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Vaga Carne
Carne
Editora Javali
Javali
Editora Javali
Javali
edição
1a edição
Vaga
Belo Horizonte
Editora Javali,
2018
2018
Carne
Grace
Passô
Passô
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A encenação de Vaga
Carne estreou no dia
31 de março de 2016,
às 21 horas, no
Teatro Paiol, em
Curitiba (PR/Brasil).
(PR/Brasil).
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Vozes existem.
Vorazes.
Vorazes.
matérias.
Pelas matérias.
E vez ou outra, quando percebes que o vidro
trincou sem aparente motivo.
motivo.
Ou mesmo a rã que saltou, um dia, em altura incomum.
incomum.
Ou quando a torneira gotejava sem interromper,
sem interromper, sem interromper, sem
interromper... Vá olhar!
olhar!
Não é de tudo certo, mas é possível que não seja
um acontecimento físico da matéria, mas, sim, ela,
a matéria, invadida por vozes.
vozes.
Que existem. Vorazes. Pelas matérias.
matérias.
E vez ou outra, quando percebes, em qualquer
espaço, qualquer expressão que parece maior que a
imagem do que vê, talvez estejas diante de mim e
nem saibas.
saibas.
Companheiros...
Companheiros...
Já invadi vários patos. Patos. Já. Pato é danado.
Tem humor, sabe? Mas não é humilde
h umilde por dentro
como parece sua
imagem, não. Pato,
você não me engana
mais.
mais.
Já os cães são superiores. Por dentro, são. Seus
latidos são as verdadeiras medidas das distâncias
no espaço. Latido
proximidade.
proximidade. lá, lonjura. Latido aqui,
Os cavalos: a crina, o rabo, são espaços lindos, lindos...
lindos...
Os cremes, eu gosto de invadir. São deslizantes,
fazem um barulhinho por dentro como se suaves
bolhinhas explodissem. Suaves bolhinhas. Mas
isso é só para os ouvidos dos cães, não pra vocês,
coitadinhos...
coitadinhos...
Já o café, o café, companheiros, é um rock .
Quando você penetra no café, ele fica te jogando
deu uremco lm
E adeond
ndo
por,o cooum
trpoa, nchoem
iro ss.eNtãeoeéxppuolsasessesiv
ivo
doe. sO
i.
café te movimenta.
movimenta.
A mostarda já é estranha. Não entendi bem a
mostarda, mas, não sei, achei respeitosa.
respeitosa.
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Companheiros, eu nãoRespeito
posso falar por vocês. sou um bicho.
vossasPortanto, não
existências,
não tenho a prepotência de entendê-los, caros
coitados que são, mas vamos tentar dialogar.
Vamos. De diferente para diferente. Aprendi como
os seres humanos falam, como escutam, que é
preciso falar com certeza, assim como estou falando
neste momento, para ser ouvida por vocês. Por
aleatoriedade, escolhi falar no feminino, enquanto
vossa espécie não define se fala como macho ou
como fêmea.
fêmea.
Sei também que vocês têm dificuldades de entender
o que não é vocês mesmos, mas vou tentar
explicar:
explicar:
isso.
Sou uma voz, apenas isso.
E, mesmo sabendo que vocês não acreditam nesse
tipo de exis- tência, que não é humana, vim até
aqui, proferir sons de vossas línguas limitadas.
Línguas que não
decidem. Não
decidem se falam o que
escrevem, ou se
escrevem o que falam. Estou me comunicando com
palavras de um
tão egoístas, tãobicho humano,
egoístas, porque
que só vocês as
entendem são
próprias línguas. Eu poderia me comunicar em
Código Morse, em sons inaudíveis, em ondas
magnéticas, ou qualquer outra coisa assim. Vocês
pensam que minha existência não existe, mas
precisam saber que vozes existem sim. E invadem
matérias. E são vorazes pelas matérias.
matérias.
Ontem entrei em você, coisa. É possível. Mas você
não lembra. Lembra? Lembra sim... você pensou
que era a lepra, o ven-
ven-
to, a luz que
imagem. simplesmente
Tudo pincelou
imagem: imagem o brilho
cadeira, da sua
i magem
imagem
sofá, imagem azeite, imagem âmbar, imagem pato,
imagem cavalo, imagem cachorro, imagem mulher.
mulher.
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vegetação, ou... uma...máquina, tudo move, move,
move, percebem?
percebem?
Silêncio. O corpo continua sem ação.
ação.
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sangue.. Acho
Afogada no sangue que estou cheia de sangue!
Devo estar vermelha, é uma textura, estou puro
sangue violento, puro sangue veloz, verdade, o
sangue é tempestade e tudo move, move, move,
freneticamente move, move, vocês percebem?
percebem?
Um braço se ergue como uma porta velha que range lentamente.
lentamente.
... enquanto tenta erguer o braço. Nunca
precisei fazer
tanto esforço. É como uma embarcação, estou
erguendo uma vela gigantesca, é como mover um
barco, como se estivesse numa tempestade e é meu
som que move o leme.
leme.
Balançando a cabeça. Ela
está balançando a cabeça?
Eu estou tentando daqui. Esta mulher está
balançando a cabeça? Essa espécie de sino, espécie
de grande capela, grande capela. Estou dentro de
um ninho, como se numa floresta...
f loresta... O sangue, o
sangue é uma tempestade, epidemia, e aqui há
espécies de ramos, eu estou sentindo ramos, é
nojento, é como adubo da terra, é essa a
consistência, entendem?
entendem?
Movendo os olhos pelo espaço. E aqui, os faróis da
paisagem. Olhos
são faróis.
faróis.
Ou são
facas?
facas?
Ou
moluscos.
moluscos.
junto.
É um susto. É o diabo. É tudo junto.
fechando
Abrindo e fech olhos. Abrir
ando os olhos ostra, fechar ostra,
ostra,
abrir ostra, fechar ostra, abrir ostra, fechar ostra.
Coisa de chupar. Olho deve ser coisa de lamber.
lamber.
público.
A Voz vê o público.
Olá, bichos ferozes! Se virássemos o corpo desta
mulher ao avesso, a pele desta mulher que vocês
estão vendo, ela é que entenderia seu escuro de
dentro, não vocês
coitadinhos. Quemque
é você,
ficammulher?
espian-Odo,
pato, a
mostarda, as estalactites, a hélice do avião eu
entendi imediatamente quando entrei, mas você...
você...
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acontece.
Nada acontece.
É pior pra você, eu estando aqui, ninguém vai te
entender no mundo, você vai virar uma
expressão estranha.
estranha.
Anda, deixa de ser
E d i t o r a J a v
bo ba. Dá t ra ba lh o de ma is te
al i
m o ve r, carne, eu vou me cansar, é exaustivo.
exaustivo.
Nada acontece.
acontece.
Isso é um absurdo, onde está o meu direito de ir e
vir? Você não vai dormir porque eu vou ficar
berrando aqui.
aqui.
Nada acontece.
acontece.
Idiota! Babaca! Otária! Egoísta! Gorda! Patética!
Metida! Homofóbica! Pouco! Racista! Mal informada!
Lésbica! Violenta! Insossa! Eu sei o que você quer,
eu sei bem o que você quer, você quer me
aprisionar, você quer que eu seja uma mera
represen- tação de você, carne, você é patética.
Você quer fechar os olhos e que então eu comece a
imitar um ronco. Você me quer como uma ilustração
il ustração
disso que você chama de vida. Você quer rebolar e
que, então, eu comece a cantar uma música
insinuante. Você
Você
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quer
é pura mídia! Você me q uer como um coerente
espelho barato! Quer que eu te ajude a ser a
imagem que o outro quer ver.
ver.
público. Não!
Andando pelo público Eu não sou uma mulher
andando entre corpos humanos. Eu só estou presa
aqui. Eu me recuso a en- trar nesse sistema, nessa
ilusão. Há outras formas de vida e isto isto
é necessário ser dito. Vingativa.
Vingativa. Tem uma palavra na
sua língua que eu adoro gritar, uma palavra que
define muito bem toda essa situação. Eu vou
gritá-la pra você, sua carne pequena insuportá-
vel, escuta e me larga, escuta esta frase com todos
os sons:
sons:
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esqueci.
Eu me esqueci.
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Para o corpo que habita. Ei, mulher, você sente falta de mim?
mim?
Para o público. E
vocês aí, que só ficam espiando, esperando,
sentiram falta de mim?
mim?
Merda, eu estou sentindo falta, merda. O que é
isso? Merda, isso é a carência, que merda.
merda.
Desculpa... é que está me invadindo uma coisa
estranha de novo, está tudo estranho, como se
este corpo sufocasse minha existência, como se eu
pudesse pensar, eu não era assim.
assim.
Nem sei se é exatamente isso o que eu gostaria
de dizer agora, agora,
agora,
e
agora,
e
agora,
e
agora,
agora,
e agora, está cada vez mais difícil eu me comunicar nessa
língua.
língua.
Chora.
Chora.
mim!
Nem sei se quero de fato chorar, olha pra mim!
chorar.
Para de chorar.
Me sinto falsa.
falsa.
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agora, aqui... aqui tudo é tanto, escuta, tem um
feto
feto
aqui dentro, é sério isso, mulher, sim é um feto.
feto.
Silêncio.
Silêncio.
Escuta! Eu não estou mentindo, acredita em mim!
Você está grá- vida, está me ouvindo? Fala alguma
coisa! Anda, fala! Fala! Fala!
Fala!
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Silêncio.
Silêncio.
Que loucura, parabéns, eu nem sei o que dizer,
na verdade, eu nem sei o que dizer, que loucura,
é um feto, sim, eu tenho
tenho
certeza, você quer que eu te ajude a colocar uma
música? Vamos abrir alguma coisa para brindar, eu
tenho certeza, é um
um
tim-tim!
feto, tim-tim!
Silêncio.
Silêncio.
Grita. Uma criança, reage, mulher!
mulher!
Será que eu tenho que falar mais baixo? Talvez
ficar mais calma? Sim, eu tenho que ficar mais
calma, porque eles sentem, sabia? Eles ouvem,
pode ficar tranquila, eu não vou provocar mais
estrondos aqui dentro. Eu estava agitada, mas era
outra época, já passou.
passou.
Silêncio.
Silêncio.
Nós vamos ter um filho!
filho!
Silêncio.
Silêncio.
Quer dizer, você vai ter um filho, me desculpa...
desculpa...
Silêncio.
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viu?
Fica tranquila, viu, repolhinha, eu vou te ninar, viu?
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mulher? É assim? Que isto é uma rua? Chove, e é
fim de tarde?
tarde?
Balança os dedos imitando um tocar de guitarra.
guitarra.
Que isto é uma guitarra, ou, simplesmente, um
balançar de dedos?
dedos?
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Todos os campos
que invadi de sua
e bebi da algodão
água,que eu vivi.
está... tudoCada
indococô
embora.
embora.
Entrei um dia num sonho de uma raposa, no sonho
ela copulava com uma manada de elefantes, mas
já não consigo lembrar... como eram os elefantes?
elefantes?
pato.
Ai, que saudade do pato.
Para o feto. Minha querida, me dê a mão.
mão.
A máquina desta mulher está desviando o
percurso correto do sangue. Sua consistência está
invadindo tudo e eu ainda não consigo sair daqui.
daqui.
Para o público. Agora vocês esquecerão essas minhas
palavras?
E essa,
essa,
essa,
e essa,
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Espera!
Espera!
A mulher é vi
vista.
sta.
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FICHA TÉCNICA
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Contato
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Fotografias
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GUTO MUNIZ (p.
58–59) LUCAS
ÁVILA (p. 11, 55,
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Ficha Catalográfica
elaborada pelo Bibliotecário
Tiago Carneiro – CRB: 3279
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editorajavali@gmail.co
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