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4.

a EDIÇAO

CIVILlZACAO
ODAC I CI D A
TEATRO PARA TODOS

O brasileiro Augusto Boal é hoje


um notável cidadão do mundo. Sua
concepção do Teatro como instru-
mento de progresso social foi sem-
pre tão profunda, tão liberta de li-
mitações nacionais, que muitos paí-
ses além do Brasil - notadamente
o Peru, o Chile, a Argentina e Por-
tugal - o estimam e respeitam seu
trabalho, que é inovador e conse-
qüente.
Se um Barrault, por exemplo, tor-
nou-se grande no mundo teatral
pela consolidação das formas tradi-
cionais, ou por invenções destinadas
a se transformarem em tradição no
momento mesmo de serem postas
em prática, Boal fez-se grande por
quebrar com essas tradições e trans-
formar o espaço cênico num campo
aberto parà a criação de um teatro
novo, de contexto basicamente poli-
tico, no que se mostra ilustre conti-
nuador do trabalho pioneiro de
Brecht e Piscator. Suas realizações
no Teatro de Arena de São Paulo
se contam entre as mais sérias ten-
tativas de renovação do teatro bra-
sileiro.
O sistema "Coringa", por ele cria-
do, foi básico na formação dos es-
quemas que tornaram viáveis as
mais frutíferas experiências dos
grupos teatrais que agitaram a ce-
na brasileira, principalmente o Tea-
tr...o Oficina. No centro das preocupa-
çoes de Boal estava a de desbravar
os caminhos que trouxessem o tea-
tro ao encontro do povo,_pelo qual
e para o qual ele era feito. Para
Coleção
TEATRO HOJE
Volume 30 Augusto Boal

, . .
2OO exercicios e Jogos .
para o ator e o não-ator
com vontade de dizer algo
através do teatro

4.·EDIÇAo

-
•--
civilização
brasileira
Capa:
EDuARDO Sumário
Apresentação 9

Introdução 13
Diagramação:
LÉA CAULLlRAUX Entrevistas 13

II História do Teatro Arena de São Paulo 28

Jogos e exercícíos 58

Direitos desta edição reservados Aquecimento físico 58


à
com exclusividade para o Brasil,
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A. II Aquecímento ideológico 91
Rua Munlz Barreto. 715-721
III Aquecimento vocal 92
RIO DE JANEIRO - RJ
IV Aquecimento emocional 93

V Jogos de integração do elenco 95

VI Exercícíos de máscaras e rituais 97

VII Quebra da repressão 106

VIII Exercícios gerais sem texto 108


1982
IX Ensaios de motivação com texto 112
Impresso no Brasil
Printeâ in Brazil X Seqüência e ensaios " pique-pique" 121
Apresentação

E STE LIVRO é o terceiro de uma sene que começa com


TEATRO DO OPRIMIDO, onde apresento a teoria de um teatro que
seja realmente libertador e que comece por libertar o espectador
da sua passividade, da sua condição de testemunha, e que o
converta em ser ativo, em protagonista do fenômeno teatral.
Segue-se TÉCNICAS LATINO-AMERICANAS DE TEATRO POPULAR,
onde sistematizo todas as principais formas latino-americanas
de teatro do povo: teatro de agitação, teatro-debate, teatro in-
visível, teatro-Bíblia, etc. Formas em que o povo passa a uti-
lizar o teatro em proveito próprio. Finalmente, 200 EXERCÍCIOS
E JOGOS PARA O ATOR E PARA O NÃo-ATOR COM VONTADE DE
DIZER ALGO ATRAVÉS DO TEATRO completa o ciclo, oferecendo
exercícios e jogos que ajudem o não-ator (operário, camponês,
estudante, paroquiano, empregado público, todos) a desentor-
pecer o corpo, alienado, mecanizado, ritualizado pelas tarefas
quotidianas da sociedade capitalista.
Os três livros, em conjunto, visam ajudar a restituir ao
povo aquilo que lhe foi roubado: no começo, sempre, em toda
a parte, o teatro era uma festa popular, can tada e dançada a
céu aberto. Na Grécia, no Yucatan ou nas selvas de Mato


uma arte combativa. Pensamos que se facilitaria a compreensão
Grosso, sempre assim foi. Vieram depois as classes dominantes das condições em que os exercícios foram concebidos e prati-
e erigiram muros de pedra (para que o teatro fosse feito apenas cados, se pudéssemos juntar uma introdução que oferecesse,
dentro dos teatros - um absurdo!) e muros estéticos que se- embora sumariamente, um panorama geral de certas idéias,
parassem os atares (ativos) dos espectadores (receptivos). Uns conceitos, experimentações e opções políticas que presidiram a
produzindo, outros consumindo. O que? A ideologia dominante . todas as experiências do Teatro Arena de São Paulo. Esta
Agora, pai toda a parte, vê-se que os muros estão ruindo. introdução consiste em entrevistas publicadas por La Pátria,
Por toda a parte faz-se teatro e todo o mundo o faz. Porque na de Manizales, Colômbia; L'Est R epublicain, de Nancy, França;
luta contra a opressão devem-se usar todas as armas. O teatro e Le Monde , de Paris. Existem algumas repetições , que re-
e todas as demais artes também são armas. b preciso usá-Ias! fletem o próprio processo reiterativo da investigação. Juntamos
b preciso que o povo as use! também uma resenha histórica e outras informações .
O propósito deste livro é sistematizar todos os exercícios Esta edição brasileira é a mais completa de todas as que
utilizados pelo Teatro Arena de São Paulo (Brasil) entre 1956 este livro já teve . Acrescentei novos exercícios que comecei a
e 1971, período durante o qual fui o seu diretor artístico. utilizar em Portugal , com os meus alunos do Conservatório de
Os exercícios pertencem às díversas fases por que passou Lisboa e com atares profissionais. Procurei também explicar
esse teatro: realismo naturalista, nacionalização dos clássicos, melhor alguns exercícios que talvez não estivessem muito claros
sistema "coringa", teatro-jomal. A maior parte destes exercí- nas edições anteriores.
cios foi inventada no próprio Teatro de .Arena (especialmente Este livro começou a ser escrito no Brasil, em bom bra-
os de rituais e máscaras); alguns serviam para solucionar pro- sileiro. Foi editado pela primeira vez em Buenos Aires, em es-
blemas específicos do momento ou de determinada obra, en- panhol, isto é, em portenho. Aportuguesou-se para a edição
quanto outros tinham uma aplicação mais duradoura. lusitana e aparece agora, outra vez, na nossa língua. Isso ex-
Também se incluem exercícios inventados por Stanislawsky plica possíveis desunidades estilísticas.
e Brecht (as nossas principais fontes em todas as nossas etapas)
e por outros diretores e grupos, especialmente latino-ameri-
canos. Nestes casos, explicamos os exercícios tal como eram Lisboa, abril de 1977
praticados no nosso teatro, e não nas suas versões originais. AUGUSTO BOAL
Nesta seleção incluem-se, principalmente, os exercícios que
podem ser praticados por atares e não-atares (estudantes, ope-
rários, etc.) quando estes desejem utilizar à teatro como forma
válida de comunicação ou diretamente como manifestação po-
lítica. Certos exercícios, como por exemplo os de "integração
de elenco", são indicados para atrair e estimular um "elenco"
de não-atares a representar. São exercícios que mais parecem
jogos de salão do que um laboratório artístico : situam-se pre-
cisamente nos limites entre o jogo e a arte. O não-atar intervém
no jogo: mas jogará melhor na medida em que se disponha a
representar, ainda que sem se aperceber disso.
Estes apontamentos são uma descrição "a frio" de exer-
cícios inventados e praticados "a quente", durante os ensaios
em que se lutava pela criação de uma arte nacional e popular,
II
10


Introdução

I - Entrevistas

Numa comédia de Moliêre um personagem declara que


os doentes foram feitos para a medicina e não a medicina
para os doentes. Quem dizia isto era um médico. Também há
gente que pensa que os espectadores foram feitos para o
teatro e não o teatro para os espectadores. Quem diz isto é
cretino. O teatro é uma forma de comunicação entre os homens;
as formas teatrais não se desenvolvem de maneira autônoma,
antes respondem sempre a necessidades sociais bem determi-
nadas e a momentos precisos. O espetáculo faz-se para o es-
pectador e não o espectador para o espetáculo; o espectador
muda, logo o espetáculo também terá de mudar.
O imperialismo pretende universalizar as formas de arte,
da mesma maneira que universaliza a moda e a coca-cola, fa-
zendo no entanto com que a origem da moda esteja nos próprios
países imperialistas. O reacionário Marshall Mcluhan afirma
que, nesta época de tecnologia tão desenvolvida, o mundo se
transformou numa aldeia global. Através do satélite, as notícias
correm o mundo no mesmo instante em que se produzem. Sa-
télite em mão única: de lá para cá tudo; de cá para lá, nada .

13

..
Num número da revista The Drama Review dedicada ao atividade isolada do resto. Uma pessoa pode fazer amor e es-
teatro latino-americano, afirma-se que por aqui o teatro anda crever uma peça sobre o amo r ; uma co isa não invalida a outra.
muito atrasado, porque ainda se utiliza o "palco à italiana". De igual modo, uma pessoa pode fazer política e escrever uma
Em primeiro lugar, isso não é verdade, porque em alguns dos peça sobre política. Quem o impede? Por que excluir um tema
nossos países, especialmente o Brasil e a Colômbia, o teatro tão importante e amplo como a política e não excluir temas
popular há muito que encontrou o caminho das ruas, dos es- menores? Todo o teatro é político, ainda que não trate de
tádios, dos circos, e quaisquer outros locais onde o povo se temas especi ficamente políti cos. Dizer "teatro político" é um
possa reunir. Em segundo lugar, o teatro niilista norte-ameri-
pleonasmo, como seria dizer " ho me ~ humano". T?d~ o teatro
cano, caótico e anarquista, pode ter grande valor para esse é político, como todos os homens sao humanos, ainda que al-
país como arma de luta eficaz, mas não tem o menor interesse
para nós. O teatro ianque realiza espet áculos niilistas, portanto guns se esqueçam disso.
todos os países devem segui-lo: este pensamento está cheio Pergunt a - Há quem afirme que um teatro verdadeira-
de imperialismo cultural. Em terceiro lugar, T.D.R. confundiu mente revolucionário deve apresentar-se sob uma forma igual-
as diversas broadways latino-americanas (tão reacionárias como mente revolucion ária. Será assim?
a original) com o verdadeiro teatro latino-americano, político Boal _ Essa afirmação é própria dos que estão acostu-
e atuante, que encontra as suas próprias formas sem tutela es- mados a trabalhar para o establishme ní , Afirmam que é pre-
trangeira, de acordo com as suas próprias necessidades, apre- ciso criar novas formas po rque as velhas estão viciadas
sentando-se em locais públicos quando é possível ou trabalhando pelos conteúdos que habitualmente transmitem. Isso pode ser
na clandestinidade quando necessário. verdade sob certo ponto de vista e pode ser válido para alguns
Convém repetir: quando os operários estiverem no poder países. Mas fazer teatro popular na América Latina já im-
na Argentina, não vejo porque não deverão fazer espetáculos plica praticar um ato revolucionário, quand? se faz tal, teatf(~
no palco "à italiana" do Teatro Col ón. Quando Perón abriu para o po vo . N este caso , qualqu er fo rma c rev~luclonana , !a
esse teatro ao povo desengravatado, o Colón foi popular apesar que, de um modo geral, o público a que se destina nunca VIU
dos seus veludos. Quando a Revolução Cubana resgatou as nenhuma espécie de teatro: a presença do atar (a pre~en ç"
boites burguesas, o povo começou a dançar à meia-luz. Por que física ) é um fato absolutamente novo,. por contrapo~lçao as
não? formas que esse público poss ive lmente ja .conhece: cme,ma :
Sempre gostei de fazer teatro nas ruas e nos cam .nhões, televisão (qu ando a vê nas vitrinas d.as IOjas)-, O conteudo e
mas parece-me ingenuidade pensar que não se pode faz ê-lo o que realmente importa: Tenessee Williams e Igualmente rmu
em teatros convencionais. num teatro burguês ou num caminhão.
O teatro popular pode ser feito em qualquer lugar: até Há que procurar sempre formas novas? Claro que sim:
nos próprios teatros da burguesia; e por qualquer pessoa: até a realidade é semp re nova. Mas não devemos correr como
por atares. bobos em busca da última moda. Devemos responder com
Pergunta - Alguém já lhe perguntou: "se você gosta formas novas aos novos desafios da realidade.
tanto de teatro político, porque não abandona o teatro e não Pergunta - Então V. contra o aproveitamento das técni-
é

vai diretamente para a rua fazer política?" cas desenvolvidas noutros países?
Boal - E eu já respondi a isso: "se alguém aprecia o Boal - De modo nenhum. Sou contra a utilização "res-
teatro de boulevard francês, porque não abandona o teatro e peitosa" dessas técnicas. Olhe, no recente Festival de Mani-
não vai diretamente para a cama fazer amor?". Que diabo! zales (J 972), o Equador apresentou-se com dois espetáculos
que tem a ver uma coisa com a outra? O teatro não é uma muito "bons" : uma obra de Jorge D'az, representada num C5-

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tílo "Marcel ?\:arceau", com excelentes atares fazendo uma mí- e qualquer forma de colonialismo cultural: "isto está na moda,
mica invejável, e "As Tentações de Santo Antônio". Este grupo então façamo-lo para habituar o nosso público à última moda
apresentou-se num teatro muito grande, mas ignorou a platéia da Europa ou dos Estados Unidos". Isso é que não! O povo
e armou um pequeno teatro de 80 lugares, ou 90 (já não me não pode ser "domesticado" ou "amestrado" para aprender
lembro), para faz~r uma experiência de " elite" teatral, segundo a gostar de formas ou espetáculos que não têm nada a ver
tecmcas que o diretor aprendera com.o polonês Grotowsky. com ele. Por isso temos que dizer NÃO. terminantemente
Por essa altura, existia no Equador uma ditadura de direita, NÃO! a várias modas muito em voga atualmente. Quantas ve-
h~via e ainda há exploração norte-americana e um povo Ia- zes se ouviu dizer que o povo de determinadas cidades "não
mrnto, mas esse elenco preocupava-se com os mitos subcons- está preparado" para certa peça ou espetácu\o? Isso é mentira;
cientes de Santo Antônio; quer dizer, apresentava-se como uma o que sucede é que esse espetáculo ou essa peça não lhe agra-
vítima passiva do coloni anismo cultural; diz-se que o mais avan- da, não lhe interessa.
çado é trabalhar com os mitos subconscientes, e assim o elenco Primeiro NÃO: não aos "ateres sagrados", preparados
abandona as realidades conscientes e visíveis, esquecendo-se desde crianças para o seu sacerdócio; mas SIM às técnicas
de lutar pela sua transformação. que ajudam qualquer pessoa a utilizar o teatro como me.o
. .e: Groto~sky que tem culpa? Claro que não . Ele pró- válido de comunicação. Na América Latina, o ator que se
pno dIZ que nao quer que o imitem. E acrescenta: quem quiser especializa é utilizado pela burguesia; profissionalmente, vive
que procure os mitos inconscientes do seu país ou sociedade. do que a burguesia lhe paga no teatro, no cinema ou na tele-
Mas isso também não interessa, porque o importante nos pai- visão. NÃO ao ator profissional, especializado, e sim à arte
ses latino-americanos não é procurar mitos para uma purifi- de representar como manifestação possível para todos os homens
cação espiritual, mas sim oferecer ferramentas muito concretas (não existem "atletas": todos os homens são atléticos e há que
e conscientes para que o espectador popular se "purifique" das desenvolver as potencialidades de todos, e não só de alguns
classes que o oprimem. A presença do imperialismo .norte-ame- eleitos que se especializam, enquanto os outros ficam relegados
ri.c~no não ~ ~ítica, é a~go muito concreto, muito presente e a simples espectadores). Podemos assistir a um bom jogo de
v~slvel nas fabfl~as que sao propriedade sua, nos policiais que futebol, mas devemos sobretudo aprender a jogar futebol. Não
sao por eles tremados, nas formas de comunicação de massas é necessário que o ator comece a sua educação aos 8 ou 12
nas séries que nos trazem à televisão o pensamento dos bm- anos; qualquer pessoa pode começar a fazer teatro quando
quei.ros ianques, nos jornais e nas agências noticiosas, nas uni- sentir necessidade disso. O adulto que não teve oportunidade
versidade s controladas por eles, etc. Tudo isto é muito con- de aprender a ler em criança ( mais de 50% da população da
creto , objetivo e nada subconsciente. E tem que ser combatido América Latina), terá por isso perdido o direito de alfabetizar-se
e destruído. na idade madura'! A alfabetização teatral é necessária porque
Pergunta - Mas no Teatro Arena de São Paulo, sob é uma forma de comunicação muito poderosa e útil nas trans-
a sua direção artística, utilizou-se durante anos o método formações sociais . Há que aprender a ler. Há que lutar pelos
de Stanislawsky . . . nossos direitos, há que utilizar todas as formas possíveis para
promover a libertação; por isso devemos dizer NÃO aos "atores
Boal - Repito: o espectador é o elemento fundamental
sagrados". Não estou contra os profissionais. Mas estou contra
da, comunicação a~avés do teatro. Podemos utilizar técnicas,
o fato de as representações se limitarem a profissionais! To-
metodos e sugestoes de qualquer pessoa: Stanislawsky,
dos devem representar!
Brecht, velhos atores de circo, etc . .. Se para melhorar a
comunicação com determinado público é preciso utilizar Artauú NÃO aos mítos subconscientes; temos que falar direta-
que se utilize AI taud . Não me oponho. Mas sou contra totla mente à consciência do povo, mostrar-lhe os rituais que as

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dade do espectador exige um nariz postiço, façamos também
class es dominantes utilizam para con tinuar a exploração. A postiça a barriga. Por que não?
sobrevivência anacrónica e desumana da propriedade privada
dos meios de produção determina rituais de posse , obediên - Mas a máscara social não é um clichê, não é arbitrária,
cia, caridade, resignação, etc., que devem ser desmistificados nem é uma convenção. E o resultado de uma profunda in-
e destruídos. N ão devemos "ritualizar" as relações humanas, vestigação dos rituais, que a personagem desempenha; a más-
mas sim mostrar que já estão ritualizadas e indicar co mo po- cara social forma-se a partir desses rituais.
deremos destruir esses rituais para que se destrua o s.ste rna As ordens que um general distribui e todos os rituais de
injusto e se possa criar um novo. hierarquia e obediência determinam a sua maneira de andar,
NÃo às "máscaras psicológicas", que determinam que de falar e de pensar, e também a forma especial das suas
os nossos rostos sejam "ferozes" ou "fleumáticos", "bons" ou relações com a mulher, os filhos e os vizinhos. Os contra-
"ma us", ou seja lá o que for. Pelo contrário , devem os pro- almirantes têm todos cara de contra-almirantes. Porque, como
curar as "másca ras sociais de comportamento referido", que dizia Simone de Beauvoir, quando os Viscondes se encontram
mostram como os rituais de uma dada sociedade, ao ex igir conversam assuntos de Viscondes, comportam-se como verda-
certas respostas predeterminada s, acabam por impor a cada deiros Viscondes, e acabam-se transformando em Viscondes
um a sua "máscara social". Somo s o que somos porque perten- verdadeiros.
cemos a uma determinada cl asse social, cumprimos determi- Todos os operários que realizam o mesmo trabalho ter-
nadas ~u nç.ões socia is e por isso "temos" que desempenhar minam por parecer-se até mesmo muscularmente. Todos os
certos ntuais, tantas e tantas veze s que por fim a nossa ca -a, datil ógrafos acabam por ter alguma semelhança na maneira
a nossa maneira de andar, a nossa forma de pensar, de rir. de sentar. Todos os latifundiários acabam por montar nas
d;. chora r ou de fazer amor, acabam por adquirir uma forma cadeiras em que se sentam, como se montassem em seus ca-
rtgida, pree stabelecida, uma "máscara social", horrível, mas
É valas . E natural. Todos os artistas de teatro acabam por ter
é verdade : se não nos precavemos, até mesmo na ca rm aca- algum a coisa (suti! ou grosseira) de exibicionista, pois que
bamos por nos mecanizar; até o carinho acaba perdendo a são forç ado s a se exibirem nos palcos todas as noites. E na-
graça; até o amor se ritualiza. tural. O contrário sim, não seria possível.
Pergunta - Qual é a diferença entre a "máscara social" N ão é possível que um contra-almirante faça amor da
e o clichê? mesma maneira que um operário ou um ex-padre .. . A ação
Boa/ - O clichê, utiliz ado em certos tipo s de teatro ( mão concreta é a mesma, mas a forma particular que assume em
no co ração, para significar amor, rostos dulcíssimos para Jesus cad a caso é determinada pelos rituais sociais que impõem uma
e Maria . . . ), é sempre ad or ado idealmente , sem nenhuma ve- máscara a cada ser humano, quer dizer, "matam" 90% das
rificação de rituais sociais. Quer dizer, convenciona-se que tais suas possibilidades de resposta e mecanizam-no; uma pessoa
sempre fará as mesmas coisas, da mesma maneira (o ser social
~e~ tos,. si.gnific?m . !ais i~ éias ou emoções, que tais expressões
fislon ôrnicas significam Isto ou aquilo; trata-se de conven ções. condiciona o pensamento social), andará do mesmo modo, sen-
Uma convenção, um clichê, em si mesmo, não é nem bom nem tar-se-á, amará, jogará futebol, tudo da mesma maneira. As
mau, nem br anco nem pret o; depende do uso que dele se faz. pessoa s que pertencem à mesma classe social possuem caracte-
U~ nariz postiço , uma barriga grande, óculos enorme s, ma-
rísticas comuns que fazem parte da máscara. Todas estas pessoas
quilagem exagerada, nenhum destes elementos é bom ou mau. agem, não em função das suas características "psicológicas",
E puritanismo pensar-se o contrário; julgar que tais recursos mas em função das suas "necessidades sociais"; estas necessi-
não prestam significa pensar que a arte é autônoma, quando dades são o "núcleo" da máscara. O núcleo fará com que os
na verdad e deve responder a desafios da realidade. Se a reali- espectadores compreendam que todos os burgueses agirão sem-
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pr e como tais, seja qual for a diferença indi vidu al entre eles. A não a "encarne" em nenhum atar : a neces sidade social aparece
ação dramática deve mostrar-se não como um "co nflito de assim com mais clareza,
vontades livres", como pretend ia Hegel, mas sim co mo uma E preciso que isto fique claro : há uma diferen ça pro-
"cont radição de nece ssidades sociais", tal como é expl icado pelo funda entre o "cliché " e o "particular típico", que é a máscara
materialismo histórico. social. O primeiro pode cont er, por convenção , a "e ss ência"
T alvez eu possa expli car isto de out ra maneira . Um per- do universal, e nada mais: Tio Sam, o Burguesóide, etc . . . A
sonagem p0~e ,ser revela do a nível "universal" , co rno os anjos máscara contém não só a essência do universal (que funcio na
da Idade M édia, os de m ónio s, os vícios, as virtudes, etc . São como seu núcleo ) , mas também outras características n ão-
também de nível "universal" o "patrão" e o "operário" de essenciais e mais circunstan ciais, existenciai s.
certo teatro didático co nt empo râne o, Pelo co ntrário, pode m ser Trata-se de um "determinado" burguesó ide, um Tio Sam,
apresentados a nív~1 " singula r" em cert o teatro psicologista. um latifundiário, e não outro. A necessidade social pode, in-
reahst?, qu e se dedica a apresentação de ca sos especiais. Po- clusive, entrar em conflito aberto com a vontade individual ;
dem fl.naImente ser apresenta do s a nível do " particular típ ico", o qu e se deve mostrar é que a necessid ade é semp re a força do-
quer dizer, da for ma q ue inclui o indi vídu o singular e ao mesmo minant e, e a aç ão dram ática (como a H istória ) move-se de-
tempo todas as características do universal dessa espécie . vido a uma contradição de necessidades e não a um conflito
de vontades.
Este "particular típic o" pode dar- se a doís níveis : o do Por outro lado, no que diz re spei to aos clich ês, ideo-
realismo ernp ático, do tipo de Arthur Mill er (p or exemplo,
gramas e nari zes postiços, tudo depende do uso qu e deles se
A Morte de um Caixe!ro Viajante ) em qu e o person agem é fizer. Não são categorias ma lditas. O qu e importa é sab er o
simultaneamente ele pr óprio e um representante da sua classe, que se vai dizer, a quem e para quê, e então utilizar a linguagem
mas no qual a necessidade social se apresenta na sua con- mais conveniente,
creç ão psicol ógica e individual , ou ao nível não-ernp ático, co mo
costuma aco ntecer nas obras de Bertolt Brecht , onde se mostra Pergunta - Como se poderia definir um " ritual"?
claramente o caráter "sujeito" da necessidade social e o ca r áte Boal - Um ritual é todo um sistema de aç ões e rea ções
"o bjeto" da vontade individual . Este é um probl ema muito pred eterminada s. Para atravessar a rua há qu e aguardar a luz
delicado, porque é simulta neament e um problem a de d ram 1- verd e. Ao entrar na igreja, fala-se em voz baixa. As rel ações
turg ia e um problema de interpreta ção: uma obra de Brecht entre os seres humanos processam-se segundo ações e reações
mais ou men os preestabelecidas pelas leis, tradi ções, t' áb.tos,
pode ser interpretada a níve l ernp ático e um a obra de Mill er
costumes, etc , . . Estas relações predetermin adas i:.t.Lem com
a nível não-empático. Por isso interessa (como se faz no sis-
que os fenômenos sigam caminhos mais ou menos previsíveis.
tema " Co~i nga " ) eliminar a identificação ata r-pe rson agem, que Qua ndo dois milit ares se encontram , pode-se prever qu e farão
e respons ável pelo falo de ser muitas vezes difícil pa ra o es- a continência ; quando dois carros se cruzam, passarão pela
pectado r distinguir entre a necessidade social e a vontade indi- direita; quando o capitalist a trata dos seus negócios, procur ar á
viduai, uma vez que a máscara social tende a diluir-se no co rpo obter o máximo lucro ; quando o crente se co nfessa , o padre
do ato r, na sua persona lidade. O espec ta dor vê um homem que absolvê-lo-a . Estes rituais são absolutamente necessários para
fala e po rtanto é levado a atribuir-lhe tal psicologia, que pode que os homens se possam relacionar uns com os outros, amda
ser o caráter de uma classe, de uma função soci al, e não apenas que eliminem nu ma proporção assustadora a pos sibilida de de
desse homem. No sistema "co ringa", este óbice é eliminado . "respostas originais" : o militar que faz uma ca reta, o padre
porque a m áscara social da person agem é interpretada em ca d .~ que repreende o fiel aos gritos , o cap ital ista que dist ribui os
cena por um atar diferente. o que faz com que o espec tador lucros pelos op erários, o carro que prefere subir pela ca lçada .

20 21
Por isso estes rituais são absolutamente necessários e ao mesmo
tempo devem ser constan temente destruídos e substituídos por Para que os transformadores da realidade possam trans-
outr~s, a fim de que a relação entre os homens possa evoluír. formá-Ia , precisam conhecê-I a através do estudo, da partici-
A atitude conservadora consiste em não desejar nenhuma mu- pação política e também através do teatro. A arte pode re-
dança de ritu ais; a atitude anarquista consiste em não desejar velar a realidade a dois níveis: o dos fenômenos e o das leis
nenhum ritual. que regem os fenômenos . O realismo - e ainda mais, o natu-
O comp ort amento ritualizado é o comporta mento morto : ralismo - tende a apresentar os fenômenos , ocultando as leis ;
o. homem não .cria, apenas desemp enha um papel sem criati- certo teatro de "idéias" tende a discutir as leis sem a produção
v~da de . O c?nJunto ?e papéis desempe nhado por cada indi- de fenômenos (idéias abstratas) . O problema básico do sis-
víduo na sociedad e ena nele uma "máscara". tema " Coringa" consiste em "coisifícar" as leis que regem os
Muitos rituais são abstratos, A hierarquia militar por exem- fenômenos . O operário pode informa r-se da situaç ão política
pio,. é um conj~nto d~ rituais det ermin ados por lei~ abstratas . do seu país atra vés dos jornais (se souber interpret ar os jornais
Porem, a arte e o co nhecimento que se transmite através dos das classes domin antes), e pode igualmente conhecê-la através
sentidos; por isso é necessário "ccisificar" a hierarquia para a da repre sentação teatral, ritualizada, que lhe mostra cada fase
revelar através dos sentidos. O ritu al apresentado teatralmente da luta de classes no seu desenv olvimen to . Isso é importante:
éa "coisificação" das leis, dos costumes, etc . . . toda peça deve mostrar os dois níveis. O nível concreto d03
fenômenos particulares, porque essa é a matéria da arte, que
De.ntr~ do ~istema "Coringa" , o espetáculo deve apre-
trata de coisas reais , e o teatro tr ata de gente de carne e osso.
sentar ntuars realizados por um conjunto de máscar as que plS- trat a de seres humanos, trata da vida social - é preciso mos-
s~'." de ator para ator, de modo a que o espectad or possa ve- trá-la. Mas deve mover-se tamb ém ao nível das leis que regem
rificar que todos os rituais (mesmo os absolutamente neces- êsses fenômenos, porque a arte deve mostrar a org anização
sários) devem ser constantemente destruídos, para que outros interna da realidade. Deve mostrar as co isas como são, sim,
~eja m criados e ~estruído.s, para dar lugar a outros, que serão mas deve mostrar também porque são como são.
Igualmente destruídos, a fim de que o temp o e a vida não sejam
detidos. . Pergunta - Pelo que diz, uma "máscara" tem algo que
ver com a mecanização, com o "ato reflexo" de Pavlov, ou
, . O teatro deve modificar o espectador, da ndo-lhe conscí-
encra do mundo em que vive e do movimento desse mundo. O coisa do gênero . Será assim?
teatro dá ao espectador a consciência da realidade; é ao es- Boal - Não. O animal não tem "máscara", ainda que
pect ador que cabe modificá-la. possa obedecer a certos estímulos sempre da mesma maneira ;
Pergunta - Acredíta na função política do teatro? o animal não se aliena. As suas ações e rea ções podem ter razões
biológicas, climáticas, etc., mas nunca sociológicas. Pode me-
Boal - Toda a aç âo humana modifica a sociedade e a
natureza. A arte e a ciência modificam a natureza de unia canizar certas reações , mas estas mecanizações não são m ás-
forma ? rganizada , não-episódica, segundo as suas própri as leis. caras., não obstante todas as máscaras serem mecanizações. O
Mas ha uma diferença fundamental entre a ciência e a arte . homem é o único animal alienável. Isto pode ver-se com cla-
reza numa corrida de touros. Neste ritual, o toureiro move-se
9,u a~do Fleming descobriu a pen icilina, não precisou da
consc iencia do doente para curá-lo. A ciência atua direta- segundo regras preestabelecidas, ao passo que o touro reage
mente sobre a realidade, modificando-a. Pelo contrário a arte sem nenhum condicionamento ritualiz ad o. O toureiro repr e-
modific a os modificadores da sociedade, transforma os trans- senta ritu ais (quer dizer, a sua vida e o seu estilo são dete r-
minados e limitados por regras , costumes e tradições, perfei-
!or~adores. A sua ação é indireta, exerc e-se sobre a conscí-
encsa dos qu e vão atuar na vida real. tamente integrados já no seu ca r áter, na sua personalidade,
na sua máscara ), ao passo que o touro atua limitado apenas
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ça .. . Na França ta mbém existem proletários e a estes ( ainda
por motivos e estímulos físicos : cor, movimento . Nes te sentido, que de for ma diferent e) pode servir o teat ro dos nossos países;
poderíamos dizer que o toureiro é alienado, enquanto o touro também eles são explorados, ainda que mais suavemente, com
é autêntico (acre scento que não há aqui vantagem em ser menos brutalidade, mas com mais malícia.
autêntico ) . Há que compr eender o ponto de vista do terceir o mundo ,
Posso- lhe co ntar um caso explicativo e trágico : Mano.. tota lmente oposto ao ponto de vista das socieda des de con -
lere morr eu porque tinha fama de nunca recuar um passo sumo. Os Estados Unidos, a Alemanba, o Japão, são países
para fugir do touro . Esta fama fez a sua fortu na. Manolete extremamente desenvolvidos, mas sob o ponto de vista da
alienou -se a essa fama. Ao ritual da s cor ridas juntou mais Revol ução , que é o que nos interessa, estão infinitamente atra-
um: nunca recuar um passo. Quando às cinco da tarde do dia sados ; Ang ola, Moçambique, estão em movimento muito mais
da sua morte viu que o touro lhe ia cair em cima e que a sua acelerado em relação à meta suprema do nosso século : a li-
única possibilidade de escap ar era recuar uns passos, a más- quidação do sistema pré-histórico que é a propriedade privada
cara de toureiro que nunca recua impediu que se salvasse. dos meios de produ ção.
Manol ete teria podi do esca pa r, mas o ritual do toureiro ousado
As pessoa s têm de compreend er qu e a Revolu ção não e
cu mpriu-se, Manolete morreu. um éden cheio de mercadorias (ge lade iras o ca rros que caem
Pergunta - Mas se V. é ant iimperialista e repudia for- do céu) e sim um movimento con tínuo em direçào a uma
mas e técnicas estrangeiras, como pode querer expo rtar as sociedade humana e justa; nesse sentido, os países da Amé-
suas próprias técnicas e as suas próprias form as? Por que é rica Latina são muito mais desenvolvidos, ainda que aos impe-
que sistem aticamente se apresentam ta ntos agrupamentos l a- rialistas custe abdicar da sua visão do Paraíso como um super-
tino-americanos em festivais de teatro na Europa (especial- mercado. A população dos países imperialistas não é "homo-
mente em Na ncy) e nos Esta dos Unidos? genea mente" impe rialist a. Os países superdesenvolvidos ta rn-
Boal - Não, não desejamos fazer uma forma de " impe- bém possuem as suas classes subdesenvolvidas e os países
rialismo às avessas". Não . Há dois tipos de agrupamentos que subdesenvolvidos tamb ém possuem as suas classes superdesen-
se deslocam a esses festivais. Um apresenta-se como produto volvidas . Os países são eco nomicamente dominados por outros
de cons umo. Os europeus e norte-americanos gostam muito de países, precisamente porque para as suas burguesias nacionais
reduzir a arte dos países do terceiro mundo a man ifestações o conceito de dinheiro é muito mais importante que o conceito
"folc lóricas". Muitos grupos se prestam a desempenhar esse de pátria ou de nação. A burguesia de um país economicamente
papel. Mas outros não! forte une-se à burguesia de um país economicamente débil para
Existem também os grupos que comp reendem que as n a- explorar especialmente o povo deste último. E assim acontece.
ções impe rialistas não resolvera m os seus pro blemas de classe . na rea lidade, que também lucram os explorados do país forte.
O impe rialismo não elimina a lut a de classes den tro dos seus Por isso muitos operários de países impe rialistas manifestam
países: apenas a anestesia. A burguesia dos países imperialistas tendências reacionárias, tão reacionárias como as suas burgue-
prctente fazer crer aos seus pro letários que o país está esta- sias. São explorados, mas ganham mais alguns dólare s, um
bilizado, equilibrado, que as reivindicações operárias deve m automóve l, bilhetes para o cinema, ou para o beisebol , etc . .
ser do gênero da aposentadoria aos 30 anos de trab alho, ou A isso se vendem.
co isas assim de menor monta, enquanto nos países subdesen - Nos Estados Unidos, recentemente, os estivadores dos por -
volvidos há confli tos prec isamente porque são países " em vias tos do Pacífico recusaram-se a desca rregar os barcos peruanos.
de desenvolvime nto", como dizem eufemisticamente. porque o Peru aprisionou navios-piratas norte-americanos nas
Bem , todos os países estão em vias de qualquer coisa , suas águas territoriais. Esses navios-piratas davam trabalho c
alguns em vias de subdesenvolvimento, como se diz da Fran-
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lucros a uma parte da s populações desses porto s. Os estivadore s
adotararn uma atitude nitidamente imperialista. carente de con- Pergunta - Segundo Luca Ronconi o diretor ítaliano
teúd o ideol ógico da sua própria classe, defendendo o seu direito o ., au.tê~tico te.,atro popula~, o único , é o ~ue se faz na praç~
à pirataria marítim a. Também George Meany, pre sidente da pu?I~~a , que e o verdadeiro lugar do povo . Compartilha esta
AFL CIO, a maior organização operária dos Estados Unidos,
opinião?
proclamou repetidas vezes o seu ap oio à política assassina de Boal - Há um poema brasileiro que díz: "A praça é do
Nixon no Vietn ame. povo como o céu é do condor". Entretanto, neste momento
Por isso não se pode falar de conceitos muito gerais e as praças do Brasil não estão ocup ad as pelo povo. Hoje em
amplos que excluam a luta de classes. E qu ando se fala de dia, faz~r. teatro popular nas praças públicas bra sileiras seria
uma arte imperialista, temos que ter consciência de que ela é um suicídio. As _condiç?e~ políticas vigente s expul saram o povo
dirig ida não só contra os povos oprimidos, mas tamb ém contra das ruas, mas nao o eliminaram, E como não se pode eliminar
o seu pr óprio povo, ao qual aliena. As idéias domin antes numa o povo, tamb ém não é possível destruir as suas manifestações ,
sociedade são as idéias da classe domin ant e, disse Marx . O a sua arte, o seu teatro. O mais importante é fazer um teatro
teatro, que na Am érica Latina procura explicitar os mecanismos que tenh a a perspectiva do povo, a perspectiva da mudança.
da luta de classes e pretende mostrar a necessidade e os ca- Se s~ puder fazer e~se teatro nas praças públicas, muito bem ;
minhos possíveis para a mudança social, pode igualmente ser se so se puder f~z.e-Io na casa humilde de um operário, ou
eficaz dentro dos países imperialistas, que têm a sua luta de para poucos operanos de cada vez, igualmente muito bem; se
classes anestesiada, mas não eliminada. O único risco da nossa ~e. puder, Com um espetáculo apenas, chegar a 5 OCO operários,
atividade nesses países é o folclorismo. Aí o nosso teatro será otímo. Se houver necessídade de se fazerem 500 reuniões
válido) não na medida em que for "aceito", mas na medida em teatraís, em pequenos locais para se chegar aos mesmos 5 OCO
que possa ser "utilizado" pelos explorados contra os explo- também está bem. O teatro, para ser "popular", tem de se;
radores. "revolucionário", não importando onde se realiza o ato teatral.
Pergunta - O seu teatro é caracteri sticamente latino-ame- E ? :eatro chega a~ seu maior grau revolucionárío quando o
pro~no povo o pratica, quando o povo deixa de ser apenas o
ricano?
inspirador e o consumidor para passar a ser o produtor. Quando
Boal - Nós, os membros do júri do IV Festival de Ma-
se comunica através do teatro. Por acreditar nisso, o Teatro
nízales (1971), José Mon léon, Emílio Cal ballido e eu, fizemos Arena de São Pau lo desenvolveu uma série de técnicas
todo o possível para desmistificar os conceitos folclóricos de jogo s e exercícios para o atar e para o não-ator com vontade de
latino-americanismo. Declaramos: "de que arte latino-ameri- dizer alguma coisa através do teatro.
cana se fala? No nosso continente convivem o latifúndio e a
miséria , os torturadores e os torturados". Convivem também o
teatro venenoso da burguesía e as formas populares. Não temo;
nada a ver com o teatro burguês da América Latina, e temos
muito em comum com os "chicanos" , porto-riquenhos e neg .os
dos Estados Unidos. As nossas obras e as nossas técnicas não
servem para os teatros oficiais da América Latina, ou da Euro-
pa, mas com certeza servem para os grupos marginais, operá-
rios, minorias étnicas oprimidas, estudantes revolucionários c
lumpen-proletariado sejam eles de cá ou de lá. O nosso teatro
e as nossas técnicas ou são do povo ou não são nada.

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o jovem atar decidiu imitá-lo e depois de algumas hesitações
II - História do Teatro largou tambérr, a sua improvisação, por certo uma piada
muito grosseira. O resultado foi sensacional e todo o público
Arena de São Paulo e os seus colegas começaram a rir; só a vedeta ficou muito
séria e compenetrada. No fim do espetáculo, os atares espera-
vam a mais feroz censura para o jovem estreante, mas a vedeta
No Teatro Arena de São Paulo, Brasil, funcionava o La- fechou-se no seu camarim e não disse nada, absolutamente
boratório de Interpretação, que deu origem à maior parte destes nada.
jogos e exercícios. E necessário conhecer os gêneros de inter-
No outro dia, quando todos se preparavam já para entrar
pretação que se praticavam em São Paulo por volta de 1956,
quando o Arena iníciou as suas atividades, numa nova fase em cena a vedeta mandou ir ao seu camarim o jovem atar,
como teatro de equipe. De um lado estavam os "monstros morto cie medo pela sua ousadia da véspera. Foi recebido
sagrados" populares e do outro os novos "monstros sagrados" com grande amabilidade. A vedeta falou-lhe da sua a,:e, dos
burgueses: os primeiros destinados a adormecer o povo, os se- anos que já tinha de palco, etc., etc. Após um longo discurso
gundos ao deleite da burguesia. perguntou-lhe:
Lembras-te da improvisação de ontem?
Sim, sim - respondeu o jovem. - Não gostou?
MONSTROS SAGRADOS "POPULARES" Gostei muitíssimo, parece-me uma piada muito boa.
- Obrigado - suspirou, aliviado, o jovem. - Muito obri-
Havia nessa altura no Brasil uma certa quantidade de gado. Parece-me que o público também gostou. Riram-se muito.
vedetas que reuniam à sua volta uns tantos atares e atrizes Os meus colegas felicitaram-me. Foi um êxito.
e obtinham grande êxito popular graças ao seu histrionismo _ Sim; sim - disse a vedeta. - O público riu-se muito
pessoal. Ao público não interessavam os personagens e as porque é realmente uma ótima piada. Mas hoje qu~m a diz
obras, mas apenas olhar e ouvir os' seus atares preferidos. sou eu, e não tu, porque sou eu o dono da companhia. Com-
Os espetáculos consistiam num puro exibicionismo individual preendido?
das estrelas, geralmente proprietárias das respectivas compa-
Muito antes deste, houve outro monstro sagrado, Leopol-
nhias teatrais. Não havia preocupação estética e politicamente
esses espetáculos refletiam uma mentalidade reformista e em do Fróes, hoje arduamente estudado pelos alunos de teatro,
I que na sua época se sentia demasiado importante para par-
nenhum caso rebelde ou remotamente revolucionária.
ticipar dos ensaios. Nunca ensaiava. O assistent~ (nessa altu~a,
Posso contar alguns casos reais que ilustrarão bem esse tipo no Brasil não se usava o encenador ... ) fazia a marcaçao.
de atar nessa época particular. Uma das maiores vedetas de Os atares: depois de terem estudado e decorado o texto, faziam
então, estava em excursão pelo interior de São Paulo com uma alguns ensaios de marcação e o assistente dizia-lhes:
pequena companhia. Sabia o texto de cor, mas gostava de in- - A senhora fica neste lugar, porque o Doutor (o Dou-
troduzir novas frases todos os dias, dependendo da platéia e tor era Leopoldo Fróes) ficará aqui, nesta cena. O senhor não
de como decorria o espetáculo. O público deliciava-se. Os outros se aproxime tarto da janela porque aí está o Senhor !?out?r.
atares, ao contrário, perdiam a sua segurança e alguns riam
Você, jovem, não se ponha tão perto da mesa, porque nmguem
em cena, pelo que eram imediatamente censurados. No elenco
pode estar a menos de dois metros do Senhor Doutor . . .
havia um jovem atar que estava a dar os prirrreiros passos e
que se entusiasmava com as novas piadas que a vedeta intro- E eram assim os ensaios. Um dia antes da estréia fazia-se
duzia no espetáculo. Certa noite, muito estimulado pelo patrão, um ensaio-geral com a presença do Senhor Doutor. Enquanto

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os ,ata res diziam os seus papéis o melhor que podiam, Leopoldo maravilhosa noite cheia de estrelas, A cena começou e o pú-
Fr~es murmurava o seu texto criticando a marcação feita pelo blico conteve a respiração: pela primeira vez na história do
assistente. Por certo que a modificava totalmente : os que esta- teatro pauli sta as duas maiores damas, as mais ilust res, tr a-
~am sentados tinham de se levantar , e os que estavam de pé jadas com vestidos mais dernier cri europeu e com as jóias
tinh am que se sent ar. Os da direita iam para a esquerda e vi- mais sul-africanas, pisa vam o mesmo palco. Ao princípio, tal
c~-~~rsa. Claro que se gerava uma enorme confusão e era muito como nas lut as de boxe, as duas contendoras analisaram-se du-
dif ícil o elenco poder decorar os novos movimentos e as novas rante as primeiras trocas de palavras. Depois começou um.
posições. Por isso , no dia da estréia, era cada um por si ~ ár dua lut a pelo centro da cena, as du as aproximando-se peri-
D_eus por todos: uma correria pelo palco , tod os procurando gosame nte uma da outra (até sentirem reciprocamente as res-
nao .ser at ropel ados pelo implacável Senh or Doutor, que im- pectivas respirações), cada um a procurando forç ar a outra a
provl ~ava s~mpr,e novos movimentos. Os atores encostavam-se aba ndona r a área "teatral" do palco. Depois, quando um a delas
o mai s po~slve,l .as p~n:de~ do cenário, procurando sempre guar- co nseguiu afirmar-se no centro, a outra, muito esperta , come-
dar a ob rigat óría dl~tancla de dois metros da vedeta, a qual çou a recuar, colo cando-se quase de costas para a primeira;
por SU~ vez, lmpr.Dvlsava exten sos mon ólogos, usando o texto esta viu-se então forçada a torcer o seu delicado e sensível pes-
como Simples roteiro ou sugestão. coço para poder dial ogar. Ambas se agarraram à mesma tática.
Em cada troca de palavras, a vedeta que fala va recuava alguns
Por mais que andasse, Leopoldo Fróes ficava sempre per-
passos, colocando-se mais atrás e submetendo a adversána a
to do c~ntro da cena ",Todas as vedetas fazem o mesmo. E
um a posição incómoda. O diálogo progredia, progredindo a
os. se~s tnterlocut?res tem de . estar sempr~ mais perto do p ú-
luta : uma troca de palavras dois passos atr ás, outra frase e era
blico : ,quando dialogam, o Interlocutor e obrigado a olhar
a outra que recuava, novo diálogo e novos passos, mais poesia
para tras voltando as costas ao público, enquanto a vedeta fica
sempre de frente. e mais passos atrás, tudo isto no cenário belamente iluminado,
com a sua formosa janela que mostrava uma linda noite cheia
. Lembro-me de uma história que ilustra bem esta tendên- de estrelas mas que tinha o parapeito baixo demais : na sua
~Ia que alguns têm de se apropriarem do que julgam ser as ânsia de recuar e conquistar o centro do palco, as duas damas
a~e.as "quentes" do c;enário. Um dia em São Paulo, um empre- caíram de costas, precipitando-se na bela noite ...
sano conseguiu reumr num mesmo elenco as duas vedetas ma'
, C IS Esta história verdadeira é muito conhecida dos atores da
em voga n,a epoca. ~:tou-Ihe muito trabalho, porque teve de velha guarda do teatro paulista. As duas damas lutavam peta
e~frentar arduas reurnoes sobre remunerações, cartazes, publi-
parte "quente " da cena, e isso nem sequer é uma verdade: o
cidade, ~t~. ,: as duas queriam tirar o melhor partido possível centro não é necessariamente a parte mais "quente" , a que
da publicidade. Durante todo o espetáculo havia uma única
atrai a atenção .do espectador, a mais densamente teatral. Tudo
cena .em que as duas atrizes, sozinhas no palco, se enfrentavam .
depende da cenografia que pode valorizar diversamente cada
Por ISSO não havia grande problema : quando uma estava em
pormenor, dá luz que pode conduzir a atenç ão do espectador
ce~a , os outros ato~es retiravam-se prudentemente para a peri-
fen a e ~s dam as flcav~m. no centro do palco e na sua parte e a relação entre os corpos dos atores em cena. Mas ainda
alta, mais dls~an~e do publIco. ~o dia da estréi a, a disputa pelos que consideremos um palco uniformemente iluminado e vazio ,
favore s do público fOI dura e intensa. O espetáculo progredia ainda assim não é o centro a zon a mais densa, mas sim a parte
prevendo-se um honroso empate para ambas, quando começou esquerda do palco, vista da platéia. Por alguma razão, a parte
a f~mosa cena, um longo diálogo entre as vedetas. Tudo' era direita do nosso corpo é mais desenvolvida que a esquerda: a
m~lto bonito no cenário, que represent ava um enorme salão de nossa perna direita dá passos mais compridos qu e a esquerda, o
baile , tendo ao fundo uma grande janela aberta sobre uma nosso olho direi to vê melhor que o esquerdo, etc. Uma pessoa

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no deserto, julgando que anda em frente, andará em círculos ta de cima, do Olimpo artístico. Procurava-se o libelo em si".
em direção à esquerda. A parte direita, mais forte , empui ra-nos Isto chegava a pro duzir resultados absolutamente fan tásticos .
para a esquerda. Mas as duas damas lutavam pelo centro, e Lem bro -me da montagem simultânea de duas Antígonas: a de
por causa do centro caíram. Sófocles e a de Anouilh, obras tão extremamente diferentes
uma da outr a, com propósitos tão opostos, escritas em épocas
Era a época em que, para além das velhas vedetas, os
tão distintas, mas que, nesse teatro burguês, se transformavam
atares estavam divididos em categorias físicas que se especiali-
ambas simples mente em " bom teatro", e o bom teatro tinha
zavam em determinado s papéis : o galã , o centro, o centro-
uma maneira "bela" de ser iluminado, uma "bela" coreogra-
côrníco, a dama-galã, a dama-caricata, a senhora nobre, etc.
fia, "belas" roup as, "belas" interp retações - tudo muito belo
Representantes de todas estas categorias reun iam-se num bar
central de São Paulo à espera dos empresários teatrais ou de e muito falso.
circo. Em muitos circos representava-se uma peça por dia, de Esta visão do teat ro como algo acabado e con hecido ,
maneira que um bom ata r tinha mais ou menos decorado o transform ava os artistas em artesâos : nâo podiam cria r verda-
texto e a história de um as cinqüenta obras. Claro que a me- deiramente, mas sim reproduzir segundo um modelo, preesta-
mória não era dema siado rigorosa, havendo lugar para a im- belecido . E esse modelo era o "estilo". O artista criado r con-
provisação. Não era raro que um ator, selecion ado no bar du- sulta o seu povo, dialoga com o seu povo, inter-relaciona-se
rante a tarde, se enganasse no seu papel, e à noite entrasse em com ele e descobre as formas estéticas para o diálogo artistico.
cena representando o personagem de outra peça que nada tinh a Aqui não acontecia isso. O artista, transformado em artes~o,
a ver com esta . Mas estas coisas sempre se remediavam, para nã o se pre ocupa com o seu povo e só dava ate nção aos trajes
satisfação do público fiel. da época. Se a obr a era de Shakespeare, mostr avam toda a
sua fidelid ade a Lawrence Olivier e a Joh n Gielgud. Qu an do
a semelhança se aproximava da identid ade, a inte rpretação es-
MONSTROS SAGRADOS BURGUESES tava pronta para a estréia.
N a Escol a de Arte Dramática aprendia-se a recita r Sha-
De um lado estavam esses monstros sagrados "popula- kespeare, Goldoni e os clássicos portug ues es: aprendia-se a
res" e do outro os monstros burgueses que atingiram a sua andar no " estilo ", a esta r de pé com o corpo a 3/4 para o
plenitude quando se desenvolveu mais rapidamente uma bur- público, etc. , etc., etc. Numa palavra: impunha-se uma "forma"
guesia "nacional" (na realidade, test a-de-ferro dos grandes in- e dentro desta forma e dos seus estreitos limites , o atar tinha
teresses internacionais, quando os consórcios norte-americanos que criar a sua personagem sem pre jud icar a forma preesta-
e as grandes empresas multinacionais começaram a apertar o belecida nos livros de históri a do teatro.
seu dominio sobre a indú stria brasileira). Essa burguesia ten- D aí a importância que tinha então a chamada "técnica" .
tou reproduzir no Brasil o "bom" te atro que tinha visto na Todos os ata res pr ocur avam afanosa mente adquirir "técnica" .
Europa e nos Est ados Unidos. Est abeleceu-se o conceito de Ma s que técnica era essa? Do mesmo modo que os objetos
"bom teatro" em geral, e a preocupação máxima de então era físicos se parecem com form as geométricas bem definidas
igualar Barrault, Olivier e Vilar, sem nenhuma preocupação (triângulos, qu adrilá ter os, esferas , cubos, etc.}, tamb ém a voz
prioritária com o público ao qual esse teatro se destinava . Não e os movimentos dos ata res tinh am que se parecer com form as
tinh am aprendido, porém, a verd ade elementar de que nada é be m definidas. Tratav a-se de um conjunto de técnic as geomé-
"estético" em si mesmo : o que existe é a comunicação estética. trico-tempo rais.
E a comunicação exige a exist ência de uma relação dial étíca Quero exemplificar para que isto fique mais claro , des-
artista-público. Aqui, pelo contrário, a obra de arte era impos- crevenco algumas das "t écnicas" mais em voga nessa época:

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1 - Pausa de tensão: co nsiste em reter durante alguns ap ós alg uns segu ndo s, o quarto atrasado. O público ri- se. Bustcr
segundos a última ou as últimas palavras que vão dar sentido Keaton foge da polícia, co rre assu~tado 'por v~,r~as..ru~s. e en-
a toda a frase . Tornou-se célebre uma pausa de ten são do cruzilhadas e, quando por fim se distuucia do nra', fica tod ~)
atar que interpret ava o protagonista d a obra de Arthur Miller contente, limpa a roupa, co mpõe a gravata, e levanAta a pe rna
Panorama Visto da Ponte , na cena em que descobre o amo r para atravessar a rua: nesse preciso momento, a c~m.ara :OC~
da sobrinha pelo hóspede. Após um lo ngo mon ólogo em que a mão do policial no o mb ro de Buster Keaton . O pubhco ri-se .
fal ava dos seu s cuid ados co m a sobrinha e do seu ódio ao Em Tempos Mod ernos, o operário Carlit?s passa OIto ho ras por
rapaz, o atar suspendi a a respiração e dizia: "E vem-ma roubar, dia a apertar porcas metálicas numa ltnha de montag ens _J ~
esse .. . filho da pu ta !" Qu ase tod as as noites o pú blico en- uma f ábrica ; quando sai para a rua, quer apertar os b~toe ~
tus iasmado apla udia fren eticamente. Cr eio qu e terá sido o p ri- de todas as senhoras e policiais que se cruzam no seu ca minho.
meiro palavrão aplaudido em teatro . e com delírio, em cena O público ri.
aber la.
4 _ Timbre de voz predeterminado : esta era uma das
2 - Que bra de ritm o : co nsiste em dizer co m rapidez a "técnicas" mais co muns, que quase se transformou ~uma es-
primeira parte de uma frase e a seguir diminuir a velocidade pécie de marca registrada: cada .vede~ a ~i~ h a o seu timbre ~ e
ao proce der inver samente: Pod e também utili zar-se a quebra voz particular, mas que não devia cOl nc l~l r co m. a sua verda-
de to m, mudan do bruscam ente o tom duma parte da fra se, deira voz para uso caseiro. Uma co n h ec~ d~ atri z f~l av a co m
com o que se obtém mecanicamente o mesmo efeito. timbre arquejante, revelando sempre angustia e ansied ade em
tudo o que dizia. Outro co nhecido atar filiava sempr:, em
3 - Auto matismo : usado com muita freqüência nas obras todas as obras, fossem de que estilo fossem, com um t rem~lo
cómicas . Bergson tinha notado que o riso é a reação natural íl . vocal que o caracterizava. A obra. tanto podia ~e r um Arlequ im
todo o aco ntecimento que revele o automati smo de uma ação de Goldoni como um Soldado 7 anaku de Kaizer.
humana. Nunca nos rimos de algo que não seja humano; quan-
do nos rimos de um macaco no Jardim Zo o lógico é porque o 5 _ Movimento s rápidos em cenas climáticas, até ao fun-
macaco se asseme lha a um ser humano : rimos dos seres hu- do da ce na e de pois u m rápi do regresso ao públ ico_; mo~ i men­
manos cujas mecanizações e autom atismos surgem por com - tos triangulares, com o atar que desenvol ~.e a açao pr incipal
paração com o macaco na jaula. As formas porque se revela colocado no vértice mais distante da plat éia, etc.
o automatismo são variadas, desde as mais simples das co- N ão se trata de dizer que nos faltavam gra n d~ s .uores
médi as dos Três Patet as ( uma mu lher elegantemente vesti da, nessa época; pelo co ntrário, havia uma. gra~lde q u~ntld ade de
carregando muitos embrulhos de co mpras, que escorrega numa ata res muito bóns, até mesmo excepcronats. Po r ém a apre-
casca de banana e quebra o automat ismo do seu andar on- dizagem era deformad a por uma visão . a:tesa nal. p~ r~m e n t ~
dul ante, a torta que se esmi galha na cara de um senhor vestido fo rmal, quase sempre servil, que a .malO na dos e.nc.cllddores
de fraque, autom aticamente elegante, etc .) até formas supe- tinham do teatro. Nada fez tanto mal ao teatro brasi leiro como
riores, como o pensamento automatizado do s médicos de Mo- o co nceito abstrato do "bom teatro". Não se co mpreendia ~ u e
liêre, para quem os doent es existem porque existe a medicina, o Brasil, a Argentina, a Eu ropa, a Ind on ésia , o J apão, :' _C hina,
e não o contrár io . Qualquer forma de quebrar ou revelar o a Co réia, cada continente, cada país e às vezes cada re~~ ao con:
automatism o provoc a o riso. Cinco ladrões fogem da polícia, creta de um país, devia encontrar o seu " ?~) m teatr~ , que e
saltam um muro todos ao mesmo tempo e momentos depoi s, útil em determinadas circunstâncias especificas e . nao ne,:es-
ritmicamente, co meçam a aparece r as cabeças dos ladrões por sariamente noutras. O co lonianismo cultural con siste pr ecisa-
cima do muro: o primeiro, o segundo, o terceiro, o quinto e, mente nisso: em aceit ar como "universais" os valores da cultura

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do colonizador. Então o bom teatro europeu e o bom teatro desfilar infinito dc sensaçôcs . Andar de bicicleta implica um.'
norte-americano deveriam ser o bom teatro de todos os países com Iicadíssima estrutura de movimentos muscular: s e de SC 1~ ­
colonizados mas nunca o inverso. . ~p táteis mas os sentidos selecionam os estímul os mais
Se o tea tro burguês no Brasil dava absoluta prioridade à ~~ç;~:tantes para essa ativid ad e. Cada ativida de hu mana, ,des de
forma, o Teatro Arena de São Paulo, de origem popular, 1 Is comum como por exemplo andar. é uma operaçao ex-
dav a ab soluta pr ioridade à emoção. Com o tempo chegamos ~re%a;mente eo'mplicada qu e só é passivei po rqu e os. sentld~~
a compreender a id çntidade do trinômio IDÉIA-EMQÇÃO-FORMA. são capazes de selecionar~ ainda que captem todas as u nad:
Mas quando começávamos a tr abalhar, partíamos da emoção ções, apresentam-nas à consciência segundo uma determina a
da personagem e pe rmitíamos que esta se expressasse livremente hierarquia . .
no atar, determinando a sua própria forma. Esta forma a qu e Isto torna-se mais cl aro quando um~ pessoa sal do . seu
se chegava a partir da emoção não era " geo metrizável"; pelo mbient e hab itu al, q uando visita um a CIdade desconhec ida .
.' con trário, era uma emoção real, profundamente dialética , rica, ~omeadamente de um puis desconhe cido : as pessoas veste~-se
contraditória, humana, única. d ~neira diferente, falam co m um ritmo diferente'Aos rUld~s
n~:são os mesmos, as co res sã" outras, as caras tem f?rI?"s
. ilh o inespe rado íant ásuco .
diferentes. Tudo pare ce mar ,IVI os . - ' Ao
A EMoçÃO P R IO R ITÁ R IA Fica-se excitadíssimo ao absorver tantas sensaçoes novas . le-
fim de alguns dias, os sentimentos apren?e m novamente a se ~
Em 1956 comecei a trab alhar no Teatro Arena, do qual cionar e volta-se à rotina anterior. Imagmemo s o ~ ue aCântece
fui diretor artístico até à dat a em que tive que sair do Brasil, uando um índio vem à cidade ou quando um h,abl.tante e; um .
em 1971 . Os ata res e tu fizemos um Laboratório de Inter- qrande centro urbano se perde na s:lva. Para o 1.ndIO, os rUldo~
pre tação no qual começamos a estudar metodicamente os tra- âa selva são perfeitamente naturais c os sentidos ~costum~
balhos de Stanislawsky. A nos sa primeira proposta foi esta : rum-se a sclecioná-los: co nsegue orientar-se pelo san: do ve~
que a emoção seja pri oritária, que ela possa determinar, livre- nas árvor es e pela lumi no sidade do sol entr e '~folh age~ . m
mente, a form a final. contra artid a o que para n ós é natural e rotJnelro_ po e en -
Mas com o poderiam os esperar que as emoções se mani- louq~~er o 'índio, incapaz de selccionar as sensa çoes prod u~
festassem "livremente " através do corpo do ator, se precisa- zidas por uma grande cidade. O mesmo nos acontecena se nos
mente tal instrumento (o corpo) está mecanizado, muscular-
perd êssemos na selva.
mente automatizado e insensível em 90 % das suas possibili-
dades? Uma nova emoção descoberta corria o risco de ser ca- Esta seleção pro duzida pe Ios senilidos leva à mecaniz . ' a-
.
ção, porque os sentidos selecionam sempre da mesma maneira.
nalizada pelo comportamento mecanizado do atar.
Por que é que o corpo do atar está mecanizado? Pe la enor- Qu ando com eçamos com os Labor~lórios de Inte,rp: eta-
me capacidade que têm os sentidos para reg istrar sensações, çào no Teatro Arena ainda não pcnsavamos n ~ s ma sca ras
aliada a uma igua l capacidade pa ra selecionar e hierarquizar sociais; naquela época, a mecanizaç50 era entendida sob uma
essas sensações. Por exemplo : o olho pode captar uma infinita forma puramente física: ao desenvol ver sempre os mesmos
variedade de cores, qualquer que seja o objeto da sua atenção: movimentos, cada pessoa mecaniza o seu _corp~ .para mel~o.r
uma rua, uma sala, um quadro , um animal. Há muitos milha- os eíetua r, pri vando- se ent ão de um a at uaça o o riginal em cada
res de cores ver des , de tonalid ades de verde, perfeitam ente per- id d Podemos rir de mil maneiras dife rentes . mas
oporI um a e. . _ ensar num
ceptíveis pelo olho humano. O mesmo se passa co m o ouvido qu and o nos contam uma piada nao nos pomos a p a
e os sons, e com os restantes sentidos e suas sensações especí- modo original de rir, portanto íaz êmo-lo semore da mesm .
ficas. Uma pessoa que conduz um carro tem à sua fre nte um maneira .
36 37
As rugas aparecem porque os
as suas expressões fisionôm icas .nos~~s rostos .n~o variam terá que recordar os gostos e manifestar fisicamente todas as
terminadas estruturas muscul ares ~~~~tuals , a ~epeltçao de de- reações que acompan ham a ingestão de açúcar, sal, mel, etc.
sobre os nosso s rostos. a por dei xar a Sua marca Não se trata de fazer mímica: cara feia para o sal e rosto
angélico para o açúcar e o mel, mas sim de sentir novamente
Que é o sectário senão uma
esqu erda ) que mecanizou todo s pessoa ( de direit a ou de as mesmas sensações, "de memória". O mesmo se pode fazer
as suas respostas? os seus pensamentos e todas com cheiros.
O ator, como todo ser hu Um exe mplo: púnhamos música a tocar, e vários a tu res
reaçõe s mecanizadas ar isso ' mano , t~m as suas ações e escutavam-na, prestando muita ate nç ão à melodia, e também
"desmecanização" P~I~ seu a e ,necessáno começar pel a sua ao ritmo e ao compasso. Depois todos em conjunto tentavam
de assumir as me~aniza ões d maClamento, para torná-lo capaz "ouvir" mentalmente a mesma música, dentro do mesmo ritmo
.E necessário que o ato~ volt: ~ersonagem que vai ~nterpretar. e compass o. Ao meu sinal, os atores tinham que co meçar
sações das quai s J'á se desab ír sentNIf cert as emoçoes e sen- imediatamente a cantá-la na parte que estava a ser "ouvida"
o o , I uou . uma primeira f f mentalmente : se havia coi ncidência era porque todos estavam
ziam os exerCICIOS sensoriais se . d . ase, 3 M

dicaç ões de Stanislawsky n' gUl~ 01 em linh as gerais as in- conce ntrados e haviam reproduzido co m perfeição a música
. ou aq ui a guns exempl os: ( melodia. ritmo e compasso ).
1 - Exercícios musculares ' .
todos os músculos do se . o ata r, depois de relaxar 3 - Exercícios de memória: fazíamo-los muito fáceis e
cada múscu lo andava u corpo e de tomar consciência de quotidianamente . Antes de dormir, cada qual procurava lem-
chão um obj~to qual u~~s cpassos, curvava-se.' apaqhava no brar-se minuciosamente e cronologicamente de tudo o que se
tentava memorizar tod~s as 'e ~o;endo-se muito lentamente, passara durante o dia, com o máximo de detalhes: cores, for-
vinham na realização desses 5 ru.uras musculares que int er- mas, fisiono mias e tempo. repensando quase fotograficamente
tia exatamente a mesma a ção movimentos. E~ seguida, repe- tudo o que se vira, re-o uvindo tudo o que se ouvira, etc. Era
rn ória, pois fingia apanhar ~: a~ ~gora devia .recorr.er à me- freqüente, também. que ao chegar ao teatro se perguntasse a
desativando os músculos ao I b bjeto do chã o, au vando e um ato r o que se passara desde a noite anterior, o que ele
em rar- se da operaçã . tinha de relatar co m todos os pormenores. Era particularmente
Faziam-se muitos exer ' . .. o anterior.
to (uma chave uma cad ,CICIOS deste g énero, variando o obj e- interessante fazer esse exercício quando dois ou mais atores
complexo: vestir-se ou d:~~~;_:m sapato) ou tornando-o mais tinham participado do mesmo acontecimento : uma festa, uma
sem ela. Ou and ar de bicicleta e;e pn~elro com ~oupa e depois assc mbl éiu. um espe táculo teatral ou um jogo de futebol. Com-
sobr e o solo para libertar b m bIcIcleta. deitad o de costas parava-se as duas versões c fazia-se um esforço para se chegar
os ra ças e as pernas
E m todos os exercícios o . . a uma co nclusão o bjetiva quando havia discordâncias. Os
masse consciência dos seus ' , Importante era que o ator to- exercícios de memória podiam igualmente referir-se a co isas
movimentos que poder'a m~sculos, da enorme variedade de passadas há muitos anos. Por exemplo, cada ator fazia um
ea
como fulano rir como 'b Irt izar . Outros exercícios: and ar relato pormenorizado de como tinha sido o seu casamento,
. . ' e rano etc Não s .
I I mutaç ão exterior, mas sobretud~
mecanismos de cada moviment
' e _VIs~va a exata
a ~ompreensao interíor doe;
desta man eira? Que é que faz o. Que ebque leva ful ano a anda r
quem assistiu. que música se tocou , que se comeu, como era
a casa. etc. Ou como tinha sido o enterro de um ente querido.
com que eltrano n a deste modo? Ou co mo foi no dia cm que o Brasil, jogando co ntra o Uruguai,
perde u o ca mpeo nato Mun dial de F utebol, em 1950, no Está-
2 - Exercícios sensoriais ' .
mel ; a seguir um pouc o de sai, °d ato~ ingere uma colher de dio Maracanã: em que rádio ouviu o jogo? Ass istiu a ele? As
, epors açuca ro Seguidamente pessoas choravam'! Que pessoas'! Como dormiu naquela noite?
38
39
I I
Dormiu ? Teve sonhos? Qu e sonhos? etc., etc. Nos exerClCIOS
de memória, o mais importante é haver um a grande riqueza . - d' rso nagem e essas emoções encon tr~ -
de pormenores con cretos. .E: igua lmente necessário qu e este pr- ime iro asrpo emoçoes
descontrai a ído o d o ..ator , a forma ad. equada e mais
tipo de exercício seja praticad o COm absoluta regul aridade, rao. nodeCDser t,ran s,mlitid:
eficaz I a ao espectador • com vista a despert ar
quas e como rotina diária, de preferência em determin ado mo- ele emoções Iguais, , ,
mento do dia. Serve para desenvolver a memória, mas tamb ém n , ' d moção passa ram a ser rotineiros no
para aumentar a atenção: cada qual sabe que ter á de lem- Os exerCICIOS e e I qu al-
rat icava m-nos no pa co ou em
brar-se de tudo o que vê, OUve e sent e, e assim aumentar á ex- Tea tro Arena; os ato,rc,s'p , rua nos restaurantes, Todos
I ar no escn ton o, na , ., d
traordinariamente a sua capacidade de atenção, concentração quer ug , " menos dois ou três exerC ICIOS e
e análise. os dias " cadaN ataar fazia época pelo a gran d e maioria dos nossos ata res era
l aborat~f1o .
I 4 - Exe rcícios de imaginação: faziam-se muitos, seme-
lhantes aos que são descritos mais adiante (câmara escura,
.
muito J
ove m sem gran es pro blemas financeiros,, .podendo, ,
essa
', :
porta nto, dedicar t
e .' des
ad as as horas do dia aos exe rcictos e aos
. , ' ibilid ad e de pra ticar em co n-
espet áculos, TI~eram ass~~ : ~~S:~als emoções , sem terem que
contar uma história, etc.)
junto, co m os se us corp , ' Frc q ücnternente alguns ata res
5 - Exercícios de emoção : há um muro entre o que abandonar os est,u.do~. t~~~IC~:~fissjonais liber ais : estudam e,n-
o ator sente e a forma final como expressa esse sentimento.
fazem como.. a malo.na las e as fac uldades, depois profis -
Esse muro é formado pelas mecani zações do pr ópri o ator. O qu ant o frequ entam as esco , 'da rofissional sem fazer ne-
ator sente as emoçóes de H amlet : assim, sem o que rer, ex- sio na liza m-se ,e p~ssam a d~u~ VI, e~as os diálogo s da s suas
pre ssará as emoções de Hamlet na forma do pr óprio ato r. nhuma investigação, estu A n o a pelo menos dura nte alguns
Mas o ator poderia igualmente escolher, entre as . mil manei- . No Teatro rena, p .
pers on agen s. I desses anos podemos com-
ras de sorrir, aquela que, segundo cr ê, seria a de Hamlet ; ano s, isso nào aconteceu, ~ a~ ~ngo siste ma de prod uçõe s iso-
entre as mil maneiras de . se enfurecer, a que, segundo ele, . falso e antrarus nco o .
seria a de Hamlet. Para tanto há que começar por destruir o Iprov
d ar comoueeo utor , tr aib:a lh:a numa' produ ção e a seguir no ut ra,
muro das mecanizações, a "máscara" do próprio atar. O a as, em q • 'ossi bilida de de aprofundar o seu es-
e noutra ain da, sem a p ,. mpenhados na mesma
tudo ~onJuntamen e . . ; xtr~ordinariamente important e para
teatro burguês de São Paulo, pelo contrário, procurava forta- ' t com outros atores e
lecer esse muro, endurecer ainda mais essas mecanizações, as esq uisa Pelo co nt rario, c e . rsa
p , ., , tr abalho coleti. vo, ,
oflen tado p·tra( uma pesqu . ..
"marcas registradas" de cada ator ou atriz, tentando criar as
os atore~ o d ç ão isol ad a serve aos interesses emp resa riais;
personagens sobre esse muro e essas mecanizações; não era
de admirar, portanto, que as duas Antígonas, tão diferentes
comum.
os grupos mms pr~) Uo u( me'nos. 'perma ,nentes , servem
, ii arte teat ral,
no texto , fossem tão iguais no palco ; que a peça Subterrân eos aos atares e à função soc ial e politica do teatr o. ,
de Gorki fosse representada com um a cadência rítmic a de voz
Os exe~cícios de ~moça~~~n~~ dO'~O~SO dese nvolvimen to,
- I' di 50 são fa scin a ntes de
igual à de um personagem de Goldoni ou de Benavente.
ver e de pratica r. Em dado m . d did: a' emoção (to-
O nos so ponto de vista era diferente: queríamos que o . , uma imp
chegamos a at ribuir ' o r t ância
, ,esmc
. I a ,
:-', da " idé ia").
ator pudesse anular de saída todas as suas característica s pe s- davia n ão era muito. cIara' pa ra nos a im portanc ru
soais e fizesse florescer outras: as da personagem. E stes e outro s , partir de 1960 , Stanis . I'. IWS.k y Passou a ser
A . largamen
b ileiroste
exercícios serviam para anular a chamada "person alidade" do ' , . .
utilizad o tamb ém em vanos outros elencos
. teatru
_ rs
' rasl
. ' el dos'
ator (a Sua forma e o seu molde) e para permitir que nascesse .
Por vezes sucediam casos CUflOSOS e , apl icações disc
, , ut íveisti , ".
a "personalidade" da personagem, a Sua forma, Mas como che- sobre
. . , . I' .ki:
enSina mentos sW I1IS aws ranos . a "mem. ória i ário daIvact-
emo ."
gar a essa forma? Nessa altura respondíamos : há que sentir L b do que aconteceu num teat ro uruvers t
em ro- me , icano Ol.f
40 dade de Salvad or, B,a hi:
la, Um ence nador norte-umer

41
convida~o a ensinar Stanislawsky e a montar uma obra; esco - - " Olhem, enquanto falávamos de sexo e de como Stanley
lheu entao Um Bonde Chamado Desejo de Tennessee Williams. era maravilhoso na cama, lembrei-me de uma tarde cheia de
Os ensaios iam bastante adiantados, quando o encenador de- sol, quando comi três sorvetes seguidos debaixo de um co-
cidiu trabalhar "em laboratório" a cena de Stella e Blanche du queiro na praia de ltapoã .. . "
Bois no dia seguinte à tremenda luta entre as duas e Stanley Estes casos de "transferência" extrema não são raros.
Kowalsky. Não havia maneira de conseguir fazer a cena; en- Na verdade, é absolutamente inevitável um grau maior ou me-
saiavam e tornavam ·3 ensaiar, mudavam tudo, improvisavam, nor de "transferência": uma pessoa recorda a emoção que sen-
mas não havia maneira: a cena saía sempre sem a menor con- tiu em determinadas circunstâncias, que lhe aconteceram a ela
vicção. Até que o encenador decidiu recorrer a improvisações de e só a ela e que são circunstâncias absolutamente singulares
memória emotiva . Ainda desta vez a cena não' resultou. O que, ao serem transferidas mudam um pouco. Eu nunca matei
encenador explicou então à atriz que fazia o papel de Stella: ninguém, mas tive vontade disso: procuro lembrar-me da von-
- "Vês? O problema é este: Stella lutou mortalmente tade que tive e faço a transferência para Hamlet quando mata
com o marido, defendendo sua irmã . Mas ele pós-se a chorar, o tio. A transferência é inevitável, mas não creio que se deva
ela comoveu-se muito ao vê-lo tão frágil, ele tomou-a nos bra- ir tão longe como no caso que conta Robert Lewis, relativa-
mente a um ator famoso, que fazia o público chorar quando
ços, levou-a para o quarto, fizeram amor durante toda a noite
puxava do revólver durante uma cena patética e o apontava à
foi uma noite de loucura, e depois ela pôs-se a dormir. . . Ora cabeça, preparando o dedo enquanto falava da inutilidade da
bem: a cena começa na manhã seguinte. Ela acorda depois de sua vida, quase disparando o balaço final. O ator emocionava e
uma noite maravilhosa com muito sexo, está ainda um pouco emocionava-se a si próprio; os espectadores choravam quando
cansadinha mas contente, sorri todo o tempo, está feliz. É uma o viam chorar, soluçavam quando ouviam a sua voz soluçante.
mulher feliz. E isso é precisamente o que eu não sinto na tua
interpretação. Façamos assim: um exercício de memó.ia emo- Quando Lewis lhe perguntou como conseguira tal im-
pacto, tal transbordo de emoção, tal tremendo choque no pú-
tiva. Procura recordar a noite mais bela da tua vida, a noite
blico e nele próprio, O ator respondeu:
mais plenamente sexual, porque isso que falta à cena . . . "
é

"Memória emotiva, meu velho. Não lestes Stanis-


I I A pobre moça fitou-o por instantes e confessou:
"Eu sou virgem, mister",
---.t
lawsky? Pois aí está".
_ "Ah, sim . . . " - disse Lewis - "outrora tivesse von-
~ouve um momento em que ninguém soube o que dizer. tade de matar-te, usaste a memória emotiva e pronto, . . Foi
Parecia que em tal caso a memória emotiva stanislawskiana não assim?"
se poderia utilizar. Então, certo ator deu uma sugestão: "Vontade de me matar? Eu amo a vida, meu velho.
- "Não importa. Ela pode tentar lembrar-se de algo que Nada disso."
lhe proporcionou a maior felicidade ... e pronto... depo.s - "Então?"
faz-se atransferência . . . sei lá . .. ''. O encenador aceitou a pro- - "A coisa passa-se assim: quando levo o revólver à
posta, fizeram o exercício e em seguida a cena, que saiu mara- cabeça, tenho que pensar em algo triste, ameaçador, terrível.
vilho~a: Todos ficaram contentes, felizes, excitados e pergunta- Bom. E é isso que faço. Lembras-te que quando aponto o
ram a Jovem como havia conseguido, o que fizera para adquirir revólver olho para cima? Aí está. Lembro-me de quando era
aquele rosto tão sensual, tão feliz, tão atraente. Ela disse a ver- pobre e vivia numa casa sem aquecimento ou luz elétrica, e
dade: sempre que tomava banho era de água fria. Aponto o revól-
42 43
ver à cabeça, olho para cima, para a ducha, penso na água nunca deixei de ver e analisar as coisas estranh~s. que acon-
fria a cair-me sobre o corpo. . . Ah, meu velho, como sofro, tecem em rituais como a missa, o enterro e o velório . .Lem~ro.
como me vêm as lágrimas aos olhos! . . . " de como mUdaY'lm as flores no caixão e da maneira fna e
obi etiva com que o homem explicava a necessidade de mudar
Apesar dos excessos, os exercícios de memória emotiva
~s Jflores para o caixão ficar mais bonito. Lembr<:-me da cara
são bons e úteis. Praticávamo-los sempre, especialmente nas de cada uma das pessoas que nos dava~ os pesames, cada
versões que adiante se explicam da "Quebra da Repressão" e qual refletindo a sua maior ou menor amizade p~ra conosco,
em todas as suas variantes. ara com a nossa família; lembro-me da exp~essao do rosto
p do do padre talvez fosse o quarto ou quinto enterro do
cansa, lisei jud
dia a que assistia. Lembro-me ..de tudo porq~e ana isei u. o
RACIONALIZAR A EMoçÃO
1'1
no momento em que acontecia, sem que por ISSO me emocio-
Mas um exercício intenso de memória emotiva, ou qual- nasse menos.
quer exercício de emoção em geral, é muito perigoso se não se Dou este exemplo que se passou comigo, mas isso aco~­
fizer, posteriormente uma "racionalização" do que se passou. tece, ou pode acontecer, a toda a gente. Talve~ acont~ça mais
O atar descobre coisas quando se aventura a sentir emoções freqüentemente aos escritores, uma vez 9ue sao a~a~lS.tas por
em determinadas circunstâncias. Há casos extremos. Viv.en vocação. O exemplo de Dostoievs~y _ e ex.traordmano. Em
Leigb deixava-se levar de tal modo pela emoção no papel de O 1diota o autor descreve com perfeição ~ nqueza ~e porme-
Blanche Dubois que acabou por ser internada num hospital nores os ataques de epilepsia do protagamsta. DostOlevsky era
para doentes mentais. Isso não quer dizer que devemos rejeitar epilético e conseguia manter, durante os seus ataques, uma lu-
os exercícios de emoção; pelo contrário: há que íazê-los, mas cidez e uma objetividade suficientes para reco~dar as suas
com o objetivo de "compreender a experiência, e não só com emoções e sensações e para ser capaz de descreve-las. .
o de senti-la . Há que saber porque é que uma pessoa se emo- Neste caso, o autor descreve as s~as. emoçõ~s depois d.e
ciona, qual a natureza dessa emoção, quais as suas causas, e não as ter sentido; mas o caso de Proust e ainda mais extraordi-
apenas saber como ela se emociona. O "porque" é fundamental, nário mais fantástico e não obstante real : enquanto estava
pois para nós a experiência é importante; mas o "significado" da morr~ndo, ditava à sua secretária um longo. capítulo. 's?~re a
experiência é ainda mais importante. Queremos conhecer os fe- morte de um escritor - ele próprio! E tinha obJetlVldade
nômenos, mas sobretudo queremos conhecer as leis que regem para dizer à secretária em que páginas devia entrar ~sse ca-
os fenômenos. Para isso serve a arte: não só para mostrar como pítulo, em que novela, e as alterações que ela devena fazer
é o mundo, mas também para mostrar porque é assim e como se nas novas edições: agora que realm~nte esta~a morrendo, cor-
pode transformá-lo. Espero que ninguém esteja satisfeito com rigia a morte fictícia que tinha descnto antenormente. E quan-
o mundo tal qual é: por isso há de transformá-lo. do acabou de descrever a agonia do escritor, morreu..
A racionalização da emoção não se processa apenas de- Não nos interessa se há aqui verdadeira simult.aneidade,
pois da emoção desaparecer, ela é imanente à própria emoção: ou uma rapidíssima intermitência razão-emoção. O Importan-
também ocorre enquanto ela dura. Existe uma simultaneidade te é assinalar o erro e corrigir os atores para quem tu~o con-
entre o sentir e o pensar. siste em "emocionar-se". Quando um ator se mostra Incapaz
Dou UItI exemplo que se passou comigo. Senti uma das de sentir durante os ensaios , uma verdadeira emoção, está
mais fortes emoções da minha vida quando morreu o meu seguramente a laborar em erro. Mas o ator que se descontrola
pai. Durante o velório, o enterro e a missa do sétimo dia, não comete erro menor. Muitas vezes o descontrole é falso,
embora estivesse verdadeira e profundamente emocionado, tratando-se de puro exibicionismo. Certo ator tornou-se fa-
45
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;;,oso pefla violência com que representava o papel de Otelo
e uma arma ternvelmente emocionante . . xonado pela sua amada, sofre todos os horrores da incompre-
do se sentia possuído pela ersona e . .. e perigosa. Ouan- ensão amorosa, até que passado muito tempo se separam. Anos
curava estrangula D dê P ~ .m, P?r. varras vezes pro- depois quando se encontra com a sua ex-amada, sofre um
veram ue baix r es emana a seno. MaIS de uma vez ti-
o trem~d ;r °d pano. ~s pessoas impressionavam-se com choque. Procura recordar tudo o que lhes acontecera, "ordena"
o po er e emoçao desse ater Na . h . ._ a experiência vivida, revê subjetivamente todos os fatos suce-
~~~re~on~uráràiop'
,
al~~o
o icra.
que se deve denunciá-lo aom~~n~ic~f~n~~~ didos e conclui: "Como pude eu suportá-la durante tantos
anos? Nem sequer era o meu tipo . . . " .
Isto deve ficar claro: a emoção "em SI'" d d d Proust propõe inteira liberdade subjetiva para ordenar os
caótica - I ' esoe ena a e fatos passados, as experiências vividas, despojadas precisamen-
fica~o.' ~~~ ~ao~e:~:' f~a~m~~~nte ~a emoção ~ o seu .signi-
J

te daquilo a que poderíamos chamar vida. Neste sentido, Proust


samente, de razão sem emoção' :;~a~ sem razao ou, mver- tem muito a ver com o teatro stanislawskiano que, de certo
temática pura. . o caos e a outra ma- modo, também é "memória".
Há muito de proustiano em Stanislawsky, e vice-versa. O
ator deve ter, durante os ensaios, todo o tempo necessário
À PROCURA DO TEMPO PERDIDO para, fazendo exercícios (especialmente os de memória emo-
tiva), reconquistar o "tempo perdido" , ordenar subjetivamente
~alei de Proust e convém desenvolver a experiência da personagem. Mas isso faz-lhe correr o risco
proust a ' outro conceito
1 no que muito útil nos foi nessa época e ue t de se afastar da experiência viva, quer dizer, da cena e dos
~;~:~: ; ~eatro emp~tico stanislawskiano: o qconc:~ q~: outros personagens e seus conflitos, que no teatro devem ser
e empo perdido", Para Proust ó ó . mostrados como atuais e não como recordações do passado.
tamos o tempo perdido (na vida) através da nm~~óri~ec~~qUlIS­ Trabalhei com um atar de imaginação tão rica que inclusive
que, enquanto vivemos - . 12 e e imaginava como deviam ser as outras personagens e relacio-
profundamente uma e;p~r~~n~~~o;o~a~:Z:~ode sentir ple~~ .e nava-se com as personagens tal como as via, sem se relacionar
~ssa experiência, a qual fica sujeita q'l podemos ?m~lr com os atores tal como ali se apresentavam. .. Essa hiper-
Imponderáveis A no bieti a rnr e uma Clfcunstanclas
tividade da re'aJidad ss~ su jetív ídads está escravízada à obje- trofia da subjetividade era visível e notável nos atores saídos
acidentes do amor e~e ~ _amamos uma mulher, tantos são os do Acto'rs Studio. Todos pensavam tanto, imaginavam tantas
fundamente a - q ao o podemos desfrutar e viver pro- coisas para cada frase, para cada palavra que diziam, que a
, nao ser quando na procura d t sua interpretação era extraordinariamente lenta e cheia de ações
o reencontramos na nossa me:nória N l?d ~mpo pe.rdido, e atividades laterais e secundárias. Ninguém respondia a uma
amor está misturado com coisas . a rea 1 .3. e objetiva, o pergunta sem antes acariciar o copo, coçar a cabeça, respirar
q ue se atrasa um encontro difi menos I
essencraís: um ônib
. I us
compreensões ' etc Mas d'cU toso, falta de dinheiro, in- fundo, assoviar, torcer o pescoço, olhar de soslaio, franzir o
sobrolho e então, finalmente, responder que sim ou que não.
memória, o ~pisÓdio ViVid~ua~o~ reconqu~s~amos, através da
tudo o que não Ih ' . emos purificar esse amor de Esse tipo de interpretação sobrecarregada de intenções chegava
perdido, vivê-lo e enraa mesesen~l~l, e assim reconquistar o tempo mesmo ao extremo de mudar o estilo da peça que de realista
'" mona. tornava-se expressionista: o tempo real era o tempo subjetivo
Isto, segundo Proust sucede - . . do personagem e não o tempo objetivo da inter-relaç ão de p~r­
amor passado, mas a toda a ex e ~ao . so !,e.latlvamente a um sonagens.
personagens S p rrencra VIVIda. Um dos seus Ao compreender isto, compreendemos igualmente que a
, wan, pensa estar completa e loucamente apai-
criação do ator deve ser, fundamentalmente, a criação de in-
46
47
v ontade _ O conceito fundamental para o ator não é o
ter-rel ação com os outros. Antes criávamos lagoas de emoção,
profundas lagoas emocionais, mas a empatia, a ligação emo- " " da personagem mas o " querer. "Não se deve perguntar .
ser
• mas o que quer A primeira pergunta pode conduzir
cional personagem-esp ectador, é necessariamente dinâmica. Um
excesso de proustianismo e de subjetividade pode levar à ruptu-
~u::'m~ção de lagoas de emoção , enquanto a s.gunda é essen-
ra das relações entre as personagens e a criação de lagoas de
emoção isoladas. Mas nós precisamos criar rios em movimento vontade == tese
dinâmico, e não a mera exibição da emoção. Teatro é conflito,
luta, movimento, transformação, e não simples exibição de es-
tados de alma. b verbo, e não simples adjetivo.
contro-von,ade . X / von'ad~ = ·\ese
Começamos então a dar mais valor ao conflito como fonte = an!lt.se ~ r{
de teatralidade : a emoção dialética. E verificamos que a emo-
ção dialética é a forma de "emitir" o que se poderia chamar
"sub-ond a". protagonista DOMINANTE
II Eu explico : os seres humanos são capazes de "emitir"
muito mais mensagens do que as que têm consciênci a de estar
emitindo. E são capazes de receber muito mais mensagens do
que as que supõem que estão recebendo. Por isso, a comuni-
II cação entre dois seres humanos pode dar-se a dois níveis:
consciente ou insconscientemente, quer dizer, em onda ou em e
D

.
Q.
"sub-onda", que é toda a comunicação que se processa sem
passar pela consciência.
a
3 J
Freqüentemente, um ator repre senta o mesmo papel da
~
n •
!! ~
mesma maneira em dois espetáculos consecutivos e pode acon- n e..
tecer que, num deles, os espectadores sejam totalmente apa- o
nhados pela empati a, e no outro não . Por que sucede isso?
g, ~.D X
Porque no segundo caso, a "sub-onda" do ator transmitia men- ~ vontade

sagens que nada tinh am a ver com as que ele transmitia em


== tese

II onda, isto é, conscientemente.


O que faz com que as mensagens em onda e em sub-onda
sejam absolutamente idênti cas é a concentração do ato r. Este
nunca deve permitir uma mecanização que o leve a fazer co.sas
sempre iguais enquanto pensa noutra coisa. A experiência teatral
deve ser de total e completa entreg a do ator à sua tarefa. cialmente dinâmica, dialética, conflitual e portanto. teat.ral. Mas
a vontade escolhida pelo ator não pode ser arbltrána, ant:'s
será necessariamente a concretização de uma idéia , a tr~du?ao
ESTRUTURA DlALHICA DA INTERPRETAÇÃO em termos volitivos dessa idéia ou tese. A vontade na,? ~. ~
idéia : é a concretização da idéia. Não basta querer ser. f;;~
Tenho que explicar agora cada um dos elementos de uma em ahstrato : é preciso querer algo que nOS faça fehz. ao
interpretação dialética tal como a praticávamos.
49
48
basta quer er " poder e glória " em geral : há que, concreta- idéias é o esqueleto. Por isso há que estabelecer qual é a idéia
mente querer matar o Rei Dunean, em circunstâncias muito central da peça ( ou do espetáculo ) e a partir da í deduzir as
co ncretas e objetivas. Portanto: IDÉIA = VON T ADE CONC RET A idéias centrais de cada personagem, de modo que essas idéias
(em circunstâncias determinadas). centrais se confrontem num todo harmônico e conflitual ,
( IDÉIA CEN T RAL = TESE X ANTÍTESE.)
Exercer uma vontade significa desejar alguma coisa a
qual deverá necess ariamente sef concreta . Se o ator entra 'em Ao ob servar a identidade idéia igual a vontade como cria-
~ena com desejos abstratos de felicidade, amor, poder , etc.. dora da emoção, devemos ter em conta que nem todas as idéias
ISSO de nada lhe servirá. Pelo contrário, terá que objetivamente são teatrais. Ou melhor: são teatrais todas as idéias "em si-
I que!cr deita~~se com fulana em circunstâncias concretas para tuação" e não na sua expressão abst rata . A idéia de que 2 vezes
III I entao ser fehz e amar. .e
a concreção, a objetividade da meta 2 são 4, por exemplo, pode não ser emocionante. Mas se to-
que faz com que a vontade seja teatr al. Todavia, essa meta e marmos essa mesma idéia em situação, quer dizer, na sua cem-
essa ~ontade,. d~~endo ser concreta s, devem ao mesmo tempo creção dentro de circunstâncias específicas, se a traduzirmos em
pass~1lT um significado transcend ente . Não bast a que Macbeth termos de vontade, poderemos chegar à emoção. Se se tratar
deseje matar Duncan e herd ar a sua posição. A luta entre de uma criança que procura desesperadamente aprender as
Macbeth e todo s os seus adversários não se reduz a lutas primeir as noções de aritmética, a idéia de que 2 vezes 2 são 4
psicol ôgícas entre gente que quer disputar o poder. Há um a pode ser emocionante como quando Einstein, com intensa von-
id éia supenor que está em discussão em toda a obra e que as tade e em circunstâncias especificas, descob re mar avilhado que
personagens concretizam nas suas von ta des: Du ncan significa E = me" é a fórmula da transformação da matéria em energia,
a legalid ade feud al, Macbeth o advento da burguesia nascente. coroando "concretamente" toda uma investigação científica
Um tem o direito pelo nascimento, o outro tem o maqui avé- "a bst rat a".
lico direito pelo seu próprio valor. A idéia central desta obra
Em resumo : toda idéia, por mais abstrata que seja, p0-
é a luta entre a burguesia e o feud alismo, e as vontades das
personagens concretizam esta idéia central. de ser teatral, sempre que se apresente na sua forma correre-
ta, em circunstâncias específicas, em termos de vontade. En-
Da idéia central da obra deduzem-se as idéias centrais de tão se estabelecerá a relação IDÉIA -)- VONTADE -)- E MQÇÂO
cada personagem. Neste caso, a idéia central da personagem, + FORMA TEATRAL; quer dizer, a idéia abstrata, transíor-
Lady Macbeth, por exemplo, é a afirmação da "virtú'" in- mada em vontade concreta em determinadas circunstâncias,
dividual (burguesia) contra os direitos de linhagem. A idéia provocará no atar a emoção que por si própria irá descobrir
centeal da personagem deve corre sponder ao "objetivo prin- a form a teatral adequada, válida e eficaz para o espect ador.
cipal" stanislawskiano : idéia e vontade são uma e a mesma O problema do estilo e outras questões surgem depoi s. Isto
COhd: a. primeira sob a form a abstrata e a segunda sob uma deve ficar bem claro : a essência da teatralidade é o conflito
aparencra concreta. de vontades. Estas vontades devem ser subjetivas e objetivas
Uma vez escolhida a idéia centra l da obra, deve a mesma ao mesmo tempo . Esta s vont ades devem perseguir metas que
ser absolutamente respeitada, para que todas as vontad es cres- sejam também subjetivas e objetivas, simultaneamente. Veja-
çam dentro de uma estrutura rigida de idéias. Est a estrutura de mos dois exemplos : uma luta de boxe é um conflito de vonta-
des : os dois antagonistas sabem perf eitamente o que querem,
sabem como consegui-lo e lutam por isso. No entanto, uma IUIa
,~ VIRTÚ - Te rmo util~za~ ~ p or Maquiavel pa ra designar a carac- de boxe não é necessariamente teatral. Também um Diálogo dr.
teristica que possuem certes indivíduos superdctados (referia-se aos bur- Platão apresent a personagens que exercem com intensidade as
gueses ) de conquistarem o próprio destino. Espécie de selj-made-man
da época . . . (N. do T.) suas vontades: pretendem uns convencer os outros das suas

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próprias opiniões. Existe aqui também um conflito de vontades zá-la, e não apenas ilustrá-la. Isso é importante para qualquer
Mas tam~~m aqui não se trata de teatro. Nem a luta de boxe personagem, até para se poder interpretar um Anjo medieval:
n~m o Di álogo de Platão são teatro. Por quê? Porque o con- há que observar a sua contravontade, a sua hostilidade para
flito ".0 pnmeiro caso é exclusivamente objetivo e no segundo com Deus. Quanto mais um ardor puder desenvolver a contra-
exclusIvamente subjetivo. Porém, tanto um como o outro podem vontade mais energicamente aparecerá a vontade. Reparem por
ser tornados teatrais. Por exemplo: o lutador quer vencer para exemplo em "Romeu e Julieta": não é possível encontrar dois
p~ovar alguma cois.a ~ alguém - neste caso o que importa não personagens que mais se amem, que mais se queiram, que me-
sao .os golP~s objetívos mas o significado desses golpes. O nos contravontade tenham : são pura vontade, são puro amor.
que Importa e o que transcende à luta propriamente dita. No se- Mesmo assim, analisem a fonte da teatralidade de suas cenas
gundo caso, quero lembrar aquele Diálogo em que os discí- e verão que existe sempre conflito; conflito deles com os outros,
pulos tentam convencer Sócrates a fugir e não aceitar o castigo, deles com eles mesmos, de um com o outro. Vejam por exemplo
a _morte. S~ vence~ o~ argumentos dos discípulos, S ócrates a cena do rouxinol e da cotovia: ela quer que ele fique, que
nao morrera. Se se impoem as razões de S ócrates, este deverá se amem uma vez mais; ele teme -po r sua vida, quer ir embora;
t~mar o. v~neno e. aceitar a morte. Neste 'Diálogo, tão filosófico, ela vence; ele quer ficar; agora ela já não quer.
tao subjetivo, reside no entanto um fato objetivo importante e
central: a vida de Sócrates. Insisto: se um atar vai representar o papel de Romeu deve
amar a sua Julieta, mas deve igualmente procurar a sua contra-
Assim, tanto a luta de boxe como uma discussão filosófica vontade: Julieta, por mais amorosa que seja, por mais bela,
podem ser tomados "teatrais".
não deixa de ser, às vezes, uma chatinha, uma menina irritante
Contr~vo:lIade :- Nenhuma emoção é pura, permanen- e boba . O mesmo deve pensar Julieta do seu Romeu. E, porque
~emen~e id êntica a SI mesma, O que se observa na realidade têm também tais contravontades, devem as vontades ser ainda
e pr_ecIsamente o contrário: queremos e não queremos, amamos mais fortes e deve o amor explodir com maior violência entre
e. nao amam?s, temos coragem e não temos. Para que o ator esses dois seres humanos de carne e osso, de vontades e con-
VIVa verdadeiramente em cena, é necessário que descubra a travontades,
contrav.onta~e •de. cada uma das suas vontades. Em alguns
c~sos, ISto e ObV1O: !'iamlet está permanentemente a querer O atar que usa só a vontade acaba ficando com cara de
~mgar a morte do pai e ao mesmo tempo não quer matar o parvo em cena. Fica igual a si mesmo o tempo todo. Ama,
no, quer ser e quer não ser, a vontade e a contravontade re- ama, ama, ama, ama ... A gente olha e lá está aquela cara
velam-se concreta e visivelmente ao espectador. O mesmo se amorosa ; cinco minutos depois, a mesma cara; segundo ato,
passa com Brutus, que quer matar Júlio César mas luta inte- segue igual. Quem se interessa em olhá-lo? O conflito interno
n?';lIlen~e com a sua contravontade, o amor que sente por de vontade e contravontade cria a dinâmica, cria a teatra-
J úlio ~esar. Macbeth quer ser rei, mas hesita em assass.nar o lidade da interpretação e o atar nunca estará igual a si mesmo,
seu hospede. porque estará em permanente movimento para mais ou para
menos.
Noutros casos, a contravontade não é tão aparente: Lady
Macbeth parece monomotivada e sem conflito interior' o Não se trata de procurar uma vontade contraditória den-
mesmo sucede com Cássio procurando convencer Brutus ' ou tro da personagem. 11 muito mais do que isso. Por exemplo:
com ~a~o ~m relação a Otelo. Seja, porém, qual for o ~rau não se trata de contrapor a vontade que lago tem de per-
de eVlde.ncla da contravontade, ela deve existir sempre, deve suadir Otelo a matar Desdômona, ao medo que ele sente que se
ser analIs~da pelo a.tor em ensaios especiais, para que este descubra o seu plano. Não, não é isso. Há que procurar todo
possa efelIvamente viver a personagem, aprofundá-la e reali- o amor por Otelo que existe em lago: o seu ódio também é
52 53
amor. A mesma emoção é dialética, não se trat a de duas emo- Dominante - Do conflito interior entre a vontade e a
ções que se contrapõem. O que não impede que , além da contravontade resulta sempre, externamente, uma dominante,
emo ção-ódio (ódio contra amor ) , coexistam outras : medo, etc. que é a vontade que se manifesta em conflito com as outras
MáS se também existe o medo, essa mesma emoção - medo personagens. Por mais que os atares devam procurar t.adas as
- , essa vontade de não fazer, deve ser dialética : assim. exis- vontades e contravontades nas suas personagens, deverao sem-
tirá também a coragem , a vont ade de fazer como contranvon- pre regressar à vontade dominante que é formada pelo conflito
tade Em termos gráficos vetoriais teríamos algo parecido com de todas essas vontades. Quando um atar desenvolve, em grau
o seguinte gráfico: extremo, as vontades interiores e não as exterioriza objetiva-
mente, corre o risco de subjetivar demasiado a sua personagem,
coragem torna ndo-a irreal. Quando um atar se compraz em most~ar a
vida interior da sua personagem, esquecendo-se da realidade
objetiva, quando o conflito entre a vontade e ~ contravontade

•lAGo passa a ser para ele mais importante que o confhto personagem-
personagem (quer dizer dominante-domina~te) acaba por
apresentar uma autópsia da personagem e nao uma persona-
gem viva, real , presente.
a O que me parec e realmente importante é que o atar
tenba tempo para ensaiar cada uma das suas vontades e con-
travontades isoladamente, a fim de melhor as compreender
DOMINANTE ~ e sentir, como um pintor que primeiro escolhe as c?r~.s isoladas
e depois as mistura na tela . As vont ades . (e as Id~las a que
respondem, bem como as emoções que ocasionam) sao as ~ores
do atar' ele deve poder conhecê-las, gozá-las , para depois as
usar . P~r isso fazíamos tantos exercícios de "motivação isol~~
da", Ucontravontade", "pausa artificial" upensamento c~nt.ra.
rio", "circunstâncias opostas" , etc., todos tinham por objetivo
proceder a essa análise. Mas devemos ter sempre presente que
em cada momento há uma dominante que se impõe, mesmo que
se trate de uma personagem tchekoviana, impressionista, feita
ódio de mil pequenas vontades e contravontades. Sem se, fortalecer
a dominante, torna-se impossível estruturar o espetaculo.
. Por
mais que se voltem para dentro, as personagens vivem para
É importante que os atares trabalhem sempre as suas per- fora. Por isso, a "i nter-relaç âo" é fundamental.
sonagens em termos de vontade e contravontade: este con- A dominante de cada personagem nas diferentes versões
flito fará com que o ator esteja sempre vivo, dinâmico em cena, de uma mesma peça dependerá naturalmente da idéia cen-
sempre em movimento interior; se não houver contravontade, tral que se estabelecer para cad a versão; mas todas as outras
o ator permanecerá sempre idêntico a si mesmo, sempre está- idéias possíveis poderão igualmente estar contidas, como von-
tico, não teatral.
tades complementares, dentro da personagem.
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Variação quantitativa e variação qualitativa - J:: a pró-
Um exemplo esclarecerá o assunto. De que trata a peça
Hamlet?
pria ação dramática, o movimento dos conflitos interiores e
exteriores. Um conflito é teat ral se está em movimento : por
De um problema psicológico familiar ou de um golpe isso o ator deve distanciar-se voluntária e emocionalmente o
de estado ? mais possível do ponto de chegad a; deve fazer a contrapre-
Qual é a idéia central? paração do que lhe vai suceder, para que a distância a per-
Ernest Jon es escreveu um livro sobre Homlet em que correr seja máxima, e o movimento também máximo . Para que
analisa a incapacidade dest e de se decidir a matar o rei Cláudio . lago tenh a por fim coragem de mentir a Otelo, é necessário
Segundo ele, há uma identidade entre Hamlet e Édipo. Hamlet, que a princípio a dominante seja o medo, pois do medo nas-
no seu subconsciente, queria matar o pai e casar com a mãe . cerá a coragem, que se fortalecerá : a contravontade (coragem)
Mas é outro homem que preci samente faz essas duas co.sas romar-se-á dominante . Esta mud anç a, esta variaçã o quanti-
que ele queria fazer. Hamlet identifica-se imedi atamente com tativa, torn a-se qualitativa.
esse homem, o rei Cláudio. Quando descobre que Cláudio é Este era. sum ariamente, o esquema utilizado pelos nos-
o assassino de seu pai, quer vingar-se, quer matá-lo . Mas sos atores do Teatro Arena, e estes os seus elementos básicos:
como fazê-lo? Isso equivaleria a um suicídio. O dever f.lial de Idéia Central da peça determinando a Idéia Cent ral da per-
vingar a morte do pai luta contra o medo de matar um sonagem, traduzid a esta em termo s de vontade que se dialeti-
homem com quem se identificou subconscientemente. E H amlet zava (vontade e contravontade); do conflito de vonta des nas-
adia a execução todas as vezes que tem oportunidade de jus- cia a ação (variação quan titativa e qualitativa ) . Este era, di-
tiçá-lo. Entretanto, já no final da trag édia, quando Hamlet des-
gamos, o Núcleo da personagem, o seu "motor". A explica-
cobre que a espada com que Laertes o feriu estava envenenada
ção dos exercícios, especialmente os de "aquecimento emocio-
e que morrerá fatalmente, então decide-se a matar Cláudio e nal", e os ensaios come sem texto, vão completar a compre-
fá-lo sem qualquer hesitação, nesse mesmo instante, como se ensão do método que utilizávamos. Por outro lado, o nosso
pensasse : "já estou morto, de modo qu e vou destruir com-
método "coringa", que passou a ser utilizado a partir da mon-
pletamente, nesse homem, o meu outro eu",
tagem de Arena Cdíifa Zumbi e que se car acteriz a principal-
Mas Hamlet também pode ser anali sado sob o ponto de mente pela socialização das personagens (todos os atores in..
vista do pais e não da família, podendo-se escolher para idéia terpretam todas as personagens, abolindo-se a propriedade pri-
central o golpe de estado plan ejado por Fortimbrás. vada das personagens por parte dos atores) , está explicado nos
As duas idéias centrais (e há uma infinidade de outras exercícios de "Máscaras e Rituais" e na seqüência dos "Pique-
possiveis ) são completamente diferentes. A que for escolhida pique". Os restantes capítul os, nomead amente o dos "Aqueci-
determin ará as idéias centrais de cada personagem e determi- mentos", servem indiferentemente para qualquer método ou es-
nará quais serão as dominantes, as vont ades, fazendo por sua tilo de interpretação.
vez com que todas as outras idéias e vontades possíveis apa-
reçam como contravontades. O amor de Hamlet por sua mãe Buenos Aires, maio de 1974
pode perfeitamente aparecer num a versão "golpe de estado"
da obra, assim como o ódio do povo aos seus opr essores ( entre
os qua is Cláudio ) pode aparecer num a versão psicanalitica.
J:: importante determinar, a partir da idéia central escolhida,
quais são as dominantes, reduzindo para segund o plano todas
as outras possibilidades, e não fazer uma salada de idéias , von-
tades e emoções.
057
056
pense nas ondas do mar. Devem fazer um som monótono co m
a boca durante a massagem.

2 . Desce-se o atar, que fica deitado, primeiro de costas e


depois de barrig a para baixo. Os restantes ata res massa-
geiam-no durante alguns segundos com movimentos r ítmicos
Jogos e Exercícios das mãos, com força igual, monotonamente, sem improvisação.
E importante que o ator massageado sinta a mesma pressão
sobre todo o corpo .

3. Rotação: com as mãos, o atar faz movimentos circulares


na pele do rosto, dos braços, das pern as, de todo o corp o.

4. O ata r faz movimentos com os braços e com cada perna


alternadamente, semelhantes aos movimentos que se fazem
quando se quer sacudir a água de cima ou espantar um de-
mônio, enquanto salta sobre a o utra perna.
I - AQUECIMEN TO FI SICO
5 . Os ata res põem-se em duas filas cada um frente a um com-
panheiro, que lhe massageia o rosto : primeiro co m movimentos
A morte endurece tod o o corp o, começando pelas arti- em cruz, enérgicos , sobre cada sobrancelha, de cada lado do
culações. Chaplin , o maior mímico, o bailarin o, já não pode nariz, no queixo, no pescoç o e sobre os ombros. Depois, suave-
dobr ar os joelhos. Assim, são bon s todos os exercícíos que mente, com movimentos circulares, nos mesmos locais.
dividem o corpo nas suas partes, nos seus músculos , e aqueles
em que se ganha controle cerebral sobre cada músculo e cada 6 . Quatro atares ficam diant e de outros qu atro. Um ato r
parte, tarso, metatarso e dedos , cabeça, tórax, pelve, pernas, vem corre ndo e joga-se no meio das du as filas. Os atares agar-
bra ços, face esquerda e direita, etc. ram rapidamente as mãos dos que estão em sua frente fa-
zendo assim uma cama para o atar que se atirou ao ar. De-
pois, levantam-no acima das suas cabeças e fazem com que o
A. Seqüência de massagem e deseontração corpo do atar dê voltas; este deve deixar-se manipular com
total confiança. Depois de algum as voltas, os oito atores jo-
1. Um atar, de pé, tenta descontrair-se e deixa-se cair sobre gam o corpo do companheiro para cima e recebem-no embaixo,
oito ou mais atores que o atiram ao ar. O ator deixa-se sus-
ao cair. Os atares devem todos se revezar neste exercício.
pender sem nenhuma reação, e os que o levantam no ar simulam
com as duas mãos o movimento das ondas do mar, movendo
7 . Um atar fica no centro de um círculo de companheiros.
constantemente as duas mãos para cima e para baixo. É im-
Fecha os olhos e deixa-se cair para qu alquer lado, mantendo
portante que as mão s dos atares de baixo toqu em a maior
o corpo duro. Os co mpanheiros seguram-no e devo lvem-no à
parte possível do corpo do atar que se descontrai e que este.
posição -central. Ele continua a se deixar cair, para a frente e
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Nota: É importante que o ator ao inspirar retese todo s os
para tr ás, para a direita e para a esquerda e os companheiros músculo s e ao expirar os rela xe. A respiração deve ser um
continuam a devolvê-lo à posição centra l. Os pés do ator não ato de todo o corpo. Todos os músculos devem reagir à en-
devem sair do centro do círculo, nem o seu corpo deve-se trada de ar no corpo e à sua expulsão ; como se o ator pudesse
dobrar. sentir o oxig ênio circulando por todo o co rpo , através das ar-
térias, e o anidrido carbônico sendo expulso através das veias.
8 . Um ator deita-se de costas sobre as costas de um comp a-
nheiro que se inclina. O ato r deita-se com suas nádegas acima 4 . I NSPIRAR - lenta e totalmente pela narina direita e expe-
das do comp anh eiro que o sustém . O de baixo começa a subir rar pela esquerda; depois inverter.
e baixar o corpo, de modo a balançar leve e suavemente o que
está deitado, que deve sentir- se como boiando nas ondas do 5 . C OM VIOL ÊNCIA - depois de ter inspirado lentamente todo
mar. o volume de ar possível, expulsar todo o ar de jorro pela boca.
O ar pro duz um som semelhante a um grito agressivo. Fazer
No ta: a massagem deve ser sempre feita por um companheiro, o mesmo expelindo energicamente o ar pelo nariz, depo is de
já que significa um sinal de aceitação . "Se alguém me cuida ter inspirado o máximo possível.
é porq ue me aceita."
6 . INSPIRAR LENTA ME NTE - ao mesmo tempo que se le-
vanta m os dois braços o mais alto passivei e se apóia O corpo
R ESPIRA ÇÃO (são exercícios vulgarmente utilizados no yoga ) na ponta dos pés; depois , também lentamente, expirar enqu an-
to se retoma a posição estática norm al e se encolhe o corpo
1. D EITAI:;O I:;E COSTAS - completamente descont raído : até ocupar o menor espaço possível.
a) O ator põe as mãos sobre o abd ômen, expele todo o 7 . D ECIDIDA E ENERGICAMENTE - inspirar e expirar segundo
ar dos pulmões e lentamente inspira, enchendo o abd ômen até um ritmo predeterminado, que pode ser o do coração, o de
não poder mais; expira em seguida; repete lentam ente esses uma música (com percussão bem audível) ou um ritmo di-
movimentos diversas vezes ; tado por um companheiro .
b) Fa z o mesmo com as mão s sobre as costelas, enchendo 8 . C OM GRANDE RAPIDEZ - o ator procura inspirar o máximo
o peito, especialmente a parte de baixo ; pratica o exercício di- de ar possível e em seguida procura expeli-lo também com a
versas vezes. máxima rapidez.
c) idem, com as mãos sobre os omb ros ou para cima , Todo o elenco pode praticar este exercício com o en-
tent and o encher a parte superior dos pulmões ; cenador dando o tempo para expirar e inspirar como se fosse
d ) faz as três respirações conjugadamente, sempre pela uma competição para ver quem consegue "movimentar" maior
ordem anterior. volume de ar nos mesmos segundos.
9 . COM GRANDE LENTIDÃO - o ator inspira e depois , emitin-
2 . I NCLI NADO PARA UMA PAREDE A P EQUENA DISTÃNCIA - do um som, expira de maneira que esse som se ouça durante o
apoiando- se com as mãos, faz os mesmos movimentos; depois máximo de tempo possível.
repete tudo , apoiando-se nos cotovelos.
I C. R ESPI RAR PELA BOCA - com os dentes cerrados, profun-
3 . PA RADO EM POSIÇ ÃO VE RTI CAL - O ata r faz os mesmos damente, expir ando pelo nariz.
movimentos respiratórios.
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11 . PANELA DE PRESSÃO - com as narin as e a boca tapadas
fazer o máximo esforço para expelir o ar. Quando já não se
agüente mais, destapar o nariz e a boca.

12 . Dois grupos de ator es : o primeiro grupo canta um a mú-


sica e o segundo grupo acompanha com a respiração, mar-
cando o ritmo com a respiração, inspirando ou expirando. No
começo, as músicas devem ter um andamento mais ou menos
lento, para maior facilid ade . Depois, o andamento pode ser
mais rápido. Pode chegar mesmo a ser o Tico-Tico no Fub á,
que é extrem amente difícil de acompanhar na respiração rítm i-
ca. Mas, repito, deve sempre começar com músicas fáceis:
Danúbio Azul por exemplo,

13 . Um círculo de atores expira fazend o um ruído (Ah!) e


deixa-s e cair como se estivesse se desinflando, e relaxa-se com-
plet amente sobre o solo.

14 . Um ator como que "destapa" o corpo de um companheiro


como se este fosse um boneco inflado de ar. A parte desta-
pada pode ser o dedo, o joelho , a orelha, etc. O ator " desta-
pado" procede como se estivesse sendo "esvaziado" de ar ex- 2 . Sem mexer o resto do corpo, O ator move o pescoço e a
pira todo o ar e se desinfla simulta neamente, caindo no chão, cabeça para tr ás, o mais que puder ; é sempre conveniente a aju-
como um boneco de borracha vazio. Depois, o companheiro da de um companheiro que, com o seu ded o, indique o movi-
faz movimentos e ruídos de quem está enchendo o seu corpo mento, que deve ser sempre reto e horizontal.
co~ uma bomba de ar e o ator vai inspirando a cada, golpe e
3. O ator move o pescoço para a esquerda, pondo a cabe ça
reinflando-se,
sobre o ombro esqu erdo, como se fosse um chapéu. O com-
panhei ro pod e ajudá-lo tocando-lhe na orelha com o ded o.
B . Seqüência de horizontais e verticais Para facilitar, o ator pode apertar as mãos em cima da sua
cabeça e tentar tocar o cotovelo com a orelha.
HORIZONTAtS
4 . Idem para a direita.
I . O ator, sem mexer o resto do corpo (que deve perma-
necer rígido) move apen as o pescoço e a cabeç a para a frente ; 5 . T odos os movimentos anteriores devem ser retos e hori-
um companheiro pode ajudá-lo toca ndo no seu nariz e logo zontais, isto é, o nariz move-se paralelamente ao solo, sem
afastando o dedo: o nariz deve tent ar seguir o dedo até onde CUrvas. Agora o ator move o pescoço circularmente, tentando
puder, o mais afastado possível do corpo. O movimento dá-se tocar novamente os pontos extremos que tenh a alca nçado para
no mesmo nível horizontal. a frente e para trás, para a esquerda e para a direit a, em mo-

63
62
vimentos circulares, não retas . fi importante que os olhos fi- a cabeça move- se "um espaço" para a esquerda ou recua todos
quem olhando fixamente para um ponto, que todo o movimento os espaços (o retrocesso do rolo), retrocesso (um espaço para
seja feito pelo pescoço e que a cabeça se mantenha sempre a direita ) , maiúscula (a cabeça sobe), tecla vermelha (a ca-
à mesma distância do chão, sem inclinar para baixo ou para beça corre para a esquerda ) .
cima.
21. M ARIONETE - Os atores ficam de frente uns para os
outros em duplas. O que lidera "esculpe" a imagem que deseja
com o corpo do liderado. Quer dizer, ele faz de longe os movi-
mentos necessários para que o corpo do liderado assuma as
posições que ele deseja. Procede exatamente como um escul-
tor, com a única diferença de que não toca o corpo do com-
panheiro - este, no entanto, deve reagir como se estivesse
sendo tocado.
6, 7, 8, 9, 10. .Exatamente o mesmo para o tórax. fi im-
portante que o tórax se mova integralmente para a frente e 22. MARIONETE - Exatamente o mesmo, com a diferença
para trás, para a direita e para a esquerda, e que se encha de que o líder esculpe simultaneamente dois, três ou mais com-
durante a respiração. Por isso se aconselha a inspirar quando panheiros, fazendo uma série de esculturas, ou uma escul-
o tórax vai para trás, e expirar quando o tórax vai para a tura complexa.
frente; isto é, o contrário do habitual.
11, 12, 13, 14, 15. Exatamente O · mesmo para a pelve. 23 . M ARIONETE - O mesmo anterior, com a diferença de que
o líder procede não como um escultor mas como uma pessoa
16. MARIONETE - Um ator pega num companheiro pelo co- que manobra uma marionete, utilizando os fios. As respostas
larinho da camisa e este deixa cair livremente a cabeça como do liderado devem igualmente ser as de uma marionete e não
uma marionete. O companheiro toca-lhe na cabeça, que se as de uma estátua.
deve mover exclusivamente pela força da gravidade.
17 . M ARIONETE - Idem, cabeça e braço direito. As restan- VE RTICAIS
tes partes do corpo permanecem rígidas. O braço direito e a
cabeça devem estar completamente soltos, obedecendo ape- I . O ator, sentado no chão com as pernas e os braços em ân-
nas aos impulsos do companheiro e à força da gravidade. gulo reta em relação ao resto do corpo, divide-o "vertical-
mente" em duas partes, cada uma com um braço, uma perna}
18 . MARIONETE - Idem, mais o braço esquerdo. um ombro, metade da cabeça, da pelve e do tórax. Assim,
19. MARJONETE - O companheiro pega-lhe pela cintura e "caminha" sobre ° traseiro, inclinando primeiro a parte di-
toda a parte superior do corpo do ator se afrouxa, deixan- reita do corpo para a frente e depois a parte esquerda, se-
do-se cair. parando o mais possível as duas partes.
Depois de ter dado alguns "passos" para a frente, sempre
20 . O ata r improvisa com estes movimentos básicos. Por exem-
com os braços e as pernas esticados, o atar recua.
plo - uma máquina de escrever: as mãos tocam nas teclas e
65
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2 . Exatarnente o mesmo com o atar deitado no chão, com 3 . Alternar movimentos redondos e movimentos retilíneos.
os braços e as pernas esticado s em linha reta, paralelos ao
corpo. "Corre" para a frente e para trás.

3 . Deitado no chão, o atar move-se para a direita e para a


esquerda.

C . Seqüincia de movimentos retilineos e redondo s

1 . O atar caminha com movimentos exclusivamente retilíneos


de pernas, braços e cabeça, como se fosse um robot. Os mo-
vimentos devem ser bruscos sem ritmos definidos, inespera-
dos, surpreendentes. O movimento pendular dos braço s não
serve porque é circular. Todas as partes do corpo devem mo-
ver-se. Neste caso os atares são quase sempre levados a fazer
os movimentos bruscamente e isso deve ser evitado. Apesar 4 . A parte direita do corpo faz redondos e a
de retas os movimentos podem ser suaves, delicados. Devem parte esquerda retilíneos. Após a trocam .
ser. Os movimentos retas são melhor executados se o atar
tiver a consciência de que devem ser paralelos às paredes, ou
ao chão, ou ao teta ou a qualquer diagonal da sala.

2 . O ata r caminha com movimentos redondos (circulares,


ovais, helicoidais, elipticos, etc. ) Os braços rodam enquanto
se movem para a frente e para trás, enquanto sobem e des-
cem; a cabeça deve descrever curvas em relação ao chão, su-
bindo e descendo, sem se manter nunca ao mesmo nível. As
pernas e todo o corpo sobem e descem. O movimento deve ser
contínuo, suave, rítmico e lento. Os atares devem repetir di-
versas vezes os mesmos movimentos, procurando estudar (sen-
tir) todos os músculos que são ativados e desativados na reali-
zação desses movimentos. Só depois de terem bem estudado
(sentido) um movimento é que se deve passar a outro, igual-
mente redondo . c importante que todo o corpo se ponha em
movimento: cabeça, braços, dedos (que não devem nunc a ser
mantidos cerrados), tórax, quadris, pernas, pés. O exercício 5 . A parte superior do corpo descreve mo ent re ondas
deve ser feito suavemente, sem violência, com prazer, quase e a parte inferior , da cintura para baixo, retilíneos . Após alguns
sensualmente. Não deve doer nunca: deve aquecer. minutos, trocam.
66 67
6 " Tod as as vari ações possíveis, com todas as partes do corpo até que o movimento cessa, quando o formato do corpo se
que o atar tenh a conseguido dominar e separar. parece com o de uma bola. Faz-se depois o mesmo movim ento.
mas ao contrário .
7" O ata r caminha separando o mais possível todas as partes
do corpo, esticando até ao limite extremo a cabeça, os braços
e as pernas, tentanto sentir a divisão vertical de todo o co rpo.
Cami nha sobre a ponta dos pés com movimentos sempre retas.

- 8. Os atores realizam
"marcha atrás".
todos os exercícios ant eriores em

D . Jogos e exercícios de aquecimento físico sem sequ ência

I. MÚStCA E DANÇA - Alguns ritm os, especialmente brasi-


leiros de origem africana, como o samba , a batucada, a ca-
poeira (só com movimentos circulares e quase sempre em
mar cha atrás ) são excelentes para estimular todos os músculos
do corpo. Também se pode pôr a fita de um gravador numa
velocida de superior àquel a em qu e foi gravada. Iô importante
que em todos estes exercícios de aquecimento sempre se co-
mece lentamente. Pouco a pouco os exercícios poderão ser
A seguir começa a fazer movimentos circulares, lenta- feitos co m maior intensidade. Éimportante que praticar estes
mente, e a encolher o corpo, aproximando todas as suas partes, exercícios seja gostoso. é impo rtante sentir prazer e não dor.
"68 69
2. RODA DE RITMO E MOVIME NTO - Os atares formam um cício enquanto se recita o texto, co mbinando-o co m exercícios
círculo; um deles vai ao centro e executa um movimento qU 3I- de aquecimento emociona l.
quer, por mais insólito que seja, acompanh ado de um som e
dentro de um ritmo que ele próprio inventa. Todos os ata res
o seguem, tentando reproduzir exatamente os seus moviment e s 5. J OGO DE RIT MO E MOVIM ENTO - For mam -se du as equ ipes.
e sons, dentro do ritmo. O ata r desafia o utro, que vai ao cen- A primeira, a um sinal, começa a fazer individualmente todos
tro do círculo e lentamente muda de movimentos, de ritmo os tipos de sons e movimentos rítmicos que lhe ocorrem . Todos
e de som. Todos seguem este segund o atar, que desafia um os componentes desse grupo têm 30 segundos para unificar
terceiro e assim sucessivamente. os seus movime ntos, ritmos e sons. Se ao fim desses 30 se-
gundos o grupo adversário considerar que estão todos fazendo.
3 . R ODA DE A NIM AIS - Os ata res andam em círculo e len- uniformemente , a mesma coisa, começa a fazer o mesmo que
tamente começa m a transformar-se em animais, segundo uma o primeiro grupo fez. Se considerar que não, denuncia ao ju.z
seqü êncía pr eestabelecida : macaco, cegonha , canguru, g.rafa, os que não estão conformes. Se o juiz estiver de acordo, perdem
cobra, gato, leão, tigre, etc. A tra nsformação começa pel as e saem os que faziam movimentos irregulares. Mas se o juiz
pernas, depois o tronco. as mãos. a cabeça. a cara e a voz. não está de acordo, o primeiro grupo tem o direito de elim .nar
um atar do segundo, à escolha. Uma vez inte rrompido o jogo .
recomeça-se da mesma maneira. Se não se interrompeu (se
não houve denú ncia ao juiz ) , o segundo grupo começa a imi-
tar o primeiro, tendo também 30 segundos para unificar mo-
vimen tos, sons e ritmo.

6. RITM O - Todos os ata res iniciam juntos um ritmo, com


a voz, as mãos e as pernas; após alguns minutos mudam len-
tamente, até que um ritmo novo se 'impõe e assim sucessiva -
mente durante vários minutos. VARIANTE: cada ator faz um
ritmo isolad amente até que todos se unifiquem num único ritmo.
OU TRA VARIAN T E: - Todos os atares com eçam, a um si-
nal dado, a fazer um ritmo próprio, e também um movimento
que acompanha esse ritmo. Depoi s de alguns minutos tentam
aproximar-se un s dos outros segundo as afinida des rítmi cas.
Os ata res com maiores afinidades vão homogeneizando os seus
ritmos até que tod o o elenco estej a pr aticando o mesmo ritmo
e o mesmo movimento. Po de acontecer que isso n ão suceda.
Nesse caso, não é importante , desde que os grup os formados
4 . Q UEIMA DA - Divide-se o elenco em dois grupos, e com tenham seus ritmos e movimentos bem definidos.
uma bola cada grupo tent a, um de cada vez, tocar em qu al-
quer elemento do grupo cont rá rio. O que for tocado, per de e 7. So M E MOVIMENTO - Um gru po de ata res emite com a
reti ra-se (o u troca de grupo). Cost uma-se faze r este exer- voz um determinado som ( que pode ser de anim ais, folh a-
70 71
gem , rua, fábrica) enquanto outro grupo faz movimentos re -
lacionados com os sons, como se fossem a visualização dos
sons: isto é, se o som é miau, a imagem não será necessaria-
mente a de um gato, mas sim a visu alização que o atar tem
desse som especial.

8 . MARIONETE À DISTÂNCIA - Um atar, a um metro de d os-


tância de outro, faz movimentos como se estivesse tocando o
companheiro. O segundo atar deve realizar todos os movimen-
tos compensatórios como se estivesse sendo efetivamente to-
cado , como se fosse uma marionete obediente : levantar as
·mãos, caminhar, baixar a cabeça, levar um mUI ro no estôma -
go, abrir a boca, deitar a língua de fora, etc. Ex atamen te
como se o outro o estivesse a m anejar,
b ) Futebol, basqu etebol , voleibol , etc . - Du as equipes,
sem utili zar bola , disputam uma partida como se a tivessem .
9 . VARIAÇÕõS CA MARIO" ETE - T a refas que são realizadas
O diretor-juiz da pa rtida deve observar se o movimento ima-
como se os atores se estivessem tocando mutuamente: ginário da bola coincide com os mov imentos -reais dos atares,
eliminando os que co me tem erros. Qualquer outro despert e co-
letivo pode ser praticado ne ste tip o de exercício : p ingue-po n-
gue, etc.
c ) Cena de amor - Co m o casal se parado , mos reagindo
imed iata mente a cad a carinho dist ante.
d ) Tortura - Com torturado , torturadores distantes.

I'

a) Luta de boxe - Os pugilistas lu tam sem se toc ar,


sentindo e refletindo a violência contida nos seus atas.

72
e ) Farwest - Uma cena completa de [arwest, em que
os atores improv isam vaqueiros, moça s que dançam e servem
à mesa, pianistas, moço s. chef es de po lícia, etc., numa clás-
sica cena de violência, com mesas que se de rruba m e garrafas
que voam, tudo sem objetos reais e sem que os atores se
toqu em,

f) Estender um coberto r - Sem o cobe rto r, coordenar


os movimentos. No mesmo gênero : puxar por uma co rda
grossa , duas equipes, um a de cada lado; pux ar por uma rede
cheia de peixes do mar; transpo rtar um piano sem o piano;
virar um automóv el na rua sem o automóvel, e assim uma
infinid ade de out ras var iações.

g) Os atares dançam em pares; depois se afasta m uns


dos outros e continuam dançando co mo se estive ssem ainda
enlaça dos . 10 bom que alguns compa nheiros ajudem, canta ro-
lando a música.

Este tipo de exercicr os tamb ém pode ser pra ticado de b) Hipnotismo com as mãos e os pés - Co mo os an-
outra forma, com o efeito anterior à ca usa : a dor do murro teriores, com quatro atares, cada um em cada pé e em cada
antes do murro . Estes exercícios são muito úteis para os espe- mão do ato r qu e dirige. Este pode fazer qualquer movimen to,
táculo s concebidos com o sistema "coringa", inclusive dançar, cruzar os braços, dar voltas com o corpo pelo
chão, saltar, etc.
1O. HIPNOTISMO - Um ator põe a mão a pouco s centímetros /'
da cara de outro e este fica como que hipnoti zado, deve ndo 11,. GA NHA o Ú LTIMO - Uma corrida em câmara lenta, em
mant er a cara sempre à mesma distânci a da mão do hipnoti- qúe ganha o último a chegar. Uma vez co meçada a corrida,
zador. Este inicia uma série de movimentos com a m ão, para os atares não podem interromper o movimento, mas devem
cima e para baixo, fazendo com que o compa nheiro faça com fazê-lo o mais lentamente possível. A distância das pernas em
o corpo todas as contorções possíveis a fim de mant er a mesma cada passo deve ser a maior poss ível. Este exe rcício , ' que ne-
distância. A mão hipnotizadora pode mud ar , par a fazer, por cessita de grande equilíbrio, estimula todos os músculo s do
exempl o, com que o atar hipnotizado seja forç ado a pa ssar corpo . O pé deve cruzar pela o utra perna sempre po r cima
por entre as pernas do hipnotizador. da altura do joelho. 10 necessário também que, qua ndo o pé
se adianta, o ata r não a recolh a; pelo co ntrário, ao adiantar-se,
a ) Hipnotismo com as du as mãos - Como o anterio r: o pé romperá o equilíbr io do corpo fazendo com que o corpo
o atar que dirige segura rá dois dos seus colegas, um em caia para diante . Deve-se ouvir a patada no chão . Outra coisa:
cada mão, e poderá fazer to do o tipo de movimentos; os co- os do is pés não po dem nunca ficar simu ltaneame nte no solo :
legas devem manter invariável a distância entre os seus na- assim que o pé direito cai , deve subir o esque rdo e vice-versa
rizes e as mãos. - sempre um só pé no chão.
74 75
ator sentado em cima desse pé como se estivesse a escrever:
ombro e cabeça, com O ator em posição vertical em "L", etc.
O atar deve preocupar-se em desenhar figuras com o
corpo. Podem utilizar-se todas as posições de yoga, mas o ata r
deve mudar de posição sempre com a máxima lentidão.

12 . "REVIRAVOLTA DE CARNEIRO" - Dois atares juntam as


cost~s, agarram-se pejos braços, e muito lentamente dão uma
"reviravolta de carneiro", primeiro um, depois o outro, sobre
as costas do companheiro.

13. DANÇA DE COSTAS - Dois atares juntam as costas e dano


çarn. Um coma~d.a o movimento, enquanto o outro o segue.
Com ou sem musica,

14 . RODA MÁXIMA E MíNIMA - Os atares dão as mãos e


formam uma roda. Depois distanciam-se, com as mãos o mais
agarradas possível, até que os dedos apenas se toquem, en- 16 . MENOR SUPERFÍCIE COM DOIS o u MAIS ATaREs - O
quanto os corpos fazem um esforço contrário para se sepa- mesmo exercício mas com dois ou mais atares em conjunto.
rarem. Depois de algum tempo, os atares fazem o contrário e Parte da superfície (a menor possível) deve tocar o corpo
tentam ocupar o menor espaço possível, juntando-se todos ao do companheiro e apoiar-se nele. Depois 4 a 4, e finalmente
centro. Este exercício pode ser combinado com um exercício todo o elenco: todos os atares se tocam, tocando no chão o
de V?Z, no qual os atores emitem sons que exprimem os seus menos possível. Neste exercício (como em todos os demais exer-
desejos de se tocarem, enquanto se separam, e de se separarem, cícios fisicos ) deve ser ab solutamente proibido falar, dar su-
enquanto se tocam. gestões ou fazer pedidos: a comunicação deve ser exclusiva-
mente muscular. A s pessoas se comunicam através dos mús-
15: A ME~o~ SUPERFÍCIE - Cada atar estuda todas as ma- culos : pedem e sugerem, consentem ou recusam, sempre atra-
neiras possl~els de as mais pequenas áreas do seu corpo to- vés dos músculos. Falar, mesmo baixinho, é extremamente pre-
c~rem o ch~o, . altern~ndo as possibilidades, Por exemplo : os judicial. Também não se deve procurar fazer nada heróico. No
p:s e as maos, um pe e uma mao; o traseiro; o peito e um entanto, deve-se procurar fazer todo o possível. Pode-se até
pe, etc. fazer esculturas de três níveis. Isso porém, só com absoluta
. e importante que a mudança de uma posição para outra segura nça. Este exercício é melhor praticado em grama ou
seja o mais lenta possivel a fim de estimular melhor os mús - areia. Devem-se tomar todas as precauções: os mais leves,
culos que intervêm. Outras posições: apenas um pé, com o devem subir de preferência sobre os mais fortes e pesados.
Repito: nada de heroísmo, porém, dentro do possível, tudo!
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barriga para fora, o outro põe-na para dentro, se um se enco-
lhe o outro agiganta-se, etc.

18 . DIVIDIR O MOVIM ENTO - Divide- se um movimento con-


tínuo (a nda r, por exemplo) , nas suas pa rtes : primeiro um a
perna; parada; depois o braço; parada; a outra perna; para-
da; etc.

19 . DESCOORDENAÇÃO DE MOVIM ENTOS COORDE NADOS - A


coordenação de movimentos endure ce os r- úsculos e determina
a máscara física. Neste exercício, o ator estuda os seus movi-
mentos , descoorden ado-os: os bra ços separados das pernas ao
andar; uma perna co m um ritmo diferente da outra; uma mi o
gesticulando o con tr ário da outra ; a mão descoorden ada da
boca que se abr e para receb er os alimentos; o dedo qu e se le-
vanta antes que se abra a boca para pronunciar um discurso ;
os braços fazendo o movimento de equilibrar as pernas que se
cruzam, mas não ao mesmo tempo , etc.

20 . CORRIDA COM AS PERNAS CRUZADAS - Dois ata res, em


posição hori zontal, abraçam-se pela cintura e cruzam as per-
nas que se toc am , leva nt ando-as pa ra que não se apó iem no
chão . Depois começam um a co rr ida em que cada um deve
considerar o corpo do co mpanheiro como se fo sse a sua pr ópria
perna: deve mexer esse corpo como mexeria a sua perna. Não
se deve saltar, mas sim andar, um ator com a perna direita
e o outro com a esquerda.

21. CORRIDA DO MONSTRO DE Q UATRO PATAS - Os atores,


aos pare s, ab raçam- se corpo a corpo, um de pé e o outro de
cabeça para baixo, de tal maneira qu e as cabeças fiquem '
abraçadas pelas pernas do s companheiros, formando assim uma
í.gura monstruosa de quatro patas: Inicia-se uma corrida em
que os pares funcionam como rodas.

22 . CORRIDA DO CANGURU - Ca da ata r abaixa-se agarr an do


os torn ozelos com as mãos. Começa um a corrida, dando saltos
como os cangurus.
17 . COMPLETAR O ESPAÇO VAZIO - Dois ata res estão frente
3. f~ente . Um deles mexe-se e o outro completa o "espaço va- 23. CORRIDA OU BAI LE COM UMA MAÇÃ - Aos pares, os
ZIO ; se um recua a mão, o outro avança a sua, se um põe a ate res seguram uma maçã ou uma bola entre as cabeças; per-
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dem os que a deixarem cair, ganha o primeiro a chegar ou "Lá vai uma
o último a desistir. lá vão duas
três pombinhas a voar! (Aqui não se passa o sapato -
24. CORRIDA COM PES E MÃos - Cada atar põe-se a quatro apenas batem com o sapato em
patas e inicia-se uma corrida (idem em marcha atrás). frente ao companheiro, mas cada
um volta com o seu pr óp rio. Só
25 j CORRIDA DE PÉs AGARRADOS - Cada atar agarra os pró- passa na última.)
prios pés com as próprias mãos e assim corre, primeiro para Uma é minha
frente e depois para trás. outra é tua
outra é de quem apanhar!" (Mesmo processo. )
26 . JOGO DO ALHO - E um jogo português. Um atar (cha-
mado "a mãe" ) fica encostado numa parede. Cinco outros fi-
Em geral os sapatos se acumulam diante dos ateres qu e
cam de frente para ele, em fila, e cada um mete a cabeça
se equivocarem. Esses são eliminados e o círculo diminui. Cada
emb aixo das pernas do que está em frente, de modo que fazem
atar que sair leva consigo o seu sapato, para que fique sempre
como uma figura de cavalo. O que está mais próximo à "mãe" igual o número de sapatos e de pessoas.
mete a cabeça emba ixo do braço da mãe . Começa o jogo quan-
do os demais atares tomam uma certa distânci a e atiram-se 28 . RITMO COMO DIÁLOGO - Formam-se duas equ ipes, cad a
sobre o cavalo de cinco corpos, procurando chegar o mais um a com um líder e começa o jogo. O líder faz um ritmo quatro
perto possível da mãe. Cai e aí fica. Corre o segundo atar e vezes, dirigindo-se ao líder adversário, como se estivesse falando
atira-se e fica tamb ém onde cai. Quando cinco atares tiverem com ele; seus liderados repetem a mesma coisa três vezes.
já saltado (pode ser qu e algum tenha caído ao chão ) a mãe E: então a vez do líder adversário responder com outro ritmo
começa a balan çar os corpos dos qu e est ão emb aixo a fim de e outro movimento: logo depois da primeira vez os seus lide-
fazer com que os de cima caiam. rados repetem três vezes mais, como se estivessem respondendo
Exi stem muitas variações do jogo do alho. Em geral, cada aos liderados da equipe oposta. O ritmo e o movimento devem
corredor avisa gritando "Lá vai alho!" A "mãe" também pode ser usados como diálogo, como se as pessoas estivessem real-
ordenar qualquer coisa : rin do, chorando, gritando, etc. e todos mente falando umas com as outras. Cada frase musical pode
os saltadores devem saltar fazendo o que mand a a mãe. Po- ter a extensão que for, umas longas outras curtas, umas mais
dem-se igualmente forma r du as equ ipes e ganh a a equipe que complexas outras menos.
puder conservar maior número de salt adores em cima do
"cavalo". 29 . RITMOS E BOLAS - Cada atar imagina uma bola de um
tam anho determinado e de uma mat éria determinada. Por exem-
27. RITMO COM SAPATO - E um a brincadeira infantil mu ito pIo: um a bola de pingue-pongue, um a de futebol, um a de ferro ,
útil para coordenar elencos. Os atares sen tam-se no ch ão, em grande, ou tra de plástico, etc. Depoi s imagina o ru ido dessa
círculo, cada um com um sap ato diante de si e começam bola , o seu ritmo: batendo no chão, jogada pra cima , ou con-
a canta r uma mú sica bem conhecida por todos, marcando bem tra a parede, etc. Depois de praticar cada um com a sua própria
o ritmo, a cadência, e em cada momento passando o seu sa- bola com eçam a trocar as bol as uns com os outros, o que signi-
pato par a o companheiro qu e está à sua dir eita, meno s em fica troca rem os movimentos que fazem com cada bol a e o
certos momentos convencionais. Por exemplo : ritmo de cada uma.
80 81
E. Relacionamento com o mundo exterior da outra fila, cada qual os do ator que está na sua frente .
Depois os atores separam-se e os "cegos" tentarão descobrir,
I . I MAGEM DO GRUPO - Cada ator, utilizando os outros ata- tocando os rosto s e as mãos- de todo s, qual o ator que estava
res, faz uma escultura que pretende refletir a sua opinião acer- na sua frente.
ca das relações dentro do grupo. Aquilo que permanecer cons-
tante em toda s as esculturas será uma espécie de superobjeti- J
4. CEGO COM BOMBA - Um ate r com os olhos tapados Ima-
.
vidade. Pode-se escolher, cada vez que se faça o exercício , um gina que rebentará uma bomba se permanecer mais de um se-
atar par a ficar em evidência, à volta do qual ficarão todos os gundo em contato com alguém . Os restantes atores rodeiam-no.
outros. O ator em evidência "sentir-se-a" na posiç ão de cada Quando toca em alguém, o "cego" deve afastar-se o mais ra-
um dos seus companheiros, assumindo a posição deles em cada pidamente possívei. Este exercício desenvolve extraordinaria-
escultura. Exemplo: uma atriz tinha o costume de falar " por mente os sentidos.
cima" dos outros. Esta característica apareceu nas esculturas
que se fizeram dela; depois, ela própria se põs no lugar dos
outros para avaliar como eles se sentiam.

2 . VARIAÇÕES DA ESCULT URA

A ) O ata r faz a escultu ra de um dete rmi nad o tem a (a


sua cidade, o regime político atual, a sua esco la ou fábrica,
etc.); seguidamente, deve fazer a escultura de como sen a esse
lema idealmente; depois deve fazer a escultura da transição pos-
sível entr e a primei ra imagem ( rea l) e a segunda (ideal).
Todos devem partic ipar na discussão das imagens da transi-
ção , mas sem falar; cada qual fazendo as modific ações que
lhe pareçam necessá rias na primeira imagem, para que seja
possível cheg ar à segunda ; deve-se formar uma verdadei ra
assembléia de escultores, sempre sem falar, mostrando as suas
opin iões apenas através das imagens propostas .

B ) A um sinal do encen ado r, cada ator que part icipa na


escultur a é autorizado a executa r um gesto e só um: isso faz
com que a escultura adquira vida pró pria e se modifique rumo
a uma imagem ideal determinada, não por um escultor a partir
do exterior, mas sim por decisão das próprias "estátuas"; quer
dizer, o próprio comp lexo de conflitos move-se em direção a
um a nova estabilid ade. E sta variação é a estátua animada. 5. ATMOSFERA DE NEVE - Um ator imagina que a atmosfera
é manejável como se fosse de neve e faz uma escultura no ar.
3 . FILA DE CEGOS - Duas filas de atores; uma com os olhos Os outros observam e devem descobrir a natureza do objeto
fech ado s pr ocura sentir, com as mãos, O rosto e as mãos dos que foi esculpido. Não se trata dum jogo de mímica : o ator

82 83
deve realmente procurar sentir a atmosfera e as relações entre 8. P ERSONAGEM EM TRÃNSITO - Um ou mais atares entram
os músculos do seu co rpo e o mundo exterior; se dá uma mar- em cena e realizam certas ações para mostrar de onde vêm,
telada, é necessário que os músculos do seu co rpo se estirnu- o que fazem e par a onde vão. Os outros devem descobrir tudo
lem como se efetivamente tivesse um martelo. Este exercício isso apenas através das ações físicas ; vêm da rua, estão numa
pode ser simplificado ou com plicado. Simplifica-se, fazendo o sala de espera de um dentista e vão tir ar um dente' vêm do
ato r realizar movimentos simples co m objetos reais, transpor- bar , estão no hall do hotel e vão subir ao qu arto;' saem de
tar uma cadeira, por exemplo , observando nos seus movimen- sua s casas pel a manhã, estão no elevador e vão começar o seu
tos, quais são os músculos estimulados e a natureza do estímu- trabalho num escritório, etc.
lo. Seguidamente, sem o objet o, procurará estimular os mesmos
músculos, repetindo a a ção . Com plica-se o exe rcício , fazendo-o 9. OBSERVAÇÃO - Um atar fixa os seus companheiros duran-
coleti vamente: um ato r faz um objeto com a atmosfera, passa-o te alguns minutos e, dep ois, de co stas ou co m os olh os tapados,
procura descrevê-los com o ma ior número possível de por-
a um segundo at ar que tem de modificá-lo e po r sua vez o pa ssa
menores: cores , roupas, formas características especiais, etc.
a um terceiro, e assim sucessivamente.
Pode-se, por exemplo, envolver vários ata res ao mesmo 10 . ATIVIDADES COMPLEMENTARES - Um atar inicia um mo-
tem po numa linh a de mont agem de um auto móvel: um ator vimento qu alquer e os outros procuram descobrir qual é essa
prepara as rodas, enquanto os demais preparam o utras partes at ivida de, para então realizarem as atividades complementares.
do automóvel ( desde as grandes às peq ue nas ) , mo nt ando por Exe mplo : os movimen~os de um árbitro durante um jogo ,
fim todo o automóvel. Deve pôr-se sempre o acento t ónico no complementado pelos Jogadores defensores e atacantes' um
relacio namento físico com o mundo exterior e não na mímica chofer de táx i complementado pelo passageiro; um padre re-
ou em sinais. zando missa complementado por um acóli to e pelos fiéis, etc .

(6 ,1 I NTERRELAÇÃO DE !'.ERSONGENS - Este exercício pode ou II. DESCOBRfR A ALTERAÇÃO - Duas filas, cada atar frente
não ser mudo, Um ator inicia uma ação. Um segundo ater apro- a outro, observando-se; vira m-se de costas um para o outro
xima-se e, através de ações físicas visíveis, relaciona-se co m e alteram um determinado detalhe nas suas próprias pessoas;
o primeiro de aco rdo com o papel que escolhe: irmão , pai, tio, voltam a olhar-se e cada um deve descobrir a alteração do
filho, etc. O pr imeiro atar deve procurar de scobrir qua l o pa- outro.
pel e esta belecer a ínter-relação. Segu idamente, entra um ter-
ceiro atar que se relaciona com os dois primeiros, depo is um 12. ESTÍMULO ÀS PARTES ADORMECIDAS DE CADA UM - Este
quarto e assim sucessivamente . O primeiro exercício desta sé- exercício deve ser praticado repetidas vezes, variando sempre
rie deve ser sempre mudo, a fim de desenv olver as relações de as partes adormecidas que devem ser estim uladas. Baseia-se no
cada um com o mundo exte rior através dos sentidos e nã o das fato de cada um de nós ser capaz de senti r, pensar e ser de
pa lavr as. formas infinitamente mais variadas que as que quotidianamente
utilizamos. Certo dia um atar fez o papel de um torturador e
7 . D ESCOBRtR O OBJETO - Com os olhos ta pados e as mãos
depois ficou muito preocupado, porq ue durante o exercício
par a tr ás, utili zando todas as restant es partes do corpo, o atol'
toca e procura de scobrir qu al o objeto que se lhe apresenta : sentiu prazer real em torturar. Não se tinha apercebido que era
ca de ira, lap iseira, copo, folh a de papel, flor, etc. Este exe rcício capaz de sentir prazer em praticar algo insano. Depois com-
estimula intensamente a sensibilidade de todas as partes do cor- preendeu que o comportamento virtuoso tem de ser o resultado
po qu e se relacionem com o o bjeto . de um a escolha consciente e livre, e não o fruto da incapací-

84 85
dade de praticar o mal. Uma pessoa pode ser capaz de sentir mo-lo "mecanicamente" porque conhecemos o nosso corpo e os
prazer em torturar, mas não tortura porque escolhe não tor- objetos. Tudo muda se algo acontece a estes ou àqueles .
turar. O homem deve inventar-se a si próprio dentro de uma Por exemplo, se o ator tem uma mão atada às costas,
infinidade de possibilidades e não, pelo contrário, aceitar pas- como poderá pôr a mesa? Se tem apenas um olho ou ne-
sivamente o seu papel porque não pode ser diferente. nhum, ou só uma perna, se apenas pode andar para trás, ou
Nada do que é humano é alheio seja a que for. Todos se os seus dedos se endurecem, como se poderá vestir ou
somos, potencialmente, bons e maus, carinhosos e duros, mu- acariciar a mulher? Todas as imperfeições físicas ou ambientais
lherengos e homossexuais, covardes e corajosos, etc. Somos provocam o aumento imediato da sensibilidade: os cegos têm
o que escolhemos ser. Os fascistas são condenáveis, não por melhor ouvido, os mudos vêem mais longe, etc.
serem capazes de fazer com que o povo morra de fome para
que eles se encham de dinheiro, mas porque escolheram fazê-lo. 14 . AL TERNAT!VA DO SUPEREGO - Em certa cena um atar
tem um superego, e ambos dialogam com um interlocutor que
Certa atriz, ao descobrir que dentro de si mesma existia fala ao atar como se fosse este quem diz as coisas do superego;
uma infinidade de seres diferentes, exclamou: "Ah , como eu o atar tem de aceitar como suas as conseqüências do que diz
gostaria de ser puta!" Quer dizer, não queria vaguear pelas o superego. Podem-se também utilizar dois superegos, cada
ruas ou trabalhar para o Hotel Hilton, mas apenas sentir du- qual oferecendo uma alternativa que deve, neste caso, ser es-
rante um exercício tudo o que pode sentir ou pensar uma puta, colhida pelo atar principal.
a puta que tinha dentro de si mesma como uma possibilidade
"não"-escolhida, como uma possibilidade adormecida. O exer- 15 . CONCENTRAÇÃO - Estabelecendo um círculo de atenção,
cício consiste precisamente em estimular as partes adormecidas os atares devem descobrir o maior número possível de cores,
de cada um para melhor compreender tudo o que é inerente matizes, formas, pormenores. Pode tratar-se de uma mesa,
ao homem. Não se pede que o atar "altere" a sua personalidade: duma parte do sobrado, da parede, do rosto de um compa-
apenas que conheça as suas possibilidades e; por conseguinte, nheiro, de uma mão, de uma folha branca, etc. O importante
as das personagens que vai interpretar. Certo atar escolheu obe- é que o atar (que como todo ser humano está habituado a
decer e ser humilhado, coisa que nunca aceitava; outro, trans- "sintetizar" a realidade para que nela se possa mover: enlou-
formar-se momentaneamente num importuno que quer saber queceríamos se percebêssemos e registrássemos nas nossas cons-
tudo, que faz as perguntas mais inconvenientes, por exemplo: ciências a infinita variedade de cores e formas que o nosso olho
se o jovem casal que vai para o hotel está efetivamente casado; é capaz de perceber) se exercite em "analisar" a realidade e
qual das meninas presentes deu um peido, etc. Realmente um descobri-la nos seus mínimos detalhes. Este exercício pode-se
importuno! fazer com um ator diante do outro. Cada qual informa o outro
Com vista a favorecer a livre manifestação e estímulo das de toda a variedade que conseguiu descobrir no seu rosto. O
características adormecidas, o exercício pode ser feito de for- mesmo se poderá fazer com sons.
ma surrealista: as personagens escolhem livremente o lugar
onde estão e alteram-no, podendo coexistir dois lugares no 16. SELVAGEM NA CIDADE - Os sentidos funcionam como
mesmo espaço, etc. Também pode, pelo contrário, de acordo . seletores ao enviar mensagens ao cérebro. A seleção de estí-
com as circunstâncias, ser feito de forma absolutamente rea- mulos conscientes depende dos rituais de cada sociedade. Di-
lista.
zem que as mães não ouvem o despertador, mas se levantam
13. DIFICULDADES COM O CORPO E COM OSJETOS - Esta- malas seus filhos começam a chorar. No bosque. um pássaro
mos acostumados a desempenhar as nossas atividades e fazê- ê capaz de ouvir o canto da companheira ainda que a seu lado

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- do. O atar que nar ra não pod e interferir , nem fazer corr eções,
um leão esteja rugindo. Toda a imen sa quantidade de estímulos dura nte o exercício . No fim se disc utirão as diferenças. O nar-
visua is e auditivos de uma grande cidade são facilmente sele- rador terá a oportunidade de com parar as suas reações com as
cionados por uma criança que atr avessa a rua , mas enlouque- dos seus companheiros.
ceriam um índio. Este exercício cons iste em um atar "fazer"
de índio, o selvagem que não conhece as formas da nossa ci- 19 . HÁ M UITOS O BJETOS NUM Só OBJ ETO - Baseia-se na
vilização de "codificar", de "ordenar" os nossos "dados" e por frase de Bert oIt Brecht de que há muitos objetos num só objeto,
isso "estranha" tudo o que vê, as coisas mais triviais, e não se a meta final for a revolução; ·mas não haverá nenhum
se apercebe do risco contido nas coisas mais perigos as. Pode-se
objeto em nenhum objeto se não for essa a meta final. Consiste
fazer o mesmo exercício ao contrário : um "civilizado" metido
em dar um objeto ao elenco para que cada atar descubra uma
nos ~ituais de uma sociedade chamada "primitiva"; ou qualquer utilização possível do mesmo: um pau pode ser uma esping ard a,
outra mudança de uma pesso a "educada" segundo certos ri- um bastão, um travão, um cavalo, um guarda-chuva, uma mu-
tuais , que de repente tem de assimilar e processar dados de leta, um eleva dor, uma ponte, uma colher de ·caldeirão, um
outros rituais e outras sociedades. Isto é uma coisa vulgarís- mastro de bandeira, uma barreira, uma árvore, um poste de
sima que nos acont ece a todos quando viajamos a uma nova iluminação, um torpedo, uma vara de pesca, um remo, um
cidade: enqu ant o não nos habituamos, podemos maravilhar-nos apito, uma flecha, uma lança, um violin o, um a agulha de cos-
com tud o o que nela existe; ao fim de alguns dias já não vemos tura, e muitas coisas mais; inclusive um pau.
nem sentimos sequer metade dessas sensações.
20 . ILUSTRAR UM TEMA - Dá-se um tema : pri são, por exem-
17 . ILUSTRAR UMA HtSTÓRIA - Um grupo de ata res conta plo. Cada ata r avança e sem que outros quatro o vejam faz
uma história, cada um por sua vez, enquanto no palco outro com o corp o a ilustração desse tema . Depois, cada um dos
grupo de atares "ilustra" essa história, utilizando os seus cor- quatro vem, cada um de sua vez, e faz a sua própria ilustra-
pos. Para facilita r nas primeiras vezes os atares devem mostrar
ção, diante dos comp anheiros que observam. Por exemplo: o
imagens estáti cas, imóveis . Posteriormente, devem mostrar uma
primeiro pode ilustr ar o tema " prisão" ficando deitado , lendo ;
cena móvel.
outro, olhando por uma janela imaginária; um terceiro jogan-
A história pode ser absolutamente surrealista : o que in-
do cartas; um quarto cozinhando; um quinto olhando com rai-
teressa é dar ao grupo atuante um a oportunidade de responder
va para fora . Outro tema : igreja. Pode um fazer-se de padre ,
imediatamente com os seus corp os às propostas que surgem.
outro de sacristão, outro de noivo, outro de turista, etc.
Por ísso é importante que as propostas da história incluam
árvores, animais, vento, ondas do mar; choros, castelos, me- 21 . CONTAR A MíMICA FEITA POR OUTRO - Um ator vai ao
tralhadoras, tanques de guerra, calor, frio, guerra e paz, flo- palco e conta, em mímica, uma pequena história. Um segundo
resta e cidade, prai as e campos, etc. A resposta corporal deve atar observa enquanto que outros três não po dem ver. O se-
ser imediata e não deve ser interrompida: o mesmo ata r pode gundo vai ao palco e reproduz o que viu, enquanto os outros
passar de leão a bomba que explode, atr avés de um a " meta- dois não vêem : só o terceiro. Vai o terceiro e o qua rto o obser-
morfose" e não através de um "corte" na interpretação dessas va, mas não o qu into. Vai o quarto e o quinto o obs erva. fi-
duas coisas díspares. nalmente vai o quinto atar e reproduz o que viu fazer ao qu arto.
Compa ra-se depois com o que fez o primeiro: ~m gera l, : o
18 . CONTAR A SUA PRÓPRIA HISTÓRIA - Um atar conta qual- quinto já não tem nada mais a ver com o pnmerro, DepOIS,
quer coisa que realmente lhe aconteceu: ao mesmo tempo os pede-se a cada um que diga em voz alta o que foi que pret en-
seus companheiros ilustram a história que ele vai desenvolven-
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deu mostrar com a sua mímica. Este exercício é divertidíssimo. (muito sensualmente) procura sentir também que a pern a po-
VARIANTE: cada ator que observa tenta corrigir aquilo que de-se levantar. Pouco a pouco, sempre lentamente, vai ven-
viu. Por exemplo: imagina que o ator anterior estava tentando cendo a força de gravidade, vai articulando o seu corpo, vai
mostrar tal coisa, porém que o fazia mal - dispõe-se então gesticulando, começa a mover-se, a saltar. O exercício deve ter-
a fazer a mesma coisa, porém bem - eliminando os detalhes minar aos saltos, num bailado alegre, feliz, vitorioso . O corpo
e
inúteis magnificando os mais importantes. quase pode voar.

22 . ATaRES REMANDO - Dupl as, apoiando-se com os pés 2 . NASCIMENTO - Parecido ao anteri or. Os atares deitam-
uns contra os outros, sentados, agarram-se pelas mãos : um se se não chão e procuram sentir-se como crianças que nascem.
inclina para a frente e o outro para trás, e depois vice-versa. Proc ura m sentir como a crianç a que ' pela primeir a vez, desor-
denadamente, articula os pés e as mãos, o movimento da ca-
beça, do tóra x. Procura sentir as articulações interiores do cor-
F. Exercícios de sensibilização po e as sensações do corpo em contato com as coisas exterio-
res: com o chão (ver os detalhe s da superfície do chão, as
I. Os atares vão caminhando em qu alquer direção. Depois ranhuras , procurar senti-las) , a dureza de um ferro , a bran-
procuram sentir o peso real do seu corpo , e de cada parte do dura de um tecido, os cabelos do companheiro, a arid ez do te-
seu corpo. Procuram sentir que as mãos são pesadas, que a cido da própria roupa, etc.
cabeça pesa e que é necessário um gra nde esforço para man-
3 . RITUAL MUDO- Os atares realizam rituai s bem conhecidos
tê-Ia erguida. As pálpebras são pesadas. A barri ga pesa e
porém só em mímica, procurando analis á-los, exagerando ou
tende a dilatar-se se não nos esforçam os para contê-Ia. Tudo
não: casamento, enterro, ' concerto para piano e orquestra,
pesa no nosso corpo e tud o requer um tremendo esforço diário assembléias, etc.
para que possamos estar sentados, de pé, para que possamos
caminhar, movermo-nos, gesticular. O ator procura então sen- NOTA - Nestes exercrcios de aquecimento físico não incluí-
tir que tudo vai ficando cada vez mais pesado, mais pesado, mos nenhum acrobático porque pensamos que tende a criar
ainda mais pesado e que ele não tem forças para continuar a máscara do "atleta". Utilizamos apenas exercícios que visam
caminhando, para continuar movendo-se, gesticulando. Pouco a descontrair ou estimular os músculos pouco usados na rotina
a pouco, embora lutando, embora fazendo força, vai sendo ven- diária, ou exercícios que alteram as circunstâncias " hab.tuais",
cido, vai arrastando-se pelo chão. As pern as pesam e ele é que por isso mesmo mecanizam e "ritualizam" o nosso corpo,
atraído com enorme violência pela força de gravidade que o os nossos movimentos, a nossa sensibilidade e até as nossas
vai atraindo mais e mais e mais. Depois a terra atrai o seu idéias, criando "estruturas" endurecidas de idéias, de músculos,
tórax, atrai o seu .rosto, suas pálpebras e pouco a pouco ele vai de movimentos, etc. O ator deve, através de exercícios físicos,
sendo vencido até ficar totalmente imóvel sobre o chão, atraído, destruir estas estruturas e não substituí-las por outras, como
"chupado" pela .terra. Deve procurar sentir qu e tud o pesa e por exemplo a do "atleta".
que ele já não onõe nenhuma resistência. Nenhuma mes~o.
Quando chegar a se sentir assim, então, pouco a pouco, muito
lentamente, começa a ver que pode mover um dedo, que tem II - AQUECIMENTO IDEOLóGICO
força suficiente para mover todos os dedos, até mesmo a mão.
Procura sentir que a mão está se libertando da força de gra- O teatro apresenta imagens extraídas da vida social sêgun-
vidade, que o braço pode-se levantar. Sempre muito lentamente do uma ideologia. li importante que o atar não se aliene, por

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2. Dots GRUPOS DE ATaRES - cada qual emitindo um som
mais especializada que seja determinada técnica . O ator deve diferente, procuram forçar o outro grupo a ir atrás do seu som.
ter sempre em mente que atua, que apresenta aos espectadores
imagens da luta social entre as forças reacionárias da burgue- 3. ATaRES COM A MAIOR ÁREA POSSíVEL dos seus corpos
sia e as forças progressistas das classes trabalhadoras, seja qual contra o chão, emitem a voz a partir da terra.
for o disfarce com que essa luta apareça na fábula «a obra.
E necessário que o ator tenha sempre presente a missão pro- 4 . COM A CABEÇA PENDENTE, DEITADOS DE BRUÇOS SOBRE
gressista da sua tarefa, o seu caráter pedagógico, o seu ca- UMA MESA, os atores emitem sons até que o nariz sinta có-
ráter combativo. O teatro é uma arte e uma arma. cegas e se torne impossível continuar.

I. DEDICATÓRIA - Em muitos espetáculos do Teatro Arena 5. UM ATaR EMITE A SUA Voz DIRIGINDO-A A OUTRO situado
de São Paulo era costume dedicar as sessões a alguém ou a a meio metro de distância; este segundo ator começa a afastar-se
algum fato . Os ã íor es em cena, perante os espectadores, ofe- um metro, dois, três, dez. O primeiro tenta ajustar a voz de
reciam o espetáculo. A pessoa ou o fato eram muitas vezes acordo com a distãncia. Este exercício também pode ser feito
suficientes para aquecer ideologicamente o ator pelo que signi- cantando. Assim , do mesmo modo que o olho "foca" natural-
ficavam: um companheiro morto, um dirigente sindical que mente o objeto que se quer ver, também a voz " foca" natural-
até na prisão arengava os presos denunciando a ditadura, etc. . mente a pessoa a quem pretende dizer alguma coisa .

2. LEtTURA DE JORNAtS - Leitura e discussão dos aconteci- IV - AQUECIMENTO EMOCIONAL


mentos políticos e sociais mais importantes da véspera e expli- '
cação do seu significado por quem mais perceber do assunto. ~ 7EMoçÃO ABSTRATA - Aqui trata-se de não ter nenhuma
Desmistificação da imprensa burguesa. Informação das notícias motivação concreta. Os atores fazem uma ginástica puramente
que não aparecem nos jornais. emocional. Começam por ser muito amáveis uns com os outros,
sorridentes e contentes, procurando ver nos outros caracterís-
3. EVOCAÇÃO DE UM FATO HISTÓRICO - Quando possível, ticas agradáveis. Para eliminar toda a possibilidade de motiva-
evocar um fato histórico que tenha paralelo com a situação na- ção, os atores não podem falar com palavras, mas apenas com
cional atual, revelando as características comuns e as diferenças números: 23, 8, 115, etc. Depois começam a variar quantita-
entre a primeira e a segunda libertação da América Latina. tivamente esse carinho, primeiro a gostarem mais uns dos outros,
depois menos, até que começam a variar qualitativamente até
4. LIÇÃO - Dependendo do grupo e dos seus conhecimentos se odiarem, para finalmente levarem o ódio à tensão mais violen-
históricos, uma pequena lição ou explicação pode criar o aque- la. A única regra a respeitar é não ameaçar a segurança física
cimento ideológico necessário: por exemplo, explicar a mais- dos outros atores (para que ninguém tenha que se preocupar
em proteger o seu corpo, podendo concentrar-se na emoção).
valia.
Gradualmente os atores voltam a descobrir as coisas boas de
cada companheiro, pronunciando sempre números e nunca pa-
lavras, até regressarem ao mais completo amor.
III - AQUECIMENTO VOCAL
2 . EMoçÃO ABSTRATA COM ANIMAIS - Variante do exercício
I. TODOS OS ATaRES VIRADOS PARA A PAREDE - a um pal- anterior: os atores partem de uma emoção até chegarem à emo-
mo de distância, tentam furar a parede com a voz ; procuram, ção contrária e voltam à primeira, mas em vez de dizerem nú-
todos ao mesmo tempo, o mesmo tom.
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meros emitem sons de animais, à vontade de cada um. Este V - JOG OS DE INTEGR AÇÃO DO EL ENCO
exercício pode ser feito de duas maneiras: a ) o ator age como os
animais; b ) o ator age com uma visão "humanizada" do ani- São especialmente indicados quando se inicia um novo
mal, quer dizer, sem perder as suas características humanas. grupo de não-atores, isto é, op erários ou estudantes. São jogos
Tamb ém podem todos os atares agir como um mesmo animal, de salão (e não exercícios de lab or at ório) que ajudam as pessoas
ou cada atar como um animal à sua escolha. a aceitar a possibilidade de tentar "representar" como no
teatro ; ajudam a perder a vergonha.
3 . SEGUIR o MESTRE EM EMoçÃO ABSTRATA - Cinco ata res
de cada lado : os dois que se defrontam no meio são os mestres I . MíMICA - É o conhecido jogo "diga isso por mímica", no
dos quatro que estão na fila oposta à sua. Começa m uma dis- qual se formam duas equipes. A primei ra propõe a um dos ele-
cussão sobre qualq uer coisa sem nexo, empregando palavras, mentos da segunda o título de um filme, o nome de um po-
números ou sons (as frases não precisam fazer sentido). Todos lítico ou uma frase recentemente pronunciada por um dema-
os outros repetem gestos, inflexões, sons, movimentos do co rpo gogo qualquer ou por um político popular. O elemento do se-
e do rosto, exatamente como os seus mestres, os quais devem gundo grupo tem que fazer, para os seus compan heiros, a mí-
levar as suas emoções ao extremo e em seguida voltar ao re- mica das frases ou do nome, e estes têm que descobrir o que
pouso e à compreensão. é. Cada atar tem dois minuto s para fazer a mímica. Com ata-
res mais experientes, este jogo pode fazer-se dando o tema ou
4 . ANIMAIS OU VEGETAIS EM CIRCUNSTÂNCIAS E MOTIVAS - a idéia central de uma cena (o atar não pode fazer nenhuma
Uma palmeira na praia dur ante um dia de verão; mud a o tem- demonstração óbvia nem reproduzir qual quer marcação; ape-
po , aproxima-se uma tempestade, um furacão : a alegria do nas pode corporizar a idéia central segundo as suas possibili-
verão dá lugar ao temor de ser destruí da e varrid a pelas on- dad es e imaginação).
das do mar (os outros atares fazem o vento). Um coelhinho
que brinca com os seus irmãozinhos, e vem a raposa; o coelho 2 . JOGO DO ASSASSINO - Este jogo foi tirado de uma história
esconde-se até que a rapo sa vai embora. Um peixe que nada de suspense. No salão de um hotel, com as-.u.unicaçõ.
todo contente até que morde o anzol. para o exterior completamente co rtadas, descobre-se um cartao
Em todo s estes exercícios de animais, os sons devem ser que diz: "sou um assassino e vou mat á~los a .lodos". Todos, os
muito expressivos, isto é, o ser humano dispõe de palavras e participantes têm que descobri r o mais rapidamente passivei
de conceitos para exprimir as suas emoções, ao passo que os o assassino (prévia e se~tamente designado pelo encenado r).
animais apenas dispõem de sons, e não de uma linguagem; O assassino pode, a um TInal convencionado (que podem ser,
isto faz com que a expressão humana seja pobre em termos por exemplo, dois pequenos toq~o ombro), matar os outros
sensoriais, ainda que seja infinitamente mais rica em termos depois de um período de 10 minutos durante o qual todos pro-
conceituais. A ata r deve, sem perde r a sua capacidade con- curam estuda r-se e reconhece r-se mutuamente. Os restantes ato-
ceituai de expressão, dar largas às suas imensas possibilidades tores podem, mediante votação majoritária, "matar" os su~­
sensoriais de se exprimir. RITUAL EM QUE TODOS VIRAM ANI- peitos. Este jogo de salão também poljj; ser fe~to como exerci-
MAIS - Os atores realizam um ritual qualquer, por mais con- cio de laboratório, quer dizer, com ãrores cna ndo realmente
vencionai que seja : inauguração de uma loja bancária, dis- personagens e desenvolvendo as suas emoções. Neste caso, os
curso de posse do Prefeito, aniversário de casamento dos pais, "mortos" não saem de cena, morr~m real~nte. De qu~lque~
etc. Improvisam mímica e texto. Durante o ritual cada ata r forma, a "morte" do que foi assassmado • pode ser rapj.d.ff',
se transforma num animal e prossegue o ritual da mesma ma- pelo contrário , o atar deve esperar uns minutos antes de
neira. "morrer", para não denunciar o assassino.

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Este tipo de jogo é ótimo para ativar a capacidade de que formam a sua frase feita. E importante que cada ato r, ao
percepção do ata r. Em geral, os nossos sentidos selecionam o responder, o faça com frases compa~íveis. com a ideologia que
que vamos conseientizar; o jogo amplia a área de conseienti- julga relacionar-se com a frase qu~ inclui a"sua palavra-ch~ve.
zação e cada atar começa a analisar com muito mais porme- Por exemplo : "Só o povo salvara o povo . Um atar tera a
nor todos os seus companheiros, visto que, potencialmente, palavra "só", o segundo "o", o terceiro "povo", etc. Ninguém
todos são "assassinos" . O encenador pode escolher um assas- sabe quem pertence ao seu grupo : cada qual tem que desco-
sino, vários, ou até nenhum, e assim o suspense mantém-se, brir através da utilização, nas respostas, da palavra que lhe
obrigando a uma tensão e a uma atenção muito maior por coube.
parte de todos.

(:0 GUERRILHEIROS E POLICIAIS - :e uma variante do anterior .


O· elenco divide-se em dois grupos, um de guerrilheiros e outro
VI - EX ERC!CIOS DE MASCARAS E Rl1 UAIS
de policiais. Todos incógnitos viajam num veículo que se avaria 1 . SEGUIR O MESTRE - Um ator começa a falar e a mover-~e
na estrada. As personagens não se conhecem, mas todos sa- naturalmente e todos os outr os procuram captar e reproduzir
bem que dentro do veículo há exclusivamente policiais e guer- a sua máscara. h importante não fazer 3 caricatura, ma~ sim
rilheiros. O exercício consiste em procur ar descobrir quais são repro duzir a força interior que leva o atar a ser co"!o e.. ~s
os amigos e quais os inimigos e "matar" por meio de um sinal atares imitam o "mestre", mas no sentido que lhe da A~lsto­
convencionado. O exercício termin a quando apenas ficam "vi- teles: imitar não é copiar as aparências, mas re~ro~uzlr as
vos" os componentes de um dos grupos. Neste exercício, a forças criadoras internas que prod uze"! ~ssas ~par~~clas. Um
imaginação desempenha um papel importante, assim como a atar, por exemplo, tinha como caractertstica mais vlsl;e~ a sua
observação: é importante que cada atar (seja de que grupo for) extrema loquacidade; na realidade tratava-se de um tímido, de
imagine uma história convincente para se mostrar aos seus um inseguro que procurava segurança falando incessantemen.te,
amigos tal como realmente é e aos seus inimigos como se fosse pois tinha medo que os outros o atacassem. O atar deve cnar
um deles. s permitida a formação de grupos e a divisão, de este medo que leva à loquacidade. Além disso, ~eYe tentar
tal forma que não se ponham todos a falar com todos, mas descobrir os rituais sociais que o outro dese nvolvia na vida
que se gerem interrogatórios isolados, "mortos" isolados, etc. e o que levaram a ser vítima desse medo. O núcleo d~ máscara
O exercício pode atingir um alto grau de violência emocional e é sempre uma necessidade social determinada pelos ntuais,
ideológica; há que criar não só "personagens" em geral, mas
também personagens combatentes e personagens repressivos. 2. SEGUIR DOIS MESTRES QUE ,SE METAMORFOSEIAM - Dois
Há que justificar as posições antagônícas. atares começam a conversar ou a discutir; cada um tem a sua
equipe de "seguidores", que começam a imit~r ou a criar ~s
4 . FRASE FEITA - Pensa-se em duas ou mais frases feitas, máscaras dos mestres, cada grupo o seu. Ao -fim de alguns mi-
refrões, ditos popul ares, frases recentes de algum dirigente ou nutos os dois mestres começam a metamorfosear-se um no outro,
demagogo. Cada atar recebe uma palavra de cada uma dessas quer dizer, cada mestre começa a imitar ~ o.utro, de modo que
frases. Durante o jogo, cada ata r deve responder às pergunt as os seguidores de um também passarão a mutar os do outro.
que lhe fazem os outros, encontrando sempre maneira de in-
cluir na resposta a sua palavra-chave. Estabelecem-se várias 3 . ROTAÇÃO DE MÁSCARAS - Cinco atares falam, movem-se
conversações ou uma só. O jogo acaba quando um grupo de e observam-se. Passados alguns minutos o encenado r pr?n~n­
atares consegue descobrir todos os que possuem as palavras cia o nome de um deles e todos os outros começam a Imitar
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a sua m áscara ; m ais algu ns m inutos e o ence nador diz o nome 8 . L EVAR A MÁSCARA AO EXTREMO E ANULÁ- LA - O ator
do segu ndo ato r e to dos mu d am para a m áscara des te , e ass im uma vez con sciente da sua máscara, afirma cada elemento da
sucessivamente. mesma, levando-o ao extremo, levando a máscara à sua forma
mais exagerada. Depois, len tamente, começa a anulá-la as-
4 . RECONHECIMENTO DE MÁSCARA - Cinco atores fa lam c sumindo para cada elemento a característica oposta à habitual.
mo vem-se livremente . O utros cinco observa m. Ao fim de al-
guns minutos, cada um dos observador es tira à sorte um pa- 9 . SEGUIR O M ESTRE NA SUA PRÓPRIA M ÁSCARA - Certo ator
pelzinho com o nome de um dos cinco primeiros. Os obser- enco ntra dificuldade s em extremar a sua máscara ou em anu-
vadores avançam e cada um começa a imitar a másca ra do lar alguns elemen tos de la. Co locam-se ao se u lad o out ros quat ro
at or que lhe saiu. O s primeiros têm que descobrir quem im ita ateres; ele ~omeça a falar e os o utros segu em o "mestre".
as suas máscaras. Quando as cinco máscaras estiverem unificadas, os quatro ata-
res co meçam a mudar para o oposto e o mestre deve- se trans-
5 . UNIFICAÇÃO DE MÁSCARAS - Um gru po de atores, esta ndo formar logo em seg uidor dos o utros quatro novos mestres.
a conve rsar. procura sem prévia combinação imitar a másca ra
de um de les, até que todos es tejam im itando o me smo e que
Um ator extremamente tímido con seguiu gritar e prague-
este se aperceba disso. jar com vio lência, coisa que nunca fazia . Certa atriz era inca-
paz de revelar a sua crueldade. Formara m-se dois grupos: o
6. CRIÁÇÃO COLETlVA DE UMA MÁSCARA - Um grupo de ato- primeiro , de três pessoa s, com eçou a agredir e a humilhar o
res conversa e movimenta-se. O primeiro introduz, durante a segundo, também de três pessoas, uma das quais era a referi-
conversa, uma característica qualquer da sua maneira de andar, da a triz, Após viol e nta humilhação e pro vocação, a um sin a!
ou de falar. ou um vício de pensamento , ou uma idéia fixa. do encenador, a situação inverte-se, os humil hados passam a
Todos os outros procuram descobrir essa característica e re- humilh ar. A a triz, a uxilia da pe los se us doi s co mpa nheiros, ex -
produzi-Ia. Q uando todos estiverem unificados nessa primeira travas~u Iod a a crueldade qu e tinha dent ro d e si, la pada pela
característica, o segundo ato r junta à primeira uma segunda ca- sua mascara. A situação foi tão vio lenta que a atriz ia ficando
racterística, que deve igualmente ser assumida por to dos os ~om ~m complexo de culpa. O exe rcício terminou com um jogo
outros e somada à primeira. D epois o terceiro, e assim suces- inf anti l no qua l os se is particip aram físic a e a legreme nte.
sivamente até ao final, em que todos os atares estarão a inter-
pretar a mesma máscara criada coletivamente. . ;E~i s te sempre o perigo de este tipo de exercícios, violando
a. intimidade do atar, produ zir resultados doentios. Os exer ci-
7 . SOMA DE MÁSCARAS - Pede-se a um ator que, sem p erder CIOS de lab?ra.tório não devem ter um sentido terapêutico . nem
nenh uma das características da sua própria máscara, nenhu m devem prejudicar .a saúde do atar. Terminar um exercício de
dos seus elementos, lh es junte u m a ou mais ca rac terísticas (ele- vio~ência emocional dentro de um "clima psicológico" pode ser
mentes) da m áscar a de um co mpanheiro . Co mo seria Fulan o pengoso ; há que fina lizá -lo num clima de jogo físico . E m Cuba os
se, além de tu do aquilo q ue é, tivesse a violência de B eltran o? l"..telectu3ls .cortam cana : isso é importante para que as pessoas
Ou se este atar forte e agressivo tivesse a timidez de outro , sem n ao se a lheie m da prod ução e da realid ade . Ta mbém é impor -
p er der a agressividade e a força? Pod e-se fazer uma infinidade ~a nt e qu e os pro blem as " ps ico lógicos" seja m enquadra dos no
de co mbina ções juntando elemento s à máscar a o u trocando-o s âm bito mais geral da realidade exterior, físic a e social.
recipro camente entre dois ou mais atores. Também se pode
fazer uma máscara que seja a "so ma" de todos os integrantes 10 . M UDANÇA DE M ÁSCARA - Um ato r fala e move-se natu -
do grupo, utili zando o elemento mais ca racte ristico de cada um. ralmente. Os outros mostram co mo vêem a sua máscara e co mo

98 99
gostariam de mud á-Ia. Indi cam cada elemento da máscara e 13 . SEPARAÇÃO DE MÁSCARA, RITUAL E MOTIVAÇÃO - Os ato-
o ator anula esse elemento ou modifica-o, trans forma ndo, se- res ensaiam separadamente estes três elementos e a seguir jun-
gundo o critério dos companheiros, suavidade em violência, tam-nos. N um exercício certa atriz contou a história da sua fa-
movime ntos indecisos em decididos, voz grave em voz aguda, etc. mília depois da morte do pa i: todos se reun iram para festeja r
os an os da mãe e durante a festa discuti ram problemas relati-
"'II.
""'
INTERCÂMBIO DE MÁSCARAS - Um ritual tipico de um vos à her ança, porque todos queriam conseguir mais din heiro
lÍOmem que leva uma jovem ao seu apartamento pela prim eira que os outros. Primeiro ensaiou-se o ritual do aniversário e
vez, com intenções óbvias. E le comporta-se (es pecia lmente o as suas ações: chega da dos filhos, presentes à mãe, sentar à
latino) como o "macho" que a vai conquistar, e ela como a mesa, brindes com champanhe, cantar o "parabéns a você",
"coisinha linda" que vai ser conquistada. Ações típicas deste tirar fotog rafias, des pedida carinhosa. Repetem várias vezes o
ritual : ouvi r música, mostrar o apartame nto , toma r qualquer ritual para depois serem capazes de reproduzir toda a ação nos
coisa, etc . seus míni mos detalhes: como se levanta o copo , como se bebe,
Em todas as ações a jovem atua com a máscara de "de- como anda cada um, quanto tempo demora a tirar a fotografia,
sejada". Seguida mente , mantendo todas as ações do rit ual, os etc . Em seguida, sentados e de preferência com os olhos fe-
dois atares mudam de m áscara r. ele, sem deixar. de ser o ho- chados, os ato res discutem violenta mente as suas "motivações",
mem, compor ta-se como o "desejado"; ela, sem. deixar a. sua atribuindo-se mu tuame nte as culpas do fracasso econômico da
cond ição de mulher, comporta-se corno a agress iva con quista- fábrica, exigindo uns aos outros compensações pecu niárias, re-
do ra, quer dizer, com a máscara habitual do "machismo" la- velando acusações antigas, lavando com turbulência tod a a
tino. roupa suja. Numa terceira fase, escolhe-se a máscara de um
dos pa rtici pa ntes, neste caso a atriz que contou a história, e
Outro exemplo : um trab alhador que vai pedir aumento
todos a imitam. A atriz por acaso estava gráv ida, de mod o que
de ordenado ao patr ão nu ma sociedade forte me nte explo rado -
todos agira m como mu lheres gráv idas (inclusive os hom ens) .
ra, com as ações correspondentes a este ritual : tirar o chapéu,
Finalmente, juntam-se os três elemen tos: as violentas motiva -
pergun tar-lhe pela sa úde da família , exp licar-lhe . como subiu
ções econô micas, o ódio mortal uns aos outros, e o uso ex-
o custo de vida, etc . Seguidamente, sem deixar de ser o patrão,
clusivo da máscara reprimida da atriz; os ato res desenvolvem
o ato r ass ume a máscara do tr ab alhador , e este, sem deixar de
novamente o ritual feliz e risonho do aniversário da mã e. A
o ser. assume a do patrão. todo momen to a motivaçã o explode cont ra a máscara e ambas
Uma infinidade de relaç ões pode ser investigad a e escla- contra a rigidez do ritual, revelando-se autô no mos os três ele-
recida com este exercício: pai-filho, professor-aluno, tortura- mentos.
do r-to rt ura do, sargento-soldado, latifun diário-campon ês, etc .

12 . SUBSTITUIÇÃO DA MÁSCARA - Serve para re velar o cará-


ter eco nôrnico de determinadas relações. Em certas regiões da
América Latina o clero é muito progressista, mas noutras é
terrivelmente reacionário. Estabelecem-se as máscaras determi-
nadas pelos ritu ais de depend ência do ca mponês em relação ao
latifundiário. Seguidamente, estabelecem-se as máscaras dos ri-
tuais da confissão de um fiel a um sacerdo te. Depois, manten-
do o ritual de uma disputa econô rnica, os atares usam as
máscaras do sace rdo te (latifundiár io) e do fiel (camponês ).

100
No mesmo exercício também se pode escolher, não a más- um a realidade econômica: quem vai dar o dinheiro para ali-
cara para todos, mas sim determinada máscara para cada um : mentar mais uma boca, se o qu e emprenhou a filha fugiu?
a do "general goril a" para o irmão mais velho que não quer Trata-se de uma moral economicamente det erminada : o bur-
dar explicações so bre a maneira de gerir a fábri ca ; a da " bur- guês pode ser bom porque tem dinheiro. As moças de Copa-
guesia nacional" para a mãe com toda a sua aparência de po- cabana não têm preconcei tos sexuais; ao contrário, as que vi-
der e a sua incapacid ade real; a do "campo nês" par a a filho
vem nos mo rros da me sma Cop acabana têm-nos. As das praias
mais nova, explorada, etc,
têm dinheiro, as de cima são empregadas domésticas.
14 . SUBSTITUIÇÃO DE UM CO" J UNTO DE MÁSCARAS POR O UTRO
DE C LASSE SOCIAL DIFERENTE - Qu and o cra peq uena , uma
atriz foi chamada de Bueno s Aires, onde vivia com a sua mãe,
por seu pai que há urn. ano vivia no Rio de Janeiro. O pai
dizia na carta que as duas, mãe e filha, iam mudar-se para o
Rio, e qu e fosse primeiro a filha ver a cidade, o apartamento,
etc, Quando a menina chegou ao Rio, o pai co ntou-lhe a ver-
dad e : estava casado com outra mulher e queria que fosse a
filha a co ntar isso à mãe. A menina aceitou esta missão, ainda
que não lhe agradasse, e voltou para Buenos Air es. As tr ês
personagens eram ricas e podiam dar-se ao luxo de fazer via-
gens internacion ais e hospedar-se em bons hotéis. A mãe não
tinha problemas econômi cos . Faz-se o exercício normalmente
c depois substituem-se as máscaras : o pai é um operário que
vive com a mulher numa casa miserável dum bairro de Buenos
Aires; a mãe e a filha vivem em Córdoba ; a filha deixa o em-
prego para visitar o pai em Buenos Aires .
15. EXTREMAR TOTALMENTE A MÁSCARA - A máscara im-
Ne ste exercício-específico, o pai-operário não consegue
põe-se sobre o ser social, mas dentro da máscara a vida con -
evitar que a filha-criada o convença a trazer também a mãe
tinua. Extremar totalmente a máscara consiste em fazer com
para Bueno s Aires e a instalá-la noutra casa até arranjar um
que ela invada totalmente o ser humano, até eliminar todo e
novo emprego. A abnegação é, no primeiro caso, fruto do seu
qualquer sinal de vida. A parte "humana" do operário é ina-
poder econ ómico : mãe e filha podiam dar -se ao luxo de per- dequada para o trabalho mecânico que tem de realizar; assim,
do ar ao pai. o operário será tanto mais eficiente quanto menos humano for
Outro exemplo : um pai burguês é informado pela filha e qu anto mais se converter num autômato. O atar experimenta
de que est á grávida dum rapaz que des apare ceu . O pai mos- no seu corpo, com os movimentos que cada operário deve fazer,
tra -se bom , co mpreensivo e ajuda a filha em tudo o que é o domínio progressivo da máscara até à morte do operário.
preciso. Substituem-se as máscaras pelas de proletário: o pai Exemplos: a costureira que acaba por coser o seu próprio
expulsa a filha de casa. E sta moral rígida é determinada por corpo ; o sacerdote cuja bondade imposta pelos rituais lhe tira

102 103
o corpo , o peso e a carne, transformando-o num anjo sem sexo , person agem . Também se pode fazer esta roda com a visão rítmi-
sem fisionom ia própria, medie val, pré-rena scenti sta, sem indi- ca que o elenco tenha de uma person agem, de um ato r que
vidualidade; a prosututa que se transform a em puro corpo em fica na "berlinda" no meio do círculo : cada um dos atares
movimento , etc. entra no círculo, isoladamente, e mostra a sua versão rítmica
enquanto todo s o seguem, com o atar que está na "berlinda"
16. T ROCA DE ATaRES D ENTRO DE UM RITUAL QUE CONTINUA
sempre no meio. Este exercício funciona especialmente em cer-
- Um par inicia um a cena qu alquer e estabelece as suas más-
tos países rítm icos (por exemplo no Brasil) mas pode fun-
caras pa ra o ritu al correspondente qu e vão apresenta r. Após
alguns minutos, um segundo atar substitui o primeiro , manten- cionar potencialme nte em qu alqu er país . Cada ata r tem uma
do a sua máscar a e continua ndo o ritua l. Uma segunda atr iz visão ética da sua personagem , mas deve ter também uma
subs titui a primeira, depois um terceiro ator substitui o segundo, visão rítmica da pul sação da mesma. Depois de seguir o com-
e assim sucessivamente. É importante a abso luta continuidade panheiro na sua visão rítmica diferente, o atar na "berlinda"
de motiva çõe s, máscaras e rituais. regressa lentamente à sua própria visão rítmica isolada, e a
seguir acompa nha do por outro ator; de novo vai passand o len-
17. JoGO DAS PROFISSÕES - Os atares escrevem num papel- tamente a uma nova visão rítmica da sua personagem .
zinho uma profiss ão , ofício ou ocup ação : operário metalúr-
gico, dentista, padre, sargento, motorista, pugilista, etc. Mistu- 20 . RODA DE MÁSCARAS EM CIRCUNSTÂNCIAS DIFERENTES
ram-se os papéis e cada atar tira um. Come çam a improvisar Ent ra um ato r para o centro da roda ; seguidamente entra um
a profissão que lhes calhou sem falar dela , apenas most rando co mpanheiro ~ mostra corno julga que seria a sua máscara
a vers ão que têm dela. Após uns 15 minutos de improvisação noutras circunstâncias; enraivecid o, feliz, nervoso, etc. O ator
(a cena passa-se na prís;o depois de uma operação policial na " berlinda " tem que segui-los um a um.
de rua ou numa fila de ónibus, ou em qualquer outra parte)
cada ator procura descobrir a profissão dos demais : se acertar, 21 . COMODIDADE E RIDÍCULO - Numa rod a de ritmo e mo-
sai do jogo aquele que foi' descoberto e ganham pontos os dois ; vimento, um atar vai para o centro e faz todos os mov imentos
se não, sai do jogo o que não acertou e perde pontos o que e ritmos que sejam "c ómodos" e "naturais"; entra um com-
não foi descoberto. panheiro e fá-lo mudar para o que lhe parecer mais incómodo
e antinatural: o ato r na "berlinda" e os da roda seguem-no.
18 . JOGO DOS ANIMAtS - O mesmo que no anterior, com a O companheiro sai e o ator do centro regressa aos movimentos
diferença que se escrevem nos papeizinhos nomes de animais cómod os ; entra um segundo ator e fá-lo mudar nov amente.
e não nomes de profiss ões. Pode-se fazer este exercício de
duas maneiras: ou adotando o comportamento típico do ani- A comodidade é, muitas vezes, uma defesa contra o ri-
mal , ou apenas a "personalidade" do animal, quer dizer, a dículo além de ser mecanizadora.
impressão hum anizada que cada um pode ter do animal que
lhe coub e. Tambêm se podem p ôr nos papeizinhos os nomes 22 . VÁRIOS ATORES SOBRE O PALCO - Os que est ão na parte
de ba ixo inventam uma história qu e os que estão no palco
do macho e da fêmea de um mesmo anim al ; os atares pro-
cura m ao fim de 10 minutos o seu par. Não é necessário que re presenta m com mímica. Os que estão embaixo discu tem,
saiam "fêmeas " às moças e "macho s" aos rapazes. falam; os de cima só se mex em .

19 . RODA DO RITMO DA PERSONAGEM - A mesma roda do 23 . JOGO DE PAPÚS COMPLEMENTARES - Variant e do jogo
ritmo, mas com a visão rítmica que cada um possa ter da sua das profissões, com a diferença de qu e nos peq uenos papéis

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estão prof issões ou papéis SOCIaIS compleme ntares: professor- na nossa casa?". A amiga dizia-lhe : "é para teu próprio bem . . .
aluno, marido-mulher, padre-fiel, médico-doente, polícia-ladrão, vem co nosco". Mas a jovem estava decidida a ficar, e não se
operário-burguês, etc. deixar reprimir, e assim foi.
O mesmo pa ra o caso de Bu enos Aires: o rapaz decidiu
ficar na casa até que todos os outros tivessem ido embora ;
VII - QUEBRA DA REPRESSÃO a festa acabou mais cedo, mas não houve repressão.

1. Um ator procura recordar um momento da sua vida em 3 . Na terceira fase do exercício os atares trocam de papéis, in-
que haja sentido uma intensa repressão. terpretando precisamente o cont rário: a negra interpretava o
Na Universidade de Nova Iorque, uma atriz negra re- papel da loura que a tinha impedido de tomar o sorvete, e
cordou ter ido visitar a sua família na Geórgia, um estado do vice-versa ; o pai da jovem era o xerife, e vice-versa; o rapaz
sul onde há uma tremenda repressão racial. A jovem era de judeu era o que mais se empenhava em afastá-lo, e vice-versa ;
Nova Iorque, onde quase não existe tal problema e ao ir (na e assim com tod os os outros.
Geórgia) tomar um sorvete com a prima, não lhe permitiram Neste exercício costumam acontecer coisas interessantes .
fazê-lo junto aos outros fregueses; deixavam-na comprá-lo e pa- Por exemplo: quan do o rap az jude u fez o papel de repr essor ,
gá-lo, mas tinha que ir comê-lo longe dali; se negros e brancos fê-lo melhor do qu e qualquer dos que o haviam feito anter ior-
pudessem tomar sorvetes juntos, como seria possível co ntê-los mente, po rque conhecia muito bem o seu opressor, muito me-
nas outras atividades sociais? lhor do que os atores católicos ou ateus, que nunca tinham
\ Em Buenos Aires, um rapaz recordou ter sido convidado sentido essa forma de repressão; quando o rapaz cató lico fez
para uma festa; quando os com panheiros perceberam que .~ ra de judeu, fê-lo co m total e imensa sinceridade, sem nenhuma
judeu, pediram-lhe que se fosse embora. defesa ( quase se po deria dizer, melhor que o próprio judeu).
O exercício faz-se em três fases . Na primeira, procura-se Mas não: o rapaz judeu estava tão habituado a essa e a outras
reproduzir o fato acontecido, tal como sucedeu, sem acrescen- formas de repressão racial que já tinha desenvolvido forma s de
tar nem tirar nada, com grand e abundância de por menore s. defesa, como o cinismo; assim, quando foi expulso da festa,
Nos dois casos citados, os pro tagonis tas tentaram oferecer al- já sabia como responder, ao passo que o rapaz católico (qua ndo
guma resistência, mas esta foi vencida pelas outras personagens. fez de jud eu ) ficou totalmente ind efeso, ignorando o que se
passava. Um dos negros, que interp retava um amigo da moça
2. Na segunda fase do exercício, o pro tago nista não aceita a negra, fugia quando o xerife o ameaçava com o revólver; pelo
rep ressão. Sabemos que, quando se dá uma repressão seja de contrário, na terceira fase do exercício, um branco que repre-
que tipo for, é por que conta com o apoio da vítima. Se o sentava o seu papel enfrentava o xerife. O negro esclareceu o
homem amar mais a liberdad e que a vida, jamais o oprimi rão : fato: "claro, por que você é bra nco e disso não se pode esque-
. o mais que poderão fazer é matá -lo. Oprimem-nos po rque es- cer, nem sequer durante o exercício; sobre você não dispara-
tamos dispos tos a fazer co ncessões, a aceitar a repressão em riam. .. sobre mim, sim".
troca de co ntinuarmos a viver.
Nesta segunda parte, a negra não aceitava a repressão e 4. CONFISSÕES DO REPRESSOR - Nos exercícios de quebra de
queria tomar o sorvete ali mesmo, ao lado das louras. Imedia- repressão, o ator assume sempre um belo e simpático papel:
tamente se montou contra ela todo o sistema repressivo, in- é a vítima da violência e não o causador dela. Por isso é neces-
cluindo os seus próprios parentes: o pai dizia-lhe: "porque °
sário que mesmo exercício seja feito, nas suas restantes fases,
queres tomar o sorvete aqui e não conosco, que te estimamos, mas pedi ndo-se ao atar que recorde um momento da sua vida

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em que atuou não como reprimido mas como repressor : na quadrando os problemas individuais dentro da área mais am-
terceira fase ele não se verá como o seu algoz mas sim como pla da vida social, política e económica.
a sua vítima.
EXEMPLO DE IMPROVISAÇÃO (em mímica ou falada)
VIII - EXERCtCIOS GERAIS SEM TEXTO
Roteiro para improvisação: O macaco mal educado. Este
I . IMPROVISAÇÃO - }; o exercício convencional que consis- roteiro baseia -se numa história que realmente aconteceu em
te em improvisar uma cena a partir de alguns elementos ini- certo país. Existe documento a tal respeito.
ciais. Os atares que participam devem aceitar como verda-
deiros os dados oferecidos pelos outros durante a improvisação. I . Um militar, oficial superior, passeia com a sua digna
Deve-se procurar completar a improvisação com novos dados esposa, os filhos e a fiel criada. }; domingo, tard e de sol. De-
que os companheiros vão inventando. Em nenhum momento se cidem visitar o jardim zoológico.
pode rejeitar como verdade concreta a imaginação dos compa-
nheiros . 2. Passeiam diante das jaulas e as suas atitudes e rostos
devem denunciar o animal que estão contemplando: elefante,
Para evitar que a improvisação caia numa "lagoa emocio- leão, crocodilo, zebra, passarinhos, peixes, rinocerontes, came-
-nal" e. para que seja sempre dinâmica , é necessário que os
lo, etc. .
atares ponham em funcionamento o seu "motor", quer dizer,
uma vontade dominante que é o resultado de uma luta entre, 3 . Divertem-se muito diante da. jaula dos macacos. De
pelo menos, uma vontade e uma contravontade, a qual deter- repente, a tragédia : um macaco muito desavergonhado mas-
mi-ia um conflito interno, subjetivo; é necessário que essa do- turba-se diante da digna senhora, dos dignos filhos e da fiel
minante se choque com as dominantes dos demais participan- criada do oficial graduado. Pânico moral. Indecisão. Vergonha.
tes, de modo a formar um conflito externo, objetivo; finalmen- Que fazer?
te, é necessário que esse sistema conflituoso se mova quantita-
tivamente e qualitativamente. Não basta que uma personagem 4 . O oficial graduado puxa do revólver e honradamente
odeie sempre e cada vez mais; além disso, deve transmutar esse dispara contra o macaco, que morre imediatamente. Indigna-
ódio em culpa, ou em amor, ou seja no que for. A variação ção de alguns, aplausos de outros. A digna senhora desmaia
puramente quantitativa é muito menos teatral do que a que vem lentamente, dando tempo aos outros para a socorrerem.
acompanhada por uma verdadeira variação qualitativa.
5. Vem o diretor do jardim zoológico, alertado pelo tiro.
Também é necessário distinguir sempre a vontade (que Vê-se forçado a inculpar o oficial graduado pela morte do ma-
pode ser o resultado de um' psicologia caprichosa) da neces- caco masturbador. Um policial toma nota da identidade do ofi-
sidade social. As vontades sobre que interessa trabalhar são,
cial e todos se retiram.
sobretudo, as que exprimem, no campo da psicologia indivi-
dual, alguma necessidade social. A vontade é a necessidade. 6 . No tribunal - O fiscal defende o macaco e o seu d!-
Além disso também interessam as vontades contra as necessi- reito inalienável de se reger pelos seus instintos e não por leis
dades: "eu quero mas não devo" . e convenções humanas.
Os termos para as improvisações devem ser procurados
(especialmente nos grupos de teatro popular) nos jornais do 7 . O advogado de defesa alega que o ma,:,aco . violou o
dia, a fim de facilitar a discussão ideológica e política, en- direito inalienável do oficial graduado de se ' divertír com a

108 109

.. •
família, numa tarde de domingo cheia de sol. Segundo a de- 3 . INTERROGATÓRIO - Vai um ator para a "berlinda" e todo
fesa, o macaco não possuía a mínima educação necessária para o elenco o interroga sobre a sua personagem, sobre o que pen-
pertencer ao jardim zoológico de uma cidade civilizada como sa das outras personagens e sobre as circunstâncias da obra.
a nossa, de tão arraigadas tradições cristãs. Fala dos grandes Realiza-se o exercício como se se tratasse de um julgamento
próceres históricos do país, dos seus cientistas e letrados, da da personagem (com a imaginação e as emoções) .
Academia das Letras, etc., e até de alguns animais exemplares,
em especial os importados, que dão mostras de educação avan- 4. HtSTÓRIA CONTADA POR MUITOS ATaRES - Um ator co-
çada: o flamingo, as araras, etc. meça uma história que é continuada por um segundo ator,
seguindo -se um terceiro, até que todo o elenco tenha contado
8 . O juiz decide absolver o oficial graduado, por entre essa história, cada qual um pedaço. A par disso, outro grupo
os vivas dos presentes; além disso sentencia uma pesada pena de atores pode fazer a mímica da história que está sendo con-
para todos os outros macacos da mesma jaula, considerados tada.
cúmplices do macaco assassinado, já que nada fizeram para 5 . MUDANÇA DE HISTÓRIA - Uma obra teatr al conta uma
impedir imediatamente o nefando crime da masturbação. Fi- história, quer dizer, conta o que acontece; mas a obra con-
cam todos condenados a severíssimas aulas de boas maneiras, tém também em si própria a negação do que acontece, ou
a cargo dos mais enérgicos veterinários. seja, o que não acontece. Para que os atores tenham presentes
todas as possibilidades de coisas que podiam ter acontecido
9 . Sorridentes e felizes, com a consciência tranqüila, saem
mas não aconteceram , convém ensaiar cenas que não aconte-
todos do tribuna l: foi feita justiça! ceram: como teria sido o casamento de Hamlet e Ofélia, como
Otelo teria perdoado a Desdêmona, como Edipo teria perce-
2 . CÂMARA ESCURA - Um ator num local mais ou menos bido que não tivera culpa nenhuma e se teria separado amis-
escuro, com um gravador ao lado, senta-se e fecha os olhos. tosame nte da SUa mãe-esposa, como um governo militar teria de-
Outro atar, ou o encenador, começa a dar-lhe ordens, infor- cidido libertar o seu povo do imperialismo, como o povo bra-
mando-o onde se encontra : em tal rua. O atar deve imaginar síleiro teria sido feliz sob a ditadura, etc.
a dita rua e descrevê-la nos seus mínimos detalhes, incluindo A fantasia não tem limites. E sempre bom que o ator
a roupa que tem vestida nesse momento e a cara das pessoas saiba o que poderia ter acontecido; assim interpretará mais
que passam. O_encenador ordena então, por exemplo, que ele vigorosamente o que realmente aconteceu.
entre num restaurante (o ator continua a falar e descreve o
empregado, as cadeiras, as pessoas que comem, etc.), que se 6. TROCA DE PAPÉtS - Para que todo o elenco possa contri-
sente e procure roubar a carteira de um gordo que lê distraida- buir para a criação de todas as personagens (ainda que não se
mente o jornal. Isto é um exercício de imaginação, que tam- utílize o sistema "coringa" e que cada ator interprete uma
bém deve libertar a emoção do ator. Neste caso, o ator, depois só personagem durante toda a obra) . Ensaiam-se as cenas com
de comer durante alguns minutos e descrever na perfeição o os atores interpretando personagens diferentes da qual lhes
aroma e o sabor da comida, foi ao banheiro, não consegu iu cabe (cada ator a personagem de um outro). Assim, cada qual
roubar, pagou 3 conta e desatou a correr pela rua com medo pode dar a SUa versão das demais personagens e estudar as
do ato que não tinha sido cometido. Depoi s de o exercício versões que os outros atores lhe dão da sua.
acabar, o atar escuta tudo o que ele próprio disse, ou procura
pela segunda vez recriar toda a ação e percorrer novamente 7 . UMA FRASE DtTA POR MUITOS ATaRES - Cada ator pro-
as emoções. nuncia uma palavra de uma longa frase previamente escolhida,

110 lI!
pro cur ando dar-lhe a inflex ão que a palavra teria se a fra se fazem o atar cair numa tristeza imóvel, ou alegria, ou seja o
fosse dita po r uma só pessoa. Par a facilitar o tr abalho, um que for, mas sem o co nstante flu ir da idé ia ). E isso serve para
ata r pode, no princíp io, dizer tod a a fra se da maneira que estrut ura r a cen a em função da ação principal, posto que os
mais lhe agradar. .e tod os os o utros tem:.,.ão imitá-lo, pronun- pensam ent os devem referir-se a essa ação princip al qu e decor-
ciando cada um uma só pal avr a. re. A lém disso, este exercício serve para o atar preparar o
subtexto,

IX - ENS AIO S DE M OTIVAÇÃO COM TEXTO 2 . MOTIVAÇÃO ISOLADA - Muit as vezes torna-se difícil para o
atar man ejar a com plexidade de uma mot ivaç ão, com o par a
I . COMENTÁRIOS - O pensa me nto nun ca deixa de fluir: uma um pint or se pod e to rna r difícil utilizar todas as co res da pa-
pessoa está sempre a pensar. A comunicação do atar com o leta ao mesmo tem po.
espectador dá-se a dois níveis: onda e sub-onda. Quer dizer,
A motivação isolad a consiste em ensaiar separadamente
o ser human o é capaz de transmitir, e é capaz de receber muito
as co mpo nentes de uma motiv ação , pelo menos em três fases :
mais do que aquilo que é capaz de ter con sciência de estar
primeiro a vo ntade, depoi s a co ntra von tad e e finalmente a
transmitindo , e é capaz de receber muito m ais do que aquilo
que é capaz de ter consciência de estar receben do . Quando do minante . Por exemplo : Hamlet quer-se matar mas também
duas pessoas se amam, compreendem-no muito antes de o di- quer viver. Ensaia -se primeira a vontade de se matar (elimi-
zerem uma à outra; antes de pedi r aumento de salário , o ope- nando qu alquer desejo de co ntinua r a viver, isolando comple-
rário já sabe se o patrão vai co ndesce nder ou não: percebe-o tamente ess a componente da motivação ) , e em seguida en-
através da sub-o nda. De igual mod o, o atar comunica a nível saia-se só a componente de viver (eliminando qu alquer desejo
do co nsciente pelas pa lavras q ue pro nun cia, pelos gestos que de morrer ) . Finalmente ensaia- se a dominante, qu er dizer, a
faz, pelos movimentos, etc. Mas também co munica através da motiva ção comple ta . Isto aj uda o ata r a manejar cad a compo-
sub-onda, pe los pensamen tos qu e "emite" . Q uando aquilo qu e o nent e e a integrá-Ia depois na totalida de . A interpretação da
atar pensa está em desacordo com o qu e diz e faz (qua ndo há de- dominante será tanto mais dialética quanto maior for o do-
saco rdo entre on da e sub-onda) pro duz-se no recept or-especta- mínio do ator sobre a vontade e a contravont ade.
dor a mesm a interferência que se produz no r ádio : o especta-
dor recebe uma informação juntamente com outra contradi- 3 . EMOÇÃO PURI FICADA - Acontece com as emoções o mes-
tória e não po de registra r as du as. Se o ata r, enquanto repre - mo que co m a motivação. Na realidad e, as emoçõe s nunca
senta, pensa em coisas que nada têm a ver co m a sua atuação, são puras, nunca se pode experimen tar o "ó dio puro", O "amor
tal pensam ento será tr an smitid o ao espectador do me smo puro", etc. Mas isto é uma necessidade para o ato r numa
modo qu e a sua voz. fase de criaç ão da pers on agem . Ensaia-se uma cena dando a
O ensaio de com entário consiste em fazer co m que todos todo s os atares apenas um a emo ção básica pura (as duas emo-
os atares qu e não falam digam em voz baixa os seus pens a- ções principais são o amor e o ódio) . Os ata res representam
mentos, enquant o o qu e nesse momen to tem a pa lav ra diz o primeiro só com ódio, exp rimindo um ód io violento e terrível
texto em voz alta. As sim, todos os atares fala rão durante tod o em cada frase e em cada gesto . Depois re present a- se a mesma
o tempo, exp licando os seus pensamen tos e da ndo um a certa cena só co m amor . Escolhem-se pa ra cada cena , segun do o con-
dinãm ica à sua atu a ção (porque o pensa mento estar á sempre flito específico que apresen te, as emoç ões mais conveni ent es:
em movimento, em relação direta com o que acontece no palco, impaciência, nervosismo, desinteresse, medo. ou características
evitando-se deste modo as "lagoas de emoção" estáticas que morais com o a coragem, a covardia, a mesquinhez, etc . .

JJ2 lI3


Existe também um tipo de ensaio chamado "a que o pa- fazer uma pausa artificial antes de falar, durante o qual o
riu!" no qual o ator acrescenta esta frase no fim de cada ora- atar pensa (ou diz) um resumo do que o seu interlocutor
ção do texto. acaba de dizer. Inclui assim, na sua ação, as ações dos outros,
evita o isolamento subjetivo e integra-se na estrutura conflitual
4. PAUSA ARTIFICIAL - A repetição das mesmas palavras e geral.
dos mesmos movimentos durante os ensaios e durante as repre-
sentações tende a criar um efeito hipnótico sobre o atar, que 7 . INTERROGAÇÃO - B uma variante da pausa artificial, em
o fará sentir e perceber mais fracamente o que diz e faz, e que o atar se interroga sobre o que o~viu e sobre ? .que vai
por conseqüência transmitir isso mais debilmente. O ensaio de dizer ou fazer, e especula com as diferentes pos~lb.lhdades.
pausa artificial consiste em não permitir que o atar fale ime- Assim, a escolha do atar será determinada pela duvida, por
diatamente, ou faça imediatamente o que tem que fazer, mas um conjunto de possibilidades e opções, eliminando-se o me-
que, pelo contrário, faça uma paus a artificial de 5, 10 ou mais canicismo.
segundos. O ata r perde assim o apoio mecânico que o ritmo lhe
dava, perde a segurança "estrutura l" do espetáculo, e a sua 8 . NECESSIDADE CONTRA VONTADE - Muitas vezes a "von-
atenção e sensibilidade voltam a despertar. A pausa artificial tade" da personagem não faz mais que exprimir em termos
pode ser preen chida com qualquer tipo de pensamento. individuais uma necessidade social. A necessidade social toma
corpo e individualiza-se numa "psicologia". A. ~ete.rmina?te é
5 . PENSAMENTO CONTRÁRIO - B um exercício de pausa ar- a função social da personagem e não a sua_IdlOssmcras~a: .0
tificial, durante o qual o atar pensa em fazer ou dizer exata- papa "quer" que Galileu responda às acusaçoes da . I?ql uSlçao
mente o contr ário do que fará ou dirá. Sabendo o que vai dizer, simplesmente porque é o papa . A guerra de. genocldlO. contra
o atar tende a não incluir a possibilidade de deixar de o dizer, o her6ico povo do Vietname foi conduzida ~r. três pr.eslde~tes:
ou a possibilidade de dizer o contrário do que dirá, ou ainda Kennedy , Johnson e Nixon. Três caracte~lS!lCa~ pSlcológtca~,
de incluir dialeticamente o contrário do que diz naquilo que mas uma s6 função social: presidente do imperialismo andro-
realmente diz. O atar tende ii dizer só o que as palavras signi- fobo, A personagem "acredita" na ação que, por "necessida-
ficam, sem incluir as suas conotações particulares. No ensaio de" deve empreender. Mas também se pode dar o caso de a
do pensamento contrário (que é também um ensaio da possível vontade individual entrar em conflito com a necessidade social.
ação contrária) o atar primeiro pensa e sente exatamente o Neste ensaio o atar procura sentir, compreender e demonstrar
contrário do que dirá a seguir, assim o seu texto e a sua ação que todas as suas ações são determin adas com antecedência re-
incluirão todos os matizes possíveis de variantes. Quando Romeu lativamente a tudo o que ele possa ou não "querer". Ens aia-se
diz a Julieta que a ama, deve antes disso sentir a imensa a oposição entre o "querer" e o dever"
li ever , entre o u eu quero..
irritação que lhe provoca o fato de ela não o deixar ir-se em- e o "eu tenho que .. . ". Fá-lo , ainda que não O queira fazer.
bora, pondo assim a sua vida em perigo. Antes de matar Des-
dêmona, Otelo deve sentir um profundo desejo de fazer amor 9. VELOCIDADE - Ensaio também chamado "de dois toques",
com ela. que é um exercício típico do futebol brasileiro. Nenhum J og~'
dor pode manter o controle da bola mais que dois toques. Nao
6 . REPETIÇÃO DA DEIXA - O fato de ouvir muitas vezes outro pode pará-la e, depois de tocá-la no máximo du~s vezes,. ?ev.e
atar que diz sempre as mesmas palavra s resulta também hipnó- passá-la a um companheiro. Este ensaio é especla:m~?te I?dl-
tico: já não se ouve, já não se entende, já não se compreende cada para atares como os argentinos, de formaç ão stanisla-
o que o outro diz. O ensaio de repetição da deixa consiste em wskiana" através do Actor's Studio: atores que desenvolvem a

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subjetividade em grau extremo e permitem que à subjetividade temente" todas as palavras do seu texto, procurando transmi-
se tr ansforme em realidade, mostrando ao espectador não uma ti-las com o seu conteúdo através da sub-onda. I:. indispe nsá-
realidade objetiva mas sim a sua visão subjetiva dessa reali- vel uma violenta concentração. Deve-se evitar que este ensaio
dade. Este processo transforma o realismo em expressionismo: se transforme num ensaio de "mímica": não se pode acres-
a realidade é vista através de . alguém. Alguns atores fazem centar nenhum gesto ou movime nto par a ajuda r o compa nheiro
paus as mu ito longas para dizer " bom dia" . Estas to rrentes de a desco brir em qu e ponto do diálogo se vai; não se trat a de
subjetividade (ca da qu al tem a sua) imp edem a estruturação um jogo, mas de um exercício de laboratório : o atar tem qu e
das ações, pois cada atar pr ocura impor a sua visão pessoa l transmitir efetiva men te através da sub-onda.
sob! e a realidade . No exer cício de velocidade o atar deve, no Quando os ata res fazem bem este exercício, os result ados
mais curto espaço de tempo e co m a maior violência emocional são sensacionais. Hou ve casos em que foram admi tidos especta-
e clareza de idéias possível, fazer com que a ação se desen- dores na sala duran te um ensa io mudo, realizan do-se em se-
role com grande rapidez. guida um debate : os espectado res puderam discutir perfeita-
mente a obra sem sentir a falt a do diá logo ; tinham visto teatro.
10 . ANTES E DEPOIS - Trata-se de meros ensaios de impro -
Em espetáculos concebidos com o sistema "c oringa", o
visação sobre o que se teria pa ssado antes da entrad a em cena
ensaio mudo é indispensável para evita r que as máscar as se
de ca da ata r e aquilo que se iria passar a seguir, a fim de dar
continuidade à a ção e fazer com que o ator entre em cena converta m em clich ês, símbolos ou sina is. O ensaio mud o ajud a
"aquecido". a "s tanislawskianizar" as máscaras.

II . TRANSFERFNCIA DE EMoçÃO. - E um ensaio ba stante me- 13. CÂMARA LENTA - O atar tem necessari am ente um ponto
cânico e fastidioso, mas que pode dar bon s resultados em caso de vista subjetivo quando int erpreta uma person agem, e v; a
de bloqueios inexplicáveis. Conta-seque um atar tr ansmitia um ob ra e as out ras per sonagens segundo esse ponto de vista subje-
medo terrivel da morte quando enco stava o revólver à cabeça tivo. Por isso convém que os primeiros ensaios se façam sem
e ficava na dúvida se se havia de matar ou não. A "memória que os atares saiba m que papéis vão representar. Em contra-
emotiva" especial desse atar consistia em pensar como era ter- partida, o encenador , tem que ver a obra e o espetáculo na to-
rível tom ar um banho de chuveiro frio no inverno. O atar fa- talidade, na sua objeti vidade. Este conflito entre a subjetividade
zia um a original transferência de emoç ão que vencia o blo- do atar e a necessária objetividade do encenado r sacrifica mui-
queio da sua incapacidade de sentir a morte iminente. Uma tas vezes a possível riqueza criadora do ator, Uma cena pode
outra atriz jamais sentira um orgasmo e, para conseguir sentir pre cisar de uma det erm inada "velocida de" que impede o len-
tod a a felicidade e repouso da sua per sonagem após uma bela to desenvolvimento de um a person agem. O ensaio de câmara
noite, recorria, com a ajuda da sua memória emotiva, a um lenta resolve este problema e dá ao ata r tod o o tempo de que
dia de sol na s praias de Itapoã, Bahia, tom ando um sorvete carece para desenvolver todas as ações , transições e movi-
de coco. Estas transferências de emoção nã o são desonestas mentos que sinta vo ntade de realizar, e depois de os desenvol-
pois ajudam o ata r a sentir e a mostrar uma emoção a par- ver será mais fácil condensá-los. Este exercício deve ser feito
tir de outra: a água fria no inverno tem algo de mortal,
alternadamente com o de velocida de.
assim como um sorvete nas praias quentes de Itapoã tem algo
de orgásmico. (
14 . SENSORIAL - Variante do de câma ra lent a. O ata r pro-
cura abrir os sentidos a todos os estímulos exteriores, entrando
12. MUDO - E ste é o ensaio da sub-onda por excelência. O
ata r tem de respeitar toda a marcaç ão e ritm o, e pensar "for- em relação sensori al, sensual e até sexual com o mundo exte-
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rior. Há gente que até o amor faz mecanicamente de forma que não é dito e os movimentos que não são feitos. Por isso
não-sensual. Pelo contrário o ator até uma fórmula matem ática este exercício representa um perigo para 'os atores de imagi-
deve enunciar de forma sensual, isto é. "esteticamente". nação demasiado fértil, capazes de fantasia rem a atuação dos
invisíveis ao ponto de projetarem sobre eles imagens que eles
15. MEtA-VOZ - O esforço físico necessário para emitir a voz próprios criam, passando a representar com imagens e não com
para. fazer um movimento, para ampliar uma expressão d~ realidades. Estes atores devem compreender que "teatralidade"
ma neira a chegar a um grande auditório (por exemplo quando é interação.
se representa a~ ar livre para milhares de espectadores, por
entre os qUaIS circulam cães e outros animais), pode freqüen- 19. ExAGERO - Os atares exageram todas as emoções, mo-
temente ~azer com que o ator perca a riqueza de pensamento vimentos, conflitos, etc., sempre dentro do rumo certo mas ul-
ou emo~ao. de determinada cena. O ensaio a meia-voz é útil trapassando o limite aceitável. Não se trata de substituir uma
para revitalizar essas cenas,. permitindo que toda a energia do coisa por outra, mas apenas de exagerar : quando se odeia exa-
ator se concentre no essencial e não na potência da voz: faz gera-se o ódio, quando se ama exagera-se o amor, quando se
com que o ator se ouça a si próprio e se perceba. grita exagera-se o grito, etc. Parà encontrar a focagem correta
do microscópio, o cientista não vai focando pouco a pouco até
16 . CIRCUN~T ÂNCtAS ?POSTAS - Serve para romper com toda chegar ao ponto necessário, mas ultrapassa-o e depois, com
a estrutur~çao determinada pelo conhecimento antecipado do maior segurança, volta 'atrás até encontrá-lo . Também a medi-
atar daquilo que vai dizer, ouvir ou fazer. O ator habitua-se da correta da representação se encontra depois de a haver exa-
a andar passivamente em cena sem sequer perceber o que se gerado e não antes.
passa: Para _ev~tar isto, obriga-se o atar a representar a cena
em circunstâncías opostas àquelas em que normalmente a re-
presenta. Por exemplo : uma cena de grande violência deve ser
representada Com muita suavidade ; o atar deve transmitir o
mesmo conteúdo sem usar as mesmas palavras; ou se altera to-
taI~ente a marcação; ou se representa uma cena naturalista,
cheia de objetos, apenas Com palavras, sem objetos; ou se re-
presenta um texto de Lope de maneira naturalista ou vice-ver-
S3 . As circunstâncias opostas podem referir-se ao cenário ao
texto, às motivações ou a qualquer outro elemento. '

17. :M,UDANÇA DE 'G~NERO - Variante do anterior em que se


determina uma variação do "gênero" do espetáculo: circo ca-
rica!Ura Jos teatros "oficiais", naturalismo) teleteatro mel~dra­
mático, farsa, etc. 20 . ENSAtO LfVRE - Permite-se ao atar fazer tudo o que sinta
vontade de fazer, de alterar os movimentos, o texto, tudo; a
18 . .PERSONAGEM IN.VISÍVEL - ~epresenta-se uma cena evi- sua única limitação é a segurança física dos outros, para que
d.enclando um ~u mais atores, para obrigar os outros a eviden- possam por sua vez criar sem medo. Este ensaio baseia-se ~o
ci á-Ios e a o_uvl-Io~. ~t.ranhamente, muitos atares conseguem fato de grande parte da criação artística ser racional, mas ~ao
u~a percepçao mais n ítida dos companheiros quando ' não 0< toda. Sempre aparece algo inesperado, um atar que se deixa
veem. Deste modo os atores são forçados a imaginar o diálogo levar por sensações de momento, irracionais, não preestabele-
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cidas. Podem- se conseguir muitos matizes com este ensaio li-
23 . TROCA DE PERSONAGENS - Para um melhor conhecimen-
bertador. Quando o atar se torna inseguro sobre o que farão to de todas as personagens, faz-se um ensaio trocando os atares
e as suas personagens (especialmente dentro de uma mesma
os outr~s, isto incita-o a ,criar e a observar. Este ensaio pode
relação : marido-mulher, pai-filho , patrão -operário, etc. ). Os
ser pengoso se for praticado antes de estarem definidas as
coordena das básicas e racionais , fundam ento da idéia do es- ata res não têm que decorar o texto dos outros, só têm que dar
petáculo. a idéia geral, o conteúdo do papel.

21 . RECONHECIM ENTO - Consiste em o atar realizar todas as 24 . RITMO DE CENAS - Num ensaio com o texto verdad eiro,
os atares inventam um ritmo que lhes pareça conveniente para
ações e dizer todos os textos, não no presente, aqui e agora,
mas prevendo o que fará no futuro. Como se estivesse pensando cada cena, e começam a representar dentro desse ritmo. O
sempre : "direi isto, farei isto, mas não agora". Reconhecem-se ritmo deve mudar quando mund a o conteúdo da cena. Não se
primeiro os caminhos que se vão percorrer mas sem os viver trata de cantar o texto, mas de dizê-lo ritmicamente. Este exer-
simplesmente reconhecendo-os. ' , cício facilita a integração do elenco e a estruturação objetiva
das "subjetividades" .
22. CARICATURA - Pode conseguir-se de duas maneir as: ou
o próprio. atar ridiculariza a sua inn rpret ação, ou fá-lo um 25 . R ELIGIOSO - Uma cena é representada como se fosse uma
compan~elro. Bergson dIZ que uma pessoa se ri do seu próprio missa, com profunda religiosidade ; cada detalhe adquire enor-
_Jtom atlsmo e da sua própria rigidez. Quando se faz a cari- me import ância, torna-se magnífico. r:: a perfeita antítese do
catura de alguém, o que provoca o riso é o que há de surpre- ensaio "deixa andar".
endente no comportamento automatizado C:" caricaturado. Se
o at.or puder ver, através da caricatura, o que é que está auto- 26 . AN ALOGIA - Para desenvolver mais livremente a imagi-
matizado na sua própria interpretação, facilmente poderá al- nação, os atores decidem improvisar uma "analogia" da cena
terar e revitalizar o seu trabalho. que devem ensaiar. Por exemplo, se se trata de ensaiar uma
cena sobre a repressão fascista da polícia, nada melhor do
que fazer uma improvisação "analógica" com a repressão nazi
sobre os judeus na Alemanha hilleriana, ou com a polícia de
Wallace contra os negros do Alabarna.

x- SEQOr::NCIA E ENSAIOS "PI QUE-PIQUE"

Estes ensaios servem principalmente para desenvolver a ra-


pidez dos ata res, a sua capacidade de mudan ça brusca de emo-
ção ou de personagem, dando-lhe uma maior flexibilidade fí-
sica, mental e emocional, maior concentraçào e atenção . Quan-
to mais difíceis são as condições para o trabalho do atar, mais
rico se torna o seu desenvolviment o. Estes ensaios são abso-
lutamente necessários para os espetáculos que utilizem o sis-
tema "coringa" ,
J2J
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nas quais esteja necessariamente um ater designado para a
1. PIQUE-PIQUE SIMPLES - Todos os atores contra a parede.
"berlinda", Serve para concentrar a eficácia do exercício sobre
O encenador ou um ator diz uma frase qualquer do texto e
determinado ator que tenha qualquer dificuldade especial.
indica uma maneira de representar a cena : a caricatura, qJID
ódio, com amor, com exagero, etc. Imediatamente todos os
4 . PIQUE-PIQUE TACA-TACA PING-P~~G - J;;. uma variante
atores que participam na cena que inclui aquela frase correm que aumenta a dificuldade. Nos e.xerclclos antenores, o; atores
e colocam-se nas posições que ocupam quando essa frase é passam de uma cena para a seguinte sem regr,:ssa;em as ante-
dita; iniciam a ação a partir dessa frase, com a motivação so- riores. Na variante pingue-pongue, se o ator nao tiver texto na
licitada. Ao fim de alguns minutos, um 'segundo ator diz outra cena principal (a última) deve fazer pingue-pongue para uma
frase e outra motivação. Imediatamente se interrompe a ação das cenas em que a personag~m que encarna .t~nh~ texto ou uma
da cena que se estava representando e começa-se, sem perda ação fisica importante a realizar. Este exerc ício e um constante
de tempo, a segunda cena requerida, colocando-se logo os ato- pingue-pongue de atores através das cenas. Cada ator, ao. salt~r
res nas posições que ocupam quando essa segunda frase é dita; de uma cena para a outra, deve iniciar bru~camente a ~ohvaçao
e sempre desta forma com várias frases e motivações. solicitada: amor, ódio, etc. O ator tem aSSIm a possl;"hdade de
experimentar cinco cenas e cinco maneiras de. íaz ê-las. Estes
2. PIQUE-PIQUE TACA-TACA - Exatamente igual ao anterior, saltos devem ter a velocidade de uma bola de pmgue-pongue.
com a diferença que os atores que entram na primeira cena, A fim de obrigar a aumentar a concentração, este exercí-
mas não na segunda, continuam interpretando a primeira, ao cio pode ser complementado com uma música que nada tenha
mesmo tempo e no mesmo lugar em que se interpreta a se- a ver com as cenas.
gunda. Como pode . acontecer que alguns atores da primeira
cena tenham tido que ir fazer a segunda, os que se mantêm
na primeira também fazem o exercício da personagem invisível.
Ao fim de alguns minutos, um terceiro ator pronuncia uma ter-
ceira frase e uma terceira motivação: todos os atores que estão
em cena começam imediatamente, a partir dessa frase, a re-
presentar da maneira requerida pelo terceiro ator. Os atores
que estão na primeira ou na segunda cena, mas não na terceira.
continuam nas suas respectivas cenas, com personagens invi-
síveis se necessário. Deste modo estarão sendo interpretadas
três cenas simultâneas, de três maneiras diferentes. O número
máximo é de cinco cenas sobrepostas. Quando uma cena aca-
ba, os atores prosseguem com a cena seguinte. Quando for o
caso da última cena da obra, recomeçam a primeira. Uma vez
iniciada uma cena, não podem passar a outra cena todos os
atores: deve ficar pelo menos um em cada cena (sendo todos
os outros personagens invisíveis), de modo que no fim haverá
cinco cenas simultâneas, cada uma com pelo menos um ator.

3. PIQUE-PIQUE TACA-TACA NA BERLINDA - J;; uma variante


na qual todas as frases pronunciadas devem pertencer a cenas
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tanto havia que aprender e criar. E
a solução óbvia era aprender crian-
do - ou criar aprendendo. E essa
constante criação/aprendizado pas-
sou a ser a tôníca do trabalho de
Augusto Boal, e é a que extravasa
dos livros por ele publicados.
200 EXERCteIOS E JOGOS PA-
RA O ATOR E O NAO-ATOR COM
VONTADE DE DIZER ALGO ATRA-
VÉS DO TEATRO é o terceiro livro

I de uma série que começa com Tea-


tro do Oprimido (também publica-
do pela CIVILIZAÇAO BRASILEI-
RA), onde já se define a idéia de
transformar o espectador em ser
atívo, em protagonista do fenôme-
no teatral. Segue-se Técnicas latino-
americanas de teatro popular, onde
são demonstradas e debatidas as for-
mas pelas quais o povo passa a uti-
lizar o teatro em proveito próprio.
Finalmente, este llvro completa o
ciclo, sistematizando todos os exer-
cícios utlllzados pelo Teatro de Are-
na entre 1956 e 1971, oferecendo
métodos de importância inestimá-
vel para o atar profissional, mas
que, fundamentalmente, servem ao
homem comum comei meio de de-
sentorpecer o corpo e a mente dos
condicionamentos impostos pela vi-
da atual. Para que o teatro volte a
ser um bem comum a todos, prati-
cável por quem quer que deseje de
alguma forma exercê-lo, mesmo que
não-profissionalmente, mas como
Imp resso em olf-set por forma de expressão coletiva dos
EDITORA SANTUÁRIO mais legítimos anseios de expressão
Rua Pe. Claro Mon teiro . 342
Acerectda . São Paulo e llbertação.
Fone DDD (0125) 36·2140
com filme s fornecidos pelo editor.
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

200 EXERCÍCIOS E'JOGOS PARA O
ATOR E O NÃO-ATOR COM VON-
TADE DE DIZER ALGO ATRAVÉS
DO TEATRO

é o novo livro de uma série que começa com


Teatro do Oprimido, já publicado por esta Editora.

AUGUSTO BOAL F

- um dos nomes mais importantes do teatro atual,


dentro e fora do Brasil - sistematiza aqui todos
os exercicios utilizados pelo Teatro de Arena de
São Paulo entre 1956 e 1971, oferecendo exercicios
práticos da maior importância, não só para o ator
profissional, mas também para o homem comum,
como meio de desentorpecer o corpo e a mente
dos condicionamentos da vida atual e de ter acesso
a essa elevada forma de expressão coletiva que é
o Teatro.

Mais um lançamento de categoria da


• CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

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