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THEATRO JOSÉ DE ALENCAR

CURSO PRINCÍPIOS BÁSICOS DE TEATRO – CPBT


2º MÓDULO: INTRODUÇÃO À ARTE DE REPRESENTAR

PRINCÍPIOS DA ARTE DE ATUAR


Apostila de textos compilados

Organização: Joca Andrade.


Revisão e colaboração: Juliana Veras e Neidinha Castelo Branco.

Fortaleza - Ceará
2020

Theatro José de Alencar – Centro de Artes Cênicas do Ceará (CENA)


Rua 24 de Maio, 600 - Centro, Fortaleza - CE, 60020-000,
(85) 3101-2583 / 3101-2566 / 3101-2567
tja.cpbt@gmail.com tja.comunica@gmail.com
Sobre o Curso Princípios Básicos de Teatro

Criado em 1991, o Curso Princípios Básicos de Teatro é considerado um dos mais importantes
cursos de iniciação teatral do Ceará. Em 2020, o CPBT,como é carinhosamente conhecido,
completa 29 anos ininterruptos de atividades. O Curso é uma realização do Theatro José de
Alencar – TJA, fruto da parceria entre as Secretarias da Cultura (SECULT) e da Educação
(SEDUC) do Estado do Ceará.

Ao longo desses anos acolheu mais de 9.000 alunos interessados em iniciar seus estudos e
práticas teatrais e revelou talentos de renome local e nacional, montou 65 espetáculos de
conclusão de curso e formou 1.288 estudantes.

Com turmas nos turnos manhã, tarde e noite, as aulas são ministradas pelos professores Joca
Andrade, Juliana Veras e Neidinha Castelo Branco.

O ser humano é teatro; alguns, além disso, também fazem teatro, mas todos o são.
O Arco-Íris do Desejo, Augusto Boal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ____________________________________________________ p.4

1. O QUE É TEATRO? (Augusto Boal) _________________________________ p.5

2. O QUE É O ATOR? (Augusto Boal) __________________________________ p.6

3. O QUE É O PERSONAGEM E O QUE É O ATOR? (Renata Pallottini) ____ p.10

4. O PERSONAGEM DE TEATRO, O QUE É? (Renata Pallottini) __________ p.12

5. O QUE É AÇÃO DRAMÁTICA? (Renata Pallottini) ___________________ p.15

6. AFINAL O QUE É TEATRO? (Olga Obry) ___________________________ p.17

7. O “INSTINTO” DO TEATRO (Olga Obry) ___________________________ p.18

BIBLIOGRAFIA __________________________________________________ p.20

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR _________________________________ p.21

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INTRODUÇÃO

A apostila “Princípios da Arte de Atuar” é um recurso oferecido pelos professores do Curso


Princípios Básicos de Teatro como ferramenta complementar para o 2° módulo: “Introdução
à Arte de Representar”.

A proposta teórica e prática aqui apresentada se fundamenta na compreensão tradicional da


dramaturgia teatral. Essa dramaturgia segue os conceitos ‘aristotélicos’ de começo, meio e
fim; caráter, moralidade, encadeamento das ações em um crescente de conflitos, que atinge o
ápice e resulta na catarse.

Escolhemos esses conceitos para introduzir os elementos da dramaturgia por considerar que
o enredo das grandes tragédias, do drama de circo, dos folhetins exibidos na televisão em
formato de novela, é próximo de nossa compreensão do que seja o “drama”.

O que é o teatro? O que é o ator? O que é o personagem? O que é ação dramática? Essas são
algumas questões que serão abordadas nessa apostila.

Em momento posterior passaremos a investigar outros conceitos dramatúrgicos surgidos a


partir do final do século 19; quando veremos as vanguardas e os reformadores do teatro
(BARBA). Só então, seguiremos na investigação para discutir o teatro contemporâneo e o
conceito de ator/performer.

Joca Andrade

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1. O QUE É TEATRO?
O TEATRO É A PRIMEIRA INVENÇÃO HUMANA
Augusto Boal, “O arco-íris do desejo”.

O teatro é a primeira invenção humana e é aquela que possibilita e promove todas as outras
invenções e todas as outras descobertas. O teatro nasce quando o ser humano descobre que
pode observar-se a si mesmo: ver-se em ação. Descobre que pode ver-se no ato de ver – ver-
se em situação.

Ao ver-se, percebe o que é, descobre o que não é, e imagina o que pode vir a ser. Percebe onde
está, descobre onde não está e imagina onde pode ir. Cria-se uma tríade: EU observador, EU
em situação, e o Não-EU, isto é, o OUTRO. O ser humano é o único animal capaz de se
observar num espelho imaginário (antes deste, talvez tenha utilizado outro o espelho dos olhos
da mãe ou o da superfície das águas - porém pode agora se ver na imaginação, sem esses
auxílios). O espaço estético, como veremos neste livro, fornece esse espelho imaginário.

Esta é a essência do teatro: o ser humano que se auto observa. O teatro é uma atividade que
nada tem a ver com edifícios e outras parafernálias. Teatro - ou teatralidade - é aquela
capacidade ou propriedade humana que permite que o sujeito se observe a si mesmo, em ação,
em atividade. O autoconhecimento assim adquirido permite-lhe ser sujeito (aquele que
observa) de um outro sujeito (aquele que age); permite-lhe imaginar variantes ao seu agir,
estudar alternativas. O ser humano pode ver-se no ato de ver, de agir, de sentir, de pensar. Ele
pode se sentir sentindo; e se pensar pensando.

Um gato caça um rato, um leão persegue sua presa, porém nem um nem outro são capazes de
se auto observarem. Quando, porém, um ser humano caça um bisonte, ele se vê caçando, e é
por isso que pode, pintar, no teto da caverna onde vive, a imagem de um caçador - ele mesmo
- no ato de caçar o bisonte. Ele inventa a pintura porque antes inventou o teatro: viu-se vendo.
Aprendeu a ser espectador de si mesmo, embora continuando ator, continuando a atuar. E este
espectador (Spect-Ator) é sujeito e não apenas objeto porque também atua sobre o ator (é o
ator, pode guiá-lo, modificá-lo). Spect-Ator: agente sobre o ator que atua.

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No início, Ator e Espectador coexistem na mesma pessoa; quando se separam, quando
algumas pessoas se especializam em atores e outras em espectadores, aí nascem as formas
teatrais tais como as conhecemos hoje. Nascem também os teatros, arquiteturas destinadas a
sacralizar essa divisão, essa especialização. Nasce a profissão do ator. A profissão teatral, que
pertence a poucos, não deve jamais esconder a existência e permanência da vocação teatral,
que pertence a todos. O teatro é uma atividade vocacional de todos os seres humanos.

2. O QUE É O ATOR?
Augusto Boal, “O arco-íris do desejo”.

O Ser Humano é – em pequena parte e com boa margem de erro – cognoscível. Sabe-se mais
sobre o seu soma e menos sobre sua psique. E dos seus elementos psíquicos, sabe-se mais
sobre os que são conscientes e, sobre os que não o são, podem-se propor hipóteses, fazer
conjecturas. Pode-se assim pensar que o inconsciente é como uma panela de pressão; aí estão
todos os demônios e todos os santos, todos os vícios e todas as virtudes. E tudo isso é potência,
que o ator deve despertar para dominar. Temos, cada um de nós – em nós – tudo o que têm
todos os demais homens, todas as demais mulheres. Eros e Thanatos. Temos a lealdade e a
traição, somos corajosos e covardes, audaciosos e pusilânimes. Tudo pura potência, fervendo
no caldeirão, panela hermética. Temos tanto, tanta riqueza, e bem pouco, tão pouco sabemos
do que temos e quase nada do que somos.

Se dentro de nós, é tudo potência, impossível seria manifestá-la em todos os seus desejos.
Dentro de nós temos tudo: somos uma PESSOA. Porém tão rica e multifacetada, tão violenta,
torrencial, intensa e multiforme, que temos que coibi-la. E o cerceamento de nossa liberdade
expressiva e realizadora pode-se dar, e se dá, pelo menos de duas formas: pela coação externa,
social, ou pela escolha interna, moral. Faço ou deixo de fazer mil coisas e ser de mil maneiras,
coagido por agentes da sociedade que me obrigam ou proíbem. Leque de agentes que inclui
polícia e família, universidades e igrejas, juízes e publicitários. Dizem-me o que se permite e
o que se proíbe. Em grande parte, aceitamos. Ou decidimos nós mesmos, e nos obrigamos a

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ser como somos, a fazer o que fazemos e deixar de fazer o que nos parece mal. Existe uma
moral externa e outra para uso interno. Ambas obrigam, ambas proíbem. E aquela PESSOA
que somos, continuamos a ser, porém aquilo que realizamos em ATO, de toda a nossa
POTÊNCIA, é bem menor. A esta redução chamamos PERSONALIDADE.

Temos todos uma PERSONALIDADE que sempre é uma brutal redução de nossa PESSOA.
Esta ferve na panela, aquela escapa pela válvula. E assim nos saímos todos bem. Parecemos
ser apenas a parte de nós mesmos que é perdoável. O resto guardamos com cuidado,
escondido. Nossos demônios e nossos santos, contudo, continuam vivos, bem vivos, fervendo,
e podem às vezes aparecer em sintomas, úlceras e equizemas, se não em coisa pior.

Somos todos gente muito sadia e nossos rostos sorriem. Imaginamos um ator que seja assim.
Seus problemas estão resolvidos e suas preocupações apenas normais. Digamos que se trata
de alguém "normal". Dentro das normas, aceito em sociedade de pessoas normais.
Esse ator normal, no entanto, exerce um ofício estranho e perigoso: interpreta personagens.
Onde irá buscá-los?

Em primeiro lugar, quem são eles, esses, assim chamados personagens? Digamos
francamente: do ponto de vista médico, são todos neuróticos, psicóticos, paranoicos,
melancólicos, esquizofrênicos gente doente. São belos, enquanto literatura; mas, como
realidades, necessitam urgentes cuidados médicos. Personagem de teatro é doente: esta é uma
afirmação que podemos generalizar sem grande medo de errar. E só por isso vamos ao teatro.
Quem se animaria a sair de casa para assistir a uma peça na qual um jovem e belo casal de
boa saúde, ambos apaixonados, assistem à saída para a escola de seus adoráveis filhos,
levando-os até a porta e atravessando um jardim florido diante dos olhares admirativos e
solidários dos vizinhos cordiais quando, de repente, chega o carteiro e – Oh! Pasmem! – traz
boas notícias: ambas as sogras estão em perfeito estado de saúde, fazendo um cruzeiro pelas
ilhas gregas... Fazia sol.

Quem gostaria de ver uma peça assim? O teatro ficaria às moscas. Porque o que nos move a
ir ao teatro é sempre a briga, o combate: queremos ver loucos e fanáticos, ladrões e assassinos.

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E, é claro, um pouco, bem pouco, de gente boa, apenas para dar uma medida da maldade.
Queremos o insólito, anormal.

Assim, o nosso ator sadio deve interpretar um personagem doente. Onde irá buscá-lo? Não
na sua Personalidade, que de maldades está isenta, mas sim na sua Pessoa, dentro do caldeirão,
porque aí continuam todos os diabos em ebulição. Assim, ele, que já havia conseguido
domesticar as suas feras, vê-se agora outra vez obrigado a despertá-las. Eis que a profissão
do Ator é muito insalubre e perigosa. Atores deveriam fazer jus ao mesmo salário de
insalubridade que recebem os mineiros que penetram nas profundezas das minas de carvão
ou estanho, ou dos astronautas que se elevam às vertiginosas alturas, infinitas. Atores
especulam com a profundidade da alma, e com o infinito da Metafísica.

Os atores provocam o leão com vara curta. Suas personalidades sadias vão buscar, em suas
pessoas, enfermos e delinquentes. Atores há que se adoentam. Nossa profissão é insalubre.
Mas, em defesa da sua saúde, o ator pratica o teatro consciente do ato. Presente em sua
sensibilidade, criatividade e intuição estética.

Perigoso ou não, é aí, nas profundezas da Pessoa que o Ator deve buscar seus personagens.
Do contrário, será apenas um prestidigitador, um jongleur que fará malabarismos com seus
personagens, sem com eles se confundir; um marionetista, que manipulará suas marionetes,
porém à distância ou, no máximo, um manipulador de fantoches que permite o contato, porém
apenas epidérmico, com seus personagens. Não, o Ator não trabalha com fantoches,
marionetes ou bolas e bastões: trabalha com seres humanos, trabalha consigo mesmo, na
descoberta infinita daquilo que é humano. Só assim se justifica sua arte; o contrário seria
artesanato. Que louvável é também, mas não é arte. O artesanato produz modelos
preexistentes; a arte descobre essências.

Resumindo: a personalidade sadia do ator busca, na riqueza da pessoa, seus personagens não
tão sadios como ele, gente doente. Permite-se, então, o exercício – dentro dos precisos limites
do palco e da hora – de todas essas tendências associais, desejos inaceitáveis, comportamentos
proibidos, sentimentos malsãos. No palco, tudo se permite, nada se proíbe. Os diabos e os

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santos da pessoa do ator têm plena liberdade de se expandirem, de viverem o orgasmo do
espetáculo, de se transformarem de potência em ato. Mimeticamente, empaticamente, o
mesmo acontece com Diabos e Santos análogos que são despertados nos corações dos
espectadores. Isto, com a esperança de que todos se cansem e readormeçam. Neste baile, santo
e diabólico, santos e diabos, de atores e espectadores, se extenuariam, retornando à
obscuridade inconsciente das pessoas e restaurando a saúde e o equilíbrio das personalidades,
que poderiam assim reintegrar-se sem susto às suas vidas sociais. Depois dos paroxismos
carnavalescos do teatro, a quarta-feira de cinzas é mais um dia de trabalho.

Ser ator é perigoso por quê? Mesmo tendo todas as seguranças da profissão, mesmo tendo
todas as proteções dos rituais teatrais, mesmo que se estabeleçam teorias sobre o que é a ficção
e o que é a realidade, mesmo assim esses personagens despertados podem se recusar a voltar
a dormir, esses leões podem se recusar a voltar para o zoológico das nossas almas e às suas
jaulas.

Se assim for, podemos pelo menos contemplar a hipótese contrária: uma personalidade doente
pode, teoricamente, tentar despertar personagens sadios, e isto com a intenção, não de reenviá-
los ao esquecimento, mas de misturá-los à sua personalidade. Se tenho medo, tenho dentro de
mim o corajoso; se posso acordá-lo, posso talvez mantê-lo desperto.

Quem sou eu: pessoa, personalidade, personagem? Fatalistamente, podemos determinar que
somos como somos, pronto, acabou-se. Criativamente, podemos imaginar que as mesmas
cartas do baralho podem ser redistribuídas. No baile das potências, os atos emergentes não
são os mesmos, sempre. Nossa Personalidade é o que é, mas é também o que se torna. Sendo-
se fatalistas, não há o que fazer; se não o formos, pode-se tentar.

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3. O QUE É O PERSONAGEM E O QUE É O ATOR?
Renata Pallottini, “Dramaturgia – Construção do Personagem”.

Antes de qualquer coisa, podemos dizer: o personagem ou a personagem, tanto faz, para se
referir a este ser que é imitação de gente. Ser composto pelo poeta (autor, ator) a partir da
realidade, o personagem não reúne, em todo caso, todos os traços passíveis de serem
encontrados num ou em muitas pessoas, mas são seus modelos. Personagem seria, isso sim,
a imitação, e, portanto a recriação dos traços fundamentais de pessoa ou pessoas, traços
selecionados pelo poeta segundo seus próprios critérios.

Vejamos o que nos conta uma boa história clássica da cultura grega:

O culto de Dioniso, deus estrangeiro, vindo da Trácia, é também um culto agrícola. Dioniso
é o deus da vinha e da embriagues. Por isso, a princípio, os conservadores gregos viam com
suspeita os seus ritos, considerando-os pretextos para atrozes dissoluções, Mas, no fim,
Dioniso triunfa. Parece que, desde o princípio, a máxima solenidade ritual desse culto
consistia numa festa campestre durante a qual os iniciados caçavam um animal que, de algum
modo, encarnava o deus adorado. Música dança, vinho e talvez a fumaça de certas sementes
excitavam os fiéis à orgia mística; estando eles disfarçados com peles e chifres de animais
selvagens, chegam a uma espécie de furor, que os induz a precipitar-se no rastro do animal
sagrado, o qual, uma vez encontrado, é morto, despedaçado e devorado, numa furiosa
confissão humana de sede do divino e confuso anúncio da "comunhão" cristã. (D'AMICO,
1960).

O primitivo cortejo de Dioniso, diz ainda Silvio D’Amico, é composto de sátiras e mênades,
a tornar manifesta a união entre os homens e a natureza selvagem. Festeja-se tudo, celebra-se
para tudo, desde a colheita da uva até a morte e ressurreição da vinha, lembrança da morte e
ressurreição do próprio deus. Ritos estrangeiros, festa quase bárbara, celebração seguida ou
precedida de embriagues, cantos, corridas selvagens pelas montanhas, morte de animais, uso
de seus restos, tudo isso que, como se disse, despertava o medo e a estranheza, as celebrações
a Dioniso ficaram, durante muito tempo, relegadas aos campos, longe das cidades, civilizadas

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e apolíneas. Custou para que o culto a Dioniso fosse assimilado, aceito e domado, para
posterior estilização e estetização. Atenas, de início, mandava ao culto uma delegação, e
nunca o consentiu dentro de seus muros, diz-nos Maria Helena da Rocha Pereira.
Inteligentemente, "retirava-se ao culto o seu ferrão", domesticando-o, para, por via das
dúvidas, pleitear o favor do novo deus, estrangeiro, sim, mas que se mostrava, sem dúvida,
cheio de energia e encanto, além de ter muitos seguidores.

Os grandes festivais dionisíacos da Ática vêm, assim, muito mais tarde a ser celebrados e
diferem já, substancialmente, da festa selvagem e campestre dos primeiros tempos. Já aí
devidamente legalizado, o culto a Dioniso passa a ser oficial e sujeito ao espírito ático,
organizado e harmônico. Celebra-se agora, portanto, a Dioniso, com outra ordem e
solenidade; mas, é claro, das origens provém sempre a real natureza do deus; ele continua a
ser a divindade ligada ao delírio, às coisas do corpo e da ebriedade. Nunca perdeu sua natureza
total, de ruptura e diversidade.

Em algum ponto do processo, dentre as corridas, as caçadas, a bebida e a comida, o disfarce,


o prazer, ocorreu uma mudança. Nas festas se cantava; cantava-se, nesse segundo momento,
como se sabe, o ditirambo. Daí provém, desse canto lírico, a origem da tragédia canto do
bode, ou canto do sátiro. Um conjunto de pessoas, o coro, iam em direção ao altar a fim de
oferecer o sacrifício a Dioniso. Um dia, o coro teria se dividido em dois coros; um passou a
responder, cantando, ao outro; dialogavam, por intermédio dos seus corifeus. Mas ainda
estavam cantando, contando, louvando ou lamentando a sorte de outra pessoa. Ele (o deus)
tinha morrido, tinha sido despedaçado, tinha ressurgido; ainda se tratava de alguém de quem
se falava.

Em que momento terá alguém, um dos corifeus, talvez, falado em nome do deus, assumindo
a sua existência? Quando foi que o primeiro ator falou na primeira pessoa? Por que o fez? Ele
é, sem dúvida, uma projeção pessoal das invocações do coro; um grupo de pessoas excitadas,
meio ébrias de vinho e música, ébrias de entusiasmo, suscita a fictícia aparição do próprio
Dioniso que, a partir daí, passa a falar e a agir em seu próprio nome, num verdadeiro aqui e
agora. Imaginemos então que antes existia só um coro, depois esse coro se divide em dois e

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logo em seguida alguém sai do coro e proclama – “Eu sou Dionísio”. É provável que daí tenha
nascido a personagem e o ator.

4. O PERSONAGEM DE TEATRO, O QUE É?


Renata Pallottini, “Dramaturgia – Construção do Personagem”.

A palavra teatro abrange ao menos duas acepções fundamentais: o imóvel em que se realizam
espetáculos e uma arte específica, transmitida ao público por intermédio do ator.
Evidentemente, é ao teatro transmitido pelos atores que vamos nos deter. Esta arte específica
pela qual, através da presença física do ator ou mesmo da voz do ator, ou mesmo do ator sem
voz, representa-se uma “história” para um grupo de pessoas. Já na menção ao ator começa a
sugerir o que é o personagem, uma vez que os atores nada mais fazem senão representar
personagens, fazer-de-conta que são outras pessoas que não eles próprios e, através dessas
pessoas ficcionais, veicular o conteúdo de uma peça de teatro.

O teatro de que falamos trata de atores vivos e não da gravação da imagem de atores, caso do
cinema e, de certa forma, da televisão, reapresentar uma história, uma trama, um enredo, uma
criação imaginária, como se ela estivesse acontecendo de novo naquele momento. De novo,
e pela primeira vez, todas às vezes. Sempre que se fala em teatro, acabamos pôr recorrer à
sapiência de Aristóteles; não custa fazê-lo de novo e ver o que, na sua Poética, encontrável e
conhecida em muitas e variadas edições e traduções, diz ele: A tendência para a imitação é
instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distingue-se de todos os outros seres, por
sua aptidão muito desenvolvida para a imitação.

Pode-se discordar do filósofo no que toca à exclusividade que concede ao homem do poder
de imitar; mas sem dúvida está aí a raiz da criação teatral. Sem dúvida, levando-se em conta
todas as implicações possíveis da palavra imitar - recriar, procurar a origem primeira,
reinventar, está aí o princípio da ação teatral e da criação do personagem. Diz ainda
Aristóteles, falando da imitação dramática: Como a imitação se aplica à ação e a ação supõe
personagens que agem, é absolutamente necessário que estas personagens sejam tais e tais

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pelo caráter e pelo pensamento pois é segundo estas diferenças de caráter e pensamento que
falamos da natureza de seus atos.

Aristóteles fala aqui, pela primeira vez, em ethos e diánoia - respectivamente o caráter e o
pensamento; Eles são o princípio da caracterização do personagem de teatro, segundo as
tradições ocidentais aristotélicas, e isto é o básico na sua construção. O ator é o portador do(a)
personagem, o seu suporte físico. Um ser humano carrega outro ser humano, este, agora,
imaginado. Mas, imaginado, como? Que pontos de contato guardam o personagem com a
pessoa ator? Poder-se-ia dizer, grosso modo, que todos; personagem é pessoa imaginária; para
a sua construção, o autor reúne e seleciona traços distintivos do ser - ou de seres - humanos,
traços que definam e delineiem um ser ficcional, adequado aos propósitos do seu criador.

O autor/ator, na criação de um personagem, desenha um esquema de ser humano; preenche-


o com as características que lhe são necessárias, dá-lhe a cor que o ajudarão a existir, a ter
foros de verdade. Uma verdade é claro, ficcional. Não se trata de ter um personagem que seja
a cópia real de uma pessoa qualquer, viva, existente, conhecida do autor. Mas de criar um ser
de ficção, “que reúna em si condições de existência; que tenha coerência, lógica interna,
veracidade. Um ser que poderia ter sido, não necessariamente um ser que é”.

O problema da verossimilhança pode ser tocado aqui; fazer um personagem verossímil, ou


seja, semelhante à realidade, não significa criar um ser comum, trivial, nem mesmo um ser
necessariamente realista. Pode-se fazer uma fada que voa, e fazê-la verossímil; basta que ela
seja fada, apresentada e caracterizada como tal. A consequência, isto é, a sua possibilidade de
voar, será uma consequência, lógica e necessária, da sua qualidade inicial de fada. Portanto,
dentro do contexto de uma história ou peça que trate de fadas, a fada voadora é verossímil.
Então, temos aqui o personagem, esse contorno de ser humano feito por um criador, mais ou
menos preenchido de detalhes, imitador de uma pessoa, que está destinado a cumprir um papel
na peça de teatro, dizendo, fazendo, agindo, mostrando-se por gestos, atitudes, entonações,
levando adiante a ação dramática que é a essência da obra teatral.

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Para composição do personagem o ator deve ficar atento às indicações que o autor revela
através das falas dos personagens. São indicações de seu ser. Ficamos sabendo, em geral, de
início, de seu sexo, idade, conformação física, postura, qualificação social (que se reflete na
aparência); recebemos indicações às vezes bastante nítidas de suas roupas, feições, tiques,
hábitos, gestos. E isso ocorre porque, no processo de conhecimento do ser humano pelo ser
humano, a apreensão da aparência física é, via de regra, o primeiro passo, e esta apreensão é
feita de um todo, por assim dizer a um primeiro olhar; no entanto, o conhecimento da alma,
da psique, dos sentimentos, ideias, emoções, caráter de um ser humano por outro, é obra de
toda uma vida - e às vezes uma vida não basta para essa tarefa.

O autor dramático reconhece estas limitações da nossa percepção; no seu trabalho de criação
de um ser humano, que se adapte aos seus objetivos, mas que, obviamente, toque e convença
o seu público, o autor, tendo selecionado os traços que vai usar no seu desenho, aplica-os ao
espaço da criação dramática. Cabe-lhe criar um ser ficcional que, através da imitação, fale, se
movimente, mostre seus sentimentos e emoções, dê vazão ao fluxo de suas ideias, tudo isto
obedecendo a um plano de trabalho que se baseia na evolução da ação dramática, e que conduz
a um fim, a um alvo, à meta final que o autor se propôs e propôs aos personagens, condutores
de todo o processo. Estes personagens, em geral interagindo, dando e recebendo, falando e
ouvindo, agindo e sofrendo a ação (o que é, também, agir, do ponto de vista dramático e
dialético), influenciando e recebendo influências, serão tais por razões suas, de cada um, e
também por razões de cada um dos seus interlocutores. A peça teatral é uma organização de
seres e atos, e nada, pode funcionar independentemente do conjunto. Os personagens levam
à frente o enredo, que empurra, por sua vez, os personagens ao seu final, enquanto
personagens, dentro do universo da obra teatral. E o ator? Quem é? É aquele que investe sua
sensibilidade, inteligência, criatividade, corpo, voz para representar o personagem.

Estrutura dramática e composição de personagem.


Os conteúdos aqui expostos são preliminares para compreensão dos elementos da estrutura
dramatúrgica e composição de personagem. Para tal, são considerados os fundamentos do
teatro tradicional ocidental em que Aristóteles e Constantin Stanislavski são referências.

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Propomos também leituras introdutórias de Sigmund Freud sobre a psique e o conceito de
arquétipo do psicoterapeuta Carl Gustav Jung.

De quais elementos dispomos para compor o personagem?

Seguem alguns elementos. Os itens 1, 2, 3 e 4 referem-se ao personagem propriamente dito.


Os itens 5, 6, 7, 8, 9 referem-se aos elementos gerais da dramaturgia.

1 – Personagem = (imitação de gente / ficcional ou real / qual sua função na trama? /


protagonista x antagonista)
2 – Objetivo = (qual o seu desejo? / paixão / doença, aqui como uma obsessão)
3 – Conflito = (interno / externo)
4 – Antecedentes = (frustrações / traumas / formação do caráter)
5 – Consequências = (construtivas / destrutivas)
6 – Tema = (urgências)
7 – Local = (espaço / geopolítica / cultura)
8 – Tempo = (período histórico / contexto histórico)
9 – Desenlace = (reflexão / ética)

5. O QUE É AÇÃO DRAMÁTICA?


AÇÃO DRAMÁTICA E CONFLITO
Renata Pallottini, “Dramaturgia – Construção do Personagem”.

Mas o que é ação nesse sentido, ou seja, o que é ação dramática? O que é conflito? Aristóteles
não nos dá todas as respostas; talvez as tenha dado no seu tempo, mas não chegaram a nós.
Diz-nos apenas (no que nos interessa mais e sem descer a grandes minúcias) que a ação deve
ser completa, tendo começo, meio e fim, e uma certa grandeza ideal. Isto, que parece
elementar, não o é de maneira alguma; sabemos por experiência própria quão difícil é escolher
o ponto ideal da fábula a ser imitada, para começar a imitação.

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Mas o que são ações? É ação, no sentido que se busca, qualquer ato humano? Ao comer, o
homem está praticando um ato, está fazendo alguma coisa. Estará ele agindo dramaticamente?
Ou requerer-se-á, da ação dita dramática, com consequências dramáticas, certa carga moral
que os simples atos até fisiológicos não têm?

A ação dramática provém da execução de uma vontade humana, com intenção e buscando
cumprir essa intenção. Nasce da necessidade humana de ver a ação representada; mas não
pacificamente, e sim através de um conflito de circunstâncias, paixões e caracteres, que
caminha até o desenlace final. Conflitos são elementos essenciais à caminhada da ação
dramática e, portanto, à poesia dramática. A ação tem como base a intenção da personagem
na busca de ver seus desejos realizados. Os acontecimentos parecem nascer da vontade
interior e do caráter das personagens. Estes, ao buscarem realizar seus desejos, sairão de suas
zonas de conforto e se depararão com obstáculos que provocarão mais conflitos, resultando,
no que chamamos aqui, de ação. Explica Hegel que: A ação é a vontade humana que persegue
seus objetivos, consciente ou não do resultado final. A ação dramática é a ação no drama, que
o personagem ativa quando vai em busca dos seus objetivos consciente do que quer. É a ação
de quem quer e faz. Da pessoa moral, consciente, com caráter.

Poderíamos dizer que ação dramática é o movimento interno da peça de teatro, um evoluir
constante de acontecimentos, de vontades, de sentimentos e emoções, movimento e evolução
que caminham para um fim, um alvo, uma meta, e que se caracterizam por terem a sua
caminhada pontilhada de colisões, obstáculos, conflitos. Ação é um dos conceitos mais
discutidos e analisados da história da dramaturgia. Numerosas teorias têm sido apresentadas
sobre o assunto e livros inteiros escritos para definir essa ideia; não é fácil assenhorear-se da
noção de ação dramática. Mas, uma vez que se tenha claro esse conceito, uma vez que se
consiga identificar a ação, diferente de puro movimento externo, diferente do simples
enunciar de teorias ou de sentimentos, ter-se-á caminhado muito no conhecimento da estrutura
do drama. A ação, deflui do conflito; duas posições antagônicas, uma vez colocadas dentro
de uma peça, onde serão, defendidas, pelas palavras, sentimentos, emoções, atos dos
personagens, que tomarão atitudes definitivas em consequência de suas posições, acabarão
fatalmente por produzir ação dramática.

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Ora, quem conduz a ação, produz o conflito, exercita a sua vontade, mostra os seus
sentimentos, sofre por suas paixões, torna-se ridículo na comédia, patético na tragédia, ri,
chora, vence ou morre, é o personagem. O personagem é um determinante da ação, que é,
portanto, um resultado de sua existência e da forma como ela se apresenta. O personagem é o
ser humano (ou um ser humanizado, antropomorfizado) recriado na cena por um artista-autor,
e por um artista-ator. Às vezes, como foi dito, esses dois artistas se confundem; temos, então
às peças, que não têm, ou quase não têm, texto previamente determinado. O ator se apodera
do papel de autor e cria a partir de roteiros básicos. Ele quase consegue concentrar em si todo
o fenômeno teatral, inda mais se lembrarmos a novidade que significa a figura do diretor,
invenção bastante moderna. O que, no entanto, o ator não pode é suprir a ausência de público.
Sem público o teatro não acontece. Um espetáculo teatral sem público é, na melhor das
hipóteses, um ensaio geral.

6. AFINAL O QUE É TEATRO?


Olga Obry, “O teatro na escola”.

O que é teatro? Para que, existe ele? Por que se vai ao teatro? Procuremos, antes de mais nada,
compreender o sentido de palavra teatro. A primeira vista, ele nos parece demasiadamente
simples: "Teatro é um lugar onde sé representa". Ou, ao contrário, muito complexo. A palavra
Teatro que, na antiguidade grega, designava um lugar de reunião, onde se celebravam,
primeiro, cerimônias em homenagem a Ceres e Baco, divindades que presidiam às colheitas
e às vindimas, aplicou-se, em seguida, aos edifícios erigidos para receber os cidadãos de uma
cidade vindos para assistirem aos concursos de poesia lírica e às representações dramáticas,
e aplica-se ainda hoje a qualquer conjunto de construções, seja qual for a sua importância e
seu caráter arquitetural, onde se desempenham espetáculos os mais variados.

A palavra, grega "Teatron" é um derivado, do Verbo "teaomai" (olho, observo, sou


espectador). O teatro seria assim um local para observar. Mas esta simples verificação ainda
não projeta luz alguma sobre sua razão de ser. Os gregos, que nos legaram quase toda a nossa

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terminologia teatral, foram os primeiros a constituírem tais "observatórios" de espetáculos.
Os homens têm necessitado de espetáculos desde os tempos imemoriais.

A palavra teatro, na verdade, abrange uma variedade muito grande de sentidos. Designa o
edifício onde se representam peças. Não se diz: "Vamos ao teatro?" Mas também designa a
parte do edifício onde trabalham os atores, tanto quanto, a arte teatral: "os trabalhadores do
teatro; ele tem interesse pelo teatro; ele serve à causa do teatro". Ainda se chama teatro a
literatura dramática: "O teatro de Shakespeare, o teatro de Molière". Dão o mesmo nome ao
efeito dramático específico visado por esta literatura e mesmo pela "mise-en-scène". Elogia-
se uma peça dizendo dela: “isto é que é teatro"; condena-se outra, afirmando que "não é
teatro". Esta longa enumeração parece-me reunir tudo ou quase tudo o que se entende
geralmente, ideias e projetos, pela palavra teatro.

Entretanto, quando digo "teatro", não estou pensando em nenhum desses elementos. Não
penso no que é apenas a exploração comercial do meu natural pendor pelo teatro. O teatro, na
minha concepção, é incomensuravelmente mais vasto do que o palco. Ele é muito necessário
e mais precioso para humanidade do que todas as descobertas da civilização moderna.
Podemos passar sem elas, como, aliás, o temos feito durante milhares de anos e como o atesta
indiscutivelmente a história os nossos antepassados primitivos. Nunca, porém, um homem,
pôde viver sem teatro, tal como o entendo.

7. O “INSTINTO” DO TEATRO
Olga Obry, “O teatro na escola”.

“Quais são as bases psicológicas do nosso amor ao teatro? Sobre que sentimento se funda
ele?”

Em sentido amplo, teatro está em toda parte, dentro de nós e à nossa volta, misturado a todos
os nossos atos individuais, fundidos como tudo o que observamos objetivamente. O homem
possui um instinto sobre o qual, apesar da sua inesgotável vitalidade, nem os historiadores,

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nem os psicólogos, nem os estetas disseram, até agora, com uma única palavra. Quero dizer
o instinto de transfiguração, o instinto de opor às imagens recebidas de fora, outras imagens
arbitrárias criadas no íntimo de uma mente, o instinto de mudar as aparências oferecidas pela
natureza em outra coisa qualquer - um instinto, enfim, cuja essência se revela no que eu
chamarei de teatralidade.

O instinto de teatralização, acha sua melhor definição no seu desejo de ser “outro", de fazer
alguma coisa "diferente", de criar um ambiente que se "opõe" à atmosfera de cada dia. Aí,
está um dos principais motivos da nossa existência e do que nós chamamos de progresso,
evolução, desenvolvimento, em todos os domínios da vida. Todos nós nascemos com este
sentimento na alma, todos somos seres essencialmente teatrais.

A teatralidade é pré-estética, quer dizer, ela existe desde tempos imemoriais. Do tempo em
que os humanos ainda não articulavam palavras. A teatralidade tem a idade da humanidade,
pois faz parte da natureza dos seres humanos no seu aperfeiçoamento nos processos de
comunicação. Consideramos que o teatro é pré-estético, porque nasce antes mesmo do
conceito de estética. Antes do teatro ser teatro, como entendemos hoje, as pessoas faziam
teatro sem saber que aquilo era teatro. A teatralidade é mais primitiva e de caráter mais
fundamental que o nosso senso estético. A arte teatral é pré-estética e não estética, pela
simples razão de que a transformação que é, contudo, a essência de qualquer arte teatral, é
mais primitiva, mais fácil de realizar que a formação, que é a essência das artes estéticas. E
creio que nos princípios da história da cultura humana, a teatralidade, desempenhou o papel
de uma espécie de “pré-arte". Se aceitarmos esta tese do "instinto" primitivo de teatralidade
que "impele o selvagem, como-o impelem a fome, o apetite sexual ou o amor", teremos a
chave de muitas coisas que parecem misteriosas dentro do teatro e fora dele.

As origens do Carnaval encontram-se em festas licenciosas que se praticavam no mundo


antigo em certas épocas do ano. Mas, o seu lado teatral não será muito mais importante do
que o lado erótico? Não era instinto teatral, a vontade de transfiguração que regia as
saturnálias romanas, quando os escravos tomavam, por poucos dias, o papel dos amos, e estes
o dos escravos? Não ser eu mesmo, ser outro, tomar férias do "ego" de todos os dias, por meio

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de uma fantasia, uma máscara, de uma voz fingida, de uma cabeleira postiça, de um andar
nunca que não é o meu, de atitudes que nunca assumiria na vida real?

Não é isto a regra, fundamental da folia? "O Carnaval", diz o Dicionário de Teatro de Artur
Pougin, "é um espetáculo que os homens representam para eles próprios, e onde são, a um só
tempo, atores e espectadores". Quem assistiu ao carnaval de rua, no Rio de Janeiro, ainda em
plena glória, antes da segunda guerra mundial, sabe que este espetáculo valia uma boa
representação teatral, com a única diferença de que os espectadores passivos, os turistas,
estavam em minoria e os atores formavam a maioria esmagadora. Das crianças aos anciões,
sem exclusão de mulheres de todas as idades, a cidade "caía na folia". Cozinheiras, lavadeiras,
carregadores, e até mendigos, juntavam os centavos a custo de sacrifícios e privações, para
adquirirem uma deslumbrante fantasia, rica e brilhante como um traje de ópera. Espetáculo
completo para todos os sentidos: música difundida por alto-falantes pelas ruas a fora, orgia
de cores e cheiro sufocante dos lança-perfumes, misturado com os das comidas "a baiana"
cozinhadas em barracas ao ar livre. "Foi um dos mais belos espetáculos a que já assisti",
confessaria Louis Jouvet, pasmado em meio à multidão delirante. Danças rituais dos povos
primitivos, jogos da infância, folia do carnaval: teatro antes do teatro. Matéria prima teatral.
Tendência ou "instinto" teatral, no estado natural, antes de aprimorar-se ao contato das outras
artes. Corpo do espetáculo teatral, à espera da literatura dramática para contribuir ainda mais
pela sua perpetuação. Mas, também, fonte a qual todo aquele que pretenda fazer teatro
verdadeiro deverá voltar de quando em quando, para reanimar seu espírito.

BIBLIOGRAFIA

BOAL, Augusto. O arco-íris do desejo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.


OBRY, Olga. O teatro na escola. São Paulo: Melhoramentos, 1956.
PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia – construção do personagem. São Paulo: Editora
Ática, 1989. (baixei)
PALLOTTINI, Renata. Introdução à dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 1983. (baixei)

(baixei)
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ASLAN, Odete. O Ator no século XX. São Paulo, Perspectiva: 1994 baixei
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.baixei
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005. (baixei, em inglês)
BROOK, Peter. A porta aberta. São Paulo: Civilização Brasileira, 2000. baixei)
CARLSON, Marvin. Teorias do teatro. São Paulo: EdUnesp, 1997.(baixei)
GASSNER, John. Mestres do teatro I. São Paulo: Perspectiva, 1988 (baixei)
GROTOWSKI. Em busca de um teatro pobre. São Paulo: Civilização Brasileira, 1971.(baixei)
ROUBINE, Jean- Jacques. Introdução às teorias estéticas do teatro. Tradução André
Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003
ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de janeiro: Jorge Zahar,
1998.
FLASZEN, Ludwik; GROTOWSKI, Jerzy. Teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959 -
1969. São Paulo: Perspectiva, 2007.
ROSENFELD, Anatol. O Teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1985

Somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos.


A Tempestade, William Shakespeare.

Theatro José de Alencar – Centro de Artes Cênicas do Ceará (CENA)


Rua 24 de Maio, 600 - Centro, Fortaleza - CE, 60020-000,
(85) 3101-2583 / 3101-2566 / 3101-2567
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