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(1913)
F. T. MARINETTI
19. O Teatro de Variedade oferece enfim a todo país que não tem uma
grande capital única (como a Itália) um brilhante resumo de Paris considerada
como foco único e obsedante do luxo e do prazer ultra-refinado. O FUTURISMO
QUER TRANSFORMAR O TEATRO DE VARIEDADE EM TEATRO DO
ESTUPOR, DO RECORDE Ε DA FISICOFOLIA.
1. É preciso absolutamente destruir toda lógica nos espetáculos do Teatro
de Variedade, exagerar singularmente o luxo, multiplicar os contrastes e fazer
reinar soberanamente no palco o inverossímil e o absurdo (exemplo: Obrigar as
chanteuses a tingir seu décolleté, os braços e especialmente os cabelos, em
todas as cores até agora descuradas como meios de sedução. Cabelos verdes,
braços violetas, décolleté azul, chignon laranja, etc. Interromper uma cançoneta
dando-lhe continuação com um discurso revolucionário. Cuspir uma romanza
de insultos e palavrões, etc.).
Impedir que uma série de tradições se estabeleçam no Teatro de
Variedade. Combater, portanto, e abolir as Revues parisienses, tão estúpidas e
tediosas quanto a tragédia grega com suas Compère e Commère, que
exercem a função do coro antigo, e seu desfile de personagens e
acontecimentos políticos, sublinhados com frases de espírito, com uma lógica
e uma concatenação fastidiosíssimas. O Teatro de Variedade não deve ser, de
fato, aquilo que desventuradamente ainda é hoje quase sempre: um jornal
mais ou menos humorístico.
Introduzir a surpresa e a necessidade de agir entre os espectadores da
platéia, dos camarotes e da galeria. Algumas propostas ao acaso: espalhar
cola forte sobre algumas poltronas, para que o espectador, homem ou mulher,
que ficar colado, suscite a hilaridade geral. (O fraque ou a toilette danificada
será naturalmente paga à saída.) — Vender o mesmo lugar a dez pessoas;
resultado: obstrução, bate-bocas, brigas. — Oferecer lugares gratuitos a
senhores e senhoras notoriamente amalucados, irritáveis ou excêntricos, que
são capazes de provocar tumultos com gestos obscenos, beliscando as
mulheres ou outras esquisitices. — Aspergir sobre as poltronas pós que
provocam pruridos, espirros, etc.
Prostituir sistematicamente toda a arte clássica sobre o palco,
representando por exemplo em uma única noite toda a tragédia grega,
francesa, italiana, condensada ou comicamente mesclada. — Vivificar as obras
de Beethoven, Wagner, Bach, Bellini, Chopin, introduzindo cançonetas
napolitanas. — Pôr lado a lado no palco Zacconi, a Duse e Mayol, Sarah
Bernhardt e Fregoli. — Exigir uma sinfonia de Beethoven ao revés, começando
da última nota. — Reduzir Shakespeare todo a um só ato. — Fazer recitar
Hernani por atores metidos em sacos até o pescoço. Ensaboar as pranchas do
palco, para provocar tombos divertidos no momento mais trágico.
Encorajar de todo o mundo o género dos clowns e dos contorcionistas
americanos, o seu efeito de grotesco exaltante, de dinamismo espantoso, os
seus grossos achados, a sua enorme brutalidade, os seus coletes de surpresa
e as suas calças profundas como estivas de navios, de onde sairá com mil
outras coisas a grande hilaridade futurista que deve rejuvenescer a face do
mundo.
Posto que não se esqueçam disso, nós futuristas, somos jovens artilheiros em
farra, como proclamamos em nosso manifesto "Matemos a luz do luar" fogo +
fogo + luz contra a luz do luar e contra velhos firmamentos guerra toda noite
grandes cidades brandem reclames luminosos imensa faixa de negro (30m de
altura + 150m de altura da casa = 180m) abrir fechar abrir fechar olho de ouro
(altura 3m) FUMEZ FUMEZ MANOLI FUMEZ MANOLI CIGARETTES mulher
numa blusa (50m + 120 de altura da casa = 170m) retesar afrouxar busto violeta
róseo lilás azul espuma de lâmpada elétrica em uma taça de champanha
(30m) chiar evaporar em uma boca de sombra reclames luminosos velar-
se morrer sob uma mão negra tenaz renascer continuar prolongar na noite o
esforço de uma jornada atividade humana coragem + loucura morrer jamais
fechar-se jamais adormecer reclames luminosos = formação e desagregação
dos minerais vegetais centro da terra circulação sanguínea nas voltas férreas
da casa futurista animar-se empurpurar-se (júbilo cólera sobre sua ainda logo
mais forte ainda) apenas as trevas pessimistas negativas sentimentais
nostálgicas assediam a cidade revivescência fulgurante da rua que
canalizam durante o dia o enxame enfumaçado do trabalho dois cavalos
(altura 30m) fazem rolar uma pata bola de ouro GIOCONDA ÁGUA PURGATIVA
entrecruzar-se de trrr trrr Elevated trrr trrrr sobre a testa
trombeeebeeebeettaa siiiiiilvos sirene de ambulância + carros de bombeiros
transformação das ruas em esplêndidos corredores conduzir empurrar
lógica necessidade a multidão para trepidação + hilaridade + reboliço do Music-
hall FOLIES-BERGÈRE EMPIRE CREME ÉCLIPSE tubos de mercúrio
vermelhos vermelhos vermelhos turquesas turquesas turquesas violetas
enormes letras-enguias de ouro foco púrpura diamante desafio futurista à noite
choramingona derrota das estrelas calor entusiasmo fé convicção vontade
penetração de um reclame luminoso na casa defronte bofetadas amarelas
naquele gotoso bibliófilo em chinelos que cochila 3 espelhos o guardam o
reclame se afunda nos 3 abismos rubrouro abrir fechar abrir fechar 3 bilhões de
quilômetros de profundidade de horrores sair sair depressa chapéu bengala
taxímetro empurrões keee-keee-keee cá estamos maravilha do promenoir
solenidade das panteras-cocottes entre os trópicos da música ligeira
cheiro redondo e quente da alegria Music-hall = ventilador incansável do
cérebro futurista do mundo.
29 de setembro de 1913
Trad.: J. Guinsburg