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Realmente é nosso lado mais frágil, o lado que não queremos mostrar –
nossas vergonhas e defeitos expostos para o publico. Isso me trouxe mais
conflito, e agora como fazer rir e ao mesmo tempo ser sincero o suficiente para
mostrar meus defeitos? Uma tarefa árdua e dolorida, uma das coisas mais
difíceis que já procurei experimentar, tende a um trabalho mais pessoal.
Desde o começo tínhamos que ser curiosos a todos os detalhes da sala. Um
dos exercícios explorados consistia de uma triangulação. Procurar os detalhes,
através do próprio nariz, identificá-los, comunica-los, retornar ao objeto e seguir
a procura. Explica Rubens de Souza Brito (1980, p.80) estudioso de circo:
O público é o vértice de maior peso no triangulo. É o cúmplice na
representação. É o centro dela. É para ele que se conta a historia, portanto ele
é o dono dessa história. Muitas vezes ele conhece dados dela que um ou os
outros dois vértices do triangulo (as personagens) desconhecem.
Esse é o principal exercício do palhaço em cena, a triangulação. Para exercer
esse trabalho a professora Priscila Genara Padilha em seu método sugeriu
diversos jogos, desenvolvendo em nós essa capacidade.
Demoramos a entender, que além de pessoal o processo era também coletivo.
Um fator importante é o jogo com o outro, esta triangulação se torna muito mais
eficaz. Só então que descobrimos a importância de trabalhar em grupo, estar
sempre em sintonia com os demais. A exemplo outro jogo, todos sentado de
frente para o publico, nosso objetivo seria passar sentimentos como, felicidade,
tristeza, carinho, e medo, o riso, o choro, e a “fofura”. Consistia em olhar o
público, sorrir passar esse sorriso para o colega, receber e passar a diante até
chegar ao extremo esse sorriso, e depois retornar ate restar apenas um
pequeno sorriso. Da mesma forma com os outros sentimentos, nesse jogo
víamos a construção da evolução de um sentimento sendo composto por todo
o grupo.
Enfim, fazíamos diversos exercícios, mas os mesmos funcionavam apenas em
alguns momentos, às vezes nem chegávamos ao objetivo. Pois esquecíamos
uns dos outros, deixamos a energia se dissolver e o jogo não se estabelecia.
Muitas vezes não fomos generosos. Pensando em desenvolver o próprio
clown, acabávamos por trabalhar individualmente.
Ser clown significa ter vivenciado um processo particular, também difícil e
doloroso que lhe imprime uma identidade e que faz sentir-se como membro de
uma mesma família. Um clown quando olha nos olhos de outro, encontra algo
que também lhe pertence, que une, que constitui uma cultura comum entre eles
e que somente outro clown sabe o que é. Nesse sentido, podemos falar de
uma família de clowns (BURNIER, p. 209-210).
Desenvolver o estado clownesco foi para mim uma das experiências mais
transformadoras, interferiu diretamente em minha formação como pessoa,
porque o clown é um ser desamparado, um fracassado, então não exprime
alegria, características estas que são fundamentais, que revelam toda a
fragilidade do ser humano que esta clowneando. Realmente é um estado da
pessoa não uma interpretação é uma profunda busca por suas fraquezas.
Como diz Jacques Lecoq:
Quando se deram conta do fracasso, pararam a improvisação e voltaram a
seus lugares para sentar-se despeitados, envergonhados. Foi então, ao vê-los
naquele estado de abatimento, quando todo mundo se deitou de rir, não da
personagem que pretendiam apresentar-nos, mas da pessoa mesma, posta
assim despida. O havíamos encontrado! O clown não existe separado do ator
que o interpreta (LECOQ, 2007, p.210).
E isto revela uma profunda natureza humana, que é o que faz o público se
emocionar e rir.
Foi um processo que no meu ver apenas começou, pretendo seguir em frente,
trabalhando este estado, seguir me estudando também, esta experiência só me
fez crescer e evoluir. Modificou até a forma como eu me observava, e tenho
certeza que mexeu com todos os demais nesta proporção. Libertamos-nos e
permitimos que tudo se efetivasse, buscamos a sinceridade e a generosidade
pra com o outro, nosso espirito de grupo se fortaleceu tanto, que seguiremos
com um grupo de pesquisa juntamente a professora que aceitou a proposta,
trabalhando mais nosso espetáculo para levá-lo a diante, e quem sabe
criarmos muitos outros.
Descobri que todos podemos ser clowns, pois possuímos esta essência dentro
de nós, é só permitir e voltar a ser criança. Uma criança que a sociedade
apenas ensinou a viver e morrer esquecendo-se de brincar e ser feliz.