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VINÍCIUS SOUZA
Coordenador geral e um
dos curadores da mostra
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INDICE
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foto Mariana Barcelos
PROGRAMAÇÃO
NACIONAL
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ignorante – uma negociação teórica meio complicada (Editora 7Letras, 2015)
e da peça Garras curvas e um canto sedutor (Cobogó, 2015). É idealizadora e
editora da Questão de Crítica, integra o Complexo Duplo e a DocumentaCena.
É presidente da seção brasileira da Associação Internacional de Críticos de
Teatro (IACT-AICT).
PROGRAMAÇÃO
INTERNACIONAL
foto Nana Moraes
+
ENCONTRO
COM A DRAMATURGA
ROMINA PAULA
(Buenos Aires/AR)
+
FESTA DE ABERTURA
SHOW “COISA DE BICHO”
ENTRADA FRANCA
COMO VOCÊ FAZ?
PROCESSOS E VOZES
CONTEMPORÂNEAS
NA DRAMATURGIA
BRASILEIRA
divulgação
14
divulgação divulgação
Palestra Oficina*
22 de agosto, 20h30 24 a 26 de agosto, 14–17h
*Participação mediante inscrição prévia
A autora fala sobre suas obras, seus processos de criação “A câmera é um instrumento que ensina as pessoas a
e lê trechos de suas peças teatrais. ver quando não há câmera” (DOROTHEA LANGE , fotógrafa
norte-americana.)
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própria língua. A ideia é trabalhar com um procedimento
que afaste os participantes da língua, ou que proponha
algum tipo de intervenção sobre ela. No trabalho sobre
os materiais, a ideia é trocar e discutir sobre a escrita de
um texto teatral e sua potencial encenação.
ROMINA PAULA é dramaturga, atriz, diretora, roteirista
e escritora. Nasceu em Buenos Aires, em 1979. Formada
em Dramaturgia pela Escola Metropolitana de Arte
Dramática (EMAD – Buenos Aires). Como atriz se formou
com Alejandro Catalán, Ricardo Bartís e Pompeyo Audivert
e participou de distintas obras de teatro e cinema. Como
dramaturga e diretora estreou as obras Si te digo, muero,
sobre textos de Héctor Viel Temperley (2005), Algo de ruido
hace (2007), El tiempo todo entero (2010), sobre O zoológico
de cristal, de Tennessee Williams, e Fauna (2013) junto
com a Companhia El Silencio. Sua última obra, Cimarrón,
estreou em 2016 na Sala Tacec do Teatro Argentino de
La Plata. A editora Entropía publicou suas obras Fauna,
El tiempo todo entero e Algo de ruido hace e seus romances
¿Vos me querés a mí?, Agosto e Acá todavía. Atualmente
realiza Norte, seu primeiro filme como autora e diretora,
e o cineasta Fernando Salem filmará uma versão de seu
romance Agosto, também em 2018.
foto Valencia
ENTREVISTA COM
ROMINA PAULA
(Buenos Aires/AR)
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A resposta que tenho a essa pergunta é a
própria pergunta: é algo que nunca deixo de
perguntar e que, tampouco, respondo, porque
é uma pergunta cuja resposta está viva e em
constante mutação. Neste exato momento,
eu me pergunto como e o quê pode ser repre-
sentado, sobre o que seria interessante falar e
para quê. Eu transitei por diferentes lugares e OUTRO CAMPO DE DISCUSSÃO AGUDA NO BRASIL, HOJE,
estou um pouco desencantada com o sistema SÃO AS QUESTÕES DE IDENTIDADE. CADA VEZ MAIS,
teatral em si, não por um motivo especial, DRAMATURGAS E DRAMATURGOS REFLEXIONAM SOBRE
mas apenas com um sistema que tem uma AS MANEIRAS PELAS QUAIS MULHERES E HOMENS,
série de leis e, às vezes, me sufoca. Nesse FEMININOS E MASCULINOS, NEGROS E BRANCOS SÃO
sentido, tento não fazer uma obra por fazê-la. REPRESENTADOS OU CONSTRUÍDOS EM SEUS TEXTOS.
Se eu não tenho uma razão, um “como” ou um COMO ESSAS QUESTÕES APARECEM – SE APARECEM –
“o quê”, não escrevo nada até que essa neces- NA DRAMATURGIA ARGENTINA CONTEMPORÂNEA QUE
sidade apareça. VOCÊ ACOMPANHA?
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LUÍSA BAHIA
Composição, voz e shruti box
THIAGO MIOTTO
Guitarra, violão e flauta bansuri
GLADSON BRAGA
Percussões
MATHEUS FÉLIX
Violino e bandolim
LUIZ DIAS
Direção de arte
LARISSA SCARPELLI
Produção
+
SEM DONO: exílio-
agência-existência
Will Soares e Daniel Toledo
(Belo Horizonte/MG)
DEBATEDORA CONVIDADA:
ESCRITA DE CRÍTICAS
PROCESSOS
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seja, forma também é conteúdo – e isso, às vezes, se dá
em níveis mais (ou menos) visíveis. Encontrar a forma que
melhor expressa seu conteúdo é algo que me empenho em
fazer quando lido com o domínio da escrita. A dramaturgia
textual, mesmo que não haja diálogos, é um dos elementos
primordiais da atividade teatral, porém ela também pre-
cisa se reinventar constantemente para se manter viva e
“
VOZ – Senhor Silva, como o senhor conseguiu
falar comigo?
VOZ – Chá?
H – Sim.
VOZ – Merci.
H – Voilà.
agência-existência
(DANIEL TOLEDO) Desde que o Will me mostrou fragmentos
do que vinha escrevendo, tive uma empatia muito grande
pelo texto, as questões tratadas e os modos de tratá-las.
Me chamou a atenção a complexidade das figuras, seus
modos de romper silenciamentos, de transitar entre o
abandono e a liberdade. Aos poucos consegui me aproxi-
mar da obra, e hoje acredito que ela também fala por mim.
Como processo dramatúrgico, me parece interessante
Will Soares e perceber que memórias pessoais, quase documentais,
acabaram se desdobrando em uma crítica poética e poli-
Daniel Toledo fônica sobre a herança colonial brasileira.
(Belo Horizonte/MG)
PROCESSOS
Primeiro solo do ator mineiro Will Soares, SEM DONO
convida o público a experimentar três perspectivas de (DT) O processo de criação foi atravessado por várias
uma mesma história, bastante familiar à realidade bra- questões e inquietações, todas de algum modo relacio-
sileira. Inspirado em memórias pessoais que remetem à nadas a situações de opressão e subalternização. Entre
vida nas bordas de grandes cidades latino-americanas, as camadas mais visíveis, estão relações familiares,
o texto reúne vestígios de uma herança colonial marcada mas também relações de trabalho, assim como um uni-
pela ausência paterna e a luta por liberdade e autonomia. verso social marcado por abandono, violência e solidão.
A partir de situações e reflexões cotidianas, propõe-se ao Ao mesmo tempo, um contínuo pulso de liberdade atra-
espectador uma jornada rumo à complexa intimidade de vessa a narrativa, muitas vezes, a partir de referências a
três personagens, desconstruindo criticamente os típicos infância, memória e ancestralidade. (WS) SEM DONO foi
conflitos da modernidade e as tradicionais estruturas do construída a partir de diferentes pontos de vista sobre
drama burguês. um mesmo contexto social e familiar. A narrativa é com-
posta por conversas distorcidas, situações inacabadas,
WILL SOARES é ator, bailarino e performer. Formado pelo histórias que se revelam gradualmente, e sob diferentes
Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado perspectivas. Talvez, essa estrutura reflita o processo de
(Palácio das Artes/Cefar), estudou Licenciatura em Dança criação, em que reunimos e articulamos nossas memórias
pela UFMG e fez parte da Trans Residência Experimento íntimas e sociais, transformando essas memórias nos
Queer, realizada no Galpão Cine Horto, durante o Festival múltiplos discursos da peça.
de Cenas Curtas 2015. Entre 2012 e 2014, integrou a Cia.
Solo de Teatro. Atualmente faz parte dos coletivos T.A.Z,
Impossível, Espaço Preto e Beijo no seu Preconceito.
CONTE XTOS
(WS) Acho que a cada dia fica mais evidente que a estru-
DANIEL TOLEDO é dramaturgo, ator, performer e diretor
tura política brasileira privilegia alguns e prejudica outros,
teatral, além de mestre em Sociologia pela UFMG, com
de modo que injustiças históricas acabam se repetindo ao
pesquisa sobre descolonização e crítica da modernidade.
longo do tempo. Enquanto alguns poucos têm seus privilé-
Em 2018, integrou o curso “O que significa descolonizar?”,
gios assegurados, há um grande descaso com a população
oferecido pela Utrecht University (Holanda). Fundador do
negra, as mães negras, os jovens negros, as LGBTIQs, as
coletivo T.A.Z., colabora com variados artistas e cole-
periferias, as donas de casa e os idosos, somente para dar
tivos de Belo Horizonte, como Toda Deseo, Cia. Vórtica
alguns exemplos. (DT) Acredito que uma das forças desse
e Cia. Afeta. Fundador do coletivo T.A.Z., assina também
MOSTR A — 2 9 DE AGOSOTO, 19H
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letras musicais usadas em trabalhos que realizo no teatro
e no cinema. Já vinha de algum tempo, então, o desejo de
escrever uma peça que fosse mais próxima de mim e que
pudesse falar das realidades sociais que eu presencio.
Há cerca de um ano comecei a escrever essa peça, e mais
adiante convidei o Daniel para colaborar na dramaturgia
do trabalho, pensando tanto no texto em si quanto nas
“
Se ninguém aparece, eu cato as madeiras
do entulho da rua e queimo tudo. O fogo
queimando é bonito, esquentando a gente,
estourando a madeira. Diz que o fogo purifica
a gente. Acalma. Faz a gente esquecer os
problemas. A gente olha pro fogo queimando
tudo, até dá tempo de pensar em nada. A brasa
queimando. Tudo virando cinza. Virando pó.
E aí, quem sabe, começar tudo de novo igual
que nem era antes, que nem era antes de me
arrancarem tudo, me separarem de tudo,
antes de eles me deixarem aqui, sem saber
onde é a casa.
+
PEQUENO TRATADO
AMOROSO
Anderson Feliciano
(Belo Horizonte/MG)
DEBATEDORA CONVIDADA:
ESCRITA DE CRÍTICAS
PROCESSOS
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necessitava escrever algo meu. Foi assim que comecei:
em um processo intuitivo, a rabiscar os cadernos da escola
enquanto não prestava atenção nas aulas de Matemática.
Hoje sou um completo analfabeto no mundo dos números,
mas julgo saber algo do mundo da escrita. O que eu tenho
pensado sobre a dramaturgia? Eu penso que a dramaturgia
é capaz de captar, realizar perguntas que sejam capazes
“
FISTEE – Não achei que você me responderia.
divulgação
PEQUENO TRATADO
em afirmação, brechas e lutas que rasga o instituído e
vislumbra fabular outras imagens, outras narrativas,
estabelecendo um lugar de enunciação que me permita
AMOROSO
criar rupturas, abrir frestas num pensamento colonizado.
PROCESSOS
TR AJETÓRIAS
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Como proposta de conclusão do mestrado em Dramaturgia,
busco associar dramaturgia à metáfora do tropeço.
Nela concebo Tropeço como ressignificação poética
de uma fragilidade que não é fraqueza. Nesse sentido,
o conceito sugere o pensar sobre os devires negros que
sustentam esse tropeço com a constituição de um corpo
“
E aquele menino que saiu correndo e deixou
a bicicleta pra trás, voltará. Voltará caminhando
tranquilamente sem medo do escuro e da
imensidão da rua. A bicicleta estará lá, caída no
chão molhado pela chuva. O menino ficará feliz
e com o coração acelerado vai sorrir.
Não sei se coração de criança é menor, mas
isso não importa agora. O coração dele, de
menino, vai bater acelerado e ele vai tirar os
sapatos e também vai molhar a sola dos pés até
o coração dele bater tranquilo. O cheiro de terra
molhada fará com que ele feche os olhos e
fique ali parado em frente a bicicleta por alguns
segundos. Quem passar por ele acreditará que
aquilo não faz o menor sentido. Mas sim.
Tudo ali faz sentido. E se não fizer, tudo bem.
A gente continua andando de mãos dadas.
+
CRIATURA
Raysner de Paula
(Belo Horizonte/MG)
DEBATEDOR CONVIDAD0:
ESCRITA DE CRÍTICAS
PERNAMBUCO NÃO
uma peça de teatro. Convidamos artistas amigas a colabo-
rarem, fomos muitas vezes para a sala de ensaio. Por mais
que estivesse conscientemente escrevendo para o Alex,
querer contar a história de Maria Félix tornou-se parte
CONSEGUE ESQUECER
significativa da minha vida. A certa altura eu finalmente
compreendi que essa relação não poderia estar ausente
do texto, porque eu já havia perdido há muito a minha
imparcialidade documental. Foi só então que foi possível
Keli Freitas escrever; quando consegui escrever, ao mesmo tempo,
para o Alex, para mim, para quem quer que seja.
(Rio de Janeiro/RJ)
CONTE XTOS
Ao encontrar alguns dos diários escritos por uma bra- O nosso contexto impacta tudo, e não deve parar tão cedo
sileira nascida em 1919, uma pessoa decide que não irá de impactar tudo. Acho que escrevemos para tentar falar
esquecê-la. sobre isso. Não sei dizer como o teatro pode interferir
de volta no contexto, porque uma característica basilar
KELI FREITAS (1983) é atriz e dramaturga. Colecionadora desse contexto é que cada vez menos gente tem acesso
de correspondências de anônimos, é criadora do Projeto à cultura. Não desistir de pensar e de fazer teatro é, por
Carimbaria. Como pesquisadora da escrita ordinária enquanto, a minha única resposta possível.
cotidiana desenvolveu trabalhos como Museu Particular
de Esquecimentos Privados (contemplado com a Bolsa
Faperj de Estímulo à Criação, Experimentação e Pesquisa
Artística 2016) e Correspondência e Diário – Rastreando
Escritas Literárias, premiado como melhor trabalho de
Iniciação Científica do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-Rio 2017. Como atriz, trabalhou com
os diretores Aderbal Freire-Filho, Enrique Diaz, João
Fonseca, Pedro Brício, Jefferson Miranda, Paulo de
Moraes, Cristina Moura, Antônio Abujamra, Dani Lima,
Tiago Rodrigues (Portugal), Lola Arias (Argentina).
Indicada ao prêmio Cesgranrio 2015 de Melhor Texto
Nacional Inédito por Consertam-se Imóveis, é graduanda
em Letras pela PUC-Rio/Universidade de Lisboa.
TR AJETÓRIAS
PROCESSOS
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Por ser escrito a partir dos diários reais de uma mulher
real, e ser escrito para um ator específico, as questões
acerca da criação desse texto sempre tocaram em muitos
questionamentos que não só os artísticos. Esta mulher
real chama-se Maria Félix, e este ator específico é o neto
dela, Alexandre Pinheiro. Desde que o Alex me confiou
“
A primeira vez que li um diário de Osmarina
Pernambuco, lembrei-me daquela que ficou
conhecida como a mulher que não consegue
esquecer. Assisti a uma reportagem sobre ela
na televisão, e nunca mais a esqueci.
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primeiras coisas que adotei nessa profissão foi o hábito
de escrever e logo mostrar para alguém. Com isso, fui
encontrando pessoas interessadas em concretizar ideias
teatrais junto comigo. Numa dessas, surgiu essa peça,
Criatura, escrita especialmente para os artistas Bárbara
Luz e Eduardo Moreira.
“
Um silvo da chaleira.
escuta
acordado
espreitando
pois bem:
(...)
e agora
é isso.
resta só isso
aqui e agora.
+
FÁBULAS
Luciana Campos
(Belo Horizonte/MG)
DEBATEDORA CONVIDADA:
ESCRITA DE CRÍTICAS
PROCESSOS
e encenadora. Penso muito na dramaturgia em campo de manter a esperança, na desigualdade social que é
expandido, na dramaturgia que dialoga inteiramente com assoladora no Brasil. Tudo isso acaba aparecendo na
a cena. Meus últimos textos têm sido escritos em processo nossa criação. Este ano fizemos uma adaptação de duas
colaborativo, a partir de contribuições do elenco e de mate- obras do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen ao contexto
riais diversos que têm me tocado de alguma maneira. Tenho brasileiro (Uma Casa de Bonecas e O Inimigo do Povo).
pensado muito nas relações entre a dramaturgia, a cena e A peça chama-se Inimigos na Casa de Bonecas, que é
o mundo real. Não no sentido de um teatro documentário, exatamente sobre o Brasil pós-impeachment e a situação
mas como tudo o que está acontecendo nos afeta e como de mulheres e negros nesse contexto. Foi nossa forma
pode ser pensado e dito em cena. Tenho me debruçado no de nos posicionarmos, esteticamente. Acredito muito no
“como” da escrita, mais do que nos temas ou histórias. lugar do teatro como um espaço onde estas reflexões
A forma vem sendo uma questão fundamental pra mim. Como podem emergir, como o lugar da dúvida. Não é um lugar
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a dramaturgia pode gerar desafios à encenação e vice-versa, de moralidade, mas de ética, lugar de uma estética que
ou, como construir a dramaturgia da encenação pensando no surge aliada a questões éticas e existenciais. O teatro
lugar da palavra que se desenha ao mesmo tempo em que os como disparador de sensações e reflexões, disparador
outros signos vão sendo construídos. Venho pensando muito de processos singulares e de questionamentos. A aber-
o lugar da dramaturgia na dança, na ópera, nos musicais, tura a estes processos pode ser transformadora. É neste
nas instalações e exposições. Esse lugar de cruzamento lugar que o tipo de teatro que busco pode agir, no lugar
da escrita com outras possibilidades artísticas e estéticas do encontro, da dúvida, da complexidade.
“
Trago a história do meu pai em mim, a história
da vida que abandonei depois de anos de
tentativa. Guerra atrás de guerra. Eu cresci em
uma família que me ensinou a diferença entre
o certo e o errado, a diferença entre dar e rece-
ber, a diferença entre homem e mulher, entre
rico e pobre, entre feio e belo. Mas daí um dia
veio a guerra e me ensinou que tudo isso não
existia. Morreram todos. Bem, quase todos.
Eu sobrevivi. Pausa. Eu e meu pai. Que é,
depois de mim mesmo, a pessoa que eu mais
odeio no mundo. Ele, que me deu a vida, tentou
tirá-la de mim. Para dá-la a outro. A ela.
Ele queria doar pedaços meus, partes do meu
corpo, por dinheiro, por amor. Mas daí, veio a
guerra e mudou tudo, os barcos foram atacados
e, bom, enfim.
Corta.
Silêncio.
Ruídos.
Silêncio.
CENA 3
foto Adri
FÁBULAS PROCESSOS
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vessamos, sejam as de ordem pessoal (a sobrevivência
do sujeito em um mundo cada vez mais atomizado, que
exige muita produtividade) quanto as de ordem mais
geral, sobretudo política. Acredito que as experimen-
tações estéticas – tanto no âmbito da cena quanto no
texto – devem ser cada vez mais exploradas e recriadas,
extrapolando os limites estabelecidos.
“
O NÃO-DEPOIS
Lucas,
JOSÉ – Irremediável…
ANTÔNIO – E a morte?
Pausa.
divulgação
12 DE DEZEMBRO
OS BONS
COLONIZADORES
Pedro Vilela
(Recife/PE)
+
OBSTINADA NOITE
Assis Benevenuto
(Belo Horizonte/MG)
DEBATEDORA CONVIDADA:
ESCRITA DE CRÍTICAS
COLONIZADORES
colonização portuguesa e a persistência do silêncio acrí-
tico que prolonga o mito do bom colonizador. Certa vez
me deparei com alguns escritos da Marta Araújo e Sonia
Maeso, investigadoras do Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra que falavam sobre a “institucio-
nalização do silêncio”, da “naturalização das relações de
poder e violência” e da “trivialização” no que se refere à
escravatura no ensino da história em Portugal.
Pedro Vilela
A ideia é investir sobre o ato de documentar, de construir
(Recife/PE) narrativas, pontos de vista, para uma mesma situação.
Tentarei analisar imagens, discursos que, em suas cria-
ções e reproduções, se tornam narrativas de contradições,
para assim, revelá-las aos espectadores/leitores, camada
PEDRO VILELA é gestor, diretor artístico e idealizador
a camada, criando reflexos comoventes do nosso mundo,
da TREMA! Plataforma de Teatro (PE). Atualmente é
desfocando os limites entre ficção e documentário, entre
mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Artes
imaginação e manipulação.
Cênicas da Universidade Federal da Bahia. Com o Grupo
Magiluth dirigiu os espetáculos O canto de Gregório, Luiz
Lua Gonzaga e Viúva, porém honesta. Em 2012 foi escolhido CONTE XTOS
entre 13 latino-americanos para integrar o WEYA – World
Event Young Artist –, encontro mundial de jovens criado- Recentemente, os brasileiros foram obrigados a ouvir, de
res em Nottingham-UK. No ano seguinte foi apontado pela um candidato à presidência da república, que não houve
revista especializada em teatro, Antro Positivo, como um escravidão no Brasil... fomos obrigados também a ouvir
dos principais encenadores do país. É também o curador que a ditadura brasileira não foi bem o que se conta.
do TREMA! Festival de Teatro e um dos coordenadores
editorial da TREMA! Revista de Teatro. Em 2017 estreou Nesta era da pós-verdade, pouco importa a veracidade
o solo Altíssimo, com dramaturgia de Alexandre Dal Farra. dos fatos que você conta, mas sim a maneira de dizê-los.
Este ano integrou a delegação brasileira no programa No campo social e político brasileiro esta “mentirinha”
Momentum promovido pelo British Council, em Edimburgo, do candidato que narrei acima, tem assumido dimensões
além de ter sido curador do Festival Nordestino de Teatro catastróficas, fruto de uma conta em aberto do nosso
de Guaramiranga. processo educacional.
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a ideia, talvez até simplória, de que tudo pode ser texto,
tudo pode ser discurso. Com o convite/desafio da Janela,
resolvi então assumir esta última partezinha, a de tentar
dar forma e assinar todas essas potências que poderão
surgir neste meu novo processo de construção. Sabe-se
Deus o que virá...
foto Bernardo Dantas
OBSTINADA NOITE
de ambas as partes. Mais do que contar algo, experienciar
algo. É o que busco com Obstinada Noite.
PROCESSOS
atuação, a dramaturgia e a direção. Depois, entrei para escrever peças que abram espaço para descortinarmos
a formação do Grupo Quatroloscinco Teatro do Comum as ideias das coisas que estamos vendo (de como nos
que foi, e é até hoje, um lugar de grande aprendizado e ensinam a ver), que abram espaço para as diversidades,
experimentação para mim. A troca que existe entre nós que criem tensões no ato do encontro que é o teatro. Criar
me possibilita experimentar, conhecer, realizar diversas peças que exijam da presença do público, para além do
formas de dramaturgias. Nos últimos anos desenvolvi, jun- ato de ir ao teatro, ou seja, de alguma forma de exposição
tamente com o Vinícius Souza, os Ateliês de Dramaturgia do público. Acredito que isso é uma forma de provocar e
em Belo Horizonte. Inspirados em experiências realizadas dialogar com o contexto brasileiro.
em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, como os da
pesquisadora e dramaturga Adélia Nicolete. Além disso,
Vinícius e eu, criamos a Editora Javali, especializada em
52
publicar teatro.
+
BOVARY
de Tiago Rodrigues
ENTRADA FRANCA
FAUNA BOVARY
Romina Paula Tiago Rodrigues
(Buenos Aires/AR) (Lisboa/PT)
Um diretor de cinema e uma atriz vão para o litoral investi- Retrato da vida de uma mulher que, buscando fugir ao tédio
gar o mito de Fauna, uma espécie de amazona, uma mulher de uma existência banal, embarca em relações adúlteras e
culta e selvagem, para fazer um filme sobre ela. Lá seus vive muito acima das suas possibilidades, Madame Bovary
filhos, Maria Luisa e Santos, serão responsáveis por acer- é hoje considerada a obra seminal do realismo e um dos
car-se da figura de sua mãe para que possam desenvolver marcos da literatura mundial. Publicado pela primeira vez
seu projeto. Então, os quatro personagens ensaiam cenas em fascículos na revista literária do século XIX, La Revue
para o filme e discutem sobre o que seria representável de Paris, o romance de Gustave Flaubert foi acolhido por
e sobre a veracidade das histórias, e a importância ou uma parte da sociedade francesa como um atentado à
não dessa verdade. Os personagens vão se descamando, boa moral cristã. Bastaram alguns meses depois da data
como se essa exposição à ficção, em vez de protegê-los, de sua publicação para que começasse o julgamento que
os expusesse. sentou o autor no banco dos réus, acusado de obsceni-
dade pelo Ministério Público. É deste episódio que parte
ROMINA PAULA é dramaturga, atriz, diretora, roteirista e o espetáculo BOVARY, de Tiago Rodrigues, caminhando
escritora. Nasceu em Buenos Aires, em 1979. Formada em em seguida para uma adaptação contemporânea da obra-
Dramaturgia pela Escola Metropolitana de Arte Dramática -prima Madame Bovary.
(EMAD – Buenos Aires). Como atriz se formou com
Alejandro Catalán, Ricardo Bartís e Pompeyo Audivert TIAGO RODRIGUES é ator, diretor, dramaturgo e produtor
e participou de distintas obras de teatro e cinema. teatral. Nascido em Lisboa, em 1977, foi diretor artístico
Como dramaturga e diretora estreou as obras Si te digo, da Mundo Perfeito, companhia criada em 2003 com a qual
muero, sobre textos de Héctor Viel Temperley (2005), desenvolveu mais de 30 peças, e desde 2014 é diretor
Algo de ruido hace (2007), El tiempo todo entero (2010), artístico do Teatro Nacional D. Maria II. É autor de textos
sobre O zoológico de cristal, de Tennessee Williams, representados em português, inglês e francês em cerca
e Fauna (2013) junto com a Companhia El Silencio. de 14 países da Europa, Oriente Médio e América do Sul.
Sua última obra, Cimarrón, estreou em 2016 na Sala Tacec Das suas obras destacam-se: Tristeza e Alegria na Vida
do Teatro Argentino de La Plata. A editora Entropía publi- das Girafas, considerada pela Time Out um dos melhores
cou suas obras Fauna, El tiempo todo entero e Algo de ruido espetáculos de 2011; Três dedos abaixo do joelho, dupla-
hace e seus romances ¿Vos me querés a mí?, Agosto e mente premiada na categoria de Melhor Espetáculo de
Acá todavía. Atualmente realiza Norte, seu primeiro filme Teatro 2012 pela SPA e pelos Globos de Ouro; e Bovary,
como autora e diretora, e Fernando Salem filmará uma distinguido pela crítica francesa com o Prêmio de Melhor
versão de seu romance Agosto, também em 2018. Criação de uma Peça em Língua Francesa, em 2016.
É ainda professor de teatro convidado em várias escolas
de artes europeias, destacando-se a escola de dança
contemporânea PARTS, dirigida pela coreógrafa Anne
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Teresa De Keersmaeker.
foto Valencia / divulgação
FICHA TÉCNICA Coordenação geral
Vinícius Souza
Curadoria nacional
Daniele Avila Small
e Vinícius Souza
Curadoria internacional
Marcio Abreu e
Vinícius Souza
Assessoria de
planejamento e gestão
Leonardo Lessa
Coordenação de
produção
Vinicius Santos
e Renan Camilo
Produção
incor.poro
Coordenação de crítica
Luciana Romagnolli
Coordenação técnica
Jésus Lataliza
Comunicação Agradecimentos
A Dupla Informação Ariel Farace, Anderson
Feliciano, Cris Moreira,
Identidade visual Filipe Costa, João
Estúdio Lampejo Emediato, Sara Pinheiro,
e Jade Marra Fabrício Lins, Thaís Souza
e todos que contribuíram
Tradução de textos de alguma forma para a
(Espanhol) realização desta edição.
Renan Camilo
Vídeos
Byron O’Neill
Gestão financeira
Vinicius Santos
Apoios
Salumeria Central,
Café com Letras e
Savassi Hotel
Mais detalhes da programação,
da ficha técnica das leituras e a
produção de textos críticos da
mostra podem ser acessados em:
www.janeladedramaturgia.com
Facebook e Instagram:
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Mais informações:
janeladedramaturgia2018@gmail.com