro
poderia ser associado ao elemento sol, no sistema solar, anuncia metaforicamente
que o ator ou atriz carrega em sua aura o segredo mágico da atuação e da cena, sua
personalidade estaria a habilidade de comunicação com seu público, de modo que
deveria deter importantes elementos geradores de influência.

A qualificação de um profissional da cena deveria abarcar o domínio técnico e


maestria em sua arte. O ator e atriz dependia ainda de outros profissionais para que sua
arte pudesse ser realizada. Escolas de arte dramática ofereciam cursos com apurado
técnico, mas a maior escola de formação de profissionais da cena era a prática cotidiana,
o palco habitado pela cena teatral e os processos criativos ou produzir a apresentação
de determinado espetáculo em determinado espaço. Neste sentido, a prática teatral
seria ainda uma escola ou espaço para a formação e qualificação dos profissionais da
cena. Assim, o astro e a estrela eram suportados por uma equipe preparada para que
a encenação pudesse ocorrer com sucesso. O astro e a estela de teatro “[...] além de

137
sujeito da cena e em cena, senhor de uma forma de expressão encantadora que a plateia
adorava acompanhar, o astro era líder de sua categoria, artífice de sua companhia, mago
da bilheteria, empresário e forjador do próprio ofício” (BRANDÃO, 2012, p. 459).

O astro e a estrela eram considerados artistas que construíam uma promissora


carreira e conseguiam viver de sua arte estabelecendo relações entre as obras de arte
teatrais e seu público. Os principais grandes astros e estrelas desse período foram João
Caetano, Estela Sezefreda, Gabriela da Cunha, Eugênia Câmara, Adelaide do Amaral,
Furtado Coelho, Lucinda Simões, Ismênia dos Santos, Vasques, Dias Braga, Martins,
Rosa Villiot. Estes intérpretes buscavam transpor par o palco toda vivacidade de seus
personagens e no encontro com a plateia, concretizar o fenômeno teatral. Outros
expoentes desse período foram Itália Fausta (1880-1951), Leopoldo Fróes (1882-1932),
Procópio Ferreira (1898-1979), Jaime Costa (1897-1967) e Dulcina de Moraes (1908-1996).

Os artistas da cena profissionalizaram-se nos processos de criação teatral e na


necessidade de aperfeiçoamento das práticas ligadas “[...] ao teatro de revista ou ligeiro,
quer dizer, ao palco da opereta, da burleta, da farsa; subgêneros cómicos designados
como menores por certa tradição”. Nesse período de florescimento de um teatro rico
em personagens tipo, músicas originais, figurinos carnavalescos destacaram-se outros
nomes da cena brasileira modernista como “[...] Cinira Polónio, Iracema de Alencar,
Abigail Maia, Machado Careca, Colás, Lucília Peres, Apolónia Pinto, Alda Garrido,
Margarida Max, Otília Amorim, Aracy Cortes, Oscarito, Dercy Gonçalves, Grande Otelo e
Eva Todor” (BRANDÃO, 2012, p. 459).

O capítulo a seguir, apresentará encenadores modernistas que se destacaram


no cenário teatral brasileiro e seus feitos para pensarmos em um teatro que passou por
evoluções específicas e apelos para os gostos das plateias.

5 ENSAIADORES E ENCENADORES MODERNISTAS


BRASILEIROS
A época do modernismo e décadas posteriores, o gênero que predominava
era a comédia. Outros gêneros eram encenados, porém com menor ênfase. Algumas
encenações mostravam temas como o vício no jogo, com cenários de cassino, com
jogadores que buscavam recuperar os valores que perderam em jogo. Em 1913 dois
espetáculos destacaram-se contendo o enredo citado acima: Deu o Pavão, de João
Pinho e O Bicheiro, de A. Elias da Silva, encenados no Bijou Salão, casa de espetáculos
e cinema inaugurada em São Paulo em 1915.

Armando Gonzaga foi um comediógrafo que escreveu inúmeras peças, dentre elas
O Ministro do Supremo que estrou no Teatro Trianon em 1921, e A Flor dos Maridos que
estrou em 1922 no Teatro Recreio. As comédias de Gastão Tojeiro ou as de Armando Gonzaga
eram estruturadas com um jogo de rapidez entre os diálogos, fluência e intimidade com a
artesania do teatro ou com o que chamamos de padrão cômico para a época.

138
Alguns recursos como a ironia em mostrar comportamentos hipócritas ao trazer
para a cena os excessos conectados com a ambição. Para exemplificar essa determinada
situação, podemos citar uma passagem em que põe em cena um ator, que por sede de
maiores lucros, busca vender bilhetes que o próprio empresário lhe oferecera.

NOTA
Comediógrafo é o profissional que dedica seu tempo a produzir textos
dramatúrgicos no gênero comédia para serem postos em cena. O
profissional comediógrafo conhece profundamente o gênero teatral cômico
e os recursos necessários para compor um texto que ao ser encenado possa
fazer o espectador gargalhar com as situações cômicas exploradas.

Gonzaga escrevia ainda, textos dramatúrgicos que traziam em suas tramas,


certo culto as aparências mostradas sob uma ótica risível ou cômica. A peça mostrada
anteriormente, O Ministro do Supremo, foi uma das principais peças de sucesso desse
autor. Arnaldo Gonzaga foi um dos comediógrafos encenados na década de 1920 em
diante e Cala a Boca Etelvina (1925) ou em És Tu Malaquias? (1927), ele retrata os
costumes da época.

FIGURA 27 – FOTOGRFIA DE ARMANDO GONZAGA E GASTÃO TOJEIRO

FONTE: <https://bit.ly/34yPRpi>; <https://bit.ly/3vZIin4>. Acesso em: 21 nov. 2021.

As comédias da época abordavam certa minúcia na crítica e composição dos


personagens tipo. A trama era tecida por ocorrências da época e questões de um
tempo de inúmeras modificações no âmbito social e cultural. Os textos das comédias
apresentavam um apelo algo que pudesse remeter a urgência de vida em um cenário
pós a primeira grande guerra.

139
A emoção e profundidade dramática eram refutadas para dar espaço para o
entretenimento e riso fácil. Essa atmosfera tomou conta das produções teatrais desse
período e marcou os modos de criar e apreciar arte dramática. As comédias estavam
conectadas com os tipos sociais como marido galanteador, esposa com ciúmes
excessivos, empregadas sensuais, as vizinhas fofoqueiras que objetivavam arrancar
gargalhadas do espectador.

Esse modo de criar cenas estava voltado para o que foi definido como certo
descompromisso com a função de desviar a atenção das tragédias, transformações
e eminente risco de novos conflitos armados em partes do mundo. Esses aspectos
definiram uma época e os modos de produzir dramaturgias ou de compor cenas para
determinado público (BRAGA, 2012, p. 409)

Outro expoente das décadas após 1922 foi Joracy Camargo (1898-1973) que traz
aos palcos outro modo de encenar por meio do vagabundo filosofante. Esse dramaturgo
iniciou uma sequência de textos que iniciou com O Bobo do Rei em 1931, Deus lhe
Pague em 1932, O Neto de Deus, em 1933, Maria Cachumba, e 1940 e O Sindicato dos
Mendigos de 1942. Essas dramaturgias poderiam ser localizadas no que alguns críticos
da época definiram como “teatro de comunicação sensível” (WERNECK, 2012, p 419).

Joracy foi considerado autor de Procópio Ferreira e Ernany Fornari (1899-1964)


o dramaturgo que escreveu textos para grandes atrizes como Eva Tudor (1919-2017) e
Dulcina de Moraes (1908-1996).

Essa tendência de textos escritos para determinado ator ou atriz configurava


uma composição direcionada, que surge de uma conexão entre autor e atores ou atrizes
capazes de essa ligação definir os personagens, a trama e as maneiras que os atores
dariam vida aos respectivos personagens. Assim, os personagens postos no palco
carregam uma presença dos intérpretes, uma espécie de afinação entre dramaturgo
e intérprete, de modo que a composição textual favorecia os atores e atrizes ou
apresentava recursos que potencializavam a comunicação deles (WERNECK, 2012).

Um fato importante na produção teatral da época, foi o Teatro de Revista, como


comentamos no Tópico 2. Aqui, um fato que merece ser destacado é o surgimento,
em 1926 da Companhia Negra De Revista. Essa companhia reunia artistas negros da
cidade de São Paulo e Rio de Janeiro e pretendia valorizar a cultura africana no Brasil.
Essa atitude reafirmava a presença da população negra no país e permitia a construção
de uma identidade cultural negra em produções espetaculares utilizando símbolos
da cultura negra. Nesse período, em Paris ocorria um movimento semelhante com a
exaltação do Jazz, que reunia cantores, músicos e vedetes negros em seus elencos
revelando astros como a americana Josephine Baker (VENEZIANO, 2012).

140
FIGURA 28 – FOTOGRAFIA DA PEÇA SORTILÉGIO DE 1957 DO TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO

FONTE: <https://bit.ly/3tM7BGw>. Acesso em: 9 jan. 2022.

Em terras brasileiras, as coristas negras destacavam-se desde aa década


de1920. Essas Coristas denominavam-se The Black Girls. Diante das frequentes
caricaturas racistas ao pintarem atores brancos de preto para representar personagens
negros, a Companhia Negra de Revistas representou importante passo para repensar
as questões racistas que a estrutura social e cultural apresentava. Essa companhia
trouxe para a cena modernista questões que envolvem a presença de artistas negros
no cenário teatral brasileiro. A revista que estrou os trabalhos da Companhia Negra de
Revistas chamou-se Tudo Preto. A produção obteve enorme sucesso ao exaltar o orgulho
da cultura negra em quadros intitulados Cristo Nasceu na Bahia e encerramento com
quadro Mãe Negra. As vedetes que se destacaram foram Rosa Negra e Jandira Aimoré.

FIGURA 29 – FOTOGRAFIA DE AS BLACK-GIRLS, CONJUNTO DE VEDETES NEGRAS EM 1926

FONTE: <https://bit.ly/3t2d24I>. Acesso em: 9 jan. 2022.

141
A Companhia Negra de Revistas permaneceu ativa por somente um ano, de
1926 até 1927. Com a contratação de Pixinguinha para a regência musical da companhia,
ela circulou por diversas cidades interioranas do estado de São Paulo. Outra grande
revelação foi a presença de um ator que se destacaria no cenário do teatro nacional.
Em 1926, a companhia lançava o ator Sebastião Bernardes de Souza Prata, com o nome
de Grande Otelo. Adiante, abordaremos os principais aspectos que antecedem o teatro
contemporâneo.

IMPORTANTE
Depois da Proclamação da República, amparados pela maior difusão
dos espetáculos populares, muitos artistas negros buscaram espaço de
reconhecimento, participando do mercado das partituras, dos primeiros
filmetes e fonogramas, como Baiano, Cadete, Geraldo Magalhães e tantos
outros – época em que o célebre Pixinguinha se profissionalizou (no ano
de 1912). Entretanto, havia – e ainda há – uma enorme resistência dos
brancos colonizadores aos negros afro-diaspóricos e à sua cultura.

FONTE: <https://bit.ly/35Qx9dw>. Acesso em: 11 mar. 2022.

6 TRANSIÇÃO PARA A CONTEMPORANEIDADE


Quando tratamos de períodos de transição instauram certa instabilidade, tensões
entre o que está em voga e as possíveis propostas de inovações podem ocorrer. Se o
movimento modernista já apontava para tendências contemporâneas, a modernidade
como período histórico em que houve uma revolução das máquinas, compreendendo
até a década de 1789, em que a Revolução Francesa deflagra um novo tempo.

Após esse advento, as estruturas sociais modificaram-se profundamente. O


teatro contemporâneo do pós-modernismo, passava por discussões em torno das
funções de diretor, dos atores e seus processos de criação. O corpo dos atores e atrizes
assume papel central nas propostas de criação cênica. O papel do diretor do espetáculo,
que detém o poder de decisão sobre a obra é submetido a propostas colaborativas de
encenação e o papel passa de diretor para encenador. As companhias privadas, que
óperavam aos moldes do lucro e funções econômicas, passam a repensar seus propósitos.

A constituição de um repertório com objetivo estritamente comercial, é


proposta de companhias teatrais privadas em que seu proprietário produz arte para ser
comercializada. Outro fator desse período, que a contemporaneidade irá questionar, é a
valorização excessiva de um astro principal e os demais artistas, condições precarizadas
de trabalho. Havia uma relação hierárquica entre o diretor e os atores e atrizes.

142
O sucesso econômico da companhia era perseguido e esse teatro de convenções
era submetido aos valores artísticos da época. Os personagens tipo eram presentes nas
tramas e como máscaras da realidade social eram amplamente explorados.

As características sociais de determinado grupo social e suas relações eram


fontes para a composição de textos dramáticos. Os tensionamentos entre a escrita
dramatúrgica e os personagens tipo criava uma zona criadora mediada pelo encenador.
Um teatro de sistematização do comportamento, que poderia remeter ao teatro de
máscaras da Grécia antiga ou para a Commédia dell’Arte (TORRES, 2012).

Os tipos de papéis possuíam uma faixa de idade em que o galã deveria ter de
20 a 30 anos, o centro de 30 a 50 anos e o vegete de 50 anos em diante. Os outros
personagens cômicos poderiam ter somente uma identificação com a função social.
Estes aspectos da estrutura dramatúrgica criada partindo de personagens tipo permeou
toda uma produção teatral voltada para a comédia de costumes, o teatro musicado e
o teatro de revista. As propostas contemporâneas irão propor o rompimento com essa
estrutura para emergir um teatro baseado no trabalho de atuação, do musical e de
propostas que reinventam a própria estrutura dramatúrgica.

A contemporaneidade irá propor novos modos de criar cenas e de espaços


diversificados para a apreciação. Temas como a recepção, cenas mínimas, teatro do
absurdo, a performance arte e outras abordagens cênicas passam a estar nos palcos
de cidades brasileiras. A descentralização das produções, até então concentradas nas
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, ocorre levando condições de produção para
outras localidades.

A seguir apresentaremos um esquema de fácil compreensão para identificar as


características de cada personagem tipo que eram comuns nesse período da história
do teatro brasileiro e que servirá de parâmetro para pensar os rompimentos que a
contemporaneidade irá propor.

QUADRO 1 – RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE PAPÉIS MASCULINOS E CARACTERÍSTICAS

TIPOS DE PAPEL CARACTERÍSTICAS DO TIPO

Homem jovem de modos viris, variando-se as características dependendo


Galã
do gênero: amoroso, dramático, cínico, cômico-tímido, típico etc.

Homem de meia-idade ainda fascinante e disposto. As mesmas


Central ou Centro
variações descritas para o Galã podem lhe ser atribuídas.

Homem já mais velho. Pode ser o Velho Gaiteiro ou Velho Ridículo. Pode
Vegete ou Vegeto
equivaler-se em termos de idade com a Caricata.

Figura típica, caricatural ou não. Associado aos recursos do baixo


cômico ou às características de certos tipos sociais. Criados, copeiros,
Baixo Cômico ou
cozinheiros, vendedores ambulantes, quitandeiros, carvoeiros, mata-
Característico
mosquito, soldado, marinheiro, fuzileiro, recebedores, motorneiros,
motoristas, trocadores, olheiros, mulatos pernósticos etc.

143
Figura masculina de maior destaque na companhia dramática e na
Astro
empresa teatral.

Utilidade Ator ou atriz que atua em qualquer papel secundário.

Aquele que fica em cena sem falar, "figurando" apenas tipos masculinos
Figurante
e femininos diversos.

FONTE: Torres (2012, p. 486)

QUADRO 2 – RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE PAPÉIS FEMININOS CARACTERÍSTICAS

TIPOS DE PAPEL CARACTERÍSTICAS DO TIPO

Menina moça, podendo ser tímida, romântica, sonhadora etc. É a jovem


Ingênua
casadoira.

Dama Galã ou Mulher jovem, figura romântica e tentadora que desperta a atenção dos
Galante homens pela sua beleza e natural sensualidade.

Dama Central Mulher já madura e distinta. A mãe de família por excelência.

Mulher de modos ridículo e caricatural, normalmente associada à figura


Caricata
da Velha Grisalha.

Soubrette ou Figura graciosa, é a criadinha normalmente faceira, denominada ainda


Empregada de "midinette" galante

Corista Mulher que atua nos coros em grupo cantando e/ou dançando.

A figura feminina de maior destaque na companhia, equivalendo-se ao


Estrela
astro na tipologia masculina

Primeira figura feminina no teatro musicado, sobretudo no gênero


Vedete revista. Seus predicados são a graça e a beleza física associadas ao
domínio vocal.

FONTE: Torres (2012, p. 487)

144
LEITURA
COMPLEMENTAR
ODE AO TEATRO MUSICADO NACIONAL EM QUATRO ETAPAS, UM PRÓLOGO E UM
EPÍLOGO

Larissa de Oliveira Neve

[...] O presente artigo não visa ser um estudo de caso, de período, de artistas,
de peças, de gêneros musicados –visa registrar o que já sabemos, mas que ainda não
localizamos em nenhum estudo específico –uma demonstração histórica de que “tudo
começou com a opereta” (e com suas irmãs e primas).

Prólogo ou: antes do teatro popular musicado, o Brasil se fez em teatralidade


musicada popular

O teatro brasileiro é tão ambíguo, confuso e bagunçado5quanto sua própria


história e cultura. País colonizado, cuja cultura foi formada pela combinação e
transformação de diversas matrizes culturais, o Brasil tornou-se uma nação onde
podemos encontrar pessoas com expressões culturais semelhantes vivendo em regiões
muito distantes (em especial ressalto aqui as festas e folguedos presentes em todos os
estados brasileiros com especificidades próprias em cada região) e, ao mesmo tempo,
diferenças notáveis entre os modos de vida de habitantes de diferentes estados.

A interação (não pacífica) entre europeus, indígenas e africanos durante alguns


séculos deu origem a uma nova cultura – a brasileira (RIBEIRO, 1995; SCHWARCZ;
STARLING, 2015). Apesar da violência dessa história, ou por causa dessa violência, as
pessoas conseguiram criar belas festas populares, danças e músicas, que expressam,
sim, sua alegria de viver e de estar juntos, mas que também são uma forma de sobreviver
e de lutar. Sobreviver à dura rotina diária de escravidão, manter sua identidade, lutar
direta e indiretamente contra opressores.

As festas e folguedos populares do Brasil são arte, alegria e diversão. Não


menos importante, são uma de nossas formas mais marcantes de resistência não só
identitária, mas também política (os folguedos serviam como forma de comunicação,
como ocorre por exemplo no jongo, ou de habilidades de luta, como ocorre na capoeira).
Essas magníficas manifestações artísticas foram por décadas ou consideradas
sem importância, ou ignoradas, ou repreendidas por instituições governamentais e
acadêmicas no país. É válido falar sobre teatro musicado brasileiro a partir deste pano
de fundo, porque nesses espaços se conformaram danças, músicas, corporeidades,
linguagens cênicas que viriam a servir de mote para o teatro musicado de palco.

145
Por mais delicado que seja abordar o assunto, o Brasil é um país onde os
escravizadores e os escravizados encontraram alguns lugares comuns na cultura
popular: o rancho de reis invade a casa do senhor como vemos na peça Uma véspera
de reis, de Arthur Azevedo (2002). Esse fato torna difícil explicar nossa cultura e como
funciona a interação entre as pessoas no país. Em alguns estudos mais antigos, do
começo do século XX, a violência e o preconceito foram de certa maneira minimizados
por uma falsa ideia de mistura pacífica de culturas (HOLANDA, 2016; FREYRE, 1973).

A mistura é real, o aspecto pacífico não o é. A forma ao mesmo tempo, diferenças


notáveis entre os modos de vida de habitantes de diferentes estados. A interação (não
pacífica) entre europeus, indígenas e africanos durante alguns séculos deu origem a
uma nova cultura –a brasileira (RIBEIRO, 1995; SCHWARCZ; STARLING, 2015). Apesar da
violência dessa história, ou por causa dessa violência, as pessoas conseguiram criar belas
festas populares, danças e músicas, que expressam, sim, sua alegria de viver e de estar
juntos, mas que também são uma forma de sobreviver e de lutar. Sobreviver à dura rotina
diária de escravidão, manter sua identidade, lutar direta e indiretamente contra opressores.

As festas e folguedos populares do Brasil são arte, alegria e diversão. Não


menos importante, são uma de nossas formas mais marcantes de resistência não só
identitária, mas também política (os folguedos serviam como forma de comunicação,
como ocorre por exemplo no jongo, ou de habilidades de luta, como ocorre na capoeira).
Essas magníficas manifestações artísticas foram por décadas ou consideradas
sem importância, ou ignoradas, ou repreendidas por instituições governamentais e
acadêmicas no país. É válido falar sobre teatro musicado brasileiro a partir deste pano
de fundo, porque nesses espaços se conformaram danças, músicas, corporeidades,
linguagens cênicas que viriam a servir de mote para o teatro musicado de palco.

Por mais delicado que seja abordar o assunto, o Brasil é um país onde os
escravizadores e os escravizados encontraram alguns lugares comuns na cultura
popular: o rancho de reis invade a casa do senhor, como vemos na peça Uma véspera
de reis, de Arthur Azevedo (2002). Esse fato torna difícil explicar nossa cultura e como
funciona a interação entre as pessoas no país.

Em alguns estudos mais antigos, do começo do século XX, a violência e o


preconceito foram de certa maneira minimizados por uma falsa ideia de mistura pacífica
de culturas (HOLANDA, 2016; FREYRE, 1973). A mistura é real, o aspecto pacífico não o
é. A forma como o povo brasileiro combate as injustiças de seu país é desafiadora de se
compreender, mas nem por isso menos assertiva.

O teatro musicado de palco surgiu baseado em formas europeias que, quando


apresentadas por companhias de teatro estrangeiras no Rio de Janeiro, ganharam
grande visibilidade entre a classe artística e literária. Quase imediatamente artistas
brasileiros perspicazes, sendo vários negros e mestiços, ligados ao popular, à rua, e
também às casas de espetáculo, que então eram redutos elitistas, modificaram as
estruturas teatrais estrangeiras ao incluir hábitos, expressões e músicas brasileiras em

146
traduções e adaptações que se desenvolveram rapidamente, tornando-se cada vez mais
recheadas de costumes, palavras, canções, danças populares nacionais, a ponto de, no
início do século XX, serem formas de arte completamente forjadas nas corporeidades e
musicalidades daqui, cujas estruturas de cena só poderiam ser encontradas no Brasil.

Os espetáculos eram baseados no dia a dia da cidade, com cenas que se


referiam aos problemas das pessoas, seus trabalhos, suas formas de se relacionar etc.
Eles se calcavam também na música, na dança, na temática, nas formas de expressão
corporal, nas máscaras que fazem parte das festividades populares mais ou menos
teatrais comuns em várias regiões do país.

Esse tipo de teatralidade aconteceu (e ainda acontece) nas ruas, em festas


religiosas, em praças. Mais recentemente apresentam-se também em espaços mais
regrados, criados especialmente para as festas, como os sambódromos, bumbódromos
ou quadrilhódromos. As folias não apresentam apenas tipos específicos de música e
danças brasileiras, mas algumas delas são formas incrivelmente complexas de teatro
com personagens, enredos, máscaras e improvisação (a exemplos das festas do boi ou
dos desfiles de carnaval).

As festas e folguedos eram os espaços de representação teatral formado e


apresentado no Brasil colônia. São formas de espetáculos que não ganhavam registros
escritos. Suas poesias, canções, belos textos eram aprendidos, criados e transmitidos
oralmente. Os atuantes são chamados de "brincantes", porque brincam, se divertem,
dançam, atuam num tipo de aquisição de saber e de treinamento muito diferente daquele
mais comum ao do ator e da atriz de teatro. Os folguedos e brincadeiras sempre usam
a música para conceber suas estruturas de cena. Alguns são inteiramente musicais,
alguns alternam momentos de fala ou versos com momentos de canto (ANDRADE, 1982;
CASCUDO, 2002).

Não houve interesse por parte de uma elite política portuguesa e brasileira em
instituir um teatro em estilo europeu no Brasil durante quatro séculos, entre 1500 e 1800;
ou houve pouquíssimo interesse, por parte dos governantes do país, ou da elite letrada
brasileira (a maioria sendo súditos do imperador de Portugal) em instigar a formação
de um teatro em estilo “ocidental” nas terras nacionais. Assim, as poucas companhias
daqui encenavam peças de origem ibérica e as formas mais vibrantes de encenação
eram as brincadas nas ruas pelas pessoas escravizadas ou as mais pobres, em torno
das quais, nos dias de feriado, se reuniam também as elites.

Quando a corte de Dom João VI se estabeleceu no Rio de Janeiro a partir de


1808, os primeiros teatros grandes passaram a ser construídos. Após a Proclamação da
Independência, dramaturgos brasileiros começaram a difundir seus textos e a encená-
los nestes teatros. Urgia diferenciar o país independente do país colonizador. Alguns dos
primeiros dramaturgos observaram que o Brasil tinha formas espetaculares de teatro
sendo realizadas em festas e feiras de rua, por isso as projetaram para produzir o tipo de
teatro que, desde aquele início, se comunicava com a população brasileira.

147
Era um teatro popular, com música, dança, hábitos e expressões do povo pobre
e/ou negro. Embora todos assistissem e apreciassem como público, essas formas mais
próximas do imaginário popular nacional tiveram recepção duramente criticada em
áreas literárias, acadêmicas e jornalística, desde os quase contemporâneos daqueles
autores – vide textos de José de Alencar (1829-1877) sobre Martins Pena (1815-1843)
(ALENCAR, 1857); ou textos de Coelho Neto (1864-1934) sobre Arthur Azevedo (1855-
1908) (NEVES, 2006); – até o final do século XX – vide textos mais antigos de Décio de
Almeida Prado (1917-2000) (PRADO, 1971). Mesmo hoje em dia legitimar essas formas de
arte como sendo tão preciosas quanto o que podemos chamar de teatro erudito (isto
é, aquele que se espelha em modelos literários europeus canônicos e reverenciados)
constitui uma forma de luta dentro das universidades, por exemplo.

Embora a música tenha feito parte da dramaturgia brasileira que se inspirava


nas festas populares desde que os primeiros autores apareceram, como Martins Pena
(Costa-Lima Neto, 2014), foi na segunda metade do século XIX que o teatro musicado
se tornou uma verdadeira febre no Rio de Janeiro e espalhou-se para outras cidades
importantes do país

Primeira etapa: a chegada da opereta francesa

Ironicamente, os gêneros vieram da França, ou seja, da referência cultural


erudita europeia para os brasileiros do século XIX. Romantismo, realismo, naturalismo...
a França regia as formas inovadoras de literatura e de teatro e, no Brasil, os autores mais
famosos, como José de Alencar e Machado de Assis (1839-1908), buscavam espelhar-
se em tais formas para produzir suas obras.

O marco da chegada da opereta, como se sabe, foi a inauguração de um cabaré


francês chamado Alcazar Lirique, ocorrida em 1859 no Rio de Janeiro. Antes disso, o
teatro lírico francês fora apresentado no Rio de Janeiro por empresas que excursionavam
pelas Américas (LEVIN, 2014), mas, quando uma empresa francesa se fixou na cidade, o
sucesso foi extraordinário.

Eram apresentados, no Alcazar Lirique, os mais recentes sucessos do teatro


musicado popular de Paris, especialmente as operetas de Jacques Offenbach (1819-
1880), com artistas franceses. Operetas eram espetáculos teatrais que alternavam
diálogos cantados e refrões com partes faladas. Na França eram considerados gêneros
menores, quando comparados à ópera ou à ópera-cômica – visão que se transplantou
na sociedade elitizada carioca. A agilidade dos enredos esses dois nomes canônico
obtiveram, em seus romances, originalidade formal que extrapolou a inspiração vinda
da França. No teatro buscavam mais a fundo alinhar-se ao ideal civilizatório Europeu,
tanto em relação às peças que escreviam como aos textos críticos (FARIA, 2001).

As tramas cômicas das operetas francesas geralmente parodiavam temas


considerados eruditos e importantes, como a Mitologia Grega ou fatos históricos.

148
Foram consideradas à época o que havia de mais irreverente, inusitado e desordeiro
na sociedade parisiense. Eram peças que, apesar de estrangeiras, carregavam em sua
estrutura e em seu aspecto turbulento e audacioso uma semelhança instigante com as
linguagens cênicas nacionais vivenciadas nas festas e folguedos.

As operetas não tinham uma forma rígida, eram maleáveis para se adaptarem
ao que agradava ao público; eram fragmentadas; tinham uma vivacidade e uma alegria
oriundas da música e da comédia que as tornavam uma ferramenta política bastante
importante. Em tais aspectos, o gênero estava próximo ao que as teatralidades de
rua nacionais, forjadas naqueles quatro séculos de luta por liberdade das classes
escravizadas ou menos favorecidas apresentavam.

Não foi à toa, portanto, que as operetas praticamente varreram as outras formas
europeias de teatro do interesse da população brasileira – quando chegaram não houve
mais espaço ou interesse dentre o público para assistir a peças sérias, “elevadas”,
realistas: o que interessou ao brasileiro, seja o pobre, seja o rico, foi a força de ruptura
e a vivacidade artística daquele gênero musical. As operetas apresentavam muita
subversão, sendo censuradas, perseguidas e criticadas intensamente no Brasil e na
França. Nesse aspecto, também lidavam com o permitido e o proibido como acontecia
com as teatralidades afro-brasileiras.

Alguns dos maiores sucessos no Brasil (e na França) foram Orfeu no Inferno e


A bela Helena, ambas com dramaturgia de Ludovic Halévy, Hector Crémieux, música
de Jaques Offenbach; e A filha de Madame Angot, com dramaturgia de Clairville,
Victor Koning, Paul Siraudin, música de Charles Lecocq. O número de peças francesas
apresentadas, porém, passou de 140 (MACIEL; RABETTI, 2010). Orfeu no Inferno
estreou em 1865 no Alcazar Lirique e se tornou um sucesso extraordinário, com 500
apresentações consecutivas. O texto foi quase imediatamente publicado no Brasil
também (LEVIN, 2014).

O público do Alcazar era formado por pessoas de classe média à alta. Apesar
das restrições literárias feitas ao gênero da opereta, que eram pontuadas em notícias
de jornais, havia o lado chique e esnobe de se assistir em francês às mais recentes
novidades do teatro musicado de Paris. Mas, para além desse lado elitista, o fato é que
as operetas, com seu caráter de desordem, de rebaixamento, e sua abertura para o
hibridismo, incluindo a subversão de temas considerados altos e graves, combinavam
com a sociedade brasileira e todas as suas peculiaridades. Não causa surpresa, portanto,
quando olhamos para trás, que um gênero de teatro e de música considerado menor na
França, mas com tal potencial para transmitir alegria e para produzir críticas ao mesmo
tempo, agradaria tanto ao povo brasileiros.

149
Segunda etapa: as adaptações brasileiras

Essa notável repercussão fez com que um ator e dramaturgo brasileiro percebesse
que o sucesso das operetas poderia ser trazido para mais perto de todos os habitantes
caso se comunicasse com a cultura popular, na língua brasileira, não sendo apresentado
apenas como espetáculo estrangeiro, por artistas franceses. O artista que teve essa ideia
foi Francisco Correia Vasques (1829-1892). Vasques, comediante que havia trabalhado
nas mais importantes companhias de teatro brasileiras, com uma perspicácia só possível
a uma pessoa que transitava entre o popular e o erudito, notou o grande potencial que
as operetas francesas teriam se fossem abrasileiradas, ou seja, se fossem transformadas
em peças que projetavam as formas de teatro de rua, com uso de música brasileira. Ele
percebeu, provavelmente não a partir de uma análise, mas sim a partir de seu saber
como ator cômico, que a estrutura da opereta facilitava o aproveitamento de hábitos e
linguagens cênicas de folia da população em sua estrutura dramática.

Vasques, que agregava em sua prática de atuação as linguagens teatralizadas


da cultura nacional, notou a proximidade dessas formas de artes cênicas com aquele
gênero francês que estava encantando e polemizando junto às elites da cidade.
Apreendeu que toda a loucura e desordem de um gênero quase renegado pela cultura
erudita e sublime francesa, colocado em um lugar marginal em seu país de origem e
no Rio de Janeiro, estava em sintonia com a cultura brasileira de uma maneira intensa.
Então, ele decidiu adaptar a bem-sucedida opereta Orfeu no Inferno aos hábitos
brasileiros. Sua peça se chamou Orfeu na roça, estreou na recém fundada companhia
Fênix Dramática em 1868 (PRADO, 1999), e mudou, para sempre, a forma brasileira de
se fazer teatro de palco.

A empresa Fênix Dramática, de Jacinto Heller (1834-1909), tornou-se um


importante espaço de divulgação das peças musicadas até o final do século XIX. É
interessante constatar que essa companhia se insere no lugar da empresa Ginásio
Dramático, onde eram encenadas as sérias peças realistas (FERREIRA, 2016).

O advento dessa companhia, com atores egressos do Ginásio, é quase um


paradigma da transformação geral que se iniciava naquele momento –nada mais
de dramas ou comédias “para sorrir”, as empresas passaram a encenar comédias
escrachadas, com muita música, alegria, diversão – decadência total, na visão daqueles
literatos; não na nossa, é claro. Para nós, começava, aí, um teatro de palco que de fato
dialogava com as realidades e a cultura nacional.

O nome mais conhecido deste período foi o de Arthur Azevedo. Chegando de


São Luiz do Maranhão, onde nascera, ao Rio de Janeiro, em 1873, com 18 anos de idade,
Azevedo encantou-se com o teatro musicado e, também, como Vasques, percebeu que
este era o caminho de um teatro nacional que dialogava com a população de maneira
firme e intensa. Aliás, ele chegou ao Rio de Janeiro já com uma peça de sucesso que

150
alternava momentos falados com momentos cantados, a graciosa e popularíssima
Amor por anexins, de 1870. Em 1876, adaptou para os costumes nacionais dois grandes
sucessos do Alcazar: La fille de Madame Angot, que ganhou o título de A filha de Maria
Angu e La belle Hélène, com título de Abel, Helena. Ambas foram encenadas por Jacinto
Heller. [...]

FONTE: NEVES, L de o. Ode ao teatro musicado nacional em quatro etapas, um prólogo e um epílogo.
Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 41, p. 1-25, set. 2021.
Disponível em: <https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/20378/13396>. Acesso
em: 21 nov. 2021.

151
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A profissionalização no teatro trata do desenvolvimento de atributos, competências


e habilidades necessárias para o exercício das variadas atividades relacionadas a
produção de espetáculos teatrais, de dança, música ou teatro musicado.

• Em uma época marcada pela presença da comédia de costumes, pelo teatro


de revista, as operetas e as propostas ligadas ao teatro musicado, as habilidades
necessitavam ser múltiplas.

• O movimento modernista promoveu experimentações no campo da arte, porém o


teatro estafa conectado com o objetivo de aperfeiçoar os moldes de sucesso.

• O teatro aprofundou os recursos dramáticos que eram comumente usados nas


produções. Ironia, deboche, tipos sociais e os costumes passaram por renovações,
mas sem modificar os procedimentos. Os diálogos fluentes, habilidade de dança,
canto e atuação eram habilidades básicas.

• O gênero cômico frequentemente era alvo de críticas por parte de críticos de arte. As
críticas apontavam o teatro da época como superficial, excessivamente voltado para
o riso fácil, de apelo popular e objetivava agradar certo público cativo.

• As inovações de Adolphe Appia, em 1895 reverberaram na cena teatral somente


algumas décadas depois, em terras europeias. Em terras brasileiras as inovações
também chegaram somente décadas depois.

• O teatro profissional das décadas de 1920 até 1950 foram décadas de grande prestígio
nos palcos brasileiros que revelaram grandes astros e estrelas de teatro.

• Astros e estrelas ocupavam lugar de destaque com destaque para as figuras


masculinas e as figuras femininas ficavam em segundo plano e até como símbolos
sexuais.

• O teatro contemporâneo questionou os modos de criar teatro, questionamentos em


torno das estruturas dramatúrgicas e implementar modos múltiplos de criar, acessar
e apreciar teatro. A figura do diretor é ressignificada para dar espaço a uma proposta
de trabalho criativo desenvolvido democraticamente ou de modo coletivo.

152
AUTOATIVIDADE
1 Duas palavras eram importantes para pensar a profissionalização de artista da cena.
Uma constituição de atores e atrizes que reunissem habilidades múltiplas, com
capacidade de atuar, dançar, cantar e com capacidade para atuar em comédias e
dramas com versatilidade. Há uma certa subordinação a toda essa iluminação atribuída
a um profissional da cena. Sobre as definições, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As palavras que o texto menciona são Astro e Estrela, que são utilizadas para
definir a posição de destaque dos grandes atores e atrizes do teatro desse período.
b) ( ) As palavras são cinema e história da arte que definiram os processos de criação
teatral e de busca por novos modos de criar arte.
c) ( ) As palavras são cenário e figurinos utilizados em montagens de produções
cinematográficas que surgiram com força nesse período.
d) ( ) As palavras são controle e composição que definiram a cena modernista. O
controle da produção de cenas era uma atitude necessária.

2 Quando pensamos na ideia de astro ou estrela o que pode vir a mente é um elemento
que possui luz própria que pode ser o centro de um sistema interconectado. Neste
sentido, esses termos eram utilizados para definir a posição de alguns atores e atrizes
de destaque. Com base nestes pressupostos, analise as sentenças a seguir:

I- Um artista da cena busca relacionar-se com seu público de maneira a cativar


popularidade e influenciar gostos.
II- Um astro poderia ser associado ao elemento Sol, no sistema solar, anuncia
metaforicamente que o ator ou atriz carrega em sua aura o segredo mágico da
atuação e da cena.
III- A responsabilidade e personalidade estaria na habilidade de comunicação com seu
público, de modo que deveria deter importantes elementos geradores de influência.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 A comédia de costumes no Brasil buscava atender a um modelo específico para


sustentar seus objetivos. De acordo com os objetivos da comédia de costumes,
analise as sentenças a seguir e classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:

153
( ) A comédia de costumes buscava atingir o objetivo de provocar o riso, agradar de
agradar, quanto ao ato de corrigir, através da exposição ao ridículo, diferentes
desvios de conduta.
( ) A comédia de costumes era baseada em textos que surgiam com cenas
improvisadas e de propostas inovadoras de criação como a performance.
( ) A comédia de costumes buscava nos elementos da dança inspiração para criação
de cenas e tornar os espetáculos atrativos para todos os públicos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F.
b) ( ) V – F – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Diante das frequentes caricaturas racistas ao pintarem atores brancos de preto


para representar personagens negros, a Companhia Negra de Revistas representou
importante passo para repensar as questões racistas que a estrutura social e cultural
apresentava. Disserte sobre esta importante companhia teatral, seus feitos e tempo
de atuação no cenário teatral brasileiro.

5 O teatro contemporâneo do pós-modernismo, passava por discussões em torno das


funções de diretor, dos atores e seus processos de criação. As atenções voltaram-
se para o trabalho do ator e o corpo tornou-se elemento importante para pensar
a criação teatral. Neste contexto, disserte sobre as modificações citadas sobre a
transição para a contemporaneidade.

154
REFERÊNCIAS
ANDRADE, O. de. O manifesto antropófago. In: TELES, G. M. Vanguarda
europeia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais
manifestos vanguardistas. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1976. Disponível em: https://
www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf. Acesso em: 16 mar. 2022.

BRAGA, C. Retomada da comédia de costumes. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.


História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da
primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p.
403-416.

BRANDÃO, T. Os grandes astros. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do


teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira
metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 455-478.

COSTA, M. M. da. Uma dramaturgia eclética. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.


História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da
primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p.
335-357.

GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.; LIMA, M. A. de L. Dicionário do teatro brasileiro:


temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva; SESCSP, 2006.

NEVES, L. de Oliveira. Ode ao teatro musicado nacional em quatro etapas, um


prólogo e um epílogo. Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 2, n. 41, p. 1-25, set. 2021.

PAVIS, P. Dicionário de teatro. Trad. sob direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia


Pereira. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.

REIS, A. MARQUES, D. A permanência do teatro cómico e musicado. In:


GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I: das origens
ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva:
Edições SESCSP, 2012. p. 321-334.

TORRES, W. L. T. Os ensaiadores e as encenações. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.


História do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da
primeira metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p.
479-496.

TORRES, W. L. T.; VIEIRA, F. J. Artistas e companhias dramáticas estrangeiras no


Brasil. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do teatro brasileiro, volume I:
das origens ao teatro profissional da primeira metade do século XXI. São Paulo:
Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 388-402.

155
VENEZIANO, N. O teatro de revista. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História
do teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira
metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 436-454.

WERNECK, M. H. A dramaturgia. In: GUINSBURG, J.; FARIA, J. R. História do


teatro brasileiro, volume I: das origens ao teatro profissional da primeira
metade do século XXI. São Paulo: Perspectiva: Edições SESCSP, 2012. p. 417-435.

156
UNIDADE 3 —

O TEATRO CONTEMPORÂNEO
BRASILEIRO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender as características do teatro contemporâneo brasileiro;

• reconhecer elementos e práticas da cena contemporânea;

• identificar grupos e propostas do teatro brasileiro contemporâneo;

• refletir as práticas de atuação e formação dos profissionais da cena.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – TEATRO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS


TÓPICO 2 – TEATRO EXPERIMENTAL
TÓPICO 3 – TEATRO E A EDUCAÇÃO

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

157
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
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UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
TEATRO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS

1 INTRODUÇÃO
O Teatro, como arte da cena, do encontro e do ato de contar histórias, pressupõe
presenças de corpos e narrativas, que podem ser classificadas como comédias, musicais,
dramas entre outras propostas de encenação. Isso por seu caráter de encontro, de ritual
da arte, de possibilidade para o exercício de papéis, sejam sociais ou ficcionais. Este fato
ocorre na possibilidade de estar na posição de espectador ou de profissional da cena.

O ato de criar espetáculos teatrais move estruturas estéticas, políticas e éticas.


O teatro pressupõe engajamento de um coletivo de artistas objetivado a produção de
obras de arte teatrais, para que possam ser apreciadas por um público. Nesse sentido, o
teatro pressupõe a presença de atores que sustentam ações dramáticas para apresentar
determinada história.

Os contextos sociais do período pós-guerra exigiam manifestações artísticas


que expressassem os anseios de outros modos de vida em coletividade e que o encontro
pudesse ser potencializado, humanizado e assim intensificar corpos em relação. As
pesquisas em arte da cena avançaram; e teorias ou práticas em torno do teatro avançaram
para territórios da construção, resultando as novas possibilidades artísticas. Assim, surgiram
novas propostas de recepção, ou seja, tornou-se possível estabelecer outras relações entre
a cena e o espectador, entre atores e plateia, entre artistas da cena e sociedade.

Na perspectiva do encontro, os artistas da cena não mais representam: eles


apresentam-se, expõem a ação dramática, criando outros conceitos para a atuação,
bem como outras práticas. Nasce um teatro do corpo, de um gesto conectado com o
observador, de uma cena que nasce da relação entre obra e público. A noção de ator
performer traz para a cena um corpo que está fundamentado na própria estrutura
sensível e não apenas nos textos dramatúrgicos. Nesse contexto, a Unidade 1 trouxe
um teatro conectado com mobilizações sociais e o desenvolvimento de propostas que
buscam pensar a arte e sociedade, seus papéis e modos de organização.

Tendo como essencial, para que a arte dramática ocorra, o encontro que revela
a obra para o espectador passou por modificações significativas. Pesquisadores como
Augusto Boal (1931-2009) surgem com força para propor um teatro que repense as relações
sociais em ações dramatizadas que tentavam diluir os limites entre obra e espectador,
entre atores e a plateia, entre a cena e o olhar do observador. Assim, seguiremos os estudos
pensando em propostas de pesquisa teatral que nasceram em grupos teatrais brasileiros.

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2 TEATRO, EXPERIMENTAÇÕES E PESQUISA TEATRAL
Com o intenso desenvolvimento do teatro musicado, das comédias e do
entretenimento, surgiram movimentos que buscavam estabelecer novas propostas na
criação de arte teatral ou de propor uma cena voltada para princípios da arte vanguardista.
Em 1953, na cidade de São Paulo, foi fundado por José Renato Pécora (1926-2011), na
época, diretor teatral recém-formado pela EAD (Escola de Arte Dramática), o Teatro de
Arena. A proposta era inspirada em modelos norte-americanos com uma estrutura de
palco sem proscênio, circular e com área de encenação que poderia ser vista por todos
os lados. Esse modelo assemelhava-se a uma arena e poderia ser adaptado conforme
as necessidades da encenação.

O que facilitava o uso dessa proposta era a versatilidade do espaço e a economia


em criar espetáculos. Outro fator era modernizar o ato de apreciar teatro estando frente
a frente com a plateia e os modos de criar espetáculos que necessitariam uma estética
que consideraria espectadores por todos os lados. Essa nova estética da encenação
brasileira propunha um teatro que acentuava a conexão entre espectador e a obra.
O Teatro de Arena, provisoriamente sediado no Museu de Arte Moderna, mudou-
se posteriormente para o endereço que permaneceu definitivamente no bairro da
Consolação, nas proximidades do cetro de São Paulo (BETTI, 2013a).

FIGURA 1 – FACHADA DO TEATRO DE ARENA QUE EXISTE AINDA A ATUALIDADE

FONTE: <https://bit.ly/3thSW6W>. Acesso em: 11 jan. 2022.

O Teatro de Arena passou a produzir espetáculos que pudessem ao mesmo


tempo ter baixo custo de montagem e que pudessem ter sucesso comercial. O desejo
de encenar textos brasileiros estava presente nas intenções do Teatro de Arena,
porém esse feito veio com a montagem Judas em Sábado de Aleluia, de Martins
Pena. A implementação da alternância de produções nacionais e internacionais trouxe
para o panorama do teatro brasileiro certa versatilidade e apelo para a valorização de
produtos nacionais. As produções teatrais passaram a circular por espaços até então

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pouco frequentados, como fábricas, clubes, escolas e locais onde a produção pudesse
ser exibida. Esse feito rompeu com a tradição de exibir espetáculos em espaços
convencionais e ampliava consideravelmente o acesso ao trabalho artístico do grupo
em questão, fazendo assim que as peças pudessem estar diretamente em contato com
diferentes públicos (BETTI, 2013a).

FIGURA 2 – PALCO DO TEATRO DE ARENA

FONTE: <https://bit.ly/3KNYUCb>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Quando o grupo passou a ter uma sede definitiva, a circulação dos espetáculos
foi menor e outras ações puderam ser implementadas para o acesso e apreciação de
arte teatral. “Apesar disso, a ideia de atingir públicos de outras classes sociais havia sido
uma das necessidades sentidas desde o início, e não desapareceria da pauta interna
de discussões do Arena, mesmo porque o grupo ainda estava longe de chegar a uma
posição clara a respeito" (BETTI, 2013a, p. 176). A companhia passa a ter popularidade e
integrantes do Teatro Paulista do Estudante (TPE), em 1955, passam a fazer parte das
produções do Teatro de Arena e esse fato influencia diretamente na instauração de
posicionamentos políticos o que passa a parecer em suas produções teatrais. Esse fato
altera radicalmente a linha de produção do Teatro de Arena intensificando a busca por
uma discussão ligada a questões políticas.

O TPE foi importante para a instauração de uma proposta teatral engajada


com questões coletivas e sociais. Conhecer o TPE é tomar conhecimento das ações
de militância estudantil conectadas por meio do Teatro. Em 1955, foi fundado o TPE
conectado com a militância estudantil e com o Partido Comunista Brasileiro. Os
estudantes estavam conectados com a União da Juventude Comunista. Quem estava
à frente do TPE era por Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (1936-1974), Vera Gertel,
Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), Diorandy Vianna, Raymundo Duprat e Pedro Paulo

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Uzeda Moreira. O TPE possuía como objetivo uma ação cultural que utilizasse o teatro
como meio para provocar discussões ideológicas não pensando em profissionalização
de seus artistas (BETTI, 2013a)

FIGURA 3 – RETRATO DE ODUVALDO VIANNA FILHO, O VIANINHA

FONTE: <https://bit.ly/3wcthy9>. Acesso em: 11 jan. 2022.

O crescimento dos movimentos estudantis, como a União Metropolitana


de Estudantes Secundários e a União da Juventude Comunista a participação de
integrantes destes movimentos em produções culturais passou a intensificar-se. Desta
maneira, consolida-se a potência da arte teatral para a luta de melhores condições
sociais ou pautas conectadas com questões de interesse coletivo. Com a intensificação
das produções teatrais e as parcerias que o Teatro de Arena buscou firmar, os atores
perceberam a necessidade de buscar profissionalização para que suas produções
pudessem alcançar certa qualidade profissional (BETTI, 2013a).

O texto teatral ainda era considerado como prioridade e apelos emocionais eram
recursos para estabelecer maior conexão com o espectador. Esse recurso conectado
com ações precisas de abordar temas pertinentes as discussões coletivas levariam a
organização de setores da cultura engajarem-se no movimento de modo que em 1960
organizou-se o Centro Popular de Cultura, o CPC. As transformações nas práticas
teatrais não foram instantâneas pois resultaram de parcerias, discussões e intensas
pesquisas de um teatro voltado para discutir questões de ordem social.

A própria organização do Teatro de Arena era uma espécie de trabalho coletivo


em que as tarefas eras realizadas de maneira democrática. Este aspecto pode ter
definido novas propostas de busca por modos de organizar, implementar e gerenciar as
atividades de um grupo teatral. Os processos de criação e concepção dos espetáculos
passavam por abordagens inovadoras. Estética da cena modificava-se na medida que os
encenadores ousavam experimentar possibilidades a parceria com grupos conectados a
militância promoveu abordagens estéticas diferenciadas na medida que as montagens,
mesmo de textos estrangeiros, apresentavam variações que traduziam os anseios do
Teatro de Arena (BETTI, 2013a).
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A peça “Margem da Vida, escrita por Tennessee Williams em 1944 e apresentada
no Teatro Municipal de São Paulo, em 1947, pelo Grupo Experimental de Teatro, com
direção de Alfredo Mesquita, teve, no Arena, soluções bastante diferentes” (BETTI, 2013a,
p. 177, grifo nosso). Isso significa que o Teatro de Arena, além de ser um grupo com uma
proposta teatral inovadora, permitia que outras montagens pudessem ser exibidas em
seus espaços. A modificação de destaque na montagem mencionada, foi de que vários
espaços de cenas foram condensados em único espaço.

FIGURA 4 – REGISTRO DO ESPETÁCULO ELES NÃO USAM BLACK-TIE, 1958

FONTE: <https://bit.ly/3tbLPN7>. Acesso em: 13 dez. 2021.

O Teatro de Arena estabeleceu certa liberdade tanto para o encenador no que


se refere a adaptações textuais quanto para o espaço de cena. Outro espetáculo que
recebeu adaptações foi Escola de Maridos de Molière, exibida em 1955. O espetáculo
apresentava inovações quanto aos modos de conceber as marcações dos atores
e interações. Esse espetáculo apresentava recursos como uma marcação de cena
inspirada em jogo de amarelinha, com todos os atores do elenco no palco em todo o
espetáculo e participação dos figurantes com falas que interligavam as cenas.

Outra importante produção do Teatro de Arena que marcou o cenário do novo


teatro brasileiro da época foi o espetáculo Eles Não Usam Black-Tie, encenado no ano de
1958. Essa proposta buscava apresentar um universo familiar afetado por movimentos
revolucionários.

Com texto de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), direção de José Renato


e trilha sonora de Adoniram Barbosa e Guerra-Peixe, o espetáculo insere o Teatro de
Arena no circuito de novas dramaturgias e o destaque e Gianfrancesco Guarnieri serviu
e inspiração para outros jovens dramaturgos brasileiros. O espetáculo apresentava a
realidade precária de uma família em que o jovem Tião, representado por Gianfrancesco
Guarnieri – nesta produção foi autor e ator – descobre que sua namorada está grávida
e marcam o casamento em meio a turbulências sociais. O pai de Tião, como um líder
sindical de atuação considerável, participa do movimento revolucionário e acaba preso.

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Tião resolve desistir da greve e responsabiliza a precária situação da família a atitude
militante de seu pai. O desfecho é dramático, pois Tião entra em conflito com toda a
família e acaba abandonado pela companheira (BETTI, 2013a).

FIGURA 5 – RETRATO DO ATOR GIANFRANCESCO GUARNIERI

FONTE: <https://bit.ly/3IhUxxM>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Este espetáculo foi transposto para o cinema em anos posteriores (1981),


com atuação de Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro, plantou algumas
sementes de luta popular que, tempos depois, Oduvaldo Vianna Filho viria a comandar
um movimento cultural para a politização e discussões de melhores condições sociais.
O Teatro de Arena produziu ainda espetáculos como: Chapetuba Futebol Clube, de
Oduvaldo Vianna Filho; Quarto de Empregada, de Roberto Freire (1927-2008); Fogo Frio,
de Benedito Ruy Barbosa.

Algumas iniciativas da época mesmo no Teatro de Arena buscavam inovar


e trazer para a cena propostas de montagens cênicas que rompessem com padrões
hegemônicos. Esse fato foi importante para que outros grupos pudessem buscar
pesquisar novos modos de encenações e de concepções de espetáculos. Esse fato
ocorreu com a contínua produção de espetáculos, mesmo parecendo que o Teatro de
Arena experimentasse uma proposta que o isolava do teatro que estava em alta na
época. Depois de algum tempo inovações no campo da produção de teatro passou a ser
uma prática constante e com potência para concretizar essas inovações como propostas
estéticas que germinaram as propostas do teatro contemporâneo (BETTI, 2013a)

Adiante, seguiremos com práticas coletivas que buscavam intensificar a


politização dos movimentos teatrais.

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3 RESISTÊNCIA E POLITIZAÇÃO POR MEIO DO TEATRO
Uma proposta de que buscava implementar um teatro voltado para ações
consideradas revolucionárias foi a criação do Centro Popular de Cultura (CPC), em 1962,
na cidade do Rio de Janeiro. Um grupo de intelectuais ligados a ideologias de esquerda
e associados com a União Nacional dos Estudantes UNE, criaram o CPC com intenções
de divulgar uma arte que pudesse ser popular e ao mesmo tempo revolucionária.
Esse grupo foi importante para propor a criação de espetáculos teatrais que fossem
preocupados com ideologias políticas progressistas e inovadoras (BETTI, 2013a).

O CPC era composto por intelectuais como Oduvaldo Viana Filho, pelo cineasta
Leon Hirszman e pelo sociólogo Carlos Estevam Martins. Por meio de um manifesto, em
1962, divulgaram os objetivos da criação do CPC e implementaram a montagem de um
espetáculo cujo texto havia sido escrito por Oduvaldo Viana Filho, em 1960, ao se afastar
do Teatro de Arena de São Paulo. O título desse texto era A Mais-Valia Vai Acabar, seu
Edgar. O texto propunha inovações, como a inserção radical de um apelo épico, aquele
que descarta forte apelo ao emocional ou a identificações emocionais, para conectar-se
ao espetáculo por meio de situações que simulam um contexto social real.

FIGURA 6 – CENA DO ESPETÁCULO A MAIS-VALIA VAI ACABAR, SEU EDGAR, 1960 ACERVO CEDOC/FUNARTE

FONTE: <https://bit.ly/3KJ2e1m>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Esse modo de criar teatro buscava provocar o espectador a sair da zona


confortável de observador e assumisse uma posição ativa, agente transformador de
realidades e capaz de construir uma visão crítica em torno do mundo e dos valores
sociais. No texto mencionado, encenado pelo CPC, tanto a dramaturgia quanto a
concepção das cenas contavam com recursos como personagens que representavam
classes sociais e o andamento do espetáculo provocava discussões em torno do sistema
capitalista, acúmulo de riquezas e da exploração da mão de obra dos trabalhadores.
Essa abordagem permitia que as cenas apresentadas tivessem o foco central na
discussão dos motivos que originavam a desigualdade social, a miséria e as estruturas
que tornavam os problemas sociais uma realidade doentia ou crônica.

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Os recursos utilizados eram considerados radicais e antidramáticos como
“[...] projeções de slides, cartazes, canções, efeitos de desnaturalização interpretativa
e cenográfica, humor e técnicas circenses e de teatro de revista), a peça procurava
superar as contradições detectadas por Vianna no trabalho dramatúrgico produzido
dentro do Arena” [...] (BETTI, 2013a, p. 185).

Nesse sentido, o teatro de Brecht influenciou amplamente as abordagens que


questionava as estruturas sociais e propunha o rompimento da dita quarta parede,
prática em encenação que considerava o espectador como encenador passivo, sem
poder interagir, como alguém observando uma pintura em movimento.

O teatro Épico de Brecht traz para a cena técnicas que estão na dimensão do
trabalho do ator para causar certo desconforto no espectador. O termo épico está ligado
aos moldes clássicos em que os textos dramatúrgicos eram divididos em prólogo, texto
dramatúrgico e epilogo. O drama estava submetido aos atores e seus textos e as demais
partes executadas pelo ator-narrador, pelo coro ou somente por um narrador Brecht
traz esse recurso para fazer com que o espectador perceba certo estranhamento, de
modo que não configura uma distância, mas um modo de mobilizar os espectadores
a refletirem em torno de condições sociais, ideologias coletivas ou outras questões
relacionadas a estrutura socioeconômica. Para isso, o ator pode interromper a atuação
para se comunicar com o público (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006).

O espetáculo teve a direção de Chico de Assis (1933-2015), que buscava instaurar


um teatro político no Brasil baseado na compreensão das estruturas de exploração pelo
capitalismo e como superar essa condição. Os ensaios desse trabalho eram realizados
na Arena da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro e
permitia que espectadores pudessem acompanhar o processo. Esse processo reuniu
interessados de diferentes áreas da arte e da academia endossando um movimento de
politização por meio da cultura e da arte (BETTI, 2013a).

Esse espetáculo foi um marco nos modos de criar artes cênicas de modo que
propunha rompimentos com as formas hegemônicas do drama que era produzido nos
palcos da época em que predominavam conflitos de ordem doméstica e de temas de
ordem individual. Essa abordagem modificada o foco das produções do micro, para o
macro, do individual para o coletivo. Para esse enorme feito que anunciava um teatro
que pudesse romper com modos predominantes com objetivos voltados para a geração
de proventos financeiros, Vianinha investiu em novas produções, considerando o
sucesso da produção mencionada.

A produção seguinte de Vianinha, chamava-se Desgraçado. Essa produção


reunia humor radiofônico e sátira política para contar a história de um trabalhador que
investigava as origens dos lucros, as causas de tanta miséria na busca por desvendar
como ocorria todas as bases de exploração do trabalho e manutenção das relações
capitalistas. Esse personagem estabelecia uma análise em cena de como ocorriam as

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relações de exploração da força de trabalho e que o produto produzido pelo trabalhador
possuía alto valor. Essa abordagem estava alicerçada em pressupostos conectados
com teorias marxistas (BETTI, 2013a).

Com a repercussão desse feito, Vianinha contatou órgãos nacionais instaurados


para discutir os projetos de desenvolvimento econômico do Brasil implementados pelo
presidente Café Filho. O ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) objetivava pensar
a identidade nacional de um povo considerado sujeito político, ou seja, considerado
agente histórico e político.

O autor ligado ao PCB, um partido político, buscava extrapolar certo isolamento


em que suas produções estavam destinadas e buscar disseminar os ideais que
defendiam um nacionalismo, democracia e modos de desenvolver uma revolução social
provocada pela cultura e arte.

As conexões com o PCB deram suporte para que o autor citado aqui e os
demais artistas da cena pudessem formular propostas artísticas baseadas em conceitos
originados das vertentes marxistas, comunistas e que propunham reformular as relações
sociais. Essa intensa ligação com ideais políticos constituiu o CPC como um projeto que
fomentou ideias conectadas com sentidos nacionais e populares que também eram
propósitos de partidos da esquerda.

Esse projeto agrupava diversos profissionais de diferentes áreas o que produzia uma
dinâmica flexível nos procedimentos de criação de teatro. Nesse sentido, os profissionais
que integravam o CPC, também eram membros do PCB o que pode explicar as afinidades
entre as pautas adotadas por ambas as instituições. As estratégias de luta de uma esfera
eram também desenvolvidas, por meio do teatro, em outra esfera (BETTI, 2013a).

Abordar discussões sobre as lutas de classes e seus mecanismos de submissão


aos esquemas capitalistas foi amplamente explorada nas produções do CPC. Essa
atitude política pretendia construir uma cultura coletiva que pudesse lutar contra
uma estrutura do proletariado em um sistema capitalista. Para tanto, Vianinha atacou
o realismo dramático que era prática do Teatro de Arena, que apenas apresentava
contradições de um sistema para inserir efetivamente uma abordagem que focavam
nas causas que geram os aspectos sociais conectados com problemáticas sociais.

Havia a necessidade de estruturar uma proposta cênica que permitisse aberturas


na própria linguagem teatral praticada na época rompendo com a representação
baseada no indivíduo ou em relações domésticas, para avançar em aspectos inerentes a
coletividade. Neste sentido, o grupo, além das discussões que o PCB gerava, buscou em
referenciais como o teatro de Brecht, ainda pouco conhecido, para propor uma estética
teatral tratada como revolucionária. No espetáculo A Mais-valia, rompia efetivamente com
padrões teatrais ao inserir elementos alegóricos que pulsavam quando postos em cena
simbolizando forças exteriores que, em suas relações, provocavam análise, pensamento
crítico e tomada de decisões frente a situações construídas historicamente (BETTI, 2013a).

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Quando Vianna resolve desligar-se do Teatro de Arena estava vislumbrando a
necessidade de fazer com que seu trabalho pudesse chegar ao público popular ou a maior
número possível de espectadores. O proletariado e suas relações receberam destaque
nas produções com textos críticos e reflexivos, abordagem que anteriormente não estava
presente nas encenações por apresentarem universos individuais de famílias da época.

Um fator a ser destacado é que as plateias que frequentavam os espetáculos


eram compostas por estudantes universitários, esse fato permitia maior conexão com
os temas propostos, gerando discussões significativas. Um desafio que se apresentava
como algo a ser implementado era acessar as obras produzidas para as classes populares
ou às camadas da sociedade que estavam representadas nos palcos.

Depois da saída do Teatro de Arena, Vianinha contribuiu para diversas iniciativas


conectadas com um teatro engajado, com grupos amadores e principalmente com Chico
de Assis e a montagem que estava desenvolvendo com o Teatro Jovem. Esse grupo foi
base para a montagem em 1960, A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, de Oduvaldo Vianna
Filho, mencionado anteriormente, e que impulsionou a criação de Centro Popular de
Cultura. O CPC, em 1962 estaria unificando forças filiando-se à UNE (União Nacional dos
Estudantes) como importante órgão cultural que compunha o movimento estudantil.

Os espetáculos com abordagem política, além de configurarem espaços


inovadores para que a cena teatral ocorresse, buscavam implementar recursos que
posteriormente seriam tratados como importantes possiblidades da arte contemporânea.
As propostas encenadas que ocupavam os espaços da Faculdade de Arquitetura da
Universidade do Brasil buscavam explorar grandes cenários, presença de elementos
tecnológicos como projeção de filmes e com trilha sonora, que era executada ao vivo
estabelecendo conexões intensas com o espectador. Quanto à estrutura dramatúrgica,
os encenadores não abandonaram a experiência de uma tradição do teatro revisteiro e
adotaram aspectos como as músicas, que embalavam cenas parodiadas de musicais
norte-americanos cinematográficos. Os episódios eram compostos por esquetes
permeadas de humor que explicitavam as relações que o capitalismo estabelecia para
garantir a acumulação de riquezas e definir a mais-valia (BETTI, 2013a).

O intenso movimento artístico e político que permitiu que os mais diversificados


espectadores pudessem participar de forma ativa das discussões artísticas, políticas e
estéticas fortaleceu o Centro Popular de Cultura (CPC) e a União Nacional dos Estudantes
(UNE), de modo que toda essa articulação definiu as diversas abordagens executadas e
a organização dos trabalhos por departamentos, de acordo com as linguagens artísticas
e seus territórios ou abrangências. Os departamentos de teatro e cinema surgiram como
ação pioneira. Esse departamento fomentou a produção de dramaturgias brasileiras,
baseadas no teatro épico, e a intensificação do interesse em representar a classe dos
trabalhadores permaneceram vivos (BETTI, 2013a).

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FIGURA 7 – CENA DO ESPETÁCULO REVOLUÇÃO DA AMÉRICA DO SUL

FONTE: <https://bit.ly/3KNPUNr>. Acesso em: 11 jan. 2022.

A montagem de Revolução da América do Sul do teatrólogo Augusto Boal,


em 1960, foi consequência de movimentações políticas e artísticas. Assim como
em A Mais-Valia..., de Vianinha, o personagem José da Silva, como protagonista do
espetáculo Revolução da América do Sul, passava por situações de exploração pelo
sistema capitalista e somente o espectador estabelece uma posição reflexiva diante
da trama. Para o personagem, a situação parece incompreensível. Essa abordagem
pode ser associada a um texto famoso de Brecht chamado A Alma Boa de Set Suam,
apresentando um final em aberto que permitia o espectador criar o desfecho que sua
reflexão ou conclusões, ao apreciar a encenação, pudesse suscitar.

Quando Augusto Boal escreve a Revolução da América do Sul, alguns dos


textos de teoria de Bertold Brecht começaram a circular por meio de traduções para
o espanhol e francês abrindo caminhos para a compreensão dos princípios do teatro
brechtiano. Os dois textos forma decisivos para avanços nas discussões em torno de
um teatro político e de engajamento nas iniciativas que politizaram a comunidade da
época. A Revolução na América do Sul de Augusto Boal e A Mais-Valia Vai Acabar, Seu
Edgar e Vianinha, tiveram importante papel na inauguração de um teatro experimental
que pusesse em prática as concepções de teatro épico. Esse fato impulsionou um teatro
baseado em uma linha política que retratava os ideais de Berthold Brecht (BETTI, 2013a).

Paralelamente a disseminação do teatro épico de Brecht, as propostas políticas


de outro expoente do teatro, chamado de Erwin Piscator (1893-1966). O chamado Teatro
Político de Piscator foram bases para ambas as montagens citadas anteriormente e
que, tanto o teatro de Brecht quanto de Piscator influenciaram no desenvolvimento
das propostas do Teatro do Oprimido, que foi amplamente desenvolvido posteriormente.
Esses fatos construíram um teor político para as produções de modo que não operavam
somente como temática dos textos dramatúrgicos, mas como fatos que eram construídos
historicamente sob uma perspectiva capitalista e que os problemas abordados eram
resultantes de processos históricos e culturais passíveis de modificações (BETTI, 2013a).

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As duas montagens, mencionadas anteriormente, possuíam distinções, mas
também pontos de convergência. Cenas que apresentavam fatores que perpetuavam a
miséria e as estratégias de um sistema que garantia a exploração dos envolvidos. Em A
Mais-Valia... ocorria um processo de desvendamento crítico do processo de exploração,
de modo que ao mesmo tempo que os personagens exerciam o papel de mobilizador, de
um modo específico de raciocínio, que proporcionava a transformação dos personagens,
sugerindo a transformação dos que apreciavam a obra. Esse aspecto poderia ser potente
no sentido de provocar às multidões de espectadores a se assumirem revolucionários e
criadores de suas realidades (BETTI, 2013a).

Outra montagem do Teatro de Arena que deu continuidade ao teatro politizado e


com discussões sociais foi a estreia, em 1962 de e Os Fuzis da Sra. Carrar, do dramaturgo
Berthold Brecht, que foi encenada nos palcos do Teatro de Arena. Essa montagem não
atingiu grande sucesso e impulsionou o grupo a buscar novas possibilidades e a se
estruturar financeiramente.

Uma ação foi buscar textos de dramaturgos brasileiros como Guarnieri para
que pudessem ser encenados. Logo depois a essa fase, a companhia passou a buscar
nos textos europeus consagrados para continuar a fomentar o caráter popular das
encenações e temas.

Essa nova fase do teatro brasileiro contou com montagens como A Mandrágora,
de Maquiavel, sob a direção de Augusto Boal. Após, esse feito uma peça de Lope de Veja,
chamada O Melhor Juiz do Rei, foi adaptada por três jovens dramaturgos: Boal, Guarnieri
e o jovem ator Paulo José. Essas duas produções influenciaram o pensamento de Boal
quando desenvolveu a proposta do Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas que
discutiremos a seguir.

A proposta inovadora destas montagens era adaptar as tramas de dramaturgias


clássicas consideradas obras eruditas para uma perspectiva popular ou do povo, tratava-
se de um processo de nacionalizar os textos para que o povo pudesse estabelecer
conexões intensificadas.

Essa ação não era somete realizar uma tradução textual ou cênica, mas
inserir nas tramas questões pertinentes ao contexto social e político. Essa abordagem
adaptativa mostrou-se eficiente ao combinar a estética clássica e uma elaboração
cênica que provocasse reflexão crítica no espectador (BETTI, 2013a).

Em 1964, essa tendência foi interrompida com a montagem de um texto de


Guarnieri, chamada de O Filho do Cão. Essa montagem retomava a ideia de encenar
dramaturgias brasileiras permeadas por questões socioculturais. A cenografia concebida
por Flávio Império era composta por elementos que remetiam ao teatro elizabetano, o
que oferecia expressividade ao espetáculo.

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Ainda no mesmo ano, Augusto Boal, retoma a iniciativa de montar textos
dramatúrgicos de autores internacionais que pudessem contribuir para as discussões
dos contextos sociais. Boal monta O Tartufo de Molière, e essa seria a última montagem
a apresentar essa abordagem.

As produções que estrearam nos anos seguintes seguiram uma linha de


protesto, de crítica aos fatos sociais e de caráter experimental. Esses trabalhos foram
base para que uma série de trabalhos desenvolvidos em 1965 e 1971 em série intitulados
de “Arena Conta...”, que buscava a combinação de recursos narrativos e papéis que
poderiam ser alternados (BETTI, 2013a).

FIGURA 8 – CENA DO ESPETÁCULO O FILHO DO CÃO

FONTE: <https://bit.ly/3Ii1oY3>. Acesso em: 21 jan. 2022.

As técnicas inovadoras de Boal seguiam um sistema nomeado por ele de sistema


coringa, que previa uma saída para montar peças com elenco reduzido, rompendo com
estruturas dramatúrgicas tradicionais na alternância de papéis, buscando reflexões
críticas e abordagens épicas. Com o golpe militar de 1964, o público se reduziu; as
produções iniciaram tempos de censura e os artistas foram perseguidos pelo regime.
Esse fato afetou profundamente a produção de teatro no Brasil de modo que os atos de
resistência eram comuns. Em 1965, o primeiro experimento usando o método do Coringa
se deu com o trabalho Arena Conta Zumbi, montado pelo Teatro de Arena. Na cidade
do Rio de Janeiro, Boal monta Opinião, uma espécie de colagem de quadros musicais,
notícias jornalísticas, trechos de livros, cenas esquematizadas por meio de três planos de
realidade criados em cena contando com a participação de Nara Leão (1942-1989), que
representava a classe média intelectualizada, João do Vale (1934-1996), representava o
migrante nordestino e Zé Kéti (1921-1999) era o sambista de morro (BETTI, 2013a).

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Um coletivo de artistas é criado para desenvolver um trabalho mais complexo.
Zumbi foi uma espécie de retrato da história do Brasil não contado pelos relatos
oficiais. Esse trabalho buscava expor a luta de povos quilombolas em Palmares em
uma constante resistência ao sistema escravagista. O Teatro de Arena passava por
dificuldades financeiras e foi obrigado a reduzir elenco e a alternativa para este trabalho
foi realizar uma espécie de seminário dramatizado com a participação de apenas oito
atores que representam todos os personagens da proposta. Um ator exercia o papel
de coringa na narração ou na interligação dos fatos, aparentando um narrador que
contava e observava a história e organizava o andamento dos acontecimentos como
um professor historiador.

Os efeitos de passagens das cenas eram causados pelo emprego de sonoplastia


com certo lirismo e a direção do espetáculo ficou por conta de três grandes artistas da
cena: Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) e Edu Lobo (1943).

Com todas as inovações que o CPC, sua estrutura para produção de espetáculos
que pudesses chegar até a classes que eram exploradas economicamente e que não
tinham acesso a produtos culturais, o período de ditadura militar reprimiu o movimento
cultural da época de modo que muitos grupos foram coagidos a encerrarem suas
atividades. O CPC ainda vislumbrava desafios importantes para expandir o acesso e
disseminação da arte teatral para o maior número de pessoas possível, principalmente
para uma classe massacrada pelas relações estabelecidas pelo sistema capitalista
(BETTI, 2013a).

Três dimensões desafiadoras estavam presentes no percurso do CPC. O primeiro


estrava conectado com o acesso aos produtos cênicos criados. A dificuldade estava
em levar as produções para espaços abertos, centrais sindicais, empresas, estações
de transporte, regiões periféricas ou comunidades precarizadas. Levar um espetáculo
de teatro para um espaço alternativo exigia uma estrutura mínima para que a peça
teatral pudesse acontecer, e levar teatro até o público necessitaria de uma estrutura.
Um segundo desafio estava na dimensão estética e ética por não ter repertório teatral
desenvolvido para que pudesse ser acessado ao público, conforme a necessidade
de cada contexto social ou de cada localidade. E o terceiro desafio enfrentado pelo
CPC, foi de ordem política, por necessitar de consistência crítico-teórica para abordar
os acontecimentos históricos, econômicos em uma estrutura social marcada pela
desigualdade econômica e, desses aspectos, criar espetáculos teatrais ou provocar
discussões para a transformação social (BETTI, 2013a).

172
FIGURA 9 – CAPA DE DISCO COM MÚSICAS LANÇADAS PELO CPC

FONTE: <https://bit.ly/3u3SLeA>. Acesso em: 21 jan. 2022.

Nos anos de existência, o CPC construiu um legado que influenciou outros


grupos teatrais a resistirem aos duros golpes desferidos pelo governo ditatorial durante
o regime que se instaurou na década de 1960.

Em linhas gerais, o CPC deixou iniciativas que contribuíram para o


desenvolvimento de práticas ligadas ao do teatro de rua que pudesse causar agitação
e transformação social e da experimentação de possibilidades inovadoras quanto
a um teatro que estava ligado aos movimentos políticos. Desse período surgiria a
movimentação para o desenvolvimento de um teatro produzido de forma coletiva, em
todas as instâncias criativas. O teatro resistiu aos tempos de repressão implementado
pelo regime militar e com força.

4 O TEATRO DE AUGUSTO BOAL


Augusto Boal (1931-2009) foi um importante diretor, pesquisador, estudiosos e
artista da cena que propôs abordagens tanto metodológicas de pensar o teatro, quanto
nos modos de acessar a arte teatral. Boal foi um dos dramaturgos que se dedicou para
o desenvolvimento de um teatro com características brasileiras. Sua carreira iniciou no
Teatro Arena até evoluir para a criação do Teatro do Oprimido, abordagem teórico-prática
que tornou Boal conhecido mundialmente. A principal intenção de Boal era desenvolver
um teatro que ao mesmo tempo que traduzisse a realidade brasileira, pudesse mobilizar
noções da opressão que as classes sociais estão submetidas diariamente.

O Teatro do Oprimido abarcava uma dimensão social e política ao propor que


os espectadores pudessem ser ao mesmo tempo, observadores e atuantes, em suas
propostas teatrais. Conectado com o Teatro Épico de Brecht ou Teatro Didático, a
Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e princípios marxistas e até comunistas, Boal

173
buscou formular um modo de pensar o teatro que oferecesse aos participantes, sejam
eles artistas ou público, instrumentos para transformar sua própria realidade. O teatro
deveria estar à serviço das questões sociais, como meio de apresentar situações
problema buscando soluções no âmbito coletivo para tais discussões.

DICA
Conheça a cronologia e a biografia de Augusto Boal e sua trajetória de artista
da cena. Boal é considerado um dos mais importantes pesquisadores de
teatro do Brasil. Acesse: http://augustoboal.com.br/vida-e-obra/.

O trabalho de Boal no teatro brasileiro é importante para entendermos a


constituição cultural, e os modos de manifestações teatrais de uma época que os
movimentos sociais marcaram um período de lutas por direitos de classes vulneráveis,
intensificando a resistência dos grupos de artistas diante do regime repressor em
que o Brasil foi mergulhado com a implantação da ditadura militar. Seus livros foram
publicados em diversas línguas e países e seu trabalho recebeu ao longo de sua vida,
inúmeros prêmios.

FIGURA 10 – RETRATO DE AUGUSTO BOAL

FONTE: <https://bit.ly/3JjmWEO>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Quando Boal retorna de seus estudos nos Estados Unidos, no Actors Studio, em
Nova York, foi indicado por Sábato Magaldi a integrar o Teatro de Arena. O Arena estava
estruturando suas propostas para que pudessem atingir seus objetivos. O dirigente
José Renato sentia que estava sobrecarregado e desejava fazer parcerias para que
pudesse dividir as atividades que desempenhava na direção de espetáculos, questões
administrativas e atividades ligadas a antiga TV Tupi de São Paulo (BETTI, 2013a).

174
O primeiro trabalho de Boal no Teatro de Arena foi uma novela intitulada Ratos
e Homens, do dramaturgo John Steinbeck. Boal propôs uma abordagem de atuação
que partia dos princípios de Constantin Stanislávski (1863-1938), com isso, o diretor
ofereceu ao espetáculo certa naturalidade no que se refere a interpretação, apoiada
em expressar psicologicamente as características dos personagens e a memória
emotiva como fonte de criação deles. A proposta foi aceita de maneira satisfatória
pelos espectadores e pelos críticos da época, mas Boal buscou dramaturgias brasileiras
que não fossem o repertório tradicional repleto de comédias de costumes, dramas
específicos ou produções coactadas com os musicais. A opção foi buscar contos de
autores brasileiros e adaptá-los para serem encenados.

FIGURA 11 – RETRATO CONSTANTIN STANISLAVSKI

FONTE: <https://bit.ly/3iay4b4>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Diante deste desafio, Boal encontrou alguns contos e tentou adaptá-los para o
teatro, mas o sucesso esperado não ocorreu. Permanecia a necessidade de criar textos
dramatúrgicos e de oferecer formação para atores e atrizes que pudesse atender aos ideais
que Boal estava elaborando. Para isso o estudioso buscou em sua experiência de estágio no
Actors Studio para elaborar um Curso Prático de Dramaturgia que teve início em 1956. Esse
curso foi decisivo para que a renovação dramatúrgica ocorresse. Depois de implementar
esse curso para que novos dramaturgos pudessem escrever textos para um teatro em
desenvolvimento, Boal implementou o Laboratório de Interpretação. Nessa iniciativa o
pesquisador aplicou técnicas originadas nas pesquisas de Stanislavski que experimentou
no Actors Studio. Essa proposta buscava experimentar o desenvolvimento do trabalho de
atuação baseado em caracterização psicológica das personagens (BETTI, 2013a).

O Curso de Dramaturgia mostrou a carência em criar outras iniciativas formativas


na área teatral. Boal criou, então, o Curso Prático de Teatro oferecido para todos que
tivessem interesse em estudar teatro. Nesse curso atuaram Décio de Almeida Prado,
com aulas de Estética, e Sábato Magaldi, convidado para ministrar aulas de História do

175
Teatro. Dentro das atividades de formação oferecidas, Boal implementou seminários
temáticos, discussões, aprofundamentos e laboratórios específicos para aprofundar
temas ou teorias teatrais. Neste contexto de formação artística e discussão de novas
estéticas teatrais, o TPE encontrou território repleto de possibilidades para a politização
teatral e as modificações que o Teatro de Arena implementou.

Nesse período, antes da década de 1960, o Teatro de Arena passou por


dificuldades financeiras para manter suas atividades. Para tentar recuperar, José Renato
buscou montar espetáculos leves e com certa elaboração das cenas para que pudesse
atrair o maior público possível. Os espetáculos montados nesse período conseguiram
bons resultados artísticos, mas não resolveram as crises que se instauravam no Arena.
Para poderem se recuperar tentaram encenar textos de dramaturgos que colaboravam
com o Teatro de Arena. Em 1957 estrearam Marido Magro, Mulher Chata com texto de
Boal e, no ano seguinte, a adaptação do texto de Gianfrancesco Guarnieri, Eles Não
Usam Black-Tie, estreou com enorme sucesso permanecendo em cartaz por dez meses.

O sucesso desse espetáculo foi decisivo para as montagens e a direção


artística que o Arena tomaria. O texto do dramaturgo Guarnieri retratava problemas
sociais envolvendo classe proletária em uma comunidade periférica e sua realidade de
vulnerabilidade social. O espetáculo trazia conexões diretas com os contextos sociais de
instabilidade política, greves e mobilizações por direitos trabalhistas.

A estrutura de diálogos era coloquial, incomum para a época, a encenação


atendeu às expectativas do TPE, bem como as expectativas dos demais artistas da
cena que faziam parte do Teatro de Arena. A montagem impulsionou o fomento da
criação de textos originais por parte dos integrantes do Teatro de Arena (BETTI, 2013a).
Neste sentido, em 1958, os Seminários de Dramaturgia propunham a leitura e discussão
de trabalhos dramatúrgicos produzidos no Arena. Neste sentido todos os integrantes
apresentaram suas propostas de textos que posteriormente foram discutidos
coletivamente. O maior feito de Guarnieri na época, que atraiu olhares de Boal, foi a
inserção de questões sociais, políticas e apresentar a realidade do ponto de vista do
proletariado. Questões como lutas de classes, greves e lutas por direitos sociais até
então não eram assuntos presentes nas encenações (BETTI, 2013b).

FIGURA 12 – CENA DO ESPETÁCULO CHAPETUBA FUTEBOL CLUBE

FONTE: <https://bit.ly/3IavFb6>. Acesso em: 11 jan. 2022.


176
Nos dez meses que a peça Black-tie permaneceu sendo exibida ao público, as
tentativas de buscar um texto que pudesse suceder a produção de enorme sucesso
frutificaram. Os Seminários produziram consensos e divergências de modo que
escolheram Chapetuba Futebol Clube, textos de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974),
dirigida por Augusto Boal (1931-2009). A tendência de discutir questões sociais e de
refletir em torno das realidades das classes periféricas parecia uma abordagem de
sucesso. A peça como fruto das discussões dos Seminários “[...] procurou trazer ao
palco problemas sociais e coletivos envolvendo os setores majoritários da população, e
para isso empenhou-se em aprofundar a pesquisa dos novos padrões de dramaturgia
estabelecidos a partir da peça de Guarnieri” (BETTI, 2013a, p. 180).

Essas inciativas definiram as formas dramatúrgicas e cênicas apresentadas


no palco pelos diretores como Boal e seus parceiros. A intensificação dos debates,
politização e os estudos críticos dos modos de encenação permitiram que uma nova
abordagem na dramaturgia brasileira voltada para a representação de temas relacionados
aos problemas sociais e políticos. Os universos das classes populares e suas questões
sociais seriam bases para o desenvolvimento das propostas teatrais e pedagógicas de
Boal. O teatro de Boal buscava maneiras de enfrentar, por meio de cenas teatrais, as
dificuldades das classes exploradas pelo sistema capitalista e que certa mobilização
política poderia ser a força que moveria os coletivos a se organizarem politicamente
para operarem transformações.

O teatro de Augusto Boal passa a se desenvolver nos anos seguintes ao período


de implementação da ditadura militar, ele sofre perseguições intensas tendo que, na
década de 1970, pedir exílio, inicialmente na Argentina e posteriormente em Portugal.
Nesse período ele desenvolveu sua proposta teatral que Boal intitulou de Teatro do
Oprimido (TO). Alguns princípios são importantes para entender a proposta de Boal: um
deles é a solidariedade, outro é a transformação social por meio do teatro. O Teatro
do Oprimido buscava envolver os participantes em ações teatrais que permitissem
questionar os papéis sociais, as sujeições aos mecanismos capitalistas e buscar traçar
novas propostas de realidades.

A liberdade fundamental como exercício da cidadania estava na base do TO e


consistem em uma metodologia de trabalho que aborda dimensões políticas, sociais
e artísticas. Boal creditava que todas as pessoas eram capazes de atuar e propunha
exercícios teatrais que permitiam aos participantes interagirem assumindo os papéis
que eram propostos para a resolução de conflitos. Com essa abordagem e outras
propostas, Boal buscava estabelecer um processo teatral que dissolvia os limites entre
os atores que executavam a peça, e os espectadores. Portanto:

O espectador não delega poderes ao personagem para que atue em


seu lugar: ao contrário, ele mesmo assume um papel protagonizo,
transforma a ação dramática inicialmente proposta, ensaia soluções
possíveis, debate projetos modificadores: em resumo, o espectador
ensaia, preparando-se para a vida real (BOAL, 1975, p. 126).

177
Em “200 exercícios e jogos para o ator e o não ator com vontade de dizer algo
através do teatro”, Augusto Boal sistematiza práticas teatrais para que sua proposta seja
efetivamente praticada. O autor propõe ainda o rompimento com a noção de quarta
parede que, de certa forma, mantinha o espectador como um observador da obra
teatral, para fazer do teatro um acontecimento coletivo que todos os envolvidos nesse
ritual podem agir para revolucionar a realidade.

FIGURA 13 – AUGUSTO BOAL MINISTRANDO AULA

FONTE: <https://bit.ly/3q9PysS>. Acesso em: 21 jan. 2022.

Noções como autonomia, papéis sociais, coletividade, bem comum estão


presentes em sua proposta. Os jogos propostos pelo teatrólogo buscam a emancipação
dos participantes de modo que a ação mecanizada dos corpos é posta em questão e
as imposições sociais que formatam o comportamento ou a obediência ao sistema de
exploração é questionada. Logo:

nenhuma oficina, encontro, ensaio ou qualquer atividade do Teatro


do Oprimido deve terminar quando acaba: pelo contrário, deve
projetar-se no futuro e produzir consequências individuais e sociais,
por menores que sejam, reais. Todo e qualquer evento do Teatro do
Oprimido deve objetivar as ações sociais concretas e continuadas
(BOAL, 2009, p. 186).

Vale destacar que a criatividade e um corpo disponível para identificar os


mecanismos que suprimem a liberdade dos corpos, que nos tornam reprodutores de
um sistema de exploração que desumaniza e expõe os indivíduos a uma organização
social desprovida de sensibilidade.

O teatro de Boal dialoga com bases estéticas originadas do marxismo, das


vertentes que pregam o bem comum e podemos ainda, conectar com os princípios da
Pedagogia do Oprimido desenvolvida por Paulo Freire. O Teatro Épico de Bertold Brecht
também influenciou amplamente as abordagens de Boal.

178
INTERESSANTE
O Teatro do Oprimido além de uma abordagem teórico-metodológica
para o ensino-aprendizagem de teatro, é um tema que gera pesquisas
em diversas partes do mundo. No Brasil, o Festival Internacional de
Teatro do Oprimido, ocorre periodicamente para partilhar produções
teatrais baseadas na Pedagogia e da produção do TO. Assista ao
documentário Augusto Boal e o Teatro do Oprimido, disponível em:
https://bit.ly/3CLuD4h. Depois, faça buscas no YouTube e selecione
vídeos ou entrevistas em que Boal apresenta suas ideias.

5 O PENSAMENTO CRÍTICO E ESTÉTICO NO TEATRO


BRASILEIRO
A busca por autonomia de pensamento sem faz necessária frente aos desafios
da contemporaneidade. Em tempos de crises sociais que ocorreram nas décadas de
1960, 1970 e 1980, propiciaram o desenvolvimento de iniciativas que estimulavam
o pensamento crítico para o exercício da liberdade e da luta por direitos humanos
ameaçados pelos regimes ditatoriais. Nesse contexto o teatro representava importante
instrumento para que os espectadores pudessem assumir postura ativa diante das
questões coletivas (GUINSBURG; PATRIOTA, 2013).

A arte possui a potência de provocar os corpos dos observadores e, por meio das
experiências estéticas, elaborar o pensamento e as noções de si mesmo, dos contextos
sociais e das camadas de realidade que o mundo oferece.

O teatro de Augusto Boal desafiava as estruturas sociais da época e por motivos


do regime da ditadura militar, sofreu represálias ao ponto de ter que exilar-se em
outros países para sobreviver. O pensamento crítico pode ser desenvolvido por meio da
ampliação de experiências reflexivas de pensamento, ampliação do repertório cultural
e construção de saberes sobre si e sobre os contextos que o ser humano está inserido.
A habilidade de refletir criticamente diante das situações sociais e individuais requer
um pensar objetivo, ampliado, com múltiplas conexões e que possa tecer paralelos com
conceitos teóricos e práticos.

Ao apreciarmos uma obra de arte teatral, ou outra obra de arte, nosso corpo está
exposto a situação de observador, apreciador e que estabelece conexões que podem
estimular o corpo como um todo. Para esta experiência podemos atribuir o nome de
experiência estética, aquela que é capaz de mobilizar as estruturas sensíveis do corpo
e por meio dessas sensações mover um pensar global. Esse pensar pode dissolver as
noções fragmentadas de corpo e instaurar dinâmicas de pensamento sensíveis e que
valorizem produtos da cultura humana. Neste sentido, o teatro pode ser a manifestação

179
artística que reúne elementos que provocam no espectador sensações, pensamentos
e o desenvolvimento de outras maneiras de observar ou agir no mundo (GUINSBURG;
PATRIOTA, 2013).

O teatro como arte do encontro permite o traçado de contextualização de


questões apresentadas criando conexões com outros conhecimentos. Permite analisar
os fatores que causam os aspectos apresentados e examinar possíveis atitudes para
situações específicas. Outra possibilidade é de sintetizar fatos, criar argumentos,
sistematizar modos de pensar sobre uma coletividade e por fim avaliar que atitudes
podemos tomar individualmente para que o coletivo possa ser beneficiado.

O pensamento crítico prioriza o embasamento de posturas distintas em


referenciais confiáveis e coerentes de modo que as questões possam ser contestadas,
discutidas e atualizadas de acordo com as novas demandas sociais (GUINSBURG;
PATRIOTA, 2013).

Para melhor análise crítica frente aos desafios de determinado contexto, é


necessário a habilidade de identificar os valores estéticos de determinado tempo e
distinguir os que são permanentes e os que são transitórios. Um teatro baseado no
ritual, no encontro e na presença de corpos que se relacionam com outros corpos, há
de se analisar as abordagens que a cena teatral oferece como pontos fundamentais
de análise. Assim como a cultura é dinâmica, as manifestações artísticas seguem os
valores de uma época com suas práticas e sua modificação está conectada com a
necessidade expressiva de cada geração ou contexto social.

Neste contexto, a obra de arte existe em relação com o observador, quando


exposta, e passa a existir nesta relação. Assim, podemos afirmar que a obra de arte teatral
existe na relação com o espectador. Seja uma representação clássica grega, uma peça
de Shakespeare ou uma proposição épica como de Boal ou de Brecht, o fenômeno teatral
existe na conexão ritualística com o público. Quando a ação de crítica de arte ocorre, o
crítico busca expressar não somente seus valores, mas captar os valores e princípios que
a obra de arte teatral apresenta. Para Sábato Magaldi afirma que a crítica de teatro ou de
arte, é uma tarefa complexa pois há uma espera na exposição da análise da obra de modo
que se espera que a mesa seja julgadora ou fixa (GUINSBURG; PATRIOTA, 2013).

O crítico busca apreender os elementos que foram postos em relação na


criação ou composição da obra de arte, seus aspectos apreciativos e históricos. Dessa
maneira, o trabalho de crítica reflexiva de arte não busca apoiar-se em verdades ou
na fixidez de argumentos, mas busca validar consensos, expor aspectos estéticos e
analisar a complexidade de composição dos elementos presentem em tal obra. O crítico
buscar fazer conexões com referenciais que permitem compreender e refletir em torno
das possibilidades estéticas que a obra apresentada oferece. As análises críticas que
ocorreram no período entre o século XIX e XX, estavam alinhadas ao fazer artístico e

180
seus contextos históricos. Assim, uma reflexão detalhada sobre os valores estéticos de
uma época turbulenta sugere a busca por entendimento dos autores e suas concepções
de mundo articulado com as diversas abordagens da produção teatral brasileira.

Aspectos importantes para pensar um teatro realizado entre as décadas de


1940 a 1970 e que impulsionaram as produções dramatúrgicas são

[...] a modernização, modernidade, nacionalismo crítico, liberdade,


identidade nacional, diversidade artística e cultural. Esses fatores
foram importantes para que o teatro brasileiro pudesse desenvolver
sua originalidade e impulsionou o teatro que apresentou narrativas
dialógicas com potencial para uma teatralização caracteristicamente
própria (GUINSBURG; PATRIOTA, 2013, p. 277).

Essa época trouxe transformações no que se refere ao trabalho de atuação. “A


interpretação do ator adquiriu outras dimensões pela psicologização das personagens
e pela exploração das capacidades dramáticas e narrativas do corpo, possibilitando ao
teatro assumir a corporeidade em decorrência, por exemplo, da biodinâmica” (GUINSBURG;
PATRIOTA, 2013, p. 278). Outro aspecto que merece destaque em análises é o fato de que
dramaturgos e diretores apresentaram uma maneira originalmente brasileira de compor
as obras de arte teatrais. Isso envolvia a escrita, direção, interpretação de teatro de modo
que definisse ou desenvolvesse uma cena original do Brasil. Um fator que contribuiu
amplamente para estes aspectos serem consolidados foi a chegada de diretores
estrangeiros depois da década de 1940 (GUINSBURG; PATRIOTA, 2013).

As possibilidades de análise crítica de um teatro que esteve conectado com


produções que militavam por direitos humanos, pela liberdade de expressão, por uma
sociedade voltada para o bem comum buscam, nos marcos históricos, referenciais
para entender a estética teatral e suas características. Analisar um teatro pautado por
agendas brasileiras e pelo desejo de perseguir o desenvolvimento de uma dramaturgia
nacional é conectar textos, figura e relatos de um tempo de intensas transformações
políticas e sociais frente aos regimes que reprimiram direitos. A seguir, apresentaremos
algumas contribuições em torno dos grupos mencionados anteriormente para o
desenvolvimento de um teatro originariamente brasileiro.

6 CONTRIBUIÇÕES DO TEATRO DE ARENA, TBC E OUTRAS


VANGUARDAS
Os grupos e coletivos teatrais das décadas de 1960 e 1970 até o final do período
de repressão militar foram importantes para que o teatro pudesse desenvolver-se
de maneira original, artisticamente potente e esteticamente brasileira. Enquanto o
Teatro de Arena buscava criar peças teatrais que provocassem a mobilização social ou
gerassem transformações na estrutura das camadas populares, outro coletivo teatral
que marcou profundamente o desenvolvimento do teatro brasileiro foi a criação do

181
Teatro Brasileiro de Comédia em 1948. Essa companhia influenciou inclusive a criação
do Teatro de Arena. O empresário Franco Zampari (1898-1966) fundou o TBC com a
intenção de produzir espetáculos de alto nível técnico e artístico (S.GARCIA, 2013).

Para que a companhia pudesse compor um repertório sofisticado, buscou trazer


profissionais da cena da Europa, principalmente da Itália. Nesse mesmo período, 1947,
houve a construção do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) e
a Companhia Cinematográfica Vera Cruz no mesmo período. O TBC, além de ser um
coletivo importante para o fomento de arte da cena, recebia espetáculos de outras
companhias em seu espaço de espetáculos. Nesse sentido, o TBC, além de produzir
seus espetáculos, poderia abrigar apresentações que pretendiam fazer temporadas na
cidade de São Paulo.

FIGURA 14 – RETRATO DE CACILDA BECKER

FONTE: <https://bit.ly/3qcDYgx>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Montagens como La Voix Humaine, de Jean Cocteau, dirigida por Henriette


Morineau (1908-1990), e A Mulher do Próximo, de Abílio Pereira de Almeida (1906-1977),
apresentada pelo Grupo de Teatro Experimental (GTE). Henriette Morineau era atriz,
dramaturga e diretora de teatro que inovou por ser uma profissional que transitava entre
funções ditas masculinas compondo aberturas para discussão do papel da mulher
nas artes da cena. O TBC lançou grandes artistas como Cacilda Becker (1921-1969)
que foi a primeira atriz profissionalizada e à sua contratação seguem-se as de: Paulo
Autran (1922-2007), Madalena Nicoll, Marina Freire, Ruy Affonso (1920-2003), Elizabeth
Henreid, Nydia Licia (1926-2015), Sergio Cardoso (1954), Cleyde Yáconis (1923-2013),
contribuindo amplamente para o teatro moderno brasileiro (FERNANDES, 2013).

Em 1950, seguem-se Entre Quatro Paredes (Huis Clos), de Jean-Paul Sartre,


que propunha bases para a trama fundamentadas no existencialismo. Produções como
A Importância de Ser Prudente, de Oscar Wilde, marcava a primeira produção do diretor

182
Luciano Salce (1922-1989). Este mesmo diretor encena no mesmo período, O Anjo de Pedra,
de Tennessee Williams, que obteve enorme sucesso, permanecendo durante semanas
em cartaz. Em 1951 produzem Seis Personagens à Procura de Um Autor, do dramaturgo
italiano Luigi Pirandello (1867-1936) com a direção de Adolfo Celi (S. GARCIA, 2013).

Artistas como Cacilda Becker (1921-1969), Antunes Filho (1929), Tônia Carrero
(1922-2018), Adolfo Celi (1922-1986) e Paulo Autran (1922-2007) fizeram enorme sucesso
na companhia e foram lançados como importantes artistas no cenário das artes da cena.
Dessa maneira, o TBC modificou a cena nacional em sua mais intensa atuação, cerca
de 16 anos, propondo modernização da cena teatral por meio da profissionalização de
artistas da cena, atravessamentos entre entretenimento e arte, busca por formação dos
profissionais e por implementar cursos de formação de artistas da cena que possibilitaria
experimentação de novas estéticas.

FIGURA 15 – RETRATO DE TÔNIA CARRERO

FONTE: <https://bit.ly/3IffOYT>. Acesso em: 11 jan. 2022.

A década de 1960 ficou marcada pelas inovações teatrais do Teatro de Arena,


do CPC e de experimentos de grupos teatrais de jovens buscando inovar com comédias
pastelão, musicais, programas de televisão, práticas circenses e peças que surgiam
em âmbito escolar, mas que ganhavam proporções profissionais na medida em que
circulavam pelos teatros dos grandes centros. As iniciativas que eram pautadas em
produções coletivas atraíam o público que buscava por experiências que fugissem do
tradicional (S.GARCIA, 2013).

Em 1974 a montagem de O Inspetor Geral, texto publicado em 1936 por Nikolai


Gogol, na cidade do Rio de Janeiro, rompia com a estrutura do texto para adaptar-se
a certa liberdade cênica que o coletivo buscava. Em 1975, a montagem de Ubu Rei do
dramaturgo Alfred Jarry, já apresentava traços do teatro do absurdo. Mais tarde Jarry vem
a ser considerado como o pai do Teatro do Absurdo. Estas montagens em coletivos de
jovens artistas representaram importante avanço para o teatro da época devido aos modos
de conceber as cenas e de inovar explorando as características que o elenco apresentava,
um modo de atuação que beirava a uma dissolução entre o ator e a máscara da persona.
183
Tanto as iniciativas cariocas quanto de jovens paulistas reverberaram em
outros modos de produção teatral, mesmo em tempos de dificuldades expressivas
em que o Brasil atravessava devido ao regime político. A criação coletiva foi a principal
marca dos grupos que refutavam qualquer convenção teatral que pudesse impedir o
desenvolvimento das propostas de determinado coletivo de artistas. As pesquisas dos
grupos propunham certa reformulação da linguagem cênica de modo que em outras
cidades, fora do eixo Rio-São Paulo, passaram a estruturar propostas inovadoras. Em
Porto Alegre surgem coletivos experimentais que frutificaram em grupos de artistas
como o coletivo Ói Nóis Aqui Traveiz, idealizado e 1977 por Julio Zanotta e Paulo Flores.
Integrantes do curso de teatro da UFRGS, buscavam desenvolver um teatro que
pudesse abordar temas relacionados à política, tentando superar o que o Teatro de
Arena propunha (FERNANDES, 2013).

O grupo buscava produzir espetáculos que pudessem ser acessíveis a maior


número possível de espectadores e não se limitava aos tradicionais palcos à moda
italiana. Dessa maneira, criavam espetáculos para serem apresentados em espaços
públicos ou na rua. Uma característica inovadora dos coletivos teatrais desse período
foi a experimentação em processos coletivos. Essa iniciativa permitia que os grupos
pudessem desenvolver linguagens cênicas próprias e o atravessamento de outras áreas
da arte como as artes visuais, música e outras áreas da cultura. A década de 1960 e
o período pós-guerra foi marcado por propostas que pudessem questionar a própria
cultura, chamadas de contracultura. Essas inciativas impulsionaram outras propostas
como o Teatro Oficina, propostas baseadas em Antonin Artaud e o Teatro da Crueldade,
no Living Theatre, em estudos de Fernando Arrabal, Jerzy Grotowski e Bertolt Brecht. No
Tópico 2 exploraremos estes temas com maior profundidade.

184
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A obra de arte teatral pressupõe o encontro entre os envolvidos, sejam atores,


produtores, diretores ou espectadores. por esse motivo, o engajamento de um
coletivo de artistas pode apresentar um ato ou escolhas estéticas, éticas e políticas.
A presença de corpos é fundamental para que o fenômeno teatral possa acontecer e
apresentar determinada história.

• O Teatro de Arena desenvolvia uma proposta de trabalho coletivo em que as tarefas


eram realizadas de maneira democrática. Esta inovadora proposta de organização da
companhia era inovadora e buscava expressar nos modos de criar cenas e acessar
arte os anseios e ideais do coletivo de artistas.

• O Teatro Paulista do Estudante (TPE) como grupo teatral com posicionamentos


políticos definidos passa a colaborar com o Teatro de Arena para a composição de
produções teatrais que pudessem provocar discussões políticas, provocando o
engajamento em questões sociais.

• O Centro Popular de Cultura (CPC) abordava, em suas produções a discussão em


torno das lutas de classes e as dinâmicas que o sistema capitalista impunha para
a população. Relações entre o proletariado e a classe burguesa. O CPC buscava
superar as propostas do Teatro de Arena de maneira a romper com os modos de criar
espetáculos com certa estrutura que privilegiava o texto dramatúrgico.

• Nesse sentido, o CPC passou a produzir espetáculos que pudessem chegar as classes
trabalhadoras que pouco tinham acesso aos produtos teatrais. O CPC buscava
democratizar o acesso à arte teatral por meio de obras de arte teatral que pudessem
ser apresentadas em espaços diversos ou que chegassem aos espectadores.

• Augusto Boal passa a atuar no Teatro de Arena na década de 1960 e passa a ser
perseguido pelo regime militar implantado no Brasil. Na década de 1970 busca o exílio
na Argentina e sem seguida vai para Portugal. No exterior o artista da cena busca
desenvolver o que vai nomear de Teatro do Oprimido.

• Para entender a proposta de Boal é importante conhecer sua teoria, sua proposta
metodológica baseada em solidariedade, transformação social por meio o teatro.
Uma proposta que recebeu influências do Teatro Épico de Brecht e a Pedagogia do
Oprimido de Paulo Freire.

185
• Apreciar uma obra de arte exige uma postura relacional, um corpo disposto a
conectar-se com outros corpos e com a obra de arte. A experiência estética está
ligada com o experimentar a conexão com a obra de arte de modo que ela possa nos
afetar e nessa afetação produzir experiências de pensamento.

• O teatro experimental desenvolvido em diversos coletivos de teatro nas décadas


de 1950, 1960 e 1970 buscavam experimentar novas possibilidades cênicas que
rompessem com hegemonias ou com as práticas de um teatro voltado para princípios
clássicos.

186
AUTOATIVIDADE
1 O Teatro de Arena foi, além de um notável coletivo teatral, foi um espaço teatral
inovador e que propunha experimentar novos modos de criar teatro em um tempo de
intensas transformações. Passou a produzir espetáculos que pudessem ao mesmo
tempo ter baixo custo de montagem e que pudessem ter sucesso comercial. Neste
sentido, o grupo passou a exercer importante influência no cenário teatral brasileiro.
Sobre o Teatro de Arena, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O Teatro de Arena tinha o desejo de encenar textos brasileiros, porém esse feito
veio com a montagem Judas em Sábado de Aleluia, de Martins Pena.
b) ( ) O Teatro de Arena estava alinhado com os princípios da ditadura militar e com
essa abordagem buscava recrutar atores que estivessem engajados com os
movimentos militares.
c) ( ) O Teatro de Arena buscava descontruir os movimentos contracultura que
estavam em crescimento no período modernista brasileiro para que pudesse
surgir uma arte inovadora.
d) ( ) O Teatro de Arena era uma espécie de espaço teatral em formato de arena,
semicircular onde pode ser utilizado de diversas formas, principalmente para a
realização de eventos de música.

2 Em certo período o Teatro de Arena implementou a alternância de produção entre


peças teatrais nacionais e peças teatrais internacionais. Com base nessa afirmação,
analise as sentenças a seguir:

I- A alternância de produções teatrais baseadas em textos nacionais e internacionais


trouxe certa valorização ao teatro brasileiro.
II- As produções teatrais passaram a circular por espaços pouco frequentados como
fábricas, clubes, escolas e locais onde pudesse ter circulação de pessoas e a peça
pudesse ser exibida.
III- A alternância de produções teatrais não afetou o panorama do teatro brasileiro, pois
este buscava conectar-se com princípios que vinham da Europa.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) As sentenças II e III estão corretas.

187
3 Sobre a organização do Teatro de Arena, podemos afirmar que ele buscava novos
modos de gerenciar a produção teatral que chegava ao público. As adaptações de
textos estrangeiros era uma prática e as variações ou modificações apresentadas
estavam alinhadas aos desejos do coletivo. Segundo as práticas e organização do
Teatro de Arena, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O Teatro de Arena possuía uma organização própria e consistia em uma espécie de


trabalho coletivo em que as tarefas eras decididas de maneira democrática.
( ) A prática de organizar os processos de produção teatral de maneira democrática
pode ter definido novas propostas de organizar, implementar e gerenciar as
atividades de um grupo teatral.
( ) Estética da cena modificava-se na medida em que os encenadores ousavam
experimentar possibilidades, como a parceria com grupos conectados à militância
promoveu abordagens estéticas diferenciadas

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O chamado Teatro do Oprimido é um abordagem teórico-metodológica que possui


princípios definidos por Augusto Boal diante da necessidade de aproximar Teatro e
o espectador. A proposta, além de oferecer ao espectador envolvimento direto com
a situação de ficção, pode interagir e assumir uma posição de decida a situação ou
convocar os participantes a agirem em cena. Diante desta breve definição, disserte
sobre as demais definições do Teatro do Oprimido.

5 Uma obra de arte possui a potência de provocar experiências sensoriais que podem
envolver os sentidos e a estrutura do corpo como um todo. Isso ocorre quando a conexão
estabelecida com a obra no momento da apreciação. Assim, o momento de exibir ou de
expor uma obra de arte ao público pode ser um importante momento de ampliação do
repertório cultural dos mais diversos espectadores. Neste contexto, disserte sobre o que
chamamos de experiência estética ou experiência fruitiva com arte.

188
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
TEATRO EXPERIMENTAL

1 INTRODUÇÃO
O teatro dito contemporâneo é constituído por processos específicos que neles
podemos identificar referenciais de diferentes linguagens. Essa característica híbrida, ou
que envolve elementos que incialmente são de outras áreas da arte, é comum no teatro
contemporâneo que prioriza a experiência artística e estética. O teatro ainda permite
uma acentuada composição de arte performativa da presença, de certa desconstrução
de princípios clássicos do drama e de experiências com a exibição de trabalhos em
processo ou work in progress.

Falar em teatro contemporâneo é trazer para a discussão as experimentações


que abordamos anteriormente e que constituem as propostas originadas em período
pós-guerra, dos movimentos de contracultura e das experimentações em busca de
uma arte teatral que permitisse os encontros com afetos, com experiências artísticas
e modos de estabelecer conexões com obras de arte que ultrapassassem os padrões
clássicos. As pesquisas teatrais que priorizavam processos e percursos baseadas no
corpo, nas buscas por presenças cênicas e na desconstrução da tradicional quarta
parede foram importantes para o desenvolvimento de um teatro genuíno brasileiro e
com estéticas múltiplas.

Consequências deste período reverberaram em um teatro desenvolvido por


coletivos que buscavam fugir de certas formalizações que determinavam a produção
de trabalhos teatrais acabados. Os coletivos teatrais que visavam a construção de
peças que ultrapassassem os padrões comerciáveis ou que atendessem o mercado
da arte. Quando abordam por um processo colaborativo, os coletivos priorizavam os
processos de pesquisa que buscavam encenar anseios dos envolvidos. Este processo
poderia resultar em construção coletivas de textos, de cenas e toda a estética da cena
intencionando os princípios do coletivo (FERNANDES, 2013).

A obra inacabada, a presença de cenas aparentemente sem sentido, temas


que dialogam com temas políticos, existenciais, éticos, religiosos e outras abordagens
que permitissem uma multiplicidade de possibilidades cênicas. Um teatro baseado no
corpo de atores e atrizes, de experimentações de processos que investigam linguagens
múltiplas, pesquisas de campo com personagens populares e parâmetros de cenas que
dialogam com a performance arte. Essas experimentações instauram modos de criar
teatralidades que surgem em microesferas para compor cenas e posteriormente serem
exibidas para um público (FERNANDES, 2013).

189
Neste tópico discutiremos um teatro experimental que no período do regime
militar foi duramente reprimido para renascer em intensas experimentações teatrais no
período pós ditatorial. Uma dramaturgia baseada em luta pela liberdade de expressão
e direitos ao acesso democrático à cultura floresceu depois da redemocratização e a
retomada pela produção teatral brasileira.

2 TEATRO OFICINA E O PANORAMA TEATRAL DAS


DÉCADAS DE 1860 E 1970 NO BRASIL
As décadas de 1950 e 1960, foram décadas de profundas transformações para
a cultura brasileira até a implantação do regime ditatorial. Nesse período, ocorreu a
fundação de uma importante companhia teatral, precisamente no ano de 1958 e que
consolidou seu trabalho nos anos 1970, o Teatro Oficina. Idealizado por José Celso
Martinez Corrêa (1937), o Teatro Oficina Uzyna Uzona, buscava trazer para suas produções
as possibilidades inovadoras que o teatro mundial estava desenvolvendo. Essa postura
trazia para a cena brasileira uma proposta teatral de vanguarda, inovando e propondo
um teatro que apresentava sinais de uma proposta voltada para a experimentação
contemporânea (MOSTAÇO, 2013).

FIGURA 16 – RETRATO JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA

FONTE: <https://bit.ly/3Igjx8B>. Acesso em: 11 jan. 2022.

O Teatro Oficina possui suas origens na década de 1958, em que nasceu o


Centro Acadêmico 11 de Agosto, ligado a Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
em São Paulo. Nesse centro, surgiu um movimento artístico teatral denominado como
oficina, intencionava implementar a criação de um teatro novo, que pudesse distanciar-
se do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e das tendências nacionalistas do Teatro de
Arena. O Teatro Oficina surge nessa amálgama de propostas inovadoras e desde sua
profissionalização, em 1961, sua sede localiza-se no bairro do Bixiga, em São Paulo, onde
ainda está sediado atualmente (MOSTAÇO, 2013).

190
Além de Zé Celso, Renato Borghi (1937), Ítala Nandi (1942) e Etty Fraser (1931-
2028) foram fundadores do Teatro Oficina. Um de seus primeiros espetáculos foi
Pequenos Burgueses, do dramaturgo russo Máximo Gorki (1868-1936), com estreia
ocorrida em 1963. Em 1964 o golpe civil-militar censurou o trabalho ordenando cortes
como o momento em que o texto traz o hino Comunista. Referenciais realistas e bases
técnicas do teatrólogo russo Constantin Stanislavski. As produções posteriores são
radicais no sentido de adotar os princípios do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-
1956). O ano de 1966 foi trágico para o Teatro Oficina pois os movimentos repressores
e grupos paramilitares incendiaram o espaço construído, forçando o coletivo a buscar
novos espaços, resistir a repressão e montar trabalhos para levantar recursos para a
reconstrução do espaço cultural (MOSTAÇO, 2013).

No ano de 1967, estreia O Rei da Vela, de Oswald de Andrade (1890-1954) e


alcança destaque no cenário teatral contribuindo para o movimento Tropicalista
brasileiro e ao levar o espetáculo para palcos internacionais passa a ter notoriedade
no exterior. Em 1968, estreia Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda. Esse trabalho
marcou as propostas do Teatro Oficina por explorar uma cena teatral que unia o teatro
e a performance arte. O que a cena apresentava era um enfrentamento ao regime
ditatorial, criticava a organização social e indicava a implementação de novas propostas
de encenação conectadas com o teatro contemporâneo.

Nos anos seguintes o Teatro Oficina continua sua saga na inovação teatral
brasileira e monta dois textos de Bertolt Brecht: As montagens de Galileu Galilei (1968)
e Na Selva das Cidades (1969). As produções recriaram universos específicos do
dramaturgo alemão e com toques de brasilidade. No Oficina, qualquer elemento poderia
tornar-se cenografia ou cenário. Nesse período, usa em sua produção escombros
da construção do Elevado Costa e Silva, construído nas imediações do Teatro, para
configurar um espaço cênico em forma de ringue.

Em 1971 excursionam pelo Brasil com o projeto liderado por Zé Celso intitulada de
Salto para o Salto, que remontava textos de sucesso para inovar nas experimentações
cênicas. Neste período o Teatro Oficina já mostrava que seria importante para o teatro
nacional e que não seria intimidado por movimentos repressores.

Em 1972 montam Gracias, Señor, uma obra criada com um processo próprio e
coletivo que propunha, de forma radical, deslocar as estruturas da linguagem teatral
tradicional para destacar as características das experiências dos integrantes do grupo.
Na montagem seguinte, em 1972, conseguem inserir processos autobiográficos na
adaptação do texto As Três Irmãs do dramaturgo russo Anton Tchéckhov (1860-1904)
(MOSTAÇO, 2013).

Vale ressaltar que o Teatro Oficina foi totalmente remodelado em 1984 pela
arquiteta italiana Lina Bo Bardi (1914-1992) e pelo arquiteto Edson Elito (1948, ainda atua
como arquiteto em São Paulo). O projeto ousado, conta com um corredor que pode ser
utilizado como espaço de cenas e os espectadores podem apreciar as produções em

191
uma espécie de andaime vertical, que permite observar cenas de ângulos próximos aos
atores ou de posições que permitem observar a cena de certa altura, como você pode
conferir na Figura 17.

FIGURA 17 – VISTA INTERNA DO TEATRO OFICINA COM E SEM A PRESENÇA DE ESPECTADORES

FONTE: <https://bit.ly/37Bjw2o>; <https://bit.ly/3MXbdhk>. Acesso em: 28 dez. 2021

DICA
Este material reúne temas básicos que forma decisivos para a história
do teatro Brasileiro. Para que os estudos sejam complementados, é
importante fazer pesquisas, leituras e outras estratégias de estudo que
possam aprofundar os temas. Para conhecer mais do Teatro Oficina
e demais temas da história do teatro, acesse o Portal São Francisco.
Disponível em: https://bit.ly/3tVo3UE.

O exílio foi alternativa para José Celso, em 1974, para não sofrer as represálias
da ditadura militar, o diretor vai para Portugal, onde permanece até 1979. Depois do
prédio ser tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat) de
São Paulo, passa pela reforma em que a arquiteta Lina Bo Bardi, em parceria com o
arquiteto Edson Elito, elaboraram um inovador projeto para ser espaço da arte teatral e
um dos centros culturais mais importantes do Brasil. Depois desse período conturbado,
o Teatro Oficina resiste e mostra sua força ao permanecer criativo em sua proposta
experimental e com o hibridismo que a arte contemporânea apresentava.

A trajetória do Teatro Oficina representa a realidade de um Brasil mergulhado


em conturbadas e violentas perseguições aos direitos de expressão ou manifestação
artísticas. O período da ditadura militar tentou reprimir e exterminar os modos de pensar,
agir ou manifestar-se que pudesse afetar o regime implantado.

192
FIGURA 18 – VISTA DA FACHADA DO TEATRO OFICINA E O DIRETOR ZÉ CELSO EM UMA DE SUAS MONTAGENS

FONTE: <https://bit.ly/3w7UUsh>; <https://bit.ly/3qdGBP1>. Acesso em: 28 dez. 2021

Em 1991, Zé Celso atua em As Boas, texto do dramaturgo Jean Genet (1910-


1986), ao lado de Raul Cortez (1932-2006). A nova fase do grupo passa por reorganização
produzindo além de espetáculos teatrais, filmes e vídeos, sempre liderados por Zé
Celso. As Bacantes (1996) foi uma produção em que a adaptação do texto clássico
de Eurípides lançava toda a potência criativa do coletivo. Em 1998 avança com sua
pesquisa teatral ao encenar Cacilda! Com texto autoral do próprio Zé Celso segue
realizando releituras de obras dramatúrgicas e inserindo os desejos e materiais teatrais
que o coletivo desenvolve. Os processos criativos baseados em material autobiográfico
dos participantes e de elementos que priorizam as presenças em cena, a potência dos
corpos ou outros elementos que são pinçados de outras áreas da arte para compor as
produções teatrais (MOSTAÇO, 2013). Essa fase foi definida pelo próprio grupo como
Antropofagia Orgiástica ou uma Tragicomédiaorgya. Que explorava uma cena teatral
com a utilização de elementos que remetem a performance arte e o corpo como
proposta de discutir um teatro político, estético e que pudesse estabelecer conexões
intensas com o espectador de modo que em suas montagens os limites entre a plateia
e a obra de arte teatral eram dissolvidos.

A montagem que merece destaque, dentre as muitas produções de sucesso,


foi Os Sertões (2002-2006), do escritor Euclides da Cunha (1866-1905). Este espetáculo
era dividido em cinco partes, ou cinco espetáculos que envolveram grande número
de artistas chamado de orgiástico coletivo. Esse processo ressaltou o caráter híbrido,
experimental e potente do Teatro Oficina oferecendo ao público experiências artísticas
sensíveis e que provocam a pensarmos na nossa própria condição existencial. As
produções geralmente causam certo desconforto, estranhamento ou até repulsa no
espectador, mas esse fato reafirma que a obra apresentada possui força de afetar e
remexer as estruturas sensíveis ora amortecidas pelos automatismos das estruturas
sociais em que estamos expostos.

193
Para Zé Celso, um dos maiores artistas da cena do país e pode ser considerado
um dos mais importantes artistas do mundo, afirma que o Teatro Oficina possui a função
de considerar o espectador como um atuador, participante da cena, com poder humano,
consciente de sua ação transformadora, de sua presença e capacidade para criar
realidades que consideram a coletividade o bem comum como prioridade.

IMPORTANTE
A montagem Os Sertões é uma obra da literatura brasileira consagrada
pela crítica e importante referência para compreender aspectos
históricos e culturais de um país com profundas desigualdades sociais.
Zé Celso adaptou a obra do escritor Euclides da Cunha para o teatro em
uma perspectiva do Teatro Oficina. Vale a pena conhecer a análise da
obra na pesquisa de mestrado indicada a seguir. Para buscar saber mais
sobre a montagem de Os Sertões do Teatro Oficina acesse a dissertação
de mestrado intitulada “Fazer um múltiplo brasileiro: José Celso Martinez
Corrêa, Uzyna Uzona e A Montagem De Os Sertões”. Disponível em:
https://bit.ly/3w6NEwO.

2.1 O TEATRO E A DITADURA MILITAR


O período em que o Brasil mergulhou no regime ditatorial foi marcado por
repressão, violência e autoritarismo gerando prisões, assassinatos, torturas e exílio de
artistas ou brasileiros que ousassem se opor ao regime. Esse período foi instaurado em
1964 com a tomada do poder pelos militares, deposição do presidente João Goulart. As
Forças Armadas Brasileiras realizaram um golpe de estado com o pretexto de evitar a
implementação de uma ditadura comunista no Brasil. Os presidentes que sucederam
a Goulart eram escolhidos por um colegiado composto por militares e estes escolhiam
quem estaria no cargo (BETTI, 2013b).

Os mecanismos de repressão eram compostos pela censura, sequestro, tortura,


execuções, ataques a bomba. Atos institucionais eram implementados para reforçar
o poder dos militares sobre a população e os movimentos de resistência assumiam
papel fundamental para que o regime pudesse ser enfrentado. A Frente Ampla, as
manifestações artísticas, guerrilha armada e o movimento operário foram alternativas
de resistir ao regime que agia com todas as forças do estado para manter seu poder.
Quando em 1968, o governo implementou o Ato Institucional Número Cinco (AI-5),
ampliou os poderes do estado e um deles foi a censura prévia da música, cinema, teatro
e televisão. As obras de arte deveriam ser submetidas a uma equipe de censores e se
identificada alguma subversão de valores políticos e morais poderia ser impedida de
ser executada ou exibida. A imprensa e os meios de comunicação eram vigiados pelos
membros designados pelos militares.

194
Neste contexto de terror, prisões, assassinatos violentos e desigualdade social,
o teatro resistiu diante dessa crise política e humana. Professores eram vigiados em
suas aulas, artistas presos, torturados e mortos, jornalistas censurados e tudo que
não agradasse ao governo seria duramente reprimido. O país mergulhou em profundo
período de violência em diversas instâncias, corrupção, desaparecimento de artistas
ainda sem solução, ampliação da repressão a liberdade de imprensa e de expressão
artística (BETTI, 2013b).

A professora de teatro Heleny Guariba (1941-1971) foi uma das militantes que
desapareceu durante a ditadura militar. A professora de teatro e dramaturga participava
da guerrilha basileia armada junto à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR),
supostamente torturada e assassinada ainda sem definições das circunstâncias. Outros
artistas da cena forma exilados, presos e torturados (BETTI, 2013b).

Augusto Boal e José Celso Martinez Corrêa foram para o exílio. Caetano Veloso
e Gilberto Gil foram presos e depois de algum tempo libertados. Para poder produzir os
espetáculos as companhias passaram a agir de forma que os órgãos de censura não
identificassem sus intenções ou posicionamentos políticos. Uma ação de autocensura
inicialmente foi assumida tanto por artistas da cena, como pelos críticos de teatro. Os
grupos passaram a desenvolver uma cenografia que pudesse ser aprimorada para um
espetáculo que reduziria recursos textuais ou outras maneiras de criar cenas. Outros
modos de conceber as cenas e os espetáculos passou a vigorar para que a arte pudesse
ao mesmo tempo resistir aos sistemas opressores, desenvolver-se como proposta de
militância diante dos horrores que se apresentavam.

FIGURA 19 – HELENY GUARIBA (1941-1971)

FONTE: <https://bit.ly/3KMFf5z>. Acesso em: 30 dez. 2021

Algumas produções teatrais passaram a apresentar resultados com baixa


qualidade, mas com uma reorganização para que pudesse ser uma forma de resistência.
O objetivo da arte teatral passa da posição de fruição estética e entretenimento para ser
recurso de luta pela democracia. Desta maneira o teatro passa a ser recurso de luta em
outros centros urbanos, não somente no eixo Rio-São Paulo.

195
O projeto Mambembe desenvolveu espetáculos para crianças, pouco explorado
na época e teatro para adultos, sendo a primeira proposta chamada de Mabembinho e a
segunda Mambembão. O folclore regional foi material de estudo e criação de espetáculos
em diversos estados. Em Belo Horizonte, Raul Belém Machado, assume a função de
diretor artístico Palácio das Artes de Belo Horizonte e como conhecedor de aspectos
visuais como a cenografia implementa conceitos fundamentais para a cenografia como
o de espaço positivo e espaço negativo (CARREIRA, 2013).

No Nordeste brasileiro, precisamente em Pernambuco, dois coletivos teatrais


se destacaram: o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) e o Teatro de Estudantes
de Pernambuco (TEP). O primeiro sob direção de Valdomiro de Oliveira, dedicado
integralmente a arte teatral e o segundo sob direção de Hermilo Borba Filho este
estudioso da cultura popular e do teatro mamulengo ou de bonecos (CARREIRA, 2013).

O interior pernambucano, em Nova Jerusalém, no município do Brejo da Madre


de Deus, Vítor Moreira cria um espaço para encenar a Paixão de Cristo e que poderia
acolher cerca de 4 mil pessoas em cada sessão durante a semana santa. Uma espécie de
cidade cenográfica foi construída em 1968 que poderia receber outras produções além
da tradicional encenação de caráter religioso. Veja, na Figura 20, a cidade cenográfica
em Nova Jerusalém.

FIGURA 20 – ESPAÇO CENOGRÁFICO DE NOVA JERUSALÉM

FONTE: <https://bit.ly/3JgaqWx>; <https://bit.ly/36nulEL>. Acesso em: 30 dez. 2021.

A década de 1970, foi um período de intensificação da repressão vinda do


governo e a cultura sofria duros golpes, o teatro manteve-se firme em suas produções
implementado recursos inteligentes e criativos para poder burlar os mecanismos de
censura. Textos teatrais eram censurados integralmente ou parcialmente. Um fato
intrigante foi o confisco do texto teatral chamada Patética que venceu o Concurso
Nacional de Dramaturgia. Mesmo sendo a vencedora com decisão unânime dos
jurados, o resultado nunca foi divulgado e a peça impedida de ser encenada. Depois da
redemocratização a peça foi liberada e ao ser encenada mostrou não ter elementos que
contrariavam o regime da época, permanecendo um mistério os motivos pelos quais a
dramaturgia foi censurada (CARREIRA, 2013).

196
Para além dos absurdos do regime ditatorial, algumas produções da década
de 1970 podem ser consideradas revolucionárias. Duas produções em 1977 foram
importantes para a resistência artística em meio a tantos golpes opressores. Um
espetáculo foi Tempo de Espera de Aldo Leite que veio diretamente do Maranhão,
assumiu a direção e a concepção de cenografia. O espetáculo apresentava cenas sem
a utilização de texto verbal, estabelecia conexões intensas e a dramaticidade em que a
proposta ousava apresentar cenários simplificados com apelo realista (CARREIRA, 2013).

O outro espetáculo de destaque foi O Último Carro, de João das Neves, com
a cenografia de Germano Blum. O espetáculo apresentou-se na Bienal de Artes
Plásticas em que as cenas eram postas nas extremidades de um espaço teatral circular,
oferecendo aos espectadores (ao centro) uma vista do espetáculo por todos os lados
ou panorâmica. Esta perspectiva havia sido proposta pelo teatrólogo Antonin Artaud
e experimentado pela Escola de Arte Dramática de São Paulo da USP. Esta produção
foi referência para outros processos e montagens. A seguir adentraremos ao tema
performance no teatro e outras vanguardas.

INTERESSANTE
Para ampliar o conhecimento sobre o grande artista da cena José Celso
Martinez Corrêa, assista ao programa do Roda Viva do ano de 2004
que traz detalhes sobre a obra, a vida e a construção do Teatro Oficina.
Disponível em: https://bit.ly/36pYNOf.

3 TEATRO E PERFORMANCE ARTE


Os estudos da performance compreendem diversificadas abordagens e áreas
específicas. Para cada área há definições próprias que definem os caminhos para um
processo de aquisição de conhecimento. Nesse caso, abordaremos a performance
conectada com a arte e precisamente o teatro. Estamos falando de Performance Arte e
suas aplicações em cada área da arte.

Podemos conectar o termo performance com suas aplicações em cada contexto


social. Nos negócios, nos esportes, no ato sexual ou na música, a performance é a
definição para a desenvoltura em cada uma dessas atividades. Um padrão de sucesso
ou de excelência e é comum encontrarmos em jornais o termo alta performance ou
excelente performance. Neste caso, o termo performance define o nível de desempenho
que os sujeitos analisados apresentaram.

197
Na área das artes a Performance ou Performance Arte estabeleceu-se como
linguagem artística ao propor adotar o corpo e sua ação em contexto social como
campo de investigação e desse campo buscar produzir ações performáticas a serem
apresentadas a um espectador. Apresentar um programa performático exige o corpo
de um ou mais performers propondo ações que podem envolver a participação direta
de espectadores ou não. Cada proposta de performance arte possui sua especificidade,
elementos e ações delimitadas ou selecionadas para aquela intervenção.

Na década de 1960 e os anos seguintes, artistas como Joseph Beuys (1921-


1986) e Allan Kaprow (1927-2006) experimentaram ações na Performance Arte que
desencadearam discussões sobre os usos do corpo em arte e os próprios limites entre
arte e vida. Beyus, propôs explicar as obras de arte de determinada galeria para uma
lebre morta com o rosto coberto por folhas de ouro. Kaprow utilizou corpos como base
para a impressão das próprias formas corporais. A tinta era aplicada aos corpos e os
corpos pressionados em uma tela para que a forma pudesse criar efeitos visuais. Com
origens diversas e com liberdade para apropriar-se de elementos de outras áreas da
arte, a Performance Arte constitui-se como linguagem artística permitindo variações de
acordo com a obra criada ou proposta de intervenção artística.

FIGURA 21 – OS ARTISTAS JOSEPH BEUYS E ALLAN KAPROW

FONTE: <https://bit.ly/3KMGgdT>; https://bit.ly/36pJ01V>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Para o estudioso na área Richard Schechner (2006), realizar uma performance


seguiria alguns princípios como sendo, fazendo, mostrar fazendo, explicar o mostrar
fazendo. Isso prevê a apropriação de certas ações que seriam desenvolvidas em
contextos reais, em rituais do cotidiano para serem transpostas para o campo da arte e
reproduzidas por um ou mais performers em determinado momento.

Schechner (2006) afirma como materialidade de pesquisa que “sendo” seria a


existência, vida real. “Fazendo” é a atividade que os corpos executam diariamente. O mostrar
fazendo já seria a repetição da ação selecionada repetidamente realizada com certa ênfase.
198
Nesse caso pareceria como uma qualidade de execução da ação que aponta,
sublinha e evidencia a ação realizada e explicar o mostrar fazendo estaria no plano dos
estudos performáticos. Estas categorias nos estudos da performance são importantes
para a criação de arte performática na medida que o sendo implica em discussões
filosóficas do ser, existir que se conecta com a dimensão seguinte que é o fazer ou
mostrar o fazer. O mostrar, o fazer e explicar, o mostrar fazendo, implicam em uma
repetição do ato da ação real selecionado para causar algum efeito no espectador.

O autor apresenta esse panorama para discutir o comportamento humano como


material para a criação de performances, sejam em rituais de cura, ritos de passagem,
ações cotidianas ou outro contexto da realidade contemporânea.

O comportamento restaurado como adotar um fragmento de ação cotidiana,


reproduzir em um contexto artístico e repeti-lo com certa concentração para que a ação
possa assumir características de ritual, intervenção na realidade de transe em contato
com o espectador. A performance arte dialoga com filosofia, com a antropologia e com
princípios da própria arte (SCHECHNER, 2006).

No caso do teatro, podemos adotar princípios da performance arte para


transgredir as unidades clássicas da dramaturgia como tempo, espaço e lugar para
permitir intensidades, presenças e repetições de ações pontuais como elementos que
constroem cenas com certa desconexão.

Esses aspectos sempre comparados aos moldes tradicionais de construção


dramatúrgica como prólogo, apresentação da trama e personagens, desenvolvimento
do conflito e ápice da trama e resolução. Alguns casos ainda apresentam um epílogo,
após resolver a trama.

FIGURA 22 – CENA DO ESPETÁCULO O LIVRO DE JÓ DA COMPANHIA TEATRO DA VERTIGEM

FONTE: <https://bit.ly/3qcGa7L>. Acesso em: 11 jan. 2022.

199
O teatro contemporâneo dialoga com as áreas da arte como a dança, as artes
visuais e o cinema para buscar compor obras que operam no plano da experiencia
estética, das sensações ou das intensidades. Experimentos fluídos, borramento das
fronteiras e embaralhamento de referenciais que permitem ampliar as possibilidades
criativas do corpo em cena. Com a Performance Arte em jogo, numa produção
teatral, as noções de personagem e de interpretação teatral são postas em xeque. A
representação passa a dar espaço para uma apresentação das ações dos atores em
cena. Os personagens passam a deixar de estar presentes, na noção do como se fosse,
para ser o que é. O que a cena exige de ação corporal para acontecer em intensidades,
provocações cênicas e sensações (FERNANDES, 2008).

A ação cênica modifica-se para dar espaço aos processos híbridos que
subvertem os princípios do drama para construir uma teatralidade que busca estar
conectada com a elaboração de sentidos enquanto ocorre. A obra de arte teatral
rompendo com limites entre a vida e arte, ficção e realidade instaurando o momento
fruitivo como experimentação estética. Nesta perspectiva, as produções com bases na
Performance Arte podem apresentar esquemas de cenas inusitadas, provocadoras e
que mesclam elementos da arte contemporânea e das áreas da arte. Estas produções
conectam com as noções de teatralidade e de performatividade dos processos criativos
e das experiências estéticas.

A Performance Arte contribuiu para que o teatro pudesse avançar em termos


de aproximar a arte e a vida, de provocar experiências teatrais inovadoras e intensas. No
Brasil, o Teatro Oficina e o Teatro da Vertigem, que estudaremos adiante, são exemplos
de coletivos que buscaram na performance arte inspiração para suas criações.

Na medida em que os experimentos exploram possibilidades expressivas


baseadas na Performance Arte, os universos da arte ou do teatro contemporâneo trazem
para a discussão a teatralidade e a performatividade, é comum ocorrer a dissolução dos
limites entre trabalho em progresso, entre dimensões ficcionais e reais, entre espaço da
cena e do espectador, do ator e do performer (FERNANDES, 2008). A seguir discutiremos
sobre a formação do ator em períodos pós ditadura e as perspectivas de retomada do
teatro e da construção de uma identidade nacional.

4 TEATRO, CORPO E A FORMAÇÃO DO ATOR


Pensar em formação de atores e atrizes ou de artistas da cena é abordar os
modos que a própria atividade artística exige em cada contexto criativo de cada período
da história do teatro. As necessidades de um contexto artístico e possibilidades de
pesquisa de um corpo artístico presente, capaz de estar pronto ao exercício da arte
teatral e preparado para fazer nascer um personagem, seja ele qual for a natureza.

200
Os modos de conceber as cenas e propostas teatrais pode influenciar nos processos
formativos de atores. Um consenso na arte teatral é de que o corpo de atores e atrizes
são elementos fundamentais para compor espetáculos de teatro. Mesmo no teatro de
bonecos ou de formas animadas, o corpo é fundamental para que o teatro possa existir
(ARAÚJO; FUSER, 2013).

Neste sentido, a formação do ator deveria iniciar pelo conhecimento de sua


estrutura física, sensível e psíquica, para que possa dominar sua natureza e disponibilizá-
la para a arte teatral. Em tempos antigos, quando a arte teatral ainda estava em seu
início, as companhias precisavam ter um repertório diversificado, forçando os artistas
a terem que dispor os recursos que estavam disponíveis para que as obras pudessem
acontecer e manter o maior número possível de espectadores. Isso no século XIX e
meados do século XX, em que as dificuldades de formação dos atores e atrizes era
presente e as habilidades eram desenvolvidas na prática de ensaios e nas próprias
temporadas de apresentações.

Entretanto, os atores e atrizes eram formados pela prática e dedicação individual


em buscar conhecimentos. O elenco recebia suas falas, as ensaiava separadamente
conforme as orientações de diretores e as deixas, preparando dessa forma somente suas
falas para no momento de o ensaio estabelecer a composição do jogo cênico necessário
para que as cenas possam funcionar. Esse sistema ocorria no chamado “velho teatro”
e por escassez de cursos profissionalizantes ou de programas de formação de atores e
atrizes eficazes, a formação ocorria por duas vias: uma pela prática na própria atuação,
aprender na ação e na imitação dos intérpretes mais experientes (ARAÚJO; FUSER, 2013).

Nesta época existiam modelos que deveriam ser seguidos, os tipos físicos para
cada papel e gestos, modos de entonar e outros recursos utilizados por atores de sucesso
que que deveriam ser imitados para que se pudesse adquirir o que era chamado do ‘jeito
certo’. Durante muitas décadas esse sistema esteve em vigor até surgirem iniciativas
do ator brasileiro João Caetano a partir de 1861, de implementar cursos, palestras e
trocas de conhecimentos tal como os artistas da cena europeus. Seus objetivos não
foram alcançados, durante sua vida, sendo que faleceu em 1963. Somente três décadas
depois desse fato que surgiu a primeira escola de teatro constituída pela iniciativa
privada, fundada por Gomes Cardim em 1906 e chamava-se Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo (ARAÚJO; FUSER, 2013).

Somente em 1911 foi criada no Rio de Janeiro Escola Dramática Municipal,


que hoje chama-se Escola de Teatro Martins Penna. A escola resistiu com crises e
interrupções de suas atividades. Entre as décadas de 1920 e 1940 Renato Vianna apoia
incansavelmente na criação de cursos de formação para atores e atrizes em diversas
cidades, e uma delas foi Porto Alegre. Mesmo assim, a necessidade de formar artistas
da cena era importante para que a qualidade da arte produzida pudesse ser aumentada.
O SNT (Serviço Nacional de Teatro) contribuiu para a criação do Curso Prático de
Teatro (CPT), no Rio de Janeiro, em 1939. Décadas mais tarde viria a se transformar
Conservatório Nacional de Teatro (1953-1969), hoje UNIRIO.

201
Na cidade de São Paulo, em 1948, o Dr. Alfredo Mesquita criou a EAD (Escola de
Arte Dramática) que buscava formar artistas da cena para trabalharem no TBC (Teatro
Brasileira de Comédia). O diretor buscou os princípios de Copeau para desenvolver
os percursos de formação da EAD. A escola permaneceu privada e trouxe outros
profissionais além dos franceses, os diretores italianos, para que pudessem contribuir
para a formação de atores e atrizes com certa qualidade. Essa ação permitiu que as
propostas de formação que eram ofertadas na EAD tivessem qualidade conectadas
com a arte teatral na modernidade. Em 1968, a USP passa a absorver a EAD, seus cursos
teóricos transformam-se no departamento de Artes Cênicas da ECA-USP e o curso que
artes da EAD foi transformada em Escola Técnica de Formação de Atores anexada à
Escola de Comunicação e Artes (ARAÚJO; FUSER, 2013).

No Rio de Janeiro, em 1951, Maria Clara Machado criou O Tablado, um centro


de formação de atores que permanece até os dias de hoje oferecendo formação de
qualidade para artistas da cena. A necessidade de expandir para outros locais propostas
de formação de atores, que iniciativas surgiram em cidades como Porto Alegre, Belo
Horizonte, Campinas, Brasília, Salvador e Santa Maria (RS). Em 1978 o Ministério do
Trabalho reconheceu a profissão de ator desencadeando o reconhecimento dos cursos
de formação de atores pelo Ministério da Educação. Esse fato expandiu a criação de
cursos de formação de artistas da cena em Universidades do Brasil.

Na atualidade, ainda temos situações precarizadas no que se refere a formação


de qualidade para artistas da cena, porém podemos considerar que a formação de atores
e atrizes está consolidada. Esse panorama foi possível pela implementação de cursos de
graduação, de pós-graduação – mestrado e doutorado – que permita o campo da pesquisa
em artes da cena seja frutífero. Professores, artistas e pesquisadores podem conectar-se
com as possibilidades contemporâneas internacionais ou com raízes brasileiras.

FIGURA 23 – RETRATO DE MARIA CLARA MACHADO

FONTE: <https://bit.ly/36q18sM>. Acesso em: 11 jan. 2022.

202
Ao tratarmos de corpo como princípio para a formação de atores e atrizes há
de se pensar no desenvolvimento, além de resistência, condicionamento a construção
de um corpo flexível, apto a fazer nascer personagens diversificados ou estar preparado
para estabelecer conexões com outros corpos. Pensar em um corpo conectado com
outros corpos implica em escolher um percurso formativo que permita o ator e a atriz
seja instrumento para que a obra de arte teatral possa acontecer.

Inicialmente a preparação corporal de atores e atrizes era baseada na prática da


dança, precisamente o balé clássico e a esgrima. Tempo depois, optou-se por introduzir
a expressão corporal baseada em pesquisadores europeus como Dalcroze, Decroux,
Laban, Mary Wygman, Martha Graham, entre outros. Esse fato trouxe a mudança de
perspectiva para o trabalho do ator, alterando a tendência em reproduzir padrões de
atuação para dar enfoque nas potencialidades expressivas do corpo. A pesquisa de
um corpo expressivo partindo do próprio corpo considera o corpo como instrumento
essencial para a arte teatral (ARAÚJO; FUSER, 2013).

A década de 1960 foi importante para o trabalho de atuação pois novas


perspectivas foram lançadas e experimentadas. Novas pesquisas sobre processos
interpretativos chegaram em terras brasileiras, modificando profundamente as
abordagens formativas de atores e atrizes. Pesquisas de teatrólogos como Antonin
Artaud, Grotowski, Peter Brook, Jaques Lecoq e institutos como o Living Theater
ofereceram instrumentos para que a formação dos artistas da cena pudesse seguir
novos rumos. Na década de 1970, os cursos entenderam a importância do corpo nos
processos criativos e na formação do profissional voltado para a cena teatral.

Para intensificar essa busca por um corpo expressivo, as escolas buscam em


técnicas como Improvisação Teatral, o método Laban, os procedimentos de Grotowski
quando busca testar os limites psicofísicos de seus aprendizes, de Eugênio Barba e
sua antropologia teatral, bebeu em fontes orientais, de Meierhold que apropriou-se da
Comédia Dell’ Arte e da máscara neutra. Estas perspectivas ofereceram para a formação
de atores e atrizes abordagens que instigavam o participante, por meio de estímulos
psicofísicos, uma presença ativa, no aqui e agora, um corpo vivo, integrando estrutura
física com a cognitiva e disponível para criar teatralidades.

FIGURA 24 – RETRATOS DE PETER BROOK E JERZY GROTOWSKY

FONTES: <https://bit.ly/3IhoAW4>; <https://bit.ly/3CV4fVO>. Acesso em: 11 jan. 2022.


203
Esse corpo cênico foi intensificado com os novos estudos de Stanislávski,
Grotowski, Barba e Peter Brook, Yoshi Oida e Jaques Lecoq e as pesquisas acadêmicas
em torno do trabalho do ator. Estas novas perspectivas trouxeram para o trabalho de
atuação a compreensão de que o ator está em cena com um fazedor de afetos, que
apresenta seu trabalho, em contraponto com a representação de outros tempos. O ator
contemporâneo está conectado com contextos criativos que exigem apresentar um
corpo potente fisicamente e vocalmente vivos. A voz como instrumento de comunicação
também se apresenta como recurso importante para que o artista da cena possa
desempenhar seu papel.

Explorar os recursos vocais e possibilidades ressonantes da voz representa


importante caminho para prepara o corpo e estar inteiramente preparado para os desafios
que a arte teatral apresenta. A voz, assim como o corpo como um todo, oferece aos
espectadores possibilidade de experimentar sensações, experiências estéticas de acordo
com cada obra de arte teatral. A seguir adentraremos ao tema dramaturgia contemporânea.

INTERESSANTE
Para aprofundar seus estudos dos aspectos do trabalho do ator na
contemporaneidade, sugerimos a leitura do livro “Um ator errante” do
pesquisador e artista da cena Yoshi Oida. O livro contém princípios do trabalho
para a construção de um corpo disponível para a criação teatral. Pode ser
encontrado facilmente em plataformas virtuais ou em bibliotecas públicas.
Referência do livro: OIDA, Yoshi. Colaboração de Lorna Marshall. Prefácio de
Peter Brook. Trad. Marcelo Gomes. São Paulo: Beca Produções Culturais, 1999.

5 DRAMATURGIA E A CENA CONTEMPORÂNEA


O teatro contemporâneo mostra-se fértil para a implementação de infinitas
possibilidades. Princípios dos estudos da performance, do teatro pós-dramático e
dos temas que atravessam os processos de criação de teatralidades. Outros temas
que atravessam o corpo de artistas da cena nos contextos contemporâneos são as
questões de gênero, sexualidade, violências à mulher, preconceito racial e a pessoas que
se identificam LGBTQIA+ ou questões relacionadas às hegemonias culturais. O teatro
contemporâneo e os corpos que escolhem construir obras de arte teatral são afetadas
por estes atravessamentos e consequentemente influenciam a cena contemporânea.

Neste sentido, outro assunto que requer destaque é a performatividade da cena


teatral, as abordagens processuais que oferecem para as obras teatrais um caráter
contínuo, inacabado, em progresso, o que podemos denominar work in progress. Assim,
as obras de arte estão em constate modificação de acordo com os afetos que causam
e deixam-se afetar.
204
O núcleo do trabalho criativo, nessa perspectiva, está o performer e seu corpo
capaz de afetar e ser afetado. O performer e seu corpo vivo, busca fundir princípios de
diferentes vertentes contemporâneas de atuação que tornam as produções intensas,
com certa metamorfose no que se refere a recursos interpretativos, sem abandonar
aspectos que remetem aos artifícios do teatro (FERNANDES, 2013).

Outro aspecto que destacamos nesta discussão é a construção coletiva de


cenas e de dramaturgias compondo um trabalho de arte teatral que ultrapassa os
limites de dramaturgias tradicionais para estabelecer uma dramaturgia do corpo ou uma
dramaturgia autônoma e original.

O trabalho do diretor ou do encenador passa a ser criador na medida que faz


certa fusão entre direção, roteiro, percurso criativo em um equilíbrio de forças específico.
O encenador assume o papel de condutor de processos que são únicos de cada coletivo
e de cada obra de arte a ser criada.

Esta proposta traz para os processos criativos certa semelhança com os


processos colaborativos dos anos 1990 e produz conexões criativas e criadoras em
que um encenador-ator e atores-criadores interagem para compor uma linguagem
própria que pode apresentar certa qualidade performativa, híbrida em prismas de
atravessamentos múltiplos.

Nesta perspectiva, que ocorrem a apresentação de obras de arte teatral


que buscam compor certa visualidade, iluminação como elemento dramatúrgico,
sonoridades diversas, múltiplas presenças dos corpos que criam os afetos cênicos que
se relacionam com o espectador também de forma inovadora. Recursos de multimídia
trazem a tecnologia para a cena de modo que se funde com os corpos de atores e
atrizes (FERNANDES, 2013).

Essas novas possibilidades de criar obras de arte teatral não implica em seguir
princípios aleatórios ou interpretar que o teatro contemporâneo busca construir um
teatro para contrapor o que já foi desenvolvido.

O teatro contemporâneo busca conhecer a fundo os princípios do teatro


tradicional, seus pensadores, teatrólogos e encenadores, estudar os princípios da
performance arte e propostas atuais para posteriormente propor percursos criativos
que sejam provocadores. Fazendo assim, que as propostas artísticas necessitem do
espectador para que possam afetar e serem afetados.

Textos clássicos ou dramaturgias modernas podem ser fontes de criação de


espetáculos teatrais contemporâneos na medida que servem de estímulo criativo.
Poemas cênicos, corpos encarnados, a fisicalidade do ator, rompimento de tempo,
espaço e andamento de cenas que supõem um ato inacabado. Estas características
podemos encontrar em relatos da montagem de A Morta (1992) com texto original de
Oswald de Andrade, encenada pela Companhia dos Atores, no Rio de Janeiro. Nesse

205
espetáculo há um modo peculiar de estabelecer os diálogos que rompem com a
linguagem teatral tradicionalmente conhecida. Este feito mostra certa dinâmica, ritmo e
musicalidade construída especificamente para atender a proposta de encenação.

FIGURA 25 – CENA DO ESPETÁCULO O REI DA VELA

FONTE: < https://bit.ly/3tYK4Ch>. Acesso em: 11 jan. 2022.

A mesma companhia encena Melodrama (1995) que busca reverter as estruturas


do próprio gênero que dá nome ao trabalho, para ressaltar pontos de vista, trechos
narrados, elaboração de efeitos de distanciamento que causavam estranheza e reflexão
sobre a proposta apresentada. No ao de 2000, essa mesma companhia faz uma releitura
do texto O Rei da Vela, também de Oswald de Andrade. Nessa proposta, marcos históricos
de cena brasileira que são o espetáculo encenado em 1933 e a proposta de encenação de
José Celso Martinez Corrêa, em 1967 com o Teatro Oficina (FERNANDES, 2013).

A ousada proposta de trazer para o palco elementos das duas produções


em um processo que buscou criar uma terceira proposta mantendo as camadas de
significado que a dramaturgia de Oswald propunha e que já fazia parte do repertório
cultural brasileiro. Essa proposta dialogava com certa hiperteatralidade, síntese de áreas
artísticas e mídias, na busca por mostrar uma realidade social como ela se apresenta,
sem rodeios ou camuflagens. A seguir, apresentaremos alguns coletivos de teatro que
marcaram presença e alteraram significativamente o cenário da pesquisa e produção
teatral na contemporaneidade brasileira.

6 GRUPO LUME, GALPÃO E COLETIVOS TEATRAIS


Os anos 1990 e 2000 foram decisivos para o desenvolvimento do teatro nacional
devido aos experimentos de coletivos teatrais que desafiaram as tradições teatrais
ao assumirem os processos de criação teatral como uma posição política frente aos
desafios sociais.

206
Além de uma organização e gerenciamento dos grupos ser de maneira
democrática e colaborativa, as criações espetaculares também seguem esses
princípios além de criar uma cena teatral que apresentava os anseios do coletivo. Nesta
perspectiva, coletivos teatrais surgiram em diferentes cidades brasileiras, não somente
no tradicional eixo Rio-São Paulo. Grupos como Teatro da Vertigem e a Companhia do
Latão, em São Paulo, a Companhia dos Atores no Rio de Janeiro, o Grupo Galpão em
Belo Horizonte, o Ói Nóis Aqui Traveiz em Porto Alegre e o LUME Teatro em Campinas
(SP) (FERNANDES, 2013).

FIGURA 26 – CENA DA CENOGRAFIA DO GRUPO GALPÃO

FONTE: <https://bit.ly/3CLhCHX>. Acesso em: 11 jan. 2022.

A presença destes coletivos teatrais ascende a discussão de uma arte teatral


que não pode estar desconectada com pressupostos filosóficos, com a vida e com
uma atitude ética, estética e artística diante dos desafios que a vida apresenta. Isso
não significa submeter a arte aos contextos sociais, mas fazer dos processos criativos
a criação de possibilidades de uma vida com harmonia, autonomia, liberdade de
pensamento e com criticidade diante de um sistema econômico ou político que explora
por meio de relações de poder, os potenciais dos envolvidos. Quando um coletivo teatral
busca desenvolver um processo baseado na discussão colaborativa e democrática,
significa que todos os profissionais envolvidos em tal processo estão conectados e são
responsáveis por fazer a obra de arte teatral chegar ao espectador.

207
FIGURA 27 – CENA DO ESPETÁCULO CALIBAN – A TEMPESTADE DE AUGUSTO BOAL 2017

FONTE: <https://bit.ly/3JxnreR>. Acesso em: 11 jan. 2022.

O processo de montagem teatral colaborativo os profissionais da cena,


encenador, atores e atrizes, dramaturgos, iluminadores, cenógrafos, figurinista,
sonoplastas partilham de suas especificidades e neutralizam possíveis destaques
individuais, para priorizar o desenvolvimento da obra. Cada profissional conhece seu
papel no processo e age para que o espetáculo possa ser o principal foco. A tarefa de
conduzir percursos criativos pode partir do encenador ou de outros profissionais que
colaborariam para provocar o levantamento de materiais cênicos para uma posterior
edição (FERNANDES, 2013).

Nesta perspectiva, todo o material levantado será editado com a colaboração de


todos os envolvidos e com um olhar específico para a concepção da obra demarcando a
produção autoral, tanto em dramaturgias, quanto em concepção de cenas, podendo trazer
para a cena uma estética atual e originalidade de cada coletivo. Esse caminho permite
que dramaturgias sejam criadas onde a palavra foca em segundo plano e os corpos em
cena podem assumir as presenças necessárias para a composição da obra. É importante
ressaltar que cada processo criativo é único assim como os integrantes do coletivo
também são. As teatralidades criadas são editadas de acordo com a concepção da obra
teatral e as dissonâncias, o que parece sem sentido, as ausências ou usos dos elementos
de outras áreas são escolhas bem-vindas no teatro contemporâneo (FERNANDES, 2013).

Destas práticas conectadas com movimentos de ruptura com o teatro tradicional


ampliou o horizonte teatral de modo que estabeleceu certa instabilidade nos códigos
cênicos, barramento das fronteiras entre as áreas da arte que, em algumas propostas,
pode apresentar a sensação das características fundamentais do teatro. Esta abordagem
pode ser uma perspectiva conservadora diante das provocações contemporâneas ou
da iminência de produções teatrais baseadas nos estudos da performance. Assim,
podemos afirmar que o teatro apresenta novas possibilidades de criação e composição
de teatralidades com o foco nas experiências estéticas oferecidas ao espectador.

208
Outro aspecto que merece destaque é o que chamamos de dramaturgia do
ator e da atriz. Essa perspectiva reúne discussões em torno de processos criativos que
partem essencialmente do trabalho de atuação. São percursos criativos que partem de
exercícios físicos que os corpos dos atores e atrizes são submetidos e destes estímulos
surgem teatralidades, ações cênicas e possibilidades de expressar o que o corpo carrega
enquanto estrutura viva e sensível que carrega marcas das experiências vividas. Essas por
sua vez podem ser fontes de criação cênica na medida que o encenador ou provocador
de exercícios criativos condiz a seleção de materiais para serem editados posteriormente.

FIGURA 28 – CENA DO ESPETÁCULO CAFÉ COM QUEIJO DO LUME TEATRO 2000.

FONTE: <https://bit.ly/3wc1Jcc>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Nesta abordagem destacamos o Lume – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas


Teatrais, de Campinas – SP. O coletivo foi fundado em 1985 por Luís Otávio Burnier
(1956-1995), pela musicista Denise Garcia, e pelo ator Carlos Roberto Simioni. Uma
base tríplice fundamenta as abordagens do coletivo: a mímica, a linguagem do clown
(trabalho de palhaçaria) e a antropologia teatral desenvolvida por Eugenio Barba. Após a
morte de Burnier em 1995, o coletivo seguiu suas pesquisas ampliando as possibilidades
de trabalho de atuação. Outros integrantes do coletivo como Renato Ferracini que busca
pesquisar o trabalho do ator por meio de práticas expressivas do corpo. Ricardo Puccetti
busca expandir suas pesquisas com bases no trabalho de clown e na mímeses corpórea.
Essa perspectiva propõe, dentre outras provocações de âmbito corporal, construção de
teatralidades e qualidades físicas para a composição cênica partido da observação de
qualidades físicas e psicológicas de pessoas que habitam um contexto social específico.

O coletivo conta ainda com a atuação de Ana Cristina Colla, Jesser de Souza,
Raquel Scotti Hirson e com uma estrutura conectada a UNICAMP, em Campinas – SP.
O grupo é destaque na formação intensa e qualitativa de atores e atrizes no que se
refere ao processo de criação, na expressividade do corpo e de dramaturgias originais
resultantes dos percursos investigativos. O núcleo representa um dos principais centros
de pesquisa no trabalho de atuação do país (S. GARCIA, 2013).

209
DICA
Para conhecer o histórico do grupo Lume Teatro, a página virtual do coletivo
apresenta a trajetória e as principais montagens teatrais do coletivo. Acesse
em: http://www.lumeteatro.com.br/.

Outro coletivo que merece destaque no contexto do teatro contemporâneo é o


Núcleo Experimental de Teatro o N.EX.T, na cidade de São Paulo. Esse núcleo foi criado
com o objetivo de desenvolver novas dramaturgias através de seu coordenador Antônio
Rocco, que conta com formação teatral universitária. O N.EX.T é um importante centro
de produção teatral que impulsiona a cultura e produziu inúmeros espetáculos teatrais
com a presença de inúmeros artistas de renome nacional. Um dos espetáculos que
retrata a dramaturgia do improviso, do humor ligeiro que remete a uma atualização do
Teatro de Revista, uma pitada de teatro nonsense que se conecta calorosamente com o
espectador. Um dos espetáculos de maior sucesso foi o Terça Insana (C. GARCIA, 2013).

Outro coletivo importante para trazermos à discussão é o grupo Galpão da


cidade de Belo Horizonte. O grupo, fundado em 1982, objetivava adaptar dramaturgias,
sejam clássicas ou modernas, para serem apresentadas em espaços públicos como
ruas, praças e outros espaços que podem receber a estrutura do espetáculo. O grupo
ficou famoso por encenar textos de Shakespeare e de Molière, em um formato para a
rua. A pesquisa do grupo segue trazendo para o universo do espaço público montagens
que ousam destacar-se por sua originalidade e desenvolvimento de uma linguagem
própria de atuação e sonoridade para o espaço da rua. Os espetáculos do grupo contam
com estruturas cenográficas que buscam se apropriar dos espaços para realizar a
apresentação marcando presença no cotidiano das cidades que circulam.

IMPORTANTE
Para conhecer o trabalho do Grupo Galpão de Belo Horizonte, acesse o
endereço eletrônico e navegue pelas maravilhas criadas pelo coletivo teatral.
Disponível em: https://www.grupogalpao.com.br/. Vale destacar que o Grupo
Galpão conta, desde 2020, com oficinas realizadas de forma remota e que
são ofertadas de forma gratuita, para saber mais dessa programação, acesse
as redes sociais do Grupo, no Instagram e Facebook.

210
FIGURA 29 – CENA DO ESPETÁCULO ROMEU E JULIETA DO GRUPO GALPÃO

FONTE: <https://bit.ly/3u6v99f>. Acesso em: 11 jan. 2022.

O Centro de Pesquisa Teatrais CPT é um importante centro de pesquisa do


SESC (São Paulo) dirigido por Antunes Filho (1929-2019), que se firmou como centro
de pesquisa depois da montagem do texto Macunaíma, de Mário de Andrade, em 1928,
adaptado para a cena. Em seu legado, o coletivo de pesquisa teatral sob a direção de
Antunes Filho criou e levou ao público cerca de 46 espetáculos dentre eles estão: Nelson
Rodrigues – O eterno retorno, Antígona, A pedra do reino, Nossa cidade entre outros.

O último coletivo que abordaremos neste trecho é Grupo XIX de Teatro, da


cidade de São Paulo, que busca pesquisar dramaturgias conectadas aos espaços que
possam ter conexões com os universos dos personagens abordados. No espetáculo
Hysteria (2002) reunia monólogos de personagens femininas que expunham universos
de mulheres consideradas histéricas pela comunidade médica. Outro espetáculo de
destaque foi Hygiene (2005) que nasceu de pesquisas do grupo em torno de narrativas
que retratam populações submetidas a políticas higienistas do século XIX (C. GARCIA,
2013) A seguir, discutiremos outras possibilidades teatrais na contemporaneidade.

IMPORTANTE
Para conhecer o Grupo XIX de Teatro acesse o endereço eletrônico que
está a seguir e navegue pelos espetáculos do coletivo teatral. O Grupo XIX
de Teatro possui uma pesquisa intensa em criações para espaços públicos e
construções históricas. Acesse o link a seguir e amplie seu repertório cultural.
https://www.facebook.com/grupoXIXdeteatro.

211
INTERESSANTE
Na capital do estado de Santa Catarina um grupo teatral se destaca na pesquisa
de possibilidades teatrais. O grupo possui nome de Experiência Subterrânea e
periodicamente propõe ações performáticas e exibição de espetáculos teatrais
com uma estética contemporânea. Acesse o website e conheça o trabalho
artístico do grupo Experiência Subterrânea. Endereço eletrônico: https://www.
facebook.com/grupoexperienciasubterranea.

7 OUTRAS POSSIBILIDADES
Neste momento discutiremos outras possibilidades do teatro contemporâneo
brasileiro que merecem destaque para pensarmos as características cênicas atuais.
Dramaturgo e escritor que merece destaque no cenário nacional é Nelson Falcão Rodrigues
(1912-1980), ou somente Nelson Rodrigues. Natural de Recife, mudou-se para o Rio de
Janeiro aos cinco anos e ali cresceu torando-se escritor, amante das artes e dramaturgo.

Seus textos são famosos por apresentar uma visão peculiar da realidade brasileira,
principalmente dos universos familiares. Suas tramas carregadas de trágicas situações,
exploravam situações inusitadas que postas em cena causavam estranhamento nos
espectadores da época.

Por ser repórter policial, estava diariamente em contato com fatos trágicos que
alimentavam as tramas de seus textos teatrais e crônicas com destaque para A vida
como ela é... Com direção de Ziembinski, os textos de Nelson Rodrigues apresentaram
inovação por apresentar planos de atuação na mesma cena, mesclando realidade cênica
e sonho, o chamado metateatro: teatro dentro do teatro e certo expressionismo teatral.

Nelson escreveu romances, contos, crônicas e 17 peças teatrais que o elevam a


um dos maiores dramaturgos do teatro brasileiro e universal.

FIGURA 30 – RETRATO DE NELSON RODRIGUES

FONTE: <https://bit.ly/3MVEcSJ>. Acesso em: 11 jan. 2022.

212
O Teatro da Vertigem foi um coletivo teatral criado em 1992 pelo encenador
Antônio Araújo em São Paulo. O grupo formado por egressos da Escola de Comunicação
e Artes da Universidade de São Paulo, ECA/USP, propôs a montagem de espetáculos
teatrais que pudessem ser exibidos em espaços não convencionais.

O trabalho de destaque do coletivo foi a Trilogia Bíblica formada por Paraíso


Perdido, 1992, de Sérgio de Carvalho; O Livro de Jó, 1995, de Luís Alberto de Abreu; e
Apocalipse 1,11, 2000, de Fernando Bonassi.

FIGURA 31 – CENA NO ESPETÁCULO PARAÍSO PERDIDO

FONTE: <https://bit.ly/3MOUQnf>. Acesso em: 11 jan. 2022.

O espetáculo Paraíso Perdido de 1992, foi encenado em uma igreja no centro de


São Paulo, Igreja de Santa Ifigênia. Houve resistências por parte da comunidade religiosa,
porém depois de cederem, o espetáculo foi aclamado pelo público, pois apresentava
uma trama que estabelecia diálogos entre personagens humanos no caminho de uma
suposta essência divina.

O espetáculo O Livro de Jó, com dramaturgia de Luís Alberto de Abreu foi


encenado no Hospital Humberto I. A montagem baseada no livro bíblico, explora
dificuldades sociais de um final de século que podem ser conectadas com as mazelas
da época. Depois desse espetáculo, Antônio Araújo retorna de um período de estudos
em Nova Iorque, decide montar Apocalipse 1, 11, inspirado no Apocalipse, de São João.
Fernando Bonassi compõe a dramaturgia e o processo criativo segue a abordagem
colaborativa e apresenta certa miséria social, o personagem João é posto como um
migrante da região nordeste e está vagando por espaços e situações de vulnerabilidade
até encontrar o personagem Jesus Cristo.

Os processos criativos incluíam mergulhar no espaço selecionado para ser


palco da encenação. O trabalho de atuação é intenso e rigoroso o que oferece aos
espetáculos do Teatro da Vertigem a mais alta qualidade estética. As dramaturgias são
elaboradas com certa inovação para inserir os espaços escolhidos para a encenação.
Estes aspectos fizeram com que o coletivo obtivesse enorme sucesso e recebesse
premiações diversas em sua trajetória (FERNANDES, 2013).
213
Outro tema pertinente que se relaciona com esta ideia é o Teatro e Cidade,
uma vertente que busca estabelecer criações teatrais buscando relações, ocupações e
presenças dos espaços urbanos.

Essa iniciativa de pesquisa busca ocupar espaços, ramificar processos criativos


de modos que o corpo dos envolvidos possam criar teatralidades partindo dos estímulos
cotidianos dos espaços urbanos. Esse fato implica na ocupação de espaços públicos
por coletivos teatrais, interferindo na organização social e pode gerar discussões em
torno da cultura de massa, da democratização dos códigos da arte e discutir temas
como violência, direitos humanos, desigualdade social e ao direito à cidadania.

FIGURA 32 – RETRATO DE ANTUNES FILHO (1929-2019)

FONTE: <https://bit.ly/37F50a1>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Exportar espaços da cidade conecta-se com tendências contemporâneas de


expandir a cena teatral para fora das salas luxuosas ou dos espaços de teatro que exigem
pagamento de entrada para o acesso. Neste sentido, três nomes são fundamentais para
pensar a cena contemporânea brasileira: Antunes Filho, José Celso Martinez Corrêa
e Gerald Thomas. Estes encenadores buscaram referenciais que mesclam teorias de
Grotowski, Artaud e outros pressupostos que fundamentaram as produções dirigidas
pelos artistas da cena citados. O Livro de Jó (1995), dirigido por Antonio Araújo, com o
coletivo Teatro da Vertigem, trazia para a cena Mateus Nachtergale, interpretando Jó,
um personagem mergulhado em sangue o que causava estranhamento no espectador
na possibilidade de contaminação fazendo alusão ao teatro da crueldade de Antonin
Artaud. O cenário do Hospital Humberto I era organizado de modo que o público se
sentava nas laterais da cena e ao centro encontrava uma mesa de cirurgia. Os sentidos
eram aguçados pelo forte cheiro de formol e os espectadores não conseguiam olhar
para a cena ou para os atores sem ter no campo de visão as pessoas que compõem o
público. Essa configuração estabelece olhar de cumplicidade para o ato de comungar
teatro e de estabelecer no espaço da cena certa metáfora para a cura ou morte.

214
FIGURA 33 – CENA DO APOCALIPSE 1, 11

FONTE: <https://bit.ly/3u4DNVs>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Em Apocalipse 1, 11 (2000) ocorreu partindo dos relatos de dois fatos trágicos


ocorridos em território brasileiro: um a queima de um índio pataxó, na cidade de Brasília;
e outro fato, o massacre ocorrido no presídio do Carandiru, em São Paulo, quando 111
detentos foram brutalmente assassinados. O processo de montagem contou com
laboratórios criativos em espaços de vulnerabilidade social como boates, locais de vendas
de drogas, rodoviárias, hotéis de periferia e buscaram ouvir testemunhas que vivenciaram
a violência do universo urbano. O estudo do livro do Apocalipse foi ação inicial do coletivo
para o processo de montagem e com essa base buscou criar teatralidades em espaços
visitados. Os textos foram desenvolvidos partindo de improvisações dos atores e outros
recursos. As cenas foram desenvolvidas em um presídio desativado aproveitando
corredores, pátios, grades, muros envolvidos por uma sonoplastia aterrorizante e
agressiva, deslocando o espectador de sua zona de conforto (FERNANDES, 2013).

Estas experimentações e criações teatrais remetem a um teatro conectado


com a vivência, com a experiência estética, com envolvimento do espectador de modo
que o deslocamento dos padrões tradicionais para estabelecer certo borramento
dos limites entra a obra de arte e o espectador. Um modo de questionar processos
criativos, de recepção e de fluidez que a arte pode oferecer. O teatro denominado
Teatro de Rua também opera nos limites entre a vida e arte, entre a ficção e realidade
ao buscar espaços públicos para apresentar o trabalho artístico. Recursos populares
como máscaras, bonecos gigantes e sonoridades criadas para o espetáculo. Outros
movimentos culturais podem ser fonte de criação teatral como o rap, o funk e o hip-hop,
grafites, aparatos tecnológicos e outras possibilidades (FERNANDES, 2013).

Criações com bases performáticas são comuns na contemporaneidade, com


ênfase para o hibridismo de linguagens e códigos de áreas distintas da arte para
provocar experiências estéticas que de alguma maneira interferem no cotidiano em que
o espetáculo foi exibido. A seguir abordaremos brevemente alguns apontamentos da
cenografia e aspectos visuais da contemporaneidade.

215
IMPORTANTE
O Teatro do Absurdo, conectado a novas propostas de encenação dos movimentos pós-
guerra, aos experimentos da performance, do surrealismo e do dadaísmo, apresentam
características que fogem aos moldes tradicionais de encenação. Os temas adotados para
os dramaturgos que desenvolveram esse gênero eram associados à solidão e à escassez de
crenças. O teatro do Absurdo trata da condição humana de uma forma incompreensível e por
meio de diálogos, aparentemente desconexos, propõe uma sequência de cenas que pode
parecer sem sentido. Frequentemente os dramaturgos deste gênero fogem ao tradicional,
aos princípios da dramaturgia clássica e instaura certa atmosfera sombria,
pessimista e uma existência vazia de sentido. Até mesmo a comédia nesse
estilo pode parecer incompreensível e sem uma sequência linear. No
Brasil, alguns textos foram encenados, neste estilo, mas não houve
grande repercussão. Dois textos são famosos neste estilo: A Cantora
Careca de Ionesco e Esperando Godot, de Beckett. Ainda podemos
encontrar textos de outros dramaturgos como o romeno Eugène
Ionesco (1912-1994), o irlandês Samuel Beckett (1906-1989) o
francês Jean Genet (1910-1986), o russo Arthur Adamov (1908-
1970), o inglês Harold Pinter (1930-2008), o espanhol Fernando
Arrabal (1932), o francês Jean Genet (1910-1986) e o estadunidense
Edward Albee (1928). Alguns dos precursores deste procedimento
dramático seriam Alfred Jarry (Ubu Rei 1896) e Guillaume Apollinaire
(Les Mamelles de Tirésias 1903).

7.1 CENOGRAFIA E ASPECTOS VISUAIS CONTEMPORÂNEOS


Para introduzir essa temática, há de se destacar a dificuldade de abordar o
tema devido aos registros serem escassos e a efemeridade da arte teatral permitir
que este tema seja limitado quanto aos princípios e processos. A fotografia, vídeos e
depoimentos compõem as referências que oferecem aos estudos dos aspectos visuais
do teatro contemporâneo possibilidades de entender as escolhas e os estilos postos
em cena em cada época ou montagem teatral. Cada produção teatral pode apresentar
aspectos visuais, indumentária e cenografia de acordo com as escolhas do encenador,
da dramaturgia ou exigências da própria obra encenada.

FIGURA 34 – CENA DO ESPETÁCULO O AUTO DA COMPADECIDA, UMA ADAPTAÇÃO DO GRUPO MARIA


CUTIA, DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FONTE: <https://bit.ly/35WabBT>. Acesso em: 11 jan. 2022.


216
Ao longo da história do teatro brasileiro, os aspectos visuais passaram por
transformações desde o teatro de catequese, passando pelo teatro de revista, as
comédias ligeiras e musicais, o realismo e naturalismo, até chegar ao teatro moderno e
contemporâneo apresentando cenários minimalistas, surreais e que se mesclam com a
vida cotidiana.

A cenografia abarca os aspectos que são essenciais para a criação do espetáculo


teatral como cenários, figurinos e objetos utilizados na cena. No teatro contemporâneo
a iluminação também pode exercer papel importante na cenografia. A cenografia
apresenta quatro funções essenciais em uma obra teatral: a cenografia necessita estar
a serviço da encenação podendo oferecer o ambiente ou espaço para as cenas além
de indicar aspectos psicológicos criados pelo dramaturgo. A segunda função é estar
diretamente submetida ao processo criativo do encenador. A terceira função está em
apoiar integralmente o trabalho de atuação e a quarta função está em oferecer ao
espetáculo qualidades estéticas (C. GARCIA, 2013).

A função estética está entre as mais importantes, pois está conectada com
as escolhas que o cenógrafo faz para criar linhas, cores, formas, iluminação ou um
determinado estilo visual. Os aspectos realistas buscavam inserir no palco todos os
detalhes que a realidade apresenta, aparentando uma sala de estar real.

Os cenários naturalistas buscavam conectar-se com os elementos que


fossem essenciais para a encenação, recusando assim, os excessos. Ao contrário
dos cenários gregos, com telões pintados, o teatro moderno apresenta apelos para
elementos simbolistas, expressionistas, surrealistas ou cenários naturais apropriados
para a encenação. Essa abordagem conecta-se com linhas contemporâneas em que a
montagem teatral mergulha no espaço selecionado para compor a encenação e esse
espaço permanece como cenografia da obra (C. GARCIA, 2013).

Quanto a indumentaria, atendia as necessidades de cada encenação para


comunicar os signos de cada personagem. No teatro de catequese, as indumentárias
necessitariam distinguir personagens nativos, serem divinos e colonizadores.

No teatro do Brasil colônia, a indumentária ainda seguia as encenações e a


precariedade de espaços para as encenações. No período em que a construção de
teatros com certa pompa ocorreu, os espaços para o teatro exigiam uma cenografia
elaborada para que o público pudesse ter obras de arte teatral com qualidade artística
e entretenimento. As inovações surgiram nos anos 1900, quando a implementação
de experimentações, estilos e propostas modificou profundamente os modos de criar
cenas ou de compor uma cenografia.

Na década de 1940 um acontecimento gerou intensas discussões em torno


dos aspectos visuais que foi a estreia de O Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues com
direção de Ziembinski. Esse espetáculo trouxe para a cena brasileira uma inspiração
expressionista e propunha trazer para o palco dois planos: um correspondia a um plano

217
do sonho; e outro ao plano real. Além de uma trama que traz os delírios de Alaíde,
atropelada e está passando por um procedimento cirúrgico e nesse tempo, ela lembra
que tomou o namorado da irmã e imagina um encontro com uma cafetina que foi
assassinada pelo namorado (C. GARCIA, 2013).

FIGURA 35 – NELSON RODRIGUES SANTA ROSA E ZBIGNIEW ZIEMBINSKI EXAMINANDO O CENÁRIO DE


VESTIDO DE NOIVA EM 1943

FONTE: <https://bit.ly/3JjrdIm>. Acesso em: 11 jan. 2022.

Na contemporaneidade, as propostas de cenografia são inúmeras, tanto


quanto são as possibilidades da arte e de processos criativos. A performance arte, o
teatro pós-dramático e as experimentações do teatro contemporâneo estabeleceram
o rompimento com os padrões hegemônicos e aumentaram as possibilidades de
composição cenográfica. Desde a cenografia minimalista, essencial para a encenação,
até a pesquisa de indumentárias de época. O cinema, a televisão e as novas tecnologias
ofereceram para o teatro múltiplas opções para que uma encenação possa oferecer ao
público uma experiência fruitiva (C. GARCIA, 2013). Esse tema não esgota seus aspectos
neste breve texto e será aprofundado exclusivamente no material didático da disciplina
de Aspectos Visuais do Teatro.

218
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O teatro contemporâneo apresenta uma característica chamada híbrida. Esse aspecto


permite pensarmos processos criativos e obras de arte que agregam elementos,
signos e abordagens de outras áreas da arte.

• O teatro contemporâneo prioriza envolver o espectador a experiência fruitiva de


modo que o encontro para apreciar arte seja uma experiência estética.

• O teatro em tempos atuais, permite que os processos e composição de cenas seja


carregado de arte performativa da presença. Assim, a desconstrução de princípios
clássicos do drama e de proporcionar experiências fruitivas com a exibição de
trabalhos em chamados work in progress ou em processo.

• A característica de obra aberta ou inacabada pode apresentar cenas que


aparentemente são sem sentido, que abordam temas políticos, sociais, existenciais,
religiosos e múltiplas abordagens ou temáticas.

• O teatro baseado no corpo de atores e atrizes permite processo de investigação


múltiplos, pesquisa de campo para compor personagens, e princípios criativos
conectados com a performance arte.

• O Teatro Oficina possui nasceu na década 1958, ligado ao Centro Acadêmico 11 de


Agosto, ligado a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo. O
coletivo buscava desenvolver um movimento teatral que pudesse distanciar-se do
Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e das tendências nacionalistas do Teatro de Arena.

• A ditadura militar reprimiu os movimentos culturais e os atos institucionais aprofundavam


o poder do governo sobre a população. Os mecanismos de repressão eram compostos
pela censura, sequestro, tortura, execuções, ataques a bomba. A arte tornou-se um
recurso de luta e de militância contra o regime militar. Ao teatro resistiu modificando os
modos de criar dramaturgias para driblar os aparatos de censura do governo.

• A Performance Arte estabeleceu-se como linguagem artística na medida que busca no


corpo sua materialidade para a criação. Esse campo de estudo é amplo e ao focarmos
no teatro, a performance pode ser campo para pensar em dissolver as noções de
representação, de personagem e de construção linear de espetáculos teatrais.

• Percursos criativos coletivos podem ser importantes para a construção de


dramaturgias que expressem os anseios do coletivo, das temáticas escolhidas na
direção de compor propostas expressivas, autônomas e originais.

219
• O encenador assume o papel de condutor de processos criativos de modo que cada
coletivo percorre um caminho único. Dessa maneira, o trabalho do diretor teatral ou
do encenador pode ser considerado um processo criador quando consegue fundir a
ação de dirigir, roteirizar e editar materiais em pleno equilíbrio de forças.

• A cenografia possui quatro funções básicas e a que recebe destaque é a função


estética, pois está conectada com as escolhas que o cenógrafo faz para criar linhas,
cores, formas, iluminação ou um determinado estilo visual).

220
AUTOATIVIDADE
1 O Teatro Oficina surgiu em um período específico da história do Brasil e foi importante
centro de produção e difusão de arte teatral. Em meio a inovações no campo da
cultura, movimentos de arte internacionais que buscavam estabelecer outras
propostas criativas para aproximar a arte da vida. Neste contexto, sobre o surgimento
do Teatro Oficina, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O Teatro Oficina possui suas origens na década de 1958, em que nasceu o Centro
Acadêmico 11 de Agosto, ligado à Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
em São Paulo.
b) ( ) O Teatro Oficina nasceu em São Paulo, na década de 1958, originado em uma
oficina destinada para o reparo de automóveis.
c) ( ) O Teatro Oficina foi importante centro de pesquisa em tecnologia que busca
pesquisar inovações voltadas para os aspectos visuais de dança.
d) ( ) O Teatro Oficina foi desenvolvido em consonância com as propostas da arte
contemporânea e busca expandir sua atuação em países da Europa.

2 O Teatro de Arena resistiu o período em que o Brasil foi mergulhado em um regime


ditatorial marcado por repressão social e intenso controle da expressão artística e
de manifestações ideológicas ou de posicionamento político. A implementação de
órgãos de análise e censura marcou o período da ditadura em que artistas, ativistas e
profissionais contrários ao regime buscaram exilio em outros países para evitar sofrer
as duras sanções implantadas pelo regime. Com base nos trechos em que abordam
discussões sobre o período ditatorial brasileiro, analise as sentenças a seguir:

I- O período em que o Brasil mergulhou no regime ditatorial foi marcado por repressão,
violência e autoritarismo gerando prisões, assassinatos, torturas e exílio de artistas
ou de quaisquer brasileiros que apresentasse ideologia contrária ao regime.
II- O regime militar brasileiro foi instaurado em 1964 com a tomada do poder pelos
militares, deposição do presidente João Goulart.
III- Um dos pretextos para que as Forças Armadas Brasileiras realizaram um golpe de
estado foi o de evitar a implementação de uma ditadura comunista no Brasil.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

221
3 A Performance Arte surge em movimentos artístico – culturais do período pós-guerra
e buscava fazer do corpo o principal instrumento de criação. A ação do corpo em
contextos cotidianos e os rituais que os seres humanos executam diariamente pode
ser material para a criação de performances. De acordo com essa reflexão, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as Falsas:

( ) A Performance Arte estabeleceu-se como linguagem artística na medida que


busca no corpo sua materialidade para a criação.
( ) Esse campo de estudo é amplo e ao focarmos no teatro, a performance pode ser
campo para pensar em dissolver as noções de representação e de personagem.
( ) A Performance Arte preocupa-se somente com o desempenho de artistas em
cena ou com a qualidade física de esportistas diante dos altos níveis de exigência
em competições esportivas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A abordagem de criação teatral baseada nos princípios colaborativos e democráticos


buscam trilhar um percurso criativo que possa ser coeso, harmonioso e que expresse
os valores ou escolhas do coletivo. Neste sentido, disserte sobre os processos
colaborativos em teatro e os aspectos que essa abordagem pode apresentar.

5 O papel do diretor modificou-se ao longo dos fatos históricos que ocorreram na


história do brasil e do teatro brasileiro. Culturalmente, o diretor era o profissional
responsável por dirigir atores, conceber aspectos da obra teatral e fazer escolhas
para que a obra pudesse obter sucesso. O diretor poderia ter uma postura autoritária
diante das decisões e não discutir com a equipe as propostas de encenação. Na
contemporaneidade e com percursos de criação coletiva a função do diretor passa a
ser definida como encenador ou propositor de processos criativos. Disserte sobre o
papel do encenador no teatro contemporâneo.

222
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
TEATRO E A EDUCAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, trataremos do teatro conectado com a educação de modo
a discutir propostas para o ensino-aprendizagem da História do Teatro Brasileiro.
A inserção da Arte como componente curricular no contexto escolar é exigência do
Ministério da Educação e é resultado de lutas pela inserção dos estudos das linguagens
artísticas no currículo. A tradição escolar brasileira priorizou o ensino de Artes Visuais
e foi necessário um projeto de lei para que as quatro principais linguagens da arte
pudessem ser inseridas no currículo escolar.

A lei que garante as quatro linguagens da arte no currículo da educação básica.


A Lei nº 13.278/2016, prevê a inclusão das artes visuais, da dança, da música e do teatro
nos currículos dos diversos níveis da educação básica (AGÊNCIA SENADO, 2016). O prazo
para essa implementação seria de cinco anos depois da lei sancionada. As dificuldades
desde a criação dessa lei estão na dimensão da formação e de manejo dos recursos para
a contratação de profissionais das quatro áreas para a atuarem nas unidades de ensino.

Carência de profissionais para cada área e os cursos de formação de professores


focando em uma única área podem ser fatores que dificultam o acesso as linguagens da
arte. Isso não significa retomarmos a formação polivalente de professores, mas destinar
recursos para remunerar e contratar professores, bem como expandir a oferta de cursos
de licenciatura em Artes Visuais, Música, Teatro e Dança, para quem estiver disposto a
estudar processos de ensino-aprendizagem nessa área. Levando em conta que as Artes
Visuais ainda é uma área que apresenta maior número de profissionais formados.

Deixando de lado essa temática, a presença do teatro em contextos escolares


ainda é tímida e o ensino de História do Teatro Brasileiro escasso. Neste tópico
abordaremos algumas abordagens metodológicas voltadas para o ensino do teatro e
sua história no Brasil. A pedagogia do teatro, como área do ensino em teatro, busca
desenvolver proposições teóricas e práticas que permitem levar a linguagem teatral
para os contextos escolares ou em outros espaços de ensino-aprendizagem em teatro.
O principal foco deste tópico é expandir as possibilidades, teóricas, metodológicas e
práticas para o ensino de arte teatral para contextos escolares.

Na parte final do tópico uma leitura complementar poderá conectar os temas


abordados com outras reflexões em torno do fenômeno teatral, seja ele na escola ou fora dela.
As diferenças entre a produção de espetáculos e o ensino de arte teatral está na experiência
dos corpos envolvidos. Enquanto o teatro profissional os atores buscam criar teatralidades

223
para serem editadas e postas em cena, na composição de espetáculos, nos contextos
escolares, os corpos estão em construção de saberes e desenvolvimento de capacidades
comunicativas e expressivas. O teatro possui a potência de estimular o desenvolvimento de
saberes sobre si, em processos de experimentação de criação ou exercícios que envolvam
a linguagem teatral. O teatro na escola possui importância para desafiar os estudantes a
conhecerem seu corpo e as possibilidades de expressão que ele pode ter, desenvolver e
estabelecer melhores conexões com outros corpos em diversos contextos sociais.

2 PEDAGOGIAS DO TEATRO
O tema Pedagogias do Teatro permeia os contextos da pesquisa e levantamentos
de abordagens teórico-práticas para o ensino-aprendizagem de teatro, sejam em
universos escolares ou em cursos diversos. O termo usado – pedagogias – traz para
essa discussão os mais diversos modos de abordar percursos de aprendizagem na área
do teatro. Cabral (2006) afirma que há características distintas entre as pedagogias do
teatro e o teatro como pedagogia, em contextos da educação formal ou fora dela.

Dentre as aproximações e distanciamentos entre essas duas dimensões, uma


primeira distinção está conectada com a direção que o docente toma para sua prática.
A segunda definição está conectada com os saberes que a prática teatral traz para o
estudante ao estar mergulhado em um processo de ensino-aprendizagem ou processo
criativo de espetáculos. Enquanto a pedagogia do teatro preocupa-se em desenvolver
maneiras de propor processos de ensino-aprendizagem em teatro, o teatro como
pedagogia está preocupado em entender o que os percursos de ensino-aprendizagem
podem ensinar ou que saberes podem desenvolver (CABRAL, 2006).

FIGURA 36 – ILUSTRATIVA QUE SUGERE EXERCÍCIO DE EXPRESSÃO CORPORAL

FONTE: <https://shutr.bz/3CNfWxE>. Acesso em: 12 jan. 2022.

Em tratando-se da contemporaneidade, as duas dimensões estão intensamente


conectadas na medida que percursos de ensino-aprendizagem podem conter bases
desenvolvidas na pedagogia do teatro e no teatro como pedagogia. A pedagogia do teatro
224
e o teatro como pedagogia podem partir de reflexões de experiências e de teorizações
em torno dos temas selecionados. Esses temas são desenvolvidos por pesquisadores
em contextos universitários para que as abordagens de ensino-aprendizagem em teatro
possam acontecer. Neste contexto de ensino, pesquisa e extensão que a Universidade
opera, há a necessidade e aproximar as práticas pedagógicas encontradas em coletivos
teatrais.

As práticas de composição de espetáculos em moldes colaborativos podem


conter propostas que podem ser adaptadas para o ensino-aprendizagem do teatro. O
intercâmbio de saberes pode ocorrer na medida que grupos teatrais possam colaborar
para que uma pesquisa em nível de graduação ou pós-graduação possa acontecer. “É
possível que o intercâmbio produtivo entre cena e aula tenha fundamento nas novas
metodologias de ensino das artes cênicas, cada vez mais próximas dos processos de
criação teatrais” (FERNANDES, 213, p. 366).

Para Desgranges (2018), professor de Teatro da Universidade do Estado de


Santa Catarina, as manifestações teatrais na contemporaneidade apresentam múltiplas
possibilidades e as codificações no cenário da produção de arte cênica é intensa nos
séculos XX e XXI. Neste sentido, o professor afirma que na atualidade, as maneiras de
ensinar e aprender teatro também necessitam de outros modos de ensino-aprendizagem
ou de partir dos contextos escolares coletivos para propor percursos formativos. Os
temas contemporâneos são importantes para que possam ser base na proposição
educativa em teatro. Questões raciais, éticas, políticas, de gênero, orientação sexual
podem ser temas abordados em processo de ensino-aprendizagem em teatro.

Outra importante discussão no ensino-aprendizagem em teatro é que modo


abordar os temas de acordo com a idade do grupo ou turma. A proposta que pode ser
desenvolvida com crianças talvez não possa funcionar com adolescentes e as propostas
que são desenvolvidas com estudantes de Ensino Médio, certamente não podem ser
desenvolvidas com crianças em anos iniciais.

O professor necessita ter abordagens diferenciadas observando a faixa de idade,


temática e dinâmica do grupo de estudantes. Materiais como contos, literatura (infantil,
juvenil e outros textos), crônicas ou textos dramatúrgicos, relatos dos estudantes ou
textos criados no próprio percurso de ensino-aprendizagem.

As estéticas contemporâneas podem ser recursos para a investigação de


possibilidades de ensino-aprendizagem em teatro. Processos que partem de fatos
históricos, das obras de arte clássicas, modernas ou contemporâneas, dramaturgias
clássicas, de catequese, do Brasil colônia, do modernismo e da contemporaneidade.
Partindo de estímulos específicos ou de provocações estéticas, por meio de diversos
recursos, os professores de Arte ou de Teatro, podem propor múltiplos percursos de
ensino-aprendizagem em Teatro (DESGRANGES, 2018).

225
Outra possibilidade para o ensino-aprendizagem em Teatro é partir das
conexões com a própria cidade, comunidade ou contextos sociais. Nesta perspectiva,
a geração de textos, improvisações e criação de teatralidades pode ser um percurso
que se conecta com questões existenciais que o coletivo traz como proposta. Cada
professor pode propor e estudo da história do teatro Brasileiro, tecer conexões com
o teatro contemporâneo. Apresentar estéticas teatrais de cada período da história do
teatro Brasileiro e analisar figura e até mesmo filmagens de peças teatrais de cada
período pode ser estímulo para criar cenas e materiais cênicos para socializar com os
demais estudantes da escola.

A relação entre os coletivos teatrais e os espaços da cidade, a presença de


apresentações teatrais nos espaços escolares e a exploração destas possibilidades
podem ser alternativas para o desenvolvimento de propostas para o ensino-
aprendizagem em Teatro. A tríade apreciação, análise e produção teatral representa
uma proposta para fundamentar o planejamento de ações culturais, criativas e teatrais
nos contextos escolares. A ampliação do repertório cultural dos estudantes também
necessita de atenção para que possam compreender as dramaturgias, as diversificadas
escolhas estéticas da cena brasileira e as possíveis adaptações de textos de dramaturgos
brasileiros para o contexto escolar.

Quanto aos níveis de ensino que abarcam as séries iniciais, as abordagens


podem seguir dinâmicas que se aproximam com a literatura infantil, com o contar,
olhar e ouvir histórias infantis e depois inserir dramaturgias destinadas para o público
infantil. Teatro de formas animadas, de bonecos e de sombras podem ser possibilidades
práticas que permitem a conexão das crianças com os universos do teatro. A seguir,
descobriremos uma abordagem metodológica para o ensino-aprendizagem do teatro
que ainda é novidade para diversos contextos escolares.

3 DRAMA COMO MÉTODO DE ENSINO


Uma das possibilidades para o ensino-aprendizagem do teatro ainda pouco
explorada no Brasil é o Drama como Método. O Drama in Education foi criado pela
professora de teatro inglesa Dorothy Heathcote (1926-2011).

A professora de teatro desenvolveu uma abordagem para o ensino-aprendizagem


de Teatro denominada Drama for Learnig ou Drama in Education no final da década de
1960. O Drama como aprendizagem, ou o Drama na educação ou somente Drama como
método trás para a discussão a adoção de elementos essenciais do próprio drama para
provocar situações e vivências coletivas.

226
FIGURA 37 – A PROFESSORA DOROTHY HEATHCOTE (1926-2011)

FOTE: <https://bit.ly/36hYzsB>. Acesso em: 7 jan. 2022.

O drama sugere um modo de agir diante de alguns estímulos como propor


situações dramatizadas em que os envolvidos possam envolver-se como um
participante da situação. A interação pode fazer com que os participantes explorem a
sua capacidade de imaginar estar vivendo como se fosse o personagem. A capacidade
do ser humano de imaginar ser outro e agir como tal é amplamente explorada por meio
de situações disparadoras em que o participante pode estar na situação, agir conforme
sua livre e espontânea vontade. O professor condutor da situação deve participar e
buscar maneiras de interagir ou provocar o grupo a fim de continuar a cena a partir do
pré-textos e dos episódios organizados previamente.

A ideia de Teacher in role ou de professor-personagem foi desenvolvida pela


pesquisadora para que, além de propositor, o professor possa estar na dramatização
como peça que move a proposta. A proposta pode usar como provocação os signos
da linguagem visual (cartões, posters, figura diversas, rótulos, notícias etc.) para propor
uma situação dramática. Os estímulos podem partir destes artefatos ou de outros como
“[...] objetos, fotografias, cartas, cartas e documentos em uma embalagem apropriada. A
história que se desenvolve a partir deles ganha significância através do cruzamento de
seu conteúdo – e como os detalhes de cada um sugerem ações e motivações humanas”
(CABRAL, 2006, p. 36).

227
FIGURA 38 – ILUSTRATIVA QUE SUGERE ABORDAGEM DE DRAMA COMO MÉTODO DE ENSINO DE TEATRO

FONTE: <https://bit.ly/3IgeLrE>. Acesso em: 12 jan. 2022.

Assim, o corpo é provocado a interagir com outros corpos e a trocar de papéis


de acordo com a situação ou com os comandos do professor propositor. O professor
e os estudantes se colocam em um jogo que permite sair da situação quando sentir
necessidade ou permanecer nela de modo que possa agir, definir ou conduzir a resolução
de situações problema (CABRAL, 2006).

Unidades como espaço, tempo, personagens e situação podem ser estímulos


para gerar um percurso de experimentação dramática. Onde, quem e como são
elementos que podem ser importantes para essa abordagem. Um dos disparadores
da ação dramatizada é o termo “como se” para que o participante possa mobilizar sua
capacidade imaginativa e passe a agir como se fosse tal personagem. Essa proposta
explora questões existenciais do ser humano e provoca os participantes a tomarem
posições ativas diante dos desafios. Essa proposta mobiliza estruturas sensíveis e o
potencial estético do teatro pode ampliar as possibilidades de conhecer ou se sentir a si
mesmo como um produtor de ações em coletividade (CABRAL, 2006).

O Drama como possibilidade para o ensino-aprendizagem de teatro provoca os


participantes a entrar em uma situação imaginária, que podemos localizar no contexto
da ficção e “[...] a aprendizagem decorrente emerge desta situação e do fato de termos
de responder a ela, realizar ações e assumir atitudes nem sempre presentes em nosso
cotidiano” (CABRAL, 2006, p. 12). A situação ficcional permite que os participantes
possam agir conforme suas vontades sem estar presos a padrões socialmente impostos,
emergindo atitudes imprevisíveis para que o grupo possa reagir, interagir ou tomar outra
decisão, dependendo do que está em jogo.

Essa abordagem permite que as provocações podem trazer contextos ficcionais


selecionados com foco nos seres humanos “[...] seus relacionamentos e o contexto de
existir se aquele fato fosse real. A ênfase no contexto da ficção traz à tona questões
referentes à história de vida e memórias, ambas usualmente privilegiadas no fazer
teatral em escolas e comunidades” (CABRAL, 2006, p. 13).

228
FIGURA 39 – ILUSTRATIVA QUE SUGERE A PROFESSORA PROPOSITORA OU PROFESSORA COMO PERSONAGEM

FONTE: <https://bit.ly/3Ierj2z>. Acesso em: 12 jan. 2022.

O desenrolar da situação pode ser imprevisível na medida que a proposta pode


conectar o contar histórias, a coleta de memórias e o fazer artístico. “A investigação das
memórias fica dessa forma situada entre intenções e reconstruções; é isto que situa o
processo artístico” (CABRAL, 2006, p. 15). Em muitas situações os professores de teatro
encontram dificuldades de encontrar textos dramatúrgicos que possam atender as
necessidades de abordar uma temática específica que se origina no coletivo de estudantes.

Um caráter improvisacional da proposta é recorrente na medida que os


participantes dramatizam, teatralizam e finalizam a situação assim que o professor-
personagem indicar ou a situação ser resolvida. O professor-personagem também
faz uma breve análise avaliativa com o coletivo apontando possíveis abordagens e
permitindo que os estudantes possam expor as impressões do percurso. O professor
pode ainda interagir com os estudantes estimulando a aquisição de códigos linguísticos
para que a mudança de posições, ações e posturas diante do percurso de ensino-
aprendizagem (CABRAL, 2006).

Nessa proposta, o estudante segue um caminho investigativo, com o material


levantado pelo coletivo, com autonomia e produtor de seus saberes, sendo agente das
mudanças necessárias para a resolução das proposições. O estudante como agente
de seus conhecimentos e que pode produzir ações em dimensão coletiva. A seguir,
seguiremos discutindo as possibilidades do teatro de bonecos na História do Brasil.

229
DICA
Para conhecer mais da proposta de ensino-aprendizagem, faça a leitura do
livro da professora Dra. Beatriz Ângela Vieira Cabral intitulado “Drama como
método de ensino”, da editora Hucitec, de 2006. Ainda recomendamos
pesquisar o teatro na escola desenvolvido pela professora e artista da cena Olga
Reverbel (1997-2008). Seus livros focam em práticas voltadas para o universo
escolar. Outra pesquisadora que merece ser estudada é escritora, tradutora,
encenadora e professora universitária brasileira Ingrid Dormien Koudela (73
anos). É uma das figuras centrais no estudo da pedagogia e didática do teatro
no Brasil e Viola Spolin (1996-1994), que desenvolveu a abordagem de ensino-
aprendizagem de teatro baseada na improvisação e no jogo teatral.

4 TEATRO DE RUA E DE BONECOS


Falar em teatro de rua é pensar em acessibilidade da arte teatral e que está
presente na história do teatro brasileiro desde a vinda dos jesuítas e do teatro de
catequese. As procissões religiosas e cortejos festivos eram as manifestações teatrais
de rua até o final do século XIX. As festas populares ocorriam em locais público, ruas e
outros espaços. Algumas companhias teatrais denominadas mambembes percorriam
o país com suas apresentações de pequeno porte, que poderiam ser espetáculos
declamados, e de mágica, cômicos ou números circenses. No século XX, movimentos
populares com a presença de imigrantes, em sua maioria, organizavam encontros em
que montavam apresentações teatrais com cunho formativo (CARREIRA, 2013).

FIGURA 40 – ILUSTRATIVA DE APRESENTAÇÃO TEATRAL EM ESPAÇO PÚBLICO OU EXEMPLO DE TEATRO


DE RUA

FONTE: <https://bit.ly/3wcgBHu>. Acesso em: 12 jan. 2022.

Na segunda década do século XX, operários e a classe popular passou a ocupar


espaços públicos com apresentações teatrais. O teatro de rua foi fomentado na década
de 1960, pelo Centro Popular de Cultura (CPC) com objetivos político-militantes quando

230
o país é mergulhado na crise política e econômica. Os estudantes e artistas amadores
tiveram importante papel nesse período. Em Pernambuco, na década de 1950, o Teatro
do Estudante de Pernambuco dirigido por Hermilo Borba Filho e em parceria com o
grande Ariano Suassuna apresentou-se em uma espécie de barraca em espaço público,
onde produziram diversa montagens com proximidade do público.

O Centro Popular de Cultura e a União Nacional dos Estudantes (UNE), sob


o comando de intelectuais, em sua juventude como Oduvaldo Vianna Filho, Carlos
Estevam Martins, Ferreira Gullar, Augusto Boal trabalharam incansavelmente para que
o desenvolvimento de propostas de teatro para ser apresentado na rua. O teatro de rua
era uma modalidade específica em que permitia o acesso aos espetáculos a qualquer
espectador, principalmente das classes populares. Esse caráter democrático era um
dos principais benefícios para a população. O movimento passou por transformações e
outras necessidades surgiram, sejam pelas características do movimento estudantil ou
pelos integrantes serem de classe média. A iniciativa durou pouco tempo em meio ao
caos cultural que o país atravessava (CARREIRA, 2013).

Vale destacar os estudos de Eugenio Barba e o que ele chamou de antropologia


teatral que contribuíram para o teatro de rua na medida que sistematizou um discurso
teórico que valorizou o teatro de rua como uma manifestação cultural e artística de
grande importância para o fenômeno teatral moderno e contemporâneo. A pesquisa de
Barba forneceu instrumentos teóricos e práticos para o desenvolvimento de espetáculos
de rua. A proposta de teatro de grupo proposta por Barba foi disseminada pela América
e logo os coletivos teatrais passaram a praticar um teatro que pudesse estar nas ruas,
em que o ator e atriz fossem o veículo para uma arte teatral conectada com o cotidiano
e dos espaços públicos.

A antropologia teatral e as abordagens propostas por Barba, exigiam dos coletivos


intenso envolvimento, politização e de disciplina quanto as técnicas expressivas. Essas
práticas foram cruciais para que os coletivos pudessem buscar modos próprios de
gerenciar suas produções e viabilizarem as propostas de teatro de rua. A utilização de
pernas de pau, bandeira, artifícios pirotécnicos, fogo, acrobacias, música executada
pelos artistas e outros elementos atraiam os olhares dos espectadores e os prendiam no
fenômeno apreciativo. O teatro de rua ainda é pouco abordado como foco de pesquisas,
sejam acadêmicas ou em outro nível de investigação. O teatro brasileiro apresenta uma
ampla manifestação de coletivos teatrais que usavam a rua como palco para apresentar
seus espetáculos.

Como já mencionamos anteriormente, o Grupo Galpão, de Belo Horizonte é um


representante de peso no teatro de rua brasileiro. O Grupo Galpão surgiu na década
de 1980 na cidade de Diamantina (MG). A formação dos atores passou por oficinas
formativas no Teatro Livre em Munique, na Alemanha. Essa experiência fez com que
o grupo investigasse com certa disciplina a formação de atores a atrizes para poder
melhorar a técnica de atuação do coletivo. Nesse sentido, passaram a participar de
cursos de formação de atores em outros locais pelo mundo e sistematizar uma disciplina

231
de trabalho para investigar uma linguagem própria para a produção de seus espetáculos.
Assim, como um dos caminhos que o grupo tomou foi adaptar dramaturgias clássicas
para serem apresentadas na rua.

FIGURA 41 – DE ESPETÁCULO DO GRUPO GALPÃO OS GIGANTES DA MONTANHA

FONTE: <https://bit.ly/3wczDgT>. Acesso em: 12 jan. 2022.

O Grupo Galpão ficou famoso ao circular o Brasil com encenações de rua de


textos como Romeu e Julieta (1992), de Shakespeare, Um Molière Imaginário (1997), de
Molière e Os Gigantes da Montanha (2013), de Luigi Pirandello (CARREIRA. 2013).

O próximo tema se aproxima do teatro de rua por marcar presença em muitos


espetáculos, é a utilização de bonecos. Dentre as primeiras manifestações dessa
prática está o teatro de bonifrates, uma espécie de fantoche parecido com uma luva,
em que o manipulador insere a mão e executa a ação do personagem. Essa modalidade
consistia uma manifestação popular que garantia a diversão no final do século XVIII e
XIX que supria a carência de espetáculos teatrais no Brasil. A região Nordeste do Brasil
era agraciada com as manifestações denominadas pastoris e os presépios com falas.
Essas manifestações eram conectadas às festividades religiosas e com o passar dos
anos, foi se desligando do caráter religioso, para assumir a posição de manifestação
artística teatral da época (AMARAL; BELTRAME, 2013).

Essas apresentações aconteciam em palcos improvisados aos moldes dos


teatros itinerantes da idade média. Outra possibilidade era em tendas fixadas em locais
públicos como praças e feiras. Nos dias atuais, uma herança desse período é o teatro
de Mamulengo, um teatro de bonecos produzidos com luvas, cabeças esculpidas
de madeira ou outro material, sendo que os traços faciais são característicos dessa
modalidade: narigão, bocas e lábios pintados, oferecendo certa saliência, cores vibrantes
e com certo apelo surrealista ou pode apresentar personagens imaginários. As tramas
contam com personagens cômicos que enfrentam as autoridades poderosas como
padres, juízes e políticos com o objetivo de gerar fortes gargalhadas no espectador
(AMARAL; BELTRAME, 2013).

232
Entre os mamulengueiros mais conhecidos podem ser lembrados
Mestre Babau – Severino Alves Dias; Mestre Chico da Guia (I878-1948);
Mestre Luiz da Serra – Luiz josé dos Santos (I906-1986); Mestre Gihú,
também conhecido como Tiridá – Januário de Oliveira (I9I0-1977);
Mestre Antônio Biló – Antônio Severino dos Santos; Mestre Otílio –
Otílio Caetano Felix; Mestre Sólon – Sólon Alves de Mendonça (I 920-I
987); Mestre Boca Rica (I936-I99I); Mestre Chico Daniel- Francisco
Alves da Costa (I941-2007); Mestre Zé Lopes – José Lopes da Silva
Filho; Mestre Saúba – José Elias da Silva; Mestre Zé de Vina – José
Severino dos Santos (AMARAL; BELTRAME, 2013, p. 397).

FIGURA 42 – EXEMPLO DE TEATRO DE MAMULENGO, CULTURA DA REGIÃO NORDESTE

FONTE: <https://bit.ly/3N7g8wD>. Acesso em: 12 jan. 2022.

Outra manifestação importante no teatro de bonecos que merece destaque são os


espetáculos de circo que ocorriam, geralmente no sul do Brasil. Os espetáculos consistiam
em uma simples trama, que poderia envolver principalmente o público infantil e trazer
situações cômicas com bonecos diversos. As companhias de teatro de marionetes vindas
da Europa também aportam no Brasil no final do século XIX e início do século XX. Esse
intercâmbio permitiu que outras companhias pudessem desenvolver propostas utilizando
bonecos ou marionetes. Os dias atuais, a possibilidade de utilização de bonecos é ampla
e o teatro de formas animadas também possui seu destaque (AMARAL; BELTRAME, 2013).
A seguir, discutiremos o teatro voltado para a infância e juventude.

INTERESSANTE
O Grupo Giramundo Teatro de Bonecos é pioneiro na montagem, confecção e acessibilidade
de produtos teatrais. Nos 50 anos de história, o grupo montou mais de 38 peças e mantém
em seu repertório espetáculos destinados para o público infantil e adulto. Seus espetáculos
são desenvolvidos com textos universais e regionais adaptados. A produção teatral por
meio da confecção de bonecos e de inserção dos recursos tecnológicos
disponíveis mostra que o grupo está em constante atualização para oferecer
trabalhos com excelente qualidade artística. O grupo mantém ainda o
Museu Giramundo que preserva o maior acervo de teatro de bonecos do
Brasil. Esse acervo ganha um caráter vivo quando os bonecos que fazem
parte dele ainda estão em uso para a execução dos espetáculos. Acesse
em: http://giramundo.org/.

233
5 TEATRO PARA A INFÂNCIA E JUVENTIDE
Outro tema que abordaremos neste material de estudo é o teatro desenvolvido
para o público denominado infantil ou juvenil. As duas dimensões exigem procedimentos
e abordagens específicas para que os processos de criação cênica possam gerar
espetáculos indicados para a faixa etária pretendida. O mito de que uma peça de teatro
com qualidade estética pode ser apreciada por espectadores de qualquer idade é
desconstruído diante de desafios específicos como criar trabalhos teatrais para crianças
de até cinco anos de idade.

No século XX e XXI, os espetáculos para crianças buscaram se renovar quanto


sua visualidade e aprimoramento da elaboração de propostas de encenação. Dentre os
grupos que buscaram desenvolver essa modalidade de teatro, está o grupo Caixa do
Elefante, de Porto Alegre, que produz diversos espetáculos para esse público.

Dentre as produções estão os espetáculos Histórias da Carrocinha (1996) e O


Cavaleiro da Mão-de-Fogo (2003) com textos de Javier Villafafie, natural da Argentina,
e outros espetáculos que podem ser conferidos no endereço eletrônico apontado ao
final desta discussão (PUPO, 2013).

Esses espetáculos apresentavam uma dinâmica criada com a manipulação de


bonecos de luva especialmente criados para os espetáculos e os atores manipuladores
desenvolviam a manipulação precisa e seleção de gestos para que as ações dos
bonecos pudessem comunicar a história. Outro destaque para estes espetáculos é para
o personagem Cachorro Abelardo que era manipulado pelo ator manipulador Mário de
Ballenti. Esse personagem criado com sotaque gaúcho, passou a fazer parte de ações
publicitárias, eventos e até conectar cenas de outros trabalhos do grupo (PUPO, 2013).

FIGURA 43 – CENAS DO ESPETÁCULO O CAVALEIRO DA MÃO-DE-FOGO

FONTE: <https://bit.ly/3u2bYNB>; <https://tinyurl.com/bdz8yaaf>. Acesso em: 12 jan. 2022.

Outro destaque para o teatro voltado para crianças e adolescentes está o


trabalho da dramaturga e escritora de literatura Maria Clara Machado (1921-2001). Foi
a mais importante dramaturga para o público infantil da história do teatro brasileiro. Ela
234
foi, além de dramaturga, atriz e diretora de teatro. Fundou um dos principais grupos
teatrais do país na cidade do Rio de Janeiro: O Tablado. Depois do grande sucesso da
encenação de seu texto Pluft, o Fantasminha, a artista da cena passou a escrever
inúmeras peças teatrais acumulando mais de 25 textos para teatro voltadas para o
público infantil (PUPO, 2013).

FIGURA 44 – CENA DO ESPETÁCULO PLUFT, O FANTASMINHA DA COPAS PRODUÇÕES ARTÍSTICAS (MG).


DIREÇÃO: DIEGO BENICÁ (2014). FOTO DE GUTO MUNIZ

FONTE: <https://tinyurl.com/bdh2j6ya>. Acesso em: 12 jan. 2022.

Outro importante artista da cena que trabalhou incansavelmente para o


desenvolvimento do teatro para crianças e jovens foi Elias Kruglianski (1930-2019) ou
conhecido somente por Ilo Krugli. Ele nasceu em Buenos Aires na Argentina, veio para o
Brasil em 1961, no ano em que Jânio Quadros (1917-1992) assume a Presidência. Foi ator,
dramaturgo, artista plástico, diretor e escritor. Recebe influências do poeta espanhol
Federico García Lorca (1898-1936) e do teatro de bonecos desenvolvido pelo artista
da cena e poeta argentino Javier Villafañe (1909-1996). Desenvolveu seus trabalhos
conectados com o teatro de bonecos e com o universo infanto-juvenil escrevendo
cerca de 40 textos voltados para o público citado. Fundou no ano de 1975, o grupo
Ventoforte, um dos mais importantes coletivos teatrais voltado para a produção teatral
para o público infanto-juvenil (ILO, 2022).

Em São Paulo, a Companhia Truks, comandada pelo encenador Henrique


Schichtin, estrou a peça A Bruxinha (1991), uma adaptação do texto de Eva Furnari que
conferiu grande sucesso ao coletivo, permitindo ser conhecido nacionalmente. O grupo
utilizava bonecos para contar suas histórias e com humor inovou ao bordar a realidade das
grandes cidades e as situações precárias que os personagens viviam. Outra companhia
na cidade de São Paulo é destaque no cenário do teatro para a infância e juventude.
Estamos falando da Companhia Cidade Muda que no ano de 2000 encenou o espetáculo
Circus explorou o gesto, movimentos e sons para propor uma atmosfera teatral em que o
público pudesse participar do fenômeno teatral criando um enredo individual.

235
FIGURA 45 – CENA DO ESPETÁCULO HISTÓRIAS DE LENÇOS E VENTOS COM O DRAMATURGO ILO KRUGLI
EM CENA

FONTE: < https://tinyurl.com/yc5z3r2z>. Acesso em: 12 jan. 2022.

A Companhia Articularte, em São Paulo chama a atenção nos anos 2000, com o
comando do encenador Dario Uzan, propuseram a criação de espetáculos que contavam
a biografia de artistas brasileiros como o espetáculo A Cuca Fresca de Tarsila (2000),
sobre a vida da pintora modernista que dá nome ao espetáculo, O Trenzinho Villa-Lobos
(2001), sobre a vida do musicista Villa-Lobos e Portinari Pé de Mulato (2003) sobre a
vida do pintor Cândido Portinari. Em Curitiba o destaque vai para a Companhia Manoel
Kobachuck, que se especializou no teatro de marionetes, uma espécie de bonecos
sustentados por fios. Produziram o espetáculo O Teatro do Dr. Botica que se mantém
cartaz desde o ano de 2001 em espaço de apresentação viabilizado pelo Shopping
Estação em Curitiba, que hoje conta com um Instituto Grupo Boticário e um Espaço
Teatral que mantém em cartaz espetáculos para a infância (AMARAL; BELTRAME, 2013).

Na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, a Companhia Zero de Bonecos,


comandada pela encenadora Wilma Rodrigues, mergulhando no universo de textos para
a infância e a juventude optando por adaptar o texto de Lygia Bojunga Nunes chamado
A Bolsa Amarela (1998). Na cidade de Belo Horizonte ainda se destaca o coletivo
Giramundo, que além de produzir espetáculos para crianças, adultos e jovens, o coletivo
atua intensamente para manter o fomento de cultura na cidade com o gerenciamento de
museu, escola de teatro e o próprio teatro (espaço para espetáculos) (AMARAL; BELTRAME,
2013). O período de redemocratização do Brasil incentivou a retomada das produções
culturais e a pesquisa de propostas cênicas que pudessem expressar os desejos dos
coletivos. A busca por originalidade e um teatro que pudesse ser desenvolvido para o
público infantil e juvenil utilizando bonecos, fantoches, marionetes e formas animadas
se expandiu e características híbridas passaram a aparecer (AMARAL; BELTRAME, 2013).

O teatro que ganhou espaço em diferentes cidades brasileiras buscou voltar


suas produções para as jovens gerações e com uma abordagem que unificou as esferas
infantil e juvenil, passou a se nomear teatro infantojuvenil. Os modos de produzir, acessar e
democratizar a arte teatral para o público infantojuvenil, sejam produções com bonecos,

236
com formas animadas ou com atores e performers, passaram a ser de enorme qualidade
estética que eram apresentadas em teatros, espaços públicos, escolas e espaços que
possam receber as peças teatrais. Coletivos teatrais ainda atuantes no cenário cultural
teatral nacional produzem espetáculos que são destinados ao público infantojuvenil.
Outros coletivos passaram a pesquisar dramaturgias voltadas para bebês, crianças e
adolescentes. A inovação atual está em desenvolver trabalhos cênicos voltados para
bebês por meio de formas animadas, elementos cênicos, estímulos sonoros, gestuais
para contar histórias. A companhia Caixa do Elefante, o Grupo Sobrevento, ambos de
São Paulo, e a Cia La Casa Incierta de Brasília, pesquisam propostas em teatro para
bebês (PUPO, 2013). Há no Brasil hoje um circuito de Festival de Teatro para Bebês, que
pensa a apresentação espetacular e a formação de grupos e coletivos para montagens
e pesquisa cênica para essa faixa etária. A seguir, abordaremos possibilidades para o
ensino-aprendizagem de teatro em espaços escolares.

INTERESSANTE
Para conhecer os projetos da Companhia Caixa do Elefante acesse o
endereço eletrônico a seguir e navegue pela página do grupo, visualize as
figuras e amplie seu repertório cultural sobre o teatro de bonecos. Acesse o
link a seguir: http://www.caixadoelefante.com.br/.

6 TEATRO NA ESCOLA E SUAS POSSIBILIDADES


A presença do ensino-aprendizagem de Teatro na educação básica é uma
conquista recente e rompeu, com o ensino-aprendizagem de Música, a hegemonia
das Artes Visuais. Mesmo com as dificuldades em encontrar profissionais habilitados a
serem professores de arte, a presença da arte teatral está nos espaços da escola pelo
componente curricular Arte ou pela presença de espetáculos teatrais que buscam as
escolas para realizar apresentações teatrais. Instituições públicas e privadas também
são importantes para a implementação de projetos que possam acessar arte teatral
para crianças e adolescentes. Secretarias de Cultura lançam editais para incentivo a
projetos de teatro e outras áreas da arte.

237
FIGURA 46 – ILUSTRATIVA DE FANTOCHES PARA ABORDAR O ENSINO DE TEATRO COM CRIANÇAS

FONTE: <https://bit.ly/3uHDiRM>. Acesso em: 12 jan. 2022.

Iniciativas privadas como o SESC e outras instituições lançam periodicamente


editais ou concursos para incentivar a produção de espetáculos teatrais ou para fazer os
espetáculos teatrais circularem por cidades brasileiras. A nível nacional temos a FUNARTE,
Fundação Nacional de Artes que destina recursos para a produção de espetáculos teatrais.
Leis de incentivo como a Lei Rouanet ou a Lei Aldir Blanc (implementada durante a crise
causada pela pandemia de COVID-19). Editais lançados pelas secretarias de cultura de
cada cidade buscam premiar projetos inscritos que possam ser oferecidos a comunidade,
bem como os espaços escolares. Outra proposta que é importante mencionar, são os
festivais de teatro que buscam democratizar o acesso ao teatro levando espetáculos
teatrais para os ambientes escolares (KOUDELA; SANTANA, 2013).

Estas oportunidades podem ser importantes recursos para o ensino-


aprendizagem do teatro na escola. Quando uma peça teatral vai até a escola, o contato
com o grupo teatral e seu trabalho pode ser importante para abordar temas como
processos criativos em teatro, dificuldades e prazeres da profissão e as possíveis
abordagens para a montagem de peças teatrais nas diferentes faixas de ensino. O
professor de arte deve fazer uma mediação antes do momento de apreciação sobre o
que observar, como estar aberto para receber uma obra de arte teatral ou direcionar a
atenção dos estudantes para que o momento de estudo posterior à apresentação possa
ser rico e até inspirar um percurso criativo (KOUDELA; SANTANA, 2013).

238
FIGURA 47 – ILUSTRATIVA DE MARIONETES

FONTE: <https://bit.ly/3Du6TSp>. Acesso em: 12 jan. 2022.

O professor necessita ter cuidado ao orientar os estudantes sobre o momento


de apreciação para que não ocorra certo aborto da apreciação e a própria experiência
estética. O professor pode instrumentalizar os estudantes para que a experiência
estética possa ser potencializada. Temas que o professor pode abordar depois de uma
apresentação teatral podem ser relacionados ao enredo da peça, que tema aborda a
história, que gênero teatral pertence, como eram os figurinos e cenário, como eram
os aspectos sonoros e o texto. Gerar discussões em torno do que os estudantes
apreciaram e relatar as experiências individuas pode ser um primeiro passo depois de
uma apreciação teatral. Estruturar questões geradoras para a aula de arte pode ser um
bom recuso para iniciar uma discussão (KOUDELA; SANTANA, 2013).

Um passo seguinte que pode ser posto em prática é a escrita de pequenos


textos sobre a experiência com teatro e provocar uma leitura dos textos com uma
dinâmica de ler corporalmente. Uma espécie de leitura dramatizada dos textos que
cada um escreveu. Propor exercícios corporais em torno de temas que a turma propõe.
Os temas podem surgir na dinâmica de estudo da própria turma. Por isso, o professor
necessita estar atento para perceber a dinâmica da turma e os temas que o coletivo traz
para a discussão. Diante disso, promover a escolha democrática dos temas consiste em
uma ação que o professor pode comandar e com o coletivo, propor percursos de criação
teatral que possam ser significativos e válidos para o coletivo envolvido.

Além dos temas que podem surgir no grupo de estudantes, outras provocações
podem ser implementadas para gerar percursos de aprendizagem. Abordar possibilidades
de expressão corpora, articulação entre fala e corpo, modos de comunicação oral,
corporal, sonoro e apresentar os diversos estilos de encenação, de cenografia, de textos
dramatúrgicos e outros recursos utilizados para a criação de arte teatral. Produção
de máscaras, performances e produção de vídeos instrutivos pode ser recurso que
funcione com crianças e adolescentes. Inserir recursos tecnológicos, como aparelhos
de telefones celulares que permitem a utilização de aplicativos de edição de vídeos e
figuras, pode facilitar o aprendizado em teatro.

239
FIGURA 48 – ILUSTRATIVA DE FANTOCHES PARA ABORDAR O ENSINO DE TEATRO COM CRIANÇAS

FONTE: <https://tinyurl.com/2p95br5f>. Acesso em: 12 jan. 2022.

Ainda é possível abordar o teatro de bonecos, de formas animadas, de


fantoches ou de marionetes provocando a criação dos bonecos com pequenas cenas
para serem socializadas e posteriormente ampliadas e gerarem a elaboração de um
roteiro maior para ser apresentado em momento específico, pode ser um bom recurso
pedagógico. Enfim, garimpar possibilidades pedagógicas é função do professor de
teatro, bem como o propositor de percursos criativos em um coletivo de artistas. Seja
em grupos profissionais, em escolas que oferecem cursos livres ou na educação básica,
o envolvimento do coletivo pode resultar no aprendizado do próprio grupo e dos que
poderão ter a oportunidade de apreciar a produção teatral (KOUDELA; SANTANA, 2013).

Há contextos na educação básica que o professor conseguirá desenvolver


percursos enriquecedores e que podem ampliar o repertório expressivo, cultural e
artístico dos estudantes. Há contextos em que os professores conseguirão desenvolver
somente alguns aspectos que o planejamento contempla.

O professor quando pensa uma proposta de ensino-aprendizagem em teatro


está desenhando uma abordagem específica para atingir os objetivos de aprendizagem,
objetivos esses que necessitam ser mensuráveis ao final do percurso, que considera
uma prática coletiva, um percurso de construção de saberes em teatro que dificilmente
se concretizará sem o envolvimento do coletivo. A arte teatral pressupõe considerar
uma dimensão coletiva quando é composta pela própria ação relacional de interação
entre corpos. O fenômeno teatral passa a existir quando corpos que estabelecem
relações em cena (atores e atrizes), contam uma história para outros corpos apreciarem
(espectadores) (KOUDELA; SANTANA, 2013).

A seguir apresentaremos possibilidades no ensino-aprendizagem do tema


principal deste material de estudo que é a história do teatro brasileiro.

240
6.1 ENSINO DE HISTÓRIA DO TEATRO NO BRASIL
O ensino de arte em espaços da educação básica no Brasil se deu, inicialmente,
com a nomenclatura de Educação Artística com a Lei nº 5692, de 1971.(BRASIL, 1971).
A ideia de ensino de teatro estava conectada a uma abordagem espontaneísta, a uma
tradição de cada local em um contexto de escassez de profissionais habilitados a
ensinar teatro. O ensino de arte era uma mescla de linguagens artísticas que tornavam
a disciplina uma abordagem que não aprofundava propostas em arte devido a formação
polivalente dos professores.

Essa prática foi reconhecida como inviável para o ensino de arte na educação
básica diante da necessidade de ensino de arte com qualidade nas quatro principais
linguagens adotadas para a disciplina de arte na escola: teatro, artes visuais, dança e
música.

As décadas de 1970 e 1980 foram marcados por uma responsabilização dos


professores de Arte para ensinar abordando um pouco de cada linguagem da arte.
Essa abordagem dificultava o ensino-aprendizagem das linguagens artísticas tendo
em vista que os professores também recebiam formação profissional em cursos que
traziam a polivalência como proposta curricular. Essa combinação entre artes visuais,
música, teatro e dança geravam proposições sem aprofundamentos conceituais e que
dificultava a construção de saberes em cada uma das linguagens.

As consequências desse período foram um ensino de arte baseado no improviso,


enfoques equivocados e técnicas sem o devido conhecimento de procedimentos ou
desenvolvimento de saberes com a devida qualidade necessária para os contextos
escolares. Esse aspecto exigiu que os cursos de formação docente em Artes buscassem
reformular suas matrizes curriculares para atender a necessidade de aprofundamento
em uma área específica da arte. Os cursos passaram a oferecer parte da formação
nas quatro principais linguagens e em determinado momento do curso os estudantes
deveriam escolher uma linguagem específica. Este modelo híbrido permitiu melhorar a
formação de professores e aprofundar saberes específicos em arte.

Neste período a orientação do Conselho Nacional de Educação não reconhecia


a autonomia e os saberes de cada área da arte, com intencionalidade de facilitar a
disponibilidade de profissionais para o ensino de arte. A matriz curricular dos cursos
de Licenciatura em Educação Artística apresentava, em sua maioria, as seguintes
disciplinas: no período de estudo comum: “Fundamentos da Expressão e Comunicação
Humanas, Estética e História da Arte, Folclore Brasileiro, Formas de Expressão e
Comunicação Artística. Parte diversificada/habilitação artes cénicas – Evolução do
Teatro e da Dança, Expressão Corporal e Vocal, Encenação, Cenografia, Técnicas de
Teatro e Dança (KOUDELA; SANTANA, 2013).

241
Com as modificações implementadas nas décadas de 1990 e 2000, o ensino de
arte modificou-se e a necessidade de formação específica foi reconhecida pelos órgãos
oficiais da educação. A Lei nº 13.278, de 2016, prevê a obrigatoriedade de ensino das
quatro principais áreas da arte: as artes visuais, a dança, a música e o teatro na educação
básica do Brasil. A transformação dos cursos de formação em arte para o exercício da
docência passou por modificações desde os anos 2000 e deixaram de ter matrizes
com núcleos comuns para ser de formação específica. As Universidades passaram a
implementar cursos de Licenciatura em Artes Visuais, Música, Teatro e Dança. A Dança
ainda permaneceu com poucos cursos e expandindo as propostas de cursos somente
décadas depois da extinção dos cursos com núcleo comum.

Atualmente, o ensino de teatro no Brasil ainda possui pouca representatividade


nos espaços da Educação Básica, frente a professores majoritariamente da área de artes
visuais. A música expandiu consideravelmente sua presença com a implementação de
projetos como de bandas e Fanfarras, musicalização para crianças e outras iniciativas
secretarias municipais para oferecer ampliação do repertório cultural de crianças e
adolescentes (KOUDELA; SANTANA, 2013). A seguir, abordaremos algumas sugestões
práticas para o ensino de história do teatro brasileiro.

6.2 POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS


Para abordar o ensino de teatro brasileiro para crianças e adolescente é importante
conhecer os principais fatos e personagens que protagonizaram o desenrolar da história.
Uma abordagem de ensino-aprendizagem pode ser planejada partindo de inúmeras
possibilidades e sequências pedagógicas. A importância de proporcionar momentos
de estudo contextualizado dos períodos, apreciação de obras teatrais, sejam elas em
vídeos, textos dramatúrgicos ou em apresentações teatrais presenciais a experiência de
criação de cenas pode ser uma abordagem que ofereça recursos para a construção de
saberes e ampliação de repertório cultural. Há ainda procedimentos que podem envolver
discussão, análise de obras, de cenas, vídeos e experimentações com exercícios teatrais.

FIGURA 49 – ILUSTRATIVA DE AVENTAL DE HISTÓRIAS. POSSIBILIDADE PARA ABORDAR O ENSINO DE TEATRO

FONTE: <https://tinyurl.com/mrav93k8>. Acesso em: 12 jan. 2022.

242
A dinâmica de abordagem, os materiais e temas abordados é tarefa do
professor. Essa seleção, escolha e organização sequencial pode definir a aprendizagem
dos estudantes. Outro parâmetro que é importante considerar é a faixa de idade dos
estudantes. Sabemos que a escola divide os estudantes por idade em seus respectivos
anos desde os 6 anos até os 14 anos, que definem o período que um estudante
permaneceria na educação básica, caso o estudante obtivesse aprovação em todos
os anos. Os espaços da escola são importantes para que o ensino de teatro ocorra.
Algumas escolas possuem auditório multiuso que possibilita fazer uso compartilhado
para atividades que envolvam exercícios de criação cênica.

Introduzir o tema com pequenos textos e fazer leituras coletivas. Buscar


organizar a sala de aula com outras configurações para a dinâmica da aula e ao final do
percurso fazer um fechamento do assunto buscando conectar os pontos abordados
e exaltar as possíveis criações que obtiveram destaque. O professor ainda necessita
desenvolver instrumentos que permitam verificar a aprendizagem dos estudantes e por
meio deste recurso projetar as próximas aulas e apontar avanços e fragilidades que
os estudantes apresentam. Neste sentido, é importante desenvolver objetivos para
a aprendizagem de acordo com os temas e que ao final, possam ser avaliados o seu
alcance ou, o não alcance.

Os objetivos de aprendizagem conectam-se com os instrumentos de avaliação


na medida que são base para o desenvolvimento de critérios para avaliar a aprendizagem.
É comum ainda encontrarmos instrumentos de avaliação com abordagem punitiva,
usado como moeda de troca para conseguir atenção ou envolvimento da turma e com
pouca eficácia para detectar fragilidades ou apontar avanços para ser parâmetro para
planejar novas propostas. A avaliação necessita ter uma abordagem verificativa, para
detectar o que os estudantes conseguiram desenvolver, ter uma dimensão formativa,
para propor uma abordagem avaliativa que permita fixar e reforçar saberes e diagnosticar
os temas que precisam ser abordados com novas propostas.

Os modos de avaliar podem ser inúmeros e cabe ao professor desenvolver


instrumentos que melhor atendem as necessidades do coletivo. Ainda sobre propostas
de ensino-aprendizagem de história do teatro brasileiro é importante observar
características do grupo de estudantes para propor as atividades. Nos anos iniciais
as crianças geralmente estão dispostas a interagir ludicamente. Neste sentido que
atividades que envolvam contação de histórias, imitação de personagens, exercícios de
expressão corporal, de sonoridade e movimento ou de expressão facial. Utilizar músicas e
estímulos diversos para abordar as temáticas relacionadas a história do teatro brasileiro.

O ensino de teatro para adolescentes pode ter outras abordagens que estas
citadas previamente. A faixa etária que vai do quinto (5º) ano até o nono ano (9º),
pode exigir abordagens específicas para o ensino-aprendizagem de história do teatro.
Selecionar textos dramatúrgicos desse período, apresentar por meio de vídeos elementos
desse período ou propor dinâmicas de estudo que possam ter o desenvolvimento de
teatralidades para socializar os conhecimentos. Separar os períodos da história do teatro

243
e por partes, abordar os fatos que construíram o teatro brasileiro. Teatro de bonecos, de
formas animadas e de fantoches pode ser recurso eficiente para todas as faixas da
educação básica.

Rastrear as características do teatro brasileiro e comparar com a história do


teatro mundial pode ser uma proposta significativa. Estimular a compreender e identificar
a teatralidade ritualística presente no cotidiano social e elaborar cenas inspiradas na
história do Teatro Brasileiro ou nos princípios da arte teatral pode ser caminho de rica
aprendizagem. O conhecimento é desenvolvido com dedicação, leitura e práticas que
possam construir saberes e teatro. Estudar teatro é lançar olhares para a capacidade
de dramatizar, de fazer de conta e se colocar na posição de determinado personagem.
Teatro é tentar ser outro, mesmo que essa ação ocorra por alguns momentos.

244
LEITURA
COMPLEMENTAR
HISTÓRIA DO TEATRO-EDUCAÇÃO COMO CULTURA ESCOLAR E SUA
INSTITUCIONALIZAÇÃO COMO DISCIPLINA (1961-2016)

Thiago Marques Leal


Ednéia Regina Rossi

O binômio teatro-educação e o ensino da arte no Brasil

O binômio teatro-educação, como afirma Japiassu (2008), somente surgiu na


segunda metade do século XIX. No entanto, os estudos nos campos do teatro e da
educação remontam à Antiguidade Clássica, com os gregos Aristóteles e Platão, e com
os romanos Horácio e Sêneca. Mais tarde, como afirma Courtney (1980), o pensamento
romano com influência aristotélica entendeu, a partir de Horácio, que o teatro precisava
tanto entreter quanto educar, sendo o conceito mais comum, entre os romanos, o de que
a imitação tinha relação direta com o teatro e a arte e, neste sentido, com a educação.
Com o Renascimento e a retomada dos clássicos, as bases do pensamento humanista
no teatro foram Aristóteles e Horácio, e a influência dramática se consolidou, com
encenações de peças latinas por academias em toda a Itália, cujos membros, muitas
vezes, vieram a se tornar professores e utilizaram o teatro em suas aulas com jogos
dramáticos, simulações, jogos com regras, exercício para a linguagem e, por muitas
vezes, mantendo tendências ainda do período medieval pela inserção de lições morais,
como elucida Courtney (1980).

No Brasil, desde o período colonial, o teatro foi utilizado como instrumento


educativo, como podemos verificar em Saviani (2013) e em Santana (2002), com o
intuito de catequização dos índios. A ideia de formação de atores por meio de uma
escola dramática, como prossegue Santana, só ganhou maior repercussão a partir de
meados do século XX, de maneira lenta, mas progressiva, ainda que o teatro, na escola,
aos moldes tradicionais, consistisse “somente na comemoração de datas cívicas ou
montagem de espetáculos para animar solenidades” (SANTANA, 2002, p. 248).

A proposta de democratização do acesso ao palco com o Teatro do Oprimido,


sistematizado a partir dos anos 1960 pelo brasileiro Augusto Boal (1931-2009), foi
formulada com inspiração (entre outras) na estética brechtiana e na pedagogia
libertadora de Paulo Freire (1921-1997). Experimentações a partir das propostas de
Boal foram e/ou têm sido encorajadas, por exemplo, na educação informal de crianças,
jovens e adultos, como no trabalho da professora Joana Lopes (1989), do Instituto de
Artes da Universidade de Campinas (Unicamp), e pelos Centros de Teatro do Oprimido
(CTOs) espalhados pelo Brasil e no mundo, como discorre Japiassu (2008).
245
Sabemos que as práticas extracurriculares com o teatro na escola se mostram
tradicionalmente presentes, seja como mencionado anteriormente, em comemoração a
datas especiais (dia das mães, dia dos pais, dia do índio, dia da consciência negra, natal,
páscoa, entre outras), seja mesmo para animar solenidades ou trabalhar conteúdos
“extra teatrais”, por exemplo, na montagem de pequenas cenas para se trabalhar em
aspectos históricos do folclore nacional. Ainda que consideremos esta presença do
teatro na escola enquanto elemento importante no que se constitui parte da cultura
escolar e reconheçamos seu papel na formação escolar e prática social, atentamos,
neste trabalho, em especial, ao teatro como linguagem obrigatória do currículo da
disciplina de arte, com saberes e conteúdos próprios.

Ao nos referirmos à disciplina em estudo, utilizamos o termo “arte” como consta


nos documentos analisados. No entanto, não deixamos de mencionar a presente
utilização no cotidiano escolar do termo “artes” no plural, que acreditamos adequado
a partir do que expõe Barbosa (1993), especialista em arte-educação, ao discutir sobre
o ensino de arte na educação brasileira, concebendo as artes em sua pluralidade e
nas diferentes linguagens que compõem os conteúdos trabalhados pela disciplina. Por
exemplo, ao nos referirmos à arte dramática, encontramos particularidades, como as
expressas por Pavis (1999), que, ao tratar da linguagem dramática, prefere manter uma
distinção entre linguagem dramática, que se refere à escritura (literatura dramática), e
linguagem cênica, como é realizada num palco por um encenador para um espectador.

Quanto às particularidades características do tratamento das diversas linguagens


das artes, destacamos que utilizaremos o termo arte no singular, tendo em vista a
utilização deste termo como nomenclatura nos documentos analisados. No entanto, não
excluímos a pertinência e importância da discussão que se concentra em qual termo seria
mais adequado utilizar. Compreendemos, ainda, que a utilização de um termo no singular
ou no plural está ligada a aspectos históricos que constituem e atribuem significados
a um determinado conceito, ou palavra, visto que a maneira como compreendemos e
encaramos o significado de um termo está atrelada a mudanças e continuidades marcadas
pelas relações entre sujeitos culturais e suas possíveis visões de mundo.

A LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961 (nº 4.024/61), introduziu


legalmente o ensino das artes no currículo escolar da educação básica brasileira de forma
não obrigatória. No documento, ao tratar “Da Educação em Grau Médio – Capítulo I –
Do Ensino Médio”, observamos, no item IV do Art. 38, o seguinte texto: “IV -atividades
complementares de iniciação artística” (BRASIL, 1961, p. 8), explicitando, como possibilidade
de realização enquanto atividade complementar no ensino médio, a prática artística.

A Lei nº 4.024/1961 instituiu, por exemplo, a disciplina de arte dramática,


ministrada em alguns ginásios vocacionais, colégios de aplicação e escolas
pluricurriculares (JAPIASSU, 2008, p. 63). Mas, com o golpe militar, alguns espaços
sofreram censura, movimentos renovadores foram interrompidos e, em 1968, escolas
foram “invadidas” e “fechadas” (VITA, 1994).

246
Observa-se que, em grande medida, devido ao período ditatorial no Brasil,
houve interrupções das experimentações e práticas com o teatro na educação escolar
brasileira. Contudo, há um paradoxo apresentado neste contexto, uma vez que será
durante o regime militar que a chamada “educação artística” será inserida como disciplina
obrigatória. Em 1971, a lei 5.692 instituiu o ensino da educação artística como “atividade
educativa” em todo o território nacional da 5ª série do 1º grau à 3ª série do 2º grau, sendo
o ensino do teatro polivalente junto ao de artes plásticas, música e desenho. Em seu
Art. 7º, o documento apresenta o seguinte texto: “Art. 7º Será obrigatória a inclusão de
Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos
currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o
disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969” (BRASIL, 1971).

Essa lei criou a demanda por profissionais qualificados, assim, as instituições


de ensino tiveram por desafio a adequação de cursos de formação de professores de
educação artística, que começaram a ser implantados três anos após as exigências
da lei. Essa novidade se deparou com uma cultura escolar em que se valorizavam
os conhecimentos entendidos como científicos e de preparação mais técnica para o
mundo do trabalho. Assim, a não tradição do ensino das artes no interior das escolas
brasileiras, o pouco número de professores qualificados para este ensino e as prioridades
e ideologias do governo militar brasileiro levaram ao desenvolvimento dessa disciplina,
em sua grande maioria, como oferta do conteúdo desenho geométrico. A esse respeito,
Japiassu (2008) destaca que profissionais de áreas afins foram utilizados para “taparem
buraco”, ou oferecerem como conteúdo o desenho geométrico –enquanto conteúdo de
matemática –aplicado em educação artística.

Legalmente, o lugar das artes no currículo escolar brasileiro foi recolocado na


década de 1990, período de redemocratização da sociedade brasileira e de um debate
educacional preocupado com uma formação cidadã e inclusiva. Assim, a matéria “artes”
veio a ser reconhecida como disciplina com a Lei nº 9.394 de dezembro de 1996, de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que também conferiu obrigatoriedade
de seu ensino na educação básica, como observamos no §2º do Art. 26 do documento:
“O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis
da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”
(BRASIL, 1996, p. 10). Além da LDB, o governo federal também formulou os Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), servindo como referência para a elaboração dos
currículos escolares.

Em 2016, a Lei nº. 13.278/2016 inclui as artes visuais, a dança, o teatro e a música
nos currículos dos diversos níveis da educação básica. Trata-se de uma lei que altera o
§6º do Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, referente ao ensino da
arte, estabelecendo o prazo de cinco anos para que os sistemas de ensino promovam
a formação de professores para implantar esses componentes curriculares no ensino
infantil, fundamental e médio: “§ 6º As artes visuais, a dança, a música e o teatro são
as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o §2º deste artigo”
(BRASIL, 2017, p. 20).

247
A Lei nº 13.278/2016 tem origem no projeto de Lei nº 7.032/2010, apresentado
em 24 de março de 2010, e que passou pelo processo de tramitação em comissões e
mesas, com discussões e pareceres, até sua promulgação enquanto lei, como apresenta
o portal da Câmara Federal dos Deputados.

O teatro enquanto arte escolarizada

Nossa discussão, ao encarar o teatro enquanto linguagem de uma “disciplina


escolar”, propõe que reflitamos em como se constitui esse conceito no contexto de
nossa pesquisa e, nisto, concordamos com os estudos de Chervel (1990):

A disciplina escolar é então constituída por uma combinação, em


proporções variáveis, conforme o caso, de vários constituintes: um
ensino de exposição, os exercícios, as práticas de incitação e de
motivação e um aparelho docimológico, os quais, em cada estado
da disciplina, funcionam evidentemente em estreita colaboração, do
mesmo modo que cada um deles está, à sua maneira, em ligação
direta com as finalidades (CHERVEL, 1990, p. 207).

Consideramos, ainda, a disciplina escolar como própria da cultura da escola,


com saberes, estratégias e práticas que fazem parte do que podemos relacionar tanto
à história das disciplinas escolares como também ao cotidiano das práticas sociais da
escola. Não entendemos a escola apenas como mera reprodutora dos saberes das áreas
acadêmicas de conhecimento, assim como não a compreendemos como simplificadora
de conhecimentos cientificamente encarados como “mais elaborados”. Em nossa
perspectiva, entendemos a escola e a disciplina escolar como lugares próprios de
criação de saberes, com necessidades e práticas autênticas.

Ao tratarmos da Arte enquanto disciplina escolar, relacionamos ainda o contexto


de nosso artigo alinhado à discussão do conceito de cultura escolar que, para Julia
(2001, p. 1), “é descrita como um conjunto de normas que definem conhecimentos a
ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”.

A este conjunto de práticas que caracterizam a escola enquanto instituição,


incluímos objetos materiais, funções, distribuição do espaço físico e seu uso, simbologias
entre outros aspectos, como também relaciona Viñao Frago (2008), o conceito de cultura
escolar. Portanto, entendemos que a disciplina de Arte se consolida no ambiente escolar
diante de uma multiplicidade de estratégias e fazeres relacionados às necessidades
culturais, sociais e institucionais, enquanto elemento próprio da cultura escolar e
em diálogo com modos de fazer e pensar a Arte enquanto conhecimento. Mas, se
consideramos que a escola tem uma cultura própria, marcada pelas relações ordinárias
em seu interior e em relação a aspectos exteriores ao seu muro, não descartamos a ideia
de que a maneira de se organizar a rotina escolar, em suas disciplinas, graus, classes,
estrutura física e, inclusive, enquanto instituição, liga-se ao conceito que trazemos à
discussão enquanto forma escolar. Vincent, Lahire e Thin (2001, p. 80) afirmam:

248
Falar de forma escolar é, portanto, pesquisar o que faz a unidade
de uma configuração histórica particular, surgida em determinadas
formações sociais, em certa época, e ao mesmo tempo que outras
transformações, através de um procedimento tanto descritivo
quanto “compreensivo”. Este se opõe não só à busca de relações
entre fenômenos esmiuçados, tomados como elementos e sempre
concebidos como exteriores uns aos outros, quanto à busca de
elementos permanentes.

Os autores, ao discorrerem sobre a forma escolar, consideram, por um lado, os


diversos aspectos da forma, incluindo o espaço e o tempo próprios da escola e, por outro
lado, a história de como se constitui a “formação” da escola e como ela se apresenta em
um contexto de posicionamentos variados, dificuldades, conflitos e lutas.

Assim, ao refletirmos sobre a arte escolarizada, não nos referimos a uma educação
profissional para o ator de teatro, técnico das artes cênicas, ou, ainda, de uma educação
em arte com interesses extraescolares. A arte escolarizada ocupa um outro lugar, marcado
por uma cultura que irá definir objetivos, delimitar fazeres e procedimentos.

O lugar próprio ocupado pela disciplina de arte mantém uma relação direta com
a forma escolar, ou com as formas escolares, que estruturam e definem as práticas
que nela se desenvolvem. Nesse sentido, é importante observar que as propostas
pensadas para o teatro no interior da escola se ocupam em apresentar estratégias ou
metodologias para o seu ensino. As discussões em torno de um método dramático para
a aprendizagem no Brasil, a pedagogia dramática, ainda se mostravam muito restritas
na primeira metade do século XX. As primeiras experimentações em teatro-educação
ocorreram com as escolinhas de arte de Augusto Rodrigues na década de 1940, no
entanto, como não havia uma tradição no ensino do teatro, houve uma difusão massiva
do “espontaneísmo” (SANTANA, 2002).

Japiassu (2008), por exemplo, fala das experimentações de propostas


metodológicas a partir do sistema de jogos teatrais de Viola Spolin para a educação a
partir dos anos 1970 no Brasil pelo grupo de pesquisadores em teatro e educação da
ECA/USP, liderados pelas professoras Maria Lúcia de S. B. Pupo (1991, 1997) e Ingrid
Dormien Koudela (1991). Além delas, outras práticas de natureza lúdica escolar foram
e são experimentadas a partir do sistema de jogos teatrais spoliniano, inclusive, por
Ricardo Japiassu (2008). Sabemos, ainda, que outras teorias e didáticas influenciaram
o fazer teatral e a educação em teatro brasileira, como é o caso do teatro épico, dialético
e intelectual do alemão Bertold Brecht (1898-1956), e, ainda, de seu teatro pautado em
“modelos de ação”, voltados para experimentações públicas em perspectiva pedagógica
denominadas peças didáticas.

Santana (2009), ao discorrer sobre as metodologias para o ensino do teatro na


virada do século XX, considera concepções culturais emergentes em educação nesta
virada do milênio, além de pesquisas e trabalhos que levam em conta a docência e a
vivência de educadores em sala de aula. Assim, ele defende que

249
o ensino de Arte, ou pelo menos uma parcela significativa de seus
praticantes, tem procurado fundamentar-se em obras e conceitos
revelados na arte contemporânea, no fazer dos artistas, no pensar
dos críticos, nas práticas culturais comunitárias, nas propostas de
museus e instituições culturais, sem ignorar, contudo, a realidade
da sala de aula. Creio, também, que essa jornada ruma para a
superação do fazer que caracterizou o sentido da formação em arte
predominante durante séculos, bem como do sentirem quanto esfera
da liberdade expressiva de fundo psicológico que alude à imanência
estética, mas que, na verdade, não penetra na essência da arte,
retomando a questão da reflexão como estatuto de um pensar que
existe para tecer conexões entre esses três componentes da ação
artística e pedagógica – fazer, sentir, pensar (SANTANA, 2009, p. 29,
grifos do original)

As reflexões de Santana, aliadas às pesquisas em teatro-educação, permitem


inferir que parte dos docentes responsáveis pelo ensino da arte na escola e, mais
especificamente, do teatro em sala de aula tem buscado por metodologias que privilegiem
uma formação em arte com maior profundidade de significados e complexidade no
sentido da formação de um sujeito próximo da integralidade exigida aos indivíduos do
século XXI. Privilegia-se, portanto, a pesquisa, a fundamentação, a obra, os conceitos
e o pensar crítico. Ao refletir sobre as práticas de teatro-educação no cotidiano escolar
contemporâneo, Soares (2009) realiza uma ação pedagógica, dentro da estrutura
curricular no sistema municipal e estadual de ensino público do Rio de Janeiro, de uma
maneira condizente com os princípios da linguagem teatral. A autora destaca que,

Em sua natureza, o jogo teatral pressupõe a invenção e a reinvenção,


a partir do vazio; dos jogos de corpos e do uso do espaço, nas
condições em que se apresenta. E até mesmo da falta. Da falta de
interesse dos alunos, da falta de escuta, da falta de comunicação,
da falta de autoestima e, principalmente, da falta de otimismo que
caracteriza os jovens de nosso país, muitas vezes massacrados
por uma realidade social, familiar e escolar, que os distancia de si
mesmos e de seu poder e direito de expressão (SOARES, 2009, p. 50)

A partir do que expõe Soares (2009), é possível observar que o teatro no


âmbito da escola é pensado a partir das suas possibilidades de criação, apesar dos
problemas inerentes à realidade dos alunos e da escola, relacionando princípios de um
fazer artístico pedagógico por vezes idealizado, em construção e experimentação, nas
relações da realidade em sala de aula.

É importante destacar que, quando se fala em teatro-educação, além dos


aspectos metodológicos de seu ensino, a profissionalização do professor de teatro
desponta como tema de discussão. Cabral (2018) discorre em seu trabalho “Mediação
em teatro: o professor como artista e pedagogo”, sobre a noção do docente em teatro
que, por muitas vezes, trata-se do professor-artista, aquele que pode descobrir o novo
na pesquisa, na experiência e no fazer artístico em processo junto aos alunos, buscando
por maneiras de fazer que, a nosso ver, tem potencial, ao romper com possíveis limites
de um conteúdo programático inicial ou proposta curricular.

250
O prazer de ensinar e aprender é o prazer da travessia, de encontrar o
novo, o diferente, de seguir por novas fronteiras de perder-se dentro
ou entre diferentes mundos, e lá experimentar novas relações,
histórias, práticas, realidades, epistemologias. Para tanto, o impacto
inicial torna-se importante. A ação ou efeito de envolver-se com uma
situação é condição para expressá-la através da arte (CABRAL, 2018,
p. 55, grifos do original)

Observa-se que o ensinar e o aprender aparecem como binômio que desafia o


professor de teatro e, ao mesmo tempo, procura traçar um perfil para esse profissional
que não é mais o do artista. Ele é o que ensina e aprende, ou seja, na ação de ensinar
o aprender, esse profissional experimenta em conjunto novas relações, realidades
e conhecimentos. Portanto, reafirmamos, no que confere ao ensino do teatro, uma
constante relação de tensão entre o velho e o novo, entre a regra e a superação desta,
entre os objetivos curriculares e as descobertas em sala de aula. A arte possibilita
espaços de inovação e inventividade, genuinamente, permeia ou mergulha em territórios
de subversão à norma.

FONTE: <https://periodicos.ufes.br/educacao/article/view/33823/22573>. Acesso em: 5 jan. 2022.

251
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A Pedagogia do teatro refere-se a abordagens teórico-práticas para o ensino-


aprendizagem de teatro em contextos escolares ou em cursos diversos. O termo
pedagogia do teatro pode abarcar ainda os mais diversos modos de pensar e
desenvolver os percursos de ensino-aprendizagem em teatro na educação formal ou
em outra modalidade de educação.

• O Drama como método de ensino de teatro busca uma abordagem específica que
traz para o centro de discussão a capacidade do ser humano de fazer de conta que é
um personagem, de agir como se fosse o personagem e de se apresentar executando
uma ação dramática.

• O Drama como método de ensino-aprendizagem de teatro busca explorar situações


propostas pelo professor-personagem para que os estudantes possam entrar no jogo
teatral, tomar decisões na interação e sair dela conforme sua vontade. O professor
personagem pode participar da situação e interagir com os participantes, além de
conduzir o processo.

• O teatro de rua é uma modalidade de teatro que busca montar espetáculos teatrais
paras erem exibidos em espaços públicos, na rua ou em espaços que sejam de uso
comum. Assim essa modalidade de teatro pode ser democrática, acessível e que
desde a época das práticas religiosas dos jesuítas era utilizado para levar o evangelho
para as pessoas e habitantes que aqui viviam. As companhias teatrais que circulavam
com espetáculos teatrais para serem apresentados na rua eram chamados de
mambembes e levavam, geralmente, espetáculos cômicos e números circenses.

• O teatro para o público infantil ou voltado para jovens recebeu a definição de


teatro infantojuvenil. As produções para esta faixa de idade podem ter abordagens
específicas quando se está falando de crianças. Os espetáculos teatrais voltados
para este público são definidos com elementos que se aproximam do universo
infantil ou adolescente. É importante destacar que existem espetáculos que
podem ser apreciados por qualquer faixa de idade e espetáculos que são voltados
especificamente para o público infantil.

• O teatro de bonecos, de marionetes e de formas animadas pode ser fonte de pesquisa


para elaboração de percursos de ensino-aprendizagem de teatro nas mais diversas
faixas de ensino na educação básica. Fantoches de luvas, dedoches e outros modos
de criar bonecos para contar histórias pode ser significativo no ensino-aprendizagem
de teatro.

252
• Ensinar e aprender teatro pode estar conectado com a disponibilidade de espaços
e recursos que a escola pode oferecer. Mas o ensino-aprendizagem de história do
teatro pode ser interessante na medida que o professor ou a professora de arte busca
desafiar os estudantes a pesquisarem sobre o tema e experimentarem percursos que
envolvam o conhecer teatro, apreciar teatro e criar teatro.

253
AUTOATIVIDADE
1 Ao trazer para a discussão o tema Pedagogias do Teatro estamos abordando os diferentes
modos de ensinar e aprender teatro. Os contextos de pesquisa científica buscam
desenvolver essa área como um campo de promover levantamentos abordagens
teórico-práticas para o ensino-aprendizagem de teatro, sejam em universos escolares
ou em cursos diversos. O termo usado – pedagogias – traz para essa discussão os
mais diversos modos de abordar percursos de aprendizagem na área do teatro. Cabral
(2006) afirma que há características distintas entre as pedagogias do teatro e o teatro
como pedagogia, em contextos da educação formal ou fora dela. Sobre estas grandes
áreas do conhecimento da Engenharia de Produção, assinale a alternativa CORRETA:
FONTE: CABRAL, B. A. V. Drama como método de ensino. São Paulo: Editora Hucitec: Mandacaru (Pedagogia
do Teatro), 2006.

a) ( ) O termo Pedagogias do Teatro propõe a discussão os mais diversos modos de


desenvolver propostas para o ensino-aprendizagem de teatro.
b) ( ) O termo Pedagogias do Teatro busca esconder os modos de socializar as artes
cênicas e de modo direto, nega que o teatro é arte importante para a educação.
c) ( ) O termo Pedagogias do Teatro é uma constructo teórico-prático que reafirma a
necessidade de construir edifícios com a finalidade de ser palco para a exibição
de espetáculos diversos.
d) ( ) O termo Pedagogias do Teatro abarca não somente uma pedagogia teatral, mas
um grupo de elementos que auxiliaram para o desenvolvimento do teatro grego.

2 O termo que foi cunhado para reunir procedimentos específicos para o ensino-
aprendizagem do teatro e buscar pesquisar novas propostas, foi o termo pedagogias
do teatro. Assim, o termo busca instaurar a discussão de que não há uma única
maneira ou que existem inúmeras possibilidades de abordagens metodológicas para
o ensino de teatro. Com base nessa definição sobre aa pedagogias do teatro, analise
as sentenças a seguir:

I- O termo Pedagogias do Teatro traz para a discussão os mais diversos modos de


abordar percursos de aprendizagem na área do teatro.
II- Cabral (2006) afirma que há características distintas entre as pedagogias do teatro
e o teatro como pedagogia, em contextos da educação formal ou fora dela.
III- As pedagogias do teatro são propostas pré-definidas por professores de arte e que
necessitam ser seguidas com todo o rigor para que o aprendizado em teatro ocorra.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.
254
3 O Drama como método de ensino-aprendizagem de teatro foi desenvolvido pela
professora inglesa Dorothy Heathcote (1926-2011), entre os anos 1960, para que
estudantes e jovens pudessem aprender e experimentar teatro, seja em espaços da
educação formal ou fora dela. De acordo com essa abordagem, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O Drama como método de ensino-aprendizagem de teatro provoca a capacidade


do participante de se envolver em uma situação dramatizada para agir como se
fosse tal personagem.
( ) O Drama como método permite que os participantes entrem no jogo proposto e
saiam dele de acordo com os estímulos ou conforme sua vontade
( ) O Drama como método de ensino-aprendizagem de teatro possui origens no teatro
grego e busca trazer para as aulas os elementos da tragédia grega e os princípios
do teatro antigo.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O Drama como método de ensino-aprendizagem em teatro sugere um modo de


agir diante de alguns estímulos. A proposição de situações dramatizadas em que
os envolvidos possam envolver-se como um participante da situação é uma ação
prevista. A interação faz com que os participantes explorem a sua capacidade de
imaginar estar vivendo como se fosse o personagem. Diante deste pressuposto,
disserte sobre o Drama como método de ensino-aprendizagem de teatro.

5 O ensino-aprendizagem de teatro pode ser definido por abordagens específicas de


acordo com os contextos escolares e idade das turmas envolvidas. Neste sentido é
importante planejar percursos de ensino-aprendizagem de teatro de acordo com a
dinâmica da turma envolvida e os interesses de cada coletivo. Neste contexto, disserte
sobre as possíveis abordagens de ensino-aprendizagem de teatro para crianças.

255
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, R.; FUSER, B. A formação do ator. In: FARIA, J. R.; GUINSBURG, J.; FARIA,
J. R. História do teatro brasileiro, volume 2: do modernismo às tendências
contemporâneas. São Paulo: Perspectiva: Edições SESC-SP, 2013. p. 458-465.

AGÊNCIA SENADO. Lei que define a obrigatoriedade de ensino das quatro


linguagens da arte. Senado Notícias, Sanções e Vetos, Brasília, DF, 3 maio 2016.
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/05/03/lei-
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