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Resumo Abstract
Seguindo a tradição iniciada com os Semi- According to the tradition begun with the
nários de Dramaturgia do Teatro de Arena, Nel- Seminários de Dramaturgia do Teatro de Are-
son Xavier escreveu Mutirão em Novo Sol em na (Playwriting Seminars of Teatro de Arena),
1961, em coautoria com Augusto Boal, sobre Nelson Xavier wrote Mutirão em Novo Sol in
uma revolta de lavradores ocorrida em 1959 1961, co-authored with Augusto Boal, about a
no interior de São Paulo. Tanto o Seminário do peasant’s rebellion that took place in 1959 in
Arena quanto a peça representam momentos a country town of São Paulo. Both the Semi-
decisivos da modernização e do engajamento nários de Dramaturgia and the play represent
do teatro no Brasil. Por meio da análise des- key moments on the modernization and on the
tes acontecimentos, o trabalho busca debater engagement of brazilian theatre. By analyzing
algumas das questões consideradas centrais these events, this academic paper seeks to
neste momento de inflexão do teatro nacional. debate some of the issues considered centrals
in this time of inflection of the national theatre.
Palavras-chave Keywords
Bio Toledo, Chagas Autran Ribeiro // Experimentalismo e Politização na Dramaturgia Brasileira da Década de 1960
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os atores decorarem suas falas, Augusto Boal arte engajada social e politicamente, e para
põe em prática um tipo de ensaio em que o isso faz-se necessário repensar o conjunto de
processo teatral parte do estudo do material sua história.
feito em grupo. Com todas as contradições Em torno dos integrantes do Seminário pa-
ideológicas que o conceito envolve, o pensa- recia haver um consenso de que para se dis-
mento nacional-popular significava no Arena cutir teatro era agora necessário se discutir
daquele momento um impulso para uma prá- também a realidade nacional. Essa tomada de
tica conectada com as forças mais progres- posição vai além dos temas e influencia direta-
sistas da época, nos termos da pesquisadora mente a feitura das peças que serão discutidas.
Maria Silvia Betti: Radicaliza-se o projeto de um teatro engajado
socialmente, de sentido nacional-popular, que
Nesse período, a indústria de bens
culturais de massa era incipiente, e a
traz para dentro da sala de ensaio a discussão
ideia de um projeto de cultura nacio- política e a reflexão sobre o momento social.
nal-popular não havia, ainda, sido co- A ênfase dos debates, desde o início, estava
optada pelos meios de comunicação,
constituindo-se, portanto, em perspec- no conteúdo das peças analisadas e na visão
tiva de abertura para uma nova forma de mundo que elas encerravam. Essa neces-
de atuação no campo cultural. Diante
desse contexto, povo e nação, enten- sidade de problematizar assuntos amplos, que
didos como elementos conceituais envolviam conjuntura, acabará por aumentar
positivos e inovadores, trazem em si
a perspectiva da renovação da práxis a contradição entre o projeto ideológico e os
teatral e da integridade entre pensa- modelos formais, ainda predominantemente
mento e atuação. Fortalece-se, assim,
a referida visão crítica da história do te- de ordem dramática.
atro no Brasil, enquanto se desenvolve Quando percebem que seus interesses crí-
uma enriquecedora forma de atuação
política e cultural. (BETTI, 1997, p. 16) ticos encaminhavam o projeto para uma refle-
xão sobre uma teatralidade que transborda os
No Seminário de Dramaturgia os integran- limites do drama, os integrantes do Seminá-
tes do Teatro de Arena assumem, pela primei- rio se vêm obrigados a refletir sobre seus ca-
ra vez, um projeto estético totalizante, que une minhos formais num sentido novo. Enquanto
todas as áreas das realizações do grupo. Com essa contradição não estava clara, a equipe
esse direcionamento, a dramaturgia surge constatava que a novidade principal do traba-
como o lugar de organização mais geral dos lho do grupo era da ordem do conteúdo, como
trabalhos. Torna-se intensa a busca por uma bem aponta Vianinha numa reflexão sobre o
linguagem teatral genuinamente brasileira, período:
tanto na fala quanto na atuação, como a rea-
Enquanto as outras companhias, sem
lizada por algumas companhias de teatro po- muito para dizer de autêntico, comer-
pular. Torna-se imprescindível o engajamento, cializavam a sua forma, o Arena co-
mercializava seus conteúdos, usando
que vem ao encontro dessa necessidade de no público sua área mais urgente de
formação que não é apenas do grupo, mas indagações pelo mundo. Os problemas
que menos distância possuíam da re-
de um teatro que se pensa dentro do conjunto alidade social formam abordados. As
do teatro da cidade e do país. O dramaturgo mediações longínquas foram abolidas.
precisa ser um pesquisador, estudioso de uma (VIANINHA, 1983)
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1 Também teve a colaboração de integrantes do Teatro de Arena de São Paulo da época, como Benedito Araújo, Hamilton
Trevisan e Modesto Carone.
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representações para multidões de lavradores resistiam em sair. Estimulados por Jôfre e cor-
pobres de Pernambuco, Paraíba e Bahia. rendo risco de vida, muitos camponeses es-
A estrutura da peça é organizada a partir do colheram ficar e resistir. Em grandes grupos,
julgamento do lavrador Roque Santelmo Filho arrancavam sistematicamente o capim plan-
por “subversão” e “incitação à desordem” (XA- tado pelos jagunços do proprietário em suas
VIER, 2015). No banco dos réus, Roque narra quadras. A revolta, que ficou conhecida como
os eventos passados, que são apresentados “Arranca Capim”, ganhou destaque nacional,
em flashbacks e entremeados por comentá- e Jôfre tornou-se referência como agitador em
rios e debates no tempo do julgamento. Vemos um país que via crescer exponencialmente os
então todo o histórico da revolta coletiva de la conflitos no campo, apesar da alardeada mo-
vradores arrendatários expulsos da terra pelo dernização em marcha.
proprietário Coronel Porfírio. Após tentarem a Mutirão em Novo Sol é um acontecimento
inócua intervenção da lei, os camponeses, em decisivo para o processo de modernização do
um gesto espontâneo e coletivo, saqueiam o teatro no país – que ganhava um novo sentido
armazém, fundam uma União e decidem lutar com as experiências do Arena a partir de 1958
pela terra. Em resposta, a Polícia, o Exército, – e isso em vários aspectos. A começar pela
a Igreja e os burocratas do Estado se agluti- novidade temática da peça: os conflitos sociais
nam em torno do Coronel para manter a or- no campo. O ineditismo não é o ângulo rural
dem com violência. Por fim, a Justiça revela propriamente, afinal o interesse pitoresco da
sua parcialidade de classe e condena Roque cultura pelo explorado, pelo sertanejo etc. já é
até que ele interrompa a rebelião. A respos- antigo. A novidade é, antes, o pressentimento
ta é um gesto coral dos lavradores presentes de que ali, na luta pela terra, na exploração
que se levantam e entoam a canção do Arran- do trabalho no campo, na miséria extremada
ca capim, símbolo de sua resistência. Roque, se encontrava o principal ponto de tensão do
então, afirma a proporção coletiva, de classe, Brasil, e que, por conseguinte, dali nasceria o
que o evento ganhou: “Senhor Juiz, essa gen- futuro.
te não para nunca” (XAVIER, 2015, p. 79). A organização de obras a partir desta maté-
A figura de Roque é inspirada no líder cam- ria marginal passou a ser regra em quase toda
ponês Jôfre Correa Neto, que em 1959 prota- a produção artística engajada nestes anos. No
gonizou um enorme levante de lavradores nas campo do teatro, os principais grupos de es-
cidades de Jales e Santa Fé do Sul, interior querda, como o Teatro de Arena de São Paulo
de São Paulo (CHAIA, 1980; WELCH, 2010). e os grandes movimentos de democratização
Foi um movimento mais ou menos espontâneo da arte, como o Centro Popular de Cultura
de colonos expulsos sumariamente das terras (CPC) da UNE e o Movimento de Cultura Po-
arrendadas onde viviam e plantavam. O pro- pular (MCP) de Pernambuco centralizavam
prietário desejava criar gado de forma extensi- suas criações cada vez mais no interesse pe-
va ali e indiferente aos apelos dos lavradores, las margens agrárias do país. Diversas monta-
queimava casas e expulsava à bala os que gens sobre o conflito pela terra ou sobre a
² A montagem de Mutirão em Novo Sol no MCP teve o título alterado para Julgamento em Novo Sol devido ao termo mutirão não
ser utilizado no Nordeste.
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reduzida do país – seja sua face de barbárie das, debatidas, improvisadas e então escritas.
perpétua, seja o horizonte de transformação Algo que hoje parece natural foi um procedi-
que nossa sui generis luta de classes apresen- mento absolutamente novo no primeiro ano da
tava (ou escamoteava). Como sugere o mar- década de 1960. E seu desenvolvimento este-
cante verso reiterado em Deus e o diabo na ve ligado, sobretudo, a um processo de intensa
terra do sol: “o sertão vai virar mar/ o mar virar politização e questionamento dos paradigmas
sertão”. produtivos. A ideia de coletivo se desdobrou
A peça Mutirão em Novo Sol também é de- para o campo da criação – como já apontavam
cisiva historicamente na organização estrutu- os Seminários de Dramaturgia do Arena.
ral do texto, fundamentalmente sua inovadora Não é acaso, portanto, que montagens da
tentativa de composição épica da dramaturgia. peça entre 1961 e 1964 foram todas marcadas
A forma tribunal na peça remete ao teatro po- por um notável experimentalismo e tentativas
lítico soviético e alemão das décadas de 1920 de criar uma cena aberta e épica. A primeira
e 1930 e dá mostras da crescente influência delas foi organizada pelo CPC paulista, com
que a leitura de Brecht e, fundamentalmente, direção de Chico de Assis, para ser apresen-
de Erwin Piscator vinha exercendo nos jovens tada no histórico I Congresso Nacional de La-
artistas politizados do período. Piscator, logo vradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
após a Primeira Guerra Mundial, criou o Tea- (VERA, 1962, p. 95). O trabalho fundamen-
tro Tribunal (PISCATOR, 1968, p. 48-59), ins- tou-se em um tipo novo de trânsito entre pal-
pirado provavelmente em uma das modalida- co e plateia, diferente de toda trajetória ligada
des mais disseminadas de agitprop soviético à modernização do teatro no país; se tratou
(o agitsud), que eram as representações em de uma montagem aberta que ia se transfor-
massa de julgamentos nos primeiros anos mando a partir dos debates e apresentações.
após a Revolução. Além disso, os tribunais e Segundo Juca de Oliveira (2015)4 , em entre-
sua estrutura aparecem frequentemente nas vista aos pesquisadores do LITS: “Qualquer
peças de Brecht. Em Mutirão também o mo- mudança, qualquer reação do público […] re-
delo brechtiano de teatro épico começou a ser sultaria numa modificação imediata do texto”.
experimentado, com canções, coros, narra- É uma cena que marca uma nova concepção
tivas, quebras de ação, comentários etc., em de teatro político, desenvolvida para ser apre-
um tipo novo de composição dramatúrgica. sentada em espaços fora do ambiente teatral,
Por fim, o processo de escrita da peça realiza como sindicatos, congressos, encontros de
um gesto novo e decisivo no campo produtivo lavradores etc., e que propõe como elemento
do teatro. A começar pelos procedimentos co- central o trânsito vivo da cena com a plateia
letivos de composição – a partir de uma con- engajada. Ainda de acordo com Juca de Oli-
versa com Jôfre no Teatro de Arena, o grupo veira, tudo era pensado para que no momento
organiza uma série de improvisações e deba- das canções os camponeses participassem e
tes sobre o tema que, por sua vez, tornam-se cantassem junto, e, mesmo quando isso não
o material para a escrita. Cenas eram imagina- ocorria, eles “participavam de uma forma total,
4 Entrevista concedida a Paula Chagas Autran e Sara Mello Neiva, em São Paulo, 23 de junho de 2015.
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BETTI, M. S. Oduvaldo Vianna Filho. São Pau- ROCHA, G. Revolução do Cinema Novo. Rio
lo: EDUSP, 1997 de Janeiro: Alhambra/Embrafilme, 1982.
PEIXOTO, F. (Org.). Vianinha. Teatro, Televi- WELCH, C. A. Jôfre Corrêa Netto: capitão
são, Política. São Paulo: Editora Brasiliense. camponês (1921-2002). São Paulo: Expressão
1983. Popular, 2010.
______. Entrevista com Gianfrancesco Guar- XAVIER, N. Mutirão em Novo Sol. São Paulo:
nieri. In: ______. Teatro em movimento. São Expressão Popular, 2015.
Paulo: Hucitec, 1985.
Recebido em 07/12/2015.
PISCATOR, E. Teatro Político. Rio de Janeiro: Aprovado em 05/01/2016.
Civilização Brasileira, 1968.
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