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EXETCÍCIOS € Jogos |
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com vontade de —
dizer algo através -
— do featro
42 EDICAO
CCCCCCCC
TEATRO PARA TODOS
4.2 EDICAO
Sumairio
Apresentagao 9
Introdugdo 13
Diagramação:
LÉA CAULLIRAUX I — Entrevistas 13
Jogos e exercicios 58
Direitos desta edição reservados, 1 Aquecimento fisico 58 *
com exclusividade para o Brasil, à
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA I Aquecimento ideológico 91
S.A.
Rua Muniz Barreto, 715-721
M Aquecimento vocal 92
RIO DE JANEIRO — RJ
v Aquecimento emocional 93
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Grosso, sempre assim foi. Vieram depois as classes dominantes uma arte combativa. Pensamos que se facilitaria a compreensdo
e erigiram muros de pedra (para que o teatro fosse feito apenas das condições em que os exercicios foram concebidos e prati-
dentro dos teatros — um absurdo!) e muros estéticos que se- cados, se pudéssemos juntar uma introducdo que oferecesse,
parassem os atores (ativos) dos espectadores (receptivos). Uns embora sumariamente, um panorama geral de certas idéias,
conceitos, experimentagdes e opgdes politicas que presidiram a
produzindo, outros consumindo. O que? A ideologia dominante.
todas as experiéncias do Teatro Arena de Sdo Paulo. Esta
Agora, por toda a parte, vê-se que os muros estão ruindo.
introdução consiste em entrevistas publicadas por La Pdtria,
Por toda a parte faz-se teatro e todo o mundo o faz. Porque na de Manizales, Colombia; L’Est Republicain, de Nancy, Franga;
luta contra a opressão devem-se usar todas as armas. O teatro e Le Monde, de Paris. Existem algumas repeticdes, que re-
e todas as demais artes também são armas. É preciso usá-las!
fletern o proprio processo reiterativo da investigagdo. Juntamos
É preciso que o povo as use!
também uma resenha histérica e outras informagdes.
O propésito deste livro é sistematizar todos os exercicios Esta edigdo brasileira € a mais completa de todas as que
utilizados pelo Teatro Arena de São Paulo (Brasil) entre 1956 este livro já teve. Acrescentei novos exercicios que comecei a
e 1971, perfodo durante o qual fui o seu diretor artistico. utilizar em Portugal, com os meus alunos do Conservatério de
Os exercicios pertencem às diversas fases por que passou Lisboa e com atores profissionais. Procurei também explicar
esse teatro: realismo naturalista, nacionalizagdo dos classicos, melhor alguns exercicios que talvez não estivessem muito claros
sistema “coringa”, teatro-jornal. A maior parte destes exerci- nas edições anteriores.
cios foi inventada no préprio Teatro de Arena (especialmente Este livro comegou a ser escrito no Brasil, em bom bra-
os de rituais e mdscaras); alguns serviam para solucionar pro- sileiro. Foi editado pela primeira vez em Buenos Aires, em es-
blemas especificos do momento ou de determinada obra, en- panhol, isto é, em portenho. Aportuguesou-se para a edição
quanto outros tinham uma aplicagdo mais duradoura. lusitana e aparece agora, outra vez, na nossa lingua. Isso ex-
Também se incluem exercicios inventados por Stanislawsky plica possiveis desunidades estilisticas.
e Brecht (as nossas principais fontes em todas as nossas etapas)
e por outros diretores e grupos, especialmente latino-ameri-
canos. Nestes casos, explicamos os exercicios tal como eram Lisboa, abril de 1977
praticados no nosso teatro, e não nas suas versões originais.
AUGUSTO BOAL
Nesta seleção incluem-se, principalmente, os exercicios que
podem ser praticados por atores e ndo-atores (estudantes, ope-
rérios, etc.) quando estes desejem utilizar o teatro como forma
vilida de comunicação ou diretamente como manifestagio po-
litica. Certos exercicios, como por exemplo os de “integragio
de elenco”, são indicados para atrair e estimular um “elenco”
de ndo-atores a representar. São exercicios que mais parecem
jogos de saldo do que um laboratério artistico: situam-se pre-
cisamente nos limites entre o jogo e a arte. O ndo-ator intervém
no jogo: mas jogard melhor na medida em que se disponha a
representar, ainda que sem se aperceber disso.
Estes apontamentos são uma descricdo “a frio” de exer-
cicios inventados e praticados “a quente”, durante os ensaios
em que se lutava pela criagdo de uma arte nacional e popular,
10 1.
Introdução
1 — Entrevistas
20 21
Por isso estes rituais são absolutamente necessários e ao mesmo
tempo devem ser constantemente destruídos e substituídos por Para que os transformadores da realidade possam trans-
outros, a fim de que a relação entre os homens possa evoluir. formé-la, precisam conhecé-la através do estudo, da partici-
A atitude conservadora consiste em não desejar nenhuma mu- pação politica e também através do teatro. A arte pode re-
dança de rituais; a atitude anarquista consiste em não desejar velar a realidade a dois niveis: o dos fenômenos e o das leis
nenhum ritual. que regem os fenémenos. O realismo — e ainda mais, o natu-
O comportamento ritualizado é o comportamento morto: ralismo — tende a apresentar os fenémenos, ocultando as leis;
o homem não cria, apenas desempenha um papel sem criati- certo teatro de “idéias” tende a discutir as leis sem a produção
vidade. O conjunto de papéis desempenhado por cada indi- de fendmenos (idéias abstratas). O problema basico do sis-
viduo na sociedade cria nele uma “máscara”. tema “Coringa” consiste em ‘“coisificar” as leis que regem os
Muitos rituais são abstratos. A hierarquia militar, por exem- fenémenos. O operdrio pode informar-se da situacdo politica
plo, é um conjunto de rituais determinados por leis abstratas. do seu pafs através dos jornais (se souber interpretar os jornais
Porém, a arte é o cdnhecimento que se transmite através dos das classes dominantes), e pode igualmente conheci-la através
da representagdo teatral, ritualizada, que lhe mostra cada fase
sentidos; por isso é necessário “coisificar” a hierarquia para a
revelar através dos sentidos. O ritual apresentado teatralmente da luta de classes no seu desenvolvimento. Isso é importante:
é a “coisificação” das leis, dos costumes, etc... toda peça deve mostrar os dois niveis. O nivel concreto dos
fendmenos particulares, porque essa é a matéria da arte, que
Dentro do sistema “Coringa”, o espetáculo deve apre- trata de coisas reais, e o teatro trata de gente de carne e 0sso,
sentar rituais realizados por um conjunto de máscaras que pas- trata de seres humanos, trata da vida social — é preciso mos-
sam de ator para ator, de modo a que o espectador possa ve- tré-la. Mas deve mover-se tambsm ao nivel das leis que regem
rificar que todos os rituais (mesmo os absolutamente neces- êsses fendmenos, porque a arte deve mostrar a organização
sários) devem ser constantemente destruídos, para que outros interna da realidade. Deve mostrar as coisas como são, sim,
sejam criados e destruídos, para dar lugar a outros, que serão mas deve mostrar também porque são como são.
igualmente destruídos, a fim de que o tempo e a vida não sejam
detidos. Pergunta — Pelo que diz, uma “máscara” tem algo que
ver com a mecanizagdo, com o “ato reflexo” de Pavlov, ou
O teatro deve modificar o espectador, dando-lhe consci-
coisa do género. Serd assim?
ência do mundo em que vive e do movimento desse mundo. O
teatro dá ao espectador a consciência da realidade; é ao es- Boal — Não. O animal não tem “méscara”, ainda que
pectador que cabe modificá-la. possa obedecer a certos estimulos sempre da mesma maneira;
Pergunta — Acredita na função política do teatro? o animal ndo se aliena. As suas ações e reagdes podem ter razoes
biol6gicas, climaticas, etc., mas nunca sociologicas. Pode me-
Boal — Toda a ação humana modifica a sociedade e a
canizar certas reações, mas estas mecanizagbes não são mas-
natureza. A arte e a ciéncia modificam a natureza de uma
caras, ndo obstante todas as mdscaras serem mecanizagdes. O
forma organizada, ndo-episédica, segundo as suas préprias leis.
homem é o único animal aliendvel. Isto pode ver-se com cla-
Mas há uma diferenca fundamental entre a ciéncia e a arte.
reza numa corrida de touros. Neste ritual, o toureiro move-se
Quando Fleming descobriu a penicilina, ndo precisou da
segundo regras preestabelecidas, ao passo que o touro reage
consciéncia do doente para curd-lo. A ciéncia atua direta-
mente sobre sem nenhum condicionamento ritualizado. O toureiro repre-
a realidade, modificando-a. Pelo contrério, a arte
modifica os
senta rituais (quer dizer, a sua vida e o seu estilo são deter-
modificadores da sociedade, transforma os trans-
formadores. A sua agdo é indireta, exerce-se sobre a consci-
minados e limitados por regras, costumes e tradigoes, perfei-
tamente integrados já no seu carater, na sua personalidade,
éncia dos que vdo atuar na vida real. na sua máscara), ao passo que o touro atua limitado apenas
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ca... Na Franca também existem proletérios e a estes (ainda
por motivos e estímulos físicos: cor, movimento. Neste sentido, que de forma diferente) pode servir o teatro dos nossos paises;
poderíamos dizer que o toureiro é alienado, enquanto o touro também eles sdo explorados, ainda que mais suavemente, com
é autêntico (acrescento que não há aqui vantagem em ser menos brutalidade, mas com mais malicia,
autêntico).
Há que compreender o ponto de vista do terceiro mundo,
Posso-lhe contar um caso explicativo e trágico: Mano- totalmente oposto ao ponto de vista das sociedades
lete morreu porque tinha fama de nunca recuar um passo de con-
sumo. Os Estados Unidos, a Alemanha, o Japio, sio paises
para fugir do touro. Esta fama fez a sua fortuna. Manolete extremamente desenvolvidos, mas sob o ponto de
alienou-se a essa fama. Ao ritual das corridas juntou mais vista da
Revolugdo, que é o que nos interessa, estio infinitamente
Um: nunca recuar um passo. Quando às cinco da tarde do dia atra-
sados; Angola, Mogambique, estão em movimento muito
da sua morte viu que o touro lhe ja cair em cima e que a sua mais
acelerado em relação à meta suprema do nosso século:
única possibilidade de escapar era recuar uns passos, a más- a li-
quidação do sistema pré-histórico que é a propriedade privada
cara do toureiro que nunca recua impediu que se salvasse. dos meios de produção.
Manolete teria podido escapar, mas o ritual do toureiro ousado t
cumpriu-se. Manolete morreu. As pessoas têm de compreender que a Revolução não e
Pergunta — Mas se V. é antiimperialista e repudia um éden cheio de mercadorias (geladeiras e carros que caem
for- do céu) e sim um movimento contínuo em direção a uma
mas e (écnicas estrangeiras, como pode querer exportar as
sociedade humana e justa; nesse sentido, os países da Amé-
suas proprias técnicas e as suas próprias formas? Por que é
rica Latina são muito mais desenvolvidos, ainda que aos impe-
que sistematicamente se apresentam tantQs agrupamentos la-
tino-americanos em festivais de teatro na Europa (especial- rialistas custe abdicar da sua visão do Paraíso como um super-
mercado. A população dos países imperialistas não é “homo-
mente em Nancy) e nos Estados Unidos?
geneamente” imperialista. Os países superdesenvolvidos
Boal — Não, não desejamos fazer uma forma de “impe- tam-
bém possuem as suas classes subdesenvolvidas e os países
rialismo as avessas”. Ndo. Há dois tipos de agrupamentos que
subdesenvolvidos também possuem as suas classes superdesen-
se deslocam a esses festivais. Um apresenta-se como produto
volvidas. Os paises são economicamente dominados por outros
de consumo. Os europeus e norte-americanos gostam muito de paises, precisamente porque para as suas burguesias nacionais
reduzir a arte dos paises do terceiro mundo a manifestacoes o conceito de dinheiro é muito mais importante que o conceito
“folcléricas”. Muitos grupos se prestam a desempenhar esse de pátria ou de nagdo. A burguesia de um pais economicamente
papel. Mas outros não!
forte une-se & burguesia de um pais economicamente débil para
Existem também os grupos que compreendem que as na- explorar especialmente o povo deste último. E assim acontece.
ções imperialistas ndo resolveram os seus problemas de classe. na realidade, que também lucram os explorados do pais forte.
O imperialismo não elimina a luta de classes dentro dos seus Por isso muitos operdrios
paises: apenas a anestesia. A burguesia dos paises imperialistas de paises imperialista manifestam
tendéncias reaciondrias, tão reaciondrias como as suas burgue-
pretente fazer crer aos seus proletdrios que o pais estd esta- sias. São explorados, mas ganham mais alguns dolares, um
bilizado, equilibrado, que as reivindicacdes operarias devem
automével, bilhetes para o cinema, ou para o beisebol, etc. . .
ser do género da aposentadoria aos 30 anos de trabalho, ou
A isso se vendem.
coisas assim de menor monta, enquanto nos paises subdesen-
volvidos há conflitos precisamente porque sdo paises “em vias Nos Estados Unidos, recentemente, os estivadores dos por-
de desenvolvimento”, como dizem eufemisticamente. tos do Pacífico recusaram-se a descarregar os barcos peruano
s,
Porque o Peru aprisionou navios-piratas norte-americanos nas
Bem, todos os pafses estão em vias de qualquer coisa, Suas águas territoriais. Esses navios-piratas davam trabalho e
alguns em vias de subdesenvolvimento, como se diz da Fran-
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lucros a uma parte das populações desses portos. Os estivadores
adotaram uma atitude nitidamente imperialista, carente de con- I:ergunta — Segundo Luca Ronconi, o diretor italiano,
teúdo ideológico da sua própria classe, defendendo o seu direito o autêntico teatro popular, o único, é o que se faz na praça
à pirataria marítima. Também George Meany, presidente da pública, que é o verdadeiro lugar do povo. Compartilha
esta
AFLCIO, a maior organização operária dos Estados Unidos, opinião?
proclamou repetidas vezes o seu apoio à política assassina de Boal — Há um poema brasileiro que diz: “A praça é
do
Nixon no Vietname. povo como o céu é do condor”. Entretanto, neste momento
,
Por isso não se pode falar de conceitos muito gerais e as praças do Brasil não estão ocupadas pelo povo. Hoje
em
amplos que excluam a luta de classes. E quando se fala de dia, favz,er. teatro popular nas praças públicas brasileiras seria
uma arte imiperialista, temos que ter consciência de que ela é um suicídio. As condições políticas vigentes expulsaram o povo
dirigida não só contra os povos oprimidos, mas também contra das ruas, mas não o eliminaram. E como não se pode eliminar
o seu próprio povo, ao qual aliena. As idéias dominantes numa o povo, também não é possível destruir as suas manifes
tações,
sociedade são as idéias da classe dominante, disse Marx. O a sua arte, o seu teatro. O mais importante é fazer
um teatro
teatro, que na América Latina procura explicitar os mecanismos que tenha a perspectiva do povo, a perspectiva da mudança.
da luta de classes e pretende mostrar a necessidade e os ca- Se se puder fazer esse teatro nas pragas publicas, muito
bem:
minhos possíveis para a mudança social, pode igualmente ser se só se puder fazé-lo na casa humilde de um operério
, ou
eficaz dentro dos países imperialistas, que têm a sua luta de para poucos operdrios de cada vez, igualmente muito bem; se
classes anestesiada, mas não eliminada. O único risco da nossa se puder, com um espeticulo apenas, chegar a 5 0CO operarios,
atividade nesses paises é o folclorismo. Ai o nosso teatro serd ótimo. Se houver necessidade de se fazerem 500 reunides
vélido, ndo na medida em que for “aceito”, mas na medida em teatrais, em pequenos locais para se chegar aos mesmos 5 000,
que possa ser “utilizado” pelos explorados contra os explo- ‘lambemleslé bem. O teatro, para ser “popular”, tem de ser
radores. “revolucionário”, ndo importando onde se realiza o ato teatral.
E 0 teatro chega ao seu maior grau revolucionario quando
Pergunta — O seu teatro é caracteristicamente latino-ame- o
proprio povo o pratica, quando o povo deixa de ser apenas
ricano? o
inspirador e o consumidor para passar a ser o produtor. Quando
Boal — Nós, os membros do juri do IV Festival de Ma- se comunica através do teatro. Por acreditar nisso, o Teatro
nizales (1971), José Monléon, Emilio Carballido e eu, fizemos Arena de São Paulo desenvolveu uma série de técnicas,
todo o possivel para desmistificar os conceitos folcléricos de Jjogos e exercicios para o ator e para o não-ator com vontade de
latino-americanismo. Declaramos: “de que arte latino-ameri- dizer alguma coisa através do teatro.
cana se fala? No nosso continente convivem o latifiindio e a
miséria, os torturadores e os torturados”. Convivem também o
teatro venenoso da burguesia.e as formas populares. Não temos
nada a ver com o teatro burgués da América Latina, e temos
muito em comum com os “chicanos”, porto-riquenhos e neg:os
dos Estados Unidos. As nossas obras e as nossas técnicas não
servem para os teatros oficiais da América Latina, ou da Euro-
pa, mas com certeza Servem para os grupos marginais, opera-
rios, minorias étnicas oprimidas, estudantes revoluciondrios e
lumpen-proletariado sejam eles de cá ou de lá. O nosso teatro
e as nossas técnicas ou são do povo ou não sdo nada.
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o jovem ator decidiu imitá-lo e depois de algumas hesitações
Il — História do Teatro largou também a sua improvisação, por certo uma piada
muito grosseira. O resultado foi sensacional e todo o público
Arena de São Paulo e os seus colegas começaram a rir; só a vedeta ficou muito
séria e compenetrada. No fim do espetáculo, os atores espera-
vam a mais feroz censura para o jovem estreante, mas a vedeta
No Teatro Arena de São Paulo, Brasil, funcionava o La- fechou-se no seu camarim e não disse nada, absolutamente
boratório de Interpretação, que deu origem à maior parte destes nada.
jogos e exercícios. É necessário conhecer os gêneros de inter-
pretação que se praticavam em São Paulo por volta de 1956,
No outro dia, quando todos se preparavam já para entrar
quando o Arena iniciou as suas atividades, numa nova fase em cena, a vedeta mandou ir ao seu camarim o jovem ator,
como teatro de equipe. De um lado estavam os “monstros morto de medo pela sua ousadia da véspera. Foi recebido
sagrados” populares e do outro os novos “monstros sagrados” com grande amabilidade. A vedeta falou-lhe da sua arte, dos
burgueses: os primeiros destinados a adormecer o povo, os se- anos que já tinha de palco, etc., etc. Após um longo discurso
gundos ao deleite da burguesia. perguntou-lhe:
— Lembras-te da improvisação de ontem?
— Sim, sim — respondeu o jovem. — Não gostou?
MONSTROS SAGRADOS “POPULARES” — Gostei muitíssimo, parece-me uma piada muito boa.
— Obrigado — suspirou, aliviado, o jovem. — Muito obri-
Havia nessa altura no Brasil uma certa quantidade de gado. Parece-me que o público também gostou. Riram-se muito.
vedetas que reuniam à sua volta uns tantos atores e atrizes Os meus colegas felicitaram-me. Foi um éxito.
e obtinham grande êxito popular graças ao seu histrionismo — Sim, sim — disse a vedeta. — O piblico riu-se muito
pessoal. Ao público não interessavam os personagens e as porque é realmente uma 6tima piada. Mas hoje quem a diz
obras, mas apenas olhar e ouvir os seus atores preferidos. sou eu e não tu, porque sou eu o dono da companhia. Com-
Os espetáculos consistiam num puro exibicionismo individual preendido?
das estrelas, geralmente proprietárias das respectivas compa-
nhias teatrais. Não havia preocupação estética e politicamente Muito antes deste, houve outro monstro sagrado, Leopol-
esses espetáculos refletiam uma do Frées, hoje arduamente estudado pelos alunos de teatro,
mentalidade reformista e em
nenhum caso rebelde ou remotamente revolucionária. que na sua época se sentia demasiado importante para par-
ticipar dos ensaios. Nunca ensaiava. O assistente (nessa altura,
Posso contar alguns casos reais que ilustrarão bem esse tipo no Brasil, ndo se usava o encenador...) fazia a marcagdo.
de ator nessa época particular. Uma das maiores vedetas de Os atores, depois de terem estudado e decorado o texto, faziam
então, estava em excursão pelo interior de São Paulo com uma alguns ensaios de marcação e o assistente dizia-lhes:
pequena companhia. Sabia o texto de cor, mas gostava de in-
— A senhora fica neste lugar, porque o Doutor (o Dou-
troduzir novas frases todos os dias, dependendo da platéia e
tor era Leopoldo Frées) ficara aqui, nesta cena. O senhor nao
de como decorria o espetáculo. O público deliciava-se. Os outros
se aproxime tarto da janela porque ai estd o Senhor Doutor.
atores, ao contrário, perdiam a sua segurança e alguns riam
Vocé, jovem, ndo se ponha tão perto da mesa, porque ninguém
em cena, pelo que eram imediatamente censurados. No elenco
havia um jovem ator que estava a dar os primeiros passos e pode estar a menos de dois metros do Senhor Doutor. . .
que se entusiasmava com as novas piadas que a vedeta intro- E eram assim os ensaios. Um dia antes da estréia fazia-se
duzia no espetáculo. Certa noite, muito estimulado pelo patrão, um ensaio-geral com a presenga do Senhor Doutor. Enquanto
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os atores diziam os seus papéis o melhor que podiam, Leopol maravilhosa noite cheia de estrelds. A cena comegou e o pú-
do
Fróes murmurava o seu texto criticando a marcação feita blico conteve a respiração: pela primeira vez na histéria do
pelo
assistente. Por certo que a modificava totalmente: os teatro paulista as duas maiores damas, as mais ilustres, tra-
que esta-
vam sentados tinham de se levantar, e os que estavam jadas com vestidos mais dernier cri europeu e com as jóias
de pé
tinham que se sentar. Os da direita iam para a esquerda e vi- mais sul-africanas, pisavam o mesmo palco. Ao principio, tal
ce-versa. Claro que se gerava uma enorme confusão e era muito como nas lutas de boxe, as duas contendoras analisaram-se du-
difícil o elenco poder decorar os novos movimentos e as rante as primeiras trocas de palavras. Depois comegou uma
novas
posições. Por isso, no dia da estréia, era cada um ardua luta pelo centro da cena, as duas aproximando-se peri-
por si e
Deus por todos: uma correria pelo palco, todos procur gosamente uma da outra (até sentirem reciprocamente as res-
ando
não ser atropelados pelo implacável Senhor Doutor, que pectivas respiragdes), cada uma procurando forcar a outra a
im-
provisava sempre novos movimentos. Os atores encost abandonar a área “teatral” do palco. Depois, quando uma delas
avam-se
o mais possível às paredes do cenário, procurando conseguiu afirmar-se no centro, a outra, muito esperta, come-
sempre guar-
dar a obrigatória distância de dois metros da çou a recuar, colocando-se quase de costas para a primeira;
vedeta, a qual
por sua vez, improvisava extensos monólogos, usando o texto esta viu-se entdo forgada a torcer o seu delicado e sensivel pes-
como simples roteiro ou sugestão, cogo para poder dialogar. Ambas se agarraram à mesma tatica.
Por mais que andasse, Leopoldo Fróes ficava sempre Em cada troca de palavras, a vedeta que falava recuava alguns
to do centro da cena. Todas as vedetas fazem per- passos, colocando-se mais atrds e submetendo a adversária a
o mesmo. E uma posi¢do incémoda. O didlogo progredia, progredindo a
Oos seus interlocutores têm de estar sempre mais
perto do pú-
blico: Qquando dialogam, o interlocutor é luta: uma troca de palavras dois passos atrás, outra frase e era
obrigado a olhar
para trás voltando as costas ao público, a outra que recuava, novo didlogo e novos passos, mais poesia
enquanto a vedeta fica
sempre de frente. e mais passos atrás, tudo isto no cenário belamente iluminado,
.
com a sua formosa janela que mostrava uma linda noite cheia
Lembro-me de uma história que ilustra bem
cia que alguns têm de se apropriarem do que
esta tendên- de estrelas mas que tinha o parapeito baixo demais: na sua
julgam ser as ansia de recuar e conquistar o centro do palco, as duas damas
áreas “quentes” do cenário. Um dia em São Paulo,
um empre- cairam de costas, precipitando-se na bela noite. . .
sário conseguiu reunir num mesmo elenco as duas
vedetas mais Esta história verdadeira é muito conhecida dos atores da
em voga na época. Custou-lhe muito trabal
ho, porque teve de velha guarda do teatro paulista. As duas damas lutavam pela
enfrentar árduas reuniões sobre remunerações,
cartazes, publi- parte “quente” da cena, e isso nem sequer é uma verdade: o
cidade, etc.,: as duas queriam tirar o melho
r partido possível
da publicidade. Durante todo centro não é necessariamente a parte mais “quente”, a que
o espetáculo havia uma única
cena em que as duas atrizes, sozinhas no palco, se enfrentavam. atrai a atenção do espectador, a mais densamente teatral. Tudo
Por isso não havia grande problema: quando uma estava depende da cenografia que pode valorizar diversamente cada
em
cena, os outros atores retiravam-se prudentemente para a pormenor, da luz que pode conduzir a atengdo do espectador
peri-
feria e as damas ficavam no centro do palco e na sua e a relagdo entre os corpos dos atores em cena. Mas ainda
parte
alta, mais distante do público. No dia da estréia, a disput que consideremos um palco uniformemente iluminado e vazio,
a pelos
favores do público foi dura e intensa. O espetáculo progre ainda assim não é o centro a zona mais densa, mas sim a parte
dia
prevendo-se um honroso empate para ambas, quand esquerda do palco, vista da platéia. Por alguma razão, a parte
o começou
a famosa cena, um longo diálogo entre as vedetas.
Tudo: era direita do nosso corpo é mais desenvolvida que a esquerda: a
muito bonito no cenário, que representava um nossa perna direita da passos mais compridos que a esquerda, o
enorme salão de
baile, tendo ao fundo uma grande janela aberta nosso olho direito vé melhor que o esquerdo, etc. Uma pessoa
sobre uma
30 31
no deserto, julgando que anda em frente, andará em círculos
em direção à esquerda. A parte direita, mais forte, empurra-nos ta de cima, do Olimpo artístico. Procurava-se o “belo em si”.
para a esquerda. Mas Isto chegava a produzir resultados absolutamente fantásticos.
as duas damas lutavam pelo centro, e
por causa do centro cafram. Lembro-me da montagem simultânea de duas Antígonas: a de
Sófocles e a de Anouilh, obras tão extremamente diferentes
Era a época em que, para além das velhas vedetas, os uma da outra, com própósitos tão opostos, escritas em épocas
atores estavam divididos em categorias físicas que se especiali- tão distintas, mas que, nesse teatro burguês, se transformavam
zavam em determinados papéis: o galã, o centro, o
centro- ambas simplesmente em “bom teatro”, e o bom teatro tinha
cômico, a dama-galã, a dama-caricata, a senhora nobre, uma maneira “bela” de ser iluminado, uma “bela” coreogra-
etc.
Representantes de todas estas categorias reuniam-se num bar fia, “belas” roupas, “belas” interpretagoes — tudo muito belo
central de São Paulo à espera dos empresários teatrais e muito falso.
ou de
circo. Em muitos circos representava-se uma peça por dia,
de Esta visão do teatro como algo acabado e conhecido,
maneira que um bom ator tinha mais ou menos decorado o transformava os artistas em artesdos: não podiam criar verda-
texto e a história de umas cingiienta obras. Claro que a me-
móng não era demasiado rigorosa, havendo lugar deiramente, mas sim reproduzir segundo um modelo, preesta-
para a im- belecido. E esse modelo era o “estilo”. O artista criador con-
provisação. Não era raro que um ator, selecionado
no bar du-
rante a tarde, se enganasse no seu papel, e à noite entrasse sulta o seu povo, dialoga com o seu povo, inter-relaciona-se
cena represe
em com ele e descobre as formas estéticas para o didlogo artistico.
ntando o personagem de outra Peça que ríada tinha
a ver com esta. Mas estas coisas sempre Aqui não acontecia isso. O artista, transformado em arteséo,
se remediavam, para ndo se preocupa com o seu povo e só dava atengdo aos trajes
satisfação do público fiel.
da época. Se a obra era de Shakespeare, mostravam toda a
sua fidelidade a Lawrence Olivier e a John Gielgud. Quando
MONSTROS SAGRADOS a semelhanca se aproximava da identidade, a interpretagdo es-
BURGUESES
tava pronta para a estréia.
De um lado estavam esses monstros sagra Na Escola de Arte Dramática aprendia-se a recitar Sha-
dos “popula-
res” e do outro os monstros burgueses que kespeare, Goldoni e os cldssicos portugueses: aprendia-se a
atingiram a sua
plenãtude quando se desenvolveu mais rapid andar no “estilo”, a estar de pé com o corpo a 3/4 para o
amente uma bur-
guesia “r_xacional" (na realidade, testa publico, etc., etc., etc. Numa palavra: impunha-se uma “forma”
-de-ferro dos grandes in-
teresses internacionais, quando os consó e, dentro desta forma e dos seus estreitos limites, o ator tinha
rcios norte-americanos
e as grandes empresas multinacionais comegaram que criar a sua personagem sem prejudicar a forma preesta-
a apertar o
seu dominio sobre a indústria brasileira). Essa
belecida nos livros de histéria do teatro.
burguesia ten-
tou reproduzir no Brasil o “bom” teatro que Dai a importéncia que tinha entdo a chamada “técnica”.
tinha visto na
Europa e nos Estados Unidos. Estabeleceu-se Todos os atores procuravam afanosamente adquirir “técnica”.
o conceito de
“bom teatro” em geral, e a preocupagd Mas que técnica era essa? Do mesmo modo que os objetos
o méxima de entdo era
igl:\alar Barrault, Olivier e Vilar, sem nenh
uma preocupação
fisicos se parecem com formas geométricas bem definidas
prioritária com o público ao qual esse teatro (tridngulos, quadrildteros, esferas, cubos, etc.), também a voz
se destinava. Não
tinham aprendido, porém, a verdade elementar
e os movimentos dos atores tinham que se parecer com formas
de que nada é
“estético” em si mesmo: o que existe é a comunicação estética. bem definidas. Tratava-se de um conjunto de técnicas geomé-
E a comunicação exige a existência
trico-temporais.
de uma ica relação dialét
artista-público. Aqui, pelo contrário, a obra Quero exemplificar para que isto fique mais claro, des-
de arte era impos-
crevengo alghmas das “técnicas” mais em voga nessa época:
32
33
1 — Pausa de tensão: consiste em reter durante alguns
segundos a última ou as últimas palavras que vão dar sentido ap6s alguns segundos, o quarto atrasado. O públjcp ri-se. Buster
a toda a frase. Tornou-se célebre uma pausa de tensão do Keaton foge da policia, corre assustado por várias ruas e en-
ator que interpretava o protagonista da obra de Arthur Miller cruzilhadas e, quando por fim se distancia do “tira”, fica todo
Panorama Visto da Ponte, contente, limpa a roupa, compõe a gravata, e levanta a perna
na cena em que descobre o amor
da sobrinha pelo hóspede. Após um longo monólogo em que para atravessar a rua: nesse preciso momento, a cf‘xm_ara fnc
falava dos seus cuidados com a sobrinha e do seu ódio ao a mão do policial no ombro de Buster Keaton. O público ri-se.
rapaz, o ator suspendia a respiração e dizia: “E vem-ma roubar, Em Tempos Modernos, o operario Carlitos passa oito horas por
esse. .. filho da putal” dia a apertar porcas metdlicas numa linha de montagens de
Quase todas as noites o publico en-
tusiasmado aplaudia freneticamente. Creio que terd sido o pri- uma fabrica; quando sai para a rua, quer apertar os botoes
n;)eim palavrdo aplaudido em teatro, e com delirio, de todas as senhoras e policiais que se cruzam no seu caminho.
em cena O publico ri.
aberta,
4 — Timbre de voz predeterminado: esta era uma das
2 — Quebra de ritmo: consiste em dizer com rapidez a
primeira parte de uma frase e a seguir diminuir a velocidade “técnicas” mais comuns, que quase se transformou numa es-
pécie de marca registrada: cada vedeta tinha o seu timbre de
ao proceder inversamente. Pode também utilizar-se a quebra voz particular, mas que ndo devia coincidir com a sua verda-
de tom, mudando bruscamente o tom duma parte da frase,
com o que se obtém mecanicamente o mesmo efeito. deira voz para uso caseiro. Uma conhecida atriz falava com
timbre arquejante, revelando sempre angistia e ansiedade em
tudo o que dizia. Outro conhecido ator falava sempre, em
i B Automa}ism : usado com muita freqiiéncia nas obras
comicas. Bergson tinha notado que o riso é a reação natural todas as obras, fossem de que estilo fossem, com um trémulo
a vocal que o caracterizava. A obra tanto podia ser um Arlequim
todo o acontecimento que revele o automatismo de uma ação
humana. _Nuncu nos rimos de algo que não seja humano; quan- de Goldoni como um Soldado Tanaka de Kaizer.
do nos rimos de um macaco no Jardim Zoolégico é porque
o 5 — Movimentos rápidos em cenas climaticas, até ao fun-
macaco se assemelha a um ser humano: rimos dos seres hu- do da cena e depois um répido regresso ao publico; movimen-
manos cujas mecanizagdes e automatismos surgem por
com- tos triangulares, com o ator que desenvolve a agdo principal
paração com o macaco na jaula. As formas porque se
revela colocado no vértice mais distante da platéia, etc.
o automatismo sdo variadas, desde as mais simples
das co- Nio se trata de dizer que nos faltavam grandes atores
médias dos Trés Patetas (uma mulher elegantemente vestida,
carregando muitos embrulhos de compras, que escorrega numa nessa época; pelo contrario, havia uma grande quantidade de
casca de banana e quebra o automatismo do seu andar on- atores muito bons, até mesmo excepcionais. Porém a apre-
dulante, a torta que se esmigalha na cara de um senhor vestido dizagem era deformada por uma visdo artesanal, puramente
dg fraque, automaticamente elegante, etc.) até formas formal, quase sempre servil, que a maioria dos encenadores
supe- tinham do teatro. Nada fez tanto mal ao teatro brasileiro como
riores, como o pensamento automatizado dos médicos de Mo-
o conceito abstrato do “bom teatro”. Não se compreendia que
liêre, para quem os doentes existem porque existe a medicina, o Brasil, a Argentina, a Europa, a Indonésia, o Japao, a China,
e não o contrário. Qualquer forma de quebrar ou revelar o
a Coréia, cada continente, cada pais e as vezes cada regido con-
automatismo provoca o riso. Cinco ladrões fogem da polí
saltam um muro todos ao mesmo tempo e momentos depois, creta de um pais, devia encontrar o seu “bom teatro”, que &
rãtmicamente, começam a aparecer as cabeças dos ladrões por util em determinadas circunstancias especificas e nao neces-
cima do muro: o primeiro, o segundo, o terceiro, o quinto e, sariamente noutras. O colonianismo cultural consiste precisa-
mente nisso: em aceitar como “universais” os valores da cultura
34 35
do colonizador. Então o bom teatro europeu e o bom teatro
norte-americano deveriam ser o bom teatro de todos os países desfilar infinito de sensagées. An_dar de bicicleta lmphcda um;j
colonizados mas nunca o inverso. complicadissima estrutura de movimentos musculares cl e scª»]g
Se o teatro burguês no Brasil dava absoluta prioridade à sações táteis, mas os seqtidos sclecionam os ;sumu :s d?sd‘e
forma, o Teatro Arena de São Paulo, de origem popular, importantes para essa atividade. Cada auvu%ade : uman‘ ,éo .
dava absoluta prioridade à emoção. Com o tempo chegamos a mais comum, como por cxemp]ro andf’xr, é uma operag: B
a compreender a identidade do trinômio IDÉIA-EMOÇÃO-FORMA. tremamente complicada que só é possivel porque os se;xe;mm
Mas quando começávamos a trabalhar, partíamos são capazes de selecionar; -.n”du‘quc captem tgda; cªsrminada
da emoção
da personagem e permitíamos que esta se expressasse ções, apresentam-nas à consciência segundo uma detel
livremente i
no ator, determinando a sua própria forma. Esta forma hierarquia
a que
se chegava a partir da emoção não era “geometrizáv I‘s]to torna-se mais claro quando uma pessoa sai do'dseu
el”; pelo
contrário, era uma emoção real, profundamente ambiente habitual, quando visita uma cidade desconheci 1:,
dialética, rica,
contraditória, humana, única. nomeadamente de um puís desconhecido: as pessoas vesterfãê
de maneira diferente, falam com um ritmo dlferente,h osfn:nm'ls
não são 0s mesmos, as cores sap oulras_. as caras tefm t? t'c(o
A EMOÇÃO PRIORITÁRIA diferentes. Tudo parece maravilhoso, mesperac_io, antás! le.
Fica-se excitadíssimo ao absorver tantas sensações novas.seln.
Em 1956 comecei a trabalhar no Teatro Arena, do fim de alguns dias, os sentimentos aprençlcm novamente ªmege
qual
fui diretor artístico até à data em que tive que sair &
do Brasil, cionar e volta-se à rotina anterior. Imaginemos o gL.le acâ
em 1971. Os atores e tu fizemos um Laboratório e/ãxºs.
de Inter- quando um índio vem à cidade ou quando um h'abgtante
pretação no qual começamos a estudar metodicamente os tra- grande centro urbano se perde na selva. Para o 1vndlo, os rlul &
balhos de Stanislawsky. A nossa primeira proposta foi esta: da selva são perfeitamente naturais e os sentidos nãos umi
que a emoção seja prioritária, que ela possa
determinar, livre- ram-se a seleciond-los: consegue orientar-se pelo snrr? o ch )
mente, a forma final, nas árvores e pela ]umiuosidade/ do sol entre à fç[hagerã e:
Mas como poderíamos esperar que as contrapartida, o que para nés é na}uml e rntlnefrq pode o
emoções se mani-
festassem “livremente” através do corpo do ator, se precisa louquecer o indio, incapaz de selecionar as sensacoes prof us
mente tal instrumento (o corpo) está -
mecanizado, muscular- zidas por uma grande cidade. O mesmo nos acon!ccefm se no:
mente automatizado e insensível em 90% perdéssemos na selva. : i@
das suas possibili-
dades? Uma nova emoção descoberta corria
o risco de ser ca- ) Esta seleção produzida pelos sentidos leva a’mcc‘amf.:»
nalizada pelo comportamento mecanizado
do ator. ção, porque os sentidos selecionam sempre da mesma maneira.
Por que é que o corpo do ator está mecani
zado? Pela enor-
me capacidade que tém os sentidos para registrar sensagoes, Quando comegamos com os Laborçtórios de lnte’rpxtet'w
aliada a uma igual capacidade para selecionar e hierarquizar ção no Teatro Arena ainda ndo pensdvamos nas mascaras
essas sensacges. Por exemplo: o olho pode captar uma infinita sociais; naquela época, a mecanizacio era entendida sob un;z
variedade de cores, qualquer que seja o objeto da sua atenção: forma puramente fisica: ao desenvolver sempre os mes;rl: À
uma rua, uma sala, um quadro, um movimentos, cada pessoa mecaniza o seu corpo para mevã
animal,
muitos milha- Há
res de cores verdes, de tonalidades de verde, os efetuar, privando-se então de uma atuação ongmal em ca ":
perfeitamente per-
ceptiveis pelo olho humano. O mesmo se passa com o ouvido oportunidade. Podemos rir de mil maneiras diferentes, n‘m;m
€ 0s sons, e com os restantes sentidos e suas quando nos contam uma piada não nos pomos a pensar n *
ficas. Uma pessoa Sensações especi- modo original de rir, portanto fazêmo-lo sempre da mesma
que conduz um carro tem a sua frente
um maneira.
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37
As rugas aparec em porqn ue os
as suas expressdes fisiono; micas
noss
nossos ro: a variam terd que recordar os gostos e manifestar fisicamente todas as
habituais; a repe
Pttiçã o de de- reagdes que acompanham a ingestao de açúcar, sal, mel, etc.
terminadas estruturas mus: icula
res acaba Por deixar a sua Não se trata de fazer mimica: cara feia para o sal e rosto
sobre 0s nossos rostos. marca
angélico para o açúcar e o mel, mas sim de sentir novamente
Que € o sectário sendo uma pessoa as mesmas sensações, “de memoria”. O mesmo se pode fazer
esqu d
(de direita ou de
querda) Ue
que mec
me anizou todos os S seus
seus com cheiros.
pen
pe; samentn os e toda:
odas
i g O ator, com Um exemplo: púnhamos misica a tocar, e vdrios atores
c o todo sser
er huh mano, b tem a melodia, e também
“de&; I::melacan.lzidas, as sua: s ações
õ e escutavam-na, prestando muita atengdo
POr isso é necessdrio comecar
q anização”, pelo seu amaciamento, pâa sua a0 ritmo e ao compasso. Depois todos em conjunto tentavam
e assumir as meca “ouvir’ mentalmente a mesma musica, dentro do m¢smo ritmo
e compasso. Ao meu sinal, os atores tinham que comecar
imediatamente a canta-la na parte que estava a ser “ouvida™
mentalmente: se havia coincidéncia era porque todos estavam
concentrados e haviam reproduzido com perfeicio a música
(melodia, ritmo e compasso).
o ator, depois de relaxar 3 — Exercicios de meméria: faziamo-los muito ficeis e
e de tomar consciéncia de quotidianamente. Antes de dormir, cada qual procurava lem-
brar-se minuciosamente e cronologicamente de tudo o que se
passara durante o dia, com o maximo de detalhes: cores, for-
mas, fisionomias e tempo, repensando quase fotograficamente
tudo o que se vira, re-ouvindo tudo o que se ouvira, etc. Era
mas agora devia recorrer freqiiente, também, que ao chegar ao teatro se perguntasse a
a me-
m objeto do chão, ativando um ator o que se passara desde a noite anterior, o que ele
e
mbrar-se da operação ante tinha de relatar com todos os pormenores. Era particularmente
Faziam-se muitos exercici 0s dest rior.
e gine
ro, variando o obje- interessante fazer esse exercicio quando dois ou mais atores
to (uma chave, uma cadeira,
um sgpatlo) ou tornando-o tinham participado do mesmo acontecimento: uma festa, uma
complexo: vestir-se ou despi mais
;— se, primeiro com roupa assembléia, um espetdculo teatral ou um jogo de futebol. Com-
sem ela. Ou andar de biciclet e depois
a sem bicicleta, deitado de cost parava-se as duas versoes e fazia-se um esforco para se chegar
sobre o solo para libertar os bragos as
e as pernas. a uma conclusão objetiva quando havia discordâncias. Os
i Emcox:sog?s 95 €xercicios,
ici :
? importante era que o ator to- exercicios de memoria podiam igualmente referir-se a coisas
o lência dos Seus misculos, da enorme de variedade passadas hd muitos anos. Por exemplo, cada ator fazia um
que poderia realizar. Qutros exercicios:
como
cor fulano, ), o
rir como 0 beltr. ano, b el te. andar relato pormenorizado de como tinha sido o seu casamento.
. Não se visav
isa : a a exata
visav quem assistiu, que música se tocou, que se comeu, como era
;nâfo s_obretudo a compreensão
interior dos a casa, etc. Ou como tinha sido o enterro de um ente querido.
> vimento. Que é que leva fula
desta maneira? Qu no a andar Qu como foi no dia em que o Brasil, jogando contra o Uruguai
que faz com que beltrano ria deste modo?
perdeu o campeonato Mundial de Futebol, em 1950, no Está-
. 2— Iãxercícios sensoriais: dio Maracana: em que rádio ouviu o jogo? Assistiu a ele? As
O ator ingere uma colher de
mel; a seguir um pouco de sal; depois agiicar, Seguidamente pessoas choravam? Que pessoas? Como dormiu naquela noite?
38 39
T hos:
de memória, , etc. Nos exercícios
o mais importante é haver uma grande riqueza primeiro as emoções da personagem e essas emoções encontra-
rão, no corpo descontraído do ator, a forma adequada e mais
glu;steº Íiºom; ro;ina diária, eficaz de ser transmitida ao espectador, com vista a despertar
de preferência em determ
1a. Serve pararé desenvolv inado mo- nele emoções iguais.
g?ar;is:uér;e:fig; à atencdo: er a memoéria, i mas também
cada qual sabe que terd Os exercícios de emoção passaram a ser rotineiros no
- e de O que vê, . ouve À e sente, À de lem- Teatro Arena; os atores praticavam-nos no palco ou em qual-
traordina riamente
e assi im aumentará á ex- quer lugar, no escritório, na rua, nos restaurantes. Todos
a sua capacidade de atengdo, concentragio os dias cada ator fazia pelo menos dois ou trés exercicios de
laboratério. Nessa época, a grande maioria dos nossos atores era
Ihant:s ; sE);remcl?s Lãe imaginação: muito jovem, sem grandes problemas financeiros, podendo,
faziam-se muitos seme-
são descritos mais adiante portanto, dedicar todas as horas do dia aos exercicios e aos *
contar uma história, (cã i espetdculos. Tiveram assim a possibilidade de praticar em con-
etc.)
NE E junto, com os seus corpos e as suas emogdes, sem terem que
. atoí s—e—mleãx:rclcxfos
de f:ª.mot;ãm: há um abandonar os estudos teéricos. Freqiicntemente alguns atores
: a forma final como > exp muro entre o que
ressa esse sentim fazem como a maioria dos profissionais liberais: estudam en-
ftsosre sr:::;o :; f:rmaglo
;:ielas mecanizagoes do i ento.
Ppr quanto freqiientam as escolas e as faculdades, depois profis-
n moç¢ões de Hamlet: h assim, , s Sem
opr io ator . O
sionalizam-se e passam a sua vida profissional sem fazer ne-
pressard as emoçõeões s de Ha mlet na forma o quer er, i ex-
do Ppro: pririo o nhuma investigação, estudando apenas os didlogos das suas
Mas o ator Poderia igu
almente escolher, entr ator . personagens. No Teatro Arena, pelo menos durante alguns
e as mri,l manei-
anos, isso nao aconteceu. E ao longo desses anos podemos com-
provar como é falso e antiartistico o sistema de produgées iso-
ladas, em que o ator trabalha numa produção e a seguir noutra,
e noutra ainda, sem a possibilidade de aprofundar o seu es-
tudo conjuntamente com outros atores empenhados na mesma
pesquisa. Pelo contrário, ¢ extraordinariamente importante para
os atores o trabalho coletivo, orientado para uma pesquisa
g:rs:;;%:;s ;oubxt'e tesse MUr
o e essas mecanizagdes; comum. A producao isolada serve aos interesses empresari
= 5 rtanto
into,, quequ as duas Anti, não era os grupos mais ou menos permanentes servem à arte teatral,
e âã:% ígª:n;e:aªr%s:ªªlã no gonas, tdo ão didiferentes
palco; que a Peça Sub aos atores e a função social e politica do teatro.
€
= ! terrâneos
igual à de um Person
4 com uma cadéncia ritm itmjica de voz Os exercicios de emogdo, além disso, são fascinantes de
agem de Goldoni ou ver e de praticar. Em dado momento do nosso desenvolvimento,
de Benavente.
O nosso ponto de vista chegamos a atribuir uma importancia desmedida à emoção (to-
era diferente s queriamos
7
ator pudesse anular que o
de saida todas as suas davia, não era muito clara para nés a importancia da “idéia”).
carac
A partir de 1960, Stanislawsky passou a ser largamente
utilizado também em varios outros elencos teatrais brasileiros.
aª Personalidade” da Por vezes sucediam casos curiosos e aplicagdes discutiveis dos
Personagem, a sua for ensinamentos
Bar a essa forma? Nes ma. Mas como che- stanislawskianos sobre a “memória emotiva”.
sa altura respondíamos Lembro-me do que aconteceu num teatro universitario da ci-
: há que sentir
40 dade de Salvador, Bahia, Um encenador norte-americano foi
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convidado a ensinar Staníslawsky
e a montar uma obra; esco- — “Olhem, enquanto falávamos de sexo e de como Stanley
lheu então Um Bonde Chamado Dese
jo de Tennessee Williams. era maravilhoso na cama, lembrei-m? de uma tarde cheia de
Os ensaios iam bastante adiantados,
quando o encenador de. sol, quando comi três sorvetes seguidos debaixo de um co-
cidiu trabalhar “em laboratório” a cena
de Stella e Blanche du queiro na praia de Itapoã...”
Bois no dia seguinte à tremenda luta entre as duas
Kowalsky. Não havia maneira de cons e Stanley Estes casos de “transferência” extrema não são raros.
eguir fazer a cena; en-
saiavam e tornavam a ensaiar, mudava Na verdade, é absolutamente inevitável um grau me:ior ou me-
m tudo, improvisavam,
mas não havia maneira: a cena saia nor de “transferéncia”: uma pessoa recorda a emoção que sen-
Sempre sem a menor con- tiu em determinadas circunstancias, que lhe aconlecergm a ela
viegao. Até que o encenador decidiu reco
rrer a improvisações de e só a ela e que são circunstâncias absolutamente smgulal'ef
memdria emotiva. Ainda desta vez a cena não resultou. O que, ao serem transferidas mudam um pouco. Eu nunca matei
encenador explicou então & atriz que fazia o papel de Stella:
ninguém, mas tive vontade disso: procuro lembrar-me da von-
— “Vês? O problema é este: Stella tade que tive e faço a transferência para Hamlet quando mata
Iutou mortalmente
com o marido, defendendo sua irmã. o tio. A transferência é inevitável, mas não creio que se d;va
Mas ele pôs-se a chorar,
ela comoveu-se muito ao vé-lo tdo ir tão longe como no caso que conta Robefl Lewis, relativa-
fragil, ele tomou-a nos bra-
Çços, levou-a para o quarto, fizeram mente a um ator famoso, que fazia o púb!lco chorar quandç
amor durante toda a noite,
foi uma noite de loucura, e depois ela puxava do revólver durante uma cena patética e o apontava à
pôs-se a dormir. ..
Ora
bem: a cena comeca na manha segui cabeça, preparando o dedo enquanto falava da inutilidade da
nte. Ela acorda depois de
uma noite maravilhosa com muito sua vida, quase disparando.o balaço final. O ator emocionava e
sexo, estd ainda um pouco
cansadinha mas contente, sorri todo o emocionava-se a si próprio; os espectadores choravam quando
tempo, esta feliz. É uma
mulher feliz. E isso é precisamente o viam chorar, soluçavam quando ouviam a sua voz solugante.
o que eu não sinto na tua
interpretação. Façamos assim: um Quando Lewis lhe perguntou como conseguira tal i","
exercício de memó.ia emo-
tiva. Procura recordar a noite mais bela pacto, tal transbordo de emoção, tal tremendo choque no pú-
da tua vida, a noite
mais plen amente
sexual, porque é isso que falta à cena blico e nele próprio, o ator respondeu:
...”
A pobre moça fitou-o por instantes — “Memória emotiva, meu velho. Não lestes Stanis-
e confessou:
lawsky? Pois aí está”.
— “Eu sou virgem, mister”,
— “Ah, sim. ..” — disse Lewis — “outrora tivesse von-
Houve um momento em que ning
uém soube o que dizer. tade de matâr—te, usaste a memória emotiva e pronto... Foi
Parecia que em tal caso a memória assim?”
emotiva stanislawskiana não
se poderia utilizar. Então, certo ator
deu uma sugestão: — “Vontade de me matar? Eu amo a vida, meu velho.
— “Não importa. Ela pode tentar lembr Nada disso.”
ar-se de algo que
lhe proporci onou a maior felicidade... e
pronto. . . depois — “Então?” :
faz-se a transferéncia. .. sei lá..
.”. Q encenador aceitou a pro-
Posta, fizeram o exercício e em — “A coisa passa-se assim: quando levo o revélve:r a
seguida a cena, que saiu mara- cabega, tenho que pensar em algo triste, ameagador, terrivel.
vilhosa. Todos ficaram contentes, felizes, excitados
ram à jovem como havia conseguido,
e pergu
nta- Bom. E é isso que fago. Lembras-te que quando aponto o
o que fizera para adquirir revélver olho para cima? Aí estd. Lembro-me de quapdp era
aquele rosto tão sensual, tão feliz,
tão atraente. Ela disse a ver- pobre e vivia numa casa sem aquecimento ou luz elétrica, e
dade: sempre que tomava banho era de água fria. Aponto o revól-
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ver à cabeça, olho para cima, para
a ducha, penso na água
fria a cair-me sobre o corpo... Ah, nunca deixei de ver e analisar as coisas estranh’asl que a:{)on—
meu velho, como sofro,
como me vêm as lágrimas aos olhos!. ..” tecem em rituais como a missa, o enlegní eo velono.‘Ler;]_ro-
Apesar dos excessos, os exercícios de memória me de como mudavam as flores no caixdo e d{a maneira nâ e
são bons e emotiva objetiva com que o homem explicava a necessidade dedmu a;
úteis. Praticávamo-los sempre, especialme
versões que nte nas as flores para o caixão ficar mais bonito. Lembrzi-me la Cª;a
adiante se explicam da “Quebra da Repre
em todas as ssão” e de cada uma das pessoas que nos davam os pêsames, ca
suas variantes.
qual refletindo a sua maior ou menor amizade para conosco,
para com a nossa família; lembro-me da expressão do rosão
RACIONALIZAR cansado do padre, talvez fosse o quarto ou quinto e?!el-'r(: dg
A EMOCAO dia a que assistia. Lembro-me.de tudo porque analisei :'o-
Mas um exercicio
no momento em que acontecia, sem que por isso me emoci
intenso de meméria
emotiva, ou qual- ;
quer exercicio de emoção em geral, é nasse menos.
muito perigoso se não se
fizer, posterio rmente uma “racionalizagio” Dou este exemplo que se passou comigo, Mmas isso acon-
passou.do que se
O ator descobre coisas quando se aventura tece, ou pode acontecer, a toda a gente. Talve_z aconlt-eça m%í
a sentir emoções
em determinadas circunstancias. Há casos fregilentemente aos escritores, uma vez que são ana é1s‘las %
extremos. Vivien vocação. O exemplo de Dostoievsky é extraordindrio. Em
Leigh deixava-se levar de tal modo pela
emoção no papel de O Idiota o autor descreve com perfeição e riqueza §e lãcorme—
Blanche Dubois que
acabou Por ser internada num
para doentes mentais. Isso não quer dizer hospital nores os ataques de epilepsia do protagonista. Dostoievsky ÍrzÍ
que devemos rejeitar
0s exercicios de emoção; pelo contrério: há que faz3- epilético e conseguia manter, durante os seus ataques, uma :s
los, mas cidez e uma objetividade suficientes para reom:d]ar as su
com o objetivo de “compreender a experiénci
a, e não só com emoções e sensações e para ser capaz de descrevê-las.
o de senti-la. Há que saber Pporque é que uma
pessoa se emo-
ciona, qual a natureza dessa emoção, quais as suas causa Neste caso, o autor descreve as suas emoçõs_s depois âiie
s, e não
apenas saber como ela se emociona. O “porque” as ter sentido; mas o caso de Proust é ainda mais extraordi-
é fundamental,
pois para nós a experiência é importante; mas nério, mais fantéstico e não obstante real: enquanto e;)stava
o “significado” da
experiência é ainda mais importante. Queremos morrendo, ditava à sua secretdria um longo.capítulo. sobre la
conhecer os fe-
nômenos, mas sobretudo queremos conhe morte de um escritor — ele próprio! E ltmha objetividade
cer as leis que regem
os fenômenos. Para isso serve a arte: para dizer à secretária em que pág,'x.nas devia entrar çssef ca-
não só para mostrar como
é o mundo, mas também para mostrar Porque é assim Pítulo, em que novela, e as alterações que ela deveria fazer
pode transformá-lo. Espero que ninguém e como se
esteja satisfeito com nas novas edições: agora que realmçme estava morrendo, cor-
o mundo tal qual é: por isso há de trans rigia a morte fictícia que tinha descrito an'tenormente. E quan-
formá-lo.
A racionalização da emoção não se proce do acabou de descrever a agonia do escritor, morreu,
ssa apenas de-
pois da emoção desaparecer, ela é imanente Não nos interessa se há aqui verdadeira_ simulganeldade.
também ocorre enquanto ela dura. Existe à própr ia emoção:
uma simultaneidade ou uma rapidissima intermitência razão-emoção. O importan-
entre o sentir e o pensar. te € assinalar o erro e corrigir os atores para quem tudo con-
Dou um exemplo que se passou comigo. Senti siste em “emocionar-se”. Quando um ator se mostra _incapaz
mais fortes emoções da minha vida uma das de sentir, durante os ensaios, uma verdadeira emogdo, estd
quando morreu o meu
pai. Durante o velório, o enterro e a missa do seguramente a laborar em erro. Mas o ator que se descontrola
embora sétimo dia, ndo comete erro menor. Muitas vezes o descontrole é falso,
estivesse verdadeira e profundamente emocionado, tratando-se de puro exibicionismo. Certo ator tornou-se fa-
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