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Ficha Técnica

Título: As Causas do Atraso Português


Autor: Nuno Pedro Gonçalves Palma
Edição: Duarte Bárbara
Revisão: Susana Ladeiro
Índice remissivo: Gabriella Russano
Design de capa: Maria Manuel Lacerda
Imagem de capa: José de Almada Negreiros, Lá Vem a Nau Catrineta Que Traz
Muito Que Contar (pormenor). Gare Marítima da Rocha de Conde de Óbidos
ISBN: 9789722079358

Publicações Dom Quixote


Uma editora do grupo Leya
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610-038 Alfragide – Portugal
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Fax. (+351) 21 427 22 01

© 2023, Nuno Pedro Gonçalves Palma e Publicações Dom Quixote


Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor
www.leya.com

Este livro segue a grafia do Acordo Ortográfico de 1990.


Índice

Ficha Técnica
Preâmbulo
Introdução
PARTE I PORTUGAL DESDE FINAIS DA IDADE
MÉDIA
1. População
2. Instituições políticas
3. Economia e desenvolvimento
PARTE II PORTUGAL: UMA INTERPRETAÇÃO
4. Expansão e império
5. Cultura e religião
6. A maldição dourada
7. Um país novo, liberal?
8. A Primeira República
9. O Estado Novo
10. A época contemporânea
Epílogo
Para saber mais
Bibliografia
Créditos das imagens
Comentários a As Causas do Atraso Português,
de Nuno Palma
Todos os que nas matérias de Portugal se governaram pelo discurso,
erraram e se perderam; e por aqui se perderam (ainda entre nós)
os que na opinião dos homens eram de maior juízo.
Padre António Vieira, História do Futuro
Preâmbulo

Porque é Portugal hoje um país rico a nível mundial, mas pobre no


contexto europeu? Quais são as causas e o contexto histórico do nosso
atraso? Como chegámos aqui, e o que pode ser feito para melhorarmos a
nossa situação? São estas as perguntas a que procuro responder neste livro.
Quase todas as análises ao estado do país feitas na praça pública pecam
por miopia: como desconhecem a profundidade histórica do atraso,
cometem erros sistemáticos e anunciam diagnósticos inúteis, quando não
prejudiciais. Quem discursa tem também frequentemente um marcado
enviesamento político e não declara os seus conflitos de interesses. No
entanto, é bom não esquecer que a falta de consciência crítica de grande
parte da audiência é também uma consequência do nosso atraso. Na
verdade, para refletirmos bem sobre o presente e os futuros possíveis, temos
de começar por compreender o nosso passado. Para que um futuro melhor
seja possível, temos de considerar de forma ponderada os fatores que
explicam – e os que não explicam – o atraso do país. Este livro tem esse
objetivo. Pressuponho de quem lê algum conhecimento prévio sobre as
linhas gerais da História de Portugal, mas tentei que esta reflexão fosse
acessível à generalidade das pessoas. Até porque o futuro a todas pertence.
Tanto quanto sei, não existe um livro que estruture de forma abrangente
uma visão sobre as origens históricas do atraso do país, como tento aqui
fazer. Talvez isso não seja surpreendente, já que aqueles de quem devemos
esperar uma análise crítica, incluindo os políticos, tendem a arranjar
desculpas para o comportamento medíocre da economia do país,
merecendo-lhes especial apreço as explicações que os ilibem de quaisquer
responsabilidades. Mas as razões que costumam dar sobre o atraso não são
críveis. Alguns insistem em causas centradas apenas no presente ou passado
recente. Outros dizem que a posição periférica de Portugal na Europa torna
o atraso inevitável, ignorando que a geografia não foi um fator impeditivo
do desenvolvimento do país em vários momentos do passado, nem ao de
outros países e regiões periféricas como foram noutras épocas o Reino
Unido, o Japão, ou a Califórnia. Muitos reconhecem que existe um atraso
no que concerne à educação, mas tomam isso simultaneamente como um
ponto de partida e de chegada. Na verdade, o atraso educativo tem de ser
compreendido e explicado. A sua permanência não é inevitável: depende
das escolhas que forem feitas, devendo ser evidente que não é apenas o
número de anos de escolaridade que importa, mas também a qualidade do
ensino. Existe muita desinformação sobre estas matérias no país, e
precisamos de um debate mais informado e fundamentado.
Este não é um livro tradicional sobre a História de Portugal.[1] A
bibliografia que cito é seletiva, até porque não pretendo fazer aqui uma
descrição pormenorizada dos acontecimentos, nem isso seria possível num
trabalho desta natureza e envergadura. Já existem vários livros desses no
mercado, alguns de boa qualidade. Não pretendo ser exaustivo, mas antes
centrar-me nos aspetos que têm sido analisados pela literatura académica e
que considero que devem ser repensados para compreendermos as causas
do atraso de Portugal. Esta revisão é necessária em grande parte porque
muitas das narrativas históricas que chegaram aos nossos dias promoveram
mitos sobre o passado do país. Esses mitos têm normalmente velhas raízes
políticas, mas, apesar dessa origem nada inocente, chegaram aos dias de
hoje e ao público em geral como uma espécie de conhecimento adquirido,
sendo até ensinados nas escolas e universidades. Ao longo dos últimos anos
tenho explicado algumas vertentes da minha visão sobre o país e a sua
História em entrevistas a vários meios de comunicação social, em artigos de
divulgação no meu blogue Portugal no Longo Prazo, e em textos
publicados no jornal digital ECO.pt, entre outros. A minha participação
ocasional em alguns podcasts, como o 45 Graus, de José Maria Pimentel,
ou o programa O Resto é História, de João Miguel Tavares e Rui Ramos, na
Rádio Observador, revelou que havia interesse sobre o meu trabalho por
parte do público informado. Mas não existia um livro que juntasse todas as
peças do puzzle de forma coerente e sistematicamente documentada, sem
ser excessivamente longa. Este livro representa esse esforço.
Tenho muito a agradecer aos meus coautores, colegas, e outros
companheiros de viagens intelectuais, com os quais aprendi muito ao longo
dos anos sobre as matérias de alguma forma relacionadas com o conteúdo
deste livro. Agradeço em particular a Fernando Alexandre, Luciano Amaral,
Adam Brzezinski, Luís F. Costa, Pedro Carneiro, Hélder Carvalhal, Sandra
Cermeño, Deirdre McCloskey, Dina Martins, João C. Duarte, Rui Pedro
Esteves, Carlos Faísca, Jorge Fernandes, José Eduardo Franco, Nuno
Garoupa, Richard von Glahn, Pedro Maia Gomes, Davis Kedrosky, Kivanç
Karaman, Guilherme Lambais, Henrique Leitão, Matilde Pinto Machado,
Carlos Madeira, João Madeira, Pedro Magalhães, Pedro S. Martins, Pedro
Boucherie Mendes, Susana Münch Miranda, Amílcar Moreira, Carlos
Moura, Zélia Pinheiro, Renato Pistola, Nuno Gonçalo Poças, Philipp
Roessner, Mauro Rota, Hugo Reis, Ricardo Reis, James A. Robinson,
Lisbeth Rodrigues, Francisco Malta Romeiras, Carlos Santiago-Caballero,
Henrique Pereira dos Santos, João Pereira dos Santos, Ricardo Santos,
André Castro Silva, João Santos Silva, Duncan Simpson, e Rebecca
Simson. Todas as pessoas que mencionei influenciaram o conteúdo deste
livro de alguma forma, mais ou menos direta, através de conversas ou,
nalguns casos, trabalho conjunto. Algumas também leram generosamente
versões preliminares de certos capítulos. Obviamente, a responsabilidade do
conteúdo, e em particular de quaisquer imprecisões que possam verificar-se,
é apenas imputável a mim próprio. Merece uma menção especial António
Castro Henriques, sem o qual eu não teria sido capaz de fazer muita da
investigação que serve de base a esta obra e que leu em detalhe uma versão
preliminar da mesma. Também aprendi bastante com o já falecido Pedro
Lains, de quem fui amigo. Tenho ainda de agradecer a Steve Broadberry e
Tim Besley, pilares fundamentais da minha carreira, bem como ao Patrick
O’Brien que, com mais de 90 anos, permanece um jovem no pensamento e
nas ações. As nossas conversas telefónicas semanais e os múltiplos
encontros em Manchester e Oxford deixam saudades. E não posso deixar de
mencionar Jaime Reis. O nosso relacionamento foi próximo durante muito
tempo, ainda que crescentemente penoso à medida que o tempo passava,
por razões de ordem tanto interna como externa ao nosso trabalho. No
entanto, tudo isso é espuma. E se há uma mensagem que tento passar neste
livro é que a espuma não importa. No decurso da década em que
trabalhámos juntos – entre 2012 e 2022 – Jaime Reis e eu publicámos cinco
artigos científicos nas melhores revistas académicas internacionais da
especialidade, artigos cuja influência está ainda numa trajetória ascendente.
Sem o nosso trabalho conjunto – em três dos casos também em coautoria
com outras pessoas – e sem tudo o mais que aprendi com o Jaime no
decurso desse trabalho, este livro não poderia existir. Aprendi também
muito com os meus alunos e com os postdocs que acompanho, mesmo
sendo só alguns os que trabalharam em assuntos diretamente relacionados
com os que esta obra trata. Já as Universidades de Groningen e Manchester,
em particular esta última, deram-me a estabilidade intelectual e financeira
que permitiu realizar muito do trabalho em que se baseia este livro. Apesar
do rio Mersey não ter o charme do Tejo ou do Douro, a verdade é que,
vendo Portugal de fora, se ganha outra perspetiva – e outras condições de
trabalho. No entanto, é inegável que no Instituto de Ciências Sociais, em
Lisboa, também aprendi bastante sobre Portugal, ao relacionar-me com
investigadores de várias gerações e com perspetivas muito diferentes sobre
as ciências sociais. E não posso deixar de agradecer aos funcionários e
diretores de vários arquivos em Portugal, como o Arquivo Geral do
Exército e a Torre do Tombo, entre muitos outros, que me ajudaram, e aos
meus colaboradores, a termos acesso a fontes primárias fundamentais para
que muita da investigação em que este livro se baseia se possa ter realizado.
Finalmente, o meu pai, José Borges Palma, e o jornalista João Miguel
Tavares, foram decisivos para a existência deste livro, por terem travado um
combate em que saiu derrotada a minha relutância inicial em investir tempo
na redação de uma obra de divulgação, destinada a um público limitado
pela complexidade do tema e pela expressão em língua portuguesa. Para
que este projeto publicado pela LeYa / D. Quixote chegasse a bom porto, o
Duarte Bárbara aconselhou-me de forma exemplar.

Dedico este livro à minha família e amigos, que tanto me apoiaram.

[1] Duas breves notas sobre a linguagem que utilizo. Primeiro, para que o livro seja o mais
acessível possível, modernizei a ortografia das citações que transcrevo para a atual. Segundo,
trabalho em língua inglesa há muitos anos, e emprego elementos dela neste ensaio a bem da
legibilidade do texto e do rigor das ideias. Noto em particular que utilizo a vírgula de série (Oxford
comma), apesar de esta não ser prática corrente na escrita em língua portuguesa. Tomemos como
exemplo a frase «Fui ao teatro com os meus pais, a Maria, e o Joaquim». Sem a última vírgula, não é
claro se fomos cinco pessoas ao teatro, sendo duas delas os meus pais, ou se fomos apenas três, sendo
que os meus pais são a Maria e o Joaquim. A vírgula de série resolve essa ambiguidade.
Introdução

A profundidade histórica do atraso português

É preciso recuar séculos para compreender Portugal. O atraso do país,


num contexto europeu, não é recente: tem uma enorme profundidade
histórica. Nem é sequer uma preocupação recente. Em meados do século
xix já éramos um dos países mais pobres da Europa, ao contrário do que
tinha acontecido em séculos anteriores. Pelo menos desde essa altura que
existem debates sobre as causas do nosso atraso. Esses debates abrandaram
a partir da década de 90 do século xx, talvez por parecer que o atraso iria
desaparecer. Mas isso nunca chegou a acontecer e, pelo contrário, o atraso
tem-se agravado. Agora que Portugal está estagnado e a divergir da Europa
há mais de duas décadas, comecemos por olhar para outro momento da
nossa História em que as coisas não estavam a correr bem: as décadas finais
do século xix.
Há mais de século e meio (27 de maio de 1871), Antero de Quental
apresentou na Sala do Casino Lisbonense, localizada no centro da capital,
um discurso notável intitulado Causas da Decadência dos Povos
Peninsulares nos últimos três séculos. Ao texto que daí resultou chamaria
Eduardo Lourenço uma «referência mítica da cultura portuguesa moderna.
Ou com mais precisão, o seu próprio ato fundador».[1] Quental manifestava
uma clara consciência do atraso do país e apresentava uma ambiciosa
tentativa de diagnóstico. Um argumento central – também defendido por
Alexandre Herculano – foi o de que o declínio de Portugal tinha começado
no século xvi, e se devia ao facto de o país ter permanecido católico, e desse
modo sujeito à Contrarreforma. Isso também teria tido reflexos na
qualidade das instituições, levando ao desaparecimento das Cortes e ao
Absolutismo. Se a intervenção de Quental, feita quando tinha 29 anos,
estava em certo sentido à frente do seu tempo, era na verdade também um
resultado da época em que viveu. Não isento de conteúdo político, o texto
faz, ainda assim, um esforço de análise histórica. Porém, o que sabemos
hoje não confirma as teses centrais que Quental tinha avançado: nem
relativamente ao momento do declínio político e económico de Portugal no
longo prazo, nem às suas causas. Explicarei porquê neste livro.
As reflexões de Quental sobre o malfadado destino do país no longo
prazo inserem-se num tema recorrente para a Geração de 70, a que
pertenceu, juntamente com um grupo de intelectuais frustrados com a sua
impotência perante o que sabiam ser o declínio em que Portugal se
encontrava face a outros países europeus. Desse grupo faziam também parte
Eça de Queirós e Oliveira Martins, entre outros (Figura 1). Como é
evidente, nada mudou por causa das Conferências do Casino. Não é de
admirar que cerca de duas décadas mais tarde muitos dos membros da
Geração de 70 tenham ficado conhecidos como «Os Vencidos da Vida»,
quando já se encontravam ligados à Corte, ou seja, ao poder, sem as ilusões
juvenis de reformar a sociedade portuguesa. O país era irreformável. Não
havia esperança. E, talvez também por isso, 20 anos depois das
Conferências do Casino, Antero de Quental pôs termo à vida com dois tiros,
aos 49 anos, num banco de jardim em Ponta Delgada.

Figura 1. Os Vencidos da Vida. Além de Antero de Quental o grupo incluía


individualidades como Eça de Queirós e Oliveira Martins.

No seu discurso sobre as Causas da Decadência dos Povos


Peninsulares, Quental tinha anunciado: «não pretendemos impor as nossas
opiniões, mas simplesmente expô-las: não pedimos a adesão das pessoas
que nos escutam; pedimos só a discussão». Foi um aviso premonitório,
porque a iniciativa em que esta intervenção se enquadrava – as
Conferências do Casino, promovidas pela chamada Geração de 70, como
referido – acabou mesmo por ser proibida pelas autoridades, sob o seguinte
argumento: «expõem e procuram sustentar doutrinas e proposições que
atacam a religião e as instituições do Estado». Esperemos que nos nossos
dias, apesar da divergência do país com a Europa que também hoje é
manifesta, seja possível um debate mais sereno, livre e informado.
Uma tese deste livro é a de que o atraso não era inevitável. Portugal
estava numa trajetória histórica favorável na segunda metade do século xvii,
na sequência da Restauração e da paz alcançada com o Tratado de Lisboa
(1668). Ou seja, por volta dos reinados de D. Afonso VI e D. Pedro II, o
atraso relativo do país não era ainda previsível. Tudo viria a mudar com a
descoberta das minas de ouro no Brasil. As consequências foram profundas,
tanto para a economia como para o sistema político do país, tendo tido
enormes implicações a prazo – por exemplo, para o processo educativo –
que continuaram a assombrar o país nos séculos seguintes, chegando de
forma indireta aos nossos dias. Mas a lição não foi aprendida, e os fundos
europeus que nos são hoje transferidos configuram um novo caso de
recursos chegados do exterior que, a prazo, atrasam o nosso
desenvolvimento. É quase consensual em Portugal que estes fundos
comunitários são uma benesse para o país, mas argumento neste livro que
essa ideia não podia estar mais errada. A origem do dinheiro e os
mecanismos através dos quais o dinheiro afeta o nosso processo de
divergência são diferentes do que aconteceu no século xviii, mas também
existem paralelos impressionantes que – com a contextualização adequada –
não devem ser ignorados. A nossa História não pode ser esquecida, até
porque precisamos de aprender com os nossos erros.
Reconheço que a visão sobre a História de Portugal que apresento neste
volume é mais pessoal do que aquela que aparece em muitos livros de
História. Apenas o tempo – medido pelo menos em algumas décadas – dirá
em que aspetos poderei ter razão, e que outros merecerão ser revistos. A
minha proposta, relativamente à História, é que vale a pena fazer-lhe
alguma violência, para a simplificar e melhor compreender nos seus aspetos
fundamentais. É preciso sempre contextualizar, mas também não podemos
perder tempo a estudar «árvores» individuais ignorando completamente a
«floresta»: algo que acontece frequentemente com os historiadores
académicos convencionais. Temos de focar-nos no que é mais importante,
distinguindo o essencial do acessório, e quantificar o mais possível – até
porque as quantificações permitem mais facilmente as comparações
internacionais, as quais são críticas para termos a perspetiva necessária para
compreendermos melhor o passado e o presente. Há um equilíbrio
fundamental entre a contextualização detalhada que o rigor exige, e a
concisão que é determinante para atingir alguma conclusão útil. Fiz o
possível para, neste livro, manter esse equilíbrio.
Qualquer pessoa que tenha viajado fora de Portugal – e em particular,
fora da Europa –, sabe que, quando regressa, olha para o país de outra
maneira. Para aqueles que apenas tenham saído uns dias em turismo este
efeito é apenas ligeiro, talvez até passageiro, mas quem tenha vivido fora
alguns anos sabe bem a que me refiro. De forma análoga, não podemos
compreender a nossa História sem conhecer pelo menos as linhas gerais da
dos outros países – dentro e fora da Europa. Viajando, ganhamos uma visão
mais nítida do que está lá dentro. E também há grandes benefícios em
analisar períodos diferentes da nossa História e compará-los. Sei que tudo
isto é anátema para muitos historiadores tradicionais: presos às suas regiões
e épocas de especialidade, não arriscam pensar sobre outros países ou
épocas. Com as devidas exceções, não se arriscam também a aprender
métodos quantitativos, para os quais em geral não têm inclinação, e que
consideram distrações dos seus temas e períodos de eleição. Perdem por
isso. Eu não sou um historiador convencional – e não peço desculpa por
isso a ninguém, e muito menos aos historiadores tradicionais, tantas vezes
entrincheirados em épocas e assuntos que consideram a sua coutada. É
verdade que existem muitas obras de má qualidade sobre questões
históricas, escritas por não especialistas, que transmitem ideias simplistas,
enganadoras, ou mesmo erradas sobre a História. Mas o mau trabalho
histórico não é exclusividade dos não-especialistas. Existem também muitas
obras de duvidosa qualidade, escritas por historiadores profissionais. No
nosso país há mesmo demasiados casos que se confundem com ações
políticas disfarçadas, protagonizadas por pessoas que se revelam incapazes
de se libertar dos estereótipos ideológicos que comprometem
irremediavelmente a sua obra. Não faz sentido sermos territoriais em
matéria de épocas, temas ou ideologias. Como é evidente, a História
Económica não se pode separar da História Política, e até da História Social
e Cultural. O conteúdo deste livro mostra isso mesmo. Mas o inverso
também é verdade. E sobre essa matéria não deixa de ser lamentável ver
como muitos colegas das faculdades de letras insistem em fugir como o
diabo da cruz aos números, às comparações internacionais, e a uma
perspetiva económica de longo prazo. As sociedades existem no seu todo, e
como tal, também temos de as estudar em todas as dimensões, considerando
as interdependências sociais que estabelecem.
No trabalho académico que serve de pilar a este livro, tive a preocupação
permanente de fazer comparações internacionais e quantificadas. Convém
manter sempre presente que esta é uma obra de divulgação baseada em
trabalho científico. Tentei ser o mais claro e transparente possível sobre a
minha visão, até porque me desagradam textos em que subjaz um qualquer
contexto partidário, embora quase sempre não declarado. Fiz um esforço
para me manter distante da ideologia, aqui entendida simplesmente como
uma interpretação seletiva da História para apoiar qualquer narrativa de
natureza partidária. Dirão os cínicos que isso não é possível quando se trata
de uma obra de Ciências Sociais. Talvez. Mas não saberão esses cínicos que
a visão que tenho da realidade – que não é uma ideologia que se enquadre
facilmente no habitual binário ideológico esquerda-direita – é, na verdade,
essencialmente definida pela compreensão que possuo relativamente às
causas do desenvolvimento económico e social, e, em particular, pelo
suporte empírico que existe sobre estas. Na verdade, não existe neste livro
qualquer agenda ou objetivos políticos. Sei que isso é incomum em
Portugal, e para alguns será até difícil de entender ou de acreditar. O
julgamento final sobre a natureza e imparcialidade do meu trabalho fica a
cargo de cada leitor. Tenho a convicção de que existem em Portugal pessoas
suficientes com interesse numa análise o mais isento possível sobre o
passado e futuro do país.
A História de Portugal, como geralmente é contada, contém uma
sequência de equívocos. Um tema central, que se repete inúmeras vezes, e
em particular nos últimos dois séculos, é a confusão entre o que está escrito
e a realidade. A realidade é o que acontece ou aconteceu de facto. Já o que é
dito em belos discursos ou escrito em livros, leis, ou artigos de jornal é
apenas de jure: poderá corresponder a intenções normativas, referentes ao
modo como a realidade deveria ser, sem que se verifique uma
correspondência com a realidade efetiva. As intenções podem conviver em
conflito com a realidade durante muito tempo. Mas mais cedo ou mais tarde
a contradição torna-se visível – e irreconciliável. Outra confusão recorrente
e relacionada com a anterior é a que se consubstancia entre os julgamentos
de valor e a análise objetiva da realidade.
Certas narrativas da História de Portugal repetem-se ao longo dos
séculos, como um disco riscado. São séculos de mitos sobre diferentes
épocas, distorções que têm mais em comum do que se possa pensar. A
Monarquia Liberal do século xix criou mitos sobre o Antigo Regime que
chegaram em força aos dias de hoje. O mesmo aconteceu com a Primeira
República. E o mesmo com o Estado Novo. Já o regime em que vivemos
atualmente não é diferente. Cada um destes períodos teve um discurso «de
regime» que nem sempre correspondeu às suas ações. Aliás, por regra, não
lhes correspondeu. E cada regime esforçou-se para criar mitos que tiveram
o propósito de tornar o regime anterior o culpado pelo atraso. Muitas das
ideias que ainda hoje se encontram enraizadas relativamente à história do
desenvolvimento de Portugal são herdeiras de partes dessas várias grandes
narrativas construídas por diferentes regimes. O próprio atraso secular da
academia portuguesa (com as devidas exceções) torna difícil repensar o
passado e proceder a uma análise fria do presente.
Nesta obra resumo a minha interpretação sobre a história do
desenvolvimento de Portugal numa perspetiva de longo prazo, tendo por
base a literatura científica recente. Esta literatura nem sempre é de
compreensão fácil para os não especialistas, e procuro aqui sumarizar as
ideias-chave destinadas a um público interessado. Nalguns casos, descrevo
factos que, pela sua natureza objetiva, são pouco suscetíveis de discussão –
embora, ainda assim, existam inevitavelmente «terra-planistas» que os
tentem negar. Noutros, apresento a minha interpretação, necessariamente
mais subjetiva. Procurei tornar explícitos os momentos em que discuto
dados ou eventos que se enquadram no primeiro ou no segundo casos.
O livro está estruturado em duas partes que genericamente se enquadram
numa descrição dos factos históricos sobre a evolução da sociedade e da
economia (Parte I), seguida de uma interpretação (Parte II). Como é
evidente, nem sempre existem linhas claras de separação entre o que é
descrição e o que é explicação. Na prática, na Parte I, mais breve que a
seguinte, concentro-me principalmente no período entre finais da Idade
Média e inícios do século xix, uma vez que faz sentido tratar os períodos
mais contemporâneos – sobre os quais ofereço uma interpretação mais
subjetiva – na Parte II. Fazer isto evita alguma repetição desnecessária, e
também se enquadra numa tese central deste livro, segundo a qual o que
tem acontecido ao país nos últimos dois séculos tem sido fortemente
condicionado pelo caminho percorrido nos períodos anteriores.
Na primeira parte do livro, descrevo a evolução da população e território
ao longo do tempo, seguida de uma discussão da evolução do
desenvolvimento das instituições políticas e da economia. Em cada capítulo
desta primeira parte, discuto a situação do país até inícios do século xix
com algum detalhe, seguida da evolução registada entre essa altura e o
presente, contado de forma mais breve. No Capítulo 1, descrevo a evolução
da população portuguesa, dando atenção particular às questões da
fertilidade, mortalidade e famílias: em particular, como se organizavam e
até que ponto eram diferentes do que acontecia noutras partes da Europa e
do Mundo. No Capítulo 2, detalho a natureza das instituições políticas
portuguesas ao longo dos séculos, comparadas a nível europeu. Mostro que,
até ao final do século xvii, Portugal não estava ainda claramente atrasado a
nível político ou institucional, mas que tudo viria a mudar no século xviii.
No Capítulo 3, o último da primeira parte, mostro que a economia
portuguesa teve um comportamento bastante variado ao longo dos séculos,
especialmente em comparação com os outros países da Europa. Em meados
do século xviii, o rendimento médio por pessoa no país era bastante elevado
a nível europeu, mas nas décadas seguintes a economia portuguesa
conheceu um acentuado declínio, tanto em termos absolutos como
comparados com outros países da Europa. Em resultado disso, o país
chegaria a meados do século xix como o mais pobre da Europa Ocidental –
situação em que se manteve até aos dias de hoje, apesar de com distâncias
que variaram no tempo em relação à fronteira dos países mais ricos. As
estatísticas mostram, por exemplo, que nem o Terramoto de 1755, nem as
Invasões Francesas, cerca de 60 anos mais tarde, explicam o atraso do país:
o primeiro desses eventos sucedeu cedo demais relativamente ao declínio,
enquanto o segundo veio décadas depois desse declínio estar já a acontecer.
Em suma, na Parte I estabeleço factos que contextualizam o resto do livro.
Os factos históricos têm hipóteses subjacentes, mas são por natureza
objetivos.
Na segunda parte do livro, mais interpretativa, desmonto alguns dos
mitos que existem sobre o nosso passado, e apresento explicações
alternativas. No Capítulo 4, descrevo o papel da expansão e do império para
o desenvolvimento do país, mostrando que nunca enriqueceram Portugal de
forma significativa. No Capítulo 5, mostro que a cultura e a religião
portuguesas também não podem explicar o atraso histórico – ao contrário
do que, por exemplo, Antero de Quental e outros republicanos pensavam.
No Capítulo 6, apresento a minha interpretação relativa ao que designo por
«Maldição dos Recursos», associada ao ouro do Brasil durante o século
xviii. Neste capítulo, explico os motivos pelos quais as decisões políticas do
Marquês de Pombal foram as mais desastrosas que algumas vez foram
tomadas no país, importando compreender qual o contexto histórico em que
isso sucedeu. A partir daí, no Capítulo 7, cubro o período da chamada
Monarquia Liberal do século xix, que mostro ter sido um período de fraco
desenvolvimento. Depois, no Capítulo 8, descrevo os motivos pelos quais a
Primeira República também falhou em desenvolver o país. Já no Capítulo 9,
mostro quais foram os fatores que levaram ao forte desenvolvimento e
convergência do país durante as décadas finais do Estado Novo. Termino o
livro com o Capítulo 10, onde avalio a situação atual do país e os
impedimentos à convergência que existem nos dias de hoje. Seria possível
escrever um volume inteiro sobre o tema de cada um dos capítulos deste
livro. Não tive aqui essa ambição, até porque pretendo que esta obra seja
concisa, focando-se no essencial.
Faço notar que trato o período desde o século xix em mais detalhe na
Parte II. Esta divisão temporal reflete o que foi convencionado por muita da
historiografia tradicional que considera que – pelo menos no que toca ao
desenvolvimento económico e político – foram as mudanças constitucionais
da primeira metade do século xix que criaram um país novo, tanto a nível
institucional como económico, radicalmente diferente do anterior.[2] Como
ficará claro, discordo desta cronologia. A existir uma demarcação, deve ser
colocada cerca de um século mais tarde do que é convencional, já em pleno
século xx. Qualquer divisão temporal desta natureza é evidentemente
artificial, mas não deixa por isso de ser útil para organizar ideias e enfatizar
a importância de certas mudanças. Seja como for, para melhor explicar
quando é que de facto surgiu um «Portugal moderno», optei por adotar a
divisão imposta pela historiografia tradicional que aponta no sentido de a
descontinuidade ter acontecido a partir da derrota do miguelismo na
primeira metade do século xix. Noto, por fim, que também existem os que
consideram que esse «país novo», mais desenvolvido, apenas apareceu a
partir do 25 de Abril. Essa tese tem ainda menos sustentação do que a
anterior (respeitante às Monarquias Constitucionais do século xix), como
procurarei demonstrar. Como escrevi, a segunda parte deste livro é mais
interpretativa do que a primeira e reflete o meu pensamento sobre estas
matérias, tendo necessariamente uma componente subjetiva, ainda que
alicerçada nos factos e nas metodologias rigorosas dos artigos de
investigação aqui citados e que lhe servem de pilar. Esta segunda parte tem
um objetivo declarado – questionar mitos. Os mitos que existem sobre a
História de Portugal, alguns dos quais perdurando há séculos, e quase todos
com a sua origem em motivações políticas, passadas e presentes, estão
enraizados na mentalidade dominante. Só desmontando esses mitos e
substituindo-os por uma análise mais factual dos acontecimentos é possível
chegar a uma compreensão mais objetiva da realidade histórica, e até
mesmo da realidade contemporânea.
Sem analisarmos a profundidade histórica dos problemas, não podemos
compreender as suas causas. Por exemplo, relativamente ao presente, não é
suficiente dizer que o problema do país são «os maus políticos», «as más
instituições políticas», «as práticas de gestão desatualizadas», «o baixo
capital humano», «os impostos altos», «a justiça lenta», «o excesso de
burocracia», «os custos de contexto», ou mesmo «a falta de reformas».
Estas afirmações podem ser todas consideradas verdadeiras, mas são
também todas superficiais. A questão fundamental é a de entender porque é
que se verificam tais fenómenos. A evolução institucional tem de ser
explicada, e não apenas aceite como um dado adquirido. De outra maneira
desaparece a esperança de projetar formas de melhorar o país. Outro
exemplo: é verdade que Portugal tem elites políticas e empresariais
fechadas e carece de reformas, mas temos de analisar porque é que as coisas
são assim, e fazê-lo em comparação com outros países. Algum fator ou
fenómeno explica a situação a que chegámos. Os problemas que referi, e
outros relacionados, são mecanismos que ajudam a esclarecer a influência
perniciosa das causas profundas do nosso atraso, mas não são, em si, a
verdadeira fonte desse atraso. Logo, não são um ponto de partida
satisfatório. Apenas compreendendo as causas profundas do atraso
poderemos ter uma discussão séria sobre quais as reformas possíveis. Neste
livro, argumento que os problemas e a falta de reformas resultam dessas
causas mais profundas. Algumas têm origem histórica, como o atraso
educativo, enquanto outras são de origem mais contemporânea, como os
fundos europeus. Argumento em detalhe no capítulo final, contra o aparente
consenso político nacional a esse respeito, que Portugal não devia receber
nem mais um euro de fundos europeus.
George Orwell escreveu que quem controlasse o passado controlaria o
futuro, e quem controlasse o presente controlava o passado – e, por essa via,
também o futuro. Um facto fundamental e indesmentível sobre o atraso
português – relativamente à Europa Ocidental – é que esse atraso já é
secular. O atraso tem, e sempre teve, uma dimensão económica, mas
também uma dimensão política. As elites intelectuais estão desde há muito
conscientes deste atraso comparado, como ilustra a trágica história de
Antero de Quental e dos seus contemporâneos. Mas o que distingue as
diferentes épocas históricas é a identificação dos responsáveis a quem as
culpas desse atraso são imputadas pelos regimes de cada época. Como
referi, há mais de dois séculos que os sucessivos regimes alijam as suas
responsabilidades, atirando-as sobre qualquer bode expiatório –
normalmente o regime anterior. O Estado Novo apoiava-se na narrativa de
que a culpa do atraso era da Primeira República, justificando o 28 de Maio
com o caos e o despesismo. Antes disso, os republicanos tinham culpado a
Monarquia e o Clero, tal como anteriormente os monárquicos
constitucionais fizeram, acusando a Monarquia Absoluta (e também o
Clero). E ainda antes, o Marquês de Pombal culpou os jesuítas. Cada
regime culpa sempre alguém, ou alguma coisa fora do seu controle. Esta
sempre foi uma estratégia para os políticos se legitimarem com o objetivo
de consolidarem e conservarem o poder, não hesitando, quando viam
benefício nisso, em espalhar mentiras e construir mitos históricos.
Infelizmente, muitas destas mentiras e mitos chegaram aos dias de hoje. Se
nos detivermos no momento presente, a mentira mais comum do regime
atual é a de que a culpa do atraso deve ser impugnada ao Estado Novo. Ora,
isto é falso: na verdade, durante esse regime verificou-se uma rápida
convergência económica com os países mais ricos da Europa. É irrelevante
que esta realidade histórica não encaixe nos preconceitos ideológicos de
muita gente, que por isso não a quer aceitar, mas isso não a torna menos
verdadeira. Sempre existiram «terra-planistas», mas o passado foi o que foi,
e nada mais. Quando os políticos falham, sentem necessidade de criar
cortinas de fumo para desviar a atenção da discussão sobre os problemas
económicos do seu tempo, mantendo vivos os mitos que facilitam o seu
objetivo de levar as pessoas a acreditar na superioridade moral de quem está
no poder, e em particular da esquerda – tirando assim benefícios. Logo,
quem defender hoje a verdade histórica no que toca ao Estado Novo é
frequentemente alvo de lamentáveis insinuações e julgamentos de intenção,
mesmo quando completamente falsos. Os políticos (alguns assumidos,
outros disfarçados) seguem esse caminho para tirar dividendos, ou por
estarem limitados pela sua falta de cultura e condicionados pelos seus
próprios estereótipos ideológicos.
O erro fundamental dos que tentam atribuir ao Estado Novo as culpas do
atraso português é desconhecerem a profundidade histórica desse atraso. O
essencial pode ser repetido: as raízes do atraso de Portugal são muito
anteriores ao Estado Novo, tanto a nível económico como a nível político
ou institucional. Como veremos, em termos económicos, o declínio de
Portugal começa décadas antes das Guerras Napoleónicas. Em meados do
século xix, Portugal já era o país mais pobre da Europa Ocidental. Em
1900, era o que tinha a maior percentagem de analfabetos (75%). Em
termos institucionais, as Cortes deixaram de se reunir em Portugal a partir
de finais do século xvii. Só voltaram a reunir-se no século xix, em moldes
diferentes, mas o sistema político manteve-se disfuncional, como explico
em detalhe mais à frente. Durante a Monarquia Liberal do século xix, o
atraso do país agravou-se, e a Primeira República não foi capaz de inverter
essa tendência. Por tudo isto, o Estado Novo herdou um país profundamente
atrasado, não apenas em termos económicos, mas também políticos ou
institucionais. Não é, portanto, surpreendente que em meados do século xx
– ou mesmo em 1974 – vários indicadores de bem-estar, como a
mortalidade infantil ou os níveis de educação, estivessem piores do que os
de outros países da Europa Ocidental. Quando se quer analisar as políticas
do Estado Novo é necessário entender este contexto histórico: é preciso
olhar para o ponto de partida, e não apenas para o de chegada. E é por isso
que não faz sentido centrar o debate das causas do atraso nesse regime.
Nem sequer apenas no século xx. Como já expliquei, assistimos hoje
simplesmente à mesma lógica política que funcionou durante séculos: as
atuais forças políticas sentem a necessidade de culpar o regime anterior para
se legitimarem. É por isso que essas forças políticas estão tão interessadas
em instrumentalizar e demonizar o Estado Novo (regime pelo qual,
sublinho, não tenho qualquer simpatia política).
Mas a democracia não tem de ser isto. A democracia pode e deve ser
melhor, defendendo a verdade histórica. Até porque a liberdade e a
democracia são fins em si mesmos. Assim, nenhum verdadeiro democrata
precisa de inventar mentiras sobre o passado para se legitimar. Pelo
contrário, só encarando a verdade histórica encontrará as soluções
adequadas para os problemas – reais e não ilusórios – do país. Antero de
Quental avisava defensivamente, no início da sua intervenção nas
Conferências do Casino, que:

[a] discussão, longe de nos assustar, é o que mais desejamos; porque, ainda que
dela resultasse a condenação das nossas ideias, contanto que essa condenação fosse
justa e inteligente, ficaríamos contentes, tendo contribuído, posto que indiretamente,
para a publicação de algumas verdades.

Como referi, estas Conferências foram sujeitas à censura da época, e


acabaram mesmo por ser proibidas pelas autoridades, alegando que
atacavam «as instituições do Estado». Esperemos que a democracia, que já
ultrapassou em duração o tempo do Estado Novo, mas que continua com
dores de crescimento, seja capaz de um debate mais informado e mais livre
sobre o nosso passado. Até porque, insisto: só assim é possível pensar de
forma mais clara o nosso presente – e o nosso futuro.

[1] QUENTAL (2008), p. 11.

[2] HESPANHA (1994); CARDIM (1998a); TORGAL (2021).


PARTE I

PORTUGAL DESDE FINAIS


DA IDADE MÉDIA
1.
População

Portugal existe numa continuidade linguística e geográfica coerente


desde o século xii.[1] Esta é uma situação, de resto, notável a nível europeu e
até mesmo mundial. Podemos ter muitos problemas em Portugal e os
portugueses podem continuar a discordar, e sempre discordaram uns dos
outros em muitas coisas, mas um problema que nunca tivemos é o da
identidade. Onde começa e acaba Portugal é tão evidente que nem
pensamos nisso. E esta convicção ainda é mais notável por Portugal não ter
uma unidade geográfica natural, como mostrou Orlando Ribeiro: o sul do
país é marcadamente diferente do norte e o litoral do interior, não existindo
nenhuma inevitabilidade geográfica natural nas fronteiras.[2] Na realidade, o
país é uma construção política medieval.[3] E, no entanto, existimos assim
há quase um milénio. Precisamente por pensarmos pouco nesta realidade,
perdemos a noção do quão invulgar é. Há poucos países no mundo com
estas características. O destino de outros estados pequenos da Europa,
afinal, foi o desaparecimento.[4] Deste ponto de vista, é quase espantoso que
Portugal ainda hoje exista.
Neste livro, quando falo de Portugal tout court, refiro-me às fronteiras
modernas. Incluo, assim, os arquipélagos da Madeira e Açores, que, como é
sabido, apenas fizeram parte do país desde finais da Idade Média, mas
excluo territórios que tenham pertencido ao império português em
diferentes momentos. Com a assinalável exceção de Olivença – perdida
para Espanha na sequência da Guerra das Laranjas em 1801, no contexto
das Guerras Napoleónicas – as fronteiras de Portugal continental são as
mesmas desde o Tratado de Alcanizes nos finais do século xiii. Nos séculos
seguintes, o título era Reino de Portugal e dos Algarves, mas na realidade o
Algarve foi apenas um reino nominal, sem autonomia nem instituições
relevantes próprias. A este Portugal continental, com a mesma configuração
desde meados do século xiii, foram apenas acrescentados no século xv os,
então desertos, arquipélagos dos Açores e da Madeira. A identidade
portuguesa nunca esteve em causa ou em sério risco de desaparecer. Mesmo
nos períodos mais invulgares da nossa História, como a União Dinástica de
1580-1640, poucos estiveram confusos sobre ser ou não ser português. Se a
União tivesse durado mais tempo, é possível que uma fusão de identidades
chegasse a ocorrer, como a que veio de facto a acontecer, ainda que de
forma apenas parcial, na Galiza, no País Basco, e mesmo na Catalunha.
Nestas regiões, a identificação com Espanha, para não dizer Castela, nunca
chegou a ser total, mas aconteceu em grande medida. Em Portugal nem
chegou de todo a acontecer.
Portugal tem hoje uma das menores taxas de fecundidade do mundo –
menos de uma criança e meia por mulher – estando por isso a sua
população em declínio natural. Até meados do século xx, a situação não
podia ser mais diferente: cada mulher tinha em média quatro ou mais filhos
no decurso da sua vida fértil, sendo que vários morriam ainda bebés ou
crianças. Mesmo entre os nados-vivos, mais de 15% morriam no primeiro
ano de vida e cerca de um terço faleciam antes de chegar aos 7 anos de
idade.[5] Naturalmente, estes são números médios e aproximados, mas nada
sugere que os comportamentos demográficos dos portugueses diferiam
muito dos das outras sociedades pré-industriais, com taxas de mortalidade
infantil e juvenil chocantes para as nossas sensibilidades presentes:
historicamente, cerca de 25% dos bebés morriam antes de completarem um
ano e pouco mais de metade das crianças chegava viva aos 15 anos.[6] Aliás,
na ausência de sistemas de segurança social, os pais desejavam ter muitos
filhos para os ajudarem a trabalhar nos campos e também para garantirem
que teriam apoio na sua velhice. Note-se, no entanto, que, apesar das
sociedades pré-modernas serem jovens e pobres, é falsa a ideia que por
vezes existe de que não havia idosos. As sociedades tinham idades médias
bem mais jovens do que hoje, mas existiram também septuagenários e até
octogenários. O matemático Pedro Nunes, por exemplo, morreu aos 76
anos. A esperança média de vida aos 20 anos de idade não era muito
diferente da que temos hoje, não obstante a menor qualidade de vida em
idade avançada. O que assegura a maior longevidade média atual é
principalmente a baixa taxa de mortalidade infantil. Por volta de meados do
século xx, tudo iria mudar: deu-se uma transição demográfica.[7] O número
médio de crianças nascidas vivas por mulher desceu para apenas três em
1960, um número historicamente baixo. A taxa de fecundidade continuou
depois a descer, para 2,7 em 1974, 1,7 em 1985, e apenas 1,4 em 1994,
valor no qual estabilizou até aos dias de hoje.[8] Também ao longo do século
xx, deu-se uma brutal descida da taxa de mortalidade infantil, como
veremos adiante.

A população portuguesa até finais do século xix

No início, éramos poucos. Por volta de 1500, a população de Portugal


ultrapassava ligeiramente o milhão de habitantes – cerca de um décimo da
atual. Em investigação conjunta com Jaime Reis e Mengtian Zhang,
publicada na Historical Methods em 2020, estudei com precisão como
evoluiu esta população a nível regional e anual ao longo dos séculos, a
partir de 1527-1532.[9] Nesses anos, foi conduzido um «numeramento»,
uma contagem à escala nacional da população de cada uma das localidades.
Os funcionários reais que conduziram esse numeramento contaram o
número de fogos ou famílias que se juntavam à mesma lareira (por isso,
cada casa habitada, em economia comum, constituía um fogo). Uma família
podia ser apenas formada por uma ou duas pessoas, nos casos de viúvas,
celibatários, ou jovens casais. Mas o mais típico eram as famílias compostas
por pais e filhos, além de outros familiares e, se os houvesse, criados. A
partir desta contagem, podemos chegar a um valor aproximado para a
população – assumindo, a partir de outras fontes, que em cada fogo viviam
em média entre quatro a cinco pessoas. A esta «fotografia» da população
portuguesa, num dado momento, juntam-se outras mais tardias, partindo de
uma lógica similar.
Quando chegamos a 1706-1712, uma nova contagem de fogos apurava
que a população portuguesa andaria por volta dos 2,35 milhões. Algumas
décadas mais tarde, já três anos depois do Terramoto, em 1758, um
inquérito a todas as paróquias do continente permite concluir que a
população já se aproximava de 2,5 milhões, o que mostra um crescimento
relativamente ao início do século. Na segunda metade do século xviii, o
crescimento acelerou, chegando a população portuguesa a quase 3 milhões
de habitantes por volta de 1800, de acordo com dois censos rudimentares
realizados nessa altura. Posteriormente, a população aumentou para 3,41
milhões em meados do século xix, enquanto na altura do primeiro censo
moderno, em 1864, era de 3,83 milhões.[10]
Nos intervalos entre estas contagens, é possível calcular os nascimentos
e mortes em diversas áreas do país, graças aos registos paroquiais, que
assinalavam todos os batismos e óbitos ocorridos em cada freguesia.
Cruzando ambas as informações, e com algumas hipóteses estatísticas
adicionais, chega-se a uma estimativa da população do país, desde 1527 até
1864, data a partir da qual começaram a ocorrer censos com mais
regularidade e fiabilidade. A população do país registou uma tendência de
crescimento contínuo ao longo dos séculos, com uma certa aceleração no
xvi e a partir da segunda metade do xviii (Figura 2).[11] Antero de Quental
portanto errava ao afirmar em Causas da Decadência dos Povos
Peninsulares que a população portuguesa no tempo de D. João II seria de 3
milhões de habitantes, que teriam descido para apenas um milhão em 1640.
[12]
Essa evolução da população era certamente vista como mais coerente
com a sua tese sobre as causas do atraso, mas não é a que se verifica.
A evolução da população ao longo dos séculos ocorreu num quadro de
valores e estruturas familiares estáveis e bem definidos. Além de
monogâmicos, em Portugal, os casamentos eram exogâmicos: não
aconteciam, por norma, entre parentes próximos.[13] Também eram
geralmente neolocais: os recém-casados iam viver para uma casa separada
da paterna, dentro de alguma diversidade regional.[14] O matrimónio era
consensual e as mulheres podiam ter propriedades e partilhar as heranças
dos pais com os irmãos, tal como acontecia no resto da Europa Ocidental.
Os portugueses transportavam estas práticas muito arraigadas para os locais
para onde iam: na Índia portuguesa, por exemplo, as mulheres convertidas
ao cristianismo podiam herdar em paridade com os homens, ao contrário do
que ditavam as tradições locais.[15] Nestes aspetos culturais, relativos a
normas sociais a nível das famílias, Portugal era um país profundamente
europeu.[16] Mas existiam diferenças relevantes e inegáveis, entre a Europa
Ocidental e o resto do Mundo. Irei em seguida desenvolver este tema, até
porque ajuda a compreender melhor quais as verdadeiras descontinuidades,
tanto quantitativas como qualitativas, que ocorrerão em Portugal no século
xx.
Figura 2. A população de Portugal entre 1530 e o primeiro censo moderno
(1864).

Todas as sociedades desenvolveram meios de controlar a


sobrepopulação. Na Europa, estes meios consistiam principalmente nos
limites inferiores à idade do primeiro casamento das mulheres e no celibato
de uma parte da população, a que se juntavam outras estratégias de
contenção sexual, para além das guerras, epidemias e fomes que aconteciam
com infeliz frequência e intensidade.[17] Em vários contextos não-europeus,
possivelmente mais próximos das sociedades de caçadores-recoletores que
caracterizaram os primeiros milénios da História da humanidade, o controle
da população efetuava-se de formas diferentes. No Brasil, os primeiros
cronistas portugueses notaram com horror as guerras frequentes entre tribos
rivais, com canibalismo associado.[18]
Em 1965, John Hajnal, um académico de origens húngaras radicado em
Inglaterra, propôs a existência de uma linha divisória da Europa entre São
Petersburgo e Trieste. A ocidente desta divisória, afirmava Hajnal, vigorava
historicamente o chamado «Padrão Matrimonial Europeu» – ao contrário do
que acontecia no resto do mundo. A «Linha de Hajnal», como viria a ser
conhecida esta divisão, demarcava não apenas a Europa Ocidental da do
Leste, mas também, e sobretudo, das civilizações mais a oriente.[19] Hajnal
documentou que a ocidente desta linha, a organização das famílias diferia
da oriental em dois aspetos: a idade de casamento mais tardio das mulheres
e a taxa de celibato que era comparativamente alta. Investigações
subsequentes vieram a acrescentar outras características a este padrão,
nomeadamente, o facto de, na Europa Ocidental, os casamentos serem
consensuais (exceto, evidentemente, no que tocava à Nobreza), e o facto de
as mulheres terem tido mais direitos e uma maior taxa de participação no
mercado laboral.[20] As conclusões das últimas décadas têm confirmado que
o Padrão Matrimonial Europeu e a Linha de Hajnal constituem
representações aproximadamente corretas da realidade histórica desde os
finais da Idade Média até ao século xx. E essas normas culturais e sociais a
nível familiar estiveram certamente relacionadas com o padrão de
desenvolvimento que se veio a verificar na Europa Ocidental.
Portugal fica, evidentemente, a ocidente da Linha de Hajnal.[21] A idade
média do primeiro casamento das mulheres era de facto alta, sendo em geral
superior aos 25 anos em todo o país, ainda que com algumas variações
regionais: a sul de Lisboa, era tendencialmente inferior.[22] Mesmo aí, no
entanto, esta idade era superior à que se praticava noutras zonas do Mundo,
por exemplo, na China ou Índia. Aí, sem prejuízo das variações regionais
inevitáveis, as mulheres tendiam a casar-se muito mais cedo (antes dos 20
anos). A idade média do primeiro casamento era também uma aproximação
à idade média da mãe na altura do nascimento do primeiro filho, o que
portanto em Portugal acontecia por volta dos 25 anos ou mais – uma
situação que no nosso país se manteve até 1985.[23] Deste então, essa idade
média tem subido, rondando nos dias de hoje os 30 anos.[24]
Para ocidente da Linha Hajnal, não existiam historicamente diferenças
entre países católicos e protestantes, desde o século xvi, ou entre o norte e o
sul da Europa, ao contrário do que por vezes é afirmado. Existe, de facto,
uma literatura académica influente de origem neerlandesa que tem
argumentado que as mulheres eram historicamente menos discriminadas
nos países do norte da Europa, e em particular nos Países Baixos e na
Inglaterra, do que acontecia nas regiões do sul da Europa Ocidental, como
em Itália, Espanha e Portugal.[25] Essa literatura reconhece que as mulheres
também trabalhavam fora de casa no Sul, mas insiste que isso acontecia
com menos frequência do que no norte da Europa. Também afirma a mesma
literatura que as diferenças salariais no Norte seriam menores, para além de
reagirem às forças de mercado, o que não aconteceria no sul, onde as
normas sociais determinariam que as mulheres ganhavam metade dos
homens. Especula-se, com base em tudo isto, que são essas diferenças que
explicam o maior investimento das mães na educação dos filhos no norte da
Europa.
Na verdade, nada disso é correto. Em trabalho conjunto com Jaime Reis
e Lisbeth Rodrigues, mostrei que Portugal era historicamente – pelo menos
até finais do século xix – um país como os outros da Europa Ocidental no
que toca às normas sociais e familiares.[26] A situação das mulheres, fossem
solteiras, casadas, ou viúvas, era parecida com a das do norte da Europa.
Não se casavam cedo (como já vimos), nem com maiores intervalos de
idade relativamente aos seus noivos. Os regimes relativos às heranças eram
também semelhantes.[27] Em Portugal as mulheres participavam no mercado
laboral tal como também acontecia a norte, pois o casamento não as
impedia de o continuar a fazer, e podiam até trabalhar por conta própria, o
que acontecia na mesma proporção que nos Países Baixos.[28] Tinham um
salário que variava em função das circunstâncias, mas era em geral cerca de
dois terços do dos homens – a mesma proporção média que no norte da
Europa. Em Portugal, havia também uma taxa alta de celibato feminino:
acima de 10%. Finalmente, convém notar que os níveis de literacia e
numeracia do sul da Europa em geral, e de Portugal em particular, não eram
claramente inferiores aos de outras partes da Europa até ao século xviii,
como veremos mais à frente neste livro. Isto sugere que, até essa altura, não
existiam grandes diferenças ao nível dos investimentos familiares na
educação dos filhos.
Em suma, não é possível que sejam normas sociais ao nível das famílias
o que explica porque é que Portugal – ou o sul da Europa em geral – se irão
tornar em regiões mais pobres do que o norte da Europa. Temos portanto de
considerar outras explicações para as origens do atraso, já que as mulheres
portuguesas podiam ser cabeças de casal e conheciam taxas de participação
laboral e diferenças salariais relativas às dos homens em linha com o resto
da Europa Ocidental.[29] Que não restem dúvidas de que existiam
discriminações históricas – não tanto relativamente aos salários das
profissões que as mulheres podiam exercer, que tinham uma relação
próxima com a sua produtividade, mas principalmente pelo facto de lhes ser
negado o exercício de certas profissões. Até ao século xx, não podiam ser
médicas nem advogadas, por exemplo. Mas isso era assim em todos os
países, logo não pode explicar o atraso de uns em relação a outros. Dito
isto, existiu efetivamente um período, já no século xx, em que as mulheres
eram mais discriminadas no sul da Europa do que no norte. Mas isso viria
depois da divergência já ter acontecido, sendo essa mesma divergência
certamente uma das suas causas, mais do que o contrário. E note-se que em
Portugal, em particular, mesmo antes do 25 de Abril, a participação das
mulheres no mercado de trabalho era alta, sendo comparável aos níveis
médios europeus.[30]
A literatura demográfica inspirada por Hajnal observou ainda que nas
populosas sociedades que habitavam a China, a Índia, ou o Médio Oriente,
o número de rapazes a chegar à idade adulta era maior do que no caso das
meninas, devido a negligência ou a infanticídio seletivo.[31] Também nesta
matéria, Portugal fazia claramente parte da Europa Ocidental. Em certos
casos, observa-se, aliás, o contrário: o rácio rapazes sobre raparigas a
sobreviver era inferior a 1. Apesar de não existir informação histórica
sistemática sobre esta matéria, sabemos que no Porto, entre 1680 e 1780, a
maior parte dos expostos (crianças abandonadas pelas mães) eram meninos,
e que ainda em meados do século xix, a mortalidade infantil era
genericamente superior entre os meninos.[32] Ou seja, como nas outras
matérias relativas à fecundidade comparada e normas sociais a nível
familiar, Portugal seguia o padrão europeu sendo, por isso, excecional à
escala do globo.

A população portuguesa desde finais do século xix

A evolução da população portuguesa no último século e meio é


conhecida com grande rigor. Os aumentos populacionais verificados no
último terço do século xix garantiram que a população ultrapassasse os 5
milhões de pessoas em 1890, enquanto em 1910 já tinha ganhado
praticamente mais um milhão. A vaga de emigração para o Brasil e outras
partes do continente americano, vinda do século xix, parou com a Primeira
Guerra Mundial, e em 1930 residiam em Portugal 6,8 milhões, que
passaram a ser 7,7 milhões em 1940, e 8,4 milhões em 1950. Por volta
dessa década, começou a transição demográfica, com uma gradual queda do
número médio de filhos por mulher e, consequentemente, um abrandamento
do nível de crescimento populacional. Como noutros países, a transição
demográfica manifestou-se numa maior taxa de sobrevivência infantil e em
maior investimento na educação por parte dos pais.[33] As crianças deixaram
progressivamente de ser um par de braços para ajudar nos campos ou nas
tarefas domésticas e passaram a ser vistas como um ativo em que os pais
investiam ao longo de um largo período. Por esta razão, a que se juntou o
aumento da emigração, em particular para França nos anos 1960, a
população em 1970 ainda era apenas 8,6 milhões. Mais de meio milhão de
«retornados» entrou no país em meados da década de 1970, e o salto para os
10 milhões era registado pouco depois, no censo de 1981.[34] A partir daí, o
crescimento populacional travou. Em 1991, a população portuguesa
continuava a ter este número aproximado, que praticamente se mantém na
atualidade.[35] A Figura 3 mostra a evolução ao longo do tempo.[36] Apesar
de ser um tópico que se coloca além do foco imediato deste livro, aproveito
para notar o facto evidente de a população – e a atividade económica – do
país estar hoje muito mais concentrada no litoral, e nas cidades, do que
sucedia até meados do século xx.[37] Talvez o mais surpreendente sobre o
país nos dias de hoje, no que toca à população, seja o facto de Portugal
receber muitos imigrantes mas, ao mesmo tempo, ser um país de onde
também emigram muitas pessoas (e não só as qualificadas). Isto é o
resultado de Portugal ser rico a nível mundial, mas pobre a nível europeu –
e sem grandes perspetivas de melhorar. Não sendo possível reformar o país,
onde não têm voz, e não podendo ou querendo entrar nas disputas
partidárias que poderiam dar acesso a rendas, muitos portugueses estão a
votar com os pés – abandonando o país. Não deixa de ser notável que cerca
de um quinto dos portugueses viva hoje fora de Portugal, sendo o nosso
país aquele que, na Europa Ocidental, mais cidadãos vê partir.[38] As saídas
têm estado mesmo a aumentar, e o Reino Unido continua a ser o principal
destino.[39] A queda verificável da população corresponde a dois terços da
dos anos 60 do século xx, mas num contexto em que a fertilidade dos que
ficam é muito inferior.[40]

Figura 3. A população de Portugal entre 1870 e 2018.


[1] MATTOSO (1986).

[2] RIBEIRO (1986).

[3] MATTOSO (2015). Originalmente publicado em 1985.

[4] DAVIES (2012).

[5] Estes números foram os utilizados por PALMA et al. (2020).

[6] ROSER et al. (2013).

[7] A génese da transição demográfica teve a sua origem ainda em finais dos anos 20 do século
xx. Veja-se CERMEÑO et al. (2023), p. 7.

[8] Instituto Nacional de Estatística (2013), p. 41; CERMEÑO et al. (2023).

[9] PALMA et al. (2020).

[10] Fonte: até 1864, várias fontes citadas em PALMA et al. (2020).

[11] PALMA et al. (2020).

[12] QUENTAL (2008), p. 83.

[13] Como é evidente, os casamentos entre a Nobreza, que eram combinados, representavam uma
exceção a esta regra.

[14] Por exemplo, no Minho havia mais tendência para a endogamia nos casamentos.

[15] THOMAZ (2022), p. 147.


[16] Os primeiros indícios sobre a excecionalidade europeia datam da altura da Peste Negra, ou
um pouco antes. Veja-se VAN ZANDEN et al. (2019).

[17] Para uma revisão moderna das ideias relacionadas com a obra de Thomas Malthus e da sua
diferente aplicabilidade ao longo do tempo, veja-se GALOR (2022).

[18] Se os cronistas não tinham a informação de que dispomos hoje, e não teriam certamente a
capacidade de compreender as sociedades nativas em toda a sua complexidade, continua a valer a
pena ler a sua irrepetível experiência em primeira mão. Veja-se GÂNDAVO (2004), publicado
originalmente em 1574.

[19] HAJNAL (1965). A este artigo seguiu-se HAJNAL (1982).

[20] VAN ZANDEN et al. (2019). No que toca à situação do sul da Europa Ocidental, e em
particular de Portugal, há afirmações feitas neste livro que não correspondem de todo à realidade
histórica. Explicarei isso mais à frente.

[21] O próprio John Hajnal reconheceu isto logo no início do artigo de 1965, onde afirmava que
apenas a Europa de Leste estava fora deste padrão.

[22] PALMA et al. (2023), p. 12, e também Apêndice G, pp. 34-42.

[23] Ainda que o número médio de filhos por mulher estivesse a cair desde há décadas, como
referido anteriormente.

[24] Esta é uma idade que anda próxima da dos outros países europeus. Fonte: EUROSTAT
(2023a).

[25] ZANDEN et al. (2019); PLEIJT e ZANDEN (2021); HENRICH (2021).

[26] PALMA et al. (2023), pp. 11-13.

[27] Existiam variações regionais em todos os países. Mas essas variações não estiveram
sistematicamente associadas a uma maior discriminação contra as mulheres no sul da Europa
Ocidental.

[28] Existe suporte empírico detalhado relativo a esta matéria, dizendo respeito a meados do
século xviii. Veja-se SILVA e CARVALHAL (2020).

[29] Logo, menores do que as que eram praticadas genericamente noutras partes do mundo.

[30] Em 1974, cerca de 43% das mulheres portuguesas em idade ativa trabalhavam fora de casa,
sendo esta percentagem parecida com a média europeia, e muito superior à de países do sul europeu,
como a Espanha, Itália, ou Grécia. Veja-se OUR WORLD IN DATA (2017).

[31] Tendo em conta que o rácio de rapazes sobre raparigas à nascença é sempre próximo de 1.

[32] PALMA et al. (2023).


[33] Sobre estas questões, num contexto global, veja-se GALOR (2022).

[34] A rápida reintegração dos retornados na sociedade portuguesa foi notável, ainda que tenha
tido consequências não despiciendas nos mercados laborais. Veja-se BOHNET et al. (2022).

[35] A partir de 1890, a fonte destes números é a informação dada em VALÉRIO (2001). Fontes
mais atualizadas dão números parecidos. Veja-se AMARAL (2009), e também HENRIQUES e
RODRIGUES (2009).

[36] MADDISON PROJECT DATABASE (2020), que se baseia em MADDISON (2006),


Apêndice B, 230-231; que por sua vez se baseia em MCEVEDY e JONES (1978).

[37] Sobre esta matéria, ver BADÍA-MIRÓ et al. (2012).

[38] HIRSCHMAN (1970). Segundo o WORLD ECONOMIC FORUM (2016), uma em cada
cinco pessoas nascidas em Portugal vive fora do país. Outros países em que isso se passa são o
Cazaquistão, Macedónia do Norte, Síria, e Trinidad e Tobago.

[39] OBSERVADOR (2023a).

[40] Entre 2011 e 2021 a população diminuiu em cerca de 200 mil pessoas. Veja-se INSTITUTO
NACIONAL DE ESTATÍSTICA (2021), e EXPRESSO (2022).
2.
Instituições políticas

Nenhuma sociedade consegue prosperar sem a existência de um Estado


que consiga impor justiça e ordem por meio da oferta de bens públicos,
como tribunais e forças armadas.[41] No entanto, qualquer governo
suficientemente forte para manter a ordem também é capaz, ipso facto, de
utilizar a sua força para expropriar os cidadãos em benefício da pequena
elite politicamente dominante. Este é um dilema fundamental de todas as
sociedades humanas: como construir um Estado simultaneamente poderoso,
mas também justo e contido?[42] Era um problema que Platão já referia e
continuou a preocupar todos os pensadores destas matérias ao longo dos
séculos, como John Locke e Montesquieu. Foram as sociedades que melhor
conseguiram obter esse difícil equilíbrio que mais se desenvolveram, com
destaque para a Inglaterra a partir da segunda metade do século xvii. Neste
capítulo, explico como Portugal se afastou deste caminho no século xviii.
Ainda hoje estamos a pagar as consequências deste desvio, como mostrarei.
Nos reinos europeus dos séculos xv a xviii, os parlamentos eram a
principal forma pela qual o interesse público confrontava o poder executivo
e os interesses instalados, incluindo por vezes o próprio monarca.[43] Os
parlamentos – que em Portugal e Espanha se chamavam Cortes – eram
instituições em que os membros representavam o interesse geral público
perante o poder executivo.[44] A ideia que normalmente existe de que
Portugal era, nos séculos xvi ou xvii, uma Monarquia Absoluta, em que o
rei tinha poder sem limites e tudo decidia, não é apenas simplista: é falsa.
Os autointitulados «liberais» do século xix, como Alexandre Herculano,
criaram uma narrativa segundo a qual a História de Portugal nos séculos
anteriores se caracterizava pelo Absolutismo que triunfara no século xvi
sobre as tradições municipais da Idade Média. Esta narrativa não
corresponde, contudo, à verdade histórica – é uma estória escrita para
defender causa própria. Ao contrário do que esses mesmos «liberais»
acreditavam, e que muitas pessoas ainda hoje repetem, o triunfo final do
Liberalismo em 1834 também não marcou uma quebra sistemática e
decisiva com os problemas institucionais que vinham de trás. Não apareceu
um Portugal novo. Por exemplo, um dos problemas apontados às velhas
instituições era a existência de propriedade vinculada (como o morgadio)
que não podia ser transacionada – ou seja, comprada ou vendida –,
limitando assim os direitos individuais de propriedade e impedindo o
desenvolvimento de um verdadeiro mercado de terras. Ora, apesar de toda a
sua retórica, o Regime Constitucional, pretensamente «liberal», foi incapaz
de resolver esta situação ineficiente, deixando-se envolver em imbróglios
jurídicos intermináveis associados à tentativa de extinguir a impossibilidade
de vender, ou dividir em parcelas, os morgadios ou outras instituições
relacionadas.[45] Na verdade, não é abusivo ver o triunfo do Regime Liberal,
na primeira metade do século xix, como uma imposição de potências
estrangeiras preocupadas em garantir que os credores da sua nacionalidade
recebessem a devolução dos empréstimos concedidos.[46] A ideia de que a
lei deveria ser igual para todos tem mérito, sem dúvida, mas a sua aplicação
efetiva neste período não terá tido mais força do que tem hoje: tal como nos
nossos dias, o dinheiro, as relações pessoais, e o nível de conhecimentos
continuaram a determinar que, na prática, a aplicação da legislação variasse
em função da classe social. E como veremos neste livro, a Monarquia
Liberal coincidiu, na realidade, com um comportamento medíocre da
economia nacional, particularmente por comparação a outros países da
Europa Ocidental.
Neste capítulo, mostro que o atraso institucional português, em termos
comparados, apenas se iniciou no século xviii.[47] Baseio-me aqui em grande
parte na investigação que fiz juntamente com António Castro Henriques,
apresentada num artigo publicado no Journal of Economic Growth em
2023.[48] Uma perspetiva comparada indica que o atraso político de Castela
era anterior ao português, tendo as instituições portuguesas sofrido de
contágio político no período da União Dinástica, quando os reis de Espanha
também foram soberanos de Portugal (1580-1640).[49] No entanto, na
sequência da Restauração, as Cortes portuguesas ressurgiram e reafirmaram
as suas antigas prerrogativas. O renascimento das Cortes, na segunda
metade do século xvii, veio a ter consequências notáveis no que toca à
capacidade fiscal, legal, e administrativa do Estado português. Mas,
infelizmente, no século xviii tudo iria mudar, e as Cortes não se reuniriam
uma única vez. Gradualmente, verificou-se que o rei já não precisava de
negociar com elas para cobrar novos impostos ou tomar outras decisões
políticas relevantes. Logo, se há período da História de Portugal que
podemos caracterizar como sendo absolutista, é precisamente esse.[50] Neste
livro, explicarei quais os motivos pelos quais isto aconteceu e as
consequências que esse atraso político teve, até mesmo aos dias de hoje.
O século xix, à primeira vista, surge como uma época de profunda rutura
institucional. Depois da vitória definitiva dos ditos «liberais» em 1834, tudo
aparenta ter mudado: a nível legal, administrativo, e fiscal era um país novo
e radicalmente diferente do anterior que aparentava ter surgido. Ou, pelo
menos, assim o afirmaram gerações de historiadores, influenciados por
grandes figuras do Liberalismo como Alexandre Herculano.[51] No entanto,
demonstrarei que as amplas mudanças institucionais e legais do século xix e
início do seguinte não tiveram efeitos significativos na sociedade
portuguesa. Pelo menos, as suas consequências apenas aconteceram a prazo
e de forma indireta. Estou consciente de que, ao defender esta ideia, entro
em contradição com as convicções de grande parte da historiografia
existente sobre esse período. Mas a verdade é que uma sociedade que
chegou ao século xix decadente, em termos tanto políticos como
económicos, nunca poderia ter sido fácil de reformar. Devido a este peso do
passado, o século xix acabou por ser muito mais traumatizante do que tinha
de ser. E o radicalismo político que se instalou em certas épocas, que disso
foi consequência, não resolveu os bloqueios fundamentais do país. O
fracasso não decorreu apenas da má conceção das leis e instituições, mas do
facto de muitas das reformas se terem feito apenas por decreto – ou seja, de
jure. Faltou a sua implementação de facto, como aliás já tinha acontecido
com algumas «reformas» do século anterior.[52] E o mesmo voltaria a
acontecer um século depois, com a Primeira República, tanto no que toca à
difícil relação com o Clero, como à questão da alfabetização, num país que
era pobre e profundamente religioso. Acabou por ser a ditadura socialmente
conservadora que governou o país a partir de 1926, sem cortar com muitas
das alterações institucionais anteriores – como a secularização do Estado ou
a natureza republicana do regime – que foi capaz de modernizar o aparelho
estatal, alfabetizar as novas gerações, e implementar reformas fundamentais
que, a seu tempo, dariam frutos. Beneficiando também, sem dúvida, da
conjuntura externa favorável do pós-guerra, o país finalmente convergiu,
num processo que depois continuou durante a democracia, ainda que de
forma variável no tempo e com resultados medíocres nas últimas décadas.

A situação política comparada nos finais da Idade Média

É necessário recuar no tempo e alargar o espaço de análise para estudar e


compreender as instituições políticas, assim como a sua mudança no tempo.
Este recuo é crucial, já que a evolução política do país, desde o século xv,
irá ter implicações fundamentais para se entender o atraso político e
económico a prazo. Como já referi, em Portugal, em finais da Idade Média,
existiam parlamentos (Cortes). Nestas assembleias, reuniam-se os «três
estados» – Povos, Nobreza e Clero –, e existia um sentimento de pertença
ao «reino». Falava-se no «bem comum do reino» e em direitos, assim como
obrigações, inerentes.[53] Estas assembleias representativas exerciam limites
(restrições) importantes ao poder executivo, tendo competências para
aprovar, por exemplo, novos impostos solicitados pelo rei (ou alterações aos
impostos existentes).[54]
Tendo as Cortes responsabilidades e poderes efetivos, não faz sentido
falarmos de Absolutismo. O papel decisivo nas Cortes não estava no Clero e
na Nobreza mas cabia antes aos «Povos» que reuniam os representantes dos
principais concelhos.[55] Estes, decidindo em nome das comunidades que os
elegiam, eram conhecidos como procuradores – de uma forma aproximada,
e sem grande salto de imaginação nem de violência à História, podemos
comparar estes procuradores com os deputados dos atuais parlamentos.
Mais, na sua forma de funcionamento, as Cortes seguiam normas, algumas
escritas, outras não. Ou seja, as Cortes cumpriam, e faziam cumprir, o que
na prática era uma Constituição, ainda que esta não estivesse codificada.[56]
O exemplo contemporâneo do Reino Unido – que não tem uma
Constituição escrita, embora tenha regras constitucionais que deverão ser
cumpridas – ajuda a compreender o Portugal dos séculos xiv a xvii. Em
suma, ao contrário do que aprendemos na escola e até nas universidades –
tanto mais que gerações de historiadores e juristas o têm repetido desde o
século xix – não é verdade que, antes de 1820, nunca tivessem existido em
Portugal instituições parlamentares ou um Estado Constitucional.[57] Tudo
isto tinha existido, de facto, ainda que tivesse desaparecido no século xviii,
por razões que discutirei.
Na verdade, os parlamentos – na lógica de funcionamento a que me
refiro aqui – foram uma invenção e especificidade europeia, com origens
medievais.[58] Até ao século xx tais assembleias não são observáveis noutras
partes do mundo.[59] Mas nunca foram iguais em toda a Europa. Na Polónia,
por exemplo, tiveram demasiado poder. Elegiam o rei, e o poder de veto
detido por cada um dos procuradores individuais criava constantes
bloqueios que enfraqueciam o Estado, tendo no limite levado ao
desaparecimento do próprio país em finais do século xviii.[60] Em França, os
Estados Gerais pararam de funcionar em inícios do século xvii, ficando
algumas das suas funções fiscais e judiciais entregues a comissões
permanentes regionais, chamadas parlements. Por sua vez, os parlamenti,
do Reino de Nápoles, também perderam poder ao longo do tempo,
acabando por deixar de funcionar.[61] Já nos Países Baixos, impulsionados
pela necessidade de organizar o país, devido à guerra de independência
contra os reis de Espanha, estas assembleias tiveram um papel fundamental.
Para fixar ideias e ser possível uma comparação detalhada, vale a pena
concentrarmo-nos na comparação da evolução institucional portuguesa com
a de outras duas unidades políticas: Castela e Inglaterra. No caso de Castela
(cujo território e população correspondiam a mais de três quartos da
Espanha) a escolha é evidente, já que, segundo Antero de Quental, era um
dos «povos peninsulares» que partilhava com Portugal o fardo da
decadência.[62] A escolha de Inglaterra justifica-se por ter sido um caso de
sucesso, à escala mundial, a partir da segunda metade do século xvii. Não
podemos compreender bem o que falhou em Castela ou em Portugal sem
também estudar o caso de inegável sucesso económico e político que foi a
Inglaterra. A partir da segunda metade do século xvii, a Inglaterra tornou-se
na economia mais dinâmica da Europa. Além disso, o aparecimento da
Revolução Industrial, durante o século xviii, viria depois a ter implicações
fundamentais para todo o mundo. Sabemos hoje que a Revolução Industrial
teve origens políticas, ainda que continue o debate sobre o papel do Estado
e sobre a importância relativa de diferentes momentos e regimes políticos.
[63]
Vale por isso a pena conhecer a evolução política inglesa no caminho
que percorreu até ao século xviii. Porém, essa evolução também não pode
ser compreendida plenamente se a isolarmos do que se passava na Europa
continental.
Apesar da aparente diversidade entre os vários parlamentos, na Europa
Ocidental existiam também semelhanças fundamentais entre eles. Estas
semelhanças, de resto, justificam referirmo-nos às Cortes de Castela e
Portugal como parlamentos, já que estas assembleias tinham papéis
equivalentes às do parlamento inglês. O papel mais importante era o poder
de consentir, ou não, pedidos de impostos feitos pelo rei. Os representantes
tinham também de aprovar subsídios que o monarca desejasse dar a alguém,
e tinham poder decisório em matérias complexas e importantes relacionadas
com questões de sucessão e outras disputas dinásticas de importância
fundamental para o funcionamento do Estado. Finalmente, estas
assembleias eram, por vezes, convocadas para participarem em grandes
reformas e na produção de legislação. Aliás, foi este último motivo que
justificou a sua convocação em meados do século xiii, tanto em Castela
como em Inglaterra e em Portugal, num processo que, a partir daí, passou a
ser frequente.
Enquanto operaram, os parlamentos de Castela e Portugal não
defenderam pior o interesse público, em geral, do que o que aconteceu em
Inglaterra. Esta situação viria sem dúvida a mudar radicalmente a partir de
meados do século xvii – um pouco antes em Castela, mais tarde em
Portugal –, mas não tinha sido sempre assim. Na verdade, num período
anterior, nomeadamente, durante grande parte do século xvi, os interesses
dos representantes do parlamento inglês parecem ter estado mais
desalinhados com os do público na Câmara dos Comuns inglesa do que
acontecia nas Cortes de Castela ou de Portugal.[64]
Em Portugal, o monarca convocava concelhos destinados a enviarem os
seus representantes para as Cortes, sendo que a vereação municipal
proclamava publicamente o conteúdo da convocatória do rei. Por exemplo,
no concelho de Loulé, em 1385, a vereação reuniu e decidiu chamar «os
homens bons da dita vila e a maior parte do povo», incluindo até os pobres,
para elegerem os procuradores das Cortes de Coimbra, que iriam, por sua
vez, eleger D. João I.[65] Desse modo, foram estes procuradores eleitos que,
por sua vez, fizeram do Mestre de Avis um rei de Portugal «eleito».[66] Ou
seja, nos séculos xiv e xv, o direito a participar nestas eleições era alargado,
não restrito apenas à oligarquia local ou às camadas superiores da
sociedade.[67] O monarca consultava um grupo alargado de pessoas para
que, depois, os municípios não pudessem afirmar que os procuradores
tinham sido eleitos por uma pequena elite.[68]
A lista eleitoral mais antiga que sobrevive, datada de 1497, para o Porto,
regista o nome de 34 eleitores, mas o escrivão nota também que votaram
«outros muitos do povo» que não registou porque desconhecia os seus
nomes.[69] Os votantes nestas eleições tinham profissões variadas, incluindo
por exemplo três sapateiros, um tabelião, e um cavaleiro. A Monarquia
portuguesa tentava tornar as eleições o mais participadas possível, por
forma a que a legitimidade dos procuradores não fosse posta em causa.[70]
As convocatórias afirmavam que todo o município, incluindo agricultores e
artesãos, deviam participar na eleição. Mesmo que os mais céticos possam
desconfiar da interferência da vereação em algumas eleições, os
procuradores escolhidos não seriam considerados legítimos sem aclamação
popular. Este procedimento não era apenas uma formalidade: os membros
da vereação em funções não podiam ser indiferentes ao sentimento geral. O
funcionamento do sistema está bem documentado para Lisboa no século
xvi, e para o Porto no século xvii. Em 1580 existia em Lisboa um eleitorado
de cerca de 100 pessoas, com 48 representantes das variadas casas de
mesteres – que representavam as principais profissões – além de cerca de
dez vereadores e alguns juízes e oficiais municipais. Os resultados eleitorais
eram frequentemente disputados, com alguns vencedores a ganharem por
poucos votos.
Será que a origem do inegável sucesso político e económico da
Inglaterra, notório a partir da segunda metade do século xvii, tem raízes
medievais?[71] Uma análise detalhada dos factos sugere que não. No século
xv, em Inglaterra, o parlamento reunia representantes eleitos pelas
comunidades. Na prática, as elites governativas dos condados e das cidades
mais importantes, que pagavam os salários dos representantes, escolhiam
quem queriam: os vereadores (aldermen), apoiados pelas guildas, votavam
internamente nos representantes.[72] Estes eram depois aclamados ou
confirmados pela população – ou, no caso de Londres, pelos representantes
de cada bairro administrativo (ward).[73] A partir do século xiv, à medida
que as instituições municipais se tornaram mais oligárquicas, o direito a
votar foi sendo cada vez mais restrito, reduzindo-se a algumas dezenas de
pessoas. Como tal, no período Tudor (essencialmente o século xvi), as
eleições para os membros do parlamento eram pouco mais do que
oportunidades para a Coroa escolher quem queria.[74] Não é por isso
surpreendente que, neste período, o parlamento inglês raramente tenha
contrariado a vontade do monarca. Ou seja, em vez de servir como uma
fonte de limites ao poder executivo – os conhecidos freios e contrapesos
(checks and balances) –, o parlamento inglês pouco mais fazia que
concordar com a vontade da Coroa, por exemplo, aprovando
mecanicamente os fundos por ela exigidos. A passividade do parlamento
inglês nesse período implicava que essa assembleia, na prática, não servia
de limitação ao poder executivo, aprovando de forma subserviente os
impostos que a Coroa de Inglaterra exigia.[75] Mas tudo isso viria a mudar,
com consequências tremendas para o desenvolvimento inglês a prazo.
As instituições da Península Ibérica são, na sua origem, distintas das
inglesas. A tradição das assembleias, enquanto entidades que representavam
o povo no seu conjunto, surgiu na sequência da queda do Império Romano
em vários reinos «bárbaros» (na verdade, altamente romanizados) da
Europa Ocidental, como no Reino dos Francos. No entanto, a Espanha
Visigótica foi uma exceção onde tal não aconteceu da mesma forma.[76] De
qualquer modo, foi no Reino de Leão que surgiram os primeiros
representantes dos estratos populares. Por outro lado, sobretudo por causa
da Reconquista, os municípios peninsulares tinham milícias próprias,
compostas por cavaleiros e besteiros que constituíram o principal
contingente da hoste real até ao século xiv.[77] Estes municípios, cuja
organização foi formalizada no século xi, podem ser descritos como
«sociedades organizadas para a guerra».[78]
Na Península Ibérica, o papel militar dos municípios fortaleceu a sua
posição negocial relativamente ao poder executivo (a Coroa). A força e peso
militar das cidades e as preocupações estratégicas dos reis tiveram um papel
central na formação dos grandes municípios. Estes desempenharam uma
função militar, que se manteve até bastante mais tarde e estava muitas vezes
associada à provisão de bens públicos (Figura 4). Este fator terá sido
importante na sua convocatória para as Cortes, que ocorreram em Leão em
1188, em Castela em 1250, e em Portugal em 1254 – as famosas Cortes de
Leiria. Apesar dessa origem, os assuntos centrais aí discutidos não foram
fundamentalmente de natureza militar. Nos três casos, a origem da
participação municipal nas Cortes esteve ligada à estabilidade da moeda a
ser cunhada: um assunto relevante para todos os concelhos, mercantis ou
agrícolas. Quando chegamos ao século xvi, o papel militar dos municípios
em Portugal e Espanha viria a desaparecer, à medida que os esforços
militares de ambos se encontravam em regiões mais distantes, não
adjacentes, longe do alcance das milícias. As «sociedades organizadas para
a guerra» incorporaram com sucesso os interesses comerciais e adquiriram
um aparelho administrativo próprio que, ao contrário dos shires ingleses,
lhes reforçava a capacidade negocial perante o rei. À medida que os mouros
iam recuando, as famílias mercantis tornaram-se parte das elites a nível
municipal. A primeira Carta de Foral da recém-conquistada cidade de
Sevilha, datada de 1251, por exemplo, foi dirigida à oligarquia governante,
descrita como «cavaleiros, assim como mercadores e homens do mar».[79]
Em Portugal, a conversão dos cavaleiros em mercadores urbanos, e a
reutilização dos cavalos de guerra para fins agrícolas e comerciais, estão
bem documentadas nas Cartas de Foral que fundaram os municípios no sul
do país.[80]

Figura 4. Casa da vereação de Sesimbra, séculos xiv ou xv.


É possível ver um bem público, um poço, que servia de cisterna para a
população em caso de cerco.

A este respeito, a cidade de Lisboa, que tinha desempenhado um papel


importante durante a Reconquista, é um exemplo significativo. Durante o
século xiv, foi governada por um grupo de grandes mercadores e juristas.[81]
A seu tempo, as corporações de ofícios de Lisboa, Porto e Évora também
ganharam poder nos processos de tomada de decisão a nível municipal. Foi
o que aconteceu com a fundação da Casa dos Vinte e Quatro, na qual se
sentavam dois representantes de cada uma das 12 maiores corporações
(alfaiates, pedreiros, sapateiros, entre outros). Logo, nos maiores
municípios de Portugal, os artesãos tinham uma palavra a dizer nas decisões
que os afetavam, ainda que o seu papel fosse subsidiário relativamente ao
das elites mercantis e jurídicas. Os povos não perderam um papel
fiscalizador, decorrente da sua condição de contribuintes. Em 1459, por
exemplo, os povos de Coimbra afirmaram, numa petição, que participar nas
reuniões municipais era importante porque assim «sentiam o peso do que
pagam e queriam saber as coisas como andam e os dinheiros do concelho
como se despendem».[82]
Da discussão anterior, fica claro que as instituições concelhias não
perderam a sua força inicial. Ao invés, desenvolveram um aparelho
administrativo e um considerável capital político. Ou seja, tudo mudou ao
longo do tempo, ao contrário do que afirmam historiadores influenciados
pela tradição francesa da histoire immobile, associada a Emmanuel Le Roy
Ladurie do Collège de France e da escola dos Annales.[83] Mas para
compreendermos porquê, e em que momento, a natureza das instituições
mudou, comecemos por fixar ideias e selecionar, como ponto de partida, um
momento preciso que possa ser estudado em detalhe. Vou, por isso, centrar-
me com mais pormenor no período à volta de 1500, por motivos que se
tornarão evidentes.
A força das instituições municipais granjeava-lhes um capital político no
parlamento de que as suas congéneres inglesas careciam. Por volta de 1500,
cidades como Bristol ou Porto defendiam largamente o mesmo tipo de
interesses nos respetivos parlamentos. Com mais ou menos influências
externas, os seus eleitores escolhiam representantes identificados com a
oligarquia dominante ou com a própria comunidade. A diferença, a existir,
talvez fosse no sentido de que os burgueses de Bristol tinham menor
capacidade negocial do que acontecia no Porto (ou em Sevilha, se
falássemos de Castela). Enquanto as Cortes ibéricas evoluíram para servir
os interesses dos municípios, que se governavam a si mesmos e que tinham
uma certa densidade institucional, na Câmara dos Comuns inglesa a força
dominante era a Aristocracia rural dos shires que não tinha um aparelho
administrativo. Era claro o contraste com a força negocial de uma elite não
nobiliárquica como era o caso dos vereadores municipais.
A natureza oligárquica das instituições municipais inglesas manteve-se,
pelo menos, até meados do século xvii. Por exemplo, até 1628, todas as
eleições para membros do parlamento em cidades importantes como
Newcastle, Bristol, ou Gloucester, foram controladas pelas oligarquias
locais, oriundas das elites urbanas, fortemente endogâmicas, que
dominavam a vida económica e política local.[84] Durante o reinado de
Isabel I (1558-1603), a pequena nobreza e as elites locais, frequentemente
ao serviço da Coroa, continuaram a dominar a escolha dos assentos
parlamentares. E com os primeiros dois monarcas da dinastia Stuart (a
partir de 1603), a história eleitoral não terá sido diferente.[85]
Durante este período, municípios como York, Bristol, ou Salisbury
conseguiram não ser completamente dependentes do favoritismo régio ou
do patrocínio de membros da Corte. Um cortesão influente junto de Carlos
I, como era o Conde de Pembroke, por exemplo, interveio de forma
decisiva em quase 90 eleições para os parlamentos de 1614 e 1628, tendo
sido responsável pela escolha de 98 membros do parlamento.[86] De facto,
só a partir da segunda metade do século xvii – depois de uma Guerra Civil,
da execução do rei Carlos I, e da Restauração da Monarquia em 1660 – é
que a maior parte das eleições começaram a ser verdadeiramente disputadas
e quase todos os burgos ingleses passaram a escolher gente da terra para os
representar em Westminster, resistindo à opção fácil de aceitarem as
«sugestões» dos grandes cortesãos e magnates.[87] Na Câmara dos Comuns,
as mudanças a que me referi começaram a acontecer ainda na década de 40
do século xvii, antecipando as grandes mudanças constitucionais que viriam
a dar-se no contexto e na sequência da Guerra Civil. À medida que os
burgos (boroughs) foram introduzindo homens locais, o rei foi enfrentando
um parlamento mais independente do que tinha acontecido com os seus
antecessores, o que, de resto, devido a uma sequência imprevisível de
acontecimentos, o levou a perder o trono e (literalmente) a cabeça.[88] Esta
sucessão de eventos, designada por alguns autores como Revolução Inglesa,
seria crucial para criar as condições que explicariam a evolução política
futura desse país, e o seu sucesso económico a prazo.[89]
Quando a Inglaterra melhorou o seu nível de representatividade, através
da escolha de genuínos representantes locais alinhados com o interesse das
comunidades, essa era uma realidade que já existia desde há muito nas
Cortes ibéricas. Em Castela, cada município desenvolveu métodos próprios
para escolher os procuradores, combinando eleição e sorteio. Numa
primeira fase, a Monarquia não tentava impor qualquer uniformidade, nem
intervinha nas eleições.[90] Os procuradores começaram a ser pagos pela
Coroa em 1435, o que não espanta, quando se pensa que os deputados ainda
hoje são pagos pelo Estado – sendo esta, aliás, segundo Péricles, uma das
características essenciais da democracia. Isto não era, portanto,
necessariamente algo negativo para os interesses dos contribuintes.[91] Por
exemplo, ser pago pela Coroa não impediu o procurador Jeronimo de
Salamanca, um mercador de Burgos, de liderar com sucesso a resistência
contra certas exigências fiscais do Rei Filipe II (Filipe I de Portugal) que
desejava financiar uma política externa ambiciosa em defesa do que
considerava seus territórios, principalmente nos Países Baixos, mas também
em partes da Itália. O sucesso de Jeronimo de Salamanca mostra que a
oposição, nessa fase, ainda não era punida pelo Estado com confisco, e que
até por isso os procuradores mantinham uma independência significativa.[92]
Apesar das instituições políticas castelhanas já estarem num certo declínio
nessa época, as Cortes de 1601 foram ainda importantes e representaram
um sucesso relativo para o interesse público, ao terem acabado com os
arbitrios, ou seja, os expedientes arbitrários que tinham sido usados por
Filipe II.[93] O argumento para acabar com eles foi de natureza equitativa,
tendo tido um papel fundamental a intensa pressão dos vereadores
municipais.
Note-se, de resto, que os salários dos procuradores eram pagos pelos
impostos que eles próprios aprovavam.[94] Isto criava um incentivo para os
procuradores aprovarem exigências fiscais junto do poder executivo. Logo,
a opinião pública era uma variável fundamental que os procuradores
precisavam de ter em conta. Nem sempre a reação das populações locais ao
regresso dos procuradores era pacífica. Por vezes, eram recebidos com
zombarias, desdém e mesmo violência.[95] Em 1520, um procurador de
Burgos foi linchado pelos locais que não queriam pagar os impostos
acordados nas Cortes, tendo eles também queimado as convocações e a
carta de nomeação do procurador. Esta pressão das populações locais
acabou por levar à prática – em vigor entre as décadas de 1590 e 1630 –
segundo a qual as decisões fiscais dos procuradores de Castela tinham de
ser depois confirmadas pelos municípios.[96]
O facto de os salários dos procuradores serem pagos pelo monarca de
Castela constituía um incentivo para prolongar as Cortes que, por vezes,
demoravam anos. Se em Inglaterra e em Portugal as assembleias
demoravam poucos meses ou semanas, em Castela existiram períodos
durante os quais as Cortes eram praticamente permanentes. Para o poder
executivo, isto constituía um problema, na medida em que os pedidos
demoravam muito a serem atendidos. Mas a longa duração das Cortes
também pode ser vista como consequência da força das mesmas e da sua
capacidade de resistirem à vontade do rei. Deste modo, o pagamento dos
procuradores pela Coroa, garantindo uma duração mais longa de
funcionamento das Cortes, até favorecia a posição negocial daqueles. E
também permitia que apenas uma pequena minoria de procuradores fosse
nobre, por comparação com a situação em Inglaterra.[97] A este respeito, por
volta de 1500, o estatuto socioprofissional dos representantes nos três
parlamentos acima referidos era diferente, mas tinha parecenças. Vejamos
primeiro as diferenças.
Em Portugal, os procuradores às Cortes eram proprietários, comerciantes
ou funcionários, e só muito raramente nobres.[98] Nas Cortes castelhanas,
96% dos representantes eram vereadores municipais (regidores), e apenas
3% eram nobres. Já em Inglaterra, a Câmara dos Comuns (House of
Commons, ou seja, a câmara baixa) era composta principalmente pela
pequena nobreza (cavaleiros) e juristas. Uma diferença importante é que a
escolha direta de representantes pela Coroa (ou por figuras da Corte) não
era praticada em Portugal, e era rara em Castela, mas era frequente em
Inglaterra. Em Portugal e Castela, os proprietários tinham um papel menos
importante na escolha dos representantes e no pagamento dos seus salários
do que em Inglaterra, o que pode ser visto como uma forma de
funcionamento mais moderna, ou pelo menos mais representativa da
população. A representatividade, medida pela população média por
representante, era em Portugal muito superior ao que sucedia em Castela e
ligeiramente superior a Inglaterra (Tabela 1).[99] Há ainda outros elementos
que sugerem que a representação política em Castela e Portugal era mais
abrangente do que acontecia em Inglaterra. Por exemplo, os representantes
«paraquedistas» – ou seja, não residentes e sem grande ligação prévia aos
locais que representavam – eram frequentes em Inglaterra, mas proibidos
em Castela (até ao século xvii) e, tanto quanto se sabe, muito raros em
Portugal. Tomando todos estes elementos em consideração, não é possível
confirmar a superioridade funcional ou maior representatividade do
parlamento inglês relativamente às Cortes ibéricas (tendo aqui sido
consideradas em detalhe as castelhanas e portuguesa) em finais da Idade
Média.[100]

Tabela 1. Representatividade nos parlamentos, por volta de 1500.

População média
Número total de Método de escolha dos Salários dos
Representação por representante
representantes representantes representantes
(em milhares)
Eleição a nível
Cortes de
127 municípios 254 4 municipal pelos Pagos pelos municípios
Portugal
vereadores e povo
Eleição; sorteio;
Pagos pelos impostos
consenso; rotação entre
Cortes de 19 grandes aprovados (cerca de
36 104 famílias (dependendo
Castela municípios 75%) e pelos municípios
do município em
(25%)
causa)
Eleição pelos
Condados (37); Pagos pelos senhores
latifundiários (com
Parlamento cidades com estatuto locais, e pelos círculos
296 7 rendimentos acima de
de Inglaterra de condado (12); ou circunscrições dos
40 xelins); escolhidos
burgos (98) burgos e cidades
pelo monarca
Existe também outro pormenor que mostra como – enquanto
funcionaram – as Cortes de Portugal apresentavam um grau de
representatividade superior ao que existia no parlamento inglês. Trata-se do
direito que concelhos da Índia e do Brasil tinham de nelas participar. Essa
prática também existia no país nosso vizinho relativamente à América
espanhola. Já a sua ausência em Inglaterra, como é conhecido, foi um dos
fatores que esteve na base da independência dos Estados Unidos da
América em 1776. Em Portugal, pelo contrário, Goa (1645), Salvador da
Bahia (1653), e São Luís do Maranhão (1676) ganharam o direito a
participar nas Cortes onde discutiam questões fiscais que também lhes
diziam respeito.[101]

Resistir à narrativa escrita pelos vencedores


A historiografia anglo-saxónica considera genericamente que a Inglaterra
era, desde há muito, «excecional» no que toca à qualidade das suas
instituições políticas e tendência integradora, ou mesmo à sua natureza pró-
democrática. Essa é a «História escrita pelos vencedores»: países como a
Inglaterra ou os Países Baixos que, em simbiose com o seu
desenvolvimento económico, criaram narrativas propagandísticas em
benefício próprio. O isolamento e o atraso académico ibéricos nos últimos
séculos têm sido também responsáveis pela dificuldade em restabelecer a
verdade.[102] Como tal, até aos dias de hoje, a literatura em língua inglesa
continua normalmente a afirmar a excecionalidade – e superioridade – das
instituições políticas inglesas para períodos anteriores ao século xvii, senão
mesmo desde a Magna Carta de 1215.[103] Assim o fizeram, nessa tradição,
por exemplo, Daron Acemoglu e James A. Robinson na conhecida obra
Porque Falham as Nações, onde consideram existir um maior despotismo
das Coroas ibéricas relativamente à inglesa desde, pelo menos, finais da
Idade Média.[104] Esta teoria não é recente. Surge já na obra de John
Fortescue em 1470 – o que é irónico, uma vez que, na qualidade de juiz de
um dos principais tribunais ingleses (chief justice of King’s Bench), vendeu
os seus serviços, como membro do parlamento, a vários burgos (boroughs).
[105]
E a literatura de autores neerlandeses tende a não ser muito diferente,
mostrando frequentemente desconhecer ou distorcer os detalhes da história
política ibérica.[106] Mas vou aqui continuar a concentrar-me nas
comparações com o caso inglês.
A suposta superioridade política das instituições inglesas consolidou-se
nos séculos seguintes, quando a singularidade do triunfo parlamentar inglês,
a partir de finais do século xvii, a tornou mais plausível. Esta perspetiva
desvalorizou brutalmente as instituições continentais, especialmente as
peninsulares, distorcendo de forma grave a imagem que se apresenta do
século xvi (e parte do xvii) em Portugal. Por exemplo, a historiografia
anglo-saxónica considera muitas vezes que a existência de eleições
competitivas em Inglaterra era uma marca da independência dos seus
burgos relativamente a influências externas.[107] Mas ignora que também
existiam estas eleições em Portugal, como já referi. Os registos de atos
eleitorais que sobrevivem, relativos a Lisboa, de 1579-1619, contêm
centenas de votos expressos e mostram que as eleições dos procuradores
para as Cortes eram disputadas, o que não aconteceria se a influência de
alguns magnates fosse esmagadora. A Figura 5 mostra um exemplo de uma
votação que foi decidida por apenas um voto de diferença.[108] Também
sobrevivem fontes detalhadas, relativas a votações secretas no Porto, que
revelam eleições muito disputadas: o número médio de eleitores para as
Cortes do século xvii, no Porto, foi de cerca de 128, e quase todas as
vitórias aconteceram com margens pequenas, com os vencedores a receber
cerca de um terço dos votos.
Em Portugal, os procuradores não eram pagos pela Coroa, mas antes
pelos municípios que serviam. Em cada conselho, os procuradores eram
eleitos pelos seus pares e esperava-se que apresentassem os seus agravos e
posições. Não se conhecem interferências ou pressões da Coroa nestas
eleições. Logo, o que funcionava era a pressão dos pares. Os procuradores
portugueses estavam alinhados com o povo, cujos interesses tinham a
obrigação de defender. E muitas das cidades e vilas representadas nas
Cortes dependiam da prosperidade do comércio, nomeadamente as mais
influentes que se sentavam no primeiro banco.[109] Aliás, em Portugal os
artesãos podiam escolher procuradores que os representassem nas Cortes, o
que de resto não acontecia nem em Castela nem em Inglaterra.[110] Assim, o
rei de Portugal via-se obrigado a receber nas Cortes delegações espontâneas
do chamado «povo-miúdo» de algumas vilas, o que aconteceu dezenas de
vezes, do século xv ao xvii.

Figura 5. Votação de Lisboa para os procuradores das Cortes de Almeirim de


1579.
As Cortes portuguesas foram frequentemente mais duras nas
negociações com a Coroa do que as suas congéneres europeias. Em Castela,
cerca de 20 municípios estavam presentes nas Cortes, representando vastas
regiões com as quais nem sempre a afinidade era grande (por exemplo, a
Galiza era representada pela cidade leonesa de Zamora). Já em Portugal,
pequenas vilas com algumas centenas de habitantes estavam presentes.
Frequentemente, as Cortes recusaram-se a fazer a vontade da Coroa. Foi o
que aconteceu nas Cortes de Lisboa em 1459, e de Santarém em 1477. As
Cortes portuguesas consideravam que, na sua qualidade de instâncias
representativas do Reino, a fidelidade ao rei não implicava que tivessem de
se vergar perante todo e qualquer desejo da Monarquia. Nesse sentido, os
procuradores resistiram aos desejos de D. João II de reformar as Cortes,
quando este tentou criar, em vez delas, uma comissão permanente unida
com o Clero e Nobreza. Esta tentativa de «unir para reinar», numa
expressão de António Castro Henriques, falhou devido à resistência dos
procuradores nas Cortes de 1477.[111]
Por serem de negociação mais difícil, as Cortes portuguesas foram
convocadas menos vezes no século xvi do que acontecia em Castela. No
entanto, mantiveram-se sempre relevantes durante esse século, ao contrário
do que viria a acontecer em Setecentos. Durante o período da União
Dinástica (1580-1640), as Cortes portuguesas tiveram um certo
apagamento, mas voltaram a ser muito relevantes depois de 1640.[112] Os
dados disponíveis indicam que, para o período que se seguiu à Restauração
da Independência, as eleições para procurador às Cortes passaram a ser
mais ativas e disputadas, com uma tendência para alargamento da base
eleitoral.[113] Em 1614, os Habsburgos tinham proibido juros acima de 5%,
uma forma de repressão financeira que os favorecia. Em 1643, o
desembargo do paço declarou essa lei como «nula e sub-reptícia» e anulou
as restrições legais ao juros.[114] Já depois do afastamento do Conde de
Castelo Melhor, que tinha sido o governante efetivo durante o reinado do
filho primogénito de D. João IV – D. Afonso VI, que tinha problemas de
saúde, tanto físicos como mentais – as Cortes de 1667-1668 viraram-se
contra o rei, afastando-o e abrindo caminho à tomada efetiva do poder pelo
seu irmão, o futuro D. Pedro II, inicialmente como regente.[115] Mas note-se
que Luís de Vasconcelos e Sousa, Conde de Castelo Melhor, quando foi o
«valido» do rei entre 1662 e 1667, nunca teve tanto poder como o que o
Marquês de Pombal viria a ter um século depois, no período em que
também foi quem efetivamente governou (neste caso, durante o reinado de
D. José).[116] Ou seja, ao contrário do que acontecia na mesma altura em
Espanha, na segunda metade do século xvii ainda existiam freios e
contrapesos (checks and balances) em Portugal.[117] Apenas desapareceriam
no século seguinte. Outro exemplo é o facto de, nas Cortes de 1668, o
Príncipe regente ter mostrado descontentamento com o facto do Terceiro
Estado prolongar demasiado a reunião.[118] Os Povos discordavam
abertamente das deliberações do Clero e Nobreza, considerando-se mais
competentes do que os outros Estados nas matérias em discussão.[119] Uma
Monarquia com estas características não pode ser considerada absoluta.

A evolução política a partir da segunda metade do século xvii

Enquanto operaram, não há dúvida de que as Cortes castelhanas ou


portuguesas serviram de contrapeso ao poder do rei que, por isso, não pode
ser descrito como absoluto. O rei precisava de pedir autorização a estas
assembleias para introduzir novos impostos, entre outras matérias, e nem
sempre o conseguiu. Em Portugal, durante o período 1385-1600, as recusas
de impostos foram as mais acentuadas: 7,3% dos pedidos reais foram
recusados. Em Castela, 2,3% foram recusados. Já em Inglaterra, durante o
mesmo período, todos os impostos pedidos pelo rei foram concedidos pelo
parlamento. Tudo isto viria a mudar de forma drástica nos séculos
seguintes.
Vejamos como as coisas se passaram a partir do século xvii. Durante
1601-1800, a percentagem recusada pela Câmara dos Comuns subiu para
7,7%, enquanto em Castela e Portugal desceu para 0% (em grande medida,
porque as Cortes deixaram mesmo de se reunir a partir de 1664 em Castela,
e 1698 em Portugal).[120] Já as reduções estabelecidas pelas Cortes aos
montantes de impostos propostos pelo poder executivo também não foram
muito diferentes até aos finais do século xvii, correspondendo a mediana
destes cortes a 25% em Castela, 50% em Portugal e 55% em Inglaterra.[121]
Apesar de Castela ter prescrito cortes com uma percentagem menor,
conseguiu fazê-lo mais vezes. Os casos observados de reduções castelhanas
são 13, contra cinco em Portugal e apenas quatro em Inglaterra. Mas é
relevante saber que a última redução em Castela aconteceu em 1625,
enquanto a última redução em Portugal aconteceu em 1674. Estas datas não
surgem por acaso: com efeito, a partir de finais do século xvi as Cortes
castelhanas perderam poder, e o mesmo viria a acontecer às Cortes de
Portugal a partir de finais do século seguinte. Irei apresentar na Parte II
deste livro os motivos que explicam estas diferenças temporais, e não só
entre estes dois países mas também a sua divergência em relação à
Inglaterra.
Em suma, entre finais do século xiv e inícios do xvii, as Cortes
portuguesas e, em menor medida, as castelhanas, rejeitaram liminarmente
alguns pedidos de contribuições por parte das suas respetivas Coroas – o
que nunca aconteceu em Inglaterra durante a mesma época. No entanto, a
situação mais comum não era tanto uma completa rejeição, mas antes a
autorização de um montante inferior ao que tinha sido pedido pelo monarca.
E nesta matéria também os limites efetivos ao poder executivo foram mais
frequentes, numa primeira fase, em Portugal e Castela do que em Inglaterra.
Os parlamentos ibéricos viriam a perder esta capacidade no século xviii (no
caso de Castela, ainda no xvii), interrompendo séculos de negociações
tensas, mas politicamente saudáveis, entre o poder executivo e as Cortes.
Este contraste na evolução registada – uma perda gradual do poder das
Cortes de Castela e Portugal, à medida que o parlamento inglês fazia o
caminho inverso, ganhando poder e esvaziando o da Coroa – pode também
ser verificado noutras matérias. Um caso relevante, estudado por António
Castro Henriques e por mim, e apresentado no mesmo artigo que serve de
base a este capítulo, prende-se com a análise e comparação internacional do
número de empréstimos forçados ou semiforçados.[122] Como pudemos
revelar, até finais do século xvi, estas práticas foram mais frequentes em
Inglaterra do que em Castela ou Portugal (Figura 6). Mas tudo mudaria a
partir daí. E a mesma inversão se verificou com os pedidos de dinheiro ad
hoc da Coroa a privados (que teriam certamente um elemento de coerção
associado, pelo menos de forma implícita), e assim também com os
impostos levantados sem o consentimento dos parlamentos, como pode
igualmente ser visto na Figura 6.[123]

Figura 6. Empréstimos forçados ou semi-forçados;


contribuições cobradas sem consentimento parlamentar.

De facto, as Cortes de Castela estavam já esvaziadas de poder em


meados do século xvii, tendo deixado de se reunir depois de 1664 a não ser
raramente e apenas por motivos cerimoniais.[124] Em Portugal, durante o
século xvii as Cortes não se reuniram uma única vez, ao contrário do que
tinha acontecido com alguma regularidade na segunda metade da centúria
anterior. Por contraste, em Inglaterra, com a Guerra Civil de meados do
século xvii, o parlamento ganhou bastante poder, que manteve com a
Restauração da Monarquia em 1660, e expandiu na sequência da Revolução
Gloriosa de 1688-1689.[125] O parlamento inglês passou a funcionar de
forma permanente no início do século xviii, por altura do Ato de União com
a Escócia em 1707. A partir desse momento, viriam a ser tomadas em
Westminster as decisões mais importantes do Reino, como por exemplo as
relativas não apenas às receitas, mas também à despesa pública.[126] Em
termos políticos, foi este o pilar fundamental que sustentou a força
económica (e até por via fiscal, a força militar) do Reino Unido, apoiando o
processo que veio a ser conhecido como a Revolução Industrial, e abrindo
as portas de grande parte do mundo ao seu domínio no século seguinte.[127]
Existem outros indícios que sugerem um progressivo aumento dos
poderes executivos régios na Península Ibérica durante a Idade Moderna (c.
1500-1800), precisamente quando a Inglaterra caminhava no sentido
contrário, especialmente a partir de meados do xvii. No início do século
xvi, as Coroas de Castela e Portugal podiam facilmente obter empréstimos
de maturidades elevadas – até infinitas, utilizando perpetuidades, que em
Espanha e Portugal se chamavam juros.[128] Estes instrumentos financeiros
pagavam taxas de juro baixas para a época, mesmo nos mercados
internacionais, onde a capacidade coerciva das Coroas respetivas não era
relevante. Estas características sugerem que os investidores consideravam
que o seu investimento iria ser pago ou, pelo menos, que era mais provável
isso acontecer do que em investimentos alternativos. Em contraste com os
casos peninsulares, pelo menos no que toca ao século xvi, a Inglaterra não
tinha sido capaz de obter empréstimos deste tipo, nem sequer com taxas de
juro mais altas. Em Inglaterra isso só iria ser possível, gradualmente, a
partir da segunda metade do século xvii. No entanto, no século seguinte este
estado de coisas iria inverter-se, vindo a tornar-se a situação inglesa muito
mais favorável que a de Castela ou de Portugal. A mesma inversão
aconteceu com as diferenças de juros pagos a empréstimos privados
(chamados censos em Portugal) por comparação com os que eram pagos em
públicos, os juros. Enquanto, no século xvi, as Coroas de Portugal e
Espanha pagavam taxas de juro mais baixas que os privados, nos séculos
seguintes, essa situação inverteu-se: tornou-se mais arriscado emprestar ao
rei, pois não era possível levar o rei a tribunal caso não pagasse ou se
atrasasse no pagamento.[129] A Inglaterra fez o caminho contrário: a partir de
meados do século xvii, o juro pago para empréstimos à Coroa passou a ser
mais baixo do que o pago a privados.[130]
Um último exemplo que pode ser dado prende-se com o comportamento
da instituição estatal inglesa Court of Wards, abolida em 1641.[131] Este
tribunal tinha a nobre função de proteger os bens e as pessoas herdeiras
menores de idade. Na realidade, os seus juízes faziam o contrário,
sancionando o confisco desses bens num processo descrito como
«feudalismo fiscal».[132] Por contraste, o equivalente português, o Juízo dos
Órfãos, seguia práticas que se podem considerar mais imparciais e
equilibradas.[133] Esse padrão comparado existia a vários níveis. Durante a
dinastia Tudor (1485-1603), e ainda nos dois reinados da dinastia Stuart,
que se seguiu, o direito à propriedade não esteve protegido do confisco por
parte da Coroa, podendo apontar-se numerosos exemplos de suas violações,
como é o caso da expropriação e extinção das ordens religiosas por
Henrique VIII, das fortes quebras da moeda, ou ainda da existência do Star
Chamber, um tribunal de natureza política que lidava com casos de calúnias
e traição. Depois de vários abusos deste tribunal por parte de Carlos I
(1600-1649), apenas seria abolido pelo Parlamento em 1641.
Em suma, a grande mudança institucional em Inglaterra ocorreu a partir
de meados do século xvii, o século das grandes reformas constitucionais
desse país. Na Península Ibérica, não só esta transformação não aconteceu,
como as instituições políticas fizeram o caminho inverso. Essa evolução
aconteceu em Espanha ainda durante o século xvi, agravando-se durante o
xvii, enquanto em Portugal surgiu de forma mais tardia no século xviii,
depois de ter até havido uma recuperação institucional com a Restauração
de uma dinastia nacional em 1640. Ou seja, em Portugal, foi apenas no
século xviii que surgiu um regime político a que podemos chamar
Absolutismo.[134] A situação anterior era diferente, ainda que a «História
escrita pelos vencedores» – tanto a historiografia anglo-saxónica como a
historiografia «liberal» portuguesa que surgiu no século xix – assim o
ignore, extrapolando para trás no tempo a situação setecentista. Também
nesta matéria, Antero de Quental estava equivocado: o Absolutismo não
tinha aparecido na mesma altura em Espanha e Portugal, pois não resultava
da Contrarreforma do século xvi, como ele afirmava nas Causas da
Decadência.[135]
A retirada estratégica da família real e da Corte, acossadas pelos
exércitos napoleónicos, em 1807, deu início a mudanças políticas que
levaram por fim à independência do Brasil.[136] Durante o século xix,
intelectuais como Alexandre Herculano e Antero de Quental iriam criar o
mito de que o «Antigo Regime» em Portugal tinha sido despótico e
absolutista pelo menos desde o século xvi. Já fora das nossas fronteiras, a
literatura internacional também viu as instituições ibéricas nesta perspetiva.
[137]
A falta de conhecimento concreto das fontes levou ao estabelecimento
de paralelismos entre as instituições ibéricas e o Absolutismo da Monarquia
francesa, e ao imaginar de um poder absoluto que, na verdade, não tinha
sempre existido.[138] Como procurei mostrar neste capítulo, a realidade foi
mais complexa.
Na Parte II deste livro irei considerar em maior detalhe a evolução
política e institucional do país entre finais do século xvii e a atualidade,
focando-me nas suas causas.

[41] Neste livro, emprego frequentemente os termos «Estado» e «Coroa» como equivalentes, o
que poderá parecer pouco rigoroso. No entanto, esta simplificação faz sentido: mesmo no presente,
não existem garantias de que o Estado defenda o interesse público. Pelo contrário, sabemos que
muitas vezes os políticos agem em função dos seus interesses privados, mesmo com grandes custos
para a maior parte da população. A minha simplificação não é original: o historiador Chris Wickham,
por exemplo, argumenta que faz sentido pensar na ação das monarquias, pelo menos desde o século
xiii, como ações estatais. Veja-se WICKHAM (2016). Relativamente ao contexto português, veja-se
MATTOSO (2001). Direi mais sobre esta matéria no Capítulo 7.

[42] Existem muitos livros dedicados a esta matéria, como por exemplo NORTH et al. (2009); ou
ACEMOGLU e ROBINSON (2019).

[43] Parece-me válida a expressão «interesse público», apesar de nos parlamentos também se
confrontarem, como é evidente, diferentes fações de variados interesses privados. Por «poder
executivo» refiro-me apenas à Coroa, e não a outras partes do Estado (nomeadamente os municípios).

[44] MARONGIU (1968). Sobre o facto de as Cortes de Castela e de Portugal terem papéis
parecidos com o parlamento inglês, sendo por isso comparáveis, ver HENRIQUES e PALMA
(2023a), pp. 266-268.

[45] AMARAL (2012).

[46] FLANDREAU (2022).

[47] Neste capítulo, no âmbito das instituições políticas comparadas, refiro-me em geral aos
parlamentos como fonte de limitação do poder executivo. Na verdade, existiu sempre outra fonte
potencialmente importante de restrições ao executivo – os tribunais. Mas não existem estudos
comparados e quantitativos sobre os tribunais e o seu papel na separação de poderes em Portugal,
nomeadamente a sua evolução ao longo dos séculos. As minhas observações sobre este assunto
apenas podem ser, pois, pontuais.
[48] Muita informação deste capítulo é, portanto, baseada no seguinte artigo e respetivo
apêndice: HENRIQUES e PALMA (2023a).

[49] Já no caso de Inglaterra, o país melhorou a qualidade das suas instituições políticas de forma
sistemática apenas a partir da sua Guerra Civil, em meados do século xvii.

[50] Pelo menos desde finais da Idade Média. Deixo de fora os reinados de Afonso I e Sancho I.

[51] Por motivos que explicarei adiante, nenhum dos termos «Monarquia Liberal» e «Monarquia
Constitucional» me parecem adequados, mas por enquanto sigo a convenção utilizando o primeiro
termo, por ser mais conhecido.

[52] É absolutamente fundamental avaliar a execução ou implementação efetiva da lei


(enforcement) pelos diversos regimes políticos. Não podemos confiar apenas no que foi dito e escrito,
temos sempre de atender ao que foi feito.

[53] Que assim era é reconhecido por CARDIM (2005), pp. 171, 207-208.

[54] Eram apresentados «capítulos particulares», relativos aos problemas de cada comunidade
local, e «capítulos gerais», relativos a questões de alcance mais geral. Veja-se CARDIM (2005), p.
173.

[55] Os nobres e o clero falavam dos assuntos do seu interesse. Não se pronunciavam sobre os
impostos, que incidiam sobre os povos, e também por isso, participavam nas Cortes de forma menos
sistemática. Não havia votações propriamente ditas: as decisões eram tomadas por unanimidade. Os
procuradores dos povos discutiam entre si até chegarem a acordo e aceitarem (ou não) a
proposta do rei. Quando a questão tocava a todos, sendo por exemplo dinástica e não fiscal, a decisão
era tomada após confrontados os diferentes argumentos.

[56] Existia alguma ambiguidade constitucional relativamente ao funcionamento das Cortes, já


que nem sempre era claro quais as decisões governativas relativamente às quais o rei tinha a
obrigação de consultar a assembleia representativa, existindo interpretações diversas relativamente a
esta matéria. Na prática, no entanto, as Cortes portuguesas decidiam sistematicamente sobre áreas
fulcrais do governo do reino como o juramento do rei ou a fiscalidade, tanto régia como local. Veja-
se CARDIM (2005), pp. 174-175, 209.

[57] HENRIQUES e PALMA (2023a); MOREIRA e DOMINGUES (2023).

[58] WICKHAM (2016).

[59] Exceto, como é evidente, nas «novas Europas», como os Estados Unidos da América ou
vários estados da América Latina. Vale a pena ainda referir que em fases preliminares do
desenvolvimento de certas sociedades, geralmente de pequena escala, os governantes ouviam as
populações reunidas em pequenas assembleias, que foram desaparecendo à medida que a burocracia
estatal se impunha. Ou seja, existiram sociedades não europeias de dimensão reduzida com tradições
de assembleias e até alguma proto-democracia em várias épocas, mas sempre com uma lógica e
escala muito mais limitada do que a que viria a ser observada na Europa. Veja-se STASAVAGE
(2020).
[60] MALINOWSKI (2019).

[61] Para uma comparação da evolução institucional, nomeadamente no que toca ao


funcionamento dos parlamentos da Polónia, Espanha, Portugal, Nápoles, e Inglaterra no período
anterior a 1800, ver HENRIQUES e PALMA (2023b).

[62] De fora ficam o parlamento de Navarra, o da Coroa de Aragão e, sobretudo, os dos


diferentes reinos constituintes de Aragão (Valência, Maiorca e Aragão e o principado da Catalunha).
No entanto, vale a pena notar que Aragão sofreu com o contágio institucional de Castela, e as suas
instituições distintivas foram abolidas entre 1707 e 1716, em resultado de terem alinhado no lado
perdedor da Guerra da Sucessão de Espanha, ganha pelos Bourbon. Neste livro, refiro-me por vezes a
Espanha num sentido que é geográfico, mas também político e dinástico, o que é uma simplificação,
mas sem grandes consequências para os argumentos que aqui defendo.

[63] A literatura sobre a relação entre as instituições políticas inglesas e a Revolução Industrial é
extensa, mas está sumarizada em BESLEY et al. (2023).

[64] Para manter a comparabilidade, António Castro Henriques e eu centrámo-nos na


comparação entre a Câmara dos Comuns inglesa (Commons) e as Cortes de Castela e de Portugal,
deixando de lado a House of Lords.

[65] Podem encontrar-se exemplos relativos ao período de 1389-1580 em DOMINGUES e


MONTEIRO (2018). Consultar pp. 603-605. Ver também SERRA (1999).

[66] HENRIQUES (2019).

[67] SOUSA (1990), pp. 120-121.

[68] CARDIM (1993), p. 64.

[69] DIAS (2002), pp. 25-27.

[70] SOUSA (1990), p. 121.

[71] Que tem sido argumentado por vários autores. Por exemplo, ACEMOGLU et al. (2005), pp.
546-579.

[72] Um Alderman inglês era um membro da assembleia municipal que estaria em segundo lugar
em termos de estatuto relativamente ao Mayor, e corresponde de forma aproximada a um vereador
em Portugal, notando que não existia historicamente nos municípios portugueses um presidente
(Mayor).

[73] MCKISACK (2019), pp. 11-12.

[74] THE HISTORY OF PARLIAMENT (2015).

[75] HENRIQUES e PALMA (2023a).


[76] WICKHAM (2016), p. 42.

[77] Por «cavaleiros» entenda-se aqui não o estatuto social, mas sim combatentes a cavalo. Os
municípios eram chamados pelo rei a organizar exércitos desta natureza que iriam servir durante
algumas semanas.

[78] POWERS (1998). Também aqui há um contraste com Inglaterra, cujos mais importantes
burgos eram dominados por oligarquias mercantis (ainda que não todos), enquanto a maior parte dos
shires era dominada pelos grandes latifundiários e pela pequena aristocracia.

[79] RUCQUOI (1995). Consultar p. 361.

[80] CUNHA (1998).

[81] FARELO (2009). Consultar p. 306.

[82] OLIVEIRA (2010), p. 77.

[83] Sem dúvida, Le Roy Ladurie referia-se principalmente à sociedade rural da França profunda,
onde afirmava que pouco ou nada se tinha alterado durante os séculos. Apesar disso, este conceito
tem sido por vezes aproveitado para dar a ideia de que o «Antigo Regime» era mais estático, tanto
em termos económicos como políticos, do que era na verdade o caso.

[84] GRUENFELDER (1981), p. 7.

[85] GRUENFELDER (1981), p. xiv; RUSSELL (1990).

[86] GRUENFELDER (1981), p. 124.

[87] GRUENFELDER (1981), p. 8.

[88] Para uma boa história recente da Guerra Civil Inglesa, recomendo BRADDICK (2008).

[89] Note-se a precocidade destes eventos tanto em relação à chamada Revolução Gloriosa de
1688-1689 no mesmo país, como à Revolução Francesa dos finais do século seguinte. A Revolução
Francesa aparentemente influencia mais a cultura do nosso país, até por ser ensinada com maior
detalhe nas nossas escolas e universidades, o que por sua vez é certamente um resultado da influência
direta que teve em Portugal no século xix, pois através das Invasões Francesas veio «bater-nos à
porta». No entanto, há muito a aprender com a Revolução Inglesa do século xvii e as suas
consequências, que a prazo não foram menos profundas.

[90] ZAMORA (1988), p. 338.

[91] ZAMORA (1988), pp. 4, 342.

[92] THOMPSON (1997). Apesar de a Coroa não ter ficado satisfeita com as ações de Jeronimo
de Salamanca, isso não o impediu de ter sido pago, de voltar a ser eleito por Burgos como procurador
para as Cortes de 1601, e até de ter conseguido que um dos seus filhos viesse a servir como capitão
da infantaria na Flandres. Veja-se DE ARCE (2008); DANVILA Y COLLADO (1885), vol. V, p. 625.

[93] GELABERT GONZÁLEZ (2003).

[94] ZAMORA (1988), p. 37.

[95] THOMPSON (1984), p. 131; THOMPSON (1997), p. 58.

[96] FORTEA PÉREZ (2008).

[97] Para o caso de Castela, ver ZAMORA (1988). Para o caso de Inglaterra, veja-se
MCKISACK (2019).

[98] Note-se que os concelhos portugueses correspondiam em Inglaterra aos burgos (boroughs) e
a cidades, como Londres, Bristol ou York. Mas a maior parte do território não estava sob a alçada
destes, mas de condados (shires), cujo sistema judicial e administrativo concentrava-se nos xerifes.

[99] Em Inglaterra, o correspondente aos municípios são os burgos e não os condados, já que
estes últimos correspondiam a fronteiras administrativas, sem autogoverno.

[100] É inegável que existiam algumas diferenças. Em Inglaterra e Portugal estavam


representados os «três estados» segundo uma lógica que Castela abandonou em 1538. Uma diferença
que aparenta favorecer as instituições políticas inglesas é que, no período que estamos a discutir, não
existia em Inglaterra lei emanada diretamente do Rei; veja-se HUDSON (2003). Note-se que no
parlamento inglês as disposições promulgadas pelo mesmo tinham força de lei, enquanto em Portugal
e Castela os reis podiam legislar sem o consentimento das Cortes. No entanto, o monarca inglês
podia impedir com um veto o parlamento de aprovar leis. Logo, as diferenças relativamente a Castela
e Portugal não eram significativas nesta matéria.

[101] CARDIM (2016), pp. 109-110.

[102] O que foi escrito em Portugal sobre esta matéria e outras relativas não apenas ao século xix
e seguintes, mas também ao século xviii, era frequentemente enganador. Veja-se RAMOS (1990).

[103] Ver, por exemplo, NORTH e THOMAS (1973), pp. 120, 127-128; TILLY (1994);
ERTMAN (1997); MADDICOTT (2010); ACEMOGLU et al. (2005); HOUGH e GRIER (2015).

[104] ACEMOGLU e ROBINSON (2012), p. 220. Os mesmos autores têm continuado a


defender a mesma tese em obras mais recentes; veja-se ACEMOGLU e ROBINSON (2019), p. 281.

[105] Sir John Fortescue, jurista, deputado do parlamento inglês e pensador de teoria política,
considerava que as instituições inglesas eram superiores às continentais. Influenciou bastante a
análise institucional comparada subsequente na literatura anglo-saxónica. Ver FORTESCUE (1775).

[106] VAN ZANDEN et al. (2012).

[107] HIRST (2005), pp. 1-2.


[108] Arquivo Municipal de Lisboa, Livro Dois de Cortes, fol. 14.

[109] CARDIM (1993), pp. 67-68.

[110] DOMINGUES e MONTEIRO (2018). Consultar pp. 605-606.

[111] HENRIQUES (2008).

[112] A própria Restauração tinha sido feita também em nome do regresso a um modelo político
menos centralizado no poder de uma pessoa do que o que vigorava em Espanha. Veja-se
MONTEIRO (2021), p. 154. No entanto, a questão mais relevante ao longo do tempo não me parece
ser, apesar de tudo, relativa ao rei recorrer principalmente a apenas um ou mais conselheiros, mas sim
até que ponto existiam limites mais gerais ao poder executivo, como os das Cortes e tribunais.

[113] SILVA (1993), p. 21.

[114] SILVA (1856), p. 410. Em 1698, já depois da descoberta do ouro do Brasil, um máximo
legal de 5% voltou a ser imposto a todas as perpetuidades privadas. Aplicava-se a todos os censos
(empréstimos perpétuos), porque a motivação era escoar a dívida pública (i.e. da Coroa) a juros
baixos. Veja-se HENRIQUES e PALMA (2023a), p. 283.

[115] BOXER (1952), p. 177, CARDIM (2005), p. 211.

[116] Regressado do exílio, Castelo Melhor viria também a ser conselheiro de Estado entre 1708-
1719, já durante o reinado de D. João V. Veja-se MONTEIRO (2021), p. 151.

[117] HENRIQUES e PALMA (2023a).

[118] D. Pedro II só viria a ser aclamado rei depois da morte do seu irmão mais velho, em 1683.
Logo, em 1668 o futuro D. Pedro II era apenas regente, mas quem já governava.

[119] SILVA (1993), p. 15.

[120] Ou, para ser mais preciso: as Cortes não reuniram mais em Castela após 1664 no século
xvii, mas com a mudança para a dinastia Bourbon, as Cortes reuniram seis vezes em Madrid, apenas
por motivos cerimoniais, já que não tinham poder.

[121] A informação que dou neste parágrafo e no anterior é baseada nas Tabelas 6 e 7 do artigo:
HENRIQUES e PALMA (2023a).

[122] Estes últimos, ao contrário dos primeiros, não eram obrigatórios, nem se baseavam na
avaliação fiscal, mas apenas afetavam alguns grupos.

[123] HENRIQUES e PALMA (2023a), p. 282.

[124] As Cortes castelhanas estavam a aprovar cada vez menos leis e a ter cada vez menos
sucesso na aprovação das suas iniciativas legislativas; em Inglaterra, por contraste, passava-se o
contrário. Veja-se HENRIQUES e PALMA (2023a), pp. 273-274.
[125] As alterações políticas que resultaram da chamada Glorious Revolution implicaram que, na
realidade, o executivo (que era agora o Parlamento, não a Coroa) passasse até a ser bastante
poderoso, tendo certamente mais poder do que tinha tido antes o rei. No entanto, isso foi até positivo;
o que importa é que era um poder limitado do ponto de vista constitucional.

[126] COX (2016).

[127] Ver, por exemplo, BOGART e RICHARDSON (2009, 2011).

[128] Não confundir com a taxa de juro.

[129] Como reconhecia em 1541 o Conde da Castanheira, «se os mercadores não vivem senão de
olhar pelo modo da vida das pessoas com que contratam, e que podem fazer meter na cadeia, aos reis
(…) se lhes não podem pagar, não podem eles mais fazer isso». Castanheira era o Vedor da Fazenda
português, posição com competências nesta altura aproximadamente equivalentes às das Secretarias
de Estado do Orçamento e do Tesouro, servindo também como juiz em certas matérias ou litígios
relacionados com assuntos da Fazenda real. Veja-se CRUZ (2001) e HENRIQUES e PALMA (2023),
p. 280.

[130] Como também acontece com outras matérias que trato neste livro, este resumo é um
sumário sintético de questões financeiras e históricas complexas. Para detalhes, veja-se
HENRIQUES e PALMA (2023a), pp. 280-286.

[131] Sobre esta instituição extrativa, ver BOTTOMLEY (2023).

[132] Sobre a expressão «feudalismo fiscal» aplicada ao Court of Wards, veja-se HEALY (2015).

[133] Para a comparação do Court of Wards com o Juízo dos Órfãos em Portugal, veja-se o
Apêndice online de HENRIQUES e PALMA (2023a), e as referências aí citadas.

[134] Como deveria ser evidente, o absolutismo também não implica poder sem quaisquer
limites, mas ultrapassa o âmbito deste livro estar a considerar esta matéria em detalhe, ou ainda as
diferentes variedades, como o chamado «despotismo esclarecido».

[135] QUENTAL (2008), pp. 55, 90. Esta obra é a baseada no discurso de Quental proferido
numa sala do Casino Lisbonense em Lisboa no dia 27 de maio de 1871, a que me referi no início do
livro.

[136] Tendo esse país na prática deixado de ser uma colónia logo em 1808, e a separação política
efetiva ocorrido em 1822, como é sabido.

[137] Ver a literatura antes citada, ou ainda ACEMOGLU e ROBINSON (2012).

[138] Aliás, nem em França, nos termos em que geralmente o absolutismo é referido. Veja-se
ROSENTHAL (1990).
3.
Economia e desenvolvimento

Até meados do século xx, Portugal era uma economia agrícola, sendo
esse o setor em que mais de metade da população trabalhava. No entanto,
este dado não implica uma sociedade estática em que nada tenha mudado ao
longo dos séculos. Como já mencionei, a ideia da história imóvel (histoire
immobile), associada à escola dos Annales, que influenciou muitos
académicos em Portugal, entre os quais Vitorino Magalhães Godinho, não
fornece um bom modelo para compreender a História de Portugal. Nem a
história institucional e política, como expliquei no capítulo anterior, nem a
económica, como explicarei de seguida.[139] Por exemplo, sabemos hoje
que, em meados do século xviii, quase metade da população do país
trabalhava fora do setor agrícola. Porém, um século depois, a indústria e os
serviços ocupavam apenas um terço da força de trabalho.[140] A História de
Portugal tem várias surpresas destas – nunca foi um caminho linear. E
certamente nunca foi imóvel.
A história quantitativa tem tido grandes avanços nas últimas duas
décadas. Hoje sabemos bastante sobre a evolução da economia portuguesa
ao longo dos tempos. O trabalho pioneiro de António Castro Henriques tem
mostrado que Portugal era dos países mais prósperos da Europa em finais
da Idade Média, contrariando muitas narrativas anteriores. Por volta de
1300, o produto agrário português per capita era superior ao inglês, sendo a
população de Portugal de cerca de um milhão de pessoas, o que
correspondia a menos de um quarto da população inglesa na mesma época.
Portugal e Espanha eram, nessa altura, economias de fronteira – um pouco
como o oeste americano no século xix. Ou seja, à medida que a
Reconquista avançava, não havia falta de terras. Isto implicava que, para
um dado nível tecnológico, cada pessoa do lado cristão tinha, em média,
bastantes terras e alimentos disponíveis. No caso português, a conquista do
Algarve tinha terminado em meados do século xiii (1249) e, por isso, por
volta de 1300 não haveria falta de terras.[141] Portugal beneficiou de um
contexto agrário, monetário e institucional favorável que levou a níveis de
taxas de juro comparativamente baixas desde o século xiii, antes da queda
que mais tarde viria a acontecer noutras partes da Europa.[142]
Com a consolidação política e o aumento demográfico, a situação de
abundância de terras foi-se atenuando. Porém, logo depois, em meados do
século xiv, a pandemia conhecida como Peste Negra matou cerca de um
terço, ou mais, da população. Isso implicou uma maior disponibilidade de
terras para os sobreviventes. De facto, a peste matava pessoas, mas não as
terras (nem o capital). Como tal, os níveis de vida subiram para quem
sobreviveu. É neste contexto que podemos entender a Lei das Sesmarias de
D. Fernando (1375), que tinha como objetivo diminuir o despovoamento
rural e estimular a produção agrícola, tendo a Coroa o direito a expropriar e
doar terras a outros que se comprometessem a cultivá-la em tempo útil. Esta
ameaça do confisco de terra que estivesse por cultivar sugere que na altura a
terra era, de facto, barata. Dado o contexto político e militar, a lei poderia
também refletir uma preocupação estratégica com a segurança alimentar em
caso de confronto com Castela e, porventura, com a saída de moeda para o
estrangeiro. A Peste Negra continuaria a ter surtos até décadas depois, mas a
população acabou por recuperar. Perante a lenta melhoria tecnológica, isso
acarretou uma descida dos rendimentos disponíveis para níveis próximos
dos anteriores. Em finais da Idade Média, portanto, o contexto económico
português era favorável por comparação com outras partes da Europa ou até
do mundo, apesar de existirem sinais relativos a um certo declínio ou pelo
menos estagnação da economia.
A partir do início do século xvi, existem dados anuais seguros, baseados
na investigação que fiz em coautoria com Jaime Reis.[143] Foi-nos possível
reconstruir o rendimento real por pessoa – isto é, o Produto Interno Bruto
(PIB), em paridades de poder de compra, portanto, corrigido da inflação –
entre os inícios do século xvi e meados do século xviii. Juntando outras
séries, é possível ter uma série contínua até à atualidade. É o que mostro na
Figura 7.[144] Uma informação notável a reter deste gráfico é o brutal
crescimento da economia no século xx. Outra é o facto do PIB per capita
de Portugal só ter voltado ao nível em que já tinha estado em meados do
século xviii já em pleno século xx. Sobre a unidade dos «dólares
internacionais de 1990» mais direi à frente; por enquanto basta manter
presente que uma sociedade com 400 destes dólares encontra-se próxima do
nível de subsistência.

Figura 7. PIB per capita português em preços constantes, 1527-2021.


Nota: a escala vertical é logarítmica de base 2.

Neste gráfico, a escala no eixo vertical não é linear, mas sim logarítmica:
se assim não fosse, a magnitude do crescimento do século xx iria ofuscar as
flutuações anteriores, que seriam difíceis de ver. A escala implica que, entre
cada linha horizontal e a seguinte, o nível de rendimento duplique. Um
aspeto importante a ter em conta é o de que, apesar do crescimento
explosivo aparecer apenas no século xx, tinha também existido um período
anterior de crescimento que não é possível desprezar: o rendimento médio
por pessoa duplicou entre o início da série, em 1527, e meados do xviii. Isto
mostra desde logo que é errada a ideia segundo a qual Portugal terá estado
sempre em decadência desde os Descobrimentos, apesar de amplamente
difundida por muitos, como por exemplo Lúcio de Azevedo e Antero de
Quental.[145] No entanto, existiu sem dúvida um período de notável
catástrofe económica, mas isso aconteceu mais tarde: entre a década de 70
do século xviii e meados do xix. Nessa altura, o rendimento por pessoa caiu
a pique, eliminando todos os ganhos dos três séculos anteriores.
Uma análise fina da evolução desta série mostra que algumas das
supostas causas do declínio ou decadência da economia portuguesa que
frequentemente ouvimos não podem estar corretas. Um exemplo é o
Terramoto de 1755 que, como se vê, não esteve associado a qualquer queda
significativa do rendimento por pessoa. Outros dois casos são as Invasões
Francesas, ou ainda a perda do Brasil – estes dois últimos eventos
aconteceram tarde demais, quando o declínio acentuado da economia já
estava a verificar-se. Sobre as causas do atraso – as verdadeiras e as míticas
– mais direi nos capítulos seguintes. Para já, importa reter que o século xix
foi, em termos económicos, um século completamente perdido para
Portugal, já que mesmo os períodos de tímidos avanços verificados nas
décadas finais desse século corresponderam a um período de divergência,
pois o resto da Europa crescia muito mais, como veremos. Mas na
realidade, as raízes do atraso vinham do século anterior. Como já referi,
Portugal só voltaria a ter um rendimento médio por pessoa parecido com o
que já tinha tido em meados do século xviii em pleno século xx. A História
de Portugal é um drama na tela grande.

Medir a evolução da economia portuguesa ao longo do tempo

Como podemos saber a evolução da economia ao longo do tempo?


Existem metodologias desenvolvidas a nível internacional sobre a forma de
medir a atividade económica que resumo aqui, para que as origens dos
factos que acabei de descrever possam ser mais bem compreendidas.
Jaime Reis, que nos anos 1980 e 1990 já tinha trabalhado na
reconstrução da atividade económica de Portugal durante os séculos xix e
início do xx, deu depois um enorme passo em frente nesta matéria ao
liderar o projeto «Preços, Salários e Rendas em Portugal, 1300-1910»,
financiado no início do século xxi pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia.[146] Este projeto, como o nome indica, recolheu, entre outras
informações, os preços de um grande número de bens, assim como de
salários e rendas, ao longo de vários séculos. Os salários referem-se a
pagamentos a seco, ou seja, em que o salário monetário correspondia ao
total da remuneração do trabalhador.[147]
Os salários recolhidos incluem os que eram pagos tanto a trabalhadores
não qualificados como aos qualificados. São exemplos dos não qualificados
os servidores, serventes, serviçais, entre outros, assim como muitos
trabalhadores agrícolas contratados à jorna (ou seja, ao dia).[148] Segundo
Vitorino Magalhães Godinho, no «Antigo Regime» mais de metade da
população agrícola era composta por «jornaleiros».[149] Existiam também
trabalhadores qualificados, como os carpinteiros e pedreiros, também
geralmente pagos ao dia, ou médicos e advogados, normalmente pagos
através de outro tipo de contratos. Para os estudos quantitativos, são
particularmente informativos os carpinteiros e pedreiros que eram cruciais
no setor da construção. João Brandão, autor do século xvi que nos deixou a
notável obra Grandeza e Abastança de Lisboa em 1552, escrevia que «nesta
cidade há aí trezentos carpinteiros, com criados, porque muitos deles têm
dois ou três criados», e ainda que também existiam «outros trezentos
pedreiros, com seus criados».[150] Apesar de não sabermos os salários de
todas as profissões, o facto de o mesmo tipo de trabalhadores terem salários
parecidos para cada uma das diferentes partes do país (mas não
necessariamente entre estas) mostra que a informação de que dispomos
pode frequentemente servir como aproximação para extrapolar valores não
observados. Para além disso, dado não existir servidão na Europa Ocidental
– sendo, portanto, o trabalho livre – o salário dos trabalhadores que
observamos é informativo sobre o valor do trabalho de outros que não
observamos.[151] Foram também consideradas outras fontes de rendimento,
nomeadamente o valor das rendas da terra. Desta forma, conseguimos uma
aproximação ao valor total dos rendimentos.[152]

Figura 8. Fólio de um livro de receita e despesa de 1650, que lista preços e


salários em Évora.
As fontes utilizadas foram livros de receitas e despesas de várias
instituições, por exemplo conventos, mosteiros, hospitais, misericórdias,
palácios, quintas e herdades, bibliotecas, a Universidade de Coimbra, a Sé
de Lisboa, a Sé do Porto, assim como Câmaras Municipais.[153] A Figura 8
mostra um exemplo de 1650, reproduzindo um fólio dos registos do livro de
receitas e despesas do Convento da Graça de Évora.[154] Estas são fontes
muito úteis para a história quantitativa do país, mas utilizá-las nem sempre
é fácil. Por um lado, apesar de já estarem escritas em vernáculo, ou seja, em
português, a grafia não é a mesma de hoje. A frequente utilização de
abreviaturas implica também que apenas quem tenha formação própria
(Paleografia) consiga ler e transcrever estes documentos. E, tal como
acontecia no resto da Europa até ao século xix, o sistema de pesos e
medidas era muito variado em Portugal. Para convertê-los numa unidade
comum comparável foi necessário utilizarmos um referencial comum: o
moderno sistema métrico. Este processo exigiu muita cautela. Por vezes,
uma medida com o mesmo nome, na realidade, correspondia a quantidades
diferentes em diferentes partes do país. Por exemplo o almude (uma medida
de líquidos) correspondia em Lisboa a 16,8 litros, no Porto a 25,4 litros, em
Coimbra a 16,7 litros e em Évora a 17,4 litros. Também existiam, por vezes,
várias medidas para o mesmo bem na mesma localidade: em Lisboa, o
carvão era vendido em cinco unidades diferentes – e a medida «saco» era
diferente da medida «saca».[155] Por outro lado, ao contrário do que
acontecia noutras partes da Europa, a precoce unidade política do país
implicava que a unidade monetária era igual em todo o país: réis (ou reais).
No entanto, valores em reais – sejam de salários, ou de rendas da terra, ou
de rendas de casas em cidades – só por si dizem-nos pouco: é fundamental
ter em conta a inflação.
Por exemplo, um trabalhador não qualificado em Lisboa ganhava 30 réis
por dia em 1524, enquanto um pedreiro ganhava 50 réis. Cerca de um
século depois, em 1625, os valores eram de cerca de 87 réis para o primeiro
e 161 para o segundo.[156] Como é evidente, isto não implica, só por si, que
o nível de vida era melhor em 1625 do que em 1524, porque há que ter
também em conta o aumento dos preços dos bens. O preço de uma galinha
em Lisboa, por exemplo, era de cerca de 51 réis em 1524, mas tinha subido
para 130 réis um século depois. Logo, um pedreiro em 1524 conseguia
comprar uma galinha por dia, enquanto o seu congénere, um século depois,
já conseguia comprar mais do que uma galinha por dia, com os frutos do
seu salário.
Evidentemente, na vida humana precisamos e desejamos ter mais bens
do que apenas galinhas, e os nossos antepassados – ainda que tivessem
acesso a muito menor diversidade de bens e serviços do que hoje – não
eram diferentes. Logo, para percebermos como evoluiu o nível de preços ao
longo do tempo, precisamos de construir um cabaz de consumíveis que
permita saber o valor dos salários e outras fontes de rendimento ao longo do
tempo. Em trabalho coautorado com Jaime Reis, fizemos isto com um
cabaz anual com a seguinte composição: 182 quilos de pão, 26 quilos de
carne, 5,2 litros de azeite, 5 galinhas, 52 ovos, 28 litros de vinho, 2,6 quilos
de sabão, 5 metros de pano de linho, e 2,6 quilos de velas, bem como lenha
para aquecimento.[157] Este cabaz serve para comparações internacionais e,
como é lógico, não pode ser exatamente igual ao de outros países.
Relativamente ao cabaz de Estrasburgo, muito utilizado para comparações
internacionais, substituímos, por exemplo, a cerveja por vinho, e a manteiga
por azeite, de forma a corresponder aos padrões de consumo de Portugal.
Ao longo do tempo, o cabaz também mudou ligeiramente: em particular, o
milho americano ganhou gradualmente peso a partir do século xvii,
tornando-se muito importante, sobretudo na parte norte e centro do país, no
século xviii.[158] Como é evidente, estas metodologias têm limites e
produzem resultados apenas aproximados; mas note-se que o mesmo é
verdade para a construção de um PIB nos dias de hoje. Aliás, nos nossos
dias, o maior peso do Estado, sem preços de mercado associados, assim
como a enorme diversidade de produtos disponíveis, alguns dos quais
intangíveis, e com qualidade difícil de medir de forma comparável ao longo
do tempo, também cria grandes desafios à construção do PIB. E, no entanto,
sabemos que o PIB está fortemente correlacionado com outros indicadores
que medem o bem-estar das populações, sendo também por isso uma
medida indispensável, ainda que sem ser necessariamente a única em que
nos devemos concentrar sempre que existirem alternativas que façam
sentido. Mas nem sempre isso acontece: note-se, por exemplo, que o
conhecido Índice de Desenvolvimento Humano apresenta fortes limitações
conceptuais e metodológicas.[159]

Comparações internacionais

Uma grande vantagem em seguir as metodologias internacionais


utilizadas para reconstituir o rendimento por pessoa em Portugal ao longo
dos séculos é a possibilidade de posteriormente se fazerem comparações,
como pode ser visto na Tabela 2.[160]
Como é evidente, estas estimativas são apenas aproximadas: não faria,
portanto, sentido mostrar aqui casas decimais. Mas não deixam de ser úteis,
pois estão certamente corretas em termos de grandes ordens de magnitude
e, principalmente, da sua dinâmica comparada ao longo do tempo. Os
resultados são, assim, informativos – e talvez surpreendentes. Como
podemos ver, Portugal teve, por exemplo, um período de enorme
estagnação, e mesmo declínio, a partir da segunda metade do século xviii,
situação que, especialmente em termos relativos, se acentuou no século xix.
O país só voltaria a ter um PIB por pessoa, em paridades de poder de
compra, igual ao de meados do século xviii, já no século xx.

Tabela 2. PIB per capita de alguns países da Europa Ocidental em preços


constantes
(dólares «internacionais» de 1990).
Inglaterra Holanda França Alemanha Suécia Itália Espanha Portugal
1500 1041 1454 1048 1102 1195 1367 701 -
1550 1014 1798 898 941 1125 1278 1018 836
1600 1037 2662 989 936 853 1216 812 790
1650 887 2691 978 961 941 1247 632 830
1700 1513 2105 1103 948 1357 1317 802 987
1750 1694 2355 1094 1105 1061 1367 812 1372
1800 2097 2609 1041 1121 930 1216 826 916
1850 2718 2355 1597 1428 1171 1321 1067 923
1900 4492 3329 2876 2985 2083 1855 1786 1302
1950 6939 5996 5186 3881 9739 3172 2189 2086
2000 21.046 22.148 20.392 18.761 20.871 18.761 15.724 13.992
De que forma podemos interpretar estes números e porque é que são
comparáveis no tempo e no espaço? Serão eles válidos para períodos em
que algumas destas regiões ainda não eram entidades políticas num sentido
moderno, como é o caso da Itália, da Alemanha, ou até da Espanha?
Relativamente a esta última questão, é simples: os números referem-se às
fronteiras modernas destes países.[161] Já sobre a magnitude dos números em
si, também é simples compreender que informações nos dão. Em 1990, o
Banco Mundial definiu que era pobre quem ganhava até uma média de um
dólar por dia, ou seja, 365 dólares por pessoa e por ano.[162] No entanto, em
todas as sociedades, mesmo nas mais pobres, existem desigualdades, com
elites acima da linha da pobreza. Por isso, considera-se que um país vive
próximo da subsistência quando tem um PIB por pessoa de 400 dólares por
ano, em dólares «internacionais» de 1990.[163] Alguns dos países mais
pobres do mundo, em várias épocas históricas, não estiveram longe desse
nível de desenvolvimento económico, e alguns desses países estão num
nível próximo desse ainda nos nossos dias.
Como é possível ver na Tabela 2, ao longo do período em causa Portugal
teve sempre, pelo menos, cerca do dobro do nível de subsistência, e em
vários momentos comparava bem com países que hoje achamos natural
serem mais ricos, como é o caso da Suécia, da Alemanha, da França, ou
mesmo da Espanha. É ainda notório que, nos cálculos que são subjacentes a
esta Tabela, existe bastante mais incerteza sobre os níveis precisos de
rendimento, especialmente para os períodos anteriores ao século xix, do que
sobre a sua variação no tempo.[164] Logo, dada a margem de erro existente
relativamente aos níveis (pelo menos uns 10%) é aconselhável não retirar
interpretações apressadas sobre quem era mais rico com base em pequenas
diferenças. É muito mais seguro inferir quais são os momentos em que
existe dinamismo ou crescimento nestas economias. A isto acresce o facto
de, no caso da Holanda, os dados apenas dizerem respeito a essa província
dos Países Baixos, enquanto em Portugal representam a totalidade do país.
[165]
Como a Holanda era, com toda a certeza, a parte mais rica dos Países
Baixos, os números desta Tabela relativos àquela região até exageram a sua
diferença de desenvolvimento em comparação com Portugal. Seria possível
discutir em detalhe os números que mostro nesta Tabela, e as implicações
que têm, mas não o vou fazer aqui. Limito-me a fazer duas notas. Primeiro,
note-se a evolução do PIB por pessoa inglês, que esteve estagnado até
meados do século xvii mas mostrou um crescimento impressionante a partir
daí – estando isso certamente relacionado com os acontecimentos políticos
que referi no capítulo anterior. Outro aspeto a salientar é o crescimento
fulgurante da Alemanha e França durante o século xix, ao contrário do que
tinha acontecido nessas regiões em séculos anteriores, e em contraste com
Portugal e a Espanha.[166] Em resumo, não é possível concluir que Portugal
fosse sistematicamente mais pobre do que outras partes da Europa no
período anterior ao século xix. Em meados do século xviii até seria das
regiões mais ricas. No entanto, nos 200 anos seguintes a economia nunca
mostrou capacidade de crescimento rápido e sustentado, ao contrário do que
aconteceu com quase todos os outros países da Europa Ocidental. Além
disso, em certos momentos, a economia portuguesa passou por profundas
crises seculares: de forma notável e segura, foi o que aconteceu entre o
terceiro quartel do século xviii e finais do xix. Houve depois uma
recuperação acentuada no século xx, mas não logo no início. Mesmo em
1950, os portugueses tinham um rendimento por pessoa quase tão baixo
como o de alguns dos países mais pobres do mundo de hoje. E o português
«médio» tinha menor rendimento que tem hoje o cabo-verdiano ou mesmo
moçambicano «médio».[167] Devido ao foco mediático à volta de assuntos
de curto prazo, e à discussão em torno dos problemas que a economia
portuguesa tem enfrentado nas últimas décadas, é fácil esquecer os enormes
progressos que Portugal fez na segunda metade do século xx.
Há que ser claro e enfrentar a realidade: foi entre 1950 e 2000 que
Portugal assistiu ao que se pode chamar um milagre económico, sem
qualquer exagero. O crescimento então atingido foi, sem dúvida, o
acontecimento mais importante da História de Portugal – ou, pelo menos, o
que maior impacto teve no bem-estar dos portugueses. Durante esse período
o rendimento por pessoa multiplicou-se por sete. Quem ouça este facto pela
primeira vez, se não ficar espantado, é porque ainda não compreendeu ou
interiorizou as implicações. Foi a maior e mais importante revolução da
nossa História. Aliás, ao contrário do que aconteceu na maioria dos outros
países da Europa Ocidental, a emergência do crescimento económico
moderno está suficientemente próxima de nós no tempo para que muitos de
nós saibamos o que foi viver num Portugal verdadeiramente pobre – ou por
experiência própria, ou por ouvirmos familiares falarem dessa experiência.
Nem sempre é fácil comparar bens e serviços de diferente qualidade e
natureza através do tempo (por exemplo, não existiam telemóveis em
1950). Mas como a qualidade e variedade dos bens disponíveis aumentou,
estas considerações são secundárias, e até dão mais peso à ideia, transmitida
pelos dados, de que os padrões de vida melhoraram imenso, já que hoje
temos acesso a uma maior variedade de bens com uma qualidade cada vez
melhor. Por isso, um facto fundamental a reter é que, na segunda metade do
século xx, Portugal conseguiu os maiores progressos de sempre da sua
História. Já no século xxi, por contraste, a economia portuguesa tem tido
um comportamento medíocre.
Na Parte II deste livro irei apresentar detalhes sobre esta evolução e
explicar porquê.

[139] No entanto, aproveito para notar, a bem da verdade, que também considero que houve
aspetos positivos associados às metodologias de investigação histórica desenvolvidas por alguns
investigadores associados aos Annales, incluindo o próprio Vitorino Magalhães Godinho no caso da
História Económica de Portugal.

[140] PALMA e REIS (2019).

[141] HENRIQUES (2015).

[142] HENRIQUES (2020).

[143] PALMA e REIS (2019).


[144] Fonte: Trabalho em curso, co-autorado com António Castro Henriques. Neste momento, o
António Castro Henriques e eu estamos a trabalhar na reconstrução do PIB para o século xv, e na
melhoria dos dados existentes para a segunda metade do século xix. Os resultados ainda são
demasiado preliminares para eu os discutir aqui. Este gráfico, ainda preliminar, baseia-se nos dados
de PALMA e REIS (2019), relativo a 1527-1850, e em séries preliminares com dados para o século
xix e inícios do xx. Para a segunda metade do século xix e início do xx, as estimativas publicadas
que existem para a atividade económica do país não são de boa qualidade. No entanto, para o período
a partir da segunda década do século xx voltam a existir dados publicados que são sólidos.

[145] AZEVEDO (1929); e QUENTAL (2008), p. 85.

[146] PWR-PORTUGAL (s.d.). Nem todos os preços, salários, e rendas que Jaime Reis e eu
utilizámos para reconstruir o PIB português para 1527-1850 foram recolhidos no contexto dos dois
projetos financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, já que alguns foram recolhidos
mais tarde com financiamento das Universidades de Groningen e Manchester.

[147] Como é evidente, nem sempre existia um contrato formal. Noto também que nalguns casos
em que existia um complemento não monetário ao salário, por exemplo quando eram dadas dormida,
roupa, ou comida a certos trabalhadores, é por vezes possível calcular o valor destes e acrescentá-los
ao valor do salário. Ver, por exemplo, como isto é feito em PALMA et al. (2023).

[148] Estes podem aparecer nas fontes como «jornaleiros», ou simplesmente «trabalhadores».
Ainda no início do século xx, os homens a dias, contratados para trabalhos agrícolas, eram referidos
desta forma. Assim acontecia, por exemplo, na obra notável Através dos Campos, originalmente
publicada em 1903 pelo etnógrafo e lavrador José da Silva Picão.

[149] GODINHO (2019), p. 99. Como era seu hábito, Godinho não dá uma fonte concreta
relativa a este número.

[150] BRANDÃO (1990).

[151] Não confundir a servidão, que acabou gradualmente ao longo da Idade Média, com a
escravatura, que dizia respeito a populações trazidas de outras regiões, não sendo consideradas
portugueses.

[152] Apesar de faltarem os retornos sobre o capital.

[153] A maior parte dos dados foi recolhida de arquivos, mas em alguns casos também foram
utilizados dados pertencentes a fontes já publicadas. Para saber mais sobre este tipo de fontes, veja-se
PALMA (2020b).

[154] Livro de receita e despesa do Convento da Graça de Évora (Códice CLXVII/1-6),


depositado na Biblioteca Pública de Évora.

[155] O projeto PWR-PORTUGAL (s.d.) disponibiliza conversões monetárias e métricas:


http://pwr-portugal.ics.ul.pt/?page_id=48.
[156] Nem sempre observamos o salário para todos os anos, tendo por vezes de recorrer a
interpolações ou a extrapolações baseadas em aproximações; neste último exemplo, o salário do
pedreiro aqui dado é de 1626. Mas para ser consistente, o preço das galinhas em Lisboa que lhe serve
de deflator também corresponde a 1626.

[157] Para além dos bens que menciono, também se incluíram outros. A lenha para aquecimento
é a necessária para produzir 2.0 milhões de BTUs. Ver detalhes em PALMA e REIS (2019).

[158] A expansão desta cultura poderá até estar relacionada com a descida de certas medidas de
desigualdade que é observável entre meados do século xvi e meados do XVIII. Veja-se REIS
(2017a).

[159] Por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (HDI, em inglês) é calculado como
uma média geométrica de três indicadores: o próprio PIB, a esperança média de vida, e o nível de
educação da população medido através do número de anos de escolaridade da população. Pensemos
nesta última medida. Porque é um fim em si? Imagine-se uma população em que todas as pessoas vão
muitos anos para a escola, mas aprendem apenas matéria inútil (por exemplo, matéria elogiosa sobre
o ditador do seu país), que não os ajuda a melhorar o seu nível de vida. Será isto um fim em si, se não
aumenta o seu bem-estar? Na medida em que a resposta é não, como é minha convicção,
compreendemos uma importante limitação deste indicador. Este indicador conta apenas o número de
anos de escolaridade, sem considerações sobre a qualidade da oferta educativa. No que toca ao bem-
estar da população, escolaridade, especialmente quando obrigatória, deve ser vista como um meio
para um fim, não como um fim em si. Tudo isto para notar que o PIB por pessoa (que também é
pouco informativo sobre questões de desigualdade) não é um indicador perfeito se utilizado como
aproximação para o nível de desenvolvimento das sociedades, mas as alternativas existentes não são
necessariamente melhores.

[160] A fonte desta tabela é o artigo: PALMA e SANTIAGO-CABALLERO (2023). Para


chegarmos a esta tabela comparada, usámos informação dos seguintes artigos: BROADBERRY et al.
(2015); VAN ZANDEN e VAN LEEUWEN (2012); RIDOLFI e NUVOLARI (2021); SCHÖN e
KRANTZ (2012); KRANTZ (2017); PFISTER (2022); MALANIMA (2011); PRADOS DE LA
ESCOSURA et al. (2022); PALMA e REIS (2019); e no caso dos três benchmarks mais recentes,
MADDISON (2006), como reunidos e atualizados por BOLT e VAN ZANDEN (2014).

[161] Ou pelo menos, referem-se a fronteiras fixas no tempo, tanto quanto possível. Por exemplo,
no caso da Itália, os dados até 1861 excluem o sul da Itália. Nalguns casos, devido à natureza dos
dados subjacentes, existem mudanças de fronteira a meio da série. Isto acontece com Inglaterra, que
nestes números corresponde a Inglaterra (mais País de Gales) até 1700, e Grã-Bretanha depois disso
(ou seja, também incluindo a Escócia). E também acontece com a Holanda, que corresponde à
Holanda propriamente dita até 1807, e aos Países Baixos depois disso. No caso da Alemanha, as
fronteiras são as de 1871.

[162] Esta linha tem evoluído ao longo do tempo, como é evidente, devido à inflação. Falar em
preços de 1990 corresponde simplesmente a uma normalização para efeitos comparativos. Ver, por
exemplo, RAVALLION et al. (2009).
[163] Também conhecidos como dólares de Geary-Khamis, correspondem a uma unidade
monetária hipotética em paridade de poder de compra com o dólar dos EUA num dado ano – neste
caso, 1990. Sobre a desigualdade em sociedades pré-modernas, ver, por exemplo, MILANOVIC et
al. (2011), ou ALFANI e DI TULLIO (2019); sobre o caso português, veja-se REIS (2017a).

[164] A Tabela é mais segura sobre a identificação e a cronologia dos países que estavam com
uma trajetória dinâmica. Sobre as questões metodológicas relacionadas com a contabilidade nacional
histórica, veja-se JONG e PALMA (2018); PALMA (2020b); PALMA e SANTIAGO-CABALLERO
(2023).

[165] Na realidade, os dados de Portugal não incluem o Algarve e as ilhas, mas cobrem ainda
assim quase todo o país, ao contrário do que acontece com a Holanda relativamente aos Países
Baixos.

[166] Ainda que em partes de Espanha, nomeadamente na Catalunha, tenha existido


industrialização e crescimento notáveis no século xix. É notório que a parte de Espanha que se
industrializou não foi a mesma onde tinha existido uma indústria exportadora apreciável no século
xvi (como Burgos). Veja-se CHAROTTI et al. (2022).

[167] Portugal em 1950 ($2086 por pessoa) era mais pobre que Moçambique em 2010 ($2613) e
apenas marginalmente mais rico que a Nigéria também em 2010 ($1876). Portugal era, em 1950,
claramente mais pobre que Cabo Verde em 2008 ($2735, dados de 2008). Estes números estão
expressos em termos reais (dólares PPP de 1990), ou seja, já corrigem o efeito da inflação e de
diferentes custos de vida em diferentes sítios. Na medida em que os três países que dou como
comparação subiram de rendimento desde então, a conclusão mantém-se e até sai fortalecida. Estas
comparações não são isentas de problemas, até por não terem em consideração questões de
distribuição. Angola tinha apenas $1600 por pessoa em 2010, o que contrasta com a impressão
(errada) que muita gente tem em Portugal de Angola ser um país com muitos ricos. Mas também é
possível que o «bem-estar mediano» em Portugal em 1950 fosse superior ao de Cabo Verde na
atualidade. Seja como for, Portugal era bastante desigual em 1950, mas também o são quase todos os
países pobres no presente. E estou aqui a identificar riqueza (um stock) como rendimento por pessoa
(um fluxo), mas na prática isso não faz diferença neste contexto. É possível consultar estes e muitos
outros exemplos na MADDISON PROJECT DATABASE (2020).
PARTE II

PORTUGAL:
UMA INTERPRETAÇÃO
4.
Expansão e império

Ó glória de mandar! Ó vã cobiça


Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C’uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

Dura inquietação d’alma e da vida,


Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!

A que novos desastres determinas


De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
D’ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Luís de Camões, Os Lusíadas
Assim falava o Velho do Restelo, personagem que Camões imortalizou
n’Os Lusíadas, que representava os pessimistas, ou pelo menos os céticos,
relativamente ao sucesso da expansão marítima.[168] Cerca de cinco séculos
mais tarde, será possível avaliar se o Velho do Restelo tinha razão? Não há
dúvida de que a expansão marítima e o estabelecimento de um império foi,
num certo sentido, um tremendo sucesso para a cultura portuguesa.[169] Isto
pode ser medido, por exemplo, através do impacto cultural que esse
processo de expansão teve em Portugal e noutras partes do mundo, como é
o caso do Brasil, Angola, e demais países de língua portuguesa, assim como
ainda em várias regiões da Ásia, onde a influência foi mais indireta, já que a
língua não permaneceu.[170] Também não há qualquer dúvida de que o
império teve sempre associado a si muita violência: guerras, destruição,
matanças e escravatura.[171] Mas terá Portugal beneficiado ou ficou a perder
em termos líquidos? E qual terá sido o efeito provocado nas diferentes
partes do mundo em que a presença portuguesa se efetivou? Seria possível
escrever um livro inteiro ou mesmo vários volumes dedicados a estas
matérias, mas vou aqui centrar-me apenas nas dimensões mais relevantes
para a questão central deste livro.
Talvez não seja de estranhar que tantas pessoas, incluindo muitos
historiadores profissionais, considerem a expansão marítima e o império
como elementos centrais para o desenvolvimento de Portugal. Ainda hoje
ouvimos ecos destas nebulosas ideias quando se refere uma «vocação» de
Portugal como um país intimamente ligado ao mar. As vozes contrárias
parecem ter sido sempre minoritárias. Quando encontro compatriotas por
esse mundo fora, caso mencione a minha profissão, rapidamente a conversa
é levada para as imensas terras que supostamente conquistámos. O mundo
era nosso, descobrimos tudo e mais alguma coisa, tínhamos um império
enorme com o qual Portugal prosperou! Só há um problema: nada disso
aconteceu. Na realidade, os impérios europeus devem ser vistos
principalmente como consequência desses países já serem mais ricos ou
avançados à partida, em dimensões institucionais e cientifico-tecnológicas,
não o contrário. No caso português, o impacto do império para a economia
do país foi relativamente pequeno nos séculos xvi e xvii. E, apesar de ter
sido mais relevante no século seguinte, acabou por ser pernicioso. Neste
capítulo, e nos seguintes, vou explicar porquê.
Um grande e rico império?

A primeira coisa a destacar é que Portugal não teve um grande império


terrestre. Nem podia ter tido. As exceções, parciais, foram o Brasil no
século xviii, e África já no século xx. Em todos os outros casos, a presença
dos portugueses concentrou-se nas costas, frequentemente em fortalezas
isoladas, com uma limitada penetração no interior. No caso do Brasil,
apesar da economia açucareira do século xvii, a população de brancos só
atingiu um número bastante significativo com a corrida ao ouro, que se
localizava no interior, já no século seguinte. Em todos os outros locais, o
número de portugueses foi sempre muito limitado. Mas então, o que era de
facto o «império português», e que efeitos teve para Portugal e para as ex-
colónias?
Comecemos pelo período entre o século xv e os inícios do xix, até à
independência do Brasil. É sobre esta época que incidem alguns dos
maiores mitos.[172] Nesse momento, a Europa não estava muito à frente da
Ásia em termos de riqueza por pessoa, ou pelo menos de rendimento médio
por pessoa.[173] Aliás, de acordo com uma tese muito famosa de Kenneth
Pomeranz, ainda em 1800 as regiões mais ricas da China apresentavam um
nível de prosperidade semelhante ao das partes mais ricas da Europa.[174] Se,
relativamente a 1800, sabemos hoje que esta tese é exagerada, no que toca
ao período 1500-1700, ela é plausível, como o trabalho de Stephen
Broadberry e outros têm vindo a demonstrar.[175] Aliás, os primeiros
viajantes portugueses a chegar à China, como, por exemplo, o frade
dominicano Gaspar da Cruz, elogiavam o nível de vida dos chineses, em
comparação com aquilo que conheciam de Portugal.[176] De qualquer modo,
não restam dúvidas de que já no século xvi a Europa Ocidental estava à
frente das outras partes do mundo em termos científicos e tecnológicos, ao
contrário do que tinha acontecido alguns séculos antes. Mas a Ásia tinha
uma população muito maior: mais de 350 milhões, por comparação com os
75 milhões que existiam na Europa por volta de 1600.[177] A desproporção
de rácios populacionais não é de hoje, e a maior população e densidade
populacional da Ásia – e em particular da China – também podia dar aos
contemporâneos uma ilusão sobre as diferenças de rendimento ou riqueza
que poderiam não ser reais.
A desproporção do tamanho das populações é importante para
percebermos porque é que Portugal não poderia ter tido um império
terrestre na Ásia: nunca teria havido condições para uma conquista terrestre.
O que Portugal teve, isso sim, foi um império marítimo – uma espécie de
Talassocracia – apoiado pelas duas tecnologias militares nas quais a Europa
tinha, de facto, superioridade clara sobre outras civilizações: por um lado,
navios de guerra com uma artilharia eficaz prontos a afundar os inimigos; e
por outro, fortalezas construídas segundo técnicas militares europeias.[178]
Neste contexto as feitorias não passavam de entrepostos comerciais que,
para além da sua defesa, eram constituídos por armazéns, estruturas de
apoio aos navios, capelas, e edifícios administrativos. Na maior parte dos
casos a sua construção foi negociada com potentados locais. A artilharia
naval e as fortalezas eram duas tecnologias que se apoiavam mutuamente e
permitiam uma superioridade militar marítima. Só muito dificilmente uma
expansão terrestre portuguesa podia ter sucesso. No Japão, onde os «barcos
negros» portugueses – a «nau do trato» – chegavam de Goa, a continuação
do seu comércio estava dependente dos equilíbrios políticos locais, e os
portugueses foram expulsos quando o imperador tomou essa decisão, sendo
os cristãos perseguidos e mortos.[179]
Os salários não eram suficientemente altos para existir emigração de
trabalhadores não qualificados para a Ásia, ao contrário do que viria a
acontecer para o Brasil, principalmente no século xix. Na Ásia, a presença
portuguesa limitava-se, por isso, a exíguos territórios costeiros dominados
por uma ou outra fortaleza local e pouco mais. Mesmo a existência dessa
presença estava dependente do equilíbrio de poderes locais (como na Índia)
ou da tolerância e boas relações (na China e, enquanto durou, no Japão).
Quem já esteve em Macau terá visto a Porta do Cerco, que, sendo já do
século xix, marca uma fronteira muito anterior que os locais podiam
ameaçar cercar, suspendendo o abastecimento da cidade, se assim
desejassem, como chegou a acontecer em mais do que uma ocasião.[180] A
China dos séculos xvi a xviii ainda não era bem a potência decadente do
século xix. Pode-se dizer que os portugueses em Macau estavam à sua
mercê: a sua presença era tolerada porque o comércio associado também era
útil aos chineses.[181] Já no século xx, Goa, Damão, e Diu foram facilmente
anexadas pela União Indiana em 1961 com vitórias decisivas, como é
conhecido.
O motor do comércio entre a Europa e a Ásia, a partir do século xvi, não
foi a violência, mas antes as trocas comerciais, potenciadas em particular
pela ação combinada entre as novas rotas marítimas e a injeção monetária
decorrente dos metais precisos provenientes das Américas.[182] Para a Ásia
era levada prata, principalmente, assim como algumas armas e objetos
mecânicos. No regresso, traziam-se especiarias, sedas, chás, e porcelana,
com proporções relativas que variaram no tempo, entre outros produtos que
eram considerados luxos na Europa.
Ainda assim, não há dúvidas de que, no século xvi, o comércio fazia-se
frequentemente com violência associada. No Índico, os portugueses
atacavam quem não pagasse o «cartaz», ou seja, a licença para comerciar
determinados produtos por mar.[183] Na prática, o cartaz não era mais que
extorsão sobre as trocas comerciais, obrigando as embarcações locais a
pararem em localidades estratégicas que o Estado da Índia pretendia
controlar de forma a dominar o comércio entre Malaca, no Oriente, o Índico
até Ormuz (atualmente no Irão), e Adem (atualmente no Iémen) a Ocidente.
[184]
Afonso de Albuquerque conquistou Goa, Malaca e Ormuz em inícios do
século xvi, controlando a partir desta última cidade a entrada no Golfo
Pérsico. Mas para ter o monopólio do transporte de especiarias para a
Europa – ou seja, de forma a aumentar tremendamente o custo do transporte
terrestre –, o Estado da Índia precisava também de tomar Adem, outra
localidade estratégica, que permitia controlar a entrada para o Mar
Vermelho. Sempre em guerra com os Otomanos (por vezes apoiados por
Veneza), os portugueses não conseguiram o controlo dessa região
estratégica.[185] Falharam. E a seu tempo, os otomanos reavivaram as rotas
comerciais do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico, fazendo concorrência à
rota do Cabo, controlada exclusivamente por Portugal até aos finais do
século xvi, mas que dessa forma se tornou menos lucrativa.[186]
Na realidade, para cada batalha vencida – sendo célebre, por exemplo, a
Batalha de Diu de 1509 – tantas outras existiram em que os portugueses
foram derrotados. Estes dependeram sempre de alianças com poderes
locais, e não passavam muitas vezes de peões no vasto tabuleiro político
que existia na Ásia. Como tal, muitas das derrotas militares portuguesas e
perdas de território ou influência política e comercial a oriente, no século
xvii, não se deveram a ataques de holandeses, mas antes, simplesmente, a
alterações geopolíticas a acontecer nessa região do globo. Assim aconteceu
com as perdas de Sirião (na atual Birmânia) em 1612, Ormuz em 1622,
Ugulim (no nordeste da Índia) em 1632, com a expulsão do Japão em 1638,
e finalmente com a perda dos portos de Canara (na Índia oriental) em 1654.
[187]

Apesar disso, foi também importante, a partir da última década do século


xvi, a concorrência cada vez mais apertada no comércio oriental por parte
de outros países europeus, nomeadamente os Países Baixos e a Inglaterra.
[188]
Algumas décadas antes, a dificuldade de medir a longitude com um
mínimo de rigor implicava que o Tratado de Tordesilhas não deixava claro
se as ilhas Molucas (atualmente na Indonésia) ficavam do lado espanhol ou
português. Estas ilhas eram importantes como fonte de noz-moscada e
cravinho (cravo-da-índia), sendo conhecidas dos portugueses desde a
conquista de Malaca. Isto acabou por ficar resolvido com o Tratado de
Saragoça, em 1529, a favor de Portugal (em troca de um pagamento), mas
foi sol de pouca dura: logo a partir de finais do século xvi apareceram os
ingleses e holandeses.[189] Estes últimos, em particular, fizeram forte
concorrência aos portugueses, e logo nas primeiras décadas do século xvii
conquistaram, através da violência militar, territórios portugueses na Ásia.
Em disputa pelo comércio da pimenta, canela, e noz-moscada, além das
especiarias já mencionadas, desalojaram os portugueses de localidades
estratégicas como as ilhas Molucas. Também a fortaleza de São Jorge da
Mina – na atual cidade de Emira no Gana, no litoral da África Ocidental –
foi tomada pelos holandeses em 1637, que passaram a utilizá-la para o
comércio de escravos. A partir da década de 30 da mesma centúria enviaram
frotas regulares até Goa, bloqueando o porto que dessa forma não conseguia
prosseguir com as suas atividades comerciais, ou sequer entrar em contacto
com Lisboa.[190] Os ataques holandeses faziam com que se perdesse um
terço dos navios e respetiva mercadoria da Carreira da Índia.[191]
Os holandeses venciam, mas nem sempre. Apesar das derrotas, os
portugueses mantiveram posições em diversos pontos da Ásia, sendo os
mais importantes Goa – a capital do Estado da Índia – e Macau. Em 1622,
os holandeses atacaram Macau com forças muito superiores, mas essa
localidade manteve-se em mãos portuguesas, ainda que devido à sorte de ter
sido atingido um veículo holandês cheio de pólvora. Isso levou a uma
enorme explosão que causou muitas baixas, incluindo 18 oficiais
holandeses. O reduzido número de mortos do lado português levou-os a
concluir que «era muito pouco o número a despeito de durar a briga mais de
duas horas».[192]
Em suma, o comércio a oriente podia parecer muito lucrativo, mas isso
era em grande parte uma miragem, pois também existiam altíssimos custos
e riscos associados.
A ocidente, no Brasil, Portugal teve mais sucesso como potência colonial
do que a oriente. Como já mencionei, os colonos portugueses só
progrediram para o interior do Brasil no século xviii, e ainda assim
ocupando apenas zonas específicas relacionadas com a extração e transporte
do ouro. Até lá, só uma estreita faixa da costa estava colonizada:
localidades como a cidade de Olinda, fundada em 1535 (atualmente no
Pernambuco, mas próxima do Recife), e Salvador da Bahia, fundada em
1549. A produção do açúcar era a sua mais importante atividade económica,
ultrapassando largamente o papel que a ilha da Madeira tinha tido nessa
produção. Foi também por pouco que os holandeses não desalojaram os
lusos do Nordeste, e mesmo da Bahia, de forma permanente.
África, por outro lado, era vista como fonte de escravos e pouco mais.
[193]
No Reino do Congo, a partir de finais do século xv, vários monarcas
adotaram nomes portugueses, mas ficou a seu tempo claro que nos
territórios a sul, a que hoje chamamos Angola, existia mais oferta de
escravos e menos instabilidade política. Aí, os portugueses instalaram-se
praticamente apenas em Luanda e Benguela, dependendo dos chefes de
pequenas comunidades (os sobas) para esse comércio. Os europeus
morriam facilmente em África devido a doenças, nomeadamente a malária.
Angola, assim como Moçambique na costa oriental, só seriam
verdadeiramente colonizadas já no século xx, depois da exploração e
presença europeia aumentarem ainda nos finais do século anterior graças ao
quinino, um medicamento descoberto nesse século com capacidade de curar
ou prevenir a malária. Não haveria mais de uns 20 mil europeus em todo o
império no início do século xx, metade dos quais em Angola, e todos
concentrados nas cidades principais – Luanda, Lourenço Marques, Goa, e
Macau.[194] Um político republicano chegou a afirmar em 1926 que as
colónias estavam quase por colonizar.[195] Não estava errado.
Os impérios europeus devem ser vistos principalmente como uma
consequência das instituições, inclusivamente fiscais, e das condições
científicas e tecnológicas de partida serem mais avançadas do que as que
existiam noutras partes do mundo. Os europeus beneficiaram por vezes dos
seus impérios (ainda que nem sempre), mas os benefícios, mesmo quando
existiram, raramente foram grandes. No que toca ao nosso país, o mais
importante é compreender que Portugal nunca ficou rico devido a quaisquer
impérios.[196] Nas secções seguintes deste capítulo irei argumentar que, sem
o império, o rendimento per capita do país teria sido, nos séculos xvi e xvii,
quase o mesmo que se registou efetivamente. Já no século xviii, o impacto
direto foi maior, embora o impacto económico líquido seja complexo de
quantificar, tudo indicando que, se foi temporariamente positivo, acabou na
verdade negativo a prazo. Compreender o que se passou nesse século em
detalhe é realmente complexo, e por isso, dedico-lhe um capítulo inteiro
adiante. Certo é que o império nunca teve um peso suficiente para constituir
a prazo um motor de crescimento sustentado da economia. E mais, com a
inevitável perda do Brasil, o comércio imperial seria sempre um motor com
os dias contados. Mais tarde, a aposta em África também se revelou uma
desilusão, como veremos nos capítulos seguintes.

O peso do império na economia portuguesa

Uma consequência da expansão foi, como é evidente, a construção do


império. Deve ser dado a Vitorino Magalhães Godinho o mérito de ter
descredibilizado algumas das explicações sobre as causas da expansão que
eram dominantes em meados do século xx. Nessa altura, dava-se excessivo
peso a individualidades, como o Infante D. Henrique, que eram vistas como
heróis motivados pela fé, o que evidentemente tinha escassa viabilidade
explicativa. Aliás, também por isto, Godinho nunca foi apreciado pelo
Estado Novo, tendo até sido por duas vezes vergonhosamente demitido por
não se conformar com o regime.[197] No entanto, sendo complexa a História
económica e social da expansão, Godinho não acertou em tudo. Por
exemplo, considerava que o império manteve o país pobre e agrícola. Mas
não foi bem assim; pelo menos, os mecanismos foram menos lineares e
mais indiretos do que ele pensava.
O primeiro passo para compreendermos qual o efeito do império é medir
o valor do comércio que gerou. A forma correta de o fazer é por pessoa, e
em preços constantes – ou seja, corrigindo esse valor tendo em conta a
inflação ao longo do tempo.[198] Como mostra a Figura 9, baseada em
trabalho que fiz com Leonor Freire Costa e Jaime Reis, o valor do comércio
intercontinental era, por volta de 1500 ou mesmo 1600, muito pequeno para
Portugal, não havendo também qualquer manifestação de que existissem
para o país, visto no seu todo, lucros particularmente grandes ou
extraordinários associados a este comércio. Até porque é preciso não
confundir receitas com lucros: a expansão implicava volumosos
investimentos e outros custos associados. Era preciso construir e armar
navios (usando materiais que tinham em parte de ser importados), e
assegurar mantimentos e tripulações. Também era preciso construir
fortalezas defensivas. Os custos sentiram-se logo desde o primeiro
momento: uma década depois da tomada de Ceuta em 1415, o infante D.
Pedro reconhecia, numa carta ao seu irmão D. Duarte, que essa praça era
um sumidouro de gente, armas, e dinheiro.[199] E assim continuou a ser nos
anos e décadas seguintes. Já no século seguinte o desastre militar de
Alcácer-Quibir, onde pereceu o Rei D. Sebastião, viria a ter as
consequências políticas para o reino que não precisam de ser aqui
recordadas.

Figura 9. Comércio intercontinental por pessoa.

Uma implicação que pode ser retirada do valor do comércio associado ao


império ter sido pequeno é que dificilmente podia este ter tido uma grande
importância direta para a economia do país.[200] Nos séculos xvi e xvii
Portugal era, antes de mais, um país agrícola, como de resto eram ainda
todos os países da Europa e do mundo nessa época. Nesse contexto, a
manifestação económica do império pode ser descrita, sem grande exagero,
como a chegada de alguns barcos por ano ao Terreiro do Paço.[201] Na
Figura 10 pode ver-se o Paço da Ribeira, mandado construir por D. Manuel
I, e onde a Casa da Índia também estava localizada.[202] À esquerda vê-se a
Ribeira das Naus, um estaleiro para a construção de navios. A área à direita
é o Terreiro do Paço, vendo-se o porto e um pelourinho.[203] Tudo isto era
uma operação relativamente pequena, e bem localizada. Na Ásia a compra a
crédito não era possível, e era, portanto, preciso carregar os navios com
metais precisos.[204] Este comércio não foi, nem podia ter sido, um grande
motor de crescimento para a economia nos séculos xvi e xvii.[205]
No século seguinte, no entanto, o Brasil foi adquirindo um peso grande
na economia portuguesa, como nunca tinha acontecido com o império a
oriente. Um espião francês às ordens de Luís XV de França escreveria em
1765 que «A cidade de Lisboa é uma das maiores e mais ricas capitais da
Europa».[206] Em finais desse século, Lisboa era mesmo uma das quatro
maiores cidades da Europa, juntamente com Nápoles, Paris e Londres.[207]
Mas isso não iria durar, como veremos.

Figura 10. Vista de Lisboa, centrada no Paço da Ribeira, onde a Casa da


Índia estava localizada.

O facto de o império não ter provocado um grande efeito direto na


economia, pelo menos até ao século xviii, não significa que não tenha tido
efeitos relevantes para a capacidade fiscal do Estado, pelo menos em certas
épocas. A documentação existente nos arquivos sugere que, efetivamente,
assim foi. Aliás, até terá sido isso que levou gerações de historiadores à
conclusão errada de que o império teria tido uma grande importância para a
economia portuguesa no século xvi (por contraste com o seu contributo
apenas para as finanças públicas). Mas uma coisa não implica a outra. Para
compreendermos esta aparente contradição e a necessidade de separar os
efeitos sobre a economia do país dos efeitos sobre o plano restrito das
finanças públicas, temos de entender que, nessa época, o peso do Estado na
economia – mesmo somando as receitas ou despesas da Coroa com as do
poder local, a nível municipal, que tinham orçamentos separados – era
muito menor do que é hoje. Ou seja, não há qualquer contradição em
compreender que as receitas do império podem ter tido bastante
importância para as receitas públicas em certos momentos, e, ao mesmo
tempo, aceitar que o peso do comércio associado ao império para a
economia era meramente marginal.
Em suma, não há dúvida de que as receitas relativas ao império foram
por vezes importantes em algumas décadas do século xvi, e mais tarde
durante parte do século xviii, ainda que mais para a Coroa do que para o
país propriamente dito. Para este, a sua importância foi apenas indireta, e
raramente provocou um impacto económico imediato. As receitas vindas de
fora, no entanto, podem ter sido até importantes para a própria
independência nacional. Foi o que aconteceu em meados do século xvii:
nessa altura, as receitas coloniais representavam apenas uma pequena parte
dos proveitos da Coroa, mas D. João IV considerou ainda assim que o
Brasil era a sua «vaca de leite» e, como tal, importante para assegurar a
vitória da dinastia dos Bragança contra os Habsburgos.[208] No entanto, não
devemos exagerar a importância das receitas imperiais ao longo do tempo,
como irei agora mostrar.
Para avaliarmos a importância destas receitas imperiais, e quando foram
importantes, é preciso quantificá-las ao longo do tempo. Existem fontes nos
arquivos que permitem estudar as finanças do Estado português com
bastante detalhe, tanto a nível central – confundindo-se estas com as
finanças da Coroa – como a nível do poder local. Fontes como o «estado da
fazenda» mostram as despesas e receitas para um dado ano fiscal. A Figura
11 mostra o original mais antigo que sobrevive, relativo ao ano de 1526.[209]
É, portanto, uma espécie de «Orçamento do Estado». Num trabalho recente
feito em conjunto com Leonor Freire Costa e António Castro Henriques,
analisei as fontes desta natureza que chegaram até nós, tanto a nível central
como local.[210] Concluímos assim que, pelo menos até à primeira metade
do século xix, Portugal era um Estado bastante centralizado, e forte no
plano fiscal, relativamente ao tamanho da sua população, mesmo em
comparação com outras potências da Europa Ocidental. Esta conclusão
contradiz o que até agora tinha sido sugerido por autores como António
Manuel Hespanha.[211] A Tabela 3 mostra isso mesmo: até ao século xix
Portugal não estava claramente atrás dos outros países da Europa Ocidental.
[212]
Outras regiões do mundo, como a China, teriam à época uma
capacidade fiscal muito mais baixa.[213] Apesar da debilidade fiscal
portuguesa não ser anterior às primeiras décadas do século xix, é verdade
que nesse século Portugal tornou-se de facto um Estado fiscalmente fraco.
As receitas fiscais correspondiam apenas a 3,5% do PIB em 1851-1859, e a
5% em 1890-1899 – níveis muito inferiores aos que se aplicavam à
generalidade dos restantes países da Europa Ocidental nessas épocas.[214]
Em suma, a perspetiva histórica comparada mostra que a eficiência do
sistema fiscal português não se deveu apenas, nem sequer principalmente,
ao império. Mas é inegável que o império teve, em determinados períodos,
bastante importância para as receitas fiscais do poder central. Isto tem
algumas implicações para compreendermos o país em certas épocas, e em
particular no século xviii, como irei explicar no Capítulo 6.

Figura 11. O estado da fazenda, para 1526.

Na Tabela 3 as receitas apresentadas para Inglaterra, França, e Espanha


incluem as suas receitas imperiais. Por isso, a comparação deve ser feita
com a coluna que mostra Portugal também com as suas receitas imperiais
contabilizadas. Como podemos verificar, estas receitas imperiais em
Portugal tiveram importância em épocas pontuais – como na primeira
metade do século xvi, perdendo importância no xvii e voltando a ganhar um
peso relevante outra vez no século xviii –, mas nunca foram esmagadoras
para o orçamento central. No entanto, convém notar que as receitas fiscais
provenientes do império correspondem a transferências já líquidas
(portanto, descontando os custos nesses territórios) para os cofres
portugueses. Ou seja, estas receitas – que foram relevantes apenas, como
escrevi, num período de algumas décadas em inícios do século xvi, e depois
durante grande parte do século xviii – tinham menos contrapartidas para
Portugal do que acontecia com as receitas regulares.
A literatura internacional tem feito sobre estas matérias muitas
afirmações que, embora frequentemente repetidas, não correspondem à
realidade. São mais um exemplo do que se pode chamar «História escrita
pelos vencedores». De acordo com Charles Tilly, a dependência fiscal da
Coroa portuguesa relativamente às receitas imperiais implicou que nunca se
tenham desenvolvido instituições representativas – o que não corresponde à
verdade, como vimos no Capítulo 2.[215] Como expliquei nesse capítulo,
sabemos hoje que até meados do século xvii a qualidade das instituições
políticas portuguesas não era inferior às inglesas. As instituições políticas
portuguesas melhoraram mesmo um pouco na segunda metade desse
século, quando as Cortes se reuniam com frequência, especialmente após a
Restauração, em 1640.[216]

Tabela 3. Receitas fiscais em percentagem do PIB.

Portugal Inglaterra França Espanha

Receitas centrais, Receitas centrais


Receitas centrais Receitas centrais Receitas centrais
incluindo império / PIB excluindo império / PIB
/ PIB nominal / PIB nominal / PIB nominal
nominal nominal

1500–
2,0% 0,8% 2,6% 0,8% 0,9%
49

1550–
1,3% 0,8% 1,7% 2,4% 2,4%
99

1600–
1,7% 1,3% 1,5% 1,3% 5,1%
49
1650–
2,2% 2,0% 2,8% 3,7% 4,9%
99

1700–
5,2% 4,1% 5,7% 5,4% 4,7%
49

1750–
4,7% 3,6% 6,6% 7,0% 5,7%
99

1800–
5,1% 4,5% 11,1% - 4,8%
49
Dito tudo isto, não deixa de ser verdade que foi no século xviii que o
império teve um peso maior para Portugal: não apenas para a Coroa, mas
para a economia.[217] E, no entanto, também seria no século xviii que
Portugal iria começar a ficar para trás, estando esse declínio precisamente
associado ao império, e em particular às chegadas de ouro do Brasil, como
veremos no Capítulo 6. Temos de aguardar pela segunda metade do século
xx para observarmos uma convergência sustentada de Portugal para os
níveis de rendimento da Europa Ocidental, e nessa altura isso não se deveu
ao império (como mostro no Capítulo 9). Em suma: o império nunca serviu
para transformar Portugal num país rico, ao contrário do que é tantas vezes
repetido. Esse é apenas mais um mito da nossa História.[218]

A organização comercial comparada dos impérios europeus

Vale a pena também rebater aqui outro mito. A organização do comércio


colonial em Espanha e em Portugal é muitas vezes vista como extrativa e
demasiado próxima dos interesses da Coroa. É muitas vezes feita a
comparação com a Inglaterra ou os Países Baixos (nessa época Províncias
Unidas, sendo a Holanda propriamente dita apenas uma delas), onde os
mercadores teriam a liberdade de enriquecer.[219] No entanto, esta ideia não
é completamente correta e precisa de ser matizada. Em Espanha, o
comércio com o império desenvolveu-se através de mercadores privados
que pagavam impostos à Coroa. E em Portugal, até meados do século xvii
não existiram monopólios no comércio Atlântico, enquanto a situação, no
que toca ao comércio com a Ásia, era complexa. Tanto para Espanha –
onde, numa primeira fase, o império americano pertencia, estritamente
falando, apenas a Castela – como para Portugal, a navegação e o comércio
eram regulados, mas a situação não era fundamentalmente muito diferente
da que acontecia em Inglaterra e nas Províncias Unidas, pelo menos até à
segunda metade do século xvii.
Ainda durante o período da União Dinástica, a Companhia Holandesa
das Índias Ocidentais (a WIC, West-Indische Compagnie), aproveitando o
contexto político da Guerra dos Oitenta Anos entre as Províncias Unidas e a
Espanha, tomou a Bahia em 1624. Uma enorme armada luso-espanhola
conhecida como a «Jornada dos Vassalos» recuperou-a no ano seguinte,
mas os holandeses ficaram no Recife, em Pernambuco, entre o final da
década de 1620 e meados da década de 1650, com o objetivo de explorar a
produção e o comércio do açúcar. Depois da Restauração (1640), Portugal
recuperou o Recife, desalojando os holandeses do Brasil por completo. A
WIC não teve grande sucesso, mas tinha sido fundada com um capital ainda
maior que o seu equivalente para as Índias Orientais, a mais famosa VOC
(Vereenigde Oostindische Compagnie).[220] Desde o início do século xvii,
estas duas companhias foram o principal instrumento utilizado pelos
neerlandeses para imporem o seu processo de colonização. A VOC quebrou
o domínio dos portugueses na Ásia a partir do início do século xvii,
vencendo na maior parte dos casos, devido a uma melhor utilização de força
e diplomacia – e não por ter uma organização comercial mais eficiente.[221]
Mas o mesmo não aconteceu com a WIC nas Américas. No Brasil, os
holandeses foram decisivamente derrotados após a Restauração. O facto de
terem perdido no Brasil sugere que a ideia, por vezes repetida, de que os
holandeses tinham uma forma de organização comercial e militar
intrinsecamente superior, deve ser moderada.

Consequências para as regiões colonizadas

Até agora, tenho vindo a tratar dos efeitos que o império teve para
Portugal. Vimos que, mesmo quando o império apresentou maior
importância para a economia portuguesa, o seu impacto direto foi apenas
moderado. E a prazo até foi negativo, devido a um conjunto de efeitos
indiretos que irei explicar em mais detalhe no Capítulo 6. Uma implicação
da baixa (ou negativa) importância do império para a economia portuguesa
é que também é necessariamente falso dizer que a riqueza de Portugal se
tenha produzido graças à escravatura ou à violência associadas à construção
do império, ou às trocas comerciais relacionadas com o mesmo. Nem para
os portugueses a viver em Portugal, de resto, nem para os que viviam
noutras regiões. Vale também a pena ter em conta o efeito, a prazo, que a
expansão portuguesa teve para as regiões que foram colonizadas.
Na Bahia, como mostro em trabalho coautorado com Guilherme
Lambais, o nível de vida dos trabalhadores não qualificados era comparável
ao da Europa em finais do século xvi, mas declina ao longo do tempo com o
aumento brutal da entrada de escravos nos séculos xvii e xviii, vindo a
recuperar um pouco somente com o fim do tráfico de escravos e da
escravatura, mas sem voltar ao nível inicial, até ao século xx.[222] Por outro
lado, como mostro em trabalho coautorado com Hélder Carvalhal, os
trabalhadores não qualificados em Luanda e Benguela viram o seu nível
de vida piorar entre o século xix e grande parte do xx. O nível de vida
piorava porque existia uma grande quantidade de trabalhadores sob regime
coercivo que distorciam o mercado laboral, fossem escravos ou, a partir de
1875-1880, serviçais.[223] Durante séculos, foi considerado que a escravatura
era essencial para o desenvolvimento do Brasil e, por implicação, também
para os negócios em Angola. Mas não era bem assim. Sendo inegável que a
instituição da escravatura e do comércio de escravos enriqueceu os bolsos
de algumas elites coloniais, nunca foi uma estratégia eficaz de
desenvolvimento para Portugal no seu conjunto. Aliás, pelo menos entre
meados do século xix e meados da centúria seguinte, os rendimentos
médios por pessoa não eram muito superiores em Portugal do que no Brasil
ou nas suas colónias.[224]
Como referi, a escravatura de negros vindos de África, e em particular de
Angola, não só era aceite, como era, à época, vista como fundamental para
o desenvolvimento do Brasil.[225] Por contraste, no Brasil, a Coroa e a os
jesuítas tentaram frequentemente proteger as populações nativas para que
não fossem massacradas ou escravizadas, tendo-se tornado, por isso
mesmo, alvo de frequentes protestos das elites locais.[226] E os esforços de
conversão dos missionários Cristãos fora da Europa, aliás, variaram muito
em função das características de cada região.[227] Em 1826, o Brasil, já
independente, assinou um Tratado com o Reino Unido em que prometia
suprimir completamente o tráfico de escravos. Esse Tratado foi, na verdade,
letra morta, dando origem à expressão «para inglês ver». As próprias
autoridades brasileiras não aplicaram a legislação e mais de um milhão de
escravos africanos entraram no Brasil já depois da independência, em
condições que não teriam sido melhores que as do século anterior.[228] Mas
caso a escravatura fosse fonte de riqueza para países, então Portugal e o
Brasil seriam os países mais ricos do mundo em épocas presentes e
passadas, já que foram dos países que mais estiveram envolvidos nesse
tráfico. Além disso, o que sabemos é que o tráfico de escravos, e de forma
mais genérica a dependência do Brasil face à escravatura, acabaram por ser
um entrave ao seu desenvolvimento global a prazo, sem prejuízo de ter
enriquecido algumas elites mercantis que não eram representativas do país.
[229]

Frequentemente ouvimos declarações segundo as quais, por exemplo, o


Brasil tem «vergonha das suas origens portuguesas».[230] Para além de várias
acusações, nomeadamente sobre o comércio de escravos e o suposto
«roubo» do ouro trazido para Portugal, um dos pontos de vista amplamente
difundidos é o de que, se o Brasil tivesse sido colonizado pelos holandeses,
a situação seria hoje muito melhor. No entanto, basta olhar para o atual
nível de desenvolvimento do Suriname, um país que faz fronteira com o
norte do Brasil e onde o domínio colonial neerlandês se exerceu durante
séculos, para nos apercebermos de que essa ideia está longe de fazer
sentido. Na verdade, o Suriname até é hoje um país menos desenvolvido
que o Brasil. Poder-se-á argumentar que não foi tão importante para os
holandeses como o Brasil terá sido para Portugal, tendo em conta, entre
outros fatores, a dimensão muito diferente dos territórios. Mas veja-se
também o que se passou noutras regiões do mundo, como a Indonésia, onde
a colonização neerlandesa foi bastante extrativa, mesmo durante o século
xix. Um estudo recente de História económica sobre a ilha de Java mostra
que, na década de 1850, quando as transferências líquidas das chamadas
«Índias Orientais» para os Países Baixos – conhecidas como batig slot –
atingiram o seu auge, elas representaram quase 4% do Produto Interno
Bruto neerlandês e mais de 50% da receita total do governo.[231] Apesar
disso, e mesmo considerando que nas discussões sobre estas questões é
fundamental ter em mente factos básicos como os que acabei de mencionar,
há que reconhecer também que Portugal transmitiu ao Brasil um projeto
institucional de qualidade inferior àquele que a Inglaterra, por exemplo,
deixou nos Estados Unidos. É crucial desenvolver um pouco este tópico
porque encontram-se aqui algumas das principais razões que explicam as
diferenças de evolução e de crescimento observadas, não só no interior do
continente americano, mas mesmo a nível mundial. Aliás, tal como a
origem de vários dos mal-entendidos que se encontram espalhados a este
respeito.
A decadência das instituições políticas em Portugal acentuou-se a partir
do final do século xvii. Esta decadência foi o resultado das enormes
remessas de ouro que, entretanto, a partir da década de 1690, começaram a
chegar do Brasil, e que, em Portugal, tiveram profundos efeitos negativos,
não só para as instituições políticas, como também, de forma mais direta,
para a economia. Esta ligação pode parecer, à primeira vista, paradoxal, mas
explica-se porque as enormes quantidades de ouro recebidas distorceram,
por um lado, a economia – favorecendo as importações e prejudicando,
externamente, o setor industrial transacionável –, e, por outro lado,
contribuíram para que a Coroa considerasse que teria receitas suficientes
para não precisar de convocar as Cortes. Uma das consequências foi o facto
de as Cortes terem deixado de se reunir ao longo de todo o século xviii, ao
contrário do que tinha acontecido nos séculos anteriores. Isso levou a que a
economia e as instituições políticas portuguesas tivessem sofrido, durante
esse século, um processo de degradação semelhante ao que havia
acontecido em Espanha mais de 100 anos antes.[232] Mais direi sobre estas
matérias no Capítulo 6, mas para a discussão presente o que importa
compreender é que este processo de degradação económica e política
influenciou o tipo de instituições que surgiram em toda a América Latina e
portanto, obviamente, também no Brasil. Foram essas instituições – cujas
características básicas persistiram ao longo do século xix, apesar das
mudanças políticas que vieram a existir – que condicionaram, assim, o
sistema institucional que aí foi implantado. No fundo, o que está em causa é
um problema de Maldição dos Recursos, com consequências profundas no
destino da própria América Latina. Em contrapartida, na América do Norte
o processo foi completamente diferente, até por não existirem minas de
ouro e prata, e, como tal, foi necessário desde o primeiro momento que os
governos locais fossem financiados pelos próprios colonos. Isto obrigou os
governadores coloniais a recorrem desde cedo a assembleias locais.[233] A
Inglaterra e as suas colónias na América do Norte não tinham sofrido de
uma Maldição dos Recursos, e quando foi descoberto ouro na Califórnia,
em meados do século xix, este nunca se tornou central para os Estados
Unidos da América, tendo então já as suas instituições também uma grande
robustez política.[234]
Em conclusão, pode dizer-se que, contrariamente a uma ideia bastante
difundida, a descoberta do ouro no Brasil e o seu envio para Portugal não
conduziram, a prazo, a um «enriquecimento» do país. Pelo contrário,
conduziram antes ao início de um caminho progressivo de real
empobrecimento que se acentuou no século xix e que acabou até por ter
implicações na qualidade das instituições criadas, não só em Portugal como
no próprio Brasil, com consequências que duram até aos dias de hoje.

Da Expansão Ibérica à Revolução Científica

Nada do que até agora escrevi implica que as expansões ibéricas – apesar
da violência que lhes esteve associada – não tenham tido, a prazo,
consequências profundas e positivas a nível mundial. Na realidade,
acabaram por beneficiar todos os países do mundo e portanto,
indiretamente, também Portugal. Isso aconteceu devido à ligação entre
esses eventos e a Revolução Científica do século xvii. Mas este canal de
influência não é propriamente de natureza imperial e o mecanismo é muito
indireto. Passo a explicar, ainda que com alguma brevidade, por não ser
esse o tema central deste livro, embora não possa ser ignorado devido à sua
grande relevância a prazo.
«A experiência é a madre de todas as cousas, per ela soubemos
radicalmente a verdade» – assim escreveu em 1506 o cosmógrafo português
Duarte Pacheco Pereira em De esmeraldo situ orbis, uma obra notável que
continha as coordenadas geográficas de latitude e longitude de todos os
portos conhecidos no seu tempo. Com a expansão marítima, de facto, surgiu
nessa época uma nova mentalidade – primeiro em Portugal, depois em
Castela, e finalmente em toda a Europa Ocidental. Esta nova forma de ver o
mundo rejeitava elementos-chave de obras clássicas, como os escritos de
Aristóteles e a própria Bíblia, pelo simples facto de que, por exemplo, era
possível atravessar o equador sem os exploradores ficarem queimados ou de
pernas para o ar.[235] Ao longo do tempo, o contacto direto por via marítima
com outras partes do mundo – a África subsariana, a Ásia, e a América –
confrontou a sociedade europeia com uma miríade de animais, plantas, e
populações que não tinham sido antecipadas e muito menos descritas em
nenhuma das fontes clássicas ou medievais. Desta forma, esses repositórios
livrescos onde se guardava o conhecimento deixaram de ser a fonte última
da verdade, ficando assim aberta a porta a um novo mundo baseado na
ciência e com uma base empírica e experimental.[236]
Olhar para outras sociedades ajuda a compreender quão extraordinário
foi este processo que teve lugar na Europa. Consideremos o caso da frota do
almirante Zheng He, explorador e diplomata ao serviço da dinastia chinesa
Ming, que atingiu as costas do Quénia ou mesmo Moçambique no início do
século xv – de onde, aliás, trouxe uma girafa para a China por volta de
1415. O principal navio desta frota era muito maior que a nau São Gabriel,
que fazia parte da expedição de quatro navios de Vasco da Gama (sendo que
a caravela da armada portuguesa, a Bérrio, ainda era mais pequena).
Atentemos às diferenças de tamanho. A São Gabriel teria um casco com
cerca de 20 metros, uma boca com sete metros, e um pontal de uns quatro
metros, da quilha ao convés.[237] Por contraste, os maiores navios da frota de
Zheng He teriam até 75 metros, com postes do leme de mais de dez metros.
[238]
A Figura 12 ilustra as magnitudes comparadas.[239] As suas frotas teriam
sido compostas por centenas de navios e muitos milhares de homens. No
entanto, quando os portugueses chegaram à China, em inícios do século xvi,
os chineses já não sabiam construir estes navios, devido a mudanças
políticas internas. As sete expedições de Zheng He, que ocorreram entre
1405 e 1433, resultaram de ambições imperiais e diplomáticas desprovidas
de propósitos comerciais. Como tal acabaram por ser consideradas
excessivamente caras e, por isso, foram canceladas.[240] Ou seja, deu-se na
China um importante retrocesso tecnológico, o que só foi possível por se
tratar de um Estado unificado. Foi o contrário do que viria a acontecer na
Europa Ocidental, onde a competição entre estados garantiu um processo de
evolução política, fiscal e tecnológica continuado que, a prazo, viria a
beneficiar toda a região.[241] Note-se de resto, que foram os jesuítas
europeus a introduzir na China as novidades astronómicas de Galileu
Galilei. As descobertas que Galileu fez com o telescópio em 1609-1611
tornaram-se pouco depois conhecidas em Portugal, por via da Aula da
Esfera do Colégio jesuíta de Santo Antão em Lisboa, sendo depois, a partir
daí divulgadas para vários pontos do globo, incluindo a China.[242] Os
jesuítas foram também os reformadores do calendário chinês e fizeram a
cartografia desse império. Tornando-se nos «cientistas do imperador»,
fizeram observações astronómicas precisas, com o jesuíta flamengo
Ferdinand Verbiest (1623-1688) a construir um observatório astronómico
em Pequim. Os jesuítas europeus faziam furor na Corte chinesa, onde
tiveram um enorme impacto devido aos seus avançados conhecimentos de
cosmografia e outras ciências matemáticas e naturais.[243] Tudo isto mostra
como a ciência europeia era sem dúvida a mais avançada dessa época.

Figura 12. Comparação entre o navio de Zheng He e a nau São Gabriel,


da armada de Vasco da Gama durante a primeira viagem do caminho
marítimo para a Índia (1497-1499).

A expansão marítima insere-se num contexto de competição política


entre estados europeus, e iria inaugurar uma nova era na História da Europa
e do mundo. De Portugal resultaram contribuições importantes para os
desenvolvimentos da cartografia e da História natural, bem como a
emergência de cientistas de primeira linha, como foi o caso de Pedro Nunes,
cosmógrafo-mor do Reino, que beneficiou do suporte de D. João III. Hoje
sabemos que a expansão marítima tinha uma base científica sem a qual não
pode ser compreendida. Mas também dependeu da colaboração entre
cientistas e marinheiros, ou seja, pessoas das lides práticas, como Henrique
Leitão e coautores têm mostrado nas últimas décadas.[244] Dessa interação
nasceu uma nova mentalidade empírica que conduziria ao aparecimento da
ciência moderna, baseada no método científico. Isto viria a ser crucial para
o mundo em que vivemos hoje, na medida em que o crescimento
económico moderno é apoiado no crescimento da produtividade, por sua
vez causado pela mudança tecnológica. E esta é, em última análise, um
produto dos avanços da ciência. Apesar disso, na literatura internacional em
língua inglesa, as contribuições portuguesas, ou mais genericamente
ibéricas, nem sempre são reconhecidas. O historiador económico Joel
Mokyr, na sua obra sobre as origens da Revolução Científica e do
Iluminismo, não só ignora por completo as contribuições portuguesas e
espanholas, como afirma que os jesuítas eram uma força conservadora e
contrária ao progresso científico, mostrando desconhecimento sobre a
realidade concreta das instituições ibéricas, assim como das nossas
contribuições imateriais para o desenvolvimento científico e tecnológico da
Europa Ocidental.[245]
A expansão foi, portanto, um fenómeno extraordinário, tendo levado a
uma influência desproporcional de uns poucos milhões de pessoas que
viveram há centenas de anos no mundo em que agora vivemos. Portugal é
hoje um país irrelevante a nível mundial. Basta pensar que toda a nossa
economia e população são mais pequenas do que muitas cidades chinesas
de média dimensão, entre as centenas que existem nesse país. No tempo em
que vivemos, que também se caracteriza pelo enorme crescimento
demográfico em África, por exemplo, não é de espantar que, a nível
internacional, Portugal pareça uma parte irrelevante do mundo. E, na
verdade, é. Mas a sombra da nossa história tem um peso gigantesco, e
fascinante, devido aos efeitos que teve, quer nas regiões que influenciou
diretamente, quer em toda a Europa Ocidental – e, a prazo, no mundo. De
qualquer modo, o que é mais central para o tema deste livro é o facto de a
expansão marítima ter tido um peso determinante no imaginário futuro do
país.
Para resumir, não podemos dizer que o império tenha tido, alguma vez,
um efeito positivo claro e acentuado para o desenvolvimento do país, apesar
de ser inegável que teve importância fiscal em certas épocas históricas. Pelo
contrário, como irei explicar num dos capítulos seguintes, até teve, em certo
momento, um efeito negativo, com implicações que foram muito relevantes
a prazo. Porém, ao mesmo tempo, não deixa de ser verdade que a expansão
marítima teve uma influência importante no aparecimento da Revolução
Científica e do Iluminismo na Europa, tendo tido também um efeito
positivo para o desenvolvimento económico de outros países da Europa
Ocidental. A longo prazo – ainda que com um intervalo considerável e,
plenamente, apenas no século xx – Portugal acabaria por beneficiar também
desses desenvolvimentos para os quais tinha contribuído em séculos
anteriores.

[168] Note-se, no entanto, que a personagem do Velho do Restelo era defensora da corrente que
advogava um investimento na guerra em Marrocos. Logo, a sua crítica à expansão e ao império em
zonas mais longínquas está inserida nesse contexto.

[169] Não tenho inclinação para participar nos debates sobre se o termo «Descobrimentos» deve
ou não ser usado. É evidente que o termo é eurocêntrico; mas foram os europeus, de facto, a fazer as
descobertas a que o termo se refere. E os próprios contemporâneos usavam variações desta
expressão, em geral sem grande conteúdo normativo. Logo, o termo não me incomoda, mas ainda
assim parece ser redutor, até por apenas fazer sentido para os séculos xv e xvi. As expressões
«expansão» e «império» englobam melhor o fenómeno em questão nas suas várias dimensões.

[170] Ainda que existam zonas da Ásia onde se falam dialetos com base na língua portuguesa,
mas sem grande expressão numérica. Também existem palavras de origem portuguesa em línguas
como o japonês.

[171] De resto, convém lembrar que a escravatura era genericamente considerada uma instituição
natural nesta época, sendo praticada por várias sociedades que não a europeia – tendo sido, é preciso
não esquecer, os europeus a aboli-la no século xix. Aliás, até esse século, era frequente cativos serem
levados à força para o Norte de África através de ataques à costa da Península Ibérica, dando origem
à expressão «anda mouro na costa». Cabia depois à Ordem dos Trinitários o pagamento de resgates.
Sobre estas e outras matérias relacionadas, veja-se, por exemplo, MARQUES (2020).

[172] Relativamente ao império em África entre finais do século xix e durante o século xx, mais
direi nos caps. 7, 8, e 9.

[173] A diferença prende-se com o facto do primeiro conceito ser um stock, enquanto o segundo
é um fluxo anual. No entanto, é habitual estarem fortemente correlacionados, sendo em geral as
sociedades com maiores rendimentos anuais também as mais ricas (como também acontece com as
famílias).

[174] POMERANZ (2009).

[175] BROADBERRY (2021).

[176] Como é evidente, nem sempre é claro se os cronistas tinham motivações políticas para o
fazer. Veja-se BOXER (2004).

[177] Sobre o tamanho comparado das economias e população destas regiões, veja-se PALMA e
SILVA (2023).
[178] PARKER (1996).

[179] FRIEDRICH (2022), p. 440.

[180] BRAGA (2014b); GUIMARÃES (2014), pp. 55, 76.

[181] Algo parecido passava-se, por exemplo, com os espanhóis em Manila, nas Filipinas. Aliás,
os espanhóis, em êxtase depois da sua «conquista» da América Central e do Sul, ao início até
pensaram em conquistar a China, um plano que abandonaram rapidamente quando perceberam a
escala do que estava em causa em termos militares – também lhes faltando a ajuda dos germes que
tinham sido essenciais para dizimar as populações nativas no caso americano. Veja-se DIAMOND
(1998).

[182] PALMA e SILVA (2023).

[183] Existiam algumas exceções, e a minha discussão aqui é algo simplificada. Para os detalhes,
veja-se THOMAZ (2022), p. 143.

[184] FINDLAY e O’ROURKE (2009), p. 151.

[185] FINDLAY e O’ROURKE (2009), p. 151.

[186] Alguns comerciantes privados portugueses começaram mesmo a participar


clandestinamente no comércio do Mar Vermelho. THOMAZ (2022), p. 142.

[187] SUBRAHMANYAM (2012), p. 154.

[188] FINDLAY e O’ROURKE (2009), pp. 185-186.

[189] Nas fontes dessa época, estes últimos aparecem frequentemente descritos como Olandeses,
ainda que isso seja pouco rigoroso, pois a Holanda é apenas uma das várias províncias dos Países
Baixos. Seria por isso mais correto denominá-los «neerlandeses». No entanto, os próprios habitantes
dos Países Baixos nos nossos dias referem-se a si próprios por «holandeses», apesar de estarem bem
conscientes da falta de rigor. Logo, neste livro, eu também faço por vezes essa identificação, por ser
mais natural na língua portuguesa.

[190] SUBRAHMANYAM (2012), p. 178.

[191] SUBRAHMANYAM (2012), p. 172.

[192] BOXER (1991), pp. 33-35.

[193] As ilhas tinham papéis diferentes. Apesar deles terem variado no tempo, podemos
simplificar (bastante) dizendo que São Tomé e Príncipe era um centro de produção açucareira (e,
mais tarde, a partir de finais do século xviii, de café e cacau), ao passo que Cabo Verde especializava-
se na manutenção e abastecimento das armadas a caminho da Índia (na medida em que a viagem
demorava vários meses), para além do tráfico de escravos.
[194] RAMOS et al. (2009), p. 564.

[195] COIMBRA (1926), p. 38.

[196] Que assim foi também pensava um observador estrangeiro que visitou o país na década de
70 do século xviii, tendo escrito que «Os proveitos do comércio estrangeiro e das vastas regiões [do
império](…) nunca chegaram até ao camponês português, a não ser para dar aos habitantes das duas
principais cidades os meios de lhes pagar um pouco melhor as provisões que levam ao mercado; o
esplendor das conquistas ultramarinas nunca melhorou a sua situação»; MÓNICA (2020), p. 56.

[197] GODINHO (2018).

[198] Uma alternativa que também faria sentido seria relativamente ao tamanho da economia,
medida nomeadamente pelo PIB nominal, quando disponível.

[199] THOMAZ (2022), p. 58. Já no caso do comércio intercontinental tanto a oriente como a
ocidente, existiam perdas ocasionais de navios, devido a naufrágios por causas naturais, como
tempestades e monções, e a ataques de piratas. Estas perdas causavam certamente danos à economia.
Não existe um estudo sistemático sobre o caso português, mas sobre o caso de Espanha, que está
estudado quantitativamente, cf. BRZEZINSKI et al. (2024).

[200] COSTA et al. (2015); PALMA (2016b).

[201] Por volta da primeira metade do século xvi, por exemplo, apenas alguns barcos iriam para
a Índia, por comparação com bastantes mais – largas dezenas – com destino à Flandres, vindo muitos
outros de outros destinos europeus para vender produtos.

[202] FRANÇA (2009), p. 138.

[203] BRAUN e HOGENBERG (1572).

[204] PALMA e SILVA (2023). Os portugueses também estiveram envolvidos no comércio intra-
asiático, em certas épocas transportando, por exemplo, prata do Japão para a China. Mas também este
comércio nunca teve um peso muito grande em termos agregados.

[205] A feitoria de Antuérpia (também conhecida como Feitoria da Flandres, tendo-se seguido a
uma anterior existente em Bruges até 1499), que administrava a comercialização e distribuição na
Europa dos produtos que os portugueses traziam da Ásia, enfrentou forte concorrência, teve grandes
riscos associados à sua atividade, e acumulou dívidas. Começou a ter dificuldades claras desde 1526,
e foi fechada por D. João III em 1549. Nos anos anteriores, o número de navios que anualmente
ligavam Lisboa a Antuérpia não ultrapassou, a não ser em anos excecionais, as duas dúzias. Veja-se
ALMEIDA (1993), pp. 29, 33-36, 39.

[206] MÓNICA (2020), p. 41.

[207] Sendo esta uma situação que se alteraria no século xix, quando a população de Lisboa caiu
relativamente a outras cidades europeias, como a outras do país, nomeadamente ao Porto. Veja-se
BAIROCH et al. (1988).
[208] Uso aqui o termo «independência nacional» de uma forma aproximada, mas que me parece
válida. Durante a União Dinástica (1580-1640), Portugal tinha os mesmos reis da Espanha, mas
manteve-se como um reino à parte, com uma administração e império que em princípio se
mantiveram como entidades separadas. No entanto, durante esta época o país não teve política
externa própria, por exemplo, e esteve sujeito a múltiplas decisões políticas, por exemplo de natureza
fiscal, que eram tomadas pelos Habsburgos em Madrid. E como explico noutra parte deste livro,
existiram durante esta época consequências institucionais negativas da união, enquanto durou. Sobre
a expressão «vaca de leite» utilizada por D. João IV relativamente ao Brasil, ver BOXER (1952), p.
177.

[209] Trata-se de uma estimativa, feita em 1525, para o ano seguinte. Os dados são estimativas
da receita, mas apresentam um bom indicador da capacidade fiscal, já que o estado da fazenda não
indica os números arbitrariamente, mas antes se baseia nos anos anteriores e nos contratos de
arrendamento já estabelecidos. Este documento faz parte do «Núcleo Antigo» do ANTT, que contém
documentos que escaparam ao Terramoto de 1755 por se encontrarem no Castelo de São Jorge, no
chamado Armário da Casa do Coroa. Documentos equivalentes perderam-se no incêndio que destruiu
a Casa dos Contos em 1755.

[210] COSTA et al. (2022).

[211] HESPANHA (1994).

[212] Esta Tabela é baseada nos cálculos e fontes apresentados em COSTA et al. (2022).

[213] BRANDT et al. (2014); KARAMAN e PAMUK (2013); KARAMAN e PAMUK (2010).

[214] ESTEVES (2004).

[215] TILLY (1992), p 62.

[216] Voltarei a abordar esta matéria no cap. 6.

[217] O império tinha tido peso relevante para a Coroa nalgumas décadas do século xvi; COSTA
et al. (2022).

[218] E voltaria a ser assim nos séculos seguintes, como mostrarei nos capítulos seguintes.

[219] ACEMOGLU et al. (2005); CAMERON e NEAL (2016).

[220] FINDLAY e O’ROURKE (2009), p. 184.

[221] Os próprios holandeses seriam depois largamente vencidos pelos ingleses na Ásia no
século seguinte. SUBRAHMANYAM (2012), pp. 223-225.

[222] Estas conclusões apoiam-se numa metodologia semelhante à que descrevi no capítulo
anterior para Portugal. LAMBAIS e PALMA (2023).
[223] CARVALHAL e PALMA (2023). Trabalho em curso com Hélder Carvalhal, no contexto do
meu projeto da ESRC, «Measuring the Great Divergence: a study of global standards of living, 1500-
1950».

[224] Dei alguns detalhes e números sobre esta matéria em PALMA (2016a).

[225] A atitude dos jesuítas não era a mesma em relação à escravatura negra e aos nativos do
continente americano. Em Angola, por exemplo, os jesuítas tinham em certas épocas quase
exclusivamente mão-de-obra escrava a trabalhar nas suas propriedades fundiárias à volta de Luanda.

[226] A hostilidade das elites locais à Companhia de Jesus tinha a ver com a oposição desta ao
interesse dos colonos em escravizar os nativos, e, mais tarde, com questões relativas às fronteiras no
contexto do Tratado de Madrid de 1750 (também conhecido com Tratado dos Limites), e com a
Companhia do Grão-Pará e Maranhão. Para além disso existia a preocupação dos nativos formarem
um exército. Veja-se ROMEIRAS (2019b), cap. 2; FRANCO (2006).

[227] BOXER (1978). Também vale a pena consultar THORNTON (2020).

[228] MILLER (1997).

[229] PALMA et al. (2021).

[230] No início de 2022, tornou-se viral nas redes sociais uma entrevista de Carlos Fino à Folha
de São Paulo, na qual o antigo jornalista sublinhava que «o Brasil tem vergonha das suas origens
portuguesas». Veja-se FINO (2021).

[231] DE ZWART et al. (2022).

[232] Para um sumário da literatura sobre o caso Espanhol, veja-se CHAROTTI et al. (2022).

[233] ELLIOTT (2006), p. 139.

[234] Sobre estas matérias, veja-se ABAD e PALMA (2021).

[235] Era sabido que a terra era redonda, mas o conceito de gravidade era desconhecido.

[236] ALMEIDA (2018); LEITÃO e SÁNCHEZ (2017b); LEITÃO e SÁNCHEZ (2017a).


Também reconheci este canal de influência, ainda que de passagem, em PALMA (2016b), p. 145.

[237] BARATA (1968).

[238] CHURCH (2010), pp. 38, 40.

[239] Nesta imagem as embarcações estão desenhadas de forma proporcional, ignorando a


perspectiva. Isto é, as embarcações estão aparentemente a níveis diferentes, para uma leitura
independente da estrutura das mesmas e respetivas proporções, sendo esta uma representação
pictográfica e não figurativa. Na imagem, assumiu-se 70 metros de comprimento para o navio da
frota de Zheng He, consistente com a informação disponível em CHURCH (2010), pp. 38, 40. Sobre
a frota de Zheng He, consultar ainda DREYER (2006).

[240] VON GLAHN (2016), p. 288.

[241] SCHEIDEL (2019).

[242] LEITÃO (2010).

[243] HSIA (2009).

[244] Ver, por exemplo, LEITÃO e SÁNCHEZ (2017b); LEITÃO e SÁNCHEZ (2017a).
Também vale a pena consultar ALMEIDA (2018).

[245] MOKYR (2016), pp. 169, 220-221.


5.
Cultura e religião

Os políticos têm todos a mesma política.


Eça de Queirós, As Farpas

Terá sido a cultura portuguesa um impedimento ao desenvolvimento do


país? Este argumento é apresentado com muita frequência. Tanto dentro
como fora do país, é comum ouvirmos dizer que a nossa cultura, ou
religião, foram fontes do atraso. Assim pensava por exemplo Antero de
Quental no seu discurso sobre as Causas da Decadência, como vimos na
introdução. Neste capítulo vou argumentar que esta tese não é verdadeira ou
que, pelo menos, apenas poderá ser considerada superficialmente
verdadeira – mais aparência do que realidade.[246] Como é evidente,
compreender e explicar a cultura portuguesa é um tema muito complexo e
não tenho essa ambição aqui. Restrinjo-me, por isso, às dimensões da
cultura mais diretamente relevantes para o tema deste livro: as causas do
atraso.
Comecemos com o elefante na sala: a religião católica. Na verdade, não
existem dados credíveis que permitam apoiar a tese de Max Weber e de
muitos dos seus discípulos, segundo a qual a Reforma protestante teria
gerado uma cultura particularmente propícia ao crescimento económico.[247]
Esta tese tem variantes e muitos aderentes na academia moderna,
especialmente no mundo anglo-saxónico.[248] Mas é sempre aquilo a que se
pode chamar «História escrita pelos vencedores».[249] Como expliquei no
Capítulo 1, ao contrário do que é afirmado por vezes na literatura
internacional, na realidade não existiam grandes diferenças culturais ao
nível da organização familiar entre, por um lado, Portugal ou Espanha, e
por outro, os demais países da Europa Ocidental, incluindo os que se
tornaram protestantes.[250] Não apareceram mudanças a nível familiar, no
comportamento destes últimos, na sequência das Reformas protestantes. E,
como expliquei no Capítulo 2, também não existiram diferenças
assinaláveis a nível da qualidade das instituições políticas, pelo menos nas
dimensões relevantes para o crescimento económico, como é o caso da
proteção da propriedade privada e da criação de capacidade fiscal, que
pudessem levar ao investimento em bens públicos. Logo, não é de espantar
que, até ao século xviii, também não existissem diferenças notórias de
crescimento económico, ou de níveis de literacia e numeracia, entre
Portugal e os países protestantes.[251] A própria Inglaterra não iniciou um
processo de crescimento sustentado até à segunda metade do século xvii.[252]
No entanto, muita da investigação quantitativa e bases de dados
internacionais sobre estas matérias ignoram ou distorcem a realidade
portuguesa, afirmando ou dando a entender que não existiam livros
impressos em Portugal antes do século xx – o que apenas pode ser descrito
como um enorme disparate.[253] Na realidade, houve livros impressos em
Portugal continuamente ao longo dos séculos desde o final do xv.
Sobre a suposta superioridade cultural protestante, o caso da Alemanha é
ilustrativo. O sacro-império romano-germânico tinha sido composto
historicamente por dezenas de estados, incluindo alguns que misturavam
populações protestantes com católicas. O que a investigação recente mostra
– baseada numa análise detalhada de dados a nível local para a região da
Prússia, em finais do século xix (que incluía mistura de populações), é que,
excluindo a minoria polaca, não havia diferenças entre católicos e
protestantes nas dimensões que importam para o crescimento económico,
como poupanças ou acumulação de capital humano. Não são verdadeiras as
teses muitas vezes repetidas de que os protestantes tinham mais propensão
para poupar, que obtinham rendimentos mais elevados, ou que
apresentavam taxas de alfabetização mais altas por serem estimulados a
lerem a Bíblia, com consequências positivas para a sua atividade comercial
e para os mercados.[254]
Também é notório que alguns dos países protestantes, embora não todos,
apenas começaram a crescer de forma sistemática, pelo menos um século
depois da Reforma. O primeiro país do mundo a ter uma Revolução
Industrial e a entrar num processo de crescimento moderno foi a Inglaterra,
mas este processo só começou mais de um século depois da morte de
Henrique VIII.[255] E não deixa de ser relevante que, depois da Inglaterra, o
país seguinte a ter uma Revolução Industrial tenha sido a Bélgica – um país
católico e que, aliás, tinha estado sob o domínio dos Habsburgos espanhóis
durante muito tempo. Outros países católicos se seguiram rapidamente,
como foi o caso da França, aliás o primeiro país do mundo a apresentar uma
transição demográfica, com o número de filhos por mulher a diminuir, em
relação ao que acontecia historicamente e noutros locais, ainda em pleno
século xviii, mas décadas antes de 1789. Deste modo, a França subiu os
rendimentos médios por pessoa por uma via diferente da seguida pela
industrialização inglesa, também durante o século xviii.[256] Agora que
conhecemos a evolução do mundo nos séculos seguintes, também podemos
afirmar que a enorme variedade de religiões não protestantes, nem sequer
cristãs, presentes em vários países, não tem sido impedimento ao seu
desenvolvimento. O que não falta são exemplos históricos, mesmo em
regiões para além da Europa, como é o caso da Índia ou da China. E até, no
caso da Europa, convém notar que a Irlanda, católica, é hoje um dos países
mais ricos. Max Weber não conhecia o futuro, mas tendo em conta o que
sabemos hoje não há desculpas para insistir na tese da superioridade do
protestantismo como fonte de desenvolvimento económico.[257]
Não há dúvida de que, pelo menos a partir de meados do século xix,
Portugal era mais pobre e tinha níveis de analfabetismo superiores aos de
outros países da Europa Ocidental. Mas isso não resultava, num sentido
profundo, da cultura e religião do país. O nível de educação das populações
resulta de investimentos familiares e de escolhas políticas. E tudo isto é
condicional – ou seja, é afetado por outros fatores, nomeadamente os
económicos, políticos e institucionais.[258] Vale a pena, por isso, refletir com
algum detalhe, em particular, sobre o contexto político da cultura
portuguesa.

A cultura e religião não explicam o atraso português

O essencial para desmontar a ideia segundo a qual a cultura ou a religião


constituem entraves fundamentais ao desenvolvimento é compreender que
esses fatores não são imutáveis. Na verdade, dependem de interpretações
que mudam ao longo do tempo e que, frequentemente, dependem também
do contexto político. Ou seja, na maior parte dos casos são apenas
mecanismos ou manifestações de um problema mais fundamental e não as
verdadeiras causas profundas. Aliás, já tem acontecido que a «mesma»
religião tenha diferentes interpretações em diferentes sociedades ou
períodos temporais, com importantes consequências distintas ao longo do
tempo. É conhecido que o mundo islâmico teve um florescimento
importante durante boa parte da «Idade Média» – um conceito temporal
eurocêntrico –, mas que entrou depois num processo de declínio científico e
económico. E esse declínio do mundo islâmico aconteceu por motivos que,
embora fossem superficialmente religiosos, na verdade tiveram causas de
natureza política.[259] A importância do desenvolvimento científico atingido
por estes povos para o progresso mundial encontra-se bem exemplificada na
forma como importantes noções matemáticas como a álgebra (palavra de
origem árabe na nossa língua, como tantas outras) chegaram ao Ocidente
por essa via.[260] A herança islâmica beneficiou particularmente a Espanha e
Portugal durante o período da expansão marítima.
Partindo deste prisma, podemos compreender a Inquisição de um novo
ponto de vista. Já é conhecido há muito tempo que muitos dos processos da
Inquisição tinham motivações mais profundas de natureza política ou
comercial, e não tanto verdadeiramente religiosa – ainda que
superficialmente, as acusações a serem feitas fossem de natureza religiosa.
[261]
Além disso, uma análise detalhada da documentação mostra que a
Inquisição estava principalmente preocupada em reprimir questões relativas
a costumes – incluindo práticas sexuais como sodomia e bigamia –, crenças
e credos, e não tanto com a censura de questões de natureza científica,
educativa, ou tecnológica. Dificilmente pode, por isto, o atraso científico do
país dever-se principalmente à presença da Inquisição.[262] A ênfase
excessiva no seu papel – como foi destacado por Alexandre Herculano,
Antero de Quental, Oliveira Martins, entre outros intelectuais dos séculos
xix e xx – ignora vários aspetos importantes. Primeiro, o facto de, mesmo
dentro dos países católicos, terem sempre existido várias correntes
religiosas, muitas vezes em conflito umas com as outras. Entre a
Companhia de Jesus e a Ordem dos Dominicanos havia todo um mundo de
diferenças, incluindo no que toca a atitudes distintas relativamente a
questões científicas. Segundo, de um ponto de vista comparado, é errado
pensar que não existiam «Inquisições» – ou seja, perseguições religiosas,
sistemáticas e organizadas, independentemente da sua motivação – em toda
a Europa protestante. Existiam, como é evidente, mas eram simplesmente
dirigidas contra alvos diferentes. E se, no mundo católico, as obras
proibidas eram censuradas, no mundo protestante eram destruídas.[263]
Um mito muito difundido é o de que Portugal seria um país
particularmente fanático ou intolerante. É referida, entre outros exemplos, a
expulsão dos judeus em finais do século xv. É verdade que, nessa altura, os
judeus foram convertidos à força, ou convidados a sair do país. Isso
aconteceu na sequência de um processo semelhante que tinha tido lugar em
1492 em Espanha, promovido pelos Reis Católicos, Isabel I de Castela e
Fernando II de Aragão. Portugal acabou, alguns anos depois, por ceder à
pressão do país vizinho para fazer o mesmo. Muitos judeus permaneceram
em Portugal, contudo, ficando conhecidos como cristãos-novos. Além
disso, a sua discriminação já era anterior. No Auto da Barca do Inferno, o
dramaturgo Gil Vicente condenou ao Inferno quase todas as personagens
representativas da sua época, duas décadas antes da chegada da Inquisição.
Um dos condenados foi o judeu, acompanhado do seu bode, condenado por
não seguir os preceitos religiosos da fé cristã, e detestado por todos,
incluindo o próprio Diabo. Poder-se-ia, pois, dizer que existia um particular
racismo ou fervor religioso em Portugal? Talvez não.
Convém manter presente que a expulsão dos judeus já tinha acontecido
noutras partes da Europa Ocidental em séculos anteriores. Em Inglaterra os
judeus tinham sido expulsos em 1290, na sequência de inúmeras
perseguições anteriores. Apenas foram aceites de volta ao país por Oliver
Cromwell, em meados do século xvii, na sequência da Guerra Civil, em
troca de um generoso pagamento monetário. Ficaram sujeitos a forte
discriminação que persistiu de forma claramente visível até pelo menos
finais do século xix. Já em França, Filipe IV expulsou os judeus em 1306,
de resto na sequência de anteriores tentativas desde 1182. Ao contrário do
que veio a acontecer em Portugal, quase dois séculos depois, o anúncio da
expulsão foi mantido secreto e a propriedade privada dos judeus foi
confiscada pelo monarca francês. Nessa ocasião, foi-lhes apenas permitido
deixarem a França com as roupas que tinham no corpo e com pequenas
somas monetárias. Depois da morte do rei, o seu filho fez uma tentativa de
reversão desta política em 1315, mas isso não durou muito, já que em 1322
os judeus foram mais uma vez expulsos. Este padrão de expulsão e retorno
continuou durante o século xiv até à sua expulsão definitiva em 1394.
Em resumo, em inícios do século xv, Portugal e Espanha eram, em
termos comparados, os países mais tolerantes da Europa Ocidental, e a
maior diversidade nestas duas sociedades acontecia não apenas devido à
presença dos judeus, mas também dos mouriscos, os descendentes dos
muçulmanos que ficaram depois da Reconquista.[264] Como é evidente, a
perseguição aos cristãos-novos (e antes aos judeus propriamente ditos),
prejudicou Portugal. Basta pensar que muitos eram cientistas e empresários,
com conhecimentos relevantes para o bom funcionamento da economia.
Mas o facto de estas perseguições também terem existido noutras partes da
Europa, incluindo na própria Inglaterra, até terem sido travadas por forças
de natureza política, implica que não pode ter sido este o fator fundamental
que justifica o nosso atraso.
Por contraste com o caso inglês, não deixa de ser relevante que a
Inquisição portuguesa fosse um tribunal – necessitando, por isso, de provas
para determinar as condenações, enquanto muitas pessoas eram ilibadas. O
facto de as Inquisições portuguesa e espanhola serem tribunais implica que
seguiam um princípio de justiça ou equidade processual – ainda que
conforme aos princípios e costumes desse período, obviamente. Apenas
uma percentagem pequena dos acusados era condenada à pena capital. Por
contraste, a maior parte das perseguições e execuções em Inglaterra foram
ordenadas diretamente pela Coroa – quando não resultavam de fúria
popular descontrolada. Ou seja, a divisão de poderes entre o mundo secular
e o religioso, que tinha tido um papel tão único, e certamente importante
para a evolução institucional da Europa Ocidental, deixou de estar presente
em Inglaterra a partir do momento em que o papel do Papa foi substituído
pelo poder religioso dado à Coroa inglesa, que passou a controlar
diretamente a Igreja anglicana a partir do século xvi.
Olhando para trás com os olhos do presente – algo que em geral deve ser
evitado – todas as sociedades desta época eram intolerantes. Mas não deixa
de ser significativo que a perseguição aos judeus tenha aumentado nas
zonas da Alemanha que se tornaram protestantes.[265] E tal como na
Inglaterra, onde os católicos (e os judeus) foram perseguidos
sistematicamente até a tolerância começar a aumentar, principalmente a
partir da segunda metade do século xvii. A este propósito, refira-se que
apenas durante o reinado da rainha Isabel I, foram condenados à morte mais
de 600 católicos – um número maior do que o de mortos pela Inquisição
portuguesa entre 1536 e 1605.[266] No total, em Portugal foram mortas
menos de 2000 pessoas devido às ações da Inquisição entre o século xvi e o
fim efetivo dessa instituição na segunda metade século xviii, quando
aconteceu o último auto de fé.[267] Esse número de assassinados pela
Inquisição portuguesa tem portanto uma magnitude bastante inferior às
execuções sumárias ordenadas pelo Tribunal Revolucionário de Paris de
1793-1794, relativamente ao qual uma lista reuniu 2793 certidões de óbito.
[268]
Só no período de Robespierre (cerca de um ano) foram mortas 2663
pessoas – em nome da liberdade, igualdade, e fraternidade.[269] Entre 27
Maio e 27 Julho de 1794 – dois meses de Tribunal Revolucionário – foram
executadas 1582 pessoas, ou seja, mais do que a Inquisição portuguesa
matou ao longo de cerca de três séculos de existência.[270] Estas
comparações, por serem em números absolutos, não per capita, até
«favorecem» a França, já que Paris tinha uma população bastante inferior a
Portugal.[271]
Resumindo, é errada a ideia de que os países católicos ou ibéricos seriam
especialmente intolerantes, apesar de ser verdade que os Países Baixos eram
genericamente mais tolerantes em termos religiosos que outras regiões da
Europa (menos por escolha do que por necessidade). Embora também
discriminassem, pelo menos mantinham uma coexistência em geral mais
pacífica do que noutras regiões. Mas isto também era verdade relativamente
a áreas do mundo islâmico. Aliás, muitos judeus portugueses preferiram não
ir para os Países Baixos, mas sim para o Levante (que nem por isso se
tornou uma economia dinâmica). A República das Províncias Unidas era, de
resto, das regiões da Europa que mais perseguia e punia a
homossexualidade. Depois de perseguições esporádicas que já vinham do
século anterior, no início da década de 30 do século xviii foi decidido pelos
tribunais que «esse vício tinha de ser exterminado» (sic). Seguiram-se
dezenas de execuções, que incluíam rapazes jovens, tendo também fugido
do país centenas de pessoas para não serem garrotadas. As perseguições aos
acusados de sodomia continuaram até 1810, tendo sido cerca de duas
centenas de homens mortos e outros tantos castigados com longos períodos
na cela solitária. Foi apenas com a introdução do Código Napoleónico em
1811 que as relações entre pessoas do mesmo sexo foram
descriminalizadas, terminando assim as perseguições e execuções.[272] Em
Inglaterra é amplamente conhecido o caso de Alan Turing, condenado à
castração química (como alternativa à prisão), pelo crime de ser
homossexual em pleno século xx (1952), mas foi apenas um entre tantos
outros.[273]
Como vimos no Capítulo 2, a Lenda Negra segundo a qual as
instituições da Península Ibérica tinham sido sempre particularmente
despóticas e intolerantes, especialmente por comparação com as do norte da
Europa, não passa de propaganda: «História escrita pelos vencedores». Terá
um fundo de verdade apenas para o século xviii.[274] Mesmo nesse século, a
ideia de que o povo português fosse intrinsecamente fanático em termos
religiosos não tem cabimento. Como notou um alemão que visitou o país
em finais de Setecentos «As cerimónias religiosas constituem o único
divertimento dos portugueses; anda-se atrás das procissões com o mesmo
prazer com que se iria à Ópera», notando também que as igrejas eram o
centro da vida social, onde se namorava.[275]
Dito isto, a Inquisição teve certamente efeitos negativos para Espanha e
Portugal, mas, em termos comparados, só podem ter sido particularmente
perniciosos num período relativamente tardio. É de resto claro que, com a
exceção do caso de Galileu Galilei, onde o que estava em causa era o
modelo heliocêntrico de Copérnico em detrimento do modelo geo-
heliocêntrico de Tycho Brahe, não existem muitos casos de censura de
questões científicas, por parte da Inquisição, em todo o mundo católico. A
Inquisição estava normalmente mais preocupada com questões de
defesa da fé, pureza de sangue, e ofensas à moral, do que com censurar
questões científicas.[276] A Inquisição regulava, mais do que censurava,
disciplinas hoje abandonadas, como a astrologia, a alquimia,
e a magia natural. Mas tudo é mais complexo do que parece, e é por isso
necessário fazemos um esforço para contextualizarmos o passado.
Relativamente à astrologia, por exemplo, havia uma parte que era
permitida: a astrologia natural. Outra era proibida: a astrologia judiciária.
Era permitido fazer previsões sobre navegação, medicina e agricultura. Mas
não era permitido prever a morte de reis, papas, ou bispos, assim como
prever se um casamento ia ou não correr bem. Existe até quem sustente que
todas essas regulações ajudaram ao processo gradual de separação entre as
ciências e as pseudociências.[277] E, como já mencionei, a Inquisição nos
países católicos regulava e censurava as obras que lhe desagradavam,
enquanto entre os protestantes, elas eram tradicionalmente queimadas.[278]
Os principais pontos de preocupação da Inquisição, especialmente numa
primeira fase, residiam na difusão das novas heresias protestantes, e na
ameaça do judaísmo e do islamismo. No caso ibérico, a questão da
pureza de sangue existia porque considerava-se que os cristãos-novos
podiam judaizar, e como tal, influenciar outros. Não era uma questão de
preconceito racial, como no eugenismo ou no nacional-socialismo.
Já nos impérios, não há suporte empírico a favor da ideia de terem sido
os ibéricos particularmente violentos em termos comparados. É verdade que
a população nativa nos territórios do império espanhol sofreu uma enorme
queda depois de 1492. Contudo, isso foi largamente involuntário, uma vez
que resultou em grande medida da sua falta de resistência às doenças
europeias.[279] Apesar disso, gerações de intelectuais, não só no estrangeiro
mas também em Portugal, como Antero de Quental, insistiram na suposta
excecional violência dos ibéricos, motivada por motivos religiosos.[280] Na
realidade, essa tese não tem cabimento: o que caracteriza as atrocidades
perpetuadas por ingleses ou holandeses nas populações nativas dos
territórios que ocuparam é até a falta de um debate intelectual ou autocrítica
associada à violência, ao contrário do que aconteceu no caso espanhol com
figuras como Bartolomeu de las Casas – e, podemos acrescentar, no caso
português, com António Vieira. Mas logo desde o século xvi, as potências
protestantes não deixaram por isso de utilizar esses escritos como
propaganda.[281] A conjuntura internacional de séculos de conflito contra a
Espanha implicou que a grande narrativa da Lenda Negra iria ter a sua
apoteose durante o Iluminismo, no século xviii, quando a cultura hispânica
adquiriu a reputação de ser naturalmente atrasada, supersticiosa e
preguiçosa.[282] A Lenda Negra iria depois sobreviver na era pós-colonial.
Na realidade, os efeitos negativos associados à religião católica não
ocorreram por questões culturais. Ou seja, não tiveram uma raiz
verdadeiramente religiosa. Pelo contrário, a natureza dos regimes políticos é
que importou.[283] Um exemplo simples, que irei desenvolver em maior
detalhe no próximo capítulo, ilustra isto. Na segunda metade do século
xviii, o Marquês de Pombal expulsou a Companhia de Jesus de Portugal –
um evento que teria consequências fundamentais para o futuro do país.
Pombal tinha motivações de ordem política para o fazer. E quem mandava
na Inquisição à época? Era um dos seus irmãos, que o próprio Pombal tinha
colocado nesse lugar depois de ter mandado prender o seu antecessor na
sequência de desavenças políticas (Figura 13). Foi sob a jurisdição do irmão
de Pombal que o padre jesuíta Gabriel Malagrida, que tinha criticado o
governo e a Corte, foi condenado à morte por heresia, e que foi feita a
expulsão da Companhia de Jesus de Portugal – entre outras ações que
beneficiavam os interesses do ministro de D. José.[284] Ou seja, o que
superficialmente pode parecer perseguição religiosa era, na verdade, uma
instrumentalização dos recursos e prerrogativas da Inquisição pelo poder
político.

Figura 13. Paulo António de Carvalho e Mendonça (1702-1770),


inquisidor-geral e irmão do Marquês de Pombal.

As origens políticas do atraso científico e educativo português

Voltemos à questão do atraso científico. Aqui tomemos como exemplo o


que aconteceu à Universidade de Évora: fechada devido à expulsão dos
jesuítas, só voltaria a abrir em finais do século xx, mais de 200 anos depois.
Enquanto funcionou, sob a tutela dos jesuítas, não ensinou apenas teologia.
Desde o século xvii dedicava-se também à divulgação de noções científicas
potencialmente úteis para o desenvolvimento do país. Por exemplo, a
Figura 14 mostra um painel de azulejos utilizado para o ensino e construído
na década de 40 do século xviii.[285] A figura ilustra o vácuo, fazendo parte
de uma coleção mais vasta, que ainda hoje pode ser visitada, e que inclui o
magnetismo e outras noções de Física. Com a expulsão da Companhia de
Jesus, estas salas foram transformadas em estábulos. No capítulo seguinte
também irei tratar da destruição da rede escolar dos jesuítas (a única
relevante que existia) por Pombal, sem ter sido substituída por qualquer
alternativa comparável em escala. Como deveria ser evidente para qualquer
pessoa, estas tragédias não tiveram uma origem cultural ou religiosa.
Tiveram uma causa política.

Figura 14. Exemplo de azulejos da Universidade de Évora, construídos na


primeira metade do século xviii e utilizados para o ensino de disciplinas
científicas. Esta sala pode ainda hoje ser visitada.

Outro exemplo que pode ser dado é o caso, trágico, de Bento de Moura
Portugal (1702-66). Cientista português, apoiante precoce da ciência
newtoniana em Portugal, e membro da Royal Society of London, Bento de
Moura Portugal inventou uma máquina a vapor. Mas foi perseguido e preso
por Pombal por motivos estritamente políticos.[286] Foi acusado de fazer
críticas aos governantes, sendo contrário às políticas de Pombal e do rei D.
José, bem como de ter conversas com o Padre Malagrida, manifestando
simpatia por ele; e também de apoiar os Távora. O atentado ao rei, atribuído
a estes últimos, ocorreu em 3 de setembro de 1758, e a 13 janeiro de 1759
chegou a Pombal uma denúncia anónima contra Bento de Moura Portugal,
de que resultou a sua prisão no forte da Junqueira a 9 de julho de 1760, de
onde não sairia com vida. Encerrado em condições terríveis, morreria a 27
de janeiro 1766. Rómulo de Carvalho chamou-lhe «uma das vítimas de
Pombal».[287]
Em resumo, pelo menos no século xviii, é evidente que os entraves ao
desenvolvimento e à liberdade em Portugal eram principalmente de
natureza política, e não tanto cultural ou religiosa.[288] As perseguições
religiosas e a própria Inquisição, de resto já bastante diminuída nesse
século, devem ser vistas em primeiro lugar como um instrumento do poder
político. Como tal, o problema profundo do país não era – e nunca tinha
sido em termos comparados – cultural ou religioso. Era, isso sim, um
problema de natureza institucional.[289] Ou seja, as instituições políticas –
sejam elas boas ou más (neste caso, más) – não resultam apenas do
ambiente cultural e social, uma vez que também acabam, elas próprias, por
condicionar o contexto aparentemente «cultural», e também por essa via os
resultados económicos das sociedades.[290] Voltarei a este tema no próximo
capítulo.

Para compreendermos o atraso precisamos de olhar para além das


explicações culturais

Portugal pode aparentar ter problemas culturais que são um entrave ao


seu desenvolvimento. É um país corporativista e com uma cultura não
particularmente amiga do mérito, da iniciativa individual, ou dos mercados.
Isto é verdade para o presente e poderá ter sido verdade para épocas do
passado. Mas a cultura não é imutável, já que reage ao contexto,
inclusivamente político, de cada era. Não existem provas que determinem
que tenha sido apenas o ambiente político a reagir à cultura: a influência
inversa também está presente, sendo, na minha ótica, até mais importante,
pelo menos a longo prazo.
Vejamos um exemplo relativo às últimas décadas. O escritor J. Rentes de
Carvalho, autor do livro Com os Holandeses, atribui aos portugueses
características culturais imutáveis que contrasta com a cultura holandesa.
[291]
O livro foi escrito nos anos 1970, com uma segunda edição em 1981, e
o autor partia do princípio que, até devido a essas variações culturais
supostamente fixas, a diferença entre os países ricos e pobres iria
aumentando ao longo do tempo. Ora, se isso já era falso à época, mais
assim se tornou desde então, não só relativamente ao nosso país, mas
também numa perspetiva mundial. Basta ter em conta que o período
decorrido desde essa segunda edição incluiu o processo de maior e mais
rápida saída de pessoas do estado de pobreza em toda a História,
nomeadamente com o arranque de desenvolvimento da China, a partir de
final dos anos 1970, e da Índia, a partir dos anos 1990. O mesmo autor
declarou numa entrevista que «somos um país de medricas, de gente
subserviente», e que as portuguesas têm «condição de fêmea», sendo
«inseguras, fracas, submissas e obedientes».[292] Talvez fosse assim quando
o autor saiu do país há quase sete décadas. Talvez. Mas hoje certamente não
é, o que mostra que a cultura não é imutável.[293]
No que toca ao nosso presente, mais direi no Capítulo 10. Mas, tal como
para o passado, irei argumentar que o aparente problema cultural é apenas
um sintoma de problemas mais profundos. Neste capítulo, fui breve na
minha abordagem a questões que são, sem dúvida, complexas e
multicausais. Seria possível escrever muito mais sobre esta matéria, mas
isso desviaria a atenção do essencial que aqui pretendo abordar. Por isso, tal
como no resto do livro, procurei ser sucinto ao apresentar a minha tese: não
foi a cultura portuguesa um impedimento fundamental ao desenvolvimento
de Portugal, que, de resto, se viria a desenvolver com toda a pujança
durante o século xx quando ainda era um país profundamente católico.
Como tal, temos de olhar para outras causas, nomeadamente as políticas e
institucionais. Tal como aconteceu com a cultura portuguesa, as instituições
políticas também não foram estáticas. Pelo contrário, mudaram ao longo do
tempo, como vimos no Capítulo 2. Logo, a sua evolução tem de ter uma
explicação – e em particular, é importante compreendermos em detalhe as
causas dos momentos em que existiu um retrocesso institucional. É isso que
farei no capítulo seguinte.

[246] Aproveito para notar que Causas da Decadência dos Povos Peninsulares inclui várias
outras afirmações que se sabe hoje serem erros históricos, incluindo uma referência à suposta Escola
de Sagres do Infante D. Henrique, de onde teria saído Bartolomeu Dias (p. 43); números
completamente errados sobre a evolução da população portuguesa ao longo dos séculos, por forma a
encaixarem na narrativa a ser apresentada, como vimos no Capítulo 1 (p. 83); e informações erradas
sobre a balança de pagamentos (p. 84). Veja-se QUENTAL (2008).

[247] WEBER (2002). A edição original é de 1905. Noto que não tenho qualquer declaração de
interesses a fazer: dificilmente os meus argumentos neste capítulo podem ser vistos como uma defesa
ideológica da religião católica, pois sou ateu.

[248] Por exemplo, BECKER et al. (2016).


[249] Variações dos meus argumentos aparecem em CHAROTTI et al. (2022); e também
KEDROSKY e PALMA (2024).

[250] PALMA e RODRIGUES (2023).

[251] PALMA e REIS (2019); e, sobre a acumulação de capital humano (literacia e numeracia),
ver STOLZ et al. (2013), pp. 562-564; e, ainda, LISBOA (2011), pp. 341-342.

[252] BROADBERRY et al. (2015). Note-se ainda que a natureza de muitas das alterações
constitucionais ocorridas no século xvii em Inglaterra não se relacionaram com a religião protestante,
mas antes com outras questões de natureza política. Veja-se PINCUS (2009).

[253] Deve ser reconhecido que as bases de dados a que me refiro são por vezes ambíguas
relativamente à diferença entre, por um lado, não existirem dados disponíveis (porque o trabalho
sobre Portugal não foi feito, logo não existem «observações») e, por outro lado, o número de livros
ser efetivamente assumido como zero – mas o resultado prático para a investigação que resulta dessas
bases de dados acaba por ser parecido. Outra fonte de ambiguidade é a diferença entre produção e
consumo de livros, já que, por exemplo, os Países Baixos produziam muitos livros que depois eram
exportados, o que inflaciona o seu valor dessa medida em estudos em que é utilizada como
aproximação para o seu nível de capital humano, como já tem sido feito em artigos que não vale a
pena aqui referir. Sobre as bases de dados a que me refiro, veja-se CLIO INFRA (s.d.), «Book titles
per capita», e também CENTER FOR GLOBAL ECONOMIC HISTORY (s.d.).

[254] No caso da Prússia, que foi estudado em detalhe, as únicas diferenças visíveis em finais do
século xix eram entre alemães e polacos, e não entre alemães protestantes e católicos. Os polacos
eram efetivamente mais pobres, e poupavam menos, mas por sofrerem discriminações sociais e
políticas, sendo de resto o próprio Max Weber um nacionalista alemão enviesado contra os interesses
das populações polacas. Veja-se KERSTING et al. (2020).

[255] BROADBERRY et al. (2015).

[256] BLANC (2023).

[257] O argumento que faço neste capítulo é simplesmente um argumento comparado. Não
considero os efeitos que as religiões tiveram para o desenvolvimento económico das sociedades ao
longo do tempo, uma questão que é muito complexa e que não pretendo abordar aqui. Insisto é que
não há suporte empírico a favor da superioridade do protestantismo em si (isto é, separado do seu
contexto político) para o desenvolvimento económico.

[258] Para dar um exemplo mais contemporâneo, note-se que a Europa do Leste começou a
convergir apenas quando mudou as instituições políticas no final da Guerra Fria, nos anos 1990:
antes disso, os elevados níveis de escolaridade e de capital humano não ajudavam a Europa de Leste
a convergir.

[259] CHANEY (2016); CHANEY (2019); KURAN (2012); PAMUK (2004).

[260] Ainda que nalguns casos tenham a sua origem na Índia ou na China.
[261] SARAIVA (1985). Obra originalmente publicada em 1969.

[262] ROMEIRAS (2020b); e, também, ROMEIRAS (2020a).

[263] MARCUS (2020).

[264] A Espanha viria a expulsar os mouriscos em inícios do século xvii.

[265] BECKER e Pascali (2019).

[266] NUTTALL (1971); BETHENCOURT (1996), p. 275.

[267] A Inquisição seria abolida só em 1821, já esvaziada de poder efetivo. Estas mortes
resultaram, portanto, de uma percentagem reduzida do universo de mais de 45 mil processos
sentenciados pela Inquisição portuguesa ao longo de cerca de três séculos. Veja-se BETHENCOURT
(1996), p. 275; MARCOCCI e PAIVA (2016), p. 12. Note-se de passagem que as execuções em si
não eram feitas pela Inquisição, mas sim pelas autoridades civis.

[268] Esta foi elaborada pouco depois do Terror, e viria a ser publicada em 1911. PICARD
(1911).

[269] Até 27 de Julho. A morte de Robespierre, guilhotinado a 28 de julho, seria a n.º 2680.

[270] Segundo outra fonte, os números são parecidos: nos 49 dias anteriores à queda de
Robespierre, em finais de julho de 1794, foram mortas por motivações políticas 1376 pessoas (uma
média de 28 por dia apenas em Paris). RÉVILLE (1911), p. 224.

[271] Estes números de assassinados dizem respeito apenas a Paris, e existiam mais tribunais
deste género noutras partes de França.

[272] BLANNING, T. (2007), p. 81.

[273] Turing suicidou-se dois anos depois, e apenas seria perdoado pelo seu «crime» a título
póstumo em 2013. A decisão de perdoar formalmente todos os que tinham sido condenados por
«gross indecency» apenas aconteceu ainda mais recentemente; veja-se SKY NEWS (2016).

[274] ROMEIRAS (2020a, 2020b); MARCOCCI e PAIVA (2016).

[275] MÓNICA (2020), p. 94.

[276] Sobre o caso de Galileu Galilei, veja-se FINOCCHIARO (2019). Para uma visão mais
geral da Inquisição, ainda que com um foco em Itália, ver MARCUS, H. (2020).

[277] BALDINI (2001); BALDINI e LEEN (2009).

[278] MARCUS (2020).

[279] CROSBY (2003); DIAMOND (1998).


[280] QUENTAL (2008), pp. 89-90.

[281] ELLIOTT (2009), pp. 27-28, 167-168.

[282] ELLIOTT (2006), p. 404.

[283] Que assim era foi apontado várias vezes por visitantes estrangeiros. Veja-se MÓNICA
(2020), p. 41.

[284] Sobre este irmão de Sebastião Carvalho e Melo, ver ROMEIRAS (2019a), pp. 172-190.

[285] VAZ (2000).

[286] Bento de Moura Portugal já tinha tido um episódio com o Santo Ofício na década de 1740,
estava Carvalho e Melo na Áustria, mas isto não esteve relacionado com a sua perseguição,
condenação, prisão (e morte no calabouço) ordenadas a partir de 1759 por Pombal. Sobre a situação
difícil dos estrangeirados em Portugal no século xviii, veja-se CARNEIRO et al. (2000).

[287] CARVALHO (1993/94).

[288] Outros exemplos sobre esta matéria encontram-se em FRANCO (2006), nomeadamente a
partir da p. 573.

[289] Sobre a direção de influência que corre das instituições políticas para a cultura, veja-se
ACEMOGLU e ROBINSON (2021); e ACEMOGLU e ROBINSON (2022).

[290] ACEMOGLU e ROBINSON (2021); ACEMOGLU e ROBINSON (2022).

[291] CARVALHO (2011a).

[292] CARVALHO (2016).

[293] Portugal é na atualidade até um país em que há muita gente com opinião sobre quase tudo,
mesmo estando mal informada, e absolutamente convencida de que tem razão. É evidente que este
problema não é exclusivo de Portugal, sendo, pelo menos em parte, uma consequência da interação
da democracia com a sociedade da informação e das redes sociais. Assim sendo, corrobora o meu
ponto: a «cultura» portuguesa alterou-se, revelando não ser igual ao longo do tempo (o mesmo
aconteceu com a muito menor religiosidade do país em relação ao que era há algumas décadas). Em
suma, dificilmente Portugal pode ser considerado um país de medricas e subservientes na atualidade,
como afirma Rentes de Carvalho.
6.
A maldição dourada

[Em Inglaterra] como as fraudes são feitas por homens


parlamentares
(…) não pode o governo impedir facilmente tão estranhas
desordens.
Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal).
[294]

Há muito que alguns historiadores, outros estudiosos, e até políticos,


tentam explicar as causas do atraso português. «País periférico, com
demasiada gente no campo, e governado por uma elite tacanha» é uma
possível paráfrase da tese desta geração de intelectuais sobre as causas do
atraso. Um deles foi Vitorino Magalhães Godinho no livro Estrutura da
Antiga Sociedade Portuguesa.[295] Um momento de reflexão é o suficiente
para compreendermos que estas não podem ser as explicações profundas
das causas do atraso. A qualidade das instituições políticas e as elites de
diferentes regiões e épocas históricas influenciam o atraso, mas também são
algo que tem de ser explicado em si: não é satisfatório tomarmos a
qualidade das instituições como um dado adquirido. E o mesmo é verdade
relativamente à estrutura organizacional da economia. Todos os países
foram sociedades agrárias, ou seja, baseadas na produção e manutenção de
culturas e terras de cultivo, antes de se desenvolverem. A Inglaterra também
o era até à Revolução Industrial. Portugal também, até tudo mudar no
século xx. Com o tempo tudo pode mudar, e a mudança estrutural, ou seja,
a passagem das populações da agricultura e pescas para outros setores que
historicamente tinham mais valor acrescentado (a indústria e os serviços)
tem de ser explicada. Como tal, a estrutura organizacional da economia –
«demasiada gente no campo» – que levaria à baixa produtividade do país
não pode ser por si uma explicação. É antes e apenas um mecanismo
através do qual causas mais profundas operam. Na linguagem dos
economistas, é um fator endógeno. Finalmente, consideremos a localização
geográfica do país: Portugal é periférico. Parece ser verdade, mas
relativamente a quê? Na verdade, toda a Europa Ocidental foi periférica
relativamente aos grandes centros culturais e económicos do mundo, pelo
menos até finais da Idade Média. Esses correspondiam a regiões como o
Império Bizantino na Antiguidade Tardia, o mundo islâmico na sua época
de ouro entre os séculos viii e xiii, bem como a China por volta da mesma
altura. Ou seja, toda a Europa Ocidental foi, até finais da Idade Média, uma
parte marginal do mundo, de importância relativamente secundária. Mas
essa condição «periférica» não foi destino: tudo viria a mudar, através de
um processo radical no qual Portugal até teve um papel importante, como
expliquei no Capítulo 4. Do mesmo modo, a periferia geográfica de
Portugal não foi, em certas épocas históricas, impedimento ao
desenvolvimento do país.
Temos, portanto, de encontrar melhores explicações para o atraso
histórico português. Nos capítulos anteriores, mostrei que, pelo menos até
ao século xviii, o império não foi nem um motor nem um impedimento ao
crescimento do país. Também argumentei que a cultura e religião
portuguesas não foram as culpadas deste atraso – ou, pelo menos, não
foram a sua causa profunda. Como apresentei na primeira parte do livro
(capítulos 2 e 3), o atraso apareceu durante o século xviii, tento tido
manifestações simultaneamente económicas e políticas, e aprofundou-se
depois no xix. Neste capítulo, explico uma causa fundamental do atraso.
Começo por aprofundar a discussão sobre a transformação do sistema
político português entre a segunda metade do século xvii e o início do
seguinte. Mostro que, a partir da Restauração de 1640, Portugal entrou num
encorajador processo de melhorias políticas e institucionais que poderia ter
tido melhor continuação. Depois irei argumentar que, durante a segunda
metade do século xvii, se assistiu a mudanças económicas positivas e
promissoras. Em finais desse século, existiam em Portugal várias regiões
rurais industrializadas, com redes bem integradas de produção e
distribuição, e Lisboa era uma capital mercantil, que estimulava a procura
de bens e onde era feito o retalho. Além disso, existia o Brasil, que era uma
fonte adicional de procura, assim como de oferta de matérias-primas. Por
volta de 1680, Portugal até exportava têxteis para Castela. Caso a dinâmica
dos finais do século xvii tivesse continuado, o país poderia ter-se tornado,
no século seguinte, numa importante potência mercantil e exportadora.
Além disso, as melhorias institucionais poder-se-iam ter também
consolidado. Mas o que veio a acontecer não podia ter sido mais diferente.
Tanto a nível político como mais diretamente económico, as dinâmicas
auspiciosas dos finais do século xvii foram interrompidas pelo processo que
designo de Maldição dos Recursos: a descoberta de enormes quantidades de
ouro (e, com menos importância, de diamantes) no Brasil. Este
acontecimento viria a ter implicações profundas para o país.
Não há dúvida de que a entrada de ouro aumentava os rendimentos das
pessoas, em particular no curto prazo. O ouro do Brasil enriqueceu, em
primeiro lugar, os portugueses que o obtinham e que remetiam os fundos
para Portugal, ou que, estando no Brasil, os usavam localmente, em
particular comprando os bens que chegavam nas três frotas anuais vindas da
metrópole. A maior parte do ouro já chegava a Portugal cunhado e as
moedas eram entregues a mais de duas mil pessoas a quem pertenciam,
além do rei.[296] Os rendimentos pessoais, agora aumentados, eram depois
gastos tanto em bens domésticos, não transacionáveis, como em bens
importados. O aumento da procura dos bens importados não tinha um efeito
notório no seu preço, dado o tamanho pequeno do nosso país já à época,
enquanto a procura adicional dos bens domésticos teve, de facto, um efeito
significativo no aumento do preço dos mesmos. Por sua vez, esta mudança
de preços relativos levou a uma retirada de recursos do setor transacionável
da economia portuguesa. Foi o que aconteceu com a produção industrial,
que retraiu. Isto foi uma resposta natural da economia às chegadas do ouro,
agravada pelo aumento do poder de compra das pessoas. Tornou-se mais
barato importar, e mais caro exportar, mas a diferença entre o valor das
exportações e o das importações era paga em ouro. Como tal, a indústria
portuguesa entrou em declínio. Além disso, o ouro teve um efeito político
desastroso: os recursos adicionais disponíveis para a Coroa implicaram o
desaparecimento de uma limitação importante ao poder executivo que até aí
existia. Nomeadamente, como deixou de ser necessário ao rei negociar para
obter recursos, as Cortes não foram convocadas durante todo o século xviii.
Nas primeiras décadas do século ainda se falou dessa assembleia a
propósito de matérias como os novos impostos que a Coroa ia impondo,
pois existia a memória de que eram um órgão que controlava a ação do
monarca. À medida que o século avançou, no entanto, o ambiente político
que se instalou começou a encarar a reunião das Cortes como uma cedência
por parte dos monarcas que não era aceitável, recusando a esse órgão
qualquer papel de controle constitucional ou de limitação da vontade da
Coroa.[297] Seria neste contexto que, na sequência do Terramoto de 1755,
Pombal se iria tornar no político mais importante do país, com graves
consequências a prazo.

Portugal seguiu o caminho da Espanha, afastando-se de uma trajetória


de desenvolvimento

A História económica e política de Portugal, no século xviii, tem


paralelos interessantes com a de Espanha nos séculos anteriores. Esta
comparação é pertinente porque ajuda a compreender melhor o que se
passou em ambos os países – e também nas partes da Europa que tiveram
mais sucesso, como a Inglaterra e os Países Baixos.[298] Para Espanha e
Portugal, a descoberta de enormes quantidades de metais preciosos, nos
seus respetivos impérios no continente americano, teve profundas
implicações negativas a prazo, tanto económicas como políticas. E as
políticas, por sua vez, afetaram negativamente a economia. Como mostrei
no Capítulo 2, por volta de 1500 a qualidade das instituições políticas
portuguesas ou espanholas não era inferior às de Inglaterra. Pelo contrário,
as Cortes de Castela e Portugal respondiam a interesses de municípios
autónomos, em contraste com a Câmara dos Comuns inglesa, dominada
pela Aristocracia rural dos condados. As consequências desta e de outras
características podem observar-se nos resultados: em inícios do século xvi
as Coroas ibéricas tinham de partilhar o seu poder com as Cortes, que
exerciam limites ao poder executivo daquelas e respeitavam mais
sistematicamente os direitos de propriedade do que acontecia em Inglaterra.
Eram, até por isso, capazes de obter empréstimos em maturidades longas,
pagas a taxas de juro mais baixas do que acontecia em Inglaterra. Tudo viria
a mudar com a chegada de grandes quantidades de prata para a Espanha, a
partir das primeiras décadas do século xvi e, mais tarde, de ouro do Brasil
para Portugal, a partir de finais do século xvii. Estas chegadas de prata e
ouro à Europa esmagaram as quantidades que aí haviam existido em 1500.
[299]

Em Espanha, a chegada de grandes quantidades de metais preciosos


(prata, em especial), a partir das primeiras décadas do século xvi, sem que
as instituições políticas estivessem preparadas para tal, havia provocado a
destruição de uma pujante indústria têxtil que existia em finais da Idade
Média, nomeadamente na região de Burgos, mas já quase desaparecida um
século depois. A súbita «riqueza» conduziu paradoxalmente à ruína do país.
Existiu um aumento explosivo do consumo, tornando muito mais fácil
importar produtos do estrangeiro e muito mais difícil exportar, o que
contribuiu para o desaparecimento de importantes setores nacionais
transacionáveis, tradicionalmente exportadores. Ao mesmo tempo, foi o
setor rentista que se expandiu, associado a pessoas ligadas à Coroa e ao
Clero que procuravam frequentemente obter títulos, prebendas, e
privilégios, criando uma poderosa teia de interesses que perdurou durante
séculos, mesmo depois de a prata acabar.[300] E, tal como iria acontecer mais
tarde em Portugal, as Cortes deixaram de se reunir, permitindo que
alastrasse a corrupção e a captura do Estado por interesses particulares,
dada a ausência de instâncias de controlo e escrutínio.
O momento em que ocorreram as chegadas de grandes quantidades de
metais preciosos a Espanha, diferente relativamente a Portugal, levou a
resultados que se tornaram visíveis anteriormente, tanto a nível económico
como político. A Figura 15 mostra o PIB por pessoa, já corrigido dos
diferentes preços ao longo do tempo e entre países, para Inglaterra,
Espanha, e Portugal, entre 1500 e 1850.[301] Deve avisar-se o leitor de que
existe alguma incerteza sobre os níveis exatos dos PIB em cada ano, mas
não tanta sobre o mais importante neste gráfico: as tendências ao longo do
tempo. Como podemos ver na figura, a Espanha teve uma dinâmica de
declínio que se iniciou ainda no século xvi. Por contraste, a divergência
definitiva de Portugal, relativamente a Inglaterra, só aconteceu mais tarde,
já no século xviii, agravando-se em termos relativos no século seguinte. A
economia portuguesa estagnou na segunda metade de Setecentos. Entrou
em declínio acelerado nas últimas décadas desse século, revertendo ao nível
próximo do que existia no início do século xvi e convergindo com o nível
da Espanha, que, entretanto, tinha tido um crescimento negativo ou
medíocre desde finais desse século.

Figura 15. Rendimento por pessoa em Inglaterra, Espanha e Portugal,


1500-1850.

É notável que o momento da decadência da economia portuguesa não se


coaduna com muitas das supostas explicações que é tão frequente
ouvirmos: de facto, revela-se como tendo surgido tarde demais
relativamente ao Terramoto de 1755, enquanto é anterior, em décadas, às
Invasões Francesas, que chegaram numa altura em que a economia já estava
em claro declínio. A descida acentuada da economia é também anterior à
abertura dos portos no Brasil ao comércio com potências estrangeiras
(nomeadamente a Inglaterra) em 1808-1810, à perda do Brasil em 1822,
bem como às revoluções e guerras civis da primeira metade do século xix.
[302]

Para compreendermos melhor o que se passou em Espanha nos séculos


xvi e xvii, e em Portugal a seguir, realizemos um exercício contrafactual e
imaginemos uma Venezuela sem petróleo.[303] Sem o ouro negro, é difícil
conceber que o país tivesse hoje uma economia mais estagnada ou piores
instituições políticas. É tentador atribuir o mau estado da Venezuela ao seu
socialismo radical. As políticas económicas aí aplicadas são destruidoras de
crescimento e estão associadas a uma ditadura que não larga o poder em
benefício próprio. Mas as instituições e políticas não são explicações
satisfatórias, já que se pode sempre perguntar porque seguiu a Venezuela
esse caminho. Pode-se afirmar que, no cenário contrafactual, sem jazidas de
petróleo, não o faria. Existe muito suporte empírico a favor do facto de os
países ricos em recursos naturais – especialmente quando concentrados e de
alto valor, relativamente ao seu peso físico, como é o caso dos depósitos do
petróleo – atravessarem uma primeira fase de algumas décadas de
prosperidade associada à abundância de meios de pagamento, para mais
tarde, no longo prazo, acabarem por enfrentar problemas económicos e
políticos.[304] A estes mecanismos chama-se a Maldição dos Recursos.[305]
A dimensão económica da Maldição dos Recursos implica a apreciação
dos preços dos bens não transacionáveis em relação aos transacionáveis, o
que leva a um processo de desindustrialização e ao aparecimento de cidades
consumidoras, ou seja, a uma economia orientada para o consumo e não
para a produção.[306] À medida que os meios de pagamento entram na
economia, gera-se inflação, nomeadamente dos preços dos produtos
nacionais ou dos serviços, cujos preços não são definidos a nível
internacional. A inflação leva a uma apreciação da taxa de câmbio e a uma
perda de competitividade da indústria nacional, juntamente com uma
reorientação dos recursos produtivos para os setores não transacionáveis.
Em Espanha, a partir do século xvi, isto manifestou-se através do
crescimento de uma elite rentista, ligada à terra, e por vezes de natureza
religiosa, e o mesmo veio a acontecer em Portugal no século xviii –
havendo por isso, também aqui, um canal político devido ao aparecimento
de grupos de pressão (lóbis), associados a este fenómeno, que, por esta via,
teve também implicações políticas.[307]
O outro mecanismo da Maldição dos Recursos é mais diretamente
político. Apesar da maior parte da prata espanhola – e, no século xviii, do
ouro português vindo de Minas Gerais e de outras regiões do Brasil –
pertencerem a privados, cerca de um quinto era pago à Coroa. Outra parcela
importante também acabava por entrar nos cofres do Tesouro por via do
crescimento da base fiscal.[308] Por esta razão, as Coroas ibéricas não
precisavam de negociar com as Cortes novos impostos ou novas tarifas,
entre outras matérias. A entrada no país de recursos adicionais em
abundância, sem grandes contrapartidas, contribuiu para remover uma
importante restrição ou constrangimento à ação do executivo e atrasou o
desenvolvimento da capacidade tributária do Estado, nos moldes em que
ocorreu por esta altura noutros países da Europa.[309] Logo, diminuíram os
freios e contrapesos (checks and balances) institucionais, incentivando uma
má tomada de decisões políticas.[310]
Os problemas económicos e políticos que a Maldição dos Recursos,
lançada pela prata americana, infligiu em Espanha tiveram consequências
para Portugal. Com efeito, desde logo, a Espanha tornou-se uma potência
mais poderosa do que teria sido de outra forma durante o século xvi.[311] A
sua influência política sobre Portugal aumentou e até acabou por o invadir
com sucesso (ao contrário do que tinha acontecido em 1385), levando à
união das Coroas em 1580. Duas décadas antes, o governo de D. Catarina
de Áustria, regente desde a morte do seu marido (D. João III), invocou que
o juro de 10% contratado num empréstimo concedido pelos banqueiros
genoveses era imoral, ordenando através de um alvará régio que o juro
fosse incorporado no principal que seria pago em prestações de 5% nas
duas décadas seguintes.[312] Tratava-se, portanto, de uma conversão
unilateral (forçada) do empréstimo. Não temos certezas sobre a motivação
desta bancarrota – um incumprimento (default) parcial – mas é razoável
apontar que tenha sido animada pela constatação de que a bancarrota de
Filipe II em 1557, na Espanha, não tinha tido aí grande efeito, pelo menos
imediato, tendo-se saldado por uma amena renegociação com os credores.
[313]

Em 1562, apenas dois anos depois da bancarrota, as Cortes aconselharam


o governo do rei – agora já D. Sebastião – a reduzir as taxas de juro pagas
pelo Estado, levando à conversão dos títulos de 8% para 6,5% no ano
seguinte.[314] As Cortes desse ano produziram recomendações sobre
reformas da administração central, da casa real, e dos principais tribunais, e
os procuradores declararam que só concederiam novos impostos depois do
rei ter respondido às suas petições.[315] Ou seja, nessa altura as Cortes ainda
tinham bastante força em Portugal.[316]
Durante a União Dinástica (1580-1640), Portugal sofreu um processo de
decadência política e económica. As Cortes foram perdendo gradualmente
poder e a união transformava o país num instrumento dos interesses e
prioridades da Espanha, em particular de Castela. Mas o golpe de Estado de
1 de Dezembro de 1640 – conhecido como a Restauração da Independência
–, que colocou D. João IV no trono e deu início à dinastia de Bragança,
acabou por levar a reformas profundas. Como é evidente, do ponto de vista
dos Habsburgos em Espanha, a revolta era ilegítima. Eles eram reis de
Castela, Aragão, Navarra, e de Portugal, entre outras unidades políticas, que
incluíam partes da atual Itália, Bélgica e Países Baixos – e, como é óbvio,
também tinham um império na América. Portugal era apenas mais um
território sob o seu domínio que, como os outros, mantinha a sua
«independência», na medida em que conservava instituições próprias. A
estrutura administrativa do país e do império manteve-se sempre separada.
Porém, não havia independência de política externa, e, ao longo dos 60 anos
que durou a União Dinástica, surgiu uma crescente insatisfação em Portugal
com o aumento da carga fiscal e com a paulatina infiltração de espanhóis no
aparelho administrativo português, entre outros fatores. A qualidade das
instituições políticas deteriorou-se durante a União.[317] Além disso,
Portugal foi arrastado para as prioridades geoestratégicas dos Habsburgos,
levando a desastres como a tentativa falhada de invasão da Inglaterra em
1588: a «Armada Invencível» partiu de Lisboa e parte dos navios eram
portugueses. Francis Drake atacou Lisboa no ano seguinte (já tinha atacado
Sagres em 1587). Portugal continuou a sofrer ataques ocasionais de piratas
ou corsários ingleses: o conde de Essex atacou Faro em 1596, ficando
destruída boa parte da cidade e sendo roubada, entre outras coisas, a
biblioteca do Bispo, que iria acabar onde ainda hoje se encontra – na
Biblioteca Bodleian da Universidade de Oxford.[318] O Forte de São
Lourenço do Bugio a meio das águas da foz do rio Tejo foi construído por
volta dessa época para melhorar o sistema defensivo da barra de Lisboa.
A obra Corte na Aldeia e Noites de Inverno, de Francisco Rodrigues
Lobo, publicada em 1619, refletia já um descontentamento crescente com o
desaparecimento da Corte nacional, e encorajava a mais importante casa
nobiliárquica nacional, a Casa de Bragança (na altura liderada por um tio do
futuro D. João IV), a restaurar a independência nacional.[319] Quando o
golpe de Estado de 1640 finalmente aconteceu, teve relevantes implicações
futuras. Ainda que a União Dinástica em 1580 tivesse sido legítima, e a
Corte de Lamego não passasse de uma invenção, parece-me correto chamar
Restauração da Independência ao que sucedeu. Com efeito, as promessas
dos Habsburgos relativamente às instituições portuguesas foram sendo cada
vez mais desrespeitadas. Se o império se mantinha administrativamente
separado, nada garantia que assim continuasse e tudo indicava que, a prazo,
o país poderia desaparecer como entidade, como de resto acabou por
acontecer com um reino outrora poderoso, o de Aragão. Além do crescente
descontentamento com questões fiscais e com o declínio económico e
militar de Espanha, aproveitou-se então em Portugal a distração dos
Habsburgos, na altura atentos a uma revolta de teor similar à portuguesa na
Catalunha, que tinha eclodido no ano anterior com apoio francês.[320] Foi
este o contexto imediato do 1.º de Dezembro, mas as implicações para o
nosso país, e para o império português, foram profundas.
Primeiro, havia uma guerra a ganhar, e a cabeça de D. João IV a
proteger, já que era visto como traidor pelos Habsburgos. Uma das
consequências desta conjuntura foi o surgimento de várias inovações ao
nível dos impostos, que eram necessários para pagar aos exércitos. Isto
aconteceu sobretudo com a introdução da décima: uma contribuição geral
sobre a propriedade e outras fontes de rendimento, que se manteve, com
modificações ao longo do tempo, até meados do século xix.[321] D. João IV
ficou numa posição muito delicada. Tinha de continuar a pagar aos credores
das dívidas contraídas pelos Habsburgos, de modo a garantir o seu apoio
político. Conseguiu tornar-se um aliado das Províncias Unidas na Europa,
mas continuou a lutar com os holandeses na América, onde ocupavam o
Pernambuco e ameaçavam expandir-se. Foram grandes desafios. Mas, como
tantas vezes acontece, com desafios aparecem oportunidades para reformas.
Para sobreviver, Portugal tinha de mudar. E mudou. As Cortes tinham-se
reunido apenas três vezes depois da morte do Cardeal D. Henrique, morte
que ocorreu durante as Cortes de Almeirim em 1580. Até 1640, existiram
apenas assembleias em Tomar em 1581, Lisboa em 1583, e outra vez
Lisboa, em 1619. Os motivos que justificaram estas reuniões de Cortes
foram apenas cerimoniais (jurar o rei ou os herdeiros), sem decisões
relevantes ou relacionadas com limites ao poder a serem tomadas.[322] Nos
anos anteriores à Restauração, circularam no país rumores de que as Cortes
iriam ser suprimidas, acabando o estatuto de reino de Portugal.[323] Em
meados de 1638, o Conde-duque de Olivares, o «valido» do rei, decidiu
mesmo dissolver o Conselho de Portugal, que se tinha oposto à sua política
fiscal para Portugal, pretendendo substitui-lo por um organismo luso-
castelhano controlado pela Coroa.[324] Quando na sequência destes
acontecimentos a Restauração aconteceu, em 1640, a última assembleia
tinha sido há mais de 20 anos, e apenas para jurar o herdeiro ao trono, o
futuro Filipe IV de Espanha (III de Portugal). A reunião anterior a essa tinha
acontecido 36 anos antes, em 1583, e também pelo mesmo motivo. Com a
Restauração, no entanto, as Cortes voltaram a reunir frequentemente
(Figura 16).[325] Este acontecimento teria pouca importância se só reunissem
para revolver a questão dinástica e aclamar a nova dinastia portuguesa. Mas
não foi assim. As Cortes foram convocadas poucos dias depois do 1.º de
Dezembro, e a partir dessa data voltaram a ganhar poder e relevância,
mantendo-se como fonte de limites ao poder executivo até finais do século,
ou seja, mesmo décadas depois do fim do conflito com a dinastia dos
Habsburgos.[326] Houve 14 anos com Cortes reunidas entre 1641 e 1698.[327]

Figura 16. Disposição das Cortes portuguesas de Lisboa em 1641.

A Espanha haveria de reconhecer os Bragança em 1668, altura em que as


fronteiras de Portugal voltaram a ser as que tinham sido, com exceção de
Ceuta, em Marrocos, assim como Ermesende e outras aldeias hoje galegas,
enquanto Olivença, no Alentejo, foi nesta altura devolvida. Mesmo depois
disto, ou seja, quando já não existia uma emergência ou perigo imediato
para a sobrevivência de Portugal como país independente, governado por
uma dinastia nacional, as Cortes portuguesas continuaram a reunir, e a
exercer limites ao poder executivo, como aconteceu através da imposição
de uma redução da décima, em 1674.[328] As assembleias chegaram nesta
época a ter a ambição de auditar, ainda que não de controlar diretamente, a
despesa feita pelo Estado com os montantes cobrados a título de décima.[329]
A Figura 17 mostra que, com a Restauração, as eleições voltaram a ser
disputadas: um dos procuradores de Beja para as Cortes de Lisboa de 1645
foi eleito por apenas uma diferença pequena de votos, como pode ser
verificado na contagem visível na imagem.[330] Este é apenas um exemplo a
ilustrar a reversão da decadência política e institucional de Portugal durante
o domínio da dinastia dos Habsburgos. Constitui um contrafactual plausível
afirmar que, na ausência da Restauração, a união das Coroas teria levado ao
declínio da economia e degradação continuada das instituições políticas
portuguesas com um timing próximo do de Espanha: gradualmente, a partir
de meados do século xvi e, de forma definitiva, por volta de 1630.[331] Esta
trajetória foi interrompida com o 1.º de Dezembro de 1640, que permitiu ao
país melhorar as suas instituições. Importa sublinhar a melhoria verificada
na segunda metade do século xvii porque ilumina o que viria depois a
acontecer no século seguinte. Ainda em 1697-1698 as Cortes discutiam
matérias fiscais, como tinham feito várias vezes nas décadas anteriores.[332]
Mas no século xvii nunca reuniram. Nas próximas secções deste capítulo
descrevo a descoberta e chegada do ouro do Brasil, focando-me depois nas
suas consequências económicas e políticas. Estas últimas, em particular,
viriam a ter implicações decisivas para o país.

Figura 17. Eleição dos procuradores de Beja para as Cortes de 1645.


A descoberta do ouro do Brasil

Desde os primórdios da ocupação do Brasil que os europeus procuraram


ouro no Sertão. Logo em 1531, partiu de São Vicente uma ambiciosa
expedição com este objetivo, mas nunca mais voltou, tendo provavelmente
sido massacrada pelos nativos.[333] O século e meio que se seguiu assistiu a
mais tentativas infrutíferas. O rei Filipe III de Espanha (Filipe II de
Portugal), em 1608, encorajado por rumores sobre a existência de valiosas
minas, tomou um conjunto de medidas para que a busca e exploração das
mesmas se efetivasse. Preocupado com a quebra da produtividade das
minas de prata do império espanhol em Potosí (então no Vice-Reinado do
Peru, agora na Bolívia), o rei retirou as três capitanias de São Vicente, Rio
de Janeiro, e Espírito Santo do governo geral da Bahia, e colocou-as sob a
autoridade de um único capitão-geral e Governador, Francisco de Sousa.
Inicialmente nomeado por um período de cinco anos, em março de 1608,
Francisco de Sousa viu os seus privilégios de mineração estendidos a todo o
Brasil.[334] Durante o século xvii, tinham estado bandeirantes em regiões
próximas daquela onde o ouro viria a ser descoberto, mas até à última
década desse século a busca do ouro revelou-se dececionante, sendo
encontradas apenas pequenas quantidades que foram, contudo, suficientes
para manter ativo o interesse de alguns pesquisadores e aventureiros.[335]
Tudo mudaria em 1694, quando grandes quantidades de ouro foram
descobertas na região a que hoje chamamos Minas Gerais.[336] Os
exploradores originais eram aventureiros em busca de escravos e prata, e,
durante algum tempo, procuraram manter segredo sobre a sua descoberta.
Mas as notícias começaram a chegar à costa do Brasil no ano seguinte e,
logo em 1697, a existência dos generosos depósitos de ouro era já do
conhecimento público, iniciando-se então um enorme movimento
migratório, proveniente tanto de outras partes do Brasil como de Portugal,
que invadiu a região.[337] O jesuíta italiano Giovanni Andreoni, conhecido
em português como André João Antonil, descreveu na sua obra Cultura e
Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas, publicada em 1711, como
homens e mulheres de várias idades e classes sociais viviam na região de
Minas Gerais em condições de grande conflitualidade relacionada com o
acesso ao ouro.[338] Mais depósitos de ouro acabaram por ser descobertos
em várias outras partes do Brasil e, em 1705, cerca de 50.000 garimpeiros e
os seus escravos já habitavam as vilas do ouro.[339] A corrida estava a
acontecer a uma velocidade e dimensão estonteantes, sendo as estimativas
de emigração média de Portugal entre 3000 e 10.000 por ano, travando o
crescimento populacional em Portugal durante a primeira metade do século
xviii, como pode ser revisto na Figura 2 do Capítulo 1.[340] Logo em 1701, o
administrador colonial, D. João de Lencastre, manifestou preocupação
relativamente ao risco de o ouro brasileiro não ir, a prazo, beneficiar
Portugal, tal como a prata americana não tinha beneficiado a Espanha, mas
antes países como a Inglaterra e a Holanda. Antonil e o Conselho
Ultramarino viriam a revelar semelhantes preocupações uma década depois.
[341]
Mas as cartas estavam lançadas.

As consequências económicas para Portugal das chegadas do ouro

O ouro era remetido para Portugal em grandes quantidades, vindo a


maior parte em moedas, ou seja, já cunhado em casas da moeda no Brasil. A
maior parte do que chegava pertencia a privados mas não escapava a
diversas cargas tributárias, sendo a mais conhecida o «quinto», cobrado
sobre a produção. A quantidade de ouro extraída foi extraordinária,
atingindo as 14 toneladas por ano em meados do século.[342] Ainda que os
governadores locais procurassem regular as exportações, foi inevitável que
o contrabando estivesse presente, especialmente antes de 1720. Mercadores
poderosos escondiam tesouros em numerosos barris, baús, e sacos de açúcar
da frota anual dirigida a Lisboa, corrompendo os potenciais informadores.
[343]
As melhores estimativas sugerem que a produção agregada de ouro no
Brasil terá atingido uma média de quatro toneladas por ano durante as duas
primeiras décadas do século xviii, antes de explodir para montantes
alucinantes: dez toneladas por ano na década de 1720, e 14 por ano durante
mais duas ou três décadas.[344] Mais de 80% deste total foi enviado para
Portugal.[345] Cada uma das três frotas anuais transportava, em média, três
biliões de reais, a maior parte dos quais já chegava amoedado a mais de
2300 privados.[346] Ao longo do tempo, grande parte destas moedas saíram
do país para financiar importações. As chegadas de ouro subiam os
rendimentos das pessoas que tinham a ele acesso, e, no curto prazo, terão
certamente contribuído para uma expansão económica do país, como pode
ser visto na série do PIB por pessoa, que sobe até meados de Setecentos,
atingindo aí o seu pico, só superado no século xx (Figura 7 do Capítulo 3).
Mais uma vez, tal como tinha acontecido na Espanha em Quinhentos, e tal
como aconteceu na Venezuela no século passado, os novos recursos
levaram a um efeito líquido positivo nas primeiras décadas, enquanto
lançavam as sementes dos problemas futuros.
O ouro do Brasil chegou a Portugal ao longo do século xviii, tendo
começado a tornar-se evidente logo na segunda metade do século os
problemas para as instituições políticas e para a industrialização do país.
Depois de duas décadas de estímulo económico, devido às receitas do ouro,
pelo menos em parte, a economia portuguesa começou por estagnar em
meados do século, para depois iniciar um declínio que foi tanto em termos
absolutos – ou seja, com os rendimentos por pessoa a cair – como em
termos relativos, ou seja, por comparação com o que estava a acontecer
noutros países. Note-se que, quando este declínio se verificou, o ouro ainda
era expedido do Brasil em quantidades muito significativas.
O ouro do Brasil teve efeitos negativos tanto para a economia como para
o sistema político do país. A deterioração institucional decorrente do fluxo
de ouro reforçou os efeitos negativos para a economia, especialmente a
prazo. Apesar de a divisão dos canais político e económico ser em parte
artificial, é útil considerá-los separadamente. Nos parágrafos seguintes, vou
concentrar-me primeiro no efeito que o ouro importado teve para a
economia propriamente dita, através de um canal de influência conhecido
na literatura científica como a «Doença Holandesa» (Dutch Disease).[347]
Este mecanismo ocorre quando a importação de recursos para um país
causa a subida dos preços dos bens não transacionáveis – aqueles que não
são trocados internacionalmente, como a terra, os serviços e outros bens que
não atravessam fronteiras – relativamente ao preço dos transacionáveis, que
sofrem de concorrência internacional. O preço destes últimos é determinado
internacionalmente para um país pequeno como Portugal. Assim, a variação
do preço relativo dos produtos transacionáveis leva a uma apreciação da
taxa de câmbio. Como a apreciação desta taxa conduz a tornar as
importações mais baratas, e as exportações mais caras, a indústria nacional
sofre com a perda de competitividade.
A avaliação desta teoria como explicação para a evolução da indústria
em Portugal requer vários passos. Em primeiro lugar, temos de partir do
conhecimento preciso sobre qual era o estado da economia, e em particular
da indústria, em finais do século xvii. Isso é relevante para depois
avaliarmos a sua evolução contrafactual – ou seja, se era plausível que a
indústria tivesse evoluído de uma forma diferente da observada, na ausência
das gigantescas remessas de ouro durante o século xviii. O ponto de partida
para esse cenário é a expansão da economia portuguesa na sequência do fim
das hostilidades, em 1668, com o país nosso vizinho. A economia assistiu a
um crescimento sustentado do rendimento por pessoa, apesar da população
também estar a aumentar: o PIB per capita aumentou de cerca de 900
dólares por pessoa, por volta de 1640-1660, para mais de 1200 dólares por
pessoa, no início da década de 1690 (medidos a preços constantes de 1990,
ou seja, já corrigindo para o efeito da inflação).[348] Este crescimento foi
acompanhado de uma transferência de mão de obra do setor agrícola para
outros de maior valor acrescentado. Entre 1650 e 1700, a percentagem de
pessoas a trabalhar no setor agrícola diminuiu de 64 para 59%, enquanto a
percentagem de pessoas a viver em zonas rurais, mas a trabalhar em setores
não agrícolas, aumentou de 24 para 29%.[349]
Como acontecia em toda a Europa, Portugal tinha uma indústria rural
tradicional que fiava e tecia o linho para ser transformado em vestuário. A
fiação e tecelagem do linho ocorria em praticamente todo o país,
nomeadamente no norte litoral, em Trás-os-Montes, na Beira, na
Estremadura, e no Alentejo.[350] Em Santarém, Coimbra, Moncorvo, e em
várias zonas do Entre-Douro-e-Minho, a transformação do linho
prosperava, com numerosas trabalhadoras do sexo feminino, em particular,
a contribuírem para o crescimento de Braga e Guimarães, como centros de
produção de linho desde o século xvi. No Minho, a alta densidade
populacional garantia uma oferta de trabalho elástica, a que se juntava a
tradição de tecelagem e fiação no contexto familiar. A procura era ainda
estimulada pelos estaleiros e fábricas de cordas, havendo também
exportação pelo porto de Vila do Conde. O cânhamo, procurado pela
indústria naval para a construção de redes e cabos, levou à criação de
«fábricas reais» em Santarém, Coimbra e Torre de Moncorvo. Já a seda
tinha sido produzida em Bragança desde o século xv por cristãos-novos,
descendentes de judeus exilados de Castela, e estabeleceu-se um pólo em
Lisboa em 1677 que tinha 50 teares em 1679.[351] Dois pequenos centros de
produção de têxteis de lã também existiam desde o século xv na Beira e no
Alentejo. Na Beira, a fiação e tecelagem tomavam lugar no campo, com a
Covilhã a servir de centro para a recolha, tingimento e acabamento do
produto. No Alentejo, existiam fábricas em Portalegre e no Redondo, que
organizavam redes de produção doméstica empregando cerca de um terço
da população rural. A agricultura pastoral e o trabalho-intensivo das duas
regiões dava oportunidades de rendimento adicional aos trabalhadores,
enquanto a produção local de lã e de azeite era combinada com custos
laborais baixos, resultando numa indústria com algum sucesso. A procura –
por parte da cidade de Lisboa, entre outras – de têxteis de linho, seda, e lã,
estimulava a produção local desde o século xvi. O deficiente sistema de
transportes não era uma barreira intransponível à ligação entre os mercados
urbanos e os centros de produção das manufaturas, principalmente
localizados em zonas rurais (ao contrário do que aconteceria em séculos
posteriores). O vinho era exportado e era competitivo internacionalmente.
[352]

O desenvolvimento industrial português das três últimas décadas do


século xvii não aconteceu por acaso, mas antes esteve relacionado com uma
política industrial baseada na substituição das importações e na maior
integração da economia de Portugal com as suas colónias.[353] Enquanto na
segunda metade dos séculos xix e xx o contexto internacional livre-
cambista combinado com o reduzido tamanho da economia nacional
implicavam que uma política protecionista dificilmente poderia ter sucesso,
o mesmo não é verdade para os séculos xvii ou xviii, até devido ao Brasil.
Não existem dúvidas de que a industrialização do país foi real, tendo tido
algum sucesso, ainda que numa escala incomparável à da segunda metade
do século xx. Por volta de 1680, a indústria portuguesa era capaz de
produzir o suficiente para cobrir as necessidades de procura do país e das
suas colónias, chegando mesmo a exportar têxteis para Castela.[354] Durante
os anos seguintes, o progresso da indústria continuou a avançar.[355] Esta
política tinha sido implementada através de uma sequência de leis
promulgadas entre 1672 e 1698, conhecidas como Leis Pragmáticas. Estas
eram baseadas nos escritos de indivíduos como Duarte Ribeiro de Macedo
que, influenciado pelo Colbertismo francês e por escritos de mercantilistas
ingleses, advogava a industrialização do país. O programa de
industrialização foi promovido em particular por D. Luís de Meneses, o 3.º
Conde da Ericeira (1632-1690), que foi Vedor da Fazenda – o equivalente
ao que poderíamos chamar, nos nossos dias, ministro da Economia e
Finanças – e que pode ser visto na Figura 18.[356]

Figura 18. Luís de Meneses, 3.º Conde da Ericeira.

Ericeira apoiou o golpe de 1667 que tinha retirado o poder a Afonso VI


para o dar a seu irmão, D. Pedro II, inicialmente como regente.[357] Por volta
de 1670, tornou-se num político central no país, promovendo o
investimento nas indústrias de lã, vidro, ferro, e gerando grandes unidades
produtivas, as «fábricas reais», para beneficiar de efeitos de escala que
aumentavam a produtividade laboral e diminuíam os custos produtivos. O
programa de Ericeira tinha-se iniciado pouco depois do fim das hostilidades
com a Espanha, em finais da década de 1660, e seria apenas abandonado
pouco depois de 1700.[358] No contexto de uma Europa mercantilista, em
que o comércio livre ainda não era possível, até por motivos geopolíticos, o
favorecimento político das indústrias, a partir da substituição das
importações e mesmo da transformação de bens exportáveis,
nomeadamente para o Brasil, fazia todo o sentido.[359] A industrialização
poderia, de resto, levar a efeitos indiretos relevantes para aumentar a
remuneração da acumulação de capital humano a prazo.[360] A
industrialização associada a Ericeira incluía um esforço de integração
vertical ao nível do retalho e estava localizada em muitas das regiões onde a
industrialização do país se efetivou de forma mais definitiva mais de dois
séculos depois.[361]
Em 1677, iniciou-se na Covilhã uma nova parceria público-privada para
produção de têxteis. Uma fábrica foi construída na margem de um riacho,
tecelões foram contratados, e vários técnicos estrangeiros foram trazidos
para partilharem o conhecimento específico que tinham sobre o processo
produtivo – o que de resto também aconteceu para a indústria de vidro e
cristais que estava igualmente a emergir desde finais da década de 1670.[362]
A fiação era feita em casa das famílias nas áreas rurais, enquanto as fábricas
se encarregavam da cardagem. Apenas três anos depois do início da
produção, existiam já 17 teares a serem operados por 23 tecelões cada,
empregando a fábrica 415 pessoas no total. O sucesso desta iniciativa levou
à sua expansão para uma vila próxima de Manteigas e a planos para nova
replicação em Estremoz.[363] Em 1680, os 17 teares já produziam uma
quantidade prodigiosa de tecido, equivalente a metade do consumo total do
país, enquanto a produtividade era de 5,7 metros por semana, superior à do
setor do linho (4,2 metros). As margens relativas ao preço de venda eram
altas: uma quantidade que podia ser vendida em Lisboa por 21 ou 22 mil
réis custava 15 mil a produzir nesta altura. E esse preço de venda em Lisboa
era competitivo em relação aos panos ingleses importados, que custavam 27
mil réis pela mesma quantidade, depois de pagos os custos de transporte e
os impostos.[364] Finalmente, lembremos que ainda na mesma década, se
encorajou politicamente o desenvolvimento da indústria da seda em
Portugal. Milhares de amoreiras foram plantadas em diferentes partes do
país, e fábricas de seda abriram em Lisboa e noutras regiões.[365] Também
aconteceram importantes avanços na indústria metalúrgica, em particular no
que toca à produção de pregos, indispensáveis para a construção. E a
integração vertical dessa indústria com a produção de ferro, a montante,
continuou a ser estimulada, mesmo depois da morte do Conde da Ericeira.
[366]

Além de uma política de substituição das importações, as décadas finais


do século xvii viram um grande investimento na melhoria da eficiência dos
processos produtivos, nomeadamente a nível industrial, com a construção
de novas fábricas em Covilhã, Manteigas, Estremoz, Vila Melo, Fundão, e
Lisboa – e com mais fábricas a serem planeadas, mas que não se chegaram
a construir, no Porto e em Portalegre.[367] Parece razoável sugerir que, sem a
Maldição dos Recursos causada pelo ouro brasileiro que se seguiu, estas
fábricas, e possivelmente várias outras mais, teriam sido construídas.
Portugal tinha a vantagem de ter acesso ao mercado do Brasil, que servia
tanto como mercado de procura para artigos manufaturados que para lá
eram exportados, como de fonte de matérias primas e produtos agrícolas,
importados em condições favoráveis para Portugal. Do Brasil também
vinham produtos tropicais que Portugal depois re-exportava, sendo o mais
importante nesta época o açúcar, que era produzido através de trabalho
escravo: quase 300.000 pessoas foram desembarcadas, vindas de África
(principalmente, mas não só, de Angola) entre 1676 e 1700.[368] O açúcar
perdeu importância relativa no Brasil durante o século xviii devido ao ouro
ter-se tornado a grande prioridade.
Em suma, nas décadas finais do século xvii existia em Portugal um setor
industrial que incluía importantes aglomerados de produção de têxteis,
sabão, ferro, vidro, e seda, entre outros.[369] O comércio português com a
sua colónia americana e com outros países, em parte graças ao Brasil,
estava em franco crescimento nessas décadas, ainda que, quando se
considera o século xvii como um todo, o comércio intercontinental não
fosse particularmente grande relativamente ao tamanho da economia, como
vimos no Capítulo 4. Mas a dependência do país face ao ouro, durante o
século seguinte, não lhe traria um bom destino.
Como a discussão anterior mostrou, até finais do século xvii existiu
vontade política em tornar Portugal uma potência mercantilista exportadora
– como viria a acontecer em Inglaterra, antes desse país se tornar livre
cambista, quando as condições militares e geoestratégicas já o permitiam e
quando já estava num processo acelerado de industrialização.[370] Deste
modo, em finais do século xvii, Portugal parecia ter já este processo muito
avançado, como notaram vários observadores internacionais, entre eles o
Embaixador da França.[371] Mas a industrialização do país iria ser
interrompida.
Durante a primeira metade do século xviii, a indústria portuguesa perdeu
a sua competitividade e entrou em dificuldades sérias.[372] A fonte destas
dificuldades tem sido debatida, com alguns a considerar que era relacionada
com a indisciplina dos trabalhadores, ou com as ações da Inquisição, e
ainda outros a afirmar que poderia ter estado de alguma forma relacionada
com a importação do ouro do Brasil.[373] Num trabalho em co-autoria com
Davis Kedrosky, mostro que o ouro do Brasil causou a desindustrialização
do país.[374] O nosso trabalho indica que, na ausência das chegadas a
Portugal desse ouro, o processo de industrialização teria continuado e o país
teria beneficiado da sua ligação privilegiada ao Brasil.[375] Infelizmente, não
foi isso que aconteceu. Com as chegadas continuadas e maciças do ouro, o
preço dos bens não transacionáveis, como a carne e os ovos, subiu
relativamente ao preço dos transacionáveis, como o trigo, o azeite e os
têxteis, de forma significativa, acompanhando o ciclo do ouro (Figura 19).
[376]
O esforço de fomento dos finais de Seiscentos foi abandonado e
Portugal desindustrializou-se. A estrutura produtiva atrasada do país
persistiu depois, durante todo o século xix e primeiras décadas do xx.[377]
Além disso, a partir do início de Setecentos também piorou a qualidade das
instituições políticas, com consequências muito negativas para a
acumulação de capital humano no país, inclusivamente a prazo, como irei
explicar nas secções seguintes deste capítulo. Foi por tudo isto que Portugal
apenas iria ser capaz de se industrializar a partir de meados do século xx,
numa época extraordinariamente tardia para padrões europeus.

Figura 19. Rácio do preço dos bens não transacionáveis relativamente aos
transacionáveis, e produção de ouro.
Durante o século xviii, Portugal importava sistematicamente bens de
valor superior aos que exportava, em particular de Inglaterra, pagando a
diferença em ouro.[378] Em troca do ouro português, a Inglaterra chegou a
enviar 18% das suas exportações manufaturadas para Portugal durante o
período 1741-1745, e mais de metade de certos produtos, nomeadamente
têxteis, durante grande parte de Setecentos.[379] O défice externo de Portugal
aumentou decisivamente na primeira metade do século, estabilizando por
volta dos 4 mil milhões de réis por ano, num período de inflação baixa, em
meados do século. À medida que as importações vindas de Inglaterra
subiam vertiginosamente entre inícios e meados do século xviii, as
exportações portuguesas caíam. A redução destas últimas é particularmente
significativa, já que a produção de vinho até aumentou em resultado do
Tratado de Methuen, de dezembro de 1703, que permitia acesso facilitado
ao mercado inglês. Mas os termos em que o Tratado foi negociado, na
sequência de pressão inglesa, foram eles próprios certamente consequência
das chegadas do ouro. D. Luís da Cunha, o embaixador de Portugal em
Londres, conhecido à época em Portugal como o «oráculo da política» por
ter pensamento a médio e longo prazo, foi afastado das negociações pela
Corte de Lisboa, dado ser partidário da política manufatureira do Conde de
Ericeira e contrário ao levantamento da Pragmática. D. Luís da Cunha
manteve-se nas décadas seguintes como opositor convicto ao Tratado de
Methuen, que considerava que estava a levar à falência numerosas fábricas
em Portugal que eram, nas suas palavras, «o remédio de inumeráveis
povos».[380]
Grande parte das enormes quantidades de têxteis que eram importadas
para Portugal de Inglaterra eram depois re-exportadas para o Brasil. Até
inícios do século xviii, todo o comércio com o Brasil tinha de acontecer
através de Portugal. O ouro vindo do Brasil, portanto, financiava o défice,
partindo regularmente em paquetes de Lisboa para Plymouth.[381] Durante
décadas, as exportações de ouro corresponderam a 70% do valor das
exportações portuguesas, distorcendo assim a balança de pagamentos. As
importações de ouro chegaram a valer cerca de 7% do PIB português – de
Portugal continental – em finais dos anos 1720 e meados dos anos 1740,
sendo que geralmente andaram por volta dos 5% até 1770.[382] Estas
percentagens correspondem, de resto, a ordens de magnitude, em média,
parecidas com as que se aplicaram em Espanha durante a Idade Moderna.
Os crescentes défices comerciais de Portugal com a Inglaterra podem ser
interpretados à luz do Tratado de Methuen de 1703, que estabelecia taxas
preferenciais (23%) para a importação de têxteis ingleses, em troca de uma
redução das tarifas alfandegárias que se aplicavam ao vinho português
ficarem um terço abaixo das que se aplicavam aos vinhos franceses.[383] O
Tratado encontrava correspondência com outro, de caráter secreto, que já
tinha existido em 1654 (embora não tivesse sido aplicado de forma efetiva),
também tendo um aspeto geopolítico e militar, relacionado com a
participação de Portugal na Guerra da Sucessão Espanhola e com a defesa
do império, nomeadamente o Brasil.[384] A assinatura do Tratado, em finais
de 1703, teria inegáveis implicações para Portugal. Dois terços das
exportações de vinho iam para o Reino Unido logo em inícios do século
xviii.[385] Mas o que deve ser enfatizado é que a sua assinatura foi ela
própria um resultado das chegadas de ouro que já estavam a acontecer e
que, era certo à época, iriam continuar durante muito tempo.[386] Décadas
depois, quando as remessas de ouro do Brasil começaram a abrandar, a
partir da década de 1770, o Tratado de Methuen ainda estava em vigor.[387]
Em conclusão, embora o Tratado de Methuen tenha contribuído para a
desindustrialização do país, foi apenas um mecanismo e não a sua causa
última.[388]

Figura 20. Percentagem da população a trabalhar fora da agricultura.


A desindustrialização e o processo de ruralização do país podem ser
vistas através da distribuição ocupacional da população portuguesa, que nos
dá a percentagem da população a trabalhar fora da agricultura, ou seja, nos
setores de maior valor acrescentado, como eram, na época, a indústria e os
serviços. As chegadas de ouro do Brasil implicaram que, ainda na primeira
metade do século xix, a percentagem de pessoas a trabalhar no setor
agrícola inicialmente caísse, sendo isso devido não ao crescimento da
indústria, mas à urbanização e crescimento dos serviços associados. Ou
seja, Portugal tornou-se um país de consumo (concentrado nos centros
urbanos, com destaque para a cidade de Lisboa).[389] A Figura 20 mostra a
evolução ao longo do tempo da percentagem de pessoas a trabalhar fora da
agricultura em Portugal, entre o século xv e inícios do século xx.[390] A
evolução que a figura mostra é dramática. Durante a segunda metade do
século xvii deu-se um aumento gradual da percentagem de pessoas a
trabalhar fora do setor agrícola, pelo menos em parte devido ao processo de
industrialização do país e planos de fomento. A tendência continuou durante
a primeira metade do século seguinte, ainda que já por motivos diferentes,
agora relacionados com a economia de consumo que mencionei. Também
outros fatores, como a emigração para o Brasil e a expansão do cultivo do
milho americano em certas partes do país, foram benéficos para uma
melhor produtividade agrícola.[391] Nessa altura, a percentagem de pessoas a
trabalhar fora da agricultura chegou a um máximo histórico para o período
anterior ao século xx: quase metade estavam nesta categoria. Mas já na
segunda metade do século xviii é possível notar uma queda dessa
percentagem, queda essa que se tornou acentuada durante a primeira metade
do século xix. Ou seja, a prazo o país desindustrializou-se e ruralizou-se
relativamente ao que tinha sido anteriormente. Era a economia portuguesa a
fazer o caminho inverso ao que outras economias europeias então faziam,
com a Inglaterra à frente. Em Portugal, por volta de 1850, apenas um terço
das pessoas trabalhavam fora da agricultura, um valor parecido com o de
inícios do século xvi, como também é possível verificar na Figura 20.
Portugal perdeu o comboio da Revolução Industrial. Não é de admirar, pois,
que o PIB per capita também tenha desenhado um caminho descendente,
como já vimos anteriormente na Figura 7 do Capítulo 3 e na Figura 15 do
presente capítulo.
O facto de o ouro brasileiro ter tido, numa primeira fase, um efeito
aparentemente positivo em termos líquidos, antes de chegarem os efeitos
negativos em força, não é surpreendente. Voltemos ao exemplo
contemporâneo da Venezuela: durante algum tempo, recursos vindos de fora
significam mais dinheiro para gastar, levando a um aparente sentimento de
mais riqueza. Em Portugal aconteceu algo de semelhante. De início, o ouro
passou até das elites mercantis (que eram donas do ouro que chegava) para
partes da sociedade que agora encontravam mais procura para os seus bens
e serviços e, portanto, também melhores salários, especialmente nas
cidades. A taxa de urbanização do país, que era de 12% em 1650, manteve-
se constante até 1700, depois aumentando para 17,3% em 1750, à medida
que Lisboa e outros centros urbanos se tornavam em cidades de consumo
graças ao ouro que chegava.[392] No entanto, a urbanização do país iria cair
na segunda metade do século xviii, e ainda mais na primeira metade do xix,
em consequência dos efeitos a prazo da desindustrialização e das más
decisões políticas, as quais permaneceram mesmo depois das remessas de
ouro do Brasil terem primeiramente diminuído e, a seguir, terminado. O
PIB por pessoa aproximou-se dos 1400 dólares internacionais por volta de
1750, valor que era extraordinário para a época. Isso representava uma
subida de mais de 70% relativamente ao nível de um século antes. Este
valor estagnou durante cerca de duas décadas (mesmo depois do Terramoto
de 1755). A partir de finais da década de 1770, o rendimento por pessoa
iniciou uma queda dramática que continuaria ainda durante a primeira
metade do século xix, chegando a um nível parecido em 1850 com o que
tinha existido em inícios do século xvi (como é visível nas Figuras 7, 15, e
ainda 20).
Uma parte grande do tesouro ficou em Portugal: o stock de ouro
doméstico subiu de cerca de 2,4% do PIB, em 1720, para um valor próximo
do próprio PIB nominal, ou seja 100%, em meados do século.[393] A taxa
anual de crescimento da oferta monetária ao longo do século xviii foi de
cerca de 2,5%, excedendo claramente a taxa de crescimento da economia.
Uma proporção de 80% deste crescimento deveu-se a moedas de ouro, a
maior parte das quais, como mencionei antes, eram privadas. Muito deste
dinheiro foi investido na terra – um fator produtivo do setor não
transacionável.[394] Apesar dos aparentes entraves existentes, como as
enfiteuses (arrendamento, por prazo longo ou perpétuo, de terras a
particulares) e outros direitos consuetudinários, havia um mercado da terra.
[395]
Quando as receitas do ouro já começavam a diminuir, no período
pombalino, a continuada procura de terras para comprar levou o governo a
tentar restringir as transferências de propriedade para a Igreja. Ainda que
sem grande sucesso prático, esta medida refletia a subida de valor desse
recurso estático. No sul do Alentejo, a subida dos preços da carne, um bem
não transacionável, levou à conversão em grande escala de terras
cerealíferas (que eram de baixa produtividade, com um rácio de sementes
para produção na ordem de um para quatro, nomeadamente no que toca ao
trigo e centeio) para serem destinadas à pecuária, especialmente a partir de
1710. Um processo parecido de conversão para pecuária teve lugar no
Algarve.[396] A produção agrícola global, que tinha aumentado
consideravelmente entre meados do século xvii e meados do xviii, a uma
taxa de cerca de 0,7% por ano, desceu depois entre essa altura e o período
das invasões napoleónicas no início de Oitocentos. As exportações de azeite
e vinho aumentaram, mas estes eram produtos sem substitutos que
pudessem ser facilmente importados, e cujos produtores tinham ganhado
acesso a mercados estrangeiros através de meios diplomáticos, incluindo o
Tratado de Methuen.[397] Estes setores não foram, claramente, o suficiente
para travar o avanço do défice comercial durante o século xviii, em
particular durante a primeira metade desse século.
Como seria de esperar, os salários melhoraram durante as primeiras
décadas do ouro brasileiro.[398] Mas, pelo contrário, as manufaturas entraram
em declínio, mesmo depois da tentativa de relançar uma política industrial
ativa na segunda metade do século xviii. A realidade é que a afluência de
ouro induziu um grande aumento do preço relativo dos bens não
transacionáveis em relação aos transacionáveis. Ao invés da tendência para
ganhar competitividade internacional, que se tinha verificado em finais do
século xvii, o rácio dos preços dos bens não transacionáveis sobre os
transacionáveis aumentou cerca de 30% durante o século xviii, com
consequências graves para a indústria nacional.[399] É notório que a
afluência de ouro coincidiu com o agravamento do défice comercial,
chegando ambos a valores máximos no início da década de 1750. Nessa
altura, já quase todas as fábricas portuguesas tinham falido, sobrevivendo
apenas algumas fortemente subsidiadas.[400] Em 1769, existiam apenas
quatro fábricas têxteis em todo o país, e apesar de terem sido a partir daí
criadas mais algumas, com a exceção das «reais fábricas», a escala de
produção manteve-se reduzida. Mesmo as maiores fábricas que eram
geridas pelo Estado dependiam, em grande medida, de sistemas de
organização e de redes de locais de recolha da produção doméstica e de
distribuição. Enfrentando enormes custos de investimento e falta de capital,
as únicas iniciativas com alguma escala a serem estabelecidas nesta época
eram erguidas sobre pesadas tarifas alfandegárias e proibições de
importações. Também por isso, as tentativas de Pombal para iniciar um
plano de fomento não tiveram grandes efeitos: quase todas as 200 unidades
de produção (não apenas fábricas) que existiriam em 1777 eram de pequena
escala. Nos anos seguintes, com a liberalização do sistema de licenciamento
de importações que permitiu a participação de um maior número de firmas,
existiu um aumento de fábricas (de 55 para 235); mas das 180 candidaturas
para licenças entre 1757 e 1832, 114 (63%) foram feitas por estrangeiros,
demonstrando a ausência de um corpo de empreendedores e capitais
nacionais.[401] A pequena escala destas empreitadas, a maior parte das quais
voltadas para o mercado interno, localizadas em regiões do interior do país
que os custos de transporte protegiam da concorrência internacional,
atrasou a adoção de tecnologias mecânicas, contribuindo assim para o
adiamento de uma revolução industrial. A região do Porto iria tornar-se um
importante centro de manufaturas a partir dos finais do século xix, e ainda
mais no século seguinte. No entanto, em 1820, essa região era ainda incapaz
de competir, em preço ou qualidade, com os produtos importados. O nível
de desenvolvimento que a região do Porto exibia então não progredira
relativamente a 1780, quando já nessa altura estava bastante atrasado face a
outros setores têxteis da Europa.[402] Mesmo a supressão do
desenvolvimento industrial na colónia do Brasil, em janeiro de 1785, e a
tentativa pombalina de diminuir as importações de Inglaterra não tinham
alcançado o objetivo desejado: Portugal não se industrializara. Enquanto
continuasse a chegar o ouro a Lisboa, Portugal estava condenado.
Vale a pena voltar a sublinhar que não restam dúvidas de que o declínio
da economia só se acentuou duas décadas depois do Terramoto de 1755 e,
por outro lado, mais de duas décadas e meia antes das Invasões Francesas
que se iniciaram em 1807.[403] O declínio industrial, esse, já se sentia desde
início do século. A ideia de que o conflito napoleónico teria levado à
destruição do desenvolvimento industrial português encontra-se
amplamente difundida, inclusivamente nos meios académicos.[404] Mas esta
tese não pode explicar os problemas aqui apresentados que, como vimos,
são bastante anteriores.

Como foi gasto o ouro vindo do Brasil

Importa vermos, com algum detalhe, como foi gasto o dinheiro que
chegou, principalmente na forma de moedas de ouro. Antes de mais, como
já referi, o dinheiro foi aplicado em importações de bens de consumo. Entre
1720 e 1750, o défice comercial aumentou de dois biliões de réis (2,4% do
PIB nominal) para mais de quatro biliões de réis (3,9% do PIB), chegando a
seis biliões em 1756 (6,1% do PIB), o ano seguinte ao Terramoto. Ao longo
do século, o défice comercial teve uma relação sempre próxima com o valor
das chegadas do ouro.[405] Em 1760, um visitante italiano escreveria que os
portugueses:

são muito ricos no que a oiro e jóias diz respeito. Contudo, a sua riqueza não
deriva do que se produz em Portugal (…) poucos são os produtos que [Portugal]
lança no mercado, uma vez que as suas manufaturas são de pouca relevância (…) os
portugueses desejam os produtos que a indústria inglesa é capaz de produzir e os
ingleses querem o oiro que os portugueses retiram do Brasil e é assim que, desta
forma, estas duas nações conduzem os seus negócios.

O mesmo visitante mostrou-se espantado por grande parte dos objetos


que existiam nas casas lisboetas serem importados, afirmando que «até os
sapatos que usam vêm de Inglaterra ou de França», enquanto os alfaiates
eram estrangeiros.[406]
Efetivamente, com a falência e fecho das fábricas do fomento industrial,
a partir de finais do século anterior, foi apenas criado um pequeno número
de novas fábricas em todo o país depois de 1769. Setores como a metalurgia
foram negligenciados por completo, enquanto o algodão, a lã, e o linho
apenas tiveram direito a uma fábrica cada um. Como nas décadas
anteriores, a procura nacional de bens manufaturados era claramente
superior à oferta da indústria doméstica, mas esta escassez não estimulou a
criação de novas manufaturas; pelo contrário, Portugal comprava grande
parte das exportações inglesas de têxteis.[407] A ausência de vontade política
ou empresarial para as abrir ou para modernizar e mecanizar os processos
produtivos das fábricas já existentes é notória. Ao contrário da Inglaterra,
que fazia nesta época um caminho no sentido de uma forte industrialização,
em Portugal os sistemas de produção tradicionais persistiram praticamente
sem mudanças desde o século xvi. Apenas no final do século, com a gradual
e cada vez mais dramática redução dos carregamentos de ouro, começou
alguma coisa a mudar. Mas o cenário não era favorável. Em primeiro lugar,
devido ao nível baixo do qual a indústria partia, e porque a principal
procura das manufaturas portuguesas vinha de um mercado protegido: o
Brasil, que estava sujeito a um exclusivo de comércio direto com Portugal
até à abertura dos seus portos, em 1808. A balança comercial manteve-se
por isso deficitária até ao final do século xviii, apesar das tentativas de
Pombal e dos seus sucessores, depois de 1777, de fomentar a indústria
nacional e proibir importações. A balança comercial acabou por
reequilibrar-se por volta dessa época, mas devido à queda do consumo
interno e não por causa do aumento das exportações, que praticamente
ficaram na mesma.[408] Isto não é surpreendente, já que o país estava nessa
altura a empobrecer, como vimos anteriormente.
Se por um lado os privados gastavam o ouro em artigos de consumo,
muitos dos quais importados, e investiam em igrejas e conventos, por outro
a Coroa também se revelou pródiga.[409] Durante a primeira metade do
século xviii, o rei D. João V (r. 1706-1750) gastou muito dinheiro em
despesas frívolas, sem qualquer consequência para o desenvolvimento do
país. Estas incluíram a construção do gigantesco palácio-convento de
Mafra, várias outras despesas com o Clero (que era numeroso), bem como o
envio de uma embaixada luxuosa ao Papa Clemente XI.[410] Podem ver-se
ainda hoje, no Museu dos Coches, em Belém, os três pomposos carros
triunfais, dourados, que foram enviados: o do Embaixador, o dos Oceanos,
e o da Coroação de Lisboa (Figura 21). Aliás, foram mandados construir
muitos mais coches e berlindas luxosas durante os reinados de D. João V e
do seu filho, D. José.[411]

Figura 21. Os coches da embaixada de D. João V ao Papa Clemente XI.

Por outro lado, como referi, nesta época houve pouco interesse político
no fomento das manufaturas nacionais, estando as prioridades políticas
focadas na maximização da extração de ouro do Brasil.[412] Ou seja, a
estagnação técnica e empresarial foi uma consequência, também de
natureza política, dos carregamentos de ouro. A própria expansão urbana de
zonas do país durante o século xviii não representou mais do que a sua
transformação em cidades de consumo, dependentes da oferta de bens não
transacionáveis, nomeadamente serviços, e da importação de bens.[413]
Lisboa, a cidade onde estava a Coroa e a Corte, tornou-se particularmente
dependente de importações financiadas pelo ouro do Brasil.[414]
Também a produção de cereais (um bem que podia ser importado) sofreu
uma queda, ao mesmo tempo que a sua produtividade se mantinha baixa
para os padrões europeus.[415] Ainda que a introdução do milho americano
tenha tido sucesso, especialmente no norte do país, Portugal continuou a
importar grandes quantidades de cereais, chegando a atingir 151,6 toneladas
em 1800. Os cereais importados, que já chegavam a 55% do total do
consumo de Lisboa em 1729, atingiram os 72% em 1778, apesar dos
elevados custos de transporte.[416] Para o país como um todo, a importação
representava 5,5% a 7% do consumo, enquanto em Inglaterra
correspondiam apenas a 3%. Aliás, o trigo representava entre 5% e 12% do
valor das exportações inglesas para Portugal.[417] Como consequência destas
importações, bem como da baixa produtividade da produção nacional,
muitas terras deixaram de ser cultivadas, passando a ser utilizadas para a
pecuária, como referi anteriormente.[418] Isto correspondeu a uma adaptação
racional dos agricultores ao contexto económico português: a criação de
gado e de ovelhas tinha um caráter mais capital-intensivo e, ao contrário do
que acontecia com os cereais, a carne não estava afetada pela concorrência
estrangeira.[419]
Os mercados de crédito também tiveram um desenvolvimento medíocre
em Portugal durante o século xviii. Em 1698 já tinha sido criado um limite
máximo de 5% de juro para certos contratos de crédito. Em 1757, na
sequência do Terramoto, que tinha acontecido dois anos antes, Pombal
interferiu com o mercado de juros, distorcendo-o ainda mais.[420] O mercado
de crédito funcionava com grandes ineficiências, até devido ao facto de a
ausência de um cadastro implicar que um colateral, dado como garantia,
pudesse ser hipotecado até à exaustão e portanto estar de tal forma onerado
com hipotecas que se tornava inútil.[421] Na década de 1770, a Coroa proibiu
mesmo a Misericórdia de Lisboa – que, na prática, também era um banco –
de emprestar a privados, com o objetivo de canalizar o dinheiro disponível
para o Estado.[422] Isto não só impedia o setor privado de ter acesso a
crédito, como era um mau negócio para a própria Misericórdia de Lisboa.
Depois desta proibição, a Misericórdia do Porto e outras entidades
continuaram a emprestar apenas ao setor privado, o que sugere que
emprestar à Coroa não era um bom investimento. No entanto, essas
entidades eram muito menores em dimensão do que a Misericórdia de
Lisboa: em 1797, as receitas da Misericórdia de Lisboa eram 6,5 vezes as
do Porto.[423] As políticas estatais, em benefício da Coroa, aconteciam em
detrimento do setor privado da economia.

Consequências políticas do ouro do Brasil

Como vimos, as décadas de descarga de ouro conduziram à


desindustrialização do país. O sucesso dos têxteis ingleses, tanto em
Portugal como no Brasil, revelava a falta de competividade da produção
doméstica. Numa primeira fase do século xviii, a Coroa, tirando partido da
folga orçamental devida aos impostos cobrados sobre o ouro, encorajou a
concorrência entre os grupos mercantis, o que trouxe dificuldades
financeiras aos investidores privados.[424] Por outro lado, o domínio inglês,
ainda que indireto, proveniente do comércio com o Brasil, era cada vez
mais claro. Sebastião Carvalho e Melo – o futuro Marquês de Pombal –
tinha notado que isto era um problema quando foi diplomata em Londres, e
mais tarde, já no poder em Portugal, tentou reverter a situação. As tarifas
altas, proibições de importações, e o empreendedorismo estatal da era
pombalina podem ser compreendidos neste contexto, apesar de terem
existido também outras motivações, como veremos. Foi proibida a
produção industrial no Brasil e foram feitos esforços para diminuir a
influência dos capitalistas e mercadores ingleses nas companhias
monopolistas relacionadas com o comércio brasileiro. Por exemplo, a
Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, fiel ao
mercantilismo da época, utilizava crédito público para estabelecer
plantações de cacau, arroz, café e algodão nessas regiões. A partir destas
eram enviados couros, peles, tabaco, açúcar, e – especialmente nos finais do
século – algodão em grandes quantidades para a metrópole.[425] Em troca, as
companhias tinham o monopólio da venda no Brasil de produtos
manufaturados, que chegaram a ser 43% dos bens enviados para a colónia
em 1800.[426] Porém, a debilidade industrial portuguesa desvirtuava os
efeitos deste comércio já que as exportações de Portugal para o Brasil
correspondiam, em grande parte, à re-exportação de têxteis ingleses. As
duas companhias comerciais que Pombal estabeleceu na segunda metade do
século xviii – as do Pernambuco e Paraíba – tinham a intenção de diminuir
a dependência do país das importações inglesas. Focavam-se no cacau,
arroz e café, que poderiam ser re-exportados para a Europa, e ainda
conseguiam exportar algum algodão para o Reino Unido.[427] Mas na
realidade, como mostrou Nuno Luís Madureira, as políticas mercantilistas
de Pombal e dos seus sucessores estiveram fortemente associadas ao
capitalismo de compadrio e à captura do Estado por interesses privados. A
estabilidade política da segunda metade do século xviii não foi benéfica
para o desenvolvimento do país, tendo permitido o enquistamento de um
grupo restrito de negociantes em mercados protegidos, graças à sua
proximidade ao Estado.[428] Os produtores que não pretencessem à estrutura
corporativa eram criminalizados. E todos os que não estivessem de alguma
forma ligados à elite dirigente ou aos organismos de representação
institucional pagavam custos altos por isso.[429] Como tal, os esforços
comerciais pombalinos e os planos de fomento industriais que a eles
estavam associados enriqueceram um número de pessoas específicas, mas
falharam por completo em desenvolver o país no seu todo.
Como vimos no Capítulo 2, não há qualquer fundamento para a ideia de
que as instituições políticas portuguesas fossem particularmente absolutistas
ou despóticas nos períodos anteriores ao século xviii. Por volta de finais de
Seiscentos, como vimos, as instituições políticas portuguesas exerciam
limites efetivos ao poder político. No entanto, como também vimos no
mesmo capítulo, isso viria a mudar nesse século. Tal como a
desindustrialização do país, também isto foi uma consequência do ouro do
Brasil: ou seja, a Maldição dos Recursos teve uma manifestação política,
além da manifestação mais diretamente económica de que já tratámos –
ainda que as duas estivessem relacionadas, como iremos ver. As receitas
extraordinárias que a Coroa recebeu, graças ao ouro do Brasil, assim como
a proteção militar que o Tratado de Methuen garantia, implicavam que, a
partir de D. João V, o poder executivo em Portugal já não precisava de
negociar com as Cortes – e, como tal, elas deixaram simplesmente de se
reunir.[430] Portanto, ao contrário do que tinha acontecido até finais do
século xvii, as Cortes nunca se reuniram no século seguinte – nem uma
única vez. Como é evidente, isto levou a uma maior discricionariedade,
devido à ausência de limites ao poder do executivo. Foi então que o poder
real se tornou mais aproximado ao adjetivo «absoluto», com consequências
graves a prazo para o país.[431]
Vale a pena destacar o facto de o poder já ser absoluto em Portugal mais
de meio século antes da subida ao trono do rei D. José. Esse reinado ficaria
marcado pela subida ao poder do seu secretário de Estado (equivalente ao
que hoje poderíamos designar, com tolerável anacronismo, de Primeiro-
Ministro), Sebastião José de Carvalho e Melo (1699–1782). Este homem,
nascido na baixa Nobreza, ainda que com um tio bem-posicionado que o
ajudou a lançar a sua carreira, chegaria, a seu tempo, a ser Conde de Oeiras
(1759) e Marquês de Pombal (1770).[432] Mas convém lembrar que Carvalho
e Melo, depois de uma carreira diplomática em Londres e Viena, apenas se
tornou na figura central do Estado na sequência do Terramoto (1755), e que
o seu poder sempre dependeu da vontade do rei. Assim, quando o rei
morreu, em 1777, Pombal foi de imediato afastado.
Ou seja, ainda que se possa ser crítico relativamente a Pombal, convém
insistir que ele apareceu numa altura em que, dado o contexto político da
sua época, havia condições para aparecer alguém como ele, e exercer o
poder da forma como o exerceu. Nesse sentido, tal como este livro não tem
heróis, também não tem vilões, pelo menos de forma descontextualizada. O
que Carvalho e Melo fez, simplesmente graças à confiança do rei na sua
pessoa, não poderia ter acontecido no sistema parlamentar inglês da mesma
época – sendo esse, de resto, um sistema político relativamente ao qual ele
era crítico, como a epígrafe deste capítulo sugere. Dito isto, vale a pena
compreendermos as ações que Pombal tomou e as consequências que
tiveram.
Existe uma vasta literatura que insiste no sentido de que Pombal
transformou Portugal num país mais moderno, por ter re-organizado as leis
e a economia.[433] Vou agora argumentar o contrário: que Pombal tomou
algumas das piores decisões políticas que alguma vez foram tomadas na
História do país. Antes de as considerar de forma detalhada, vou elencar
algumas das mais consequentes.
A decisão mais desastrosa de todas foi a expulsão da Companhia de
Jesus, a qual interferia com os planos de Pombal tanto a nível nacional
como no Brasil. A presença dos jesuítas no Brasil havia já encontrado, nos
séculos anteriores, oposição por parte dos colonos portugueses, devido ao
desejo dos jesuítas de proteger os nativos da escravização.[434] Até aqui a
Coroa tinha normalmente apoiado a Companhia de Jesus. No entanto, os
jesuítas opunham-se, por uma questão de princípio, ao exercício despótico
do poder, também tendo por isso entrado em confronto com Pombal.[435]
Ora, os jesuítas tinham a mais ampla rede escolar do país (e em todo o
império), rede que era, de resto, gratuita para os alunos.[436] Por esse motivo,
a sua expulsão por Pombal acarretou uma redução catastrófica do número
de estudantes e até a degradação das matérias ensinadas, cujo teor científico
diminuiu. Como Pombal não substituiu a rede dos jesuítas no terreno por
nada comparável, a sua política também afastou muitos alunos dos estudos
– especialmente os que não fossem nobres, o que não acontecia antes.[437]
Embora outros países europeus também tivessem, mais tarde, expulsado a
Companhia de Jesus, em Portugal o papel que eles tinham no ensino era
muito mais central do que noutros países e, em resultado disso, essa
expulsão, nos termos em que foi feita, foi particularmente desastrosa.
A informação relativa aos níveis de analfabetismo, baseada na
percentagem de pessoas que assinavam de cruz, disponível para o século
xvii, sugere que não existiam diferenças relativamente à Europa do Norte.
[438]
No Porto, em meados desse século, dois terços dos comerciantes e
artesãos sabiam ler e escrever. Essa percentagem era ainda maior entre os
alfaitates, seleiros, e cordoeiros, entre outros; até mesmo alguns caixeiros,
tecelões, douradores, e ferreiros não eram analfabetos.[439] A estimativa mais
rigorosa que temos relativamente à literacia (e numeracia) comparada do
país face aos outros países da Europa mostra que, em meados do século
xviii, Portugal não estava ainda particularmente atrasado. Contudo, isso
viria depois a mudar radicalmente, iniciando um processo de brutal atraso
educativo do país que continuou até aos dias de hoje.[440] Pombal causou
assim uma das maiores regressões sociais da nossa História ao ter destruído
a base a partir da qual uma expansão educativa poderia ter acontecido.
Carvalho e Melo foi também responsável por perseguições políticas,
incluindo a condenação à morte do Conde de Atouguia, dos Marqueses de
Távora, e do Duque de Aveiro (Figura 22).[441] Foram todos mortos de
forma violenta e os seus bens confiscados. O palácio que pertencia ao
Duque de Aveiro foi arrasado, e o chão salgado para nada mais ali crescer,
dando origem ao Beco do Chão Salgado que ainda hoje pode ser visitado
em Belém. Para além disto, Pombal instrumentalizou politicamente a
Inquisição, para cuja direção nomeou um irmão seu e que usaria para fins
políticos, como vimos no Capítulo 5.[442] Pombal centralizou ainda a
censura nas suas mãos, criando a Real Mesa Censória – seria a primeira vez
que apareceriam em Portugal funcionários régios pagos pelo Estado e
dedicados exclusivamente à censura, ficando todas as pessoas obrigadas a
entregar-lhes a lista dos livros que tinham em casa. As obras de autores
como Hobbes, Diderot, Rousseau, Voltaire, La Fontaine, ou Espinoza
estavam proibidas e os volumes recolhidos foram queimados. A Gazeta de
Lisboa – a única imprensa periódica focada em relatos sobre eventos no
estrangeiro que existia no país – foi proibida em 1762.[443] Existia uma
atmosfera de censura e silêncio, os correios abriam toda a correspondência,
comunicando o seu conteúdo quando relevante ao governo, e mesmo
pessoas próximas de Pombal viviam com medo dele.[444] Como «o segredo é
a alma do negócio», os comerciantes adotavam subterfúgios como a escrita
com vinagre e sumo de limão.[445]
De qualquer modo, importa notar que a forma de governar de Pombal, de
natureza opressiva e extrativa, apesar de se ter agravado nesta altura, nem
apareceu com ele, nem desapareceu com a sua queda do poder em 1777.[446]
Ainda que a Gazeta de Lisboa viesse então a regressar, na realidade, muitas
das elites rentistas que emergiram na época pombalina continuaram à tona
nas décadas seguintes.[447] Algum tempo depois da queda do Marquês de
Pombal, uma das suas filhas recomendava à mãe «V. Ex.ª se lembre de
queimar todas as minhas cartas e o que escrevo a meu pai».[448] Nada tinha
mudado. Os abusos da autoridade continuariam, agora protagonizados por
figuras como Pina Manique.[449]

Figura 22. A tortura e execução dos Távora.

O Terramoto de 1755

Façamos agora uma breve pausa para discutir as consequências


económicas e políticas do Terramoto, sobre o qual incidem alguns mitos da
História de Portugal. As suas consequências têm sido muito exageradas.[450]
É inegável que, apesar do seu epicentro se ter localizado no mar, cerca de
300 quilómetros a sudoeste de Lisboa, a magnitude, entre 8,4 e 8,7 na
escala de Ritcher, foi uma das maiores até hoje observadas.[451] Foi sem
dúvida um acontecimento muito destrutivo, e que por isso impressionou a
Europa da época, aparecendo na obra Candide ou l’Optimisme de Voltaire.
Se Lisboa já tinha tido outros abalos grandes no passado, sobre os quais
sabemos menos, não restam dúvidas de que o Terramoto foi devastador, em
parte também por ter acontecido a 1 de novembro, o Dia de Todos os
Santos, quando as igrejas estavam cheias, e por ter sido seguido de
incêndios e de um maremoto (tsunami). O Paço da Ribeira foi praticamente
destruído, levando a Corte a estabelecer-se depois, durante três décadas, na
zona da Ajuda, num palácio construído em madeira conhecido à época
como a Real Barraca. Cerca de 9000 barracas foram levantadas na cidade,
com frontarias de imitação arquitetural e alguma pedra.[452] Por ter sido
atingida a capital, perderam-se muitas obras de arte, arquivos, e material
administrativo, para grande tristeza dos historiadores do futuro. Mas
vejamos mais números. Mesmo depois do Terramoto, a cidade de Lisboa
continuou a ter quase quatro vezes a população da segunda cidade do país,
o Porto. Apenas parte de Lisboa foi afetada – como atesta a sobrevivência
dos bairros de Lisboa que se encontram à volta do Castelo de São Jorge, e
que ainda hoje mantêm uma traça medieval. O número de habitantes de
Lisboa que morreram ou deixaram a cidade correspondeu a 12% do total e
apenas um quarto de século depois Lisboa recuperaria a população pré-
terramoto.[453] Por comparação, a população de Londres só voltou a ter uma
dimensão igual à que tinha antes do Blitz quase um século depois, na
segunda década do século xxi.[454] Um observador estrangeiro notou em
1796 que Lisboa estava quase totalmente reconstruída, sendo outro o
problema: «as ruas estão sujas; pagam-se impostos elevados para a sua
limpeza, mas a administração é má e o dinheiro é empregado em outras
coisas e não àquilo a que se destinava originalmente».[455]
O Terramoto de 1755 não afetou apenas Lisboa, mas também o sul do
país. No entanto, era no centro e norte do país, os quais foram pouco
afetados, que viviam dois terços da população.[456] A série do PIB de que
agora dispomos, que já vimos no Capítulo 3 e também na Figura 15 do
presente capítulo, mostra que o impacto imediato do Terramoto na
economia, nos anos de 1755 ou 1756, foi limitado. Este desastre natural
teria, no entanto, uma consequência política importante: permitiu a
Carvalho e Melo tornar-se a figura central do Estado. Pombal iria aproveitar
as circunstâncias para declarar uma espécie de estado de emergência no
país, permitindo-lhe governar de forma cada vez mais ditatorial, afirmando-
se como o defensor do país contra os jesuítas e outros bodes expiatórios.[457]
Diogo de Mendonça Corte-Real, um dos secretários de Estado que tinham
partilhado o poder com Pombal até ao Terramoto, foi destituído logo em
1756, acabando desterrado em Mazagão e mais tarde preso no Forte de
Peniche, onde viria a morrer. Já depois da expulsão dos jesuítas, Carvalho e
Melo continuou a perseguir todos os que estorvassem a sua vontade,
acusando-os de serem seguidores dos ideiais jesuíticos, e classificado-os
como fanáticos e obscurantistas.[458] A política pombalina chegaria a um
cúmulo com a Lei da Boa Razão, de 1769, que na prática submetia quase
tudo e todos à vontade do rei.

O legado político e económico de Pombal para o atraso do país

O governo do país por parte de Pombal foi desastroso. Mas também é


preciso compreender o contexto que o tornou possível: uma Monarquia
Absoluta, como não tinha existido nos séculos anteriores. Consideremos a
seguinte analogia: se um condutor embriagado atropelar um peão, ninguém
vai dizer que o problema é o condutor não ter travado. A causa mais
profunda foi outra. Voltando ao século xviii, o problema foi terem faltado
limites ao poder executivo. E isso foi, por sua vez, um resultado das
chegadas do ouro brasileiro, que, como expliquei, levaram a essa alteração
na natureza das instituições políticas portuguesas. Pombal desprezava o
parlamento inglês, que considerava um mero instrumento dos grandes
interesses comerciais da Inglaterra.[459] No entanto, sabemos hoje que esse
sistema parlamentar é precisamente uma das chaves para compreendermos
porque foi aí possível a Revolução Industrial.[460] No que toca às relações
comerciais de Inglaterra com Portugal, Carvalho e Melo culpava os
Tratados comerciais por só serem vantajosos para a Inglaterra. Nas suas
palavras:

Examinando o presente estado do comércio entre as duas nações [Portugal e


Inglaterra] por uma rigorosa análise dos tratados recíprocos e da observância com
que eles hoje se praticam em ambos os domínios, achei que Portugal sustenta todo o
peso das convenções enquanto estas são onerosas e que a Inglaterra, com pouco ou
nenhum encargo, recolhe delas todo o proveito, praticando-as somente na parte em
que lhe são úteis.[461]

Na realidade, como veremos, a política alternativa que Pombal


promoveu não beneficiou o país. Uma dessas políticas, a nível económico,
foi a criação de várias companhias comerciais. A sua fundação ajuda a
compreender as motivações de Carvalho e Melo para expulsar a Companhia
de Jesus. Em Portugal, os jesuítas opunham-se ao seu despotismo e ao
Absolutismo régio em geral, e no Brasil resistiam ao monopólio do
comércio externo imposto pela Companhia do Comércio do Grão-Pará e
Maranhão, uma companhia criada por Pombal que operava numa região do
Brasil onde o Governador era o seu irmão Francisco Xavier de Mendonça
Furtado (Figura 23).[462] Este último, Governador Geral do Estado do Grão-
Pará e Maranhão de 1751 a 1759 e secretário de Estado da Marinha e do
Ultramar entre 1760 e 1769, também esteve envolvido na conspiração que
levou ao assassínio dos Távora e do jesuíta Gabriel Malagrida, que foi
queimado na fogueira num auto de fé no Rossio em setembro de 1761.[463]
Como tantas vezes tem sucedido na nossa História, existia aqui um conflito
de interesses: Pombal não só nomeava os irmãos e outros familiares para
altos cargos, como depois ainda beneficiava financeiramente das suas ações
políticas. No caso da Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão,
beneficiava dos lucros da companhia através de ações que estavam em
nome da sua segunda mulher.[464] Através do seu irmão, Carvalho e Melo
ordenou que as leis régias fossem executadas rigorosamente, sendo que a
sua violação devia ser considerada crime de lesa-majestade. Ordenou
mesmo que qualquer missionário jesuíta que no púlpito insinuasse qualquer
crítica à política real fosse imediatamente destituído das suas funções e
expulso.[465]

Figura 23. Sebastião José Carvalho e Melo e os seus irmãos,


o Cardeal Inquisidor e o Governador do Grão-Pará e Maranhão.
Pombal promoveu uma vasta campanha propagandística, acusando os
jesuítas de quererem criar um «império secreto» no Brasil, na obra
conhecida como Relação Abreviada em 1757.[466] Publicada inicialmente de
forma anónima – o spin não é uma invenção dos dias de hoje –, este
opúsculo foi promovido por Pombal. Na sequência do Tratado de Madrid
(1750), que definia as fronteiras entre o Brasil e o Império Espanhol
(substituindo o Tratado de Tordesilhas, que não era respeitado), a
Companhia de Jesus, por ordem do seu Geral e Provincial, obedeceu às
ordens do rei de Portugal e mandou sair os seus missionários dos
Aldeamentos ou Reduções. A maioria, de facto, obedeceu e saiu. Houve, no
entanto, um pequeno grupo de jesuítas, muito minoritário, que ficaram ao
lado dos ameríndios e resistiram. É essa colaboração de alguns jesuítas na
resistência indígena, e em particular nas Guerra Guaranítica (1753-1756),
que será usada como pretexto e mitificada pela documentação pombalina
para incriminar toda a Companhia de Jesus, atribuindo-lhe um plano secreto
mirabolante segundo o qual estaria a construir um Estado autónomo, como
princípio de um projeto maior de dominação universal.[467] Carvalho e Melo
enviou também queixas à Santa Sé, acusando os jesuítas de serem rebeldes
contra a autoridade real e papal.[468] O esforço de propaganda contra os
jesuítas continuou com outras obras, como a Dedução Cronológica e
Analítica, de 1761, também encomendada por Pombal.
Carvalho e Melo era um político que não olhava a meios para atingir os
seus fins. A Mesa do Bem Comum dos Homens de Negócio foi extinta em
resposta a uma representação que apresentou à Coroa contra a instituição do
monopólio dessa companhia de que Pombal beneficiava.[469] Para isso foram
utilizadas cartas apreendidas aos acusados, apesar de existir à época uma
grande auto-censura relativamente ao que era deixado por escrito.[470]
Depois de exilar os líderes da Mesa do Bem Comum, Pombal criou uma
nova agência, a Junta do Comércio, que não era mais do que um braço
político do governo, existente para defender os seus interesses, ao contrário
do que tinha acontecido com a Mesa do Bem Comum.[471] Existem hoje
vários casos bem documentados referentes ao enriquecimento dos irmãos
Carvalho e Melo graças ao seu controle do aparelho do Estado.[472] Mesmo
um autor estrangeiro, que até mostrava alguma admiração por Pombal, o
descrevia como: «Altivo, vingativo, cruel, ávido de honras e de dinheiro».
[473]
Neste contexto, não será talvez surpreendente que os supostos esforços
de fomento industrial promovidos por Pombal tenham, na realidade,
falhado.[474] Pombal, de resto – nesta fase ainda apenas como Conde de
Oeiras – mandou construir um magnífico palácio com um luxuoso jardim
nessa região próxima de Lisboa, que ainda hoje pode ser visitado. Era um
homem que não hesitava em subornar aqueles de quem precisava. Por
exemplo, enviou uma embaixada ao Papa, em setembro de 1757, chefiada
pelo seu primo direito Francisco de Almada Mendonça, que pagou a
cardeais com anéis de diamantes, o seu apoio nas políticas preparatórias
para a expulsão da Companhia de Jesus.[475] As prisões continham milhares
de presos políticos, sendo alvo de críticas ferozes por parte de visitantes
estrangeiros, a forma de funcionamento do sistema de justiça, assim como
os conflitos de interesse relacionados com a proximidade das autoridades
policiais a Pombal.[476]
A Companhia Geral da Agricultura e das Vinhas do Douro, criada por
Pombal em 1756, supostamente com o objetivo de melhorar a qualidade do
vinho exportado para Inglaterra, fornece um outro exemplo de compadrio e
de defesa do interesse próprio promovidos por Pombal. Em fevereiro de
1757, os taberneiros do Porto revoltaram-se contra a Companhia que, ao
criar um monopólio, tanto os prejudicava. A revolta foi violentamente
suprimida por Pombal, com a execução de 26 pessoas e com mais de 300
condenados a confisco, deportação, ou chicotadas. Foram dadas ordens aos
habitantes da cidade do Porto para alimentarem as tropas enviadas para
acabar com a revolta, e para pagarem um imposto que iria cobrir os salários
e munições dos soldados. Pombal ainda aproveitou este contexto para
acusar os jesuítas de serem responsáveis por instigar esta revolta (o que era
falso), expulsando-os de imediato da Corte de D. José, onde eram até então
confessores.[477] Este episódio, assim como a Relação Abreviada, mostra
que a aversão de Pombal aos jesuítas, que se opunham a ele, era anterior à
tentativa de assassinato do rei D. José que ocorreu no ano seguinte, em
1758.[478] Na sequência desse atentado, os jesuítas foram incriminados com
base em confissões conseguidas sob tortura, tendo Pombal encabeçado um
enorme esforço de propaganda – que viria a ter reflexos noutras partes da
Europa – em que a Companhia de Jesus era apresentada como o maior
obstáculo ao progresso do país.[479] Pombal fez mesmo a acusação, absurda,
de que eram os jesuítas os responsáveis pela forma de funcionamento da
Inquisição, bem como pelo bloqueio cultural e intelectual do país.[480]
Acabou assim por expulsá-los, um ano depois do atentado (Figura 24).[481]
Entre os cerca de 1500 jesuítas que existiam em Portugal à época, mais de
1100 foram exilados para o Vaticano, 222 foram presos, acabando 80 por
morrer no cárcere, e tendo alguns sendo ainda deportados para África.[482]

Figura 24. Sebastião José de Carvalho e Melo a expulsar os jesuítas,


por Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet (1766).

A destruição do ensino
A mais desastrosa política de Pombal, no longo prazo, foi a destruição do
sistema educativo do país. Ainda na primeira metade do século xviii, o nível
de capital humano em Portugal apenas estava atrás do das partes mais
avançadas da Europa, sendo até pequena a diferença.[483] Nesta altura,
Portugal tinha duas universidades, assim como uma rede de escolas de
ensino pré-universitário em todo o país. Nas décadas seguintes, essa
situação viria a mudar radicalmente. Tudo indica que, ainda hoje, pagamos
o preço da decisão de Pombal de expulsar os jesuítas do país, sem que
tivesse sido implementada qualquer alternativa viável para a educação da
população. Foi declarado pela Junta da Inconfidência que os bens
confiscados aos jesuítas deveriam financiar a substituição da sua atividade
de ensino. Os bens dos jesuítas foram efetivamente confiscados, mas essa
substituição não chegou a acontecer, sendo na realidade a intenção do
governo o encaixe, no erário régio, de capital para equilibrar as contas do
Estado.[484] No alvará mandado publicar por Pombal, em 28 de junho de
1759, afirmava-se mesmo, em nome do rei, que devia ser abolida a
memória das escolas jesuítas, «como se nunca houvessem existido nos
meus Reinos, e Domínios, onde têm causado tão graves lesões e tão graves
escândalos», mas os planos para o que deveria substituir essas escolas eram
vagos e nunca foram implementados.[485] Só por esta razão não parece
descabido escrever que Pombal foi o pior político de sempre a governar
Portugal.[486] Carvalho e Melo deixou-nos o legado mais desastroso de
qualquer político que alguma vez governou o país. Em meados do século
xviii, antes da sua expulsão, a Companhia de Jesus contava, em Portugal,
mais de 1000 membros, a maior parte dos quais estavam envolvidos no
ensino, que era gratuito. Os jesuítas geriam 20 colégios à data da sua
expulsão, assim como a Universidade em Évora, que também seria fechada
com a sua expulsão, como já vimos – e que só viria a reabrir mais de dois
séculos depois. No total (incluindo Brasil, Angola, Índia e Macau), a
Companhia de Jesus tinha 37 colégios, além de um grande número de
residências.[487] Tudo viria a ser substituído por quase nada.
A situação do ensino, no período anterior à expulsão da Companhia de
Jesus por Pombal, foi estudada por Francisco Malta Romeiras e Henrique
Leitão, em cujas estimativas e trabalho me apoio aqui.[488] Em 1759, quando
Pombal expulsou do país os jesuítas – sendo o primeiro país da Europa a
fazê-lo – eles eram responsáveis pela formação de capital humano de cerca
de 20.000 estudantes.[489] No total, existiriam em Portugal, em meados do
século xviii, cerca de 20.000 alunos naquilo que poderíamos considerar o
ensino pré-universitário, distribuídos por todo o país (Tabela 4). Muitas
destas escolas tinham mais de 1000 alunos, tendo tido o Colégio de Santo
Antão em Lisboa entre 2500 e 3000.[490] Mesmo as mais pequenas teriam
algumas centenas.
O ensino jesuítico não seria perfeito, mas existia no terreno – e podia ter
servido de base para uma expansão educativa a acontecer mais tarde.[491]
Pouco importa que o número de jesuítas não fosse o suficiente, só por si,
para a massificação do ensino. O que importa é que a sua presença teria
criado condições para que a massificação viesse a ocorrer – mesmo que
pelas mãos do Estado. É preciso capital humano para formar mais capital
humano. Num país de analfabetos faltavam os professores. Pombal declarou
que estava a reformar o sistema educativo, que prometia substituir por um
mais moderno. Mas – como tantas vezes aconteceu na História – tudo não
passou de retórica vazia, de belas palavras de um político, sem qualquer
efeito prático. Pombal evitou utilizar a infraestrutura existente, mas, na
maior parte dos casos, as escolas dos jesuítas foram substituídas por pouco
ou nada, levando à quase total destruição do sistema educativo pré-
universitário do país. Portugal tornou-se um país sem escolas.

Tabela 4. Escolas da Companhia de Jesus em Portugal.

Ano de Ano de
Escola Escola
fundação fundação

Colégio de Todos os Santos de Ponta


Colégio de Jesus de Coimbra 1542 1591
Delgada

Colégio do Espírito Santo de Évora 1551 Colégio de Santiago de Faro 1599

Colégio de Santo Antão de Lisboa 1553 Colégio de São Sebastião de Portalegre 1605

Colégio de Nossa Senhora da Conceição de


Colégio das Artes de Coimbra 1555 1621
Santarém

Colégio de São Paulo de Braga 1560 Colégio de Santiago de Elvas 1644

Colégio de São Francisco de Xavier do


Colégio de São Lourenço do Porto 1560 1652
Faial

Colégio de São Francisco de Xavier de


Colégio do Jesus de Bragança 1561 1655
Setúbal
Colégio de São Francisco de Xavier de
Colégio de São Manços de Évora 1563 1660
Portimão

Colégio de São João Evangelista da Colégio de São Francisco de Xavier de


1570 1670
Madeira Beja

Colégio de São Francisco de Xavier de


Colégio de Ascensão de Angra 1570 1677
Beja

Colégio da Purificação de Évora 1577 Seminário dos Santos Reis de Vila Viçosa 1735

Colégio da Madre de Deus de Évora 1583 Colégio da Santíssima Trindade de Gouveia 1739

Seminário de São Patrício de Lisboa 1590


O Colégio de Santo Antão, em Lisboa, que tinha tido mais de 2500
alunos em meados do século xviii, foi substituído apenas pelo Colégio dos
Nobres, com menos de 100 – e concentrando-se no estudo de matérias de
natureza não científica.[492] Ou seja, o número de alunos caiu para cerca de
4% ou menos.[493] Como se deduz do nome, o acesso a este último Colégio
era exclusivo às classes sociais mais elevadas e houve dificuldade em
interessar os alunos nas disciplinas científicas aí ministradas. Fundado em
1761 – no papel –, o Colégio dos Nobres começaria a funcionar vários anos
depois, inicialmente com 24 alunos, e sem professores de várias disciplinas.
Foi aliás difícil recrutar professores e alguns pararam mesmo de lecionar,
voltando aos seus países de origem devido à falta de preparação matemática
dos alunos. Em 1772, acabou mesmo por ser abolido de vez o ensino das
disciplinas científicas, já que não se praticavam. Até ser mandado encerrar,
em 1837, o Colégio dos Nobres não voltaria a ter ensino científico,
limitando-se ao ensino literário.[494]
Vale a pena contrastarmos esta situação desastrosa com a da Aula da
Esfera que funcionou ininterruptamente entre 1590 e 1759 no Colégio de
Santo Antão – num espaço que atualmente faz parte do Hospital de São
José. Ainda hoje podem ser vistos painéis de azulejos representativos dos
assuntos lecionados, à semelhança do que acontece no Colégio do Espírito
Santo, da Universidade de Évora. Aí se ensinaram matérias científicas e
matemáticas, com particular ênfase dada às questões relacionadas com a
náutica e a cosmografia. A Aula da Esfera era gratuita e estava aberta a
leigos, sendo ensinada em português. Os alunos aprendiam noções tão
avançadas como os logaritmos, o telescópio ou a projeção de Mercator,
sendo a escolha dos professores muito cuidada, recorrendo-se várias vezes a
professores estrangeiros de grande renome.[495] Tudo isso acabara. Para
além de Lisboa, deram-se em todo o país quebras muito significativas do
número de alunos, havendo relatos sobre a falta de professores e a fraca
qualidade do ensino.[496] D. Tomás de Almeida, o Diretor-Geral dos Estudos,
responsável por substituir o ensino dos jesuítas, teve desde logo enormes
dificuldades em recrutar pessoal docente, e avisaria mesmo num relatório
de 1763 que «os habitantes não têm como pagar os salários aos Mestres e
não mandam os filhos aos Estudos pelo que se perdem muitos talentos que
seriam úteis à Pátria se tivessem aplicação».[497] Dois anos depois, descobriu
que em várias das poucas escolas que restavam no país, os professores
continuavam a usar gramáticas jesuíticas, tendo sido esses professores
suspensos e os exemplares queimados em público.[498] Nos anos seguintes, a
situação do ensino pré-universitário manteve-se deplorável.[499] Uma lei de
1772, que lançava os fundamentos do que deveria ser o sistema escolar
futuro do Reino, dizia mesmo, no seu preâmbulo, que não era necessário
alfabetizar grande parte da população, pois deveriam ser reservados «ao
serviço rústico, e humilde do Estado», espelhando o que era argumentado
por vários homens dessa época que defendiam que os filhos dos pastores e
dos criados deviam simplesmente seguir a profissão dos seus pais.[500] Os
oratorianos também foram perseguidos por Pombal, mesmo os que tinham
gabinetes de Física experimental mais modernos.[501]
Nas universidades, as consequências da política pombalina também
foram desastrosas. Até então existiam apenas duas universidades em
Portugal e em todo o império. Uma delas, a Universidade de Évora, foi pura
e simplesmente fechada, como vimos no capítulo anterior. Restou a
Universidade de Coimbra. A reforma desta, promovida por Pombal (1772),
tem aspetos interessantes – deu-se uma modernização dos programas, a
criação da Faculdade de Matemática, a criação do Jardim Botânico, e do
Observatório Astronómico, entre outros aspetos.[502] A estrutura da
universidade foi completamente reformada. Mas, como outras coisas com
Pombal, foi tudo irrealista: muito mais de jure do que de facto. Não é
possível elogiar em abstrato os planos da reforma sem falar da realidade
dessa reforma. Grande parte das coisas previstas não se implantaram. O
ensino chegou a parar por completo e a universidade passou a ter muito
menos alunos, tornando-se mais elitista já que sofreu diretamente as
consequências do colapso do ensino pré-universitário.[503] Entre 1724 e
1771 (47 anos) passaram pela Universidade de Coimbra 132.869 alunos, o
que corresponde a uma média anual de 2827 matrículas, enquanto no
período imediatamente posterior à reforma pombalina, entre 1772 e 1820
(48 anos), apenas 21.675 alunos se matricularam na universidade,
correspondendo a uma média anual de 452 alunos – cerca de 16% das
inscrições anuais anteriores, sem que isto tivesse correspondido a uma
melhoria do conteúdo programático.[504]
Deste modo, a mais importante e mais dramática herança de todas as
políticas pombalinas foi Portugal tornar-se no país com a maior
percentagem de analfabetos da Europa: durante todo o século xix, as taxas
de literacia não chegavam a 20%. Portugal apenas voltaria a ter 20.000
estudantes no ensino pré-universitário nos anos 30 do século xx, e isto com
uma população do país quase três vezes maior (quase 7 milhões, em vez dos
cerca de 2,5 milhões, como vimos no Capítulo 1).[505] De modo a
estabelecer um corte radical com o passado, Pombal evitou utilizar esta
infraestrutura, convencido de que, dessa forma, o corte seria total, mas não
foi capaz de propor uma alternativa eficaz.[506] O ensino dos jesuítas, ao
contrário de outros sistemas, era central para Portugal, e a realidade é que
foi destruído sem ter sido substituído por uma alternativa funcional. Foi
uma catástrofe. Portugal regrediu de forma muito clara, precisamente
quando outros países da Europa Ocidental estavam a investir na
escolarização das suas populações e a assistir à industrialização das suas
economias. Logo em 1800, a percentagem de adultos que em Portugal
sabiam assinar o seu nome estava consideravelmente atrás da de outras
partes da Europa Ocidental.[507] Portugal estava já então claramente
atrasado, em contraste com o que tinha acontecido apenas meio século
antes, como vimos anteriormente. Foi nisto, na prática, que resultou o
despotismo – dito «esclarecido», aparentemente sem ironia – de Pombal.

As origens setecentistas do atraso português

Como expliquei neste capítulo, o notável progresso da economia e do


sistema político em finais do século xvii foi interrompido em inícios do
século seguinte. Para Portugal, tudo viria a mudar com a descoberta de
grandes quantidades de ouro no Brasil. O século do ouro foi o século de
uma maldição que condenou Portugal a um processo de decadência
económica e política, da qual só viria a sair muito mais tarde, já no século
xx. Com a base industrial destruída, um sistema político arcaico, e sem
escolas que permitissem sequer educar uma elite mínima que pudesse servir
de base a uma expansão futura da escolaridade, o país entrou no século xix
condenado, precisamente quando a maior parte dos países da Europa
Ocidental estava a preparar-se para ter revoluções industriais. Nem todas as
decisões feitas nos séculos seguintes foram boas, como veremos. Mas o
contexto foi muito dificultado pela pesada herança com que o país saiu do
século xviii.
Pombal foi, sem dúvida, um agente do seu tempo. Importa reconhecer,
contudo, que as decisões que tomou foram desastrosas para o país. O
Terramoto de 1755 ajudou-o a centralizar o poder, tendo de resto a sua
sobrevivência política sempre dependido da vontade do rei D. José, como a
morte deste último veio a demonstrar. Com o capitalismo de compadrio que
Pombal promoveu para benefício próprio, quem enriqueceu foi ele, assim
como os seus familiares e aliados políticos – enquanto a população
portuguesa no seu todo saía prejudicada. Seria isto «nepotismo
esclarecido»? Já a acusação de que expulsar os jesuítas iria permitir o
avanço científico do país – amplamente difundida às ordens de Pombal – é
uma das maiores mentiras da nossa História.
Ainda hoje estamos a pagar as consequências. Mas não deixa de ser
importante compreender que Pombal não foi um tirano que apareceu do
nada. Quando subiu ao poder, o ouro do Brasil já estava a causar problemas
económicos e políticos ao país desde há várias décadas: a indústria estava
em decadência acentuada e as Cortes já não se reuniam há meio século.
Como tal, a concentração de tanto poder num só homem, e num homem
como Pombal, é em si um sintoma da profunda doença do país, e não a sua
causa.
Não deixa, no entanto, de ser verdade que Pombal foi a pessoa mais
diretamente responsável por condenar Portugal a séculos de atraso
educativo. Vale a pena, por isso, fazer a seguinte pergunta: porque será que
Pombal é tantas vezes encarado como um reformista de vistas largas? Em
parte, porque ainda governou durante um período de relativa prosperidade e
porque os regimes que o sucederam não foram melhores. Não é por acaso
que, durante a Viradeira – o regime associado a D. Maria I, que lhe sucedeu
–, cunhou-se a expressão «mal por mal que venha o Pombal». A pouco e
pouco, Pombal veio a surgir como uma figura musculada que fez algo pelo
país. Hoje sabemos que a economia colapsou, de forma espetacular, nas
décadas finais do século xviii, e que o atraso se acentuou na primeira
metade de Oitocentos.[508] Ainda que isso tivesse acontecido em parte
devido às ações de Pombal – e, num sentido mais profundo, devido à
Maldição Dourada –, o declínio fez-se sentir principalmente a partir do
reinado de D. Maria I. Um observador francês notou, em finais do século, a
pobreza da população de Lisboa, troçando da convicção de muitos
portugueses de que viviam no melhor país do mundo. Escrevia ele que, pelo
contrário, o país era «o mais atrasado, o mais ignorante, o menos civilizado,
o mais selvagem e bárbaro de todos os países da Europa».[509] A qualidade
das instituições não melhorou depois da queda de Pombal, tendo outro
observador estrangeiro considerado que o governo de D. Maria I:

pode ser considerado como o mais despótico de todos os que dirigem os Reinos
da Europa (…) a lei aqui estabelecida é geralmente uma palavra vazia de sentido, a
não ser quando as suas cláusulas são postas em execução por ordens especiais do
soberano.[510]

Essa era a forma de governar de Pombal, mas assim continuou depois da


sua queda.[511]
Não sou, em geral, a favor do derrube de estátuas, mas não deixa de ser
curioso que Pombal tenha a proeminência que tem na mais conhecida
rotunda do nosso país.[512] Essa estátua representa hoje o triunfo da
propaganda sobre a verdade, mais de dois séculos depois. Não há dúvida de
que as mentiras promovidas por Pombal foram eficazes, também por terem
sido evidentemente úteis a regimes e narrativas que surgiram mais tarde.
Assim, não surpreende a subsequente reabilitação e veneração da sua
figura, não deixando de ser irónico que ainda hoje seja frequentemente visto
como um grande reformador, até entre muitos historiadores incautos. Tudo
culminou no mandar erguer da sua estátua, cerca de um século e meio
depois da sua morte, por um regime que também se caracterizaria por uma
grande divergência entre as belas intenções declaradas e a realidade
conseguida a nível educativo: a Primeira República. Mas, antes de aí
chegarmos, temos de atravessar o século xix: um período deprimente da
História de Portugal. Ainda que a maldição do ouro já estivesse a afundar a
economia setecentista portuguesa, e o atraso tenha aí as suas raízes, foi no
século xix que Portugal bateu no fundo.

[294] Carta de Ofício a Marco António de Azevedo Coutinho em 2 de janeiro de 1741. Em:
MELO (1986), p. 11. Como noutras citações mais antigas mencionadas neste livro, modernizei o
vernáculo da citação.

[295] GODINHO (2019). Originalmente publicado em 1971. Godinho, que poderia ser descrito
como um Oliveira Martins estruturalista, foi um sábio, mas como tantos outros deixou-se trair muitas
vezes pela sua ideologia.

[296] COSTA et al. (2018), p. 1148; COSTA et al. (2013).

[297] CARDIM (2005), p. 223.

[298] Sobre o efeito dos metais preciosos americanos nestes outros países, veja-se PALMA
(2018a); e CHEN et al. (2022).

[299] Uma discussão das quantidades produzidas e importadas para a Europa está disponível em
Palma (2020a); e também PALMA (2022a).

[300] DRELICHMAN (2007).

[301] No caso de Inglaterra os dados correspondem a Inglaterra e País de Gales até 1700, e à
Grã-Bretanha a partir daí. As fontes são: BROADBERRY et al. (2015); PRADOS DE LA
ESCOSURA et al. (2022); PALMA e REIS (2019).

[302] A abertura dos portos deu-se com uma carta régia de janeiro de 1808 («Decreto de Abertura
dos Portos às Nações Amigas»), promulgada pelo Príncipe-regente pouco depois da chegada da corte
ao Brasil. Terminou assim o sistema de comércio mercantil que obrigava os produtos brasileiros a
passarem pelas alfândegas da metrópole. Dois anos depois seria assinado o «Tratado de Comércio e
Navegação», um acordo internacional assinado entre Portugal e a Grã Bretanha a 19 de fevereiro de
1810, que estabelecia uma taxa alfandegária preferencial para os comerciantes ingleses.

[303] Outros exemplos poderiam ser dados, como Angola ou a Nigéria (comparadas com o
Quénia), ou ainda São Tomé e Príncipe (por contraste com Cabo Verde). Sobre esta última
comparação, veja-se VICENTE (2010).

[304] Isto acontece em particular aos países em que a natureza das instituições políticas não é
muito robusta quando as receitas aparecem, o que era certamente o caso da Venezuela no século xx, e
de Espanha e Portugal nos séculos xvi a xviii. Mas, o que é relevante notar é que o contrafactual não
teria sido certamente diferente para Inglaterra caso grandes quantidades de prata tivessem sido
encontradas em Massachusetts ou na Virginia em finais do século xvii, por exemplo. Sobre a
condicionalidade da Maldição dos Recursos à situação política e de desenvolvimento institucional
inicial, veja-se COLLIER (2011).
[305] Ainda que a designação seja recente, este fenómeno é de alguma forma conhecido há
muito. Por exemplo, tanto David Hume como Adam Smith notaram, no século xviii, que a prata e o
ouro não tinham enriquecido a Espanha e Portugal, antes o contrário. Hume notou isso mesmo em
1742, e Adam Smith constatou-o em 1776. Veja-se HUME (1987), p. 33, e SMITH (2003), livro 4,
capítulos 1 e 6. Logo no século xvi alguns intelectuais em Espanha também debateram estas
questões, ainda que em termos bastante mais vagos do que é hoje possível fazermos.

[306] GOLLIN et al. (2016).

[307] Um sumário desta literatura está disponível em CHAROTTI et al. (2022). Relativamente às
elites extrativas ligadas à terra, veja-se DRELICHMAN (2007).

[308] No caso de Espanha, a prata era taxada a 1/5 ou 1/10, dependendo das regiões ou períodos
temporais. No caso do Brasil no século xviii, o sistema fiscal mais conhecido é o do Quinto, mas na
realidade existiram outros em certas épocas, como é o caso da Capitação (imposto pago em função
do número de escravos a trabalhar na extração do ouro). Também podia existir contrabando, mas tudo
indica que era relativamente reduzido, já que era uma prioridade absoluta da Coroa evitar a fraude.
De forma aproximada podemos dizer que cerca de um quinto do produzido era entregue ao Estado.

[309] Há um terceiro mecanismo que se relaciona com volatilidade dos recursos Veja-se CHEN
et al. (2022).

[310] Sobre as dimensões comparadas das maldições dos recursos ao longo da história,
especialmente na sua componente fiscal, veja-se DRELICHMAN e VOTH (2008).

[311] CHAROTTI et al. (2022).

[312] COSTA (1883), pp. 303-305.

[313] Também a França tinha tido uma bancarrota em 1558, possivelmente por ter imitado a
Espanha. Veja-se REINHART e ROGOFF (2009), p. 87.

[314] PERES (1957), PERES (1933), 2.ª parte, cap. III. Não se tratou de uma bancarrota pois os
credores tiveram a possibilidade de recuperar o principal (o capital investido), caso não
considerassem as novas condições satisfatórias.

[315] CARDIM (2005), p. 186.

[316] As Cortes de Castela com Filipe II (I de Portugal) também ainda tinham, apesar de tudo,
alguma força nesta época, embora em decrescendo. A viragem definitiva deu-se com o novo imposto
de 1599, já durante o reinado de Filipe III (II de Portugal). Veja-se HENRIQUES e PALMA (2023a).

[317] HENRIQUES e PALMA (2023a).

[318] MAGALHÃES (2012), pp. 93-94, 110.


[319] Apesar disto, não há suporte empírico até 1640 que justifique a ideia, lançada pela
historiografia antifilipina antes e depois da Restauração, de que os duques de Bragança estariam em
retiro em Vila Viçosa como forma de resistência passiva. CUNHA (2000), pp. 281-294.

[320] A principal invasão espanhola acabaria por ser adiada quase duas décadas (1659),
coincidindo com o fim da Guerra Franco-Espanhola (1635-1659), tendo Portugal e a nova dinastia
dos Bragança tido tempo para organizarem o país e a sua defesa.

[321] A décima foi nessa altura substituída pela contribuição predial. Sobre as implicações fiscais
da décima, veja-se COSTA e MIRANDA (2023); COSTA et al. (2022).

[322] Entretanto, os impostos não aprovados pelas Cortes aumentaram. Depois de 1640, apenas
voltariam a ser frequentes a partir de meados do século seguinte, com Pombal.

[323] Tendo também na década de 30 desse século sido forjadas as atas das Cortes de Lamego.
Veja-se CARDIM (2005), p. 198.

[324] CARDIM (2005), pp. 199-200.

[325] LUCENA (1641), p. 26. Ver ainda CARDIM (1998b).

[326] Na assembleia de 1641, reconheceu-se às Cortes a capacidade para avaliar a governação do


rei, de terminar com a obediência do reino ao mesmo, e de escolher um novo soberano. Veja-se
CARDIM (2005), p. 202.

[327] Estes corresponderam a 1641, 1642, 1645-1646, 1653-1654, 1668, 1673-1674, 1679-1680,
e 1697-1698.

[328] HENRIQUES e PALMA (2023a), nomeadamente a Tabela 7, p. 277. Esta situação das
Cortes portuguesas na segunda metade do século xvii contrastava com o caso de Espanha, onde a
última assembleia tomou lugar em 1664.

[329] ROCHA (1896), p. 169. Sobre a relevância destas matérias a explicar o sucesso económico
de Inglaterra, veja-se COX (2016).

[330] Atas de Vereações, Livro 48, Arquivo Distrital de Beja.

[331] CHAROTTI et al. (2022), e a literatura aí citada.

[332] CARDIM (2005), pp. 206, 222.

[333] Esta expedição está descrita, por exemplo, em AZEVEDO (1929), e em PERES (1932), p.
156 e seguintes.

[334] MAURO (1997), pp. 147-152.

[335] BOXER (1952), pp. 35-36.


[336] Muita da discussão que se segue é baseada nestes acontecimentos descritos em
KEDROSKY e PALMA (2024). Sobre a descoberta do ouro por volta de 1693-1695, veja-se BOXER
(1962), p. 36.

[337] MAGALHÃES (2005). Sobre a chegada das notícias do ouro à costa do Brasil logo em
1695-1697, veja-se BOXER (1962), p. 39.

[338] BOXER (1962), p. 41.

[339] BOXER (1969), pp. 455-457.

[340] Sobre os números da população e emigração, veja-se PALMA et al. (2020); e COSTA et al.
(2016), p. 166.

[341] BOXER (1962), p. 42.

[342] Ver detalhes no apêndice a KEDROSKY e PALMA (2024).

[343] BOXER (1969), pp. 459-461. Consulte-se também BOXER (1962).

[344] TEPASKE (2010).

[345] COSTA et al. (2016), p. 204.

[346] COSTA et al. (2018); COSTA et al. (2013), p. 1148.

[347] Esta é uma terminologia que se prende com um fenómeno do século xx, e é, a meu ver,
infeliz, mas está bem estabelecida na literatura e por isso a menciono.

[348] PALMA e REIS (2019), pp. 485, 497.

[349] PALMA e REIS (2019).

[350] COSTA et al. (2016), especialmente a p. 188.

[351] NETO (2017), p. 118; SOUSA (2006), p. 28; SEQUEIRA (2018).

[352] COSTA et al. (2016), p. 195.

[353] Tem existido em anos recentes uma reavaliação do valor da política industrial na ciência
económica. Reconhece-se agora que existem vários contextos, tanto históricos como nos países em
vias de desenvolvimento na atualidade, em que uma política de substituição de importações, ou mais
genericamente uma política industrial, tiveram sucesso (ainda que não aconteça sempre). Veja-se
JUHÁSZ (2018); LANE (2021); JUHÁSZ et al. (2023).

[354] PEDREIRA (1994), p. 26; PEDREIRA (2005).

[355] DIAS (1954).


[356] Sobre a posição de Vedor da Fazenda, cujas competências variaram no tempo, veja-se
ANTT, Conselho da Fazenda.

[357] LOURENÇO (2007), p. 124.

[358] MACEDO (1982), pp. 25, 29.

[359] Sobre o contexto mercantilista da época, FINDLAY e O’ROURKE (2009).

[360] Relativamente a este tipo de efeitos, veja-se GALOR (2011).

[361] MACEDO (1982), p. 32.

[362] HANSON (1981).

[363] Em 1671, artesãos especializados em têxteis foram contratados em Rouen, França, para
trabalhar em Estremoz. HANSON (1981).

[364] Este programa de industrialização acabou por ser abandonado devido à pressão política de
quem era afetado negativamente pelo monopólio, mas demonstrou a viabilidade da produção em
escala em Portugal. COSTA et al. (2016), p. 141.

[365] LOURENÇO (2007), p. 308.

[366] HANSON (1981).

[367] MENESES (2001); MACEDO (1982), p. 36.

[368] COSTA et al. (2016), p. 203.

[369] MACEDO (1982), pp. 25, 28.

[370] FINDLAY e O’ROURKE (2009).

[371] LOURENÇO (2007), p. 306.

[372] PEDREIRA (2005), p. 194.

[373] PEDREIRA (2005).

[374] KEDROSKY e PALMA (2024).

[375] O desenvolvimento industrial teria certamente levado ao aparecimento de externalidades


(na linguagem dos economistas), através de economias de aglomeração sobreviventes à
independência do Brasil e do seu mercado privilegiado, fenómenos que seriam inevitáveis a prazo.
Sobre um tratamento geral destas questões, veja-se KRUGMAN (1987); e MELITZ (2005).
[376] Note-se que no período anterior à refrigeração, a carne era efetivamente um bem não
transacionável (ainda que fosse possível ser trocada a nível internacional se salgada). A fonte da
figura é KEDROSKY e PALMA (2024).

[377] PEDREIRA (2005), p. 205-206.

[378] COSTA et al. (2016); FISHER (1971), p. 197. Noto de passagem que o ouro português
ganhou importância na economia inglesa. PALMA (2018a); e PALMA (2020a).

[379] FISHER (1971), p. 144-145.

[380] SILVA (2018), pp. 59-60, 79-80.

[381] FRANCIS (1966), pp. 216-217.

[382] Para detalhes sobre estes cálculos, veja-se KEDROSKY e PALMA (2024).

[383] Condições parecidas foram oferecidas mais tarde pela Inglaterra aos Países Baixos. Veja-se
PEDREIRA (2005).

[384] COSTA et al. (2016), p. 140.

[385] COSTA et al. (2016), p. 195.

[386] MACEDO (1982), p. 45.

[387] COSTA et al. (2016), p. 200.

[388] A minha interpretação é, portanto, diferente da longa tradição que existe que culpa
diretamente o Tratado de Methuen. Por exemplo, em parte numa resposta à teoria das vantagens
comparativas de David Ricardo, o economista alemão Friedrich List notou já no século xix que
Portugal teve um surto industrial em finais do século xvii, interrompido devido à destruição da
indústria nacional promovida pelo Tratado de Methuen. Veja-se LIST (1841).

[389] GOLLIN et al. (2016).

[390] Fontes: PALMA e REIS (2019); e REIS (2005b) para os períodos posteriores a 1850. Note-
se que o trabalho em curso de Hélder Carvalhal e Filipa Ribeiro da Silva, utilizando outro tipo de
dados para o século xviii, sugere um padrão semelhante: por volta da década de 60 do século xviii,
cerca de metade da população portuguesa trabalhava em setores fora da agricultura. Este trabalho
ainda não está disponível, mas consulte-se o trabalho relacionado que os mesmos autores fizeram
anteriormente, CARVALHAL e SILVA (2019).

[391] Não confundir o milho americano (Zea mays), que teve uma grande expansão em Portugal
no século xviii, especialmente no norte do país; com o milho europeu, chamado de milhete, milho-
miúdo ou painço. Sobre a questão agrícola, veja-se PALMA e REIS (2019) e a literatura aí citada;
sobre a emigração para o Brasil, veja-se PALMA et al. (2020).
[392] Sobre este conceito, veja-se GOLLIN et al. (2016).

[393] Para detalhes sobre o cálculo destes valores, veja-se KEDROSKY e PALMA (2024).

[394] COSTA et al. (2018), p. 1153.

[395] Existe muita informação disponível sobre a venda de terras e o comportamento de mercado
nas terras existentes. Aplicavam-se incentivos económicos mesmo nas terras sujeitas a contratos
enfitêuticos, onde na prática as pessoas simplesmente pagavam uma renda (geralmente uma
proporção do produto) ao proprietário. Por isso havia ampla margem de manobra para decisões
individuais e incentivos. Veja-se FREIRE e LAINS (2016), nomeadamente os caps. 3, 4, e 6.
Consulte-se ainda COSTA et al. (2016), pp. 180-182.

[396] As regiões litorais complementavam as montanhosas a nível agrícola, inclusivamente


através da especialização produtiva que levava a uma relação simbiótica entre a pecuária e o cultivo
de cereais, assim como pomares. Por volta de 1722, a pecuária no Algarve era suficientemente
produtiva para responder à procura não só dessa região, como também de outras do país. Nessa
província, grandes percentagens dos bois (93%) e das ovelhas (72%) estavam disponíveis para venda.
Veja-se COSTA et al. (2016), pp. 180-182.

[397] COSTA et al. (2016), pp. 172-173.

[398] KEDROSKY e PALMA (2024); PALMA e REIS (2019).

[399] KEDROSKY e PALMA (2024).

[400] PEDREIRA (2005), p. 196; KEDROSKY e PALMA (2024).

[401] PEDREIRA (1994), p. 59.

[402] CORDEIRO, pp. 12, 56-57.

[403] Para além do PIB per capita propriamente dito, os salários reais (ou seja, já corrigidos da
inflação) dos trabalhadores, tanto os qualificados como os não qualificados, caíram nas décadas
finais do século xviii. Para além disso, também a quantidade relativa de trabalhadores não
qualificados aumentou relativamente aos qualificados, como também sugere a informação respeitante
à mudança estrutural negativa observada na segunda metade do século xviii (e que se agravaria na
primeira metade do século xix), antes discutida no contexto da Figura 19. Veja-se PALMA e REIS
(2019).

[404] Esta ideia é defendida, por exemplo, por PEDREIRA (1994), p. 298. No entanto, este autor
compara os números de exportação nominais ao longo do tempo sem ter em conta a inflação. Entre
1790 e 1805 os preços aumentaram cerca de 50%, estabilizando (ou até descendo ligeiramente)
durante algum tempo, para aumentarem novamente a partir de 1809. Alguns anos depois, existiu até
um período deflacionário, ou seja, de descida de preços. Tal volatilidade nominal impede que se
infiram valores ou quantidades sem ter em conta a evolução do nível de preços. Para o nível de
preços, veja-se PALMA e REIS (2019). Outro autor que defende a importância das Invasões na
destruição da indústria, focando-se no caso de Trás-os-Montes, é SOUSA (2006).
[405] FISHER (1971).

[406] Ainda em finais da década seguinte, outro estrangeiro faria observações de teor semelhante:
«O ouro que lhes vem da América meridional só lhes passa pelas mãos para ir encher as das nações
mais industriosas, em paga de coisas indispensáveis de alimento e vestuário que elas lhes fornecem».
Veja-se MÓNICA (2020), pp. 22-23, 27, 59.

[407] FISHER (1971), p. 144.

[408] COSTA et al. (2016), p. 197.

[409] O «excesso de monges, padres e freiras», assim como o dinheiro gasto em missas «para
livrar as almas do Purgatório», por vezes notada por observadores estrangeiros, deve ser visto não
tanto como fruto da mentalidade da época – que era parecida em toda a Europa, e dentro desta ainda
mais na Europa católica, como vimos no Capítulo 5 –, mas como resultante da disponibilidade de
ouro do Brasil e das suas consequências. Em relação aos comentários de observadores estrangeiros
sobre o excesso comparado de gastos nestas matérias, veja-se MÓNICA (2020), pp. 43, 58, 96.

[410] O conde de Povolide deixou um testemunho relativo ao «aumento do culto divino da Igreja
com grandes despesas da sua Real Fazenda», despesas que podiam ser feitas graças à «grande
abundância de oiro que trazem as frotas do Brasil das minas deste Estado, e vemos já erguida em Sé
Patriarcal a Capela Real com Patriarca e cónegos com traje e honras de bispos»; citado em RAMOS
et al. (2009), p. 348.

[411] Na traseira do coche pessoal deste último destaca-se uma águia imperial que representa o
Poder Absoluto.

[412] PEDREIRA (1994), pp. 41-42 e PEDREIRA (2005).

[413] As cidades de consumo, por contraste com as cidades produtivas, tendem a proliferar em
países com níveis elevados de exportações de recursos naturais (como o ouro). GOLLIN et al.
(2016).

[414] FISHER (1971).

[415] REIS (2017b).

[416] COSTA et al. (2016), p. 183.

[417] FISHER (1971), p. 222.

[418] COSTA et al. (2016), p. 180.

[419] Só a invenção da refrigeração no século seguinte permitiu o comércio internacional deste


produto, já a salga não era uma solução técnica adequada a grande escala.

[420] HENRIQUES e PALMA (2023a); COSTA et al. (2018).


[421] RODRIGUES (2019a).

[422] RODRIGUES (2019b).

[423] RODRIGUES (2023).

[424] SALVADO (2019a); SALVADO (2019b).

[425] COSTA et al. (2016), p. 207.

[426] COSTA et al. (2016), p. 206-208.

[427] As medidas protecionistas de Pombal levantadas a partir de 1770 mantinham a proibição de


atividades industriais no Brasil. Manter-se-iam em vigor até 1785.

[428] MADUREIRA (1997), pp. 439-440.

[429] MADUREIRA (1997), pp. 439-440; COSTA et al. (2016), pp. 215-216.

[430] Já que era responsabilidade do rei convocar as Cortes. Sobre a relação entre a necessidade
de assinar um Tratado de comércio e a defesa do Tratado ultramarino, veja-se, por exemplo, SILVA
(2018). Note-se que, no século anterior, D. João IV e os seus sucessores tinham negociado com as
Cortes não de bom grado, mas antes por necessidade fiscal. Veja-se CARDIM (2005), pp. 206-207.

[431] Sobre o «poder absoluto», veja-se MACEDO (1963).

[432] Apesar do título ter sido atribuído apenas sete anos antes de perder o poder, refiro-me
várias vezes no livro a Sebastião José Carvalho e Melo como «Marquês de Pombal», ou «Pombal»,
mesmo para períodos anteriores ao título nobiliárquico, por ser assim conhecido, sendo esta
simplificação comum mesmo na literatura histórica especializada.

[433] Por exemplo, veja-se PEREIRA (2009). Para uma visão mais matizada, mas ainda assim
largamente positiva em relação aos supostos esforços de centralização e racionalização de Pombal,
veja-se MAXWELL (1995); MONTEIRO (2008); e RAMOS et al. (2009), pp. 366-371.

[434] FRIEDRICH (2022), pp. 445-447.

[435] Os jesuítas defendiam genericamente que os governantes deviam ter o poder limitado pelas
leis, assembleias representativas, normas éticas, e conceitos abstratos como o «bem comum».
FRIEDRICH (2022), p. 299.

[436] O ensino gratuito era prática corrente nos colégios jesuítas. FRIEDRICH (2022), pp. 103,
272; O’MALLEY (1993); e GRENDLER (2018).

[437] ROMEIRAS (2014), pp. 17-21.

[438] LISBOA e MIRANDA (2011), pp. 341-342.


[439] SILVA (1986).

[440] STOLZ et al. (2013), pp. 562-564.

[441] Fonte: gravura de autor desconhecido, de 1759 ou 1760. Imagem disponível em


BIBLIOTECA NACIONAL.

[442] Seria, aliás, possível reforçar algumas das ideias que referi nesse capítulo. No presente
contexto, importa notar que nomear grupos de uma forma genérica como «o Clero» – mesmo
distinguindo o Clero secular do regular – esconde diferenças importantes. Os jesuítas eram muito
diferentes, e opunham-se, aos dominicanos, associados à Inquisição e apoiantes do poder absoluto.

[443] SEABRA (2021); FRANCO (2006), p. 576; CARVALHO (2011b), p. 467.

[444] MÓNICA (2020), pp. 35, 48.

[445] LISBOA e MIRANDA (2011), p. 286.

[446] Já no reinado de D. João V era habitual as autoridades abrirem a correspondência privada,


«para garantir a segurança do trono» e «precaver os mais remotos inconvenientes». LISBOA e
MIRANDA (2011), p. 384.

[447] COSTA et al. (2016), p. 216.

[448] LISBOA e MIRANDA (2011), p. 386.

[449] MÓNICA (2020), p. 49.

[450] Um exemplo de um autor que exagera muito o impacto do Terramoto é PEREIRA (2009).

[451] Em rigor, estas unidades correspondem à escala de magnitude do momento, que sendo
calculada de forma diferente (mais precisa), está normalizada para ser equivalente à Escala de
Richter. JOHNSTON (1996).

[452] FRANÇA (2009), pp. 350-351. Tal como França refere, foi moda entre os lisboetas de
posses construírem barracas mesmo nos casos em que as suas casas não tinham sido afetadas.

[453] SERRÃO (2007).

[454] OFFICE FOR NATIONAL STATISTICS (2019).

[455] MÓNICA (2020), p. 43.

[456] A população de Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes, e Beira correspondia a cerca de


dois terços do total em meados do século xviii. Note-se que para além do Algarve e do Alentejo,
incluo a Estremadura nas regiões afetadas. PALMA et al. (2020).

[457] FRANCO (2006), pp. 415, 422.


[458] FRANCO (2006), p. 471.

[459] MELO (1986), p. 11.

[460] BESLEY et al. (2023); O’BRIEN e PALMA (2023); O’BRIEN (1988); BOGART e
RICHARDSON (2011); e BOGART e RICHARDSON (2009).

[461] MELO (1986), p. 34.

[462] No que diz respeito a Pombal expulsar os jesuítas motivado pela vontade de aumentar o
poder real, à semelhança do que aconteceu pouco tempo depois em Espanha, veja-se FRIEDRICH
(2022), p. 599.

[463] Malagrida tinha passado muitos anos no Brasil e enfrentado o irmão de Pombal, que era aí
Governador. Para além disso, no ano seguinte ao Terramoto, este jesuíta publicou um opúsculo no
qual afirmava que a catástrofe era um castigo de Deus pelo despotismo e a ruína moral do governo
português. Veja-se FRIEDRICH (2022), p. 591; e FRANCO (2006), pp. 417-419.

[464] ROMEIRAS (2014), p. 14, e as referências aí citadas.

[465] FRANCO (2006), p. 413.

[466] Elaborado sob supervisão e inspiração de Pombal, a obra que ficou conhecida como
Relação Abreviada fazia acusações medonhas contra os jesuítas. Veja-se FRANCO (2006), p. 422.

[467] Esta temática encontra-se bem explicada em FRANCO (2006), pp. 400-411. Agradeço a
José Eduardo Franco as várias conversas que tivemos sobre estes assuntos.

[468] FRANCO (2006), pp. 428-429.

[469] PEDREIRA (1992), p. 413.

[470] LISBOA e MIRANDA (2011), p. 385.

[471] COSTA et al. (2016), pp. 215-216.

[472] ROMEIRAS (2019a), p. 172.

[473] MÓNICA, p. 45.

[474] Sobre o fracasso dos planos pombalinos de fomento industrial, veja-se MADUREIRA
(1997); MACEDO (1982); e PEDREIRA (2005), pp. 205-206.

[475] ROMEIRAS (2019a), pp. 175-177.

[476] Outros observadores estrangeiros observaram nas décadas seguintes a corrupção do sistema
judicial. Consideraram que, por vezes, ela resultava da pobreza dos agentes do Estado, como por
exemplo os escrivães e os juízes. Veja-se MÓNICA (2020), pp. 43, 97, 129, 136.
[477] RAMOS et al. (2009), pp. 366-368; FRANCO (2006), pp. 424-427.

[478] As circunstâncias desta eventual tentativa de assassinato não são de todo claras, não sendo
de excluir que se tenha tratado de uma encenação encomendada pelo próprio Carvalho e Melo.

[479] ROMEIRAS (2014), p. 15; ROMEIRAS (2019b); FRIEDRICH (2022), pp. 585-586, 590-
592. Sobre a incriminação dos jesuítas, acusados de tentativa de regicídio para vingarem o
afastamento da corte e o desfavor real, Veja-se FRANCO (2006), pp. 343-344. Um visitante italiano
em 1760, que por duvidar do que se passara tentou recolher testemunhos, notou que ninguém queria
dar-lhe informações, «sendo visível o medo que tinham de abordar o sucedido»; Veja-se MÓNICA
(2020), p. 27.

[480] FRANCO (2006), p. 574. Na realidade, em Portugal, os jesuítas eram inimigos declarados
da Inquisição, controlada pelos dominicanos. THOMAZ (2022), pp. 162-163.

[481] O quadro na sua iconografia também mostra outros aspetos da obra de Pombal,
nomeadamente a reconstrução da cidade depois do Terramoto.

[482] ROMEIRAS (2019a), p. 186; FRIEDRICH (2022), pp. 602-603.

[483] STOLZ e REIS (2013), pp. 562-564.

[484] FRANCO (2006), pp. 436-438. O Tribunal da Junta da Inconfidência tinha sido criado por
Pombal para julgar os acusados pelo atentado contra o rei D. José dos crimes de lesa-majestade,
traição e rebelião. Viria a ser também usado para envolver os jesuítas na tentativa de regicídio.

[485] CARVALHO (2011b), pp. 429-436.

[486] Sobre a catástrofe pombalina para a educação nacional, vale a pena também consultar
BUESCU (2012), pp. 56-68.

[487] ROMEIRAS (2014), p. 17 e as referências aí citadas; ROMEIRAS (2019b).

[488] ROMEIRAS e LEITÃO (2022).

[489] LEITÃO (2007), p. 88.

[490] Sobre este colégio, consultar LEITÃO (2007).

[491] Na viragem para o século xviii, a Companhia de Jesus acompanhava apenas com algum
atraso e hesitação as novidades científicas da época; FRIEDRICH (2022), pp. 380-382.

[492] CARVALHO (1959); LEITÃO (2007); e ROMEIRAS (2014), p. 18.

[493] Isto porque o Colégio dos Nobres nunca chegou a acolher 100 alunos.
[494] CARVALHO (2011b), pp. 446-451. Não considero aqui a fundação da Aula do Comércio,
por Pombal, pois também era uma instituição elitista, sem capacidade de alavancar o
desenvolvimento, num país de analfabetos.

[495] LEITÃO (2007).

[496] ANDRADE (1981).

[497] CARVALHO (2011b), pp. 434-436.

[498] CARVALHO (2011b), pp. 436-437.

[499] CARVALHO (2011b), pp. 453-457.

[500] LISBOA e MIRANDA (2011), pp. 352-353.

[501] FRANCO (2006), pp. 463-465.

[502] CARVALHO (2011b), pp. 466, 469.

[503] CARVALHO (2011b), pp. 436, 482.

[504] ROMEIRAS (2019b), cap. 2.

[505] RAMOS (2009), pp. 40, 45; LEITÃO e ROMEIRAS (2015).

[506] ROMEIRAS (2019b), cap. 2.

[507] REIS (2005a), p. 202.

[508] PALMA e REIS (2019).

[509] MÓNICA (2020), pp. 50-51.

[510] MÓNICA (2020), pp. 58-59.

[511] MADUREIRA (1997), p. 439.

[512] Não nego a legitimidade do derrube espontâneo de algumas estátuas, como aconteceu por
exemplo em Portugal logo a seguir ao 25 de Abril, e em países ex-comunistas da Europa Central e do
Leste no início dos anos 1990. São situações diferentes de outras mais recentes em que isso é feito
por certas minorias políticas num contexto político estável e na ausência de um debate histórico sério.
7.
Um país novo, liberal?

Heróis do mar, nobre povo,


Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Henrique Lopes de Mendonça, A Portuguesa

No século xix Portugal bateu no fundo. Durante décadas, o país foi


pouco mais do que uma quintarola de Inglaterra. A transformação de
Portugal num protetorado sob dependência inglesa resultou em parte das
Guerras Napoleónicas, e depois das Civis, mas também foi um resultado do
declínio económico do país que vinha de trás.[513] Ainda assim, durante essa
centúria, a situação comparada agravou-se. O atraso institucional e
educativo – e, em consequência, também económico – do país tornou-se
manifesto. Em meados do século, Portugal já era o país mais atrasado da
Europa Ocidental: uma situação relativa que se manteve até aos nossos dias.
[514]
Por outro lado, como notei no capítulo anterior, as raízes desse atraso
eram anteriores. Apesar de ter sido no século xix que Portugal bateu no
fundo, também foi nessa altura que alguns dos pilares do desenvolvimento
futuro do país começaram a ser estabelecidos, ainda que de uma forma
muito insatisfatória. Existe uma abundante literatura escrita em português,
alguma da qual com qualidade, dedicada a este período. Mas, do meu ponto
de vista, falta a esta literatura uma visão comparada e quantitativa, de longo
prazo. Esta carência tem contribuído para que muitas vezes se confunda a
convergência política – que aconteceu, pelo menos parcialmente, nesta
época – com a económica, que não aconteceu.
O período entre a Revolução do Porto de 1820 e a Regeneração de 1851
foi muito instável politicamente, e pode ser descrito de forma simplificada e
sumária como uma sucessão de violentas lutas pelo poder entre absolutistas
e liberais e, depois, entre diferentes fações dos vencedores liberais. Dentro
deste último grupo, figuras como Passos Manuel, «à esquerda», e Costa
Cabral, «à direita», estavam separadas por um mundo de diferenças, tendo
também existido «centristas» como Rodrigo da Fonseca Magalhães.[515]
Numa perspetiva política, este período conturbado é um legado da forma
como decorreram as lutas napoleónicas em Portugal, juntamente com a
situação anterior de grave atraso do país. Mesmo depois do Congresso de
Viena (1815), que marcou a derrota final de Napoleão em toda a Europa, o
rei não regressava do Brasil, deixando o país ocupado por tropas inglesas,
comandadas por Beresford. Em reação a esta situação deu-se o
pronunciamento militar no Porto em 1820, que acabou por levar à
convocação de Cortes, que já não se reuniam desde 1698. As Cortes
aprovaram a Constituição de 1822, inspirada pela Constituição de Cádis,
homologada em Espanha uma década antes. Essa Constituição propunha
mudanças radicais à sociedade, que dificilmente poderiam ficar sem
resposta.
O infante D. Miguel foi exilado na sequência das movimentações de teor
absolutista conhecidas por Vilafrancada, em 1823, e Abrilada, em 1824, esta
última contrariada por uma intervenção militar estrangeira, ainda em vida
de D. João VI. A morte do rei, dois anos depois, seria seguida ainda nesse
ano de 1826 pela Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV.[516] Este
abdicou então a favor da filha, D. Maria II, à época com apenas sete anos de
idade. As forças da Regência (ou seja, os «liberais» cartistas), comandadas
pelo futuro Duque de Saldanha, derrotaram tentativas de invasão do país
por exércitos miguelistas vindos de Espanha, entre novembro de 1826 e
março de 1827, graças a apoio militar e financeiro britânico.[517] Mas os
empréstimos contraídos teriam de ser pagos. No verão de 1827, D. Pedro
enviou a filha para Portugal e nomeou o irmão mais novo, D. Miguel, como
sendo o regente e futuro genro. No ano seguinte, este último regressou do
exílio, dissolvendo pouco depois a Câmara dos deputados, cartista, e
afirmando-se como monarca «absoluto».[518] Milhares de liberais foram
presos, mortos, ou tiveram de se exilar em Inglaterra e noutros países.
Muitos viriam a fazer parte do exército liberal que se iria formar nos anos
seguintes.
Mas no Brasil as coisas não corriam bem a D. Pedro, que, por
vicissitudes várias, se viu forçado em 1831 a abdicar a favor do filho, na
altura com cinco anos de idade. Foi assim que, voltando para a Europa, e
viajando entre Paris e Londres, apesar de não ter conseguido apoio oficial
nem francês nem britânico, acabou por conseguir um empréstimo privado
avolumado em nome da sua filha D. Maria II, para financiar uma tentativa
de reconquista de Portugal.[519] Desembarcaria em fevereiro do ano seguinte
na única região de Portugal que não era dominada pelos miguelistas: os
Açores. Juntou-se aí a força de invasão liberal, que incluía de resto muitas
centenas de mercenários e voluntários britânicos e franceses. O
desembarque das forças liberais no norte do país em 1832, ainda que, numa
primeira fase, tenham ficado cercadas na cidade do Porto, levaria a seu
tempo à vitória liberal – mas apenas graças a mais uma intervenção militar
estrangeira. Nos campos, fora da cidade, poucos tinham aderido ao lado
liberal, e não existiram as deserções do exército miguelista com que D.
Pedro estava a contar. A Guerra Civil seria vencida pelos liberais graças à
ajuda de navios a vapor britânicos, pois havia interesse em recuperar os
empréstimos concedidos a D. Pedro e aos liberais.[520] Na sequência de uma
Guerra Civil violenta, triunfava assim o Cartismo em 1834, ainda que a
Revolução de Setembro, dois anos depois, seguida da Constituição de 1838,
tenha tentado um regresso, pelo menos parcial, ao radicalismo da
Constituição de 1822. Passos Manuel gabou-se mesmo de que tinha
«cercado o trono de instituições republicanas».[521] Mas seria sol de pouca
dura, já que em finais do ano seguinte se daria logo uma contrarrevolução.
[522]
Haveria depois uma reversão ao Cartismo, mais moderado, em 1842,
seguida de um compromisso a partir de 1851. Até então, imperava o
«exclusivismo»: quando uns ganhavam, saneavam da administração pública
os anteriores.
Um dos aspetos mais relevantes desta época foram as questões de
natureza religiosa, centrais para um país com as características de Portugal,
onde numerosas instituições eclesiásticas tinham acumulado uma grande
riqueza e tinham um papel central na vida das populações. Logo em 1822,
as Cortes Constituintes, conscientes de que o Clero era genericamente
favorável ao que se passou a chamar «Absolutismo», proibiram a admissão
de noviços e reduziram as casas conventuais por decreto. Esta decisão foi
revertida com a contrarrevolução de 1823. D. Miguel, em 1829, chegou a
autorizar o regresso da Companhia de Jesus.[523] Mas poucos anos depois,
na Convenção de Évora Monte, que confirmou a vitória do lado liberal da
Guerra Civil (1828-1834), foram novamente expulsos os jesuítas e extintas
as ordens religiosas masculinas, sendo as femininas proibidas de admitir
noviças, ficando, portanto, condenadas a prazo. Logo em 1832, ainda antes
da vitória liberal, Mouzinho da Silveira aboliu os dízimos eclesiásticos que
se destinavam à sustentação do Clero e da Igreja.[524] Mas essa seria apenas
uma primeira ação. Joaquim António de Aguiar, o maçon que foi líder dos
cartistas, ficaria conhecido como o «Mata Frades».[525] Isto aconteceu por
ter promulgado a lei de 30 de maio de 1834, que declarava extintos «todos
os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer outras casas das
ordens religiosas regulares», sendo os seus bens nacionalizados e
destinados à venda em hasta pública. Terão sido cerca de 450.[526] Ainda
hoje, aliás, muitos hospitais e outros imóveis do Estado por todo o país
resultam desta expropriação.[527]
Mais do que um ataque ao poder eclesiástico em geral, estas reformas
visavam o Clero regular em particular, que tinha uma parte importante da
riqueza, bem como uma forte influência, em Portugal. Nesta medida,
estavam a dar sequência a um ideal pombalino.[528] No entanto, ao contrário
do que viria a acontecer na Primeira República, não existiu uma vontade de
erradicar da população o sentimento religioso; a motivação do
anticlericalismo «liberal» foi portanto de natureza mais política e
económica do que propriamente ideológica.[529] Ficou, de resto, conhecido
este período como «devorismo», por existirem suspeitas de que a venda dos
bens da Igreja foi feita de forma a facilitar o acesso a esses bens aos líderes
liberais, o que seria, pelo menos em parte, verdade.[530] Aceitavam-se títulos
do Tesouro pelo valor facial, por mais desvalorizados (ou seja, sujeitos a um
desconto) que estivessem no mercado, para a compra dos bens em hasta
pública, tendo os bens mais valiosos sido leiloados apenas em Lisboa e não
nas sedes de comarca.[531] Estas e outras trafulhices não beneficiavam o país
no seu todo, mas antes quem tinha à partida informação e recursos (e, logo,
a capacidade) de aproveitar estas oportunidades para acumular mais
riqueza. É difícil saber se teria sido ou não possível uma transição mais
pacífica, mas a extinção das ordens religiosas masculinas em 1834 privou o
país da única potencial fonte de elites alfabetizadas que ainda restava e que
estava presente em todo o território.[532] Não é evidente que a rede
monástica e conventual pudesse ter servido de base para uma efetiva
alfabetização do país, mas o certo é que a alternativa não funcionou: a
escola primária tornou-se obrigatória logo em 1835 – e assim continuou nas
décadas seguintes, mas esta decisão nunca passou do papel. O país
continuou rural e profundamente analfabeto. Não se tinha aprendido nada
com o fracasso das reformas idealizadas, mas apenas no papel, por Pombal.
Foi, de novo, o de jure a ser incapaz de encarnar no de facto.

A instabilidade política e o aprofundamento da divergência

A instabilidade política não terminou com a Convenção de Évora Monte


de 1834. Até 1851, haveria cinco golpes de Estado com sucesso, e duas
Guerras Civis (em 1836 e 1846-1847).[533] Nesse período, as fraudes
eleitorais foram constantes, com diferentes forças políticas a acusarem-se
umas às outras de ilegitimidade, listas carimbadas, urnas roubadas, e
falsificação de atas.[534] Logo em setembro de 1836, a fação liberal que
advogava o regresso à Constituição de 1822 tomou o poder. Durante mais
dois anos, os chamados Setembristas discutiram uma nova Constituição e
um novo ciclo de reformas, ambos desafiados por uma viva oposição
interna, incluindo uma sublevação militar fracassada conduzida por um neto
do Marquês de Pombal, o Marechal Saldanha (futuro Duque de Saldanha),
em 1837. Os Setembristas mantinham-se no poder, mas a ambiguidade de
tudo isto pode ser exemplificada pelo facto de, embora se considerassem a
ala esquerda do liberalismo, se terem recusado a acabar com o tráfico de
escravos, resistindo à crescente pressão britânica.[535] Os motivos eram
evidentes: não parecia haver outro modelo de negócio para o comércio
africano e, de facto, uma vez abolido o tráfico de escravos alguns anos
depois, esse comércio estagnou.[536] Estava também em vigor o sufrágio
censitário, podendo apenas votar quem tivesse pelo menos uma «renda
líquida anual de 80$00 réis provenientes de bens de raiz, comércio, capitais,
indústria ou emprego». Mesmo nos meios moderados considerava-se que
este limite inferior era necessário para os proletários não abaterem «a força
dos homens esclarecidos».[537] Mas na prática, na ausência de golpes, o
resultado das eleições era decidido por quem as organizava, ou seja, pelo
governo em funções, através do controlo da máquina eleitoral.
Em 1842, com um novo pronunciamento militar no Porto, iniciou-se o
Cabralismo, uma fase marcada pela tentativa de compromisso entre os
liberais sob a liderança de Costa Cabral, uma das figuras de proa do
movimento Setembrista, que preferiu um regresso aos princípios da Carta
de 1826 e viria a ser visto como um conservador. No entanto, o
compromisso foi precário e a paz social frágil. Esta foi uma época marcada
por constantes acusações de nepotismo, já que Cabral, inicialmente um
modesto advogado beirão, viria a adquirir uma fortuna e a preencher os
cargos públicos com os seus familiares, chegando mesmo a adquirir o
Convento de Cristo em Tomar em 1843.[538] Apesar de Cabral ter o apoio da
Rainha, o regime sofreu uma violenta contestação interna, incluindo uma
grave revolta militar Setembrista em fevereiro de 1844, derrotada de forma
violenta, através de uma ditadura, e apenas com a ajuda de Espanha.[539] No
ano seguinte, juízes, administradores de concelho, e governadores civis
recorreram à fraude eleitoral para dar a vitória aos cabralistas.[540] Em 1846
eclodiu a Guerra da Patuleia, designação que resulta da expressão «pata-ao-
léu» devido ao caráter popular da revolta.[541] Esta foi uma guerra civil que
aconteceu na sequência de uma revolta popular conhecida como
«Revolução da Maria da Fonte», que se deu contra reformas fiscais e a
proibição de realizar enterros dentro de igrejas, gerando muita oposição,
especialmente por parte de mulheres no norte do país.[542] O povo, armado
com paus, foices, e machados, atacava quartéis, cartórios, e repartições
públicas; gritando «vivas» a D. Miguel, queimava-se a «papelada» que
simbolizava a odiada cobrança de impostos.[543] Costa Cabral reagiu com
mais leis draconianas e, tal como tinha acontecido dois anos antes, deu-se
uma ditadura do executivo acompanhada pela suspensão de liberdades e
garantias.[544] O resultado acabou por ser mais uma guerra civil de vários
meses entre as duas fações de liberais, aproveitada ainda por alguns
movimentos miguelistas. Este conflito viria a terminar apenas com outra
intervenção militar estrangeira.[545] Na sequência de tudo isto, os
recenseamentos fabricados para as eleições de 1845 foram utilizados em
finais de 1847 para «eleger», de forma fraudulenta, um parlamento
composto exclusivamente por cabralistas.[546] Continuariam as acusações
persistentes de nepotismo e «roubalheira» contra Costa Cabral, de regresso
à Presidência do Conselho de Ministros a partir de 1849, levando-o a
aprovar leis impopulares contra a imprensa e, a seu tempo, a perder o apoio
do exército e mesmo do seu partido.[547]
Em 1851, um novo pronunciamento militar por parte de Saldanha (agora
Duque) iniciou um ciclo político mais estável e pacífico: a Regeneração. O
meio século anterior tinha sido não apenas conflituoso, como também
desastroso do ponto de vista económico e financeiro: houve até quatro
bancarrotas, em 1828, 1837, 1841, e 1845.[548] A vida política era
largamente determinada pela «caça ao emprego», com as clientelas a
exigirem recompensas pela sua fidelidade durante as fases de ostracismo.
Com a Regeneração passou a ser, no entanto, mais moderada a utilização do
«cutelo demissório» – o saneamento da administração pública dos «antigos
tiranetes» associados aos anteriores governos, dando-se a sua substituição
pelos apoiantes da presente situação.[549] Esta política iniciou uma era mais
estável e moderada, por oposição ao «exclusivismo» das décadas anteriores
que tinha estado associado a um círculo vicioso de ódios e vinganças.
Afastou-se também a extrema-esquerda, conhecida à época como «os
irracionais» ou ainda «os exaltados». As eleições de dezembro de 1852
foram relativamente livres e justas, dentro das regras eleitorais da época.[550]
A Regeneração ficaria marcada pela figura de Fontes Pereira de Melo, que
acumularia nos anos seguintes as pastas da Fazenda (Finanças) e das Obras
Públicas, focando-se em arranjar recursos para construir estradas e
caminhos-de-ferro.[551] Nesse duplo papel, começou por reduzir
unilateralmente os juros da dívida pública – o que correspondeu a uma
bancarrota parcial –, mas conseguiu ainda assim que o país entrasse no
padrão-ouro em 1854, o que deu confiança aos investidores externos para
continuarem a emprestar dinheiro a Portugal. Saiu do governo com a subida
ao trono do rei D. Pedro V, em 1855, mas os Setembristas a quem confiou o
poder continuaram a sua obra.[552] Entre 1853 e 1856, foi quase completada
uma legislatura inteira – situação praticamente inédita na monarquia
constitucional portuguesa.[553]
A estabilização política foi conseguida por meio do rotativismo, cujos
principais protagonistas foram, além do Partido Regenerador, o Partido
Histórico, e o Partido Progressista.[554] Mas estes não foram os únicos
partidos que existiram, tendo também aparecido nesta época, além de outros
mais efémeros, o Partido Republicano Português (PRP, sobre o qual me
pronunciarei mais adiante), e o Partido Socialista Português, ao qual Antero
de Quental pertenceu.[555] Alexandre Herculano, que inicialmente apoiou
Saldanha mas depois se incompatibilizou com ele, argumentou que a causa
de todos os conflitos era o próprio facto de o país ser pobre, o que levava
muitos políticos sem fortuna pessoal a uma luta desesperada pelos cargos
públicos: «não há país na Europa em que o problema político seja mais
simples».[556] Mas não era simples: quem estava no poder continuava a
utilizá-lo para benefício próprio, existindo assim, na melhor das hipóteses,
um círculo vicioso. Assim continuou a acontecer depois da Regeneração. O
Duque de Loulé, líder do Partido Histórico que foi várias vezes ministro e
chefe de governos, foi criticado por usar o dinheiro e autoridade do Estado
em benefício próprio, tal como tinha sido Costa Cabral.[557] E se, a partir de
meados do século, o exército deixou de fazer cair governos – com uma
breve exceção em 1870 – isso tinha de ser pago, levando o Estado a gastar
mais com um exército (em que abundavam oficiais, relativamente aos
soldados), do que nas obras públicas.[558] Ou, como veremos, na
escolarização.

Liberais, mas pouco

A expressão «Monarquia Constitucional» não é uma designação ideal


porque transmite a ideia de que, anteriormente, não tinham funcionado
mecanismos constitucionais em Portugal e que a existência de uma
Constituição escrita garante a sua observância de facto. Como vimos no
Capítulo 2, a realidade é mais complexa e a sua ausência coincidiu, a
espaços, com a operação de princípios constitucionais. Por outro lado, a
expressão «Monarquia Absoluta» também não nos serve, porque sugere um
poder totalitário, sem limites, o que também não correspondia, de todo, à
interpretação dos miguelistas que, aliás, se chamavam a si mesmos
«realistas» e não se reviam nesta terminologia imposta pelos seus inimigos.
Já a expressão «Monarquia Liberal» não é mesmo apropriada, de todo,
porque na verdade esse regime, ao longo de todo o século xix e primeira
década do xx, nunca foi liberal do ponto de vista da política económica.
Portugal esteve longe de ser um país livre-cambista, ao contrário do que a
literatura académica afirmou durante décadas – e nalguns casos ainda
afirma. Este foi um mito que Jaime Reis demoliu numa série de artigos
inovadores publicados na década de 1980, em que provou que o dito
«Liberalismo» não esteve na realidade comprometido com o comércio livre.
Na realidade, foi um regime altamente protecionista, no que toca à política
comercial e alfandegária, apesar do contexto internacional favorável da
primeira era da globalização, em particular a partir de 1870.[559] Isso terá
sido, pelo menos em parte, o resultado das condicionantes fiscais: o Estado
estava altamente dependente das receitas alfandegárias e, como tal, era
muito difícil aos agentes políticos mexer na pauta aduaneira. Essa
dependência fiscal também convergia com os interesses de grupos a quem
interessava manter o statu quo. Mas, para além disso, considerava-se que o
que explicava o atraso do país eram as relações comerciais luso-britânicas,
e nomeadamente a desvantagem para Portugal dos sucessivos tratados
comerciais. Como tal, não existia no discurso público do liberalismo a
defesa do livre-câmbio – ou seja, das trocas comerciais com direitos
alfandegários baixos ou inexistentes. A partir da pauta de 1837, Portugal
manteve-se com taxas alfandegárias que eram das mais altas da Europa.[560]
Em suma, a expressão «Monarquia Liberal» tem apenas uma dimensão
legal: a (suposta) igualdade de todos perante a lei, e o (suposto) fim dos
privilégios associados a certas classes sociais, mas não corresponde a uma
política económica liberal. Para além disso, interponho o termo «suposto» a
estes princípios porque, na prática, tal como acontece nos dias de hoje, o
acesso à justiça não era igual para todas as classes sociais, sendo a cultura
de compadrio com motivações políticas já também à época algo de
relevante. Como acontece também nos nossos dias, os conflitos de
interesse, o nepotismo, e os chamados tachos e cunhas não estariam
ausentes. Um observador inglês que visitou o país escreveu que «o opressor
rico exulta na certeza de obter apoio legal, enquanto a pobre vítima da sua
tirania acaba a sorver um cálice amargo após o que se remete ao silêncio».
[561]
Por tudo isto, a expressão «Monarquia Constitucional», embora não
seja perfeita, é apesar de tudo mais operacional do que «Monarquia
Liberal», ainda que seja necessário mantermos em mente que não foi
apenas o aparecimento de uma Constituição escrita no século xix que
introduziu, pela primeira vez, regras constitucionais em Portugal.
Um país novo?

Outro mito relativo a este período é a ideia de que só nesta época é que
verdadeiramente surgiu em Portugal um Estado propriamente dito. Algumas
correntes historiográficas defendem que, antes do Estado Constitucional,
tinha existido meramente uma Coroa, uma coligação precária de territórios
com larga autonomia, dos quais uma parcela importante pertencia a casas
nobiliárquicas e instituições religiosas.[562] Nesta perspetiva, a Coroa estaria
apenas empenhada na defesa dos seus interesses dinásticos e, como tal, não
podia ser confundida com um verdadeiro Estado. Mas essa visão
corresponde a um equívoco. Em toda a Europa Ocidental, as Monarquias
agiam de uma forma que pode ser identificada como as ações de um Estado
pelo menos desde o século xiii: recolhendo impostos em troca de bens
públicos, como por exemplo a justiça e a defesa nacional.[563] O nosso país
não era diferente.[564] Aliás, na realidade, todos os estados estão vulneráveis
à captura: não há nada de mágico no liberalismo político, na Constituição
escrita, ou no Estado moderno, que garanta a proteção de direitos e
a transparência.[565] A Monarquia Constitucional do século xix levou a
grandes mudanças nos direitos de propriedade e na natureza e
funcionamento das instituições políticas e administrativas, ainda que
tenham sido precisos muitos anos para algumas dessas reformas se terem
efetivado.[566] No entanto, não é possível afirmar que o regime inventou um
país novo, como é por vezes afirmado. A continuidade que existiu deve ser
reconhecida.
Longe de um recomeço marcado por princípios liberais e novas políticas
bem orientadas para o desenvolvimento, o novo regime manteve muito do
péssimo legado institucional e educativo que vinha de trás. Numa
perspetiva comparada, pode dizer-se mesmo que até o agravou. Que assim
foi é sugerido pelo facto das reformas económicas e constitucionais do
século xix não terem tido quaisquer efeitos positivos visíveis para a
economia nacional. A situação de partida no início desse século, como é
evidente, já não seria brilhante. Lord Byron, que visitou a capital do país
em 1809 – alguns meses depois de Sir Arthur Wellesley, o futuro Duque de
Wellington, ter expulsado os franceses –, afirmou mesmo numa carta à mãe
que «Lisboa contém pouco mais que ruas sujas e habitantes ainda mais
sujos».[567]
Mas vejamos alguns indicadores estatísticos. No início do século xix, a
estatura média dos portugueses (indicador do padrão de vida) ainda não era
genericamente diferente da que se observava em outros países europeus.
Contudo, a partir de meados desse século, as estaturas médias começaram a
aumentar em todos os países, mas não em Portugal. Como resultado disso,
por volta de 1890, as pessoas portuguesas eram as mais baixas da Europa.
Foi, portanto, apenas ao longo do século xix que Portugal se tornou num
país de pessoas com estaturas físicas comparativamente baixas – um
processo que só começaria a ser revertido em pleno século xx, como
veremos no Capítulo 9.[568] A nível macroeconómico, também não existem
dúvidas de que o crescimento económico português durante o século xix foi
medíocre, circunstância agravada pelo facto de várias outras economias
europeias atravessarem então o processo conhecido como Revolução
Industrial e estarem assim a crescer rapidamente, tendo esta sido uma
evolução que Portugal não acompanhou. Para o povo português do século
xix, os debates políticos queriam dizer pouco, e a sua vida continuou
largamente como tinha sido: rural, pobre, e analfabeta. Como tal, as décadas
que vão de 1820 a 1930 foram caracterizadas por uma divergência
relativamente aos outros países da Europa Ocidental, muitos dos quais se
industrializaram e cresceram rapidamente durante esta época (ver Figura
25).[569] Como é possível verificar nesta figura, a divergência abrandou
durante as décadas de 1860 a 1890, mas sem que, nessas décadas, tenha
havido uma recuperação sustentada.[570] A Figura 25 também lembra algo
que convém ter em mente quando estudarmos os períodos históricos
seguintes nos próximos capítulos: o facto de os outros países da Europa
crescerem não implica que Portugal tenha de acompanhar esse processo. É
por isso sempre necessário analisarmos o que está a acontecer internamente,
de modo a melhor compreendermos o comportamento macroeconómico do
país.

Figura 25. PIB per capita português relativamente à média da Europa


Ocidental.
A falta de reformas eficazes

A decadência do país não se manifestou apenas na economia, mas


também a nível educativo – o que, aliás, ajuda a explicar o mau
comportamento da economia. Durante o século xix, o atraso educativo de
Portugal, face a outros países da Europa Ocidental, agravou-se
consideravelmente. A política desastrosa de Pombal não foi revertida pelos
governos seguintes e a retirada estratégica da Corte para o Brasil deixou o
Reino sem qualquer estratégia de desenvolvimento durante alguns anos.
Esta indefinição, relativamente à política educativa, não mudou depois de
1820, dadas as prioridades políticas e militares relacionadas com as guerras
civis da época. Nas décadas de 20 e 30, a Universidade de Coimbra – ainda
a única que existia em todo o país – funcionou com grande irregularidade,
com largos períodos (incluindo anos inteiros) em que esteve encerrada.[571]
Em 1829, as poucas escolas primárias do país foram reduzidas a cerca de
metade para poupar dinheiro.[572]
A vitória final dos liberais em 1834 aconteceu graças à intervenção
militar inglesa no conflito, devido a preocupações de natureza financeira: os
ingleses queriam garantir que a dívida soberana portuguesa fosse paga, já
que, caso o lado miguelista ganhasse, os empréstimos que os ingleses
haviam feito aos liberais seriam certamente repudiados.[573] Depois, na
sequência da vitória liberal, as terras comunais foram privatizadas – pelo
menos em teoria – e a Coroa, a Aristocracia e a Igreja acabariam por ser
expropriadas da maior parte dos seus patrimónios. Poderíamos pensar que
esse teria sido um momento de ouro para investir na escolarização do país.
Mas não foi isso que aconteceu, como veremos. Entretanto, o país
continuava cronicamente atrasado e não dava sinais de melhorar: veja-se,
por exemplo, o aumento de 52% para 68% das pessoas a trabalhar no setor
agrícola entre 1806 e 1841.[574] Além disso, Portugal estava muito
dependente de Inglaterra: mais de metade do comércio externo português,
em meados do século xix, era com esse país. À Inglaterra, Portugal
comprava grandes quantidades de produtos manufaturados, mas vendia,
quase exclusivamente, vinho do Porto.[575] Em meados do século, as
«fábricas» portuguesas valiam menos, todas juntas, do que dois barcos
carregados de vinho do Porto.[576] Já a nível político, nas décadas de 1830 e
1840, as eleições eram fraudulentas e com baixa participação eleitoral,
existindo uma grande (e frequentemente contraditória) atividade legislativa,
muita da qual feita «em ditadura», ou seja, sem debate e votação
parlamentar.[577]
A Regeneração de 1851 conferiu, finalmente, alguma estabilidade ao
país, apenas interrompida mais de uma década depois pelo movimento
contestatário da Janeirinha de 1868.[578] Contudo, a estabilidade não trouxe
grande desenvolvimento industrial. Rodrigo da Fonseca Magalhães, um dos
principais defensores intelectuais do consenso político que a Regeneração
representava, admitia que «Empregos são tudo neste país: não há reforma,
não há alteração política, não há nada senão para empregos. Nos empregos
consiste toda a política».[579] Com a moderação do uso do «cutelo
demissório» apareceu a estabilidade política, mas a utilização dos parcos
rendimentos públicos em salários dificilmente iria, só por si, resolver o
atraso do país.
Na segunda metade do século xix, um programa ambicioso de
construção de infraestruturas, conhecido como Fontismo, tomou lugar.[580]
Logo na década de 1850, mas depois com mais vigor a partir de 1871,
Fontes Pereira de Melo liderou dois governos que iriam investir num
ambicioso programa de obras públicas que incluíram a construção de
milhares de quilómetros de caminhos-de-ferro e estradas macadamizadas,
assim como pontes e linhas de telégrafo, muitas vezes através de défices
orçamentais e com recurso ao crédito, principalmente britânico.[581] Na
prática, no entanto, os retornos deste investimento em capital físico para o
crescimento da economia ficaram aquém do esperado, até por não ter
existido um comensurável investimento em capital humano – a educação.
Como tal, o resultado prático do Fontismo foi a acumulação de dívida
pública, ainda que os seus efeitos perniciosos para os investimentos
privados tenham sido menores do que se poderia esperar, devido ao
reduzido tamanho do Estado na época e a um padrão demográfico
favorável.[582] Os mercados internacionais manifestavam dúvidas sobre a
estabilidade financeira do país, levando à necessidade de custosas
intervenções sistemáticas por parte das autoridades.[583] As remessas dos
emigrantes, que chegaram a ter um peso não despiciendo para o rendimento
nacional, também terão contribuído para a industrialização e para a
estabilidade financeira do país, embora seja possível argumentar que, tal
como aconteceu com o ouro do século anterior, isso possa ter contribuído
para atrasar as reformas necessárias.[584] A revolução republicana no Brasil,
em novembro de 1889, levou a uma queda da taxa de câmbio desse país que
fez cair em mais de 80% o valor das remessas dos emigrantes chegadas a
Portugal.[585] Foi a gota de água que fez transbordar o copo: a frágil
economia portuguesa não resistiu. O endividamento português tornou-se
insustentável, levando à saída do padrão-ouro e ao incumprimento (default)
em 1891. A bancarrota, à qual estaria associada uma grave crise económica
e financeira, culminou o falhanço da política de desenvolvimento do
regime.[586] Eça de Queirós desabafou então com um amigo: «Portugal
acabou».[587] Em 1898, a Grã-Bretanha e a Alemanha chegaram mesmo a
decidir dividir as colónias portuguesas, caso o país não pagasse as suas
dívidas.[588]
O câmbio brasileiro continuaria fraco nos anos seguintes e seguiu-se
uma política de forte austeridade governamental.[589] Sem os recursos
habituais para «alimentar clientelas e suscitar boas vontades», em 1895
entrou-se em ditadura, fechando o parlamento e reformando a lei eleitoral,
restringindo-a, para além de se desenharem novos círculos eleitorais.[590] A
partir de 1900, os dois principais partidos entenderam-se, trocando votos e
combinando quais os deputados que seriam eleitos, tendo no ano seguinte o
rei D. Carlos deixado que fossem desenhados círculos eleitorais de forma a
serem manipulados os resultados para desfavorecer os republicanos.[591]
É notável como o desenvolvimento financeiro do país, após 1834, se
revelou tão insuficiente. O Banco de Lisboa, que foi o primeiro banco
moderno a aparecer no país (em períodos anteriores, as misericórdias
faziam o papel dos bancos em muitos aspetos), foi fundado em 1821, vindo
a tornar-se no Banco de Portugal em 1846 e a transformar-se gradualmente
num banco central, como de resto aconteceu noutros países.[592] No entanto,
a expansão dos depósitos e o crescimento do crédito para a atividade
económica foram inferiores em Portugal do que nos outros países europeus.
[593]
É possível, de resto, avaliar a eficiência do mercado de capitais rural na
segunda metade do século xix através da comparação entre as taxas de juro
de hipotecas rurais e as de créditos de baixo risco (nomeadamente, os
empréstimos ao Estado). Como Jaime Reis mostrou, a diferença entre
ambas as taxas de juro, para as mesmas maturidades, é uma medida do
prémio de risco de emprestar a agricultores ou outros habitantes rurais,
sendo por isso indicativo de até que ponto os mercados de capitais dos
campos funcionavam bem, no sentido de serem capazes de proteger os
direitos dos credores.[594] A diferença era grande: existiam três a quatro
pontos percentuais de diferença entre o juro cobrado por emprestar ao
Estado (4% a 6%) e os 7% a 10% que os agricultores tinham de pagar para
obter empréstimos.[595] Tudo isto era sem dúvida um impedimento ao
desenvolvimento do país, mas o sistema legal e os tribunais eram
ineficientes e assim se mantiveram.

Um país de analfabetos

Durante o século xix, três quartos ou mais da população portuguesa era


analfabeta, tendo existido muito pouco progresso nesta matéria ao longo do
século.[596] Pombal tinha destruído o sistema educativo nacional sem ter
implementado qualquer alternativa funcional, e os «liberais», depois da sua
vitória final em 1834, não só não conseguiram resolver o problema como
até acabaram com a única possibilidade que à época ainda restava para uma
possível expansão escolar a baixo custo: os mosteiros.[597] Não é por isso
surpreendente que a legislação, emitida logo um ano depois, no sentido de
tornar a escola obrigatória não tivesse passado de letra morta. Se na
primeira metade do século a instabilidade política é uma desculpa aceitável
para não se fazer mais pela educação do país, durante a segunda metade do
século observa-se que o progresso foi muito reduzido. Os fortes
investimentos em capital físico, como notei no caso da construção de
infraestruturas associadas ao Fontismo, não encontraram equivalente no
plano escolar.
A falta de investimento em escolas durante muito tempo não preocupou
as elites intelectuais e políticas do país. Como já mencionei, pelo menos até
meados do século, considerou-se que o atraso resultava da dependência das
trocas externas do país relativamente ao mercado inglês, mantendo-se o país
também por isso altamente protecionista. Os debates legislativos refletiam a
ausência de visão estratégica por parte das elites. Em 1822, das poucas
vezes que se discutia a instrução pública, falava-se mais da Universidade de
Coimbra do que do ensino primário. Em 1835, foi criado em Lisboa o
Conselho Superior de Instrução Pública retirando a Coimbra competências
nesta matéria, o que logo gerou uma forte reação de natureza corporativa
por parte daquela Universidade, causando disputas que se arrastariam por
mais de uma década.[598] No mesmo ano, o governo delegava nas
comunidades locais a responsabilidade de assegurar e universalizar o ensino
primário – sem isto ter quaisquer resultados concretos, como seria de
esperar. Nada saía do papel. A partir de 1844, começou-se a dar mais
atenção a esta questão, insistindo que a frequência da instrução primária era
obrigatória para todas as crianças entre os sete e os 15 anos, residentes a um
quarto de légua de distância de uma escola. Previam-se penas para os pais
que não cumprissem, mas admitiam-se exceções várias, incluindo àqueles a
quem seria «penosa a falta de trabalho dos meninos». Seria tudo letra
morta. O voluntarismo legislativo não encontrava correspondência em
ações concretas no terreno. A reforma da instrução pública voltou a ter
debates na Câmara dos Deputados em 1851 e 1854, mais uma vez sem
resultados visíveis nas décadas seguintes. Não havia dinheiro público
investido, o número de escolas era baixo, os professores eram poucos e com
qualificações baixas, chegando-se a defender que fossem usados os párocos
como solução expedita para alargar a rede de escolas. No entanto, esta ideia
não chegou a ser concretizada por não estar em linha com o caráter laico
que se pretendia que a instrução pública tivesse. O Estado falhava, e
continuaria a falhar, na sua capacidade de implementar os planos
ambiciosos do legislador relativamente a estas políticas públicas, já que
estas não se traduziam, em termos financeiros, nas decisões de investimento
dos governos.[599] Era, mais uma vez na nossa História, o plano de facto a
divergir do de jure.
Porque é que a Monarquia não investiu, de facto, na escolarização? Em
termos comparados, um elemento foi certamente fundamental: no século
xix, Portugal já era um Estado-Nação, com uma língua única e uma
identidade própria, estabelecida há séculos. Isto era invulgar a nível
europeu, não sendo assim noutras partes da Europa continental – sendo os
exemplos óbvios os da Itália e da Alemanha, mas também era largamente
verdadeiro para a Espanha e a França.[600] Num artigo altamente inovador
para a época, publicado em 1984, Jaime Reis mostrou que Portugal pagou
um custo político por isso mesmo, já que alfabetizar as populações não foi
em Portugal uma prioridade, como aconteceu noutros países, nos quais foi
um processo fundamental para criar uma identidade nacional a partir da
escola. Como Jaime Reis também argumentou, teria sido possível dar
habilitação a um número grande de professores através da rede de Escolas
Normais, distritais, a relativamente baixo custo, e dessa forma alfabetizar
mais rapidamente a população. Isso não aconteceu, mas teria muito
provavelmente acontecido num quadro de maiores tensões – identitárias,
históricas, ou linguísticas –, ausentes em terras lusas devido à
«tranquilidade que caracterizou as cinco ou seis décadas subsequentes ao
estabelecimento da Regeneração».[601] Não deixa de ser significativo que,
durante a Monarquia Liberal, a educação fosse suportada pelos orçamentos
municipais.[602] Essa orientação mostra a incapacidade ou falta de vontade
política dos governos da época darem atenção às políticas públicas
prioritárias: um claro erro estratégico no que toca ao desenvolvimento do
país a prazo. Em 1870, por exemplo, Portugal tinha apenas 2300 escolas
oficiais, das quais apenas 350 se destinavam ao sexo feminino.
Relativamente ao tamanho da sua população, Portugal devia ter tido 7000
para equivaler ao número relativo em Espanha, 8000 para atingir os
números da França, Bélgica e Baviera, 10.000 a 12.000 para equivaler à
Inglaterra, Holanda, Suécia e Prússia. E ainda um número superior a nove
vezes mais – 21.000 – para atingir os números relativos dos Estados Unidos
da América.[603]
Na viragem para o século xx, a taxa de analfabetismo em Portugal
mantinha-se ainda nos cerca de 75% da população, o que comparava
bastante mal com outros países do sul da Europa como a Espanha (53%) ou
a Itália (46%), já para não falar dos países do norte e centro da Europa
Ocidental.[604] Um país de analfabetos não está pronto para se industrializar.
O país estava parado nesta matéria e havia pouco interesse em investir em
atividades industriais relativamente à agricultura. O motivo não era cultural
nem de ordem social, mas apenas relacionado com o retorno económico:
não existiam as condições necessárias para investimentos que levassem à
industrialização.[605] Não tem cabimento o mito de que a propriedade
territorialmente extensa e organizada em grande lavoura – o latifúndio,
nomeadamente no Alentejo e em parte do Ribatejo – fosse economicamente
ineficiente. Foi isso que mostrou Jaime Reis num artigo publicado em 1982
e reimpresso, uma década depois, na obra que é hoje um clássico moderno
da História económica portuguesa, O atraso económico português em
perspectiva histórica. Antes de 1900, a implantação da debulha a vapor no
Alentejo tinha sido apenas marginal, mas foi-se tornando dominante nas
décadas seguintes, tendo-se completado a sua adoção por volta do início
dos anos 1930.[606] O momento desta adoção teve simplesmente a ver com a
maximização dos lucros: o empresariado latifundiário alentejano adotou a
debulha mecânica quando era racional fazê-lo, tendo em conta os custos e o
contexto do protecionismo cerealífero – uma decisão política. Logo, não é
necessário recorrer a explicações assentes em supostas características
sociais ou mentalidades adversas ao progresso.
O problema era de natureza diferente. A falta de qualificações da mão de
obra era um bloqueio fundamental à industrialização. No setor têxtil, a taxa
de instrução dos trabalhadores era quase sempre inferior a 20%, e em
muitos casos era de apenas 10%. Por isso mesmo, o Inquérito Industrial de
1881 mostrava que os próprios diretores de fábrica se queixavam e
afirmavam a gravidade do problema. Nas palavras dos diretores da Fábrica
de Algodão de Tomar:

Uma das maiores dificuldades com que lutamos provém da falta de habilitação
do pessoal. A falta de instrução geral e a carência quase absoluta de instrução
técnica faz com que tenhamos muitas dificuldades, não só para adquirir bons
operários mas também para alcançar mestres competentes.[607]

Apesar de tudo, talvez não seja surpreendente que as elites intelectuais e


políticas portuguesas tivessem estado, durante muito tempo, alheias ao
problema que o analfabetismo representava para o desenvolvimento a prazo
de Portugal – e em resultado disso, para a própria estabilidade financeira e
política do país. Mesmo nas décadas finais do século xx, o historiador
económico Vitorino Magalhães Godinho seria incapaz de referir este fator
como sendo um dos travões fundamentais para o desenvolvimento
industrial, preferindo em vez disso insistir na suposta dependência da
economia portuguesa em relação à britânica.[608] Muitos «liberais» do século
xix aprovariam.

Liberalismo por decreto

O atraso educativo do país era um problema, mas não era certamente o


único. Como argumentou Luciano Amaral, as alterações institucionais que
apareceram depois de 1820, ou mesmo depois de 1834, foram na verdade
muito menos drásticas do que se pensava.[609] Um exemplo disso foram as
terras que, na linguagem da época, eram amortizadas: morgadios, capelas, e
terras doadas pela Coroa a casas nobiliárquicas. Os seus rendimentos, por
serem inalienáveis e indivisíveis, estariam a retirar parte da capacidade
produtiva para fora dos efeitos de mercado e, por isso, gerariam fortes
ineficiências.[610] As tentativas de acabar com estas instituições, que os
governos liberais consideravam inaceitáveis, esbarraram, na prática, com
múltiplas dificuldades legais. Logo durante a primeira revolução «liberal»,
entre 1820 e 1823, decidiu-se nacionalizar as terras da Coroa. Mas esta
medida implicava não apenas as terras que pertenciam diretamente à Coroa,
mas também as que tinham sido doadas. No entanto, muitas das doações
tinham acontecido há longos séculos, levando a uma série de disputas
relativamente à data a partir da qual deviam ser consideradas irreversíveis.
Também se abriram intermináveis disputas relativamente às comendas que,
além da renda das terras, incluíam transferências de impostos estatais (de
alfândegas, por exemplo) e taxas arcaicas (os direitos relativos ao serviço
de alcaidaria, por exemplo), assim como rendimentos de títulos de dívida
pública, e por isso não era claro se deveriam ser nacionalizadas.[611] Era
reconhecido pelos «liberais» que, em alguns casos, as terras e os direitos
tinham sido dados em troca de serviços, o que tornaria injusta a
expropriação nessas situações.
Em 1832, foram abolidos os dízimos (tributos pagos à igreja), as
comendas, os forais, a enfiteuse em terras da Coroa, e mais uma vez
expropriadas as terras da Coroa. Isto criou um imbróglio legal interminável.
Não era claro a quem deviam ser dadas as terras, entre outras questões
legais complexas que se levantaram e levaram a muita indecisão política.
Além disso, tinha sido dada a possibilidade aos anteriores donos de
recorrerem da decisão, tendo a maior parte feito o recurso através de um
processo judicial que na prática revertia a expropriação enquanto não fosse
tomada uma decisão que podia demorar anos a chegar.[612] Tudo isto levou a
alterações da lei com vista a clarificar estas matérias em 1835 e 1846. No
entanto, como esta legislação mais tardia acabou por reconhecer,
mantinham-se múltiplas ambiguidades que as casas nobiliárquicas
continuaram a explorar nos anos seguintes para, por exemplo, continuarem
a receber foros, apesar destes terem sido, em teoria, abolidos. As terras
expropriadas, incluindo as que tinham pertencido à Coroa, conhecidas à
época como «bens nacionais», demoraram muitas décadas a serem
vendidas, estando mais de metade ainda por vender em 1843, e tendo
muitas ficado nas mãos do Estado.[613] O fim dos morgadios e das capelas
viria a revelar-se um processo ainda mais complexo e demorado, e apenas
na década de 60 do século xix seriam finalmente extintos, tendo a sua venda
continuado durante todo o resto do século xix e até inícios do xx. A nível
fiscal, o «Antigo Regime» também insistia em não desaparecer, mantendo-
se a importância de tributos vindos do passado e das receitas alfandegárias,
embora seja inegável que também foi nesta altura que apareceram os
primeiros orçamentos modernos, sujeitos a aprovação parlamentar, assim
como a fiscalização do Tribunal de Contas. Rui Pedro Esteves mostrou
mesmo que o Regime Liberal até se tornou fiscalmente mais regressivo do
que o anterior, porque se apoiou mais em impostos indiretos do que
acontecia antes da Revolução de 1820.[614]
As grandes alterações institucionais do século xix têm fascinado
gerações de intelectuais, admiradores de figuras como, por exemplo,
Mouzinho da Silveira. Em geral são consideradas figuras responsáveis por
profundas modificações institucionais em áreas como a fiscalidade e a
justiça. Mas a realidade é que o Constitucionalismo e o Liberalismo (apenas
político) do século xix foram fenómenos urbanos que envolveram de forma
direta um número bastante reduzido de pessoas.[615] Ainda que algumas
consequências das alterações institucionais chegassem ao campo, Portugal
continuaria mais ou menos na mesma: um país profundamente rural e
conservador, parado no tempo, ao contrário do que acontecia em quase todo
o resto da Europa Ocidental, incluindo regiões de Espanha (nomeadamente
a Catalunha). Na primeira metade do século xix, o país regrediu, tanto no
PIB per capita como na percentagem de pessoas a trabalhar fora da
agricultura, como vimos nas figuras 15 e 20 do capítulo anterior. Já na
segunda metade do século, existiu em Portugal algum progresso e mudança
tecnológica, sem dúvida: os caminhos de ferro apareceram e a indústria
cresceu mais do que a agricultura.[616] Mas não foi o suficiente, porque nos
outros países da Europa o progresso foi bastante maior.

A Monarquia e os seus críticos

A intelectualidade da época, que ainda hoje influencia o que se diz e


escreve sobre estes temas, insistia – muitas vezes em causa própria – que a
Monarquia Liberal, especialmente a partir de 1834, teria sido um momento
fundacional para Portugal. Assim o fez, por exemplo, Alexandre Herculano,
logo em meados do século, entre muitos outros. A sua sombra chega aos
nossos dias.
Mas é inegável que também existiram vozes críticas, até por ser grande
parte do século xix um período da História de Portugal com um nível
comparativamente baixo de censura. O inglês Lord Carnavron, que chegou
a Portugal em 1827, escreveria que a constituição portuguesa de 1822 «era
completamente contrária ao espírito do país e só poderia ser mantida através
de uma revolução, não apenas no que diz respeito à propriedade mas aos
hábitos e às opiniões de todas as classes da sociedade».[617]
Também existiram críticos portugueses. Em 1822-1823, José Acúrsio das
Neves – miguelista admirador de Pombal – fez uma crítica intelectual ao
Liberalismo, tomando por inspiração a obra Reflections on the Revolution in
France, onde Edmund Burke tinha criticado a Revolução Francesa em
1790.[618] No mesmo ano, Almeida Garrett – um liberal, ao contrário do
anterior – criticou fortemente a falta de atenção dada à escolarização: «As
Cortes Portuguesas legislando no século xix, sem darem uma só hora das
suas tarefas à pública instrução, é um fenómeno em política que a
posteridade não saberá explicar».[619] Doze anos depois, Garrett também iria
criticar os excessos da Revolução Liberal no folhetim Viagens na Minha
Terra. Mais tarde, em As Farpas, Ramalho Ortigão e Eça de Queirós
caricaturavam a sociedade da época, enfatizando o clientelismo e uma certa
desilusão com o caminho do país. No romance satírico de Camilo Castelo
Branco, A Queda de um Anjo, escrito em 1866, o autor descreve a
corrupção de um fidalgo transmontano, conservador, e defensor da moral e
dos bons costumes, que, ao ser eleito deputado e tendo ido para Lisboa, se
deixa rapidamente corromper pelo luxo da capital. Em obras como Portugal
Contemporâneo, de 1881, Oliveira Martins criticou fortemente Fontes
Pereira de Melo, que acusava de ter deixado o país dependente do exterior
devido ao livre-câmbio, o que já vimos ser falso. Nos últimos anos da
Monarquia, o artista Rafael Bordalo Pinheiro criticava também
mordazmente os políticos que agiam em benefício próprio, para sofrimento
do contribuinte, o Zé Povinho (Figura 26). Este era um tempo em que a
opinião pública importava cada vez mais, até devido às características
parcialmente democráticas do regime, no contexto do rotativismo. Também
se deu uma tendência acentuada do movimento grevista em Portugal a partir
de 1871.[620]

Figura 26. O Zé Povinho: «Depois das eleições.»


A bancarrota de 1891 tinha sido precedida, no início do ano anterior, por
um evento talvez ainda mais humilhante para o regime. Em 1890, já na
sequência de graves tensões anteriores, o Reino Unido lançou a Portugal o
Ultimato: retirem-se dos territórios entre Angola e Moçambique – or else.
[621]
Para os britânicos, o espaço territorial entre Angola e Moçambique
tinha de pertencer ao seu império já que lhes permitiria ligar por caminho
de ferro, num eixo aproximadamente norte-sul, o Cairo, no Egito, à Cidade
do Cabo, na África do Sul. Portugal acabou mesmo por abandonar o seu
chamado «Mapa Cor-de-Rosa» sob coação, ficando as fronteiras
delimitadas de acordo com a vontade britânica, registadas no Tratado
Anglo-Português de 1891. Este seria um evento traumático para o país. O
hino que a República viria a adotar – parte do qual citei em epígrafe – foi
escrito em 1890. «A Portuguesa» começou simplesmente por ser um entre
outros hinos patrióticos compostos nessa época com a finalidade de
fomentar a exaltação cívica, mas os republicanos dele se apropriaram como
uma música patriótica contra o Ultimato, tendo sido inclusivamente cantada
pelos que tentaram um golpe de Estado no Porto em 31 de Janeiro de 1891.
[622]
Não parece haver dúvidas de que não teria sido de todo realista
enfrentar militarmente o Reino Unido – a superpotência da época. O único
desfecho possível de um confronto militar teria conduzido a concessões
ainda maiores em África relativamente aos interesses ingleses.[623] Mas isso
não travou a frustração de panfletários como Guerra Junqueiro, que
escreveria na obra Finis Patriae, publicada em 1891: «Ó cínica Inglaterra, ó
bêbada impudente / (…) Hão de dilacerar-te o corpo com furor / (…) Hão-
de os lords rolar em postas no Tamisa!» O Ultimato seria um enorme trunfo
de propaganda republicana contra a Monarquia, ainda que esta, claramente,
nada pudesse ter feito de forma diferente naquele momento.
Nos anos seguintes, a contestação sobre esta e outras matérias
continuaram a subir de tom. Criticando a falta de explicações sobre o
adiantamento de verbas feito à Coroa pelo governo, que ultrapassavam o
que estava estipulado na lei, e, portanto, constituíam desvios fraudulentos
dos cofres do Estado, o deputado republicano Afonso Costa ameaçava no
parlamento em 1906, «por muito menos crimes do que os cometidos por D.
Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís xvi!» Estas
palavras levaram-no a ser expulso.[624] Na sequência de uma crescente
agitação social, incluindo uma importante greve académica na Universidade
de Coimbra em 1907, o rei dissolveu as Cortes e o chefe do governo, João
Franco, passou a governar em ditadura.[625] Foi neste contexto que, no ano
seguinte, o rei D. Carlos e o herdeiro, o Príncipe Real Luís Filipe, seriam
assassinados na Praça do Comércio em Lisboa. A própria Monarquia iria
cair dois anos e meio depois.
Com frieza, como podemos avaliar a Monarquia Constitucional do
século xix? De um ponto de vista estritamente político, a avaliação pode ser
considerada moderadamente positiva. Houve alguma convergência com
práticas políticas europeias, ainda que insuficiente. Os parlamentos
passaram a reunir-se continuamente (salvo em períodos excecionais),
instalando-se no Palácio das Cortes – antigo Mosteiro de São Bento, que
tinha resistido ao Terramoto de 1755 – a partir de 1833.[626] Apesar de
alguns excessos, em especial até à Regeneração de 1851, existiram depois,
durante a segunda metade do século, largas décadas de democracia. Esta
democracia era diferente e mais limitada do que a dos nossos dias – por
exemplo, nem os pobres nem as mulheres podiam votar –, e funcionava em
termos particulares à época, com o rei a ter um papel central na alternância
governativa.[627] Mas apesar disso, com o alargamento do direito de sufrágio
em 1878, este atingiu 72% dos homens maiores de 21 anos: uma das
maiores proporções da Europa. Ao contrário do que viria a acontecer
durante a Primeira República, podiam votar os analfabetos. No entanto, os
influentes da província – como os padres e proprietários abastados –, bem
como o próprio Governo, tinham formas de exercer pressões sobre o
sentido de voto dos eleitores.[628] Isso levava a que o rei pudesse retirar a
confiança política a um governo, dando posse e meios a outro, para dessa
forma, na prática, substituir uma maioria parlamentar por outra mais do seu
agrado. As eleições eram, portanto, uma espécie de referendos aos novos
governos, mas representavam um fait accompli. Dadas as vantagens
eleitorais do governo em funções, a arbitragem por parte do rei acabava por
ser uma garantia de rotativismo. Por isso, eram necessárias manifestações
públicas para chamar a atenção do monarca, o que foi alimentando o
republicanismo, mesmo ainda antes de 1890.[629] Combinado com o atraso
do país, cada vez mais óbvio, o sistema político vigente encorajou o
desenvolvimento de uma cultura intelectual dentro do PRP cada vez mais
radical, transformando-o pouco a pouco no que Rui Ramos chamou uma
«espécie de seita religiosa, intolerante e fanática».[630]
A nível do desenvolvimento económico, é difícil caracterizar o século
xix de outra forma que não seja como um século perdido para Portugal. Era
um país rural, analfabeto e miserável. Quando as colheitas falhavam
aumentava o desemprego e o povo passava fome, fazendo crescer o número
de mendigos e o banditismo. Por outro lado, a frágil situação financeira dos
governos frequentemente não permitia sequer que o investimento em obras
públicas atenuasse a situação.[631] Apesar de se ter verificado algum
crescimento em certos períodos, o país divergiu fortemente da Europa
Ocidental, pois os outros países cresceram muito mais.[632] E, como vimos,
na viragem para o século xx, Portugal era o país com a maior percentagem
de analfabetos de toda a Europa Ocidental, muito atrás de países também
atrasados num contexto europeu, como a Espanha ou a Itália. Apesar deste
falhanço ao nível do desenvolvimento económico do país – sobretudo
quando confrontado com a retórica do regime – será possível, ainda assim,
falar-se numa avaliação política positiva? Do meu ponto de vista, em parte
sim, porque o desenvolvimento económico é apenas um fim, entre vários
que são relevantes. Apesar de alguns períodos mais autoritários, e apesar
das batotices eleitorais, o século xix foi uma era de relativa liberdade e de
baixa censura, em termos comparados, como não voltaria a existir em
Portugal até às décadas finais do século xx.[633]
A Monarquia cairia em 1910, derrubada por um golpe de Estado que não
foi protagonizado nem pelo «povo» nem propriamente pelo exército, mas
mais precisamente por um partido com assento parlamentar: o PRP.[634]
Nessa altura, depois de mais de um século de declínio económico e social,
em particular, quando comparado com outros países, Portugal era um país
em franca e inegável decadência: tornara-se o país mais pobre da Europa
Ocidental, e mesmo de quase toda a Europa, encontrando-se apenas à frente
da Albânia.[635] A Monarquia – ou mais concretamente, o Regime
Constitucional vigente – não tinha sido capaz de desenvolver o país. Mas o
tempo também não daria razão aos que a ela se opunham. Ao contrário do
que pensava Antero de Quental e outros republicanos, não seria uma
República com um programa anticlerical e radical que iria ser capaz de
desenvolver Portugal.

[513] Sobre o bloqueio continental ter reforçado a influência inglesa, consultar MACEDO
(1990), p. 102.
[514] Não considero aqui a Grécia parte integrante da Europa Ocidental. Não só não lhe pertence
do ponto de vista geográfico, como também não estava integrada na história política dela no início do
século xix. Em todo o caso, incluir a Grécia na Europa Ocidental não mudaria muito a conclusão,
apenas daria um consolo enganador e serviria como uma «parra de Adão» para camuflar o fracasso
económico português. Noto, no entanto, que continuando Portugal a ser na atualidade o país mais
atrasado da Europa Ocidental, isso não quer dizer que a distância do atraso em relação à média da
Europa ou aos países mais ricos fosse constante ao longo do tempo. Irei explicar isto neste capítulo e
nos seguintes.

[515] BONIFÁCIO (2013).

[516] Em vez de redigida e votada pelas Cortes Constituintes, como tinha acontecido com a
Constituição de 1822.

[517] THOMSON (2014), p. 76.

[518] D. Miguel anunciou que convocaria as antigas Cortes nos moldes semelhantes aos
anteriores ao século xviii, o que de facto chegou a acontecer. Naturalmente, é difícil saber como teria
evoluído a situação institucional caso o miguelismo tivesse triunfado, mas parece improvável que não
tivesse evoluído de forma a acompanhar, pelo menos em parte, o que aconteceu noutros países da
Europa.

[519] THOMSON (2014), p. 83.

[520] FLANDREAU (2022). Sem me alongar muito, considero um mito a ideia de que existe
uma «aliança» entre Portugal e Inglaterra em vigor desde o Tratado de Windsor (1386). Na realidade,
por vezes foi do interesse britânico o alinhamento com Portugal, e nada mais. Não acabam os
exemplos (uns mais discutíveis que outros, certamente) em que a suposta aliança foi irrelevante –
1580, 1588, 1659, 1890, ou 1939, entre outros –, mas limito-me a mencionar dois em detalhe. Em
finais do século xix, a Inglaterra dececionou o governo português ao não garantir o domínio
português da foz do Zaire (1884) perante a pressão da Alemanha e da França. E, em 1961, Portugal
invocou a suposta «aliança» (em defesa de Goa) e foi ignorado. Veja-se RAMOS et al. (2009), p.
551.

[521] BONIFÁCIO (2013), p. 28.

[522] BONIFÁCIO (2013), p. 108.

[523] VEIGA (2019).

[524] CRUZ (2013), p. 88.

[525] O cartismo era a corrente mais conservadora do liberalismo. Defendia a Carta


Constitucional de 1826. Joaquim António de Aguiar integrou esta corrente, e mais tarde o Partido
Regenerador, tendo sido várias vezes presidente do Conselho de Ministros.

[526] Várias estimativas são discutidas por Manuel Braga da Cruz, que considera ser 450 o
número mais credível. CRUZ (2013), pp. 89, 312-313.
[527] Anos antes houve um processo semelhante em França, e outro equivalente em Espanha,
que, ainda que gradual e com antecedentes desde o final do século anterior, atingiu o seu cúmulo com
la Desamortización de 1835-1837.

[528] Ainda que Pombal não tivesse perseguido todas as ordens religiosas, mas principalmente os
jesuítas e as entidades que considerou terem simpatia por eles.

[529] CRUZ (2013), pp. 92, 102.

[530] VALENTE (2007).

[531] BONIFÁCIO (2013), pp. 54, 57.

[532] No caso das ordens religiosas femininas, não poderiam aceitar noviças – estando, portanto,
condenadas a prazo. Seriam extintas à medida que morressem as últimas freiras, sendo nessa altura
os bens incorporados na Fazenda Nacional.

[533] RAMOS et al. (2009), p. 491.

[534] BONIFÁCIO (2013), p. 40.

[535] Isso acabaria por levar ao fim do governo setembrista, e à assinatura de tratados com a
Inglaterra, em 1842. BONIFÁCIO (2013), pp. 97-99, 141.

[536] LAINS (2003c), p. 216.

[537] BONIFÁCIO (2013), pp. 109-110.

[538] RAMOS et al. (2009), p. 515.

[539] RAMOS et al. (2009), p. 506; BONIFÁCIO (2013), pp. 154, 157-159.

[540] JUSTINO (2022), p. 403; BONIFÁCIO (2013), p. 166.

[541] BONIFÁCIO (2013), p. 199.

[542] A «Revolução da Maria da Fonte» iniciou-se na Póvoa de Lanhoso, no Minho, e estendeu-


se gradualmente a todo o Norte de Portugal. O seu desfecho deveu-se ao facto de o Exército se
escusar a reprimi-la. RAMOS et al. (2009), p. 515.

[543] BONIFÁCIO (2013), p. 172.

[544] BONIFÁCIO (2013), pp. 154, 157-159, 173.

[545] Anos antes tinha sido assinado um tratado em Londres – a Quádrupla Aliança, da qual
fizeram parte a Inglaterra e a França – com o objetivo de expulsar D. Miguel de Bragança de
Portugal e D. Carlos de Borbón de Espanha, mesmo que tal obrigasse à entrada de tropas estrangeiras
nos dois países.
[546] BONIFÁCIO (2013), p. 207.

[547] BONIFÁCIO (2013), pp. 233-239.

[548] REINHART e ROGOFF (2009), p. 91.

[549] BONIFÁCIO (2013), pp. 43, 283, 303, 342.

[550] BONIFÁCIO (2013), pp. 375, 377.

[551] O início de alguns destes investimentos datava ainda dos governos de Costa Cabral, sem
prejuízo de só ter sido inaugurado em 1856 o primeiro troço de caminho-de-ferro, entre Lisboa e o
Carregado. RAMOS et al. (2009), pp. 506, 524.

[552] RAMOS et al. (2009), pp. 522-523.

[553] BONIFÁCIO (2013), pp. 448-449.

[554] Este último resultou, na década de 1870, da fusão do anterior com outro, o Partido
Reformista, que por sua vez tinha resultado de uma cisão do Partido Histórico. Como tal, o Partido
Progressista, inicialmente liderado por Anselmo Braamcamp, pode ser considerado um continuador
do Partido Histórico.

[555] Não confundir com o atual Partido Socialista, fundado em 1973.

[556] RAMOS et al. (2009), p. 519. Esta tese de Herculano pode estar parcialmente correta, mas
tem de ser relativizada. Vivemos, na atualidade, numa sociedade inimaginavelmente mais próspera
do que a de meados do século xix. Mesmo os políticos atuais de origens mais modestas tiveram, em
termos absolutos, uma infância privilegiada quando comparada com os seus homólogos da centúria
de Oitocentos. E, no entanto, as lutas políticas continuam, ainda que menos violentas. Possivelmente,
o que os políticos de todas as épocas procuram é também estatuto social, que é sempre relativo.

[557] VALENTE (2018), p. 93.

[558] RAMOS et al. (2009), p. 531.

[559] REIS (1979); REIS (1984) e REIS (1986). Vale ainda a pena consultar LAINS (1986) e
LAINS (1987).

[560] JUSTINO (2022), pp. 91-93, 118-120, 138.

[561] MÓNICA, p. 136.

[562] HESPANHA (1994); CARDIM (1998a); TORGAL (2021).

[563] WICKHAM (2016). Portugal é um caso precoce de introdução de mecanismos


constitucionais no século xiii. Veja-se HENRIQUES (2009).
[564] MATTOSO (2001).

[565] BUCHANAN et al. (1999).

[566] AMARAL (2012).

[567] MÓNICA (2020), p. 118.

[568] STOLZ et al. (2013).

[569] O denominador da série corresponde a uma média móvel não ponderada de três anos, dos
sete países da Europa Ocidental para os quais existem dados para este período: Reino Unido, França,
Itália, Países Baixos, Dinamarca, Noruega e Suécia. Veja-se BOLT e VAN ZANDEN (2020).

[570] Que assim foi já tinha sido enfatizado, por exemplo, por Álvaro Ferreira da Silva e Luciano
Amaral. Ambos mencionam uma «suspensão da divergência» nas décadas de 70 e 80 do século xix.
Veja-se SILVA e AMARAL (2011).

[571] CARVALHO (2011b), pp. 542-543.

[572] CARVALHO (2011b), p. 543.

[573] FLANDREAU (2022).

[574] REIS (2005b).

[575] LAINS (1995).

[576] RAMOS et al. (2009), p. 501.

[577] RAMOS et al. (2009), p. 508.

[578] A Janeirinha foi um movimento de protesto contra o imposto de consumo e a reforma


administrativa do território. Eclodiu a 1 de janeiro de 1868 e levou à formação de um novo governo
liderado por António José de Ávila. Terminou com o período de estabilidade pós Regeneração.
Suceder-lhe-ia a «Saldanhada» em 1870, um pronunciamento liderado pelo Duque de Saldanha, já
em idade avançada, que imporia ao rei pela força das armas um executivo liderado por si, executivo
esse que duraria apenas alguns meses.

[579] BONIFÁCIO (2013), p. 449.

[580] Há quem sustente que o fontismo representou mais do que isso, mas ainda assim
reconhecendo que as políticas educativas desse período não tiveram grande sucesso. Veja-se
JUSTINO (2022).

[581] No entanto, deve ser reconhecido que muitos dos empréstimos fontistas foram para pagar
dívidas anteriores. Veja-se MATA (1987).
[582] ESTEVES (1998) e ESTEVES (2003).

[583] ESTEVES et al. (2009).

[584] Como é evidente, esta matéria tem paralelismos com os argumentos que apresento nos
caps. 6 e 10, mas sobre a qual não conheço nenhum estudo aprofundado. Sobre a contribuição mais
genérica das remessas para a industrialização e a estabilidade financeira dos países durante o padrão-
ouro, veja-se, respetivamente, REIS (1993a); e ESTEVES e KHOUDOUR-CASTÉRAS (2009).

[585] Esta percentagem é baseada numa estimativa que utiliza informação das entradas através
do Banco de Portugal entre 1888 e 1891. Veja-se LAINS (1995), pp. 127-128.

[586] ESTEVES (2005).

[587] RAMOS et al. (2009), p. 549.

[588] Ainda que a Grã-Bretenha tivesse mudado mais tarde de política. MENESES (2010a), p.
21.

[589] RAMOS et al. (2009), pp. 554-555.

[590] RAMOS et al. (2009), p. 556.

[591] RAMOS et al. (2009), p. 565.

[592] REIS (1996). A transformação foi gradual mas lenta, tendo dado um salto em frente
durante a Segunda Guerra Mundial; veja-se AMARAL (2018). Sobre a evolução gradual, para efeitos
comparativos, do caso de Inglaterra, veja-se O’BRIEN e PALMA (2023). A nacionalização do Banco
de Inglaterra deu-se em 1946; a do Banco de Portugal deu-se apenas em 1974.

[593] REIS (1994).

[594] REIS (2010) e REIS (2011).

[595] De resto, o crédito hipotecário só se desenvolveria no último quartel do século xix. Até aí,
a questão prendia-se largamente com o colateral que podia ser usado. As quintas (ou as colheitas) não
eram aceites facilmente como colateral no novo sistema bancário.

[596] Os números são pouco seguros, mas Portugal teria em 1850 uma taxa de analfabetismo que
rondaria os 85%, chegando a 75% por volta de 1900. Portanto, ao longo do século xix os progressos
foram pouco impressionantes, especialmente quando comparados com os registados nos outros países
da Europa Ocidental, que partindo de uma situação não muito diferente da portuguesa em meados do
século xviii, atingiram 100 anos depois níveis incomparáveis. Os analfabetos eram, em 1850, 45%
em França, Bélgica, e Itália, 30% em Inglaterra e País de Gales, e apenas cerca de 5% nos países
nórdicos. Mesmo em Espanha, Itália e Polónia correspondiam a menos dez pontos percentuais do que
em Portugal. Em 1900 já correspondiam a 20% ou menos em todos estes países, exceto no último
grupo, sendo menos de 2% nos países nórdicos. Em Espanha, Itália, e Polónia eram 60%, ou seja, a
diferença entre estes países e Portugal agravou-se durante 1850-1900, correspondendo a 15 pontos
percentuais na viragem para o século xx. Em 1900, apenas a Rússia e os países dos Balcãs tinham na
Europa uma percentagem de analfabetos semelhante à registada em Portugal, na ordem dos 75%.
CANDEIAS (2004), p. 34.

[597] A criação de escolas nos quartéis (outra alternativa) foi tentada a partir de 1815, usando o
chamado «método de ensino mútuo» (inventado por ingleses na Índia), mas os resultados haviam
sido, e continuariam a ser, muito pontuais e reduzidos, ainda que a escolarização nos quartéis tenha
continuado.

[598] BONIFÁCIO (2013), p. 82.

[599] A informação deste parágrafo é em parte baseada em JUSTINO (2022), pp. 305, 307, 309,
311, 354, 357, 377.

[600] WEBER (1976); BLANC e KUBO (2023).

[601] REIS (1993b), pp. 19-35.

[602] MAGALHÃES (2010).

[603] ALVES (2001), p. 62.

[604] PALMA e REIS (2021), p. 414.

[605] Para o caso, bem estudado, do Alentejo, veja-se FONSECA (1996); FONSECA e REIS
(1987); FONSECA (2003), sobretudo as pp. 225-226; e REIS (1982).

[606] REIS (1982), p. 431.

[607] REIS (1993a).

[608] GODINHO (2019), pp. 132-134.

[609] AMARAL (2012). Baseio-me neste artigo para muitos dos elementos que apresento nas
linhas seguintes. Sobre as grandes dificuldades, ou mesmo a impossibilidade, de mudar a sociedade
de uma vez de forma radical, consultar também VALENTE (2007).

[610] Como vimos no Capítulo 6, muitas das terras que supostamente estavam protegidas das
forças de mercado, na realidade estavam sujeitas a forças de mercado, o que sugere que este tipo de
propriedade talvez não fosse na prática tão ineficiente como possa parecer à primeira vista.

[611] MONTEIRO (2003).

[612] AMARAL (2012), p. 44; RAMOS (2009), pp. 510-511.

[613] SILVA (1997).

[614] ESTEVES (2005).


[615] THOMSON (2014), pp. 143-144.

[616] REIS (1986), p. 94; LAINS (2007), p. 24.

[617] Defendia antes a Carta Constitucional de 1826, recentemente abolida por D. Miguel, que
considerava ser «racional nos seus preceitos, justa na distribuição de poderes e compatível com as
instituições existentes, que pretendia reformar, mas não subverter». Fazendo um contraste com o que
acontecia em Inglaterra, notou também que em Portugal «todos os projetos que venham da iniciativa
individual ou de associações locais são vistos com suspeita, se realizados sem a intervenção do
governo central»; MÓNICA, pp. 134-135.

[618] Edmund Burke era do partido Whig, e não dos Tories (conservadores). Sendo inegáveis na
sua obra alguns elementos de conservadorismo, Burke foi toda a vida um defensor da tolerância
religiosa, e os seus comentários aos excessos da Revolução Francesa podem ser vistos como uma
crítica liberal. Nas Reflections on the Revolution in France, Burke critica a tentativa de reduzir os
direitos e as responsabilidades dos cidadãos, insistindo em que a igualdade não pode servir para
justificar a destruição da equidade numa sociedade civil, enfatizando a diferença entre um governo
legítimo e responsável e uma tirania popular. Veja-se BOURKE (2015).

[619] Citado em TORGAL (2021), p. 59.

[620] TENGARRINHA (1981), p. 593.

[621] Este projeto surgiu na sequência da Conferência de Berlim (1884-1885), na qual as


potências europeias chegaram a acordo sobre a divisão territorial de África. Portugal, que ocupava
reduzidas áreas costeiras daquele continente, saiu derrotado da conferência, já que a sua
reivindicação de vastas áreas no interior, baseada num suposto direito histórico, foi ignorada pelas
restantes potências.

[622] RAMOS (2010); MENESES (2010a), pp. 22-23; BASTOS (2010).

[623] Note-se que à época era consensual na Europa colonizar África, sendo por isso a posição
de Portugal nesta matéria idêntica à dos outros países europeus.

[624] ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA (s.d.); MENESES (2010a), p. 29.

[625] Sendo essa situação, de resto, frequente nas décadas finais da monarquia. Veja-se RAMOS
et al. (2009), pp. 570-571.

[626] Esse edifício sofreria alterações ao longo do século xix, mas é onde ainda hoje funciona a
Assembleia da República. Até finais dos anos 1980 albergou o Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

[627] Sobre a variação do sufrágio ao longo do século xix, consultar HESPANHA (2004), pp.
259-269.

[628] Para além disso, as eleições também podiam ser aldrabadas através da manipulação dos
círculos eleitorais. Ver VALENTE (2018), p. 203.
[629] RAMOS et al. (2009), pp. 533-534, 538, 541.

[630] RAMOS (2001), p. 350.

[631] VALENTE (2018), p. 183.

[632] Que assim foi já tinha sido notado, por exemplo, por LAINS (2003c).

[633] Ainda que existisse censura em certos contextos, como é visível por exemplo pela reação
das autoridades às Conferências do Casino a que me referi na Introdução, ou na condenação dos
republicanos à luz da Lei da Imprensa em vigor, sendo estes acusados de crimes de lesa-majestade.
MENESES (2010a), pp. 25, 30-31.

[634] Muitos líderes republicanos estavam, aliás, a soldo do Estado, como oficiais e funcionários
públicos. Veja-se MENESES (2010a), p. 24.

[635] SILVA e AMARAL (2011).


8.
A Primeira República

Indivíduos que não sabem os confins da sua paróquia,


que não têm ideias nítidas e exatas de coisa nenhuma,
nem de nenhuma pessoa, não devem ir à urna,
para não se dizer que foi com carneiros que confirmámos
a República.
Afonso Costa, discurso no Parlamento a 12 de junho de
1913.[636]

A Primeira República foi um regime sectário e radical.[637] O golpe de


Estado que acabou com a Monarquia, protagonizado pelo Partido
Republicano Português (PRP) em outubro de 1910, levou a uma situação
política dominada por esse partido, caracterizado ideologicamente como
ferozmente anticlerical e jacobino.[638] Segundo a Constituição de 1911 o
Presidente da República era uma mera figura cerimonial, não sendo
diretamente eleito, mas antes escolhido pelo Congresso – constituído pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado –, um órgão que o Presidente não
podia dissolver, ao contrário do que acontece nos nossos dias. O regime
esteve fortemente influenciado por ideias maçónicas e foram maçons cerca
de metade dos ministros e membros do parlamento.[639] Afonso Costa
declarou, desde o primeiro momento, que os objetivos principais da
República incluíam desenvolver a educação nacional, assim como as
colónias, e secularizar o Estado, banindo «todos os monges e freiras».[640]
A Primeira República foi um regime breve: durou apenas 16 anos – um
piscar de olhos na História de Portugal. Mas representou aquilo a que
poderíamos chamar o triunfo das correntes mais radicais do século xix: o
cúmulo e a manifestação final do Vintismo e do Setembrismo. Não será
excessivo dizer, para efeitos de simplificação, que a Primeira República foi
um regime de esquerda radical, intolerante e envolvido em constantes
guerras culturais em que os partidários do PRP, em particular, se
consideravam donos da verdade, mas pouco mais faziam do que agir em
benefício próprio.[641] Foi um regime elitista e anticlerical, mas que também
perseguiu os sindicalistas e o operariado, inclusivamente através do recurso
à Guarda Nacional Republicana.[642] Progressivamente o regime foi
desiludindo muitos republicanos.[643] Ainda que tenha sido breve, e não
tenha conseguido desenvolver o país, foi um regime que marcou muito a
nossa História. Vale a pena compreendê-lo com algum detalhe.
A Primeira República era um regime democrático, mas pouco. Neste
aspeto compara-se mal não apenas com a democracia que surgiu na década
de 1970, mas também com a que existia durante grande parte da Monarquia
Constitucional que a antecedeu. Durante a Primeira República, as eleições
não eram livres nem justas, mas existiam vários partidos e houve alguma
alternância política, embora um partido, o PRP – também conhecido como
Partido Democrático, depois de algumas cisões logo desde 1912 –, tivesse
sido largamente dominante e, muitas vezes, fosse apenas possível tirá-lo do
poder na rua, pela utilização da força. Os resultados eleitorais eram
distorcidos e influenciados pela máquina partidária do PRP, que tinha sido o
fundador do regime. A imprensa republicana considerava todos os críticos
do governo como traidores à pátria.[644] A contestação política, sindical e
popular à oligarquia levou a um clima de tensão social e também a cisões
frequentes entre os republicanos, com bastante violência associada. Uma
espécie de polícia política irregular, a «Formiga Branca», foi criada em
1913 e respondia aos líderes do PRP. Muitos dos membros desta
organização estavam ligados à Carbonária e beneficiavam de uma rede de
denunciantes e informadores, realizando inúmeras ações violentas e de
intimidação contra os inimigos do PRP, incluindo, por exemplo, assalto a
jornais.[645] Foi devido às ações da «Formiga Branca» que um dos governos
desta época ficou conhecido como o «Governo dos Cinco Minutos», por ter
sido exonerado no mesmo dia em que foi nomeado pelo presidente António
José de Almeida. A Guarda Nacional Republicana (GNR), fortemente
armada, também funcionava como a guarda pretoriana do regime e do PRP,
tendo sido, de resto, criada com esse propósito. Desde o início a fação de
Afonso Costa, em particular, manipulava as eleições ou impunha-se através
de golpes.[646]
Em 1921, uma viatura conhecida à época como a camioneta-fantasma,
conduzida por militares da GNR e da marinha e liderada por Abel Olímpio,
«o dente de ouro», prendeu e executou vários políticos e figuras da
oposição: republicanos que se opunham à corrente radical que dominou a
Primeira República. O Primeiro-Ministro António Granjo, à época,
demissionário, e dois dos protagonistas da Revolução de 5 de Outubro,
Machado Santos e José Carlos da Maia, foram nessa altura assassinados.
Alfredo da Silva, o industrial fundador da CUF na década de 1870, que já
tinha sido em anos anteriores vítima de ameaças e atentados, foi informado
que personagens da indústria e das finanças também eram procuradas,
sendo o seu nome um alvo a abater. Tentou, por isso, fugir do país, mas foi
espancado e atingido a tiro, acabando por conseguir ir para o estrangeiro.
[647]
Em 1925, declarou que Portugal era «um grande manicómio», e no ano
seguinte seria o próprio António Maria da Silva que o aconselharia a
manter-se em Espanha.[648] Como é evidente, nestas condições, não existia
um ambiente propício para o desenvolvimento industrial e económico.
Alfredo da Silva só regressaria ao país em 1927.[649]
A Primeira República pode ser classificada como uma democracia
eleitoral limitada, não sendo uma verdadeira democracia no sentido
corrente e atual do termo.[650] Apesar do domínio e intolerância do PRP, foi
um regime que, até pela desorganização que lhe era inerente, foi mais
democrático e pluralista, tendo tido uma censura menos sistemática e
organizada do que a imposta pela Ditadura Militar (1926-1932) e a do
Estado Novo (1933-1974) que lhe sucederam.[651] Existiram, por exemplo,
2046 greves de trabalhadores entre 1910 e 1917. Embora reprimidas pelos
governos, nalguns casos com violência, muitas acabaram vitoriosas.[652]
Durante a oposição à Monarquia, entre 1891 e 1910, o PRP tinha
prometido o sufrágio universal masculino, promessa que nunca foi
cumprida. Depois da implantação da República, em 1910, as restrições
eleitorais foram, pelo contrário, cada vez maiores. Em 1913 apenas podiam
votar os homens que soubessem ler e escrever. Por esse motivo, o número
de pessoas recenseadas para votar correspondia apenas a cerca de um quarto
dos homens adultos, sendo que apenas cerca de 10% efetivamente votavam
– uma proporção menor do que a das décadas finais da Monarquia.[653] A
grande preocupação dos republicanos era afastar do voto as massas rurais
que constituíam o grosso do país e que se opunham às políticas das elites
urbanas.[654] Em particular, sendo a maior parte do povo conservador e
católico, opunha-se de forma vigorosa ao programa de secularização dos
republicanos.
A República também recusou o sufrágio às mulheres pelas mesmas
razões, como ficou claro nos debates parlamentares sobre a lei eleitoral de
1913.[655] As mulheres eram excluídas por serem consideradas pelos
republicanos «almas simples» de «crendice fácil», logo reacionárias –
religiosas, conservadoras, e sujeitas à lavagem cerebral do Clero.[656]
Carolina Beatriz Ângelo votou por ocasião das eleições para a Assembleia
Constituinte em 1911, aproveitando-se da ambiguidade na lei, que logo no
ano seguinte foi por isso alterada para excluir explicitamente as mulheres
do direito de votar. O «Liberalismo» do século xix não só tinha também
negado o voto às mulheres, como tinha reforçado a sua subordinação no
campo do direito. O Código Civil de 1867 dizia mesmo ser dever das
mulheres «prestar obediência ao marido», enquanto este tinha por sua vez a
incumbência de «proteger e defender a pessoa e os bens da mulher». Ora, a
lei republicana continuou nessa tónica, impondo à mulher «o governo
doméstico».[657] É, portanto, um mito a ideia de que teria sido o Estado
Novo a inventar, ou a reforçar, o «patriarcado». Na realidade, até seria a
Ditadura Nacional a dar pela primeira vez o voto às mulheres, a partir de
1930.[658] Por contraste, em França as mulheres só tiveram acesso ao
sufrágio em 1944, com o primeiro ato eleitoral a acontecer no ano seguinte.
Seria também com o Estado Novo que, pela primeira vez, iriam existir
deputadas na Assembleia Nacional, a partir de 1935.[659]
Um mergulho nos detalhes do funcionamento da Primeira República
permite compreender o motivo da sua hesitação em alargar o sufrágio, ao
contrário do que haviam prometido antes os republicanos. Durante a
Monarquia Constitucional, em particular durante a sua última década até
1910, apenas podiam votar homens com mais de 21 anos de idade e que
soubessem ler e escrever, ou que pagassem impostos acima de um certo
montante.[660] O seu total andaria por volta dos 630 mil, mas na verdade
apenas 150 mil estavam recenseados. Estes números dizem respeito a uma
população total de 5,5 milhões de pessoas. Por comparação, em 1911, logo
a seguir ao triunfo da República, o sufrágio foi dado a todos os homens
portugueses com mais de 21 anos que soubessem ler e escrever, ou que
tivessem sido cabeças de casal há mais de um ano.[661] O seu total andaria
então por volta dos 840 mil indivíduos. Caso o sufrágio universal –
masculino – tivesse sido implementado, esse número seria o dobro. Mas,
decorridos apenas dois anos, a República alterou a lei eleitoral. As novas
regras restringiam o direito de voto: apenas poderia votar quem tivesse mais
de 21 anos, soubesse ler e escrever, acrescentando-se algumas regras de
exclusão adicionais.[662] A nova regra retirou, portanto, o voto aos
analfabetos que fossem cabeças de casal, reduzindo assim o número de
eleitores potenciais para apenas 617 mil, sendo que na verdade apenas 370
mil destes estavam recenseados para poder votar. Esta mudança foi imposta
pelos três principais partidos e justificada pelo facto de haver muito apoio
monárquico no Portugal rural. Afonso Costa afirmou mesmo, num discurso
parlamentar de 1913, que os indivíduos que nunca tivessem saído da sua
paróquia e não tivessem ideias claras sobre nada nem ninguém não
deveriam votar, como citei em epígrafe.[663] A experiência eleitoral de 1911
tinha mostrado que o povo analfabeto que vivia fora das cidades continuava
sob a influência da Igreja, apoiando a Monarquia, e como tal, opondo-se
fortemente à República, e em particular ao seu programa de secularização.
Uma nova lei eleitoral de 1915 não mudou nada de substantivo a não ser o
facto de os militares agora poderem votar e os votantes recenseados
subirem para 472 mil indivíduos. A lei continuou a proibir expressamente
que os analfabetos votassem.
Em 1918, a República presenciou a ditadura de Sidónio Pais – a quem
Fernando Pessoa chamaria Presidente-Rei –, que em dezembro do ano
anterior tinha liderado um golpe e mandado prender Afonso Costa, a mais
importante figura política da República.[664] A questão religiosa estava no
centro das polémicas políticas desde a fundação da República, mas foi
apenas com Sidónio Pais que a Lei de Separação do Estado das Igrejas seria
finalmente alterada – numa altura em que o parlamento estava dissolvido.
Também foram restabelecidas relações diplomáticas entre Portugal e a
Santa Sé. Propunha-se restaurar o espírito original da República, que
segundo Sidónio Pais tinha sido «miseravelmente atraiçoada por uma casta
política».[665] Foi anunciada uma extensão de direito de voto, mas apenas
514 mil homens se recensearam. Sidónio Pais seria eleito a 28 de abril de
1918, resistindo a tentativas de vários golpes por parte do PRP. Depois do
seu assassinato, a tiro, na estação do Rossio por um militante do PRP, a 14
de dezembro, a lei eleitoral voltou a ser parecida com a que tinha existido
em 1915. E assim continuou até ao final da Primeira República.

O falhanço da estratégia educativa republicana

Os republicanos afirmavam que a educação era uma das suas principais


prioridades. A vergonhosa taxa de analfabetismo do país assim o exigia. O
seu objetivo era criar um homem novo, republicano e nacionalista.[666] O
ensino primário era obrigatório desde 1835, segundo a lei, mas isso não
tinha qualquer adesão à realidade, como ficaria patente pelo facto de, ainda
no início do século xx, os analfabetos corresponderem a 75% da população
com mais de dez anos.[667] Os republicanos atribuíam este atraso à
influência cultural da Igreja e à Monarquia, a qual acusavam de não ter
construído escolas públicas nem pagado ou formado professores suficientes,
por se encontrar sob a influência obscurantista da Igreja Católica. Como tal,
o objetivo declarado dos republicanos era reformar a mentalidade dos
portugueses através de uma escola secular. Desta escola deveria emergir
uma população nova, republicana, nacionalista, física e psicologicamente
vigorosa, e pronta para defender o regime contra quaisquer inimigos ou
opositores.
Esse era o plano. Na prática, as coisas foram diferentes e as reformas
educativas da Primeira República foram pouco impressionantes. Foi criado
um ministério, o da Instrução (a que hoje chamaríamos da Educação) e
desenhou-se uma profunda e ambiciosa transformação do sistema de
educação primária, mas muito do que estava planeado nunca chegou a sair
do papel, como aliás é frequente em Portugal. Foi decidido que a
escolaridade obrigatória seria de três anos – estendidos para cinco em 1919,
decisões que nunca passaram da letra da lei. Decidiu-se também investir na
formação dos professores e em melhores salários para os mesmos. E,
finalmente, deu-se uma expansão da infraestrutura educativa disponível,
sobretudo através da construção de novas escolas, ainda que o impulso
inicial tenha desaparecido com a passagem do tempo. Foram também
criadas universidades no Porto e em Lisboa, assim como escolas técnicas e
secundárias – mas, como é evidente, estas eram apenas dirigidas a uma
pequena franja num país em que o analfabetismo era ainda esmagador.[668]
Na realidade, as elites políticas da Primeira República receavam o povo,
pois sabiam que as suas decisões não tinham apoio junto da maioria da
população. Na ótica de Afonso Costa e de outros republicanos, isto
acontecia devido à influência cultural da Igreja. Os políticos dos principais
partidos da Primeira República – e em particular do PRP, que era bastante
radical nestas matérias – sentiam-se, portanto, cultural e politicamente
condicionados pelo país rural e atrasado que queriam mudar, também pela
via cultural. Compreender isto é fundamental para podermos entender
porque é que a Primeira República falhou em toda a linha na sua tentativa
de alfabetizar a população, ainda que, retoricamente, desse enorme
importância a esse objetivo. É importante sublinhar que o condicionamento
não era apenas nem principalmente político, mas sim cultural, estando, no
entanto, ambos os aspetos fortemente ligados, como é evidente. João de
Barros, o principal ideólogo da prática educacional da Primeira República,
escreveu que «a República libertou a criança portuguesa, subtraindo-a à
influência jesuítica, mas precisa agora de a emancipar definitivamente de
todos os falsos dogmas, sejam os de moral ou os de ciência».[669] Para as
elites republicanas, a secularização não significou apenas a separação do
Estado e da Igreja, mas também a tomada de controlo, ou mesmo o domínio
total, da Igreja pelo próprio Estado. O objetivo último era o Estado
administrar a Igreja, destruindo a sua hierarquia interna e privando-a de
meios de subsistência.[670]
Logo a seguir ao triunfo da República, o governo provisório de Teófilo
Braga, que contava com Afonso Costa como ministro da Justiça e dos
Cultos, procurou de imediato implementar um dos mais importantes
princípios da ideologia republicana – a laicização do Estado, de molde a
reduzir a influência da Igreja Católica na sociedade portuguesa. Costa não
hesitou em instrumentalizar a justiça, que usou para perseguir os seus
inimigos.[671] Para além da Lei do Divórcio, retomou numerosos decretos
anticlericais relativos à eliminação do ensino da doutrina cristã nas escolas.
Também retomou diplomas relativos à expulsão dos jesuítas e à extinção
das ordens religiosas. Os jesuítas, que tinham sido autorizados a regressar
em 1858, foram expulsos – pela terceira vez na nossa História – ainda em
1910.[672] Para acabar com uns e outros, o que aconteceu logo três dias
depois da implantação da República, nem sequer foi preciso elaborar nova
legislação, tendo sido suficiente declarar como válidos os decretos de 1759
e 1834. Logo no mês a seguir à revolução, Afonso Costa também propôs
que os restos mortais de Pombal fossem transferidos para o Mosteiro dos
Jerónimos, que funcionava à época como Panteão Nacional.[673]
Afonso Costa apresentou em Lisboa a Lei da Separação do Estado das
Igrejas, numa reunião no Palácio Maçónico, em março de 1911. Esta Lei era
um elemento fundamental da política anticlerical republicana – inspirada
por políticas de teor semelhante implementadas em França poucos anos
antes – e viria a ser um pilar fundamental do regime, especialmente numa
primeira fase. A Lei foi apresentada menos de um mês antes da sua
publicação em Diário do Governo. Foi nesta reunião que Afonso Costa
disse que iria destruir a religião católica em Portugal em três gerações.[674] A
Lei da Separação foi aprovada e publicada como decreto em abril, passando
assim a ter força de lei ainda durante o governo provisório, antes das
primeiras eleições para a Assembleia Constituinte que apenas tomariam
lugar no mês seguinte.
As mudanças foram grandes. A religião católica apostólica romana
deixou de ser a religião oficial do Estado, não reconhecendo a República
culto algum e, portanto, recusando-se a subsidiar a Igreja Católica: «A
República não reconhece, não sustenta, nem subsidia culto; e por isso (…)
serão suprimidas nos orçamentos do Estado, dos corpos administrativos
locais e de quaisquer estabelecimentos públicos todas as despesas relativas
ao exercício dos cultos.» Os bens da Igreja foram nacionalizados e o culto
passou a ser fiscalizado pelo Estado, entre várias outras medidas polémicas
e fortemente contestadas pela Igreja.[675] A vida paroquial passou a ser
organizada em redor de comissões laicas que excluíam os padres, que
recebiam uma pensão do Estado caso aceitassem as novas regras.[676] Sem
surpresa, o Vaticano cortou mesmo relações diplomáticas com Portugal em
1913. Mas as intenções de jure estavam mais uma vez em confronto com a
realidade de facto: dois anos depois da Lei da Separação, as comissões
laicas tinham sido criadas em apenas 6% das paróquias, e apenas um quinto
do Clero recebia uma pensão estatal.[677] O objetivo declarado dos líderes
republicanos à volta de Afonso Costa era o de criar um país novo através da
educação das massas, acabando com o seu atraso secular, concretamente no
que tocava à questão do analfabetismo. Como já vimos em capítulos
anteriores, a ideia de que a decadência de Portugal se devia aos jesuítas e ao
Clero era bem anterior. Mas reemergiu neste período e, logo depois da
implantação da República, a Companhia de Jesus voltou a ser expulsa de
Portugal, como referi. A ironia é que muitos dos políticos republicanos, que
perseguiam e voltaram a expulsar os jesuítas, não tinham na verdade os seus
filhos a estudar na escola pública, mas sim nas escolas da Companhia de
Jesus.[678] Assistia-se mais uma vez ao triunfo da retórica sobre a realidade.
Era a História de Portugal a repetir-se, ou pelo menos a rimar, como se pode
ver num bilhete postal com uma ilustração satírica alusiva às políticas
anticlericais de Afonso Costa, sob o olhar, e certamente aprovação, de
Pombal (Figura 27). Apesar de tudo isto, ele insistia (embora fiquem
dúvidas se verdadeiramente acreditava) que a Lei da Separação não era
intolerante. Em 1914 afirmava na Câmara dos Deputados que: «o povo tem
sentimentos de patriotismo, de republicanismo e de liberalismo contra os
clericais. (…) A reação religiosa está convencida de que tem a defendê-la
muita gente que tem assento nos arraiais republicanos, mas engana-se.»[679]
A vocação secular da Primeira República manifestou-se de várias
formas. Uma delas foi na proibição da exibição de crucifixos nas salas de
aulas – sendo que uma das muitas medidas polémicas da Lei da Separação
tinha sido, precisamente, a proibição de símbolos religiosos em lugares
públicos. A vocação secular do ensino republicano ficou logo expressa a 22
de outubro de 1910, quando foi extinto o ensino da doutrina cristã nas
escolas primárias.[680] A República também insistiu em que as escolas
fossem mistas – ou seja, com os rapazes e as raparigas a conviver nos
recreios e nas salas de aula.[681] Isto aconteceu desde os primeiros anos da
República e foi reafirmado, por exemplo, num discurso de 1923 de João
Camoesas, membro da Maçonaria que foi ministro da Instrução Pública.
Ora, esta vocação secular da Primeira República iria entrar em choque com
a cultura dominante do país, sabotando assim os esforços de escolarização
que ocorreram, e por isso explicando, em grande medida, o falhanço da
estratégia educativa republicana.

Figura 27. A expulsão dos jesuítas, outra vez.


Quase 70% da população portuguesa com mais de dez anos, em 1911,
era analfabeta. Se este número é espantoso para os nossos dias, também o
era já na Europa Ocidental de então, mesmo em comparação com os países
mais pobres do Sul, como vimos no capítulo anterior. Os cerca de 70% de
analfabetos de 1911 – que apenas desceram alguns pontos percentuais, para
62% em 1926 – iriam depois cair rapidamente para 42% em 1950.[682] No
entanto, estas percentagens até subestimam os avanços feitos nesta época,
devido ao facto de misturarem gerações: grande parte do progresso ocorrido
nas décadas de 1930 e 1940 incidiu na escolarização das crianças,
resolvendo o problema a prazo e fazendo assim diminuir as percentagens
que acabei de referir.
Apesar da retórica sobre o investimento na educação, a percentagem
média de despesa pública durante a Primeira República apenas andou pelos
7%. Esta não foi uma percentagem alta, sendo bastante inferior aos 12%
que a Ditadura Militar e o Estado Novo viriam a despender nos anos
seguintes. A Primeira República construiu algumas escolas, ainda que
concentradas em centros urbanos, atingindo uma densidade média de cerca
de 15 escolas por 100 quilómetros quadrados em todo o país. A este
respeito, o número equivalente para a Ditadura Militar e Estado Novo foi de
27 escolas por 100 quilómetros quadrados (apenas até 1950).[683] A falta de
investimento da Primeira República na construção de escolas esteve
certamente associada não apenas às dificuldades financeiras e à
instabilidade política do regime, mas também à falta de vontade política
devido ao risco que a alfabetização das massas rurais representava para as
elites republicanas, como já referi. No entanto, o principal motivo para o
falhanço do programa educativo da Primeira República não se deveu
principalmente à falta de investimento em infraestruturas, uma vez que
muitas crianças nem sequer iam às escolas que existiam.
O problema central, como fiz notar, foram as guerras culturais. Nas
aldeias, o Clero encorajava as massas a resistir às ideias da República,
enquanto os pais não queriam retirar os filhos do campo para os enviar para
as escolas onde, segundo desconfiavam, seriam sujeitos a influências
perniciosas. A velocidade projetada pela Primeira República para a
mudança social não era possível num país profundamente rural e
socialmente conservador. A Primeira República até podia construir escolas,
mas a verdade é que o número de matrículas por escola descia: de 55 em
1911-1912, para 52 em 1916-1917, e apenas 48 em 1926-1927. À medida
que o Estado criava escolas, ia tendo cada vez menos alunos por escola.
Vários intelectuais republicanos desenvolveram uma visão pessimista sobre
a instrução primária, concluindo que não valia a pena investir na construção
de escolas, pois as crianças não as frequentavam.[684]
Mas essa falta de procura tinha um motivo: as famílias desconfiavam da
escola republicana. Nos meios rurais e pobres, as crianças representavam
uma mão de obra importante, apanhando pasto ou pinhas, arrecadando
estrume, acartando água, guardando animais e cuidando dos irmãos mais
novos; pelos 12 anos começavam a trabalhar a par dos adultos.[685] Neste
contexto, as famílias não estavam dispostas a prescindir dessa mão de obra
para que ela fosse doutrinada pelo ateísmo republicano. A partir de 1926, o
caminho seguido foi o oposto: o ensino passou a ter um teor religioso e
deixaram de existir escolas mistas, passando a estar os meninos e meninas
separados, não apenas nas salas de aulas, mas também nos recreios.[686] Os
crucifixos, que tinham sido proibidos pela Primeira República, voltaram
também às salas de aulas da instrução primária, ao mesmo tempo que os
livros utlizados dedicavam dezenas de páginas à religião católica.[687] Essa
política educativa veio a ter um enorme sucesso, como explicarei no
capítulo seguinte. A verdade é que as mudanças culturais desejadas pelos
republicados eram demasiado radicais para o que a sociedade portuguesa da
época estava preparada. Não é possível mudar de repente, de «cima para
baixo», toda uma sociedade, por decreto. E é muito mais fácil mudar uma
sociedade se essa mudança for feita em consonância com a cultura da maior
parte da população do que contra ela.
Existiam aliás vários indícios, à época, de que os pais das crianças não
estavam confortáveis com o regime de educação secular e mista. As
próprias elites republicanas, por vezes, reconheceram isto mesmo: num
documento oficial escrito em 1921, escrevia-se que o número de crianças
inscritas nas escolas estava a cair, sendo isto especialmente verdade para as
raparigas. Os motivos sugeridos incluíam a aversão dos pais ao ensino
misto – notando o relatório que tinha existido uma queda discreta das
inscrições no ano em que essa política foi adotada de forma geral –, bem
como a própria desorganização administrativa da República.[688] Leonardo
Coimbra, professor que foi duas vezes ministro da Instrução durante a
Primeira República, também acabou por pedir a demissão devido à
intransigência dos republicanos que viam a religião católica como inimiga
declarada da ciência e queriam, à força e de repente, que o ensino refletisse
esses seus valores, não permitindo sequer a liberdade de ensino religioso
nas escolas particulares. Foi por isso atacado pelos colegas do próprio
partido, para quem o sentimento religioso era «uma enfermidade só
existente nos velhos e nas crianças».[689] O Estatuto da Educação Nacional
de 1923 – um conjunto de ambiciosas reformas de João Camoesas, a que
Jaime Cortesão chamou «o mais sério documento político emanado de um
governo» – nunca saiu do papel, pois o governo de que fazia parte caiu em
novembro desse ano. O que, de resto, não surpreende: nos 13 anos entre a
criação do Ministério da Instrução, em 1913, e o fim da Primeira República,
houve 40 ministros da Instrução, sem contar com os que desempenharam o
cargo interinamente – uma média de um ministro a cada quatro meses.
Como é evidente, é impossível concretizar quaisquer planos a prazo nestas
condições, por mais bem-intencionados que sejam, sucedendo-se, portanto,
os ministros uns aos outros, enquanto ficava tudo na mesma. Muito menos
os planos ambiciosos que muitos desses ministros se propunham
implementar. Basílio Teles, um economista e combatente republicano,
mostrou saber invulgarmente isolar o essencial do acessório nesta matéria,
quando chegou a propor in extremis a solução drástica de se fecharem todas
as escolas que não fossem primárias para, antes de mais, acabar com o
analfabetismo, enquanto primeiro passo para outros voos em fases
posteriores.[690] Mas nada disto aconteceria. O alheamento cultural das elites
políticas e da escola republicana relativamente ao país largamente rural,
conservador e analfabeto que existia, implicou que as cartas estavam
lançadas para o programa educativo republicano ser um sonho impossível.
Em matéria de política educativa, a Primeira República apenas pode ser
avaliada de forma francamente negativa.

O caminho para o fim do regime

Não é possível fazer uma avaliação globalmente positiva da Primeira


República nos domínios económico e financeiro. Isso é verificável em
vários indicadores. O regime manteve, por exemplo, o tradicional
protecionismo da política comercial portuguesa.[691] Isto teria sido inevitável
a partir do início da Grande Guerra – como, na época, era conhecida a
Primeira Guerra Mundial – em 1914, mas durante os primeiros anos do
regime, a abertura da economia não foi tentada. Os republicanos tinham
tido o hábito de entrar em retóricas inflamadas contra o despesismo da
Monarquia, mas a sua ação nesta matéria não foi brilhante. Depois de uma
inversão do saldo orçamental negativo nas contas públicas, em 1912-1914,
realizada por Afonso Costa e conseguida através da redução das despesas
públicas, os enormes custos e dificuldades financeiras associadas à guerra
pesaram gravemente sobre o regime após a entrada de Portugal nesse
conflito em 1916.[692] A falta de pão em Lisboa levou os governos
republicanos a ordenarem requisições na província – altamente
impopulares, como seria de esperar –, provocando motins e a suspensão das
garantias constitucionais.[693] O industrial Alfredo da Silva argumentou
mesmo que o parlamento republicano propunha «pôr inteiramente à
disposição do governo tudo o que em matérias primas ou géneros de
primeira necessidade qualquer indivíduo ou entidade possa produzir».[694]
Há que reconhecer, contudo, que alguns dos custos relacionados com a
Grande Guerra se deveram a fatores externos à política nacional. Foi o caso
da diminuição das remessas dos emigrantes, principalmente dos do Brasil, o
que levou a balança de pagamentos a deteriorar-se gravemente. Mas é
preciso não esquecer que a participação de Portugal na Grande Guerra, com
os enormes custos financeiros e humanos que estiveram a ela associados,
não foi imposta a Portugal.[695] Foi uma escolha política deliberada, para
defender o império em África e como forma de validação internacional do
regime republicano.[696] Essa escolha correspondeu a um invulgar consenso
político, tendo o «Ministério da União Sagrada» sido um governo que,
invulgarmente, esteve mais de um ano em funções. Isso aconteceu graças à
coligação de dois partidos normalmente rivais: o PRP de Afonso Costa e o
Partido Republicano Evolucionista de António José de Almeida. Portanto, o
sacrifício do país em defesa do Ultramar não era uma ideia exclusiva do
Estado Novo, mas correspondia a um consenso político anterior, mesmo
quando isso implicava enormes gastos, até arriscando a sobrevivência do
próprio regime.[697] Em desespero, durante a guerra, os governos
experimentaram tabelamento de preços, racionamentos, e ainda requisições,
que foram penalizadoras da atividade económica.[698] As tentativas de
controlar os preços e os câmbios continuaram nos anos imediatamente a
seguir ao fim da guerra, que se caracterizaram por uma grande instabilidade
económica e financeira, associada à instabilidade social e política, com uma
média de quatro chefes de governo por ano, entre 1919 e 1922.[699] Mas,
apesar de tudo isto, na sequência de um período de inflação muito elevada
no início dos anos 1920, com os défices a serem financiados pela emissão
de moeda, a partir de 1923-1924, os governos finais da Primeira República
já tinham estabilizado as finanças públicas.[700] Não é possível desse modo
confirmar o mito segundo o qual foram a Ditadura Militar ou o Estado
Novo que iriam impor ordem nas contas públicas.[701] Ainda assim, a
desorganização do Estado e das suas instituições tinha ficado bem patente
com o escândalo do Banco Angola e Metrópole protagonizado por Alves
Reis e os seus cúmplices em 1925, que danificaram gravemente a
credibilidade financeira e política da Primeira República e do Banco de
Portugal.
O pronunciamento de 1926 viria a representar uma importante rutura
política devido à sua metamorfose – que foi gradual e não previsível – no
Estado Novo, a partir de 1928, pela mão de António de Oliveira Salazar, um
civil. De origens sociais modestas, este professor universitário iria ter um
estilo de governar académico e tecnocrático. No entanto, apesar do seu
novo regime ser socialmente conservador, estando por isso mais alinhado
com o país que existia à época, e embora se definisse em oposição ao
suposto parlamentarismo multipartidário da Primeira República, grande
parte das reformas políticas do regime republicano foram na verdade
mantidas. A Ditadura Militar e o Estado Novo nunca procuraram restaurar a
Monarquia e não reverteram a secularização do Estado, que tanta crispação
social tinham gerado durante a Primeira República.[702] Até a bandeira verde
e vermelha do país, inspirada pela do Partido Republicano Português,
continuou a existir como tal, o que, de resto, também continuou depois a
acontecer com a Terceira República, a partir de 1974.
Durante a Primeira República, o facciosismo das elites urbanas
republicanas, especialmente no que tocava à questão religiosa, tinha-as
posto em confronto não apenas com o Clero, mas com a esmagadora
maioria da população: o país profundo das aldeias. Não se tinha aprendido
nada com a intolerância sectária dos regimes anteriores. Os governos finais
de António Maria da Silva foram mais moderados e conciliatórios do que o
que tinha acontecido quando Afonso Costa esteve à frente do PRP, mas
ainda assim, e na sequência de mais falcatruas eleitorais em 1925, o terreno
era fértil para que aparecesse um regime diferente. Numa primeira fase, o
pronunciamento de 1926 não teve qualquer coerência: era apenas uma
coligação de partidos e interesses com pouca coisa em comum, além do
desejo de afastar o PRP do poder.[703] O futuro poderia ter passado por,
simplesmente, uma ditadura temporária, um interlúdio como tinha sido o de
Sidónio Pais antes do regresso do PRP às rédeas do Estado. António Maria
da Silva afirmou então que «dava oito dias» à ditadura.[704] Mas a realidade
viria a ser diferente.

[636] Comunicação feita em função do Código Penal de 1913. Citado em MARQUES (1991),
pp. 417-418.

[637] Tal como no Capítulo 5, noto aqui que não tenho qualquer declaração de interesses a fazer,
pois sou republicano.

[638] Este parágrafo e os seguintes baseiam-se nos argumentos e na informação sumarizada em


PALMA e REIS (2021).

[639] VENTURA (2011).

[640] MENESES (2010a), p. 36.

[641] Note-se que emprego a palavra «esquerda» à luz dos padrões da época, não aos de hoje.
Convém ter presente que a Primeira República tinha um sufrágio restrito, proibindo o voto às
mulheres e aos analfabetos, por exemplo. Direi mais sobre esta matérias nos parágrafos seguintes.

[642] MENESES (2010a), pp. 39, 45.


[643] BRANDÃO (2018). Publicado originalmente em 1918; MENESES (2010a), p. 38.

[644] RAMOS (2001), p. 364.

[645] MENESES (2010a), p. 39.

[646] MENESES (2010a), p. 53; RAMOS et al. (2009), pp. 594-595.

[647] FARIA (2022), pp. 165-166.

[648] SARDICA (2020), p. 96.

[649] Fez, no entanto, algumas visitas pontuais ao país nos anos anteriores, ainda que receando
pela sua segurança.

[650] RAMOS (2001). Sobre a noção de democracia limitada, veja-se LINDERT (2003); e
LINDERT (2004).

[651] Ainda assim, existiu, sem qualquer dúvida, censura governamental durante a Primeira
República. A partir de 1912 o governo passou a poder apreender jornais «que atentem contra a
ordem, contra os bons costumes e contra a república». RAMOS et al. (2009), p. 595.

[652] TENGARRINHA (1981), pp. 585 e 589. Para exemplos de repressões violentas por parte
das forças de segurança, Veja-se MENESES (2010a), p. 64; e RAMOS et al. (2009), p. 584.

[653] MARQUES (1991).

[654] MENESES (2010a), p. 45.

[655] PALMA e REIS (2021), p. 431.

[656] RAMOS (2001), p. 358.

[657] De resto, foi já com o «liberalismo» do século xix que se acentuou a construção de muitos
«papéis de género». Veja-se VAQUINAS (2011), pp. 125-127.

[658] Ainda que, na prática, este gesto fosse meramente simbólico, já que, como é evidente,
durante a ditadura salazarista o voto tivesse pouco significado e consequências políticas.

[659] BRAGA (2014a). Aproveito para notar que uma mulher ocupou um cargo executivo (uma
subsecretaria de Estado) durante esse regime, ainda que apenas em 1970. Veja-se ALMEIDA (2018).
Atente-se no facto de que essa situação não era muito diferente da que existia noutros países
europeus católicos conservadores à época, mesmo em democracias, como durante o gaullismo em
França, ou o domínio da Democracia Cristã em Itália.

[660] Este era, portanto, um sufrágio censitário, ou seja, a concessão do direito do voto era dada
apenas aos cidadãos que cumprissem certos critérios económicos.
[661] Com exceções, como era o caso de criminosos.

[662] Para além dos criminosos, também os militares não podiam votar.

[663] MARQUES (1991). O discurso de Afonso Costa e informação complementar, também


relacionada com o que vou discutir a seguir, podem ser consultados nas pp. 413-417.

[664] MENESES (2010a), p. 73.

[665] RAMOS et al. (2009), p. 610-611.

[666] CARVALHO (2011b), pp. 651-652, 663-664.

[667] Formalmente, o ensino passou a ser obrigatório em 1835. Uma data alternativa é 1844,
como expliquei no capítulo anterior.

[668] CARVALHO (2011b), pp. 688-692.

[669] Preâmbulo ao Decreto de 29 de março de 1911. Citado em MARQUES (1991), p. 527. Não
confundir este João de Barros com o historiador do século xvi.

[670] RAMOS (2001), pp. 356-357; RAMOS et al. (2009), pp. 586-587.

[671] MENESES (2010a), p. 38.

[672] Regressariam discretamente durante a década de 1920, e a partir de 1932 em definitivo.


ROMEIRAS (2019), cap. 3.

[673] MENESES (2010a), p. 167; CARVALHO, pp. 659-660.

[674] MENESES (2010a), pp. 39, 168.

[675] SEABRA (2009).

[676] MENESES (2010a), p. 40.

[677] MENESES (2010a), p. 40.

[678] ROMEIRAS (2019b), cap. 5.

[679] DEBATES PARLAMENTARES (1914).

[680] CARVALHO (2011b), p. 660.

[681] Os argumentos dos parágrafos seguintes são baseados em PALMA e REIS (2021).

[682] CANDEIAS (2004).


[683] PALMA e REIS (2021), p. 420.

[684] RAMOS (2001), p. 541.

[685] VAQUINAS (2011), p. 145.

[686] A proibição da coeducação no ensino primário deu-se 11 dias depois do 28 de Maio, ainda
que inicialmente com algumas condicionantes. A exigência estendeu-se também ao ensino
secundário. Quando não era possível utilizar edifícios separados, dividia-se o ensino em dois turnos,
com horários distintos, um para os rapazes e outro para as raparigas. No caso do ensino particular,
quando não era possível proceder ao desdobramento, as escolas tiveram de optar pelo ensino de um
dos sexos. Veja-se CARVALHO (2011b), pp. 728-729, 781.

[687] CARVALHO (2011b), p. 768.

[688] MINISTÉRIO DAS FINANÇAS (1923).

[689] CARVALHO (2011b), p. 706. Leonardo Coimbra expôs as suas ideias sobre estas matérias
em COIMBRA (1926).

[690] CARVALHO (2011b) pp. 702-708.

[691] A informação deste parágrafo é em grande parte baseada em SILVA e AMARAL (2011).

[692] SILVA e AMARAL (2011); AMARAL (2019), p. 70.

[693] MENESES (2010a), p. 63.

[694] FARIA (2022), p. 118.

[695] Foram mobilizados cerca de 100 mil homens (correspondentes a cerca de 2% da


população), tendo o número de vítimas – incluindo mortos, feridos e incapacitados – chegado a cerca
de 25 mil homens, para os quais (ou para as suas famílias) foi necessário encontrar compensações
financeiras. SILVA e AMARAL (2011).

[696] Sobre estas matérias, consultar, por exemplo, MENESES (2015).

[697] Como é sobejamente sabido, a participação na Grande Guerra foi o fator mais diretamente
responsável pela eliminação de vários regimes, e até de dinastias, em várias partes da Europa.

[698] Isto também foi um resultado da dependência do país de certos produtos importados. Com
dificuldades nos mercados internacionais, não havia comida a entrar nos portos.

[699] SILVA e AMARAL (2011).

[700] SILVA e AMARAL (2011).


[701] RAMOS (2001), p. 554. Na realidade, Salazar veio impor ordem nas contas da ditadura.
Era o seu regresso definitivo à política, dois anos após a sua efémera participação política no início
do regime, em 1926.

[702] Nunca mais tinha existido uma tentativa séria de restaurar a monarquia depois da queda da
Monarquia do Norte, que durou menos de um mês no início de 1919. Esse golpe, liderado por
Henrique de Paiva Couceiro (próximo do Integralismo Lusitano), tentado na sequência do assassinato
de Sidónio Pais, nem sequer conseguiu o apoio do rei deposto, D. Manuel II. Esse assunto aparentava
estar, portanto, fechado, sem haver utilidade ou vantagem para o regime em ser reaberto.
Relativamente à relação de Salazar com os monárquicos, veja-se MENESES (2010b), p. 101.

[703] RAMOS (2001), p. 560.

[704] RAMOS et al. (2009), p. 623.


9.
O Estado Novo

O mito é o nada que é tudo.


Fernando Pessoa, Mensagem

A Primeira República caiu com o pronunciamento de 28 de Maio de


1926. Tal como tinha havido pouca gente disposta a defender a Monarquia
em 1910, havia agora pouca gente disposta a defender o regime dominado
pelos caciques do Partido Republicano Português (PRP) em 1926. O golpe
de Estado deu origem a uma Ditadura Militar – conhecida como Ditadura
Nacional a partir de 1928 – e, finalmente, a partir da Constituição que
entrou em vigor em abril de 1933, deu origem ao Estado Novo
propriamente dito. Os apoiantes da ditadura começaram por ser um grupo
diverso que incluía republicanos, católicos, sidonistas, e integralistas.[705]
Pouco os unia além do desejo de manter o PRP afastado do poder.[706]
Enquanto se consolidava, a ditadura sobreviveu a várias tentativas de golpes
de Estado, incluindo uma importante em fevereiro de 1927.[707]
Sobre o Estado Novo e as consequências que teve para Portugal, existe
uma literatura abundante que se divide de forma genérica em dois grupos: o
que foi escrito durante o regime, principalmente pelos seus apoiantes, e o
que foi escrito depois do 25 de Abril, quase sempre pelos opositores.
Praticamente toda esta literatura, tanto a dos apoiantes como a dos
opositores, é de qualidade duvidosa. Não pretendo aqui nem revê-la, nem
rebatê-la. O que foi escrito na época já está esquecido, enquanto quase tudo
o que tem sido escrito nas últimas décadas esquecido será. Limito-me a
descrever o meu ponto de vista sobre o período, apoiando-me nas raras
obras de valor que, felizmente, também existem. Como em tudo o resto
neste livro, apenas o teste do tempo dirá se tenho razão ou não na perspetiva
que aqui apresento, pelo menos nas suas linhas gerais.
Um aspeto relevante para compreender o Estado Novo é a diferença
entre declarações de intenção (de jure) e políticas efetivas (de facto). Como
tenho enfatizado neste livro, vários regimes e líderes políticos portugueses
caracterizaram-se por legislarem uma coisa e fazerem, na prática, outra.
Assim foi com o Marquês de Pombal e com Afonso Costa que, no que toca
à educação da população, construíram planos aparentemente impecáveis e
irrepreensíveis, mas que nunca saíram do papel. E, entretanto, também por
isso, alienaram o país que existia e que podia ter sido reformado de maneira
gradual. Já no caso de Salazar, também não nos podemos enganar com as
diferenças entre o de jure e o de facto – mas pelo motivo contrário. O que
ele dizia nos discursos e comunicações oficiais, enfatizando por vezes as
virtudes da pobreza, do país rural, e da austeridade, pode parecer indiferente
ao desenvolvimento do país. Salazar manifestou mesmo publicamente, em
1935, ceticismo sobre os benefícios de ensinar o povo a ler, levantando a
dúvida «Para ler o quê?».[708] Mas este tipo de declarações têm enganado
gerações de intelectuais e historiadores, pois essa visão do mundo que ele
por vezes transmitia não deve ser interpretada literalmente já que esteve, na
verdade, bastante longe de caracterizar a ação política efetiva do Estado
Novo.[709] Aliás, o próprio regime usava cartazes de propaganda em que
sublinhava as suas vitórias no combate ao analfabetismo assim como, por
exemplo, os grandes aumentos das frequências nas escolas de ensino
técnico e profissional.[710]

A repressão ditatorial comparada

Vale a pena começar por enfatizar que o Estado Novo era uma ditadura,
em que os níveis de repressão e censura aumentaram relativamente aos
regimes anteriores, até por ser um regime mais estável e organizado. Apesar
de, como expliquei no capítulo anterior, a Primeira República ter ficado
muito longe de ser uma democracia num sentido moderno, existiu ainda
assim alguma alternância partidária, alguma liberdade de expressão, e até,
em certos momentos, alguma legitimidade democrática. O regime era,
apesar da centralidade do PRP, mais democrático do que a Ditadura Militar
e o Estado Novo viriam a ser. Na Primeira República existiam pressões
sobre a imprensa e, por vezes, até destruição dos seus equipamentos, em
particular pelos apoiantes do PRP, mas a censura não foi exercida, apesar de
tudo, de forma tão sistemática como viria a ser no regime seguinte.
É importante esclarecer que o simples facto de o Estado Novo ter sido
uma ditadura significa, pelo menos para mim, que qualquer sucesso a nível
do desenvolvimento económico e dos efeitos favoráveis para o bem-estar
das populações não justifica o amordaçar da liberdade. Destacam-se
negativamente as prisões políticas, a censura e delito de opinião, e as
eleições-fantoche – traços característicos dos sistemas ditatoriais, que não
são apenas condenáveis, mas mesmo inaceitáveis. Ainda assim, importa
compreender que, no contexto do seu tempo, a repressão foi muito ligeira,
em comparação com os Estados totalitários da Alemanha Nazi, da União
Soviética, da Itália Fascista, ou mesmo da Argentina de Videla, já nos anos
1970 e inícios dos 1980. Basta notar, por exemplo, que o Estado Novo não
restaurou a pena de morte, que em Portugal tinha sido abolida para crimes
políticos em 1852, para crimes civis em 1867, e para crimes militares em
1911. Apesar disso, durante o regime existiram algumas execuções
extrajudiciais, sendo amplamente conhecido o caso de Humberto Delgado e
da sua parceira e secretária Arajaryr Campos, assassinados pela PIDE perto
de Badajoz em 1965. Além disso, as condições sanitárias na prisão do
Tarrafal, em Cabo Verde, corresponderam à pena de morte para alguns dos
que tiveram a infelicidade de para lá serem enviados, ainda que tenham sido
relativamente poucos.[711] Convém lembrar, no entanto, que o envio de
presos políticos para o degredo nas colónias era anterior ao Estado Novo,
uma vez que já tinha sido praticado pela Monarquia e pela Primeira
República.[712] A Primeira República também tinha sido responsável por
sacrificar na Primeira Guerra Mundial milhares de portugueses em nome da
defesa das colónias em África.[713] É uma afirmação normativa, ou seja, um
juízo de valor, e que eu subscrevo, afirmar que, independentemente das
comparações e do contexto da época, a polícia política, os tribunais
plenários e a censura não são aceitáveis. O facto de a repressão ter sido
exercida em grande parte (ainda que não exclusivamente) contra forças
políticas que não eram mais democráticas também é uma explicação
largamente insatisfatória, ainda que não possa ser escamoteada.[714] Dizer
que estas ações devem ser entendidas no contexto do seu tempo não é o
mesmo que dizer que devem ser legitimadas. Mas devem ser analisadas e
compreendidas, até porque não é de excluir que em certas épocas e
contextos tivessem sido inevitáveis relativamente a alternativas que teriam
sido piores.[715]
Em suma, o Estado Novo, quando comparado com outros regimes
ditatoriais, não foi uma ditadura particularmente repressiva.[716] Mas, para
compreendermos por que assim foi, é importante refletirmos sobre os
fatores que explicam a sobrevivência de um regime que durou quase meio
século e sobre a forma como estes estiveram certamente relacionados com
os motivos que explicam esse baixo nível de repressão. Parece improvável
que a explicação esteja nos brandos costumes dos seus líderes. Em vez
disso, é mais credível considerarmos a falta de necessidade que a ditadura
teve de exercer mais violência para sobreviver. Um exemplo disto é o facto
de o Estado Novo variar os níveis de repressão ao longo do tempo em
função de quando é que a repressão era mais necessária para assegurar a
sobrevivência do regime. Veja-se o aumento das detenções entre 1943 e
1949, tendo voltado a diminuir a partir daí, à medida que o regime entrou
num período de maior calma.[717] Outro exemplo é o facto de a censura ter
sido menos apertada no Ultramar, durante a Guerra Colonial, do que era na
Metrópole.[718] Tudo isto sugere que o regime em geral não foi mais
repressivo porque não precisou; quando precisava, tornava-se mais
repressivo.[719] Mas frequentemente não precisava. Vejamos porquê.
Grande parte da população – conservadora, rural, e analfabeta – não
esperava grande coisa dos governantes em Lisboa. A política, portanto,
passava-lhes largamente ao lado, a não ser em questões fraturantes. Salazar
podia assim ser seletivo ao exercer a repressão, preservando a paz – e,
claro, o seu regime – sem causar grandes escândalos.[720] É possível
argumentar que a Lei da Separação, de Afonso Costa, acabou por ser uma
bênção para a Igreja. Ajudou a criar um inimigo comum, levando a que o
movimento católico emergisse da Primeira República mais coeso do que
tinha sido no período final da Monarquia Constitucional. Desta forma,
Salazar – que nestas questões era um político pragmático – conseguiu
brandir a reabertura da questão religiosa como uma arma para manter a
Igreja sob controlo.[721] Numa perspetiva comparada, a ideologia do Estado
Novo permaneceu branda, em comparação com o «nacional catolicismo»
imposto por Franco em Espanha. Isto está certamente relacionado com o
modo como o poder foi obtido e consolidado nestes dois países, com
diferentes relações de força a caracterizarem cada um desses processos: em
Portugal, as forças anticlericais não foram fisicamente eliminadas, ao
contrário do que aconteceu em Espanha devido à sua Guerra Civil (1936-
39).[722]

Os níveis de intervenção estatal

O Estado Novo não era estranho à intervenção estatal, mas o


corporativismo lançado nos anos 1930, apenas a partir de uma Subsecretaria
de Estado (não de um Ministério), foi sempre relativo.[723] A sua
implementação enfrentou desde o primeiro momento resistências, ficando
desde o início claro que estas existiam dentro do regime. Alguns dirigentes,
como o ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, não se reviam no
corporativismo.[724] Salazar representava o «centro» do regime, e a
insatisfação com a implementação lenta e muito parcial do corporativismo
levou os seus defensores, à direita de Salazar, a mostrarem forte
descontentamento. O subsecretário de Estado responsável, Pedro Theotónio
Pereira, queixava-se mesmo ao Presidente do Conselho de Ministros em
1934: «Não tenho forma de agir nem de fazer cumprir as novas leis»,
afirmando que tinham razão os nacionais-sindicalistas (ou seja, a extrema-
direita) que afirmavam que tudo não passava de uma encenação, mera
«poesia».[725]
Existe, de facto, quem sustente que o corporativismo nunca foi, na
prática, concretizado.[726] A Câmara Corporativa tinha funções meramente
consultivas, e nada de concreto era efetivado sem a intervenção pessoal de
Salazar que, em última análise, decidia tudo o que fosse importante.[727] Mas
a desconfiança do regime relativamente à concorrência manifestava-se no
regime de condicionamento industrial. Era necessário um processo
burocrático, e em larga medida arbitrário, para abrir ou restruturar fábricas;
só as empresas pequenas estavam isentas.[728] Era, na prática, uma forma de
também limitar o investimento estrangeiro no país. Além disso, existiam
outras formas de intervenção estatal, como o tabelamento de preços para
alguns setores, como o trigo e a indústria da cortiça – algo que, em parte, já
vinha de trás.[729] Era através dos grémios – quase 500 em 1945 –
obrigatórios e que associavam os patrões, que a produção e distribuição
seriam regulamentadas, sendo estabelecidos os preços, quotas de produção,
crédito, assim como os subsídios. Os grémios e as casas do povo eram
vistos como os mecanismos através dos quais as pessoas podiam defender
os seus interesses e, como tal, os lock-outs e as greves eram proibidos.[730]
Existia portanto uma forte intervenção estatal no «mercado».[731]
Durante as primeiras décadas de Salazar no poder, existiu a preocupação
de garantir preços para produtos que o governo considerava essenciais: o
trigo, o azeite, o leite, a carne, e o vinho.[732] Já os frutos e vegetais não
beneficiavam de garantias estatais, sendo comprados e vendidos a preços de
mercado.[733] A intervenção estatal só viria a atenuar-se com a abertura da
economia ao exterior que se deu com a entrada na EFTA (European Free
Trade Association) em 1960, e no GATT (General Agreement on Tariffs and
Trade) em 1962.[734] Esta decisão de internacionalizar a economia foi uma
decisão política resultante, em parte, da experiência vivida com a execução
do Plano Marshall, como viria a enfatizar décadas mais tarde António
Manuel Pinto Barbosa (subsecretário de Estado do Tesouro em 1950-1955,
e ministro das Finanças em 1955-1965).[735] Nas décadas anteriores à
abertura, manteve-se a existência de preços mínimos de natureza
protecionista que já existiam desde o século xix, mesmo ainda antes da «Lei
da Fome».[736] Esta forte natureza protecionista da agricultura portuguesa
continuou até aos anos 60 do século xx.[737]
Uma vez instalada, a ditadura estava para durar. O regime não se via
como um expediente para resolver alguns problemas e depois restaurar a
democracia. Como dizia Salazar na sessão inaugural do primeiro congresso
da União Nacional, em 1934: «As ditaduras não me parecem ser hoje
parêntesis de um regime, mas elas próprias um regime, senão perfeitamente
constituído, um regime em formação».[738] A Constituição de 1933 era
ambígua a vários níveis, mantendo eleições e uma Assembleia Nacional,
ainda que na prática não passassem de uma fantochada.[739] Representava
um conjunto de equilíbrios entre republicanos, monárquicos, integralistas,
católicos, funcionários públicos, e militares.[740] Mas se o regime resultava
de um conjunto de compromissos, na prática, a autonomia do executivo era
quase total.[741] O regime – ou «a situação», como era conhecido à época –
nunca fomentou movimentos de massa em seu apoio, que poderiam levar à
sua radicalização. Pelo contrário, manteve a sua base de apoio que era
tradicional e conservadora. Foram vários os decretos-lei emitidos a partir de
1936-1937 que permitiram uma discriminação contra os inimigos do regime
através das contratações públicas e do aparelho repressivo.[742] Salazar era
um conservador social e o regime que construiu e dirigiu era uma ditadura
nacionalista e conservadora. Mas o ditador, apesar de ter a sua origem em
meios políticos católicos, resistiu a todas as tentativas de tornar a religião
Católica uma religião de Estado, como aconteceu em Espanha. Nunca quis
estabelecer um partido focado em mobilizar a população, como aconteceu
nos regimes totalitários. Pelo contrário, o objetivo de Salazar era
despolitizar a sociedade.[743] Em 1938, o escritor francês Henri Massis
visitou o ditador em São Bento, depois de outras visitas, a Mussolini em
Itália e a Franco em Espanha. O contraste, segundo ele, era óbvio: em
Portugal existia uma «ditadura da inteligência», sendo a preocupação de
Salazar «fazer baixar a febre política» no país, sem se acreditar na ideia do
«Estado omnipotente».[744] Salazar seria mesmo decisivo para bloquear o
acesso da direita radical ao poder.[745]
A União Nacional era essencialmente um «antipartido», destinado a
agregar as forças civis que apoiavam o regime, e que nunca procurou uma
clientela popular.[746] Num discurso público, Salazar referiu-se mesmo à
classe operária nos seguintes termos: «Não precisamos de a incensar, para
que nos sirva de apoio, nem de lhe incendiar as iras para depois a
mandarmos fuzilar pelos seus excessos».[747] Independentemente de alguma
estética comum com o fascismo adotada nos anos 1930, o regime nunca
teve as características essenciais dessa ideologia – tendo sido suprimidos,
ao invés, movimentos políticos como o Integralismo Lusitano e o Nacional-
Sindicalismo de Rolão Preto.[748] Já o corporativismo acabou por ser, na
prática, como referi, pouco mais do que um tigre de papel.[749]
Com o Estado Novo, apareceu em Portugal uma paz social à qual o país
já não estava habituado depois do período agitado da Primeira República e
das décadas finais da Monarquia. Também por isso existiu, portanto, pouca
oposição organizada ao regime até aos anos 1940, e depois às eleições
presidenciais de 1958, às quais concorreu Humberto Delgado, que, de resto,
vinha de dentro do regime.[750] O progressivo esquecimento de novas
gerações relativamente à natureza da Primeira República levou ao gradual
emergir de uma oposição cada vez mais generalizada.[751] A oposição
intensificou-se a partir do início da Guerra Colonial, que em 1961 começou
primeiro em Angola e depois se estendeu a outros palcos em África. Até aí,
a oposição republicana, antes conhecida como o «reviralho», tinha sido
marginal, pelo menos entre a população em geral, enquanto o Partido
Comunista Português, financiado pela União Soviética, também não
conseguia encontrar sólido apoio entre a população.[752] Mesmo depois do
início da Guerra Colonial, o regime beneficiou frequentemente de apoios e
denúncias espontâneas por parte da população, fosse por motivos
ideológicos fosse porque esperava retirar delas alguma vantagem material.
[753]

A maior descontinuidade da História de Portugal

A partir de 1950, iniciou-se em Portugal a maior descontinuidade da


nossa História. O país entrou, nessa altura, num processo de crescimento
acelerado que iria aproximar o país da Europa Ocidental, primeiro no que
toca ao desenvolvimento económico e, mais tarde a nível político, embora
essa aproximação não tenha sido completa em nenhuma dessas dimensões.
Um pilar importante dessa mudança foi a transição demográfica, expressa
por uma queda marcada da fecundidade, de que já falei no Capítulo 1. Estas
foram mudanças radicais que tiveram causas internas, que irei a seguir
enfatizar. Convém destacar, no entanto, que também existiu um contexto
externo favorável. A segunda metade do século xx foi um período de
convergência de várias regiões do mundo relativamente aos países mais
ricos.[754] A Europa Ocidental também teve a sua era dourada de
crescimento, entre a segunda metade dos anos 1940 e inícios dos anos 1970.
Deste modo é claro que, independentemente das causas internas que aqui
aponto, no período pós-1945, Portugal beneficiou igualmente de um
contexto externo favorável. Mas é preciso notar que já tinham existido
períodos anteriores de crescimento na Europa Ocidental, como a
industrialização do século xix, que Portugal não tinha acompanhado. Desta
vez, tudo seria diferente.
Comecemos pelos factos elementares.[755] A nível macroeconómico, a
escala da mudança verificada foi tão rápida que é quase difícil de imaginar.
Tomando o ano de 1926 como o de início do regime, o rendimento médio
por pessoa subiu de forma vertiginosa, multiplicando-se por cinco até 1974.
A subida exponencial do rendimento pode ser visualizada voltando a
inspecionar a Figura 7 do Capítulo 3. É preciso pararmos um momento para
compreendermos o que isso quer dizer: a multiplicação por cinco do
rendimento médio real – ou seja, já descontando a inflação –, por pessoa.
Implica isto que cada pessoa, em média, podia comprar cinco vezes mais
bens e serviços por ano em 1974 do que acontecia 48 anos antes. É uma
subida extraordinária, ainda que não tenha em conta a desigualdade, sobre a
qual mais à frente falarei.[756] Como é possível ver, o crescimento arrancou
em força ainda durante a década de 1950.[757] Mas o pós-guerra foi um
período em que várias partes da Europa Ocidental também cresceram
enormemente. Por isso, importa saber como foi o comportamento
económico do país em termos comparados com o de outros países europeus
da época. Isto pode ser visto na Figura 28, onde repito um exercício
semelhante ao realizado no Capítulo 7.[758] Como a figura mostra, tinham
existido picos temporários durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra
Mundial – eventos relativamente aos quais a economia nacional esteve
largamente protegida. Isto aconteceu, no primeiro caso, pela sua pouca
integração com a economia mundial, e no segundo, por não ter participado
no conflito.[759] A economia portuguesa tinha voltado depois, em finais dos
anos 1940, ao nível baixo em que havia estabilizado por volta da primeira
década do século xx. Ou seja, nessa altura, o PIB per capita português era
de apenas 37% do nível médio da Europa Ocidental.[760] Mas a
convergência sustentada com os outros países europeus iria aparecer a partir
da década de 1950, primeiro timidamente, e depois com uma aceleração
clara na década seguinte. Em 1973, o PIB per capita do país já tinha
atingido mais de 55% do nível da Europa Ocidental. Esse seria um valor, de
resto, próximo do qual o país ainda estaria uma década depois, como
também é possível ver na mesma figura.[761] Toda a Europa estava, aliás,
muito mais rica em meados dos anos 1970 do que tinha sido em 1950.
Portugal, em termos relativos, ainda mais.

Figura 28. PIB per capita português relativamente à média da Europa


Ocidental.
O atraso educativo do país também foi, em grande parte, recuperado com
o Estado Novo. Enquanto no início do século xx, três quartos da população
era analfabeta, assistiu-se durante este regime a um período de alfabetização
acelerada das camadas infantis, como aliás é há muito conhecido nos meios
académicos sérios, sendo dito e repetido por figuras insuspeitas de qualquer
simpatia pelo regime, como António Candeias ou Rómulo de Carvalho.[762]
Existem também hoje estudos que mostram que isso não aconteceu por
mero acaso, ou seja, o progresso que se concretizou teve a ver com algumas
das características do regime, como irei explicar mais adiante. Apesar de
também terem acontecido esforços de alfabetização dos adultos, é natural
que seja muito mais fácil alfabetizar as crianças, e fizesse portanto sentido
começar por aí (resolvendo assim o problema do analfabetismo a prazo,
ainda que não no imediato).[763] Já no ensino secundário, e até universitário,
a expansão foi mais tardia, como seria de esperar, mas também começou em
força ainda durante o regime.[764] Que assim tenha sido faz sentido: sem
haver aceleração prévia no ensino primário, dificilmente poderia ocorrer
uma aceleração sustentada no ensino secundário. O contrário seria meter a
carroça à frente dos bois, como tinham tentado fazer alguns regimes
anteriores sem qualquer sucesso.
Estas melhorias do capital humano da população foram um dos fatores
que levaram à modernização do país. Esta deveu-se às subidas de
produtividade que se refletiram numa grande melhoria dos padrões de vida
das populações. Como é evidente, as rápidas melhorias de produtividade e
mudanças setoriais associadas não constituem em si mesmas uma
explicação para a convergência do país. Se o setor industrial tinha maior
produtividade do que o agrícola, porque é que estas mudanças tão
vantajosas só começaram em 1950? Alguma coisa tinha mudado. E não foi
coisa pouca, como iremos ver.
Portugal beneficiou do contexto externo favorável do pós-guerra, mas é
preciso também reconhecer que o país o soube aproveitar.[765] Um exemplo
são as decisões em matéria alfandegária, com a adesão à EFTA em 1960 e a
abertura da economia ao exterior, tendo existido, em inícios dos anos 1970,
um acordo com a Comunidade Económica Europeia. A abertura ajuda a
explicar, no sentido contabilístico, o crescimento – mas não restam dúvidas
de que este resultou de uma decisão política interna.[766] A composição das
exportações portuguesas modificou-se em resposta à abertura comercial.
Desde o século xix que Portugal se tinha especializado em exportar
produtos alimentares de consumo com um nível baixo de transformação
industrial, como o vinho, uma tradicional exportação portuguesa. Durante a
primeira metade do século xx, estes produtos representavam ainda cerca de
dois terços das exportações de mercadorias nacionais.[767] A situação viria a
mudar drasticamente com a possibilidade de exportar bens de maior valor
acrescentado para os mercados da EFTA. Foi assim que o país se começou a
especializar na produção de bens de consumo para efeitos de exportação,
como vestuário e calçado, relativamente aos quais a mão de obra barata
dava ao país uma vantagem comparada. Estes dois setores iriam atingir, no
último quartel do século xx, uma dimensão semelhante à que o vinho do
Porto tinha tido em finais do século anterior: um quarto do total das
exportações.[768] A economia portuguesa continuaria, mesmo depois de
1974, a ficar cada vez mais dependente desses setores, que atingiram o seu
pico apenas nos anos 1990. Aliás, ainda nos dias de hoje têm um peso
relevante. Por outro lado, as importações de bens alimentares, que em finais
do século xix representavam um terço do valor das mercadorias importadas,
perderam peso.[769] Esta redução foi o resultado dos aumentos de
rendimento desta época e não da substituição da alimentação por produção
interna.[770]
Deve notar-se que a industrialização do país se acelerou nos anos 1950,
cerca de uma década antes da entrada na EFTA, quando cerca de metade da
população portuguesa ainda trabalhava na agricultura. A percentagem da
população ativa a trabalhar no setor primário já tinha conhecido uma ligeira
queda desde o início do século, mas o peso da agricultura no PIB apenas
começou a cair a partir dos anos 50.[771] Ainda que já tivesse havido alguma
industrialização nas décadas de 1930 e 1940, o país só começou a
industrializar-se de forma rápida e sustentada nos anos 1950, como pode ser
visto na Figura 29.[772] No entanto, ao contrário do que tinha acontecido em
finais do século xvii (mas em linha com o que tinha já tinha acontecido, de
forma muito incipiente, desde finais do século xix), a industrialização deu-
se principalmente nas regiões à volta de Lisboa e do Porto.[773] No
seguimento da Lei da Eletrificação Nacional, de 1944, e da Lei de Fomento
e Reorganização Industrial, de 1945, os Planos de Fomento dos anos 1950
(com um terceiro, a partir dos anos 1960) mostravam como o
condicionamento industrial era já considerado desadequado à nova
realidade do pós-guerra. Ao declarar que o objetivo primário das barragens
a serem construídas deveria ser o fornecimento de eletricidade para
desenvolvimento industrial, a irrigação e o setor agrícola eram
secundarizados.[774]
Apesar disso, as mudanças observadas não resultaram apenas de uma
dinâmica própria do setor industrial, mas também do que se passava nos
campos, uma vez que a adoção de adubos e da mecanização libertou
milhares de braços todos os anos.[775] De resto, as melhorias de
produtividade no setor agrícola já vinham dos anos 1930, tendo levado a
uma queda do peso da agricultura no PIB, que não ultrapassaria um terço
nas décadas de 1930 e 1940, embora mais de metade da população ativa
trabalhasse nesse setor.[776] Em finais dos anos 1930, a agricultura
portuguesa ainda utilizava, em média, apenas dez quilos de fertilizantes
químicos por hectare, que viriam a triplicar para 30 quilos por hectare duas
décadas depois.[777] Como é possível ver na Figura 29, a aceleração da
indústria estendeu-se depois aos serviços a partir dos anos 1960. Pela
primeira vez na sua História, Portugal deixou assim de ser um país
maioritariamente agrícola e rural. Foi, portanto, nesta época que começou a
desenhar-se o país concentrado nas cidades e no litoral que hoje existe, um
fenómeno sem qualquer dúvida positivo, que permitiu a milhões de famílias
fugir da pobreza.[778] Começava a recuperar-se de forma acelerada o grande
atraso em relação à Europa Ocidental.

Figura 29. Distribuição setorial da população ativa.


A ideia bastante difundida de que o Estado Novo reprimia os
trabalhadores para gerar salários baixos e de que os salários se mantiveram
sempre estagnados não tem cabimento. Um estudo detalhado sobre a mão
de obra de uma grande empresa oligopolista, a CUF do Barreiro, por
exemplo, mostrou que os salários médios reais (ou seja, corrigidos da
inflação) cresceram 250% entre 1925 e 1974.[779] Note-se, ainda assim, que
não deixa de ser verdade que esta subida salarial foi inferior à subida do
PIB per capita durante essa mesma época, o que sugere um aumento da
desigualdade relativamente ao capital. Talvez isso não seja surpreendente,
pois a desigualdade é tipicamente reduzida nas sociedades muito pobres,
sendo por isso expectável que cresça com o processo de desenvolvimento.
[780]
Por outro lado, a desigualdade relativamente às pessoas mais ricas da
sociedade, tanto para rendimentos como para riqueza, diminuiu
acentuadamente entre meados dos anos 1950 e meados dos 1980.[781] E, a
partir dos anos 1960, existiu uma diminuição da desigualdade salarial entre
os trabalhadores qualificados e a mão de obra não qualificada, em
praticamente todos os setores.[782]
A modernização do país conduziu a uma melhoria colossal dos padrões
de vida das populações. Simultaneamente, em particular a partir dos anos
1960, deu-se uma vaga de emigração, com números totais que terão
atingido dois milhões de pessoas que partiram para França e outros
destinos, embora com impactos líquidos reduzidos na população do país,
que caiu apenas algumas centenas de milhares de pessoas, como é visível na
Figura 2 do Capítulo 1. Os níveis de emigração anuais, incluindo a
clandestina, andavam em níveis geralmente inferiores a 40 mil pessoas na
década de 1950, mas explodiram nos anos seguintes, chegando a um pico
de mais de 180 mil em 1970. Depois desceu rapidamente, e, nas vésperas
do 25 de Abril, já se encontrava em valores próximos dos anos 50.[783] Ou
seja, foi na década em que o país mais cresceu que os números da
emigração também mais aumentaram. É assim notável o dinamismo
económico interno, capaz de absorver uma parte importante da mão de obra
que a transformação dos campos estava a libertar.[784]
A este propósito, vale a pena aqui questionar mais um mito: a ideia de
que teria sido a emigração nos anos 1960-1970 que explicava o
crescimento. Os números negam essa teoria, porque os efeitos positivos
gerados pela maior escassez do trabalho e pelas remessas enviadas pelos
emigrantes não poderiam ter sido suficientes, por si só, para gerar o
crescimento observado, nem para o sustentar no tempo. Basta pensar que
houve outros períodos da nossa História com forte movimento migratório,
sem que tivesse havido convergência, como o da emigração oitocentista
para o Brasil ou como acontece agora com o fluxo atual para os países mais
ricos da Europa.
Aos avultados aumentos dos rendimentos médios por pessoa que se
registaram no país, durante a segunda metade do século xx, correspondeu
um rápido desenvolvimento de medidas de bem-estar, incluindo nos planos
da educação e da saúde. Estas foram principalmente um efeito da
modernização do país e do crescimento daí resultante.[785] Já todos ouvimos
várias histórias de como o povo passava fome durante o Estado Novo,
havendo só uma sardinha para três pessoas em certas épocas, por exemplo.
Não há dúvida de que fome terá havido, em certas famílias e contextos,
como ainda hoje há, em muitas famílias e contextos. O que é relevante,
contudo, é questionar se era ou não frequente e como é que essa situação
variou ao longo do tempo. Para aferir o bem-estar da população, são
necessárias estatísticas e não opiniões. Atribuir a culpa da fome (ou da falta
de acesso a serviços de saúde) ao Estado Novo, como muitas vezes é feito,
em comparação com o presente e não com o regime anterior, nem sempre é
uma atitude inocente. No mínimo, deturpa a análise do passado e
escamoteia a importância de uma visão objetiva e comparada de longo
prazo. A fome e as doenças nem apareceram com o Estado Novo, nem
acabaram com o seu fim. O que é um facto indesmentível é que ambas
diminuíram drasticamente durante o período histórico que corresponde a
esse regime.[786] Tentemos então compreender quando e como isso
aconteceu.

Uma sardinha para três?

Como referi, existe uma ideia bastante difundida de que durante o Estado
Novo o povo passava fome e não tinha acesso a cuidados de saúde. Isto é
normalmente afirmado sem serem feitas comparações com regimes e
épocas históricas anteriores. Em trabalho conjunto com Alexandra Cermeño
e Renato Pistola, estudei em detalhe a forma como o bem-estar das crianças
e jovens adultos evoluiu durante o século xx.[787] Utilizámos três arquivos: o
do Hospital de São Roque da Misericórdia de Lisboa, o da Casa Pia de
Lisboa e o do Exército (Livros de Recenseamento Militar). Esta última
fonte cobre todo o país, ainda que apenas os indivíduos de sexo masculino,
observados aos 20 anos de idade e até 1968. De resto, é uma amostra
representativa, pois a inspeção militar era obrigatória.[788] As fontes
recolhidas nos dois primeiros arquivos, por outro lado, cobrem ambos os
sexos e crianças de várias idades, mas apenas para a cidade de Lisboa.[789]
Através do tratamento estatístico de milhares de observações individuais
recolhidas destas fontes, concluímos que as melhorias de alimentação e
saúde ao longo do tempo foram drásticas, tendo começado muito antes da
instauração da democracia ou do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Vejamos, por exemplo, a evolução da percentagem de pessoas que
sofriam de problemas no crescimento, originando uma estatura baixa. Como
vimos no Capítulo 7, a estatura dos portugueses já era a mais baixa da
Europa em finais do século xix. A reduzida altura era geralmente provocada
por deficiências alimentares e más condições sociais, nomeadamente
sanitárias. Os dados que recolhemos dos Livros de Recenseamento Militar
sugerem que, em meados dos anos 1920, cerca de 40% dos mancebos do
país sofriam de problemas desta natureza. O número equivalente para
Lisboa era quase dez pontos percentuais mais baixo (Figura 30).[790] Estas
percentagens iriam cair rapidamente nas décadas seguintes, chegando, em
finais da década de 1960, a cerca de metade do que tinham sido em 1924.
Todos sabemos, por observação própria, que as gerações mais jovens em
Portugal são tendencialmente mais altas do que as anteriores, embora não
seja tão evidente que isso decorre de um processo de melhorias económicas
e sociais que entrou em rápido andamento logo em meados do século xx.
Historicamente, a altura média em Portugal andava pelos 1,65m para os
homens, tendo este número estagnado, ou até descido, na segunda metade
do século xix, como vimos no Capítulo 7. Estas alturas começaram depois a
crescer uma média de cerca de um centímetro por década, a partir dos anos
20 do século xx, com uma forte aceleração nos anos 1960.[791]

Figura 30. Percentagem de indivíduos do sexo masculino que


sofriam de deficiências de crescimento, medidos aos 20 anos de idade.

No nosso artigo de investigação, também documentámos melhorias


paralelas para as crianças, que se verificaram claramente em ambos os
sexos.[792] Estes avanços foram uma consequência do progresso das
condições sanitárias e, simplesmente, de uma melhor alimentação. A
infraestrutura melhorou de forma significativa, nomeadamente o acesso a
água canalizada e a esgotos, bem como a qualidade das habitações.[793]
Estes progressos levaram a uma melhoria drástica da incidência de doenças,
em particular das gastrointestinais, que historicamente matavam muitas
crianças em Portugal. Como vimos antes, até ao século xx, as taxas de
mortalidade infantil em Portugal eram muito altas, mesmo chocantes, para
as nossas sensibilidades modernas: mais de 15% das pessoas morriam logo
no primeiro ano de vida. Como mostra a Figura 31, esta realidade
permanecia ainda no início do século xx, até começar a descer de forma
drástica a partir dos anos 1930.[794] Ou seja, a taxa de mortalidade infantil,
que era de quase 4% em meados da década de 1970, tinha um valor alto a
nível europeu, mas refletia já enormes melhorias face aos períodos
anteriores.[795] A Figura 31 confirma, portanto, o que já tínhamos observado
relativamente à economia: o país conheceu um enorme salto em frente nesta
época.
Detenhamo-nos agora na questão da alimentação. Na Tabela 5, mostro a
evolução do consumo de bens alimentares por pessoa na segunda metade do
século xx.[796] Certos produtos, particularmente os que têm um alto teor
proteico – como é o caso do leite, dos ovos e das carnes –, registaram
aumentos de consumo médio espetaculares entre finais dos anos 1940 e
meados dos anos 1970. O novo padrão de consumo tinha sido, em parte,
resultado de um notável aumento da produtividade agrícola a montante.
Pedro Lains documentou as alterações da produção, ocorridas entre os anos
1930 e finais dos 1950, nomeadamente o crescimento do peso da pecuária.
Em 1954-58, a pecuária tinha um peso que já era mais de um terço do PIB
agrícola, ultrapassando em mais de 15 pontos percentuais o valor da
produção de cereais e batatas, ao contrário do que até aí sempre acontecera.
Aquele investigador notou que o período a partir de 1927 se distinguiu dos
anteriores por corresponder a um rápido crescimento dos rendimentos
agrícolas por pessoa.[797] A ideia muito difundida de que no Alentejo
existiam, mesmo nas décadas finais do regime, milhares de hectares não
cultivados nunca passou de um mito.[798]

Figura 31. Mortalidade infantil (por 1000 crianças com menos de 1 ano de
idade).
Como notei no Capítulo 1, a taxa de fecundidade – ou seja, o número
médio de crianças nascidas vivas por mulher – tinha já descido para apenas
três em 1960, um número historicamente baixo. Esta transição demográfica
esteve certamente relacionada com as subidas de rendimento desta época,
principalmente a partir de 1950. Mas a própria descida da fecundidade
também implicava que era agora possível alimentar melhor cada criança
que sobrevivia. A taxa de fecundidade continuou depois a descer – para 2,7
em 1974, apenas 1,7 em 1985, e estabilizando depois, a partir de meados
dos anos 1990, para os cerca de 1,4 nos dias de hoje.[799]

Tabela 5. Consumo alimentar médio por pessoa para uma seleção de bens,
em kg ou litros.

1948/9 1963 1970 1974 1977 1980 1990

Trigo 55,0 67,9 75,2 75,2 72,0 75,0 76,7

Arroz 8,6 14,5 14,8 17,8 16,1 13,9 17,4

Batatas 80,6 102,3 121,7 110,9 91,9 130,1 128,3

Açúcar 12,0 19,1 25,6 30,0 27,9 31,3 29,3

Carne de Porco 3,8 6,0 7,5 9,4 9,4 9,5 15,6

Carne de Galinha 1,3 1,4 7,1 11,9 15,0 11,6 13,0

Carne de vaca 3,8 6,8 11,2 14,3 13,4 10,3 13,0

Bacalhau 6,1 6,8 10,1 6,8 5,2 3,0 5,0

Ovos 1,6 3,7 4,4 4,5 4,4 5,1 6,6

Leite 11,9 30,8 51,8 57,3 59,6 60,6 83,5

Azeite 7,5 6,7 6,9 5,3 4,2 4,2 3,3

Vinho 90,6 91,3 79,4 131,0 85,9 95,0 63,3

Cerveja 2,0 4,4 14,8 32,6 29,5 40,1 67,8


Em suma, o crescimento e a convergência com os outros países europeus
arrancaram em força em Portugal nesta época, em particular a partir dos
anos 1950. Mas este facto deixa uma pergunta óbvia por responder. O
regime já existia desde 1926, ainda que os seus primeiros anos não tivessem
a coerência política adquirida com a chegada definitiva de Salazar ao poder
em 1928 e, sobretudo, com a Constituição de 1933.[800] Qual é então a
explicação para o sucesso económico comparado no pós-guerra? Na secção
seguinte, vou mostrar que, se é verdade que a aceleração do crescimento e a
convergência só se efetuaram em meados do século xx, algumas das
sementes já tinham sido lançadas nas décadas anteriores.

A recuperação do atraso educativo do país

Como mostrei nos capítulos anteriores, os níveis insuficientes de


educação eram um imenso entrave ao desenvolvimento do país. No
Capítulo 7 vimos que na segunda metade do século xix existiam diretores
de fábricas de algodão, por exemplo, que consideravam a falta de
habilitações da população portuguesa um entrave fundamental para o seu
desenvolvimento industrial – e, podemos inferir, para a industrialização do
país como um todo. Tudo isto viria a mudar com o Estado Novo. Mas não
podemos compreender o processo de industrialização – que começou de
forma tímida, na década de 1930, e entrou em aceleração a partir dos anos
1950 – sem compreender a eficácia deste regime em acabar com o
analfabetismo infantil. Para além do impacto imediato na expansão
industrial, o seu sucesso também teve, como é evidente, grandes
implicações para a transformação de toda a estrutura produtiva da economia
a prazo.
Portugal é ainda hoje um dos países com maior atraso educativo da
Europa. Para muita gente, existe a ideia, errada, de que o regime do Estado
Novo é o único ou principal culpado por este atraso. É uma ideia
amplamente difundida pelos políticos, em particular pelos que fingem ser
historiadores. No entanto, os verdadeiros especialistas sabem que o atraso
educativo do país é muito anterior ao Estado Novo. Como vimos, no início
do século xx, cerca de três quartos da população era analfabeta. E o
analfabetismo era uma enorme barreira ao desenvolvimento económico de
Portugal. Como expliquei nos capítulos anteriores, a escolarização não tinha
sido um objetivo político para a Monarquia. Já para a Primeira República,
escolarizar tinha sido anunciado, em discursos e declarações de princípio,
como uma prioridade, mas na prática foi visto como um perigo para a
própria estabilidade do regime, o que, entre outras causas, contribuiu para
os resultados medíocres desse regime neste campo, como anteriormente
descrevi.
A política educativa posterior a 1926 não podia ter sido mais diferente da
anterior, como Jaime Reis e eu enfatizámos num artigo publicado em 2021.
[801]
Nesse trabalho, utilizámos mais de 9000 observações individuais de
mancebos com 20 anos, de todo o país, para inspeção militar para o período
1924-1950, a partir dos fundos depositados no Arquivo Geral do Exército,
em Lisboa. Por cobrirem todo o país e as inspeções militares serem
obrigatórias, esta amostra é representativa, ainda que apenas para os
homens.[802] Na Tabela 6, mostro os resultados obtidos para mais de 9000
observações de mancebos de 20 anos de idade, ordenados por estatura dos
mancebos e divididos em dois períodos, consoante tenham estado em idade
escolar durante a Primeira República ou durante o Estado Novo. O período
relativo ao Estado Novo é apenas o que se situa até 1950, ou seja, na época
imediatamente a seguir à Primeira República, para que a comparação faça
mais sentido, percecionando-se melhor a descontinuidade que tomou lugar.
A relevância desta Tabela deve-se à correlação, forte e amplamente
documentada, que existe em sociedades pobres entre a altura dos indivíduos
e o seu contexto socioeconómico.[803] Esta associação estatística pode ser, de
resto, facilmente verificada na Tabela 6: em ambos os regimes, os
indivíduos mais baixos tendiam a ter níveis de educação inferiores,
certamente por virem de contextos mais desfavorecidos. Mas a comparação
dos dois regimes sugere que todos os grupos sociais beneficiaram da nova
política de escolarização promovida pelo Estado Novo, mesmo os mais
pobres.[804] É portanto falsa a ideia, frequentemente repetida, de que a
ditadura nunca criou as condições para a educação dos mais pobres.[805] Na
verdade, o progresso conseguido foi de tal forma espantoso que o grupo de
indivíduos mais baixos durante este regime (pessoas que tinham 1,59cm ou
menos) apresentavam uma probabilidade de serem analfabetos inferior à do
grupo dos socialmente mais favorecidos durante o regime anterior, com
alturas de 1,69cm ou mais.[806]

Tabela 6. Probabilidade de ser analfabeto aos 20 anos de idade.

Altura do mancebo Estado Novo


Primeira República
(em metros) (apenas até 1950)

1,160-1,590 67,4% 48,3%


1,591-1,622 61,0% 39,9%

1,623-1,655 59,8% 39,4%

1,656-1,690 55,6% 27,6%

1,691-1,880 49,1% 23,2%


O que explica então o sucesso do Estado Novo no campo do
analfabetismo infantil? Em contraste com as guerras culturais da Primeira
República, o novo regime não tentou mudar de repente a cultura do país.
Como mencionei no capítulo anterior, logo em 1926 foi ordenada a
separação dos sexos nos edifícios e recreios escolares. Esta medida foi um
sucesso porque levou os pais – que na sua esmagadora maioria eram eles
próprios analfabetos, viviam nos campos, e eram socialmente
conservadores – a não terem receio de enviar os filhos à escola.[807] Os
dados relativos à Tabela 6 dizem apenas respeito a homens, como expliquei,
mas nos anos seguintes a 1926 também se deu um aumento notório da
frequência feminina de escolas, e do número de professoras. Deu-se uma
tendência no mesmo sentido nos liceus. Enquanto em 1926 todos os
professores eram do sexo masculino, em 1940 o número de professoras já
era um terço do total.[808] O regime também decretou que a escola seria
gratuita, mas o investimento voluntário em capital humano por parte das
famílias não foi uma resposta a um aumento do prémio salarial ou a uma
diminuição do salário pago aos trabalhadores não qualificados. Pelo
contrário, o salário real dos trabalhadores agrícolas até estava a subir, logo,
estava a existir uma maior perda de rendimentos (custo de oportunidade)
relativo ao envio das crianças para a escola.[809]
Numa primeira fase, foram diminuídos os anos de escolaridade
obrigatória, de cinco para quatro, e depois para três, anos de escolaridade.
[810]
Isto baralhou, e ainda hoje baralha, algumas análises, para as quais esta
diminuição é a prova de um retrocesso flagrante em relação às políticas
defendidas durante a Primeira República, e assim a demonstração da falta
de vontade política do Estado Novo para promover a escolarização e
combater o analfabetismo. Mas isso resulta, na melhor e mais benevolente
das hipóteses, na confusão entre de jure e de facto: os quatro anos de
escolaridade eram efetivamente letra morta, pois nunca tinha existido uma
real aplicação da lei.[811] Daí resultava o facto de mais de metade das
crianças de dez anos de idade serem analfabetas ainda em meados dos anos
1920, e especialmente as oriundas de famílias de contextos
socioeconómicos mais desfavorecidos. A realidade é que a Primeira
República não havia conseguido obter progressos na luta contra o
analfabetismo, especialmente entre as classes sociais mais desfavorecidas
dos meios rurais – que é o mesmo que dizer quase todo o país.[812] Decretar
quatro ou cinco anos de escolaridade, mas imaginários, sem aplicação
efetiva, nunca educou ninguém.
Os principais objetivos da educação primária do Estado Novo, embora
inseridos num desígnio de controlo social e ideológico, como de resto tinha
acontecido no regime anterior, eram simples: ensinar a ler, escrever e
contar.[813] O ensino passou a seguir um programa e um manual nacional
único, caracterizado por uma inegável ênfase em «virtudes morais e
cívicas», socialmente conservadoras e pró-católicas.[814] Isso correspondia a
um alinhamento cultural com o país que largamente existia e, também por
isso, foi um tremendo sucesso: muitos pais, que antes receavam tirar os
filhos do campo para os colocar nas escolas dos republicanos, considerando
que os iriam doutrinar, deixavam agora de ter receio de os enviar.
Como mostrei no trabalho conjunto com Jaime Reis, grande parte do
sucesso da política educativa do regime resultou do facto de não ter tentado
mudar o país em confronto com a cultura dominante que existia à época,
como tinha acontecido com a Primeira República, mas sim em alinhamento
com o país, essencialmente rural e conservador, que de facto existia. No
artigo, mostrámos que 70% da queda do analfabetismo se deveu a este fator,
que gerou mais procura de escolas por parte das famílias, enquanto apenas
10% se deveu à construção propriamente dita de escolas. Os restantes 20%
deveram-se à melhoria das condições materiais, já referidas atrás, a que as
ações do regime não teriam sido alheias. Ou seja, mais do que a construção
das escolas, importou o efeito resultante do alinhamento cultural. Que assim
foi vê-se pelo facto das maiores e mais rápidas diminuições do
analfabetismo, relativamente ao período anterior a 1926, se terem
tendencialmente dado nas regiões mais católicas do país.[815] O progresso
contra o analfabetismo infantil, que aconteceu de forma rápida desde finais
dos anos 1920, viria a dar frutos claros mais tarde, quando essas crianças se
tornaram adultas no pós-guerra. Tenha sido o alinhamento cultural uma
estratégia delineada desde o início para acabar com o analfabetismo, ou um
resultado não intencional de uma tentativa de controlo social, é uma questão
que me parece estar, pelo menos em parte, em aberto, mas que é irrelevante
para o resultado observado. A verdade é que o regime acabou com o
analfabetismo infantil, e dessa forma, também acabou de vez com o
analfabetismo – a prazo –, algo que nenhum outro regime que governou o
país tinha sido capaz de fazer. A pobreza e o analfabetismo não permitem o
desenvolvimento humano pleno, ainda que exista quem os tente romantizar,
como fez José Saramago ao afirmar que «O homem mais sábio que conheci
em toda a minha vida não sabia ler nem escrever».[816] Logo, resolver estes
problemas de forma efetiva tem de ser uma prioridade para as autoridades,
no contexto de uma economia pobre.
Apesar de rejeitarmos quantitativamente a ideia de que a expansão da
rede escolar ou as melhorias das condições materiais em si tenham sido os
principais motores do progresso no combate ao analfabetismo, não há
dúvida de que o regime também fez esforços de investimento na construção
de escolas. O Estado Novo foi pragmático na utilização de postos escolares
e regentes escolares que neles ensinavam, apesar de não terem diploma. Ou
seja, a rede escolar aumentou não só porque o regime mandou construir
mais escolas propriamente ditas, mas também porque mandou instalar
postos escolares rudimentares onde os regentes escolares não tinham, eles
próprios, muitas vezes mais do que apenas a instrução primária. Eram
também geralmente «pessoas de confiança» do regime. Mas permitiram
uma expansão rápida: as crianças portuguesas estavam finalmente quase
todas a aprender a ler, escrever, e contar. Esta solução fazia todo o sentido,
dados os recursos limitados do país. Para evitar abusos, a partir de 1935, foi
exigido um exame de aptidão aos candidatos, e o governo resistiu aos
protestos dos professores primários, que se consideravam feridos na
dignidade da sua profissão.[817] Mas era um país em que simplesmente não
existiam quadros suficientes para uma expansão rápida poder ter acontecido
de outra forma. Essa política ilustra um pragmatismo e compreensão do
país que esteve ausente no tempo de Pombal ou de Afonso Costa. Como tal,
o ponto enfatizado no trabalho publicado pelo Jaime Reis e por mim não é o
de que a construção de escolas não tinha importância, mas apenas de que
foi o contexto cultural e político existente que permitiu que a expansão
escolar tenha sido eficaz. Escolas vazias – mesmo quando os alunos estão
matriculados, mas não aparecem – não são úteis. Portanto, como
mencionado e explicado em detalhe no nosso artigo, os aspetos mais
importantes foram as decisões das famílias, que interagiram a nível cultural
com a natureza política do regime.
Como também argumentámos no mesmo artigo, houve um motivo
relacionado com o anterior que ajuda a compreender o sucesso do Estado
Novo nesta matéria. Esse motivo foi político. Como vimos no capítulo
anterior – inclusivamente pela citação de Afonso Costa que abriu esse
capítulo – as elites republicanas tinham receado o povo. Como o direito de
voto estava vedado aos analfabetos, uma escolarização demasiado rápida,
especialmente nas zonas rurais mais socialmente conservadoras e sujeitas à
influência do Clero, representava um perigo político para as elites da
Primeira República. Pelo contrário, o Estado Novo, por ser uma ditadura, e
pela identificação cultural com a maior parte do país, não temia uma reação
contra a secularização. Pelo contrário, era um regime visto por muita gente
como o responsável pela paz social ausente nos anos anteriores. O
investimento que então existiu na construção de escolas, assim como a
resposta positiva das famílias à existências das mesmas, devem ser
considerados neste contexto.[818]
O investimento na construção de escolas existiu desde o início do
regime, mas importa referir a ambição do que se passou em 1940, quando o
governo aprovou um plano nacional de construção de escolas primárias
denominado Plano dos Centenários. Este documento projetava um aumento
de 60% do número de estabelecimentos de ensino primário. Como Pedro
Maia Gomes e Matilde Pinto Machado mostraram, o Plano dos Centenários
levou a uma expansão da rede escolar particularmente significativa nas
áreas mais desfavorecidas do sul e interior do país.[819]
Quanto à questão da incidência social do combate ao analfabetismo
infantil, como já referi, deu-se em todas as classes sociais: tanto os pobres
como os ricos beneficiaram. No entanto, até à década de 1950, os esforços
foram concentrados no ensino primário. Notaram-se grandes quedas do
analfabetismo e subidas na percentagem de pessoas aprovadas no exame do
1.º grau ou classe.[820] Fazia sentido começar por aí. Já no ensino técnico e
secundário, e ainda mais no caso do universitário, a expansão foi mais
tardia, embora tenha também começado com o Estado Novo.
Inocêncio Galvão Teles, ministro da Educação Nacional entre 1962 e
1968, viria a enfatizar a expansão de quatro para seis anos de escolaridade
obrigatória, que aconteceu durante a sua tutela, «para que a reforma não
ficasse no papel e se tornasse efetiva, como efetivamente se tornou».[821] A
aplicação foi, de facto, sempre uma preocupação do regime. Décadas antes,
numa polémica escrita com Afonso Costa em 1934, Salazar contrastou
mesmo o seu espírito positivista, centrado na observação nas matérias de
educação, com o mundo da teoria sem ligação à realidade concreta no
terreno do seu rival republicano, nessa altura exilado em Paris.[822] O Estado
Novo conseguiu mudar o país por ser um regime largamente alinhado com
as normas sociais que existiam – o que é mais viável do que tentar mudar
um país «à bruta», contra a vontade dos povos.[823]
Chegando à década de 1950, o analfabetismo entre as crianças já se tinha
tornado residual. É esta, de resto, a distinção estatística fundamental que é
essencial ter em mente: a diferença entre o momento do fim do
analfabetismo infantil, em contraste com o da população portuguesa. Em
1930, a taxa de analfabetismo no grupo etário dos 10-14 anos era de 58%,
enquanto em 1960 era de apenas 3%, e em 1970 era só de 1%.[824] Como é
evidente, o analfabetismo entre os adultos era muito superior, refletindo o
atraso anterior.
Sem prejuízo dos factos que acabei de descrever, não tenho dúvidas de
que o dinheiro que foi empregue na Guerra Colonial, a partir de 1961, teria
sido mais bem gasto em investimento escolar. O peso da defesa nas
despesas públicas subiu de 35% em 1961 para 46% em 1969, tendo depois
descido para 29% em 1973.[825] Esta despesa poderia ter sido melhor
empregada na educação, ainda que seja verdade que algumas democracias,
como aconteceu em França, tinham também, por volta da mesma época,
escolhido manter uma política colonial até tarde, não sendo por isso claro
que um regime democrático tivesse, pelo menos inicialmente, tomado uma
opção diferente. Não obstante, se Portugal fosse já uma democracia, teria
havido certamente mais pressão da opinião pública – e em resultado disso,
incentivos políticos – para acabar com a guerra e investir mais cedo na
educação. Apesar disso, a ideia central a reter é a de que o Estado Novo não
mostrou ser avesso ao avanço da educação e da ciência. Foi antes um
regime que investiu gradualmente nestas matérias, de resto, com bastante
sucesso, ainda que o inverso seja frequentemente repetido.[826] Outro
exemplo é a criação da Junta Nacional de Investigação Científica e
Tecnológica (JNICT), pela Presidência do Conselho em 1967.[827] Foi esta
entidade que viria a dar origem à atual Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT) em 1996.[828]

Orgulhosamente sós? A natureza reformista do Estado Novo

Tendo descrito as rápidas melhorias de vida que ocorreram em Portugal


a partir do pós-guerra, e uma das suas principais causas – o combate ao
analfabetismo – passo a mencionar seguidamente outras reformas
importantes que existiram durante esta época. Estas foram também causas
do crescimento que ocorreu, sendo exemplos as reformas judiciais e o
funcionamento eficiente do sistema bancário, assim como a abertura da
economia ao exterior.[829]
Durante a Segunda Guerra Mundial, Portugal manteve-se neutro, embora
mais próximo dos países Aliados, nomeadamente do Reino Unido, do que
das potências do Eixo.[830] No pós-guerra, Portugal foi um dos países
fundadores da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE),
instituição intergovernamental criada em 16 de abril de 1948 tendo em vista
a cooperação económica entre os países europeus, na sequência do Plano
Marshall, ao qual Portugal aderiu.[831] Como os decisores políticos nacionais
sabiam, a OECE iria impor que Portugal descesse as pautas aduaneiras,
abrindo a economia, o que veio a acontecer. Aquela organização viria, em
finais de 1960, a dar origem à atual Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE).[832] Portugal entrou então também
na NATO em 1949, e na EFTA logo na sua fundação em 1960, como já
mencionado anteriormente, abrindo assim consideravelmente a sua
economia ao exterior.
Nos anos finais da Primeira República as contas públicas já estavam
equilibradas, como vimos anteriormente. Um dos motivos, no entanto, era a
percentagem baixíssima de transferências sociais, uma situação que, em
termos comparados com outros países europeus, já vinha do século xix, mas
se acentuou fortemente nas primeiras décadas do século xx.[833] As contas
públicas viriam a piorar nos primeiros dois anos da Ditadura Militar, mas
tudo mudaria com a chegada definitiva de Salazar ao Ministério das
Finanças em 1928.[834] Salazar conseguiu um equilíbrio do orçamento
graças a um grande aumento das receitas, que rondou os 40%. Portanto, o
equilíbrio não foi alcançado maioritariamente através de cortes na despesa,
embora a ditadura financeira que impôs implicasse que, a partir daí, o
ministro das Finanças passasse a ter direito de veto sobre as decisões dos
outros ministérios que conduzissem a aumentos das despesas ou reduções
de receitas.[835] Salazar agravou ainda a pauta aduaneira em 1929. Esta
política de equilíbrio orçamental, assim como de endividamento e inflação
baixos, tinha sido conseguida e desse modo continuaria a caracterizar o
regime nas décadas seguintes, tornando-se possível num contexto ditatorial
em que o próprio líder dava o exemplo com a sua vida pessoal.[836] Salazar,
que tinha sido professor de Economia Política e Finanças em Coimbra e
membro do Conselho Superior de Estatística durante a Primeira República,
investiu na criação de entidades que produzissem a recolha de informação
estatística segundo critérios técnicos, culminando na criação do Instituto
Nacional de Estatística em 1935.[837] Estabilizadas as finanças públicas,
passou a existir um notável investimento em infraestruturas públicas, como
por exemplo a modernização da rede viária nos anos 1930 e 1940, e a
construção da primeira ponte sobre o Tejo, em Lisboa, entre 1962 e 1966.
Além disso, o Estado Social não é uma invenção da democracia, como
tantas vezes é repetido. A oferta de serviços de saúde públicos aumentou
substancialmente, tanto em quantidade como em qualidade, durante o
Estado Novo. Desde os anos 1930 que existiam sistemas de proteção para
certas profissões, como as casas do povo, casas dos pescadores, e os
seguros obrigatórios, oferecendo uma incipiente rede de socorro e
previdência social para os residentes na sua área de atuação. Em 1945,
existiam 506 casas do povo que mantinham 400 postos clínicos com cerca
de 500 médicos.[838] Uma reforma da Segurança Social, em 1945, levou a
uma maior intervenção do Estado nestas matérias, permitindo que mais
pessoas estivessem cobertas por sistemas de saúde públicos, as chamadas
«caixas de providência», até 1971.[839] Foram também construídos dois
grandes hospitais públicos, ainda hoje em funcionamento, nas duas
principais cidades do país: o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e o
Hospital de São João, no Porto. As fundações de um SNS já existiam em
1971, apesar deste apenas ter chegado a todo o país a partir de 1979, já
depois do fim do regime.[840] O Programa Nacional de Vacinação, iniciado
em 1965, conduziu, no espaço de uma década, a uma redução da
mortalidade por doenças transmissíveis que foi a maior de sempre na
História do país, sendo reduzida para menos de metade, entre os um e os
quatro anos de idade.[841] Existiu portanto, em suma, um acesso cada vez
mais amplo aos serviços de saúde públicos ao longo do tempo. A
percentagem da população com acesso a serviços desta natureza aumentou
de menos de 10% em 1954, para 16% em 1960, 30% em 1965, 60% em
1970 e finalmente 78% em 1975.[842] Estes serviços eram muitas vezes
oferecidos através de gestão privada, mas eram financiados pelo Estado, ou
seja, pagos através dos impostos, portanto, de utilização gratuita para cada
utilizador individual. Além destes, em 1963, a Assistência na Doença aos
Servidores Civis do Estado (ADSE) ficou disponível para os trabalhadores
da função pública, cobrindo cerca de 8% da população em 1975.[843]
Finalmente, os militares e as suas famílias também beneficiavam de um
sistema de saúde próprio. Ainda assim, é inegável que o tamanho do
Estado-providência aumentou muito depois de 1974, certamente devido ao
fim da guerra e à pressão democrática. O peso da despesa pública no PIB
era apenas 20% no início dos anos 1970, numa altura em que ultrapassava
os 35% na média dos outros países europeus.[844] Esta foi, sem dúvida, uma
vitória importante da democracia, ainda que tenha sido conseguida à custa
de défices orçamentais constantes e, portanto, acompanhados de grandes
aumentos da dívida pública ao longo do tempo.
Em resumo, durante o Estado Novo produziram-se melhorias
institucionais e investimentos públicos significativos. Pode parecer
paradoxal o meu argumento de que a ditadura foi reformista, num livro em
que enfatizo a importância das boas instituições. Mas isso é um equívoco: a
democracia, sem com isto negar a sua importância fundamental, é apenas
uma das dimensões institucionais que podem ser apontadas. Embora seja
uma dimensão importante, e um fim em si mesma, nada impede que se
possa assinalar o caráter reformista de um regime não-democrático,
nomeadamente nas suas dimensões sociais ou económicas, sem que isso
implique qualquer tentativa de «branqueamento» ou admiração política pelo
mesmo.[845]
De qualquer modo, há certamente um limite a partir do qual se torna
difícil um país desenvolver-se em termos económicos sem democratização.
Como tal, dificilmente o Estado Novo poderia continuar a ter durante muito
mais tempo o sucesso económico que se verificava.[846] Era um regime
profundamente anacrónico quando terminou. Caso se tivesse conseguido
reformar politicamente, a partir de 1945 ou de 1968, datas em que tal
evolução poderia ter plausivelmente acontecido, isso teria sido melhor para
o país. Uma transição pacífica para a democracia, ainda que conseguida
através de protestos – como aconteceu na Coreia do Sul a partir de 1987 –,
teria levado certamente a um país que hoje seria diferente e melhor, pelos
motivos que irei desenvolver no próximo capítulo. Mas por vários motivos
isso não aconteceu, nem podia ter acontecido. Um motivo central foi a
importância da própria História do nosso país, como intrepretada pelos
líderes políticos da época. O Estado Novo não queria, e considerava que
não podia, abrir mão do império. Este tinha marcado muito a identidade do
país no passado, e tanto prometia para o futuro. Estavam, no entanto,
equivocados.

O império não explica o sucesso económico do regime

Tendo explicado algumas das causas da convergência que ocorreu com


os outros países europeus, mostrarei de seguida que a exploração das
colónias durante o Estado Novo não pode explicar esse crescimento do país
ou a aproximação à Europa, verificada durante essa época.
Como mostrei no Capítulo 5, a economia portuguesa nunca dependeu
muito do império, com a importante exceção do século xviii.[847] O império
viria depois a tornar-se residual (irrelevante, mesmo) para a economia
nacional no século xix, na sequência da separação política do Brasil em
1822. Só a partir de finais desse século é que o império, agora centrado em
África, voltou a ganhar alguma relevância – especialmente política. Isso
terá levado algumas pessoas a especular que a exploração das colónias foi o
que justificou o bom comportamento da economia portuguesa durante o
Estado Novo, em particular nos anos 1960 – a década em que, de resto,
começou a Guerra Colonial.[848] Mas a ideia, de inspiração marxista-
leninista, segundo a qual foi graças à exploração de África que Portugal
convergiu nesta época não sobrevive ao confronto com os números.
É evidente que havia comércio colonial, mas isso não implica que a sua
importância fosse grande ou que trouxesse muitos lucros à metrópole. Não
podemos esquecer que o império também tinha custos associados e que
qualquer investimento implica não colocar recursos, incluindo pessoas e
capital, em opções alternativas. As colónias não representavam apenas
receitas, mas também custavam dinheiro (gasto em custos de administração,
investimentos em infraestrutura, e outros). O orçamento colonial de Angola
entre 1819 e 1914, por exemplo, teve um saldo quase sempre bastante
negativo.[849] Especialmente a partir do início da Guerra do Ultramar, a
partir dos anos 1960, África teve um peso crescente (e em certos momentos
muito grande) no Orçamento do Estado. Só pode estar errada a ideia de que
foi à custa de explorar as colónias nesse continente que Portugal se
desenvolveu. Algumas elites do Estado Novo poderiam pensar que esse dia
poderia vir a chegar – e talvez também daí considerarem que manter o
império era uma parte integrante da ideologia do regime –, mas isso nunca
chegou na realidade a acontecer.
Na verdade, os fatores fundamentais de crescimento da economia, desde
os anos 1950, não estiveram relacionados com as colónias, que tinham um
peso relativamente pequeno na economia nacional – em particular, dados os
enormes custos que lhes estavam associados. Os colonos eram apenas os
futuros «retornados» (600-700 mil) e mais alguns que lá ficaram ou que
foram para a África do Sul em 1975. E estes são os números dos anos
finais, quando estavam em máximos históricos. Só pode ser falsa, portanto,
a ideia de ter havido, em termos agregados, receitas líquidas – ou seja,
lucros – suficientes para fazer crescer a economia ao ritmo observado. As
exportações para as colónias valiam cerca de 3% do PIB em 1950 ou 1973.
[850]
Não é um peso despiciendo, mas também não tem a magnitude
necessária para explicar o processo de crescimento que estava a acontecer
em Portugal.[851] Não sendo os valores totais desprezáveis, não podem
também ser o principal motivo do crescimento, até por causa dos custos que
lhes estavam associados – que a partir dos anos 1960 incluíram os custos da
guerra. Se os investimentos necessários para gerar este comércio imperial
não tivessem sido feitos nas colónias, teriam acontecido noutras aplicações
alternativas que também teriam gerado atividade económica, possivelmente
até mais.[852]
Uma análise comparada com outras épocas históricas do nosso país, e
com outros países, também mostra que é impossível terem sido as
exportações para África que explicam o crescimento português de meados
do século xx. O período áureo em termos relativos das exportações para as
colónias foi o dos anos 1950, quando estas andariam pelos 20-25%, ou seja,
pouco mais do que tinham sido no início do século.[853] Por comparação, na
primeira década desse século, e até 1914, mais de 15% do valor das
exportações portuguesas iam para as colónias africanas, correspondendo
então as reexportações de produtos africanos como a borracha, o cacau, e o
café, a mais de 21% do comércio externo português.[854] E nessa altura
Portugal não crescia nem se desenvolvia. Mais: esse era um peso maior do
que o equivalente noutras potências coloniais europeias como a França e a
Inglaterra, que, no entanto, cresciam mais do que Portugal.
Em suma, como mostrei neste capítulo, as fontes do crescimento da
economia portuguesa depois de meados do século xx foram a
industrialização, tornada possível pela alfabetização das camadas jovens da
população, bem como a integração económica com a Europa (através da
EFTA). O setor externo cresceu graças à integração com a Europa, não com
a África.[855] O Estado Novo considerava que era essencial manter o
império, mas isso não implica que esse império fosse a causa da
convergência. A falsidade histórica de argumentar que Portugal cresceu e
convergiu com a Europa graças à exploração de África só contribui para
atrasar a nossa compreensão e a difusão dos dados corretos sobre quais
foram as verdadeiras causas da convergência com os países mais ricos da
Europa.
Fernando Pessoa escreveu na Mensagem, livro de poesia de 1934,
publicado um ano antes da sua morte, que Portugal deveria regenerar-se.
Mas a obra não deixava de estar cheia de alusões ao messianismo – ou
sebastianismo, na versão portuguesa – e ao Quinto Império do Padre
António Vieira. A complexa relação entre o país e o Ultramar continuava,
portanto, presente em pleno século xx: «Deus ao mar o perigo e o abismo
deu, / Mas nele é que espelhou o céu.» Porém, neste século, como nos
anteriores, o Ultramar não viria a ser uma estratégia de desenvolvimento
sustentável para o país. Ao contrário do que muitos pensavam, o destino do
país estaria no lugar do mundo do qual Portugal sempre fez parte: a Europa.
[856]
Sobre a necessidade de olhar para o Estado Novo com objetividade

Não podem existir dúvidas de que o país se desenvolveu de forma


acelerada durante o Estado Novo. Sendo assim, o que é que explica tanto
ódio, nos dias de hoje, contra o regime por parte de enormes segmentos da
população, políticos e jornalistas? Da minha parte, acompanho muitas das
críticas que são feitas. Não obstante tudo dever ser entendido no contexto
do seu tempo, o Estado Novo é criticável por ter sido uma ditadura, e, em
particular, um regime antiliberal e antiparlamentar que censurava e oprimia.
[857]
Praticamente todo o país está hoje de acordo quanto à condenação do
Estado Novo a nível político e, nesta matéria, não sou diferente. Como a
liberdade é um fim em si, esta posição é independente de quaisquer
resultados económicos.
Mas é evidente que o ódio que hoje existe relativamente ao Estado Novo
vai além disto, por motivos que, na verdade, não se prendem com o
passado, mas com o presente. Muitos políticos e os seus aliados servem-se
do Estado Novo como bode expiatório para justificar o atraso do país nos
nossos dias.[858] O Estado Novo, de resto, fazia o mesmo: tinha uma
narrativa para justificar o 28 de Maio.[859] A este respeito é instrutivo
vermos como, por exemplo, um manual utilizado nos liceus durante o
Estado Novo descrevia o regime parlamentar da Primeira República: uma
«permanente agitação política que não lhes dá tempo nem possibilidade de
resolver os grandes problemas da administração pública».[860] O direito à
greve era considerado facilitador da desordem e balbúrdia. E «as efémeras
gerências dos sucessivos governos parlamentares não conseguiram realizar
a obra de valorização económica e de pacificação social de que Portugal
carecia». Tudo isto tinha um fundo de verdade, mas não deixava também de
ser propaganda em causa própria: «Em vez da prometida “paz laboriosa”, o
país via-se, ao fim de poucos anos, a braços com uma grande pressão
económica e uma permanente agitação política e social». Escreve também o
autor do mesmo manual que a Ditadura Nacional teria, depois, aberto o
caminho ao que é descrito como uma epopeia nacional, pacífica e gloriosa.
Sem surpresa, os próprios republicanos tinham, até 1926, e mesmo antes de
1910, como vimos anteriormente, feito o mesmo: culparam a Monarquia
pelo nosso atraso. Tal como os monárquicos liberais haviam culpado os
miguelistas. Por sua vez, Pombal tinha culpado os jesuítas. É sempre a
mesma estratégia de fugir às responsabilidades que existe já há séculos em
Portugal: o país é pobre, as coisas não correm bem, e por isso cada regime
procura encontrar bodes expiatórios. Caso isso apenas ficasse no campo das
ideias, o dano seria limitado. Mas, na realidade, todos os regimes que
mencionei também se radicalizaram precisamente por se quererem definir
em oposição ao anterior. Pombal não foi capaz de ver que não tinha
capacidade para substituir os jesuítas no terreno ao nível do ensino. Os
chamados liberais do século xix, por sua vez, não foram capazes de
compreender que a sua cruzada anticlerical os estava a distrair das causas
fundamentais que estavam a aprofundar o atraso e a divergência do país,
que era profundamente católico e conservador. Os republicanos ignoraram
essa mesma lição, insistindo na mesma fórmula, renascida de maneira ainda
mais radical. Sem surpresas, os resultados não foram melhores. Salazar e as
elites do Estado Novo concluíram, erradamente, pela perceção que tinham
do caos e egoísmo em causa própria dos políticos da Primeira República,
que o país não teria capacidade de ser uma democracia. O regime atual, por
sua vez, tira partido da mitificação de um suposto «fascismo de mercado
livre» que substituiu. Usa, portanto, as suas credenciais antifascistas para
sinalizar a sua virtude e direito a governar – ainda que já nenhuns políticos
atualmente em funções tenham tido, na realidade, qualquer papel de
resistência política relevante anterior a 1974. Servem-se antes do passado
para hipnotizar a memória coletiva com a deturpação de um passado que
nunca existiu.
Como mostrei neste capítulo, é errada a ideia de que o Estado Novo
fosse um regime que procurava manter o país pobre e rural. No que toca à
educação, Portugal era em 1974 o país mais atrasado da Europa – e ainda
hoje isso é verdade. Não faz sentido culpar um regime que acabou há meio
século e durante o qual até houve um rápido progresso e convergência nesta
matéria. Assinalá-lo apenas serve para desresponsabilizar o que tem sido
feito nas últimas décadas. Mas os programas escolares continuam a
identificar o Estado Novo como sendo um regime diretamente responsável
pelo atraso do país. No programa relativo à disciplina de História pode ler-
se que o Estado Novo «impediu a modernização económica e social do
país».[861] Nas salas de aula ensina-se também que «sem dúvida alguma que
o passo fundamental para que a nossa economia começasse num rumo que
levasse a níveis muito semelhantes ao de outros países europeus foi a
adesão à CEE, que foi formalizada em 1986».[862] Não me parece razoável,
nem aceitável, que a democracia insista neste logro. Os verdadeiros
democratas têm a razão do seu lado. Não precisam de falsificar o passado.
Basta compreender que a nossa obrigação é descrever a História como ela
foi, resistindo sempre ao aproveitamento político dos que a pretendem
manipular para benefício próprio.
Neste contexto torna-se relevante explicar que é falsa – mas não
inocente, como veremos no capítulo seguinte – a ideia de que o Estado
Novo era um regime fascista. Os verdadeiros regimes fascistas tinham
orgulho nisso, mas o Estado Novo nunca se definiu nem se comportou
como tal, sendo muita dessa ideologia contrária a Salazar.[863] Era um
regime antidemocrático, antiparlamentar, nacionalista e antiliberal. Nunca
escondeu nada disso. No fundo, era um regime autoritário e conservador,
alinhado com grande parte da Europa dos anos 1930, que sobreviveu à
Segunda Guerra Mundial por vicissitudes várias.[864] É verdade que o
regime, a partir de 1936, no contexto da Guerra Civil espanhola, promoveu
o lançamento de algumas organizações associadas à ideologia e estética
fascistas, como por exemplo a Legião e a Mocidade portuguesas. Mas estas
não tinham peso político e a estética nunca correspondeu à substância.
Como é evidente, o Estado Novo não foi sempre a mesma coisa: foi um
regime político que mudou ao longo do tempo, nem poderia ter sido de
outra forma dada a sua longevidade. Mas a realidade é que nunca existiu
um Estado e partido totalitários, ou um movimento de massas em Portugal.
[865]
Logo em 1934, Salazar afirmou que o Estado Novo estaria tão afastado
do liberalismo e do comumismo como do fascismo, e que não poderia ser
totalitário.[866] Isso correspondeu à verdade. É importante sermos rigorosos
sobre esta matéria, não para «branquear» seja o que for, mas por uma
questão de rigor histórico, até para não permitirmos uma apropriação
política da nossa História.
O Nacional-Sindicalismo – o movimento que mais se aproximou da
versão portuguesa do fascismo – foi fortemente reprimido por Salazar a
partir de 1933, sendo mesmo ilegalizado no ano seguinte, e a Legião
Portuguesa respondia ao Exército, e não a um partido.[867] Em contraste com
a Espanha, onde o partido único do franquismo, pelo menos numa primeira
fase, se aproximou das características do fascismo italiano, em Portugal,
isso nunca se passou: a União Nacional confundia-se simplesmente com o
aparelho de Estado.[868] Mais do que uma ditadura de um partido, o
salazarismo foi uma ditadura pessoal e de teor administrativo e legalista.[869]
O estilo académico de governação de Salazar, e dos seus discursos, além da
ausência de uniformes militares, não podiam ser mais diferentes do que era
seguido pelos líderes fascistas.[870] Até o comunista inglês Ralf Fox, que
visitou o país em 1936 antes de partir para lutar na Guerra Civil Espanhola,
onde viria a morrer, escreveria:
Na vertente do espetáculo, Salazar não reúne as qualificações mínimas para ingressar no
sindicato dos ditadores. Nunca aparece em público nem fala na rádio, não faz revista às tropas
nem usa farda, não assassina os seus inimigos com as próprias mãos, nem tem a sua fotografia
pendurada em todas as montras de lojas.[871]
Já a ideia segundo a qual Salazar ou o Estado Novo teriam de alguma
forma colaborado com o Holocausto – uma história frequentemente contada
que descontextualiza os eventos relativos ao caso de Aristides de Sousa
Mendes – não passa de um mito.[872] Ao contrário do que aconteceu com
Espanha, Portugal esteve sempre próximo dos Aliados durante a Segunda
Guerra Mundial, tal como foi reconhecido desde cedo por Churchill.[873] A
principal preocupação da ditadura era a defesa de Portugal e das suas
colónias, e isso implicava um alinhamento mais próximo com o Reino
Unido. Cauteloso e consciente do efeito desastroso que a Primeira Guerra
Mundial tinha tido para Portugal – em termos humanos, financeiros e
políticos –, Salazar fez o possível para manter o país neutral, embora tenha
permanecido mais próximo dos Aliados, dos quais também se foi
aproximando ainda mais à medida que o conflito evoluía. Viria a tirar daí
dividendos políticos, tanto interna como externamente.
Muitos políticos do presente, no fundo, conscientes de que o país está a
falhar, tentam defletir a sua responsabilidade, conjurando para isso
fantasmas do passado, sendo os favoritos Salazar e o Estado Novo. Isso é-
lhes útil: adoram esses fantasmas, porque eles lhes permitem fugir à
discussão sobre a sua responsabilidade presente. Mas não podemos deixar o
controlo da memória coletiva do país nas mãos dos que nos têm falhado e,
por isso mesmo, querem falsificar e manipular a nossa História. Ter sido
uma ditadura, e tudo o que isso implicou em termos de direitos humanos e
privação da liberdade, é suficiente para condenarmos o Estado Novo sem
reservas. Não são necessárias invenções para denegrir ainda mais o regime.
Até porque esses mitos têm consequências, como veremos no capítulo
seguinte.
Existe ainda outra razão pela qual o Estado Novo é um assunto tão
polémico, causando tanta celeuma mesmo meio século depois do seu fim: o
regime corresponde a uma era ainda próxima de nós.[874] Cerca de metade
da população portuguesa já era nascida em 1974, outros ouviram histórias
de pobreza aos pais e aos avós (ignorando que, antes disso, o país ainda era
mais pobre). Quem quer saber hoje dos crimes da Monarquia Absoluta no
século xviii? Pouco importa à maior parte das pessoas se Pombal matou e
perseguiu os seus inimigos políticos ou se Fontes Pereira de Melo levou o
país à bancarrota, tendo ambos, aliás, lugar de destaque numa rotunda e
avenida no centro da capital.[875] O Estado Novo, porém, ainda está
historicamente «quente». Quem o viveu sente-se no direito de definir esse
regime melhor do que os outros.[876] Existe mesmo uma ligação estreita
entre o sentimento de ódio ao Estado Novo e a idealização da Primeira
República, ou mesmo até das políticas do Marquês de Pombal. Antes do 25
de Abril, várias pessoas ligadas aos meios da então chamada Oposição
Democrática consideravam ter sido a Primeira República uma experiência
democrática que o Estado Novo havia destruído.[877] O combate ao regime
ditatorial do Estado Novo era desenvolvido tomando por contraste a
«situação democrática» que teria existido durante a Primeira República.
Essa mentalidade continuou em vigor depois de 1974 e ainda hoje está
presente em muitos dos que se consideram herdeiros do «espírito
republicano». Mas, ao apoiar-se nas políticas da Primeira República, a
oposição democrática ao Estado Novo tinha de estar ao lado das políticas
anticlericais republicanas, ou, pelo menos, ser altamente condescendente
relativamente a elas. Muitos antigos republicanos tinham uma forte
desconfiança ou mesmo aversão à Igreja e à religião e, em particular, aos
jesuítas.[878] É neste contexto que deve ser entendido o «endeusamento» do
Marquês de Pombal que já havia sido promovido pelos políticos da
Primeira República. A narrativa foi transmitida junto dos meios de
Oposição Democrática ao Estado Novo, até porque o Estado Novo era visto
como sendo próximo da Igreja. Mas a verdade emerge do estudo objetivo
das fontes históricas, devidamente contextualizadas.
Como vimos no Capítulo 6, o atraso educativo do país não é anterior ao
início do século xviii e agravou-se, em particular, a partir de finais do
século xviii, com a decisão de Pombal de expulsar os jesuítas em 1759.
Desde esse momento, o país sofreu de um brutal atraso nesta matéria, que
ainda hoje está por recuperar totalmente. É verdade que, em 1974, os níveis
educativos em Portugal eram os mais baixos da Europa Ocidental, mas não
é legítimo inferir desse facto que o atraso educativo foi uma pesada herança
da ditadura. Como já referi, o Estado Novo correspondeu, pelo contrário, ao
início de um período de recuperação do atraso, especialmente ao nível do
combate ao analfabetismo entre as crianças, criando assim condições para
acabar com o analfabetismo a prazo. Por volta de 1900, três quartos dos
portugueses eram analfabetos, estando a maioria dos que sabiam ler
concentrados em Lisboa e no Porto. Chegando a 1974, ainda mais de 20%
da população era analfabeta. Isto correspondia, contudo, a uma herança
anterior, de que poucos falam sem refletir sobre o progresso que tinha
existido. É crucial não confundir níveis com tendências, e não esquecer a
profundidade histórica do atraso – algo evidente para quem tenha lido este
livro até aqui. O atraso português não foi apenas económico, mas também
político e institucional, estando estas dimensões relacionadas. Desde o
século xviii que já é assim. Logo, não faz sentido colocar simplesmente o
ónus do atraso num regime do século xx. Como não me canso de explicar, o
regime do Estado Novo pode e deve ser criticado por ter sido uma ditadura.
Não pode é ser criticado por ter sido a principal causa do atraso do país.
Como mostrei neste capítulo, o arranque para o crescimento económico
moderno em Portugal deu-se durante a época em que vigorou um regime
que adotou um nome revelador: Estado Novo. Foi um regime que
aparentava mais coerência do que a que tinha, pois dependeu sempre muito
da sua figura central, Salazar.[879] Durante esta era, aconteceram em Portugal
taxas de crescimento impressionantes, associadas a uma política de
escolarização que teve sucesso e à abertura gradual da economia ao
exterior. Isto são factos estabelecidos há décadas e reconhecidos por
inúmeros académicos conotados com a esquerda, como António Candeias,
Pedro Lains, ou José Silva Lopes. Não faz sentido dizer que o Estado Novo
simplesmente beneficiou de uma conjuntura externa favorável, até porque
houve vários períodos da nossa História em que a conjuntura externa era
favorável e o país esteve em contraciclo. Tudo isto são factos. Devem ser
interpretados. Mas negá-los é o equivalente, em Ciências Sociais, a insistir
que a Terra é plana. É preciso insistir na diferença entre taxas de
crescimento e níveis de rendimento: é inútil olharmos para um ponto fixo
da História de Portugal – por exemplo, 1974 – e compararmos o atraso
económico ou educativo do país sem ter em conta a forma como essas
dimensões do atraso tinham variado no tempo. Uma verdadeira democracia
não deve, até porque não precisa, alicerçar-se numa mentira histórica para
se legitimar, atribuindo-se crédito indevido por um processo de
convergência europeia que tinha sido iniciado décadas antes.

[705] PINTO (2018), p. 100; PINTO (2008), pp. 25-26.

[706] MENESES (2010a), p. 153.

[707] PINTO (2008), p. 27; RAMOS et al. (2009), p. 624.

[708] Citado em MÓNICA (1978), p. 116. Para a contextualização do que Salazar pretendia dizer
com isto, veja-se CARVALHO (2011b), p. 728.

[709] Uma análise cuidadosa dos discursos e das declarações de Salazar revela a sua preocupação
com o nível de educação do povo e até com um Estado cuja ação contribuísse para melhorar as
condições de vida das pessoas. No entanto, na sua visão, isso não podia colidir com a gestão prudente
dos fundos públicos que devia acompanhar os investimentos necessários aos objetivos traçados. O
recurso a postos escolares e a regentes escolares sem diploma, em vez de professores, por exemplo,
deve também ser entendido nesta ótica. Veja-se MENESES (2010b), pp. 27-29, 34, 40, 95, 461. Mas
para além disso, é inegável que havia a preocupação de enquadrar e de controlar a instrução, sendo
essa considerada útil se direcionada num certo sentido. No entanto, em matéria da doutrinação, este
regime não era diferente dos anteriores e, até, da democracia atual, ainda que de forma eventualmente
mais mitigada. Sobre a doutrina do ensino do Estado Novo e os seus objetivos, veja-se CARVALHO
(2011b), pp. 724-725, 738-739, 744, 767.

[710] Para alguns exemplos, veja-se ARQUIVO DISTRITAL DE CASTELO BRANCO.

[711] As estimativas variam, mas tudo indica que menos de 40 pessoas morreram no Tarrafal.
Veja-se MENESES (2010b), pp. 181, 679; GALLAGHER (2020), p. 71.

[712] Apesar de a construção da prisão do Tarrafal ter sido feita pelo Estado Novo, o envio de
prisioneiros políticos para o degredo em África a mando dos regimes anteriores é reconhecido até
pelos sobreviventes da prisão do Tarrafal. Veja-se PEDRO (2007).

[713] As estimativas variam, mas é seguro dizer que o Corpo Expedicionário Português (CEP)
sofreu cerca de 8 mil mortos e 40 mil baixas nos dois anos em que Portugal participou no conflito.
Como tal, foi certamente mais mortífero, por ano, do que a Guerra Colonial viria a ser nos 14 anos de
conflito (1961-1975), em que, segundo as estimativas mais altas, morreram cerca de 10 mil
combatentes portugueses nas três frentes. Nessa altura a população do país era também muito
superior, como vimos no Capítulo 1. Portanto, não restam dúvidas de que a Grande Guerra foi, por
ano e per capita, muito mais mortífera (para os militares portugueses, como é evidente, já que
também houve muitos mortos e feridos entre a população civil e os movimentos independentistas na
Guerra Colonial). Sobre estes números, ver AFONSO e GOMES (2013); e SOUSA (2021).

[714] Isto aconteceu tanto à direita do regime, com a ilegalização e prisão de Nacional-
Sindicalistas a partir de 1934, como à esquerda, sendo conhecido o caso do PCP. Um regime imposto
por qualquer uma destas duas forças políticas dificilmente teria sido menos repressivo do que o
Estado Novo.

[715] No período entre as guerras, não existiam praticamente democracias na Europa, sendo o
Reino Unido, e com dificuldade a França, as exceções. Já no pós-guerra teria sido mais provável
haver eleições livres em Portugal, ato eleitoral esse que até poderia ser ganho por Salazar, que tinha
livrado Portugal do conflito mundial. Infelizmente, não foi isso que aconteceu. Mas também não é
claro que, caso as eleições tivessem tomado lugar, a situação subsequente fosse muito diferente. A
velha oposição a Salazar tinha as mesmas ideias sobre o império, e não é evidente que um governo
diferente com a presidência de Norton de Matos, ou de Humberto Delgado, tivesse procedido à
descolonização imediata em 1961; uma guerra colonial, se longa, implicaria sempre repressão e
censura. Também não é claro que uma democracia iniciada em 1945 evitasse muitas das dinâmicas
sociais e partidárias da Primeira República. É incerto que o país tivesse crescido o mesmo, ou ainda
mais, do que as altas taxas de crescimento que se verificaram na realidade. No entanto, uma
democracia poderia ter feito investimentos de natureza diferente (por exemplo, mais na educação e
menos na guerra, pelo menos a prazo), e teria certamente levado a uma evolução política e cultural de
longo prazo bastante diferente para país. Este é um contrafactual difícil de avaliar, sendo por isso
qualquer hipótese sobre esta matéria altamente especulativa.

[716] Sobre esta questão, ver também RAMOS et al. (2009); e ainda MENESES (2010b).

[717] GALLAGHER (2020), p. 144.

[718] Acresce que a partir de 1961, com o início da guerra em Angola, terminaram as culturas
obrigatórias e o estatuto do indigenato. Veja-se RAMOS et al. (2009), p. 506.

[719] Existem outros exemplos; veja-se MENESES (2010b), p. 679.

[720] MENESES (2010b), p. 170.

[721] Sobre o facto de Salazar não ter sido um idealista católico, consultar SIMPSON (2014), pp.
48 e 241. Note-se que não se pode descrever o Estado Novo como um regime sujeito à vontade da
Igreja. Um exemplo disso é a insatisfação do Vaticano com os termos da Concordata de 1940, na
sequência da melhoria negocial significativa conseguida por Salazar para o Estado português em
comparação com alguns anos antes. Ver ainda GALLAGHER (2020), pp. 61-66.

[722] PALMA (2018b); SIMPSON (2014), p. 41.

[723] Não tendo sido muito diferente das intervenções estatais verificadas à época noutros países
europeus. Veja-se AMARAL (2019), pp. 119-120.
[724] MARTINS (2020), pp. 311-312.

[725] MARTINS (2020), p. 314. De forma mais abrangente, sobre a passagem de Pedro
Theotónio Pereira pela Subsecretaria de Estado das Corporações, e suas circunstâncias, veja-se
MARTINS (2020), pp. 243-349.

[726] LUCENA (1976); RAMOS et al. (2009), p. 645.

[727] PINTO (2008), p. 32. Como escreveu Rui Ramos, «O Estado Novo, enquanto regime,
nunca perdeu o ar de algo inacabado e impreciso, próximo do “começo” – e, portanto, também de um
possível fim. Ao longo de décadas, foi mais uma “situação” (como aliás se dizia), um governo, do
que propriamente um regime.». RAMOS (2023).

[728] AMARAL (2019), p. 126.

[729] BRANCO e MORUNO (2011); FAÍSCA e MORUNO (2023).

[730] RAMOS et al. (2009), p. 644.

[731] De facto, os patrões criticavam o subsecretário de Estado das Corporações pelas suas
tentativas de condicionar os salários e os horários de trabalho, entre outros aspetos. Veja-se
MARTINS (2020), p. 313.

[732] Muitas das greves e dos distúrbios verificados durante a Primeira República relacionaram-
se com o aumento dos preços dos bens alimentares básicos.

[733] AMARAL e FREIRE (2017), p. 258.

[734] A EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre) era uma união alfandegária europeia
constituída desde a sua fundação pelo Reino Unido, Dinamarca e Suécia, entre outros países. Ainda
hoje existe, mas com apenas quatro Estados-Membros, sendo dois deles a Noruega e a Suíça.
Portugal saiu da EFTA ao entrar para a CEE, em 1986.

[735] PINTO (2016), pp. 113-114.

[736] REIS (1979).

[737] O protecionismo agrícola continuou depois, ainda que com menor intensidade, até aos anos
1980 – e mesmo até ao presente, ainda que com alterações importantes, no contexto da Política
Agrícola Comum da União Europeia. AMARAL e FREIRE (2017), pp. 254, 259.

[738] SALAZAR (1935), p. 346.

[739] Que assim era seria mais tarde negado pelo regime, mas foi admitido ao início, até com um
certo orgulho: «mesmo com a Câmara eletiva não haverá já para nós parlamentarismo, isto é,
discussões estéreis, grupos, partidos, lutas pela posse de poder na Assembleia Nacional». Veja-se
SALAZAR (1935), pp. 333-334, 336, 344.
[740] RAMOS et al. (2009), p. 634.

[741] PINTO (2008), pp. 31-32.

[742] RAMOS (1986), p. 135.

[743] CRUZ (2013), p. 226; GALLAGHER (2020), p. 2; PINTO (2018), pp. 228, 237.

[744] RAMOS et al. (2009), p. 639.

[745] PINTO (2008).

[746] PINTO, p. 30.

[747] Citado em PINTO (2018), p. 228.

[748] PINTO (2018); MARTINS (2022).

[749] RAMOS (1986), p. 135; LUCENA (1976); GALLAGHER (2020), pp. 53-58.

[750] Houve várias greves durante a Segunda Guerra Mundial, em particular a partir de 1942.
Também se verificaram tentativas de golpes militares entre 1945 e 1947. Depois da oposição do
Movimento de Unidade Democrática (MUD), existiria a campanha de Norton de Matos às eleições
presidenciais de 1949. Na década seguinte, Craveiro Lopes, presidente da República, também
entraria em conflito com Salazar.

[751] MENESES (2010a), p. 162.

[752] Como é evidente, o PCP era perseguido nessa altura, o que não explica a baixa adesão da
população às suas ideias.

[753] SIMPSON (2022).

[754] DELONG (2022).

[755] Dado o enfoque quantitativo deste capítulo (à semelhança do livro em geral), vale a pena
responder à pergunta se os números que uso são verdadeiros ou apenas uma invenção da ditadura.
Não pertence a uma obra divulgativa como esta alongar-se na crítica detalhada das fontes. No
entanto, todos os números que apresento neste capítulo foram validados em estudos científicos, de
resto publicados após 1974, muitos deles da autoria de pessoas que são, ou eram, de esquerda.

[756] Quer tomemos 1926, 1928, ou 1933 como ponto de partida do regime, o resultado geral
não é diferente, já que o crescimento exponencial se deu principalmente no pós-guerra.

[757] O arranque da industrialização teve lugar ainda nos anos 1930, tendo também ocorrido
mudanças importantes na agricultura entre 1930 e 1950. LAINS (2003b), p. 45.
[758] Para o período deste gráfico, já existem dados para mais países relativamente ao gráfico
análogo que mostrei no Capítulo 7. Logo, a Europa Ocidental está aqui definida pelos seis países
fundadores da CEE, com a exceção do Luxemburgo (para o qual não existem dados antes de 1950),
mais o Reino Unido, Dinamarca, Noruega e Suécia, dentro da lógica de verificar a convergência
relativamente às partes mais ricas da Europa; veja-se LAINS (2003a). A ligeira discrepância de
percentagens nos anos comuns entre este gráfico e o seu análogo do Capítulo 7 deve-se à diferença
da amostra utilizada, pela razão que indiquei. Fonte para os dados: BOLT e VAN ZANDEN (2020).
Tal como no gráfico análogo do Capítulo 7, utilizo médias móveis de três anos.

[759] Ainda assim, deve ser reconhecido que, quando a Casa Bancária Totta sentiu graves
dificuldades financeiras em 1929, em resultado do crash da bolsa de Nova Iorque, Salazar demoveu
Alfredo da Silva de liquidá-la de imediato, receando o contágio financeiro do resto do sistema
bancário português. Salazar, à época ministro das Finanças, também providenciou uma injeção de
capital do Banco de Portugal no Totta, mediante garantias do grupo CUF, entre outras medidas que
visavam evitar os possíveis custos sociais e políticos do desemprego devidos à crise financeira. Veja-
se SARDICA (2020), pp. 112-116.

[760] Convém insistir que Portugal não convergiu com os outros países europeus durante a
Segunda Guerra Mundial. Essa aparente aproximação deveu-se simplesmente aos efeitos negativos e
temporários do conflito nas outras economias europeias. Uma vez terminada a guerra, os outros
países recuperaram e Portugal voltou a descer em termos relativos.

[761] Para ser mais preciso, o valor exato de 1973 foi 57%. Isto não claramente visível neste
gráfico já que o mesmo mostra médias móveis de três anos.

[762] CANDEIAS (2005); CARVALHO (2011b).

[763] Sobre a «Campanha Nacional de Educação de Adultos», veja-se CARVALHO (2011b), pp.
786-787.

[764] CARVALHO (2011b), pp. 802, 808-812; PALMA (2008).

[765] Sobre o contexto do pós-guerra europeu, veja-se EICHENGREEN (2008).

[766] MENESES (2010b), p. 375.

[767] LAINS (1995), p. 92.

[768] AFONSO e AGUIAR (2005).

[769] LAINS (1995), p. 136.

[770] LOPES (1996), p. 158.

[771] AMARAL e FREIRE (2017), p. 248.


[772] Na realidade, já tinha existido alguma industrialização não despicienda nas décadas
anteriores, mas o processo acelerou na década de 1950. LAINS (2003b), p. 45. Fonte para os dados
da figura 29: cálculos de AMARAL e FREIRE (2017), que para o período mais relevante na análise
deste capítulo são baseados em PINHEIRO (1997). O gráfico mostra a distribuição setorial da
população ativa, e não do emprego; mas a diferença é mínima por causa dos baixos níveis de
desemprego. Agradeço a Luciano Amaral a partilha destes dados.

[773] DIRECÇÃO GERAL DE ESTATÍSTICA (1965).

[774] MENESES (2010b), p. 362.

[775] AMARAL e FREIRE (2017), p. 257. A vaga de mecanização nos anos 1940 e 1950
caracterizou-se pela generalização das ceifeiras mecânicas e levou milhares de homens de toda a
Beira (de maneira geral coincidindo com as zonas de xisto e quase até ao Porto) a ficarem sem o
trabalho sazonal das ceifas do Ribatejo e do Alentejo. Conhecidos à época por «ratinhos», esta
mudança tecnológica desequilibrou o seu difícil equilíbrio económico familiar e lançou-os para a
indústria, construção civil e serviços urbanos (sapateiros, barbeiros e todo esse pequeno empresariado
nascente). Veja-se SANTOS (2015); e PICÃO (1983). Obra publicada originalmente em 1903.

[776] A diferença das percentagens devia-se à menor produtividade do emprego no setor agrícola.
Para o peso da agricultura no PIB, veja-se LAINS (2003b), p. 63.

[777] Por comparação, Espanha já usava 18 quilos por hectare em 1930-1935. O nível que
Portugal atingiu nos anos 1950 foi atingido na Alemanha, Bélgica ou Países Baixos 40 anos antes,
por volta de 1910. Veja-se LAINS (2003b), p. 58.

[778] Sobre os padrões de desenvolvimento regional na Europa ao longo do século xx, veja-se
ROSÉS e WOLF (2018).

[779] LIMA et al. (2010).

[780] Sobre o conceito de «fronteira de possibilidades de desigualdade», veja-se MILANOVIC et


al. (2011).

[781] A desigualdade de rendimentos começou a aumentar significativamente nos anos 1990.


GUILERA (2010).

[782] LAINS et al. (2013).

[783] LAINS et al. (2013), p. 300.

[784] Aliás, a própria vaga de emigração para França nos anos 1960 foi possível por causa das
transformações sociais e económicas da época.

[785] Em boa verdade, uma população bem alimentada é certamente mais produtiva, por isso
existe nesta questão alguma endogeneidade ou causalidade inversa. Mas faz sentido numa primeira
análise ver as melhorias de alimentação como consequência do crescimento, ou pelo menos como
uma variável altamente correlacionada com o nível de vida.
[786] Isto não prova que tal tenha acontecido apenas por causa das ações do regime, mas há
informação histórica que mostra que foi assim pelo menos em parte. PALMA e REIS (2021); e
CERMEÑO et al. (2023).

[787] CERMEÑO et al. (2023).

[788] Depois de 1968, a idade em que os mancebos eram observados mudou para os 18 anos,
pelo que os dados desta fonte deixam de ser imediatamente comparáveis.

[789] Como nós explicamos no artigo, estas fontes são representativas dos habitantes de Lisboa,
e, portanto, não das outras partes do país. Veja-se CERMEÑO et al. (2023).

[790] Em rigor, o que medimos estatisticamente foi a percentagem de pessoas que sofriam de
nanismo (stunting), de acordo com critérios internacionais. Veja-se CERMEÑO et al. (2023).

[791] STOLZ et al. (2013).

[792] Ainda que, como já referido, tenhamos recolhido dados apenas das crianças de Lisboa.

[793] Consultar PATO (2011), entre outras referências bibliográficas mencionadas em


CERMEÑO et al. (2023).

[794] RODRIGUES (2008), p. 426. Alternativamente, BAGANHA e MARQUES (2001)


calculam a mortalidade infantil como tendo sido 131/1000 em 1950, e 94/1000 em 1960, enquanto o
INE dá 58/1000 em 1970 e 34,4/1000 em 1980. Veja-se INSTITUTO NACIONAL DE
ESTATÍSTICA (2001).

[795] A taxa de mortalidade infantil era de 38,9 por 1000 em 1975.

[796] Fonte: agregação e tratamento de várias fontes feita por CERMEÑO et al. (2023). Os
números referem-se a Portugal continental até 1980 e ao país inteiro a partir dessa data. Na Tabela
apenas se contabilizam as partes comestíveis dos alimentos, por exemplo arroz sem casca. No caso
de 1977, no entanto, a fonte original é pouco clara em relação ao que se está a contabilizar, se os
totais ou apenas as partes comestíveis.

[797] LAINS (2003b), p. 61.

[798] Na década anterior a 1974, os assalariados do Alentejo tinham vivido o seu período de
maior bem-estar. Veja-se BARRETO (2017), pp. 88, 100. Já nos anos 1930, um inquérito relativo aos
solos do país concluíra que era um mito a existência de grandes quantidades de terras férteis não
cultivadas. Veja-se AMARAL e FREIRE (2017), p. 254.

[799] INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (2013), p. 41; CERMEÑO et al. (2023).

[800] Salazar tornou-se presidente do Conselho de Ministros – equivalente ao que hoje


chamaríamos primeiro-ministro – em 1933, o ano da Constituição. Tendo o hábito de acumular
pastas, manter-se-ia no cargo até ser afastado por motivos de saúde, em 1968. É um mito a ideia de
que o seu poder nunca esteve em risco. Veja-se MENESES (2010b); e GALLAGHER (2020).
[801] PALMA e REIS (2021).

[802] Ainda assim, por ser uma amostra limitada, é natural que certas percentagens possam não
coincidir exatamente com as nacionais, mesmo apenas para as referentes à população de sexo
masculino.

[803] PALMA e REIS (2021), p. 425. Aí mostramos percentagens relativas aos alfabetizados,
enquanto aqui mostro, inversamente, percentagens relativas aos analfabetos.

[804] A diferença entre a altura máxima e a altura mínima em cada intervalo não é a mesma em
todos os intervalos porque a tabela está organizada de forma a cada intervalo corresponder a um
quintil que contém 20% da amostra.

[805] Ver, por exemplo, GRILO (2023).

[806] Não há qualquer contradição entre a informação desta tabela, relativamente à qual as
observações para o período do Estado Novo correspondem aos anos de 1940 e 1950, para indivíduos
observados aos 20 anos de idade, e o facto de a taxa de analfabetismo infantil ser já residual na
década de 1950. Veja-se PALMA e REIS (2021).

[807] PALMA e REIS (2021). Por contraste, há quem insista que a separação entre sexos era
«uma aberração», talvez por não compreender o contexto da época. Veja-se GRILO (2023); ou
PIMENTEL (2022), que afirma «O fim das escolas mistas também tem esse propósito, cada um no
seu lugar (…) cada um com a sua função, as mulheres no lar a educar, esposas dos seus maridos, eles,
teoricamente, a ganharem o salário.»

[808] CARVALHO (2011b), p. 771-772.

[809] O prémio salarial caiu, e o salário dos trabalhadores não qualificados subiu, durante esta
época. Desta forma, não existiram, portanto, nem um maior incentivo financeiro à escolarização, nem
menores perdas de rendimentos (custos de oportunidade) associados à presença das crianças na
escola, pelo contrário. Veja-se PALMA e REIS (2021), p. 424.

[810] Mais tarde, a partir dos anos 1950, o Estado Novo voltaria a aumentar o número de anos
obrigatórios. CARVALHO (2011b), pp. 729, 733, 796.

[811] O decreto do Estado Novo que reduziu a exigência da 5.ª ou 4.ª classes para a 3.ª classe
visava reconhecer e lidar com a realidade do país, para depois evoluir a partir daí. Veja-se
SEQUEIRA (1978).

[812] PALMA e REIS (2021), pp. 413, 425.

[813] Este aparente simplismo era na realidade uma abordagem pragmática que tinha o objetivo
de tornar o ensino mais acessível a alunos e a professores. Era, portanto, uma política alinhada com
as recomendações que os economistas de desenvolvimento consideram mais acertadas para os países
pobres. GLEWWE et al. (2009).

[814] NÓVOA (1996); CARVALHO (2011).


[815] PALMA e REIS (2021), pp. 429-431.

[816] SEN (1999); SARAMAGO (1998).

[817] CARVALHO (2011b), pp. 736-737.

[818] Estes argumentos encontram-se desenvolvidos em PALMA e REIS (2021), pp. 431-432.

[819] GOMES e MACHADO (2020); GOMES e MACHADO (2021).

[820] PALMA e REIS (2021), pp. 425, 428.

[821] PINTO (2016), p. 286.

[822] MENESES (2010a), p. 161.

[823] E a seu tempo, também em resultado disto, a cultura e normas sociais do país também
mudaram.

[824] CANDEIAS (2004).

[825] Em França, o peso da Defesa nas despesas públicas era então de 29%. RAMOS et al.
(2009), p. 684.

[826] Para um exemplo recente de um autor que foi ministro da Educação, entre outros altos
cargos, e que insiste na ideia de que os problemas atuais da educação têm raízes no Estado Novo, ver
GRILO (2022). Marcelo Rebelo de Sousa escreve no prefácio deste livro que «O autor demonstra por
que razão a educação foi um dos flagrantes fatores de retardamento nacional, entre os anos 30 e 60».
Consultar ainda GRILO (2023).

[827] Decreto-Lei n.º 47 791, de 11 de julho de 1967. Veja-se ARQUIVO DE CIÊNCIA E


TECNOLOGIA da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Junta Nacional de Investigação
Científica e Tecnológica.

[828] Não deixa assim de ser curioso que a criação da FCT, e até da própria JNICT, seja
frequentemente atribuída a Mariano Gago nos anos 1990, como é feito por LOBO (2023).

[829] Sobre as reformas judiciais, veja-se ÁLVARES e GAROUPA (2020). Sobre o


funcionamento do sistema bancário, veja-se AMARAL (2013), AMARAL (2015a), e AMARAL
(2018).

[830] GOLSON (2020); MENESES (2010b).

[831] MENESES (2010b), p. 375.

[832] ANTT, Arquivo Oliveira Salazar, 1908/1974. EC-16A, cx. 107.

[833] AMARAL (2019), p. 108.


[834] Salazar já tinha sido ministro das Finanças dois anos antes, na sequência do 28 de Maio,
abandonando pouco tempo depois o cargo quando ficou claro que não tinha condições para
implementar a sua política. Também tinha sido convidado para o mesmo cargo por Sidónio Pais em
1919, mas recusou. CARVALHO (2011b), pp. 721-723.

[835] LOPES (2005); SILVA e AMARAL (2011); GALLAGHER (2020), p. 36.

[836] GALLAGHER (2020). pp. 94, 100.

[837] MADUREIRA (2006), pp. 110-112.

[838] RAMOS et al. (2009), p. 644.

[839] CAMPOS e SIMÕES (2012).

[840] CAMPOS e SIMÕES (2002), pp. 111-159

[841] CAMPOS (2000), p. 406.

[842] CARREIRA (1999), p. 412.

[843] CARREIRA (1999), p. 412.

[844] AMARAL (2019), p. 241.

[845] Uma analogia mais contemporânea é a evolução económica da China protagonizada por
Deng Xiaoping e alguns dos seus sucessores, que arrancou muitos milhões de pessoas da pobreza
sem que se avançasse na democratização do país.

[846] As reformas económicas, quando não acompanhadas de reformas políticas, por regra
estagnam a partir de um certo grau de desenvolvimento. Por exemplo, tudo indica que é o que está a
acontecer na China atualmente.

[847] Como vimos no cap. 6, mesmo no que diz respeito ao século xviii, o efeito dessa
dependência parcial foi a prazo negativo.

[848] Assim o fez, por exemplo, ROSAS (2021). O problema evidente e recorrente dos que
fazem este tipo de afirmações é a incapacidade de quantificar seja o que for. Mas, sem números, tudo
não passa de opiniões sem fundamento.

[849] LAINS (2003c), p. 230.

[850] Em 1950, o peso do comércio entre a metrópole e as províncias ultramarinas correspondia


a 22% do total, descendo para apenas 14% em 1973. No entanto, o peso do comércio externo no PIB
rondava os 15% do PIB em 1950, e valia cerca de 20% do PIB em 1973. Portanto, em ambos os
momentos, o peso do comércio imperial valeria cerca de 3% do PIB da metrólope. Sobre os valores
do peso do comércio entre a metrópole e as províncias ultramarinas, veja-se CLARENCE-SMITH
(1985). Sobre o preso do comércio externo no PIB, veja-se AFONSO e AGUIAR (2005).
[851] Poderiam existir outras transferências que aumentassem um pouco a contribuição imperial.
Veja-se LAINS (1998).

[852] Esta diferença é importante, por exemplo, em relação às ajudas europeias que Portugal
recebe atualmente. Mais direi sobre este assunto no Capítulo 10.

[853] Como fornecedores de importações de mercadorias, a sua importância era ainda menor.
AFONSO e AGUIAR (2005).

[854] LAINS (2003c), pp. 225-226.

[855] De resto, a Espanha e a Grécia também convergiram nesta época, mas sem terem colónias
relevantes.

[856] Salazar era contrário à integração europeia na sua vertente política, considerando que a
França estava a cometer um suicídio nacional. GALLAGHER (2020), p. 227.

[857] O regime também promoveu o colonialismo «fora de tempo», ainda que não seja claro que
uma democracia tivesse enveredado por um caminho diferente, pelo menos nos primeiros anos da
guerra. Basta lembrar os casos dos ingleses no Quénia e dos franceses na Argélia poucos anos antes.

[858] A esquerda, em particular, tenta com frequência colar a direita democrática ao regime,
mesmo quando isso não faz qualquer sentido. Desenvolvo esta matéria com mais detalhe no capítulo
seguinte.

[859] A argumentação dos parágrafos seguintes baseia-se em PALMA (2021b) que escrevi para o
jornal Público na sequência de uma polémica em que me encontrava envolvido depois da minha
participação no congresso do Movimento Europa e Liberdade de 2021 (PALMA 2021a).

[860] AFONSO (s.d.).

[861] MENDES et al. (s.d.), p. 52. Este programa está ainda hoje parcialmente em vigor, e não
menciona o 25 de Novembro. Eu analisei o enviesamento dos programas escolares em mais detalhe
num post do blogue Portugal no Longo Prazo (PALMA 2021).

[862] Acessível a partir do minuto 3.00 no vídeo relativo ao ensino de História do 9.º ano durante
a epidemia COVID em 2020, por enquanto disponível online: RTP (2020a). Noto ainda que na aula
anterior, sobre a democratização de Portugal, o 25 de Novembro não é mencionado, como pode ser
verificado em RTP (2020b). Vídeos visualizados em julho de 2021 e 2023.

[863] GALLAGHER (2020), pp. 2, 68-69, 82; MENESES (2010b), pp. 85, 90, 101, 151, 162-
163, 169, 179, 187-189, 249, 266-268, 707; CRUZ (2013), p. 228. Parece-me credível explicar a
célebre fotografia de Mussolini colocada a certa altura na secretária de Salazar como parte da sua
estratégia de moderar e integrar no regime segmentos políticos à sua direita.

[864] Alguns dos motivos que explicam a sobrevivência do regime foram de natureza interna,
como o alinhamento cultural com grande parte da população, e outras de ordem externa, como a
Guerra Fria e a posição periférica do país.
[865] PINTO (2008), pp. 46-47.

[866] «O nacionalismo do Estado Novo não é e não poderá ser nunca uma doutrina de isolamento
agressivo – ideológico ou político (…) tão afastado do liberalismo individualista, nascido no
estrangeiro, e do internacionalismo da esquerda como de outros sistemas teóricos e práticos
aparecidos lá fora como reação contra eles (…) Sem dúvida se encontram, por esse mundo, sistemas
políticos com os quais tem semelhanças, pontos de contacto, o nacionalismo português – aliás quase
só restritos à ideia corporativa. Mas no processo de realização e sobretudo na conceção do Estado e
na organização do apoio político e civil do governo são bem marcadas as diferenças (…) é preciso
afastar de nós o impulso à formação do que poderia chamar-se o Estado totalitário»; SALAZAR
(1935), pp. 333-334, 336, 344-346.

[867] PINTO (2018); MARTINS (2022); GALLAGHER (2020), pp. 82-83; MENESES (2010b),
pp. 168-169. As autoridades esforçaram-se por esvaziar o Nacional-Sindicalismo, aliciando alguns
camisas azuis para dentro do regime. Veja-se MARTINS (2020), p. 311. O regime tinha uma atitude
semelhante em relação às forças políticas «à sua esquerda», nomeadamente antigos republicanos.

[868] PINTO (2018), pp. 205, 211, 216, 228.

[869] CRUZ (2013), pp. 221-222, 225.

[870] PINTO (2008), pp. 46-47.

[871] Foi assim constatado por vários observadores estrangeiros que visitaram Portugal nos anos
1930. MÓNICA (2020), pp. 238, 247.

[872] Sobre os eventos relativos a Aristides de Sousa Mendes, ver GALLAGHER (2020), pp.
120-126, 130. Gallagher insiste (p. 126) que é injusto ignorar o bem que o governo português, e
Salazar em particular, fez pelos refugiados judeus, e que a atenção desproporcional dada a Sousa
Mendes no contexto da época sugere que a história da Segunda Guerra Mundial está a ser utilizada
como arma política no Portugal contemporâneo. Quando visitei o Museu Nacional Resistência e
Liberdade na Fortaleza de Peniche em 2021, existia à entrada uma exposição sobre Aristides de
Sousa Mendes. Este museu também se referia a «presos políticos que lutaram pela democracia»,
mesmo quando se tratava de membros do PCP.

[873] GOLSON (2020); MENESES (2010b); e GALLAGHER (2020), pp. 105-116, 135.

[874] Acresce que o regime está temporalmente próximo de nós. Dificilmente uma pessoa em
Portugal será acusada de «branqueamento» por afirmar que a economia chinesa tem crescido de
forma sustentada nas últimas décadas.

[875] E estando a estátua de D. José (figura associada a Pombal como é evidente) no centro da
que é certamente a praça mais importante do país (tanto em termos históricos como no presente).

[876] Grande parte da oposição ao Estado Novo foi conduzida por pessoas de esquerda que,
depois do 25 de Abril, se identificaram com o Partido Socialista e os partidos à sua esquerda. Por sua
vez os que fundaram o PPD (mais tarde PSD), saíram, embora não totalmente, da chamada «Ala
Liberal», constituída durante o período marcelista. Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão
e outros que estiveram na base do PPD foram deputados em eleições não democráticas. É aqui que,
em grande medida, também reside a clivagem histórica (e até desconfiança ideológica) entre os
blocos ditos de «esquerda» e de «direita» portugueses. Isto apesar de, em determinados momentos,
ter havido alianças táticas entre o PS e as forças políticas à sua direita – quer por razões de regime
(em 1975, com o famoso comício da Alameda e, a seguir, com o apoio ao 25 de Novembro), quer por
razões conjunturais (em 1983, com a constituição de um governo de bloco central). A clivagem teve
sempre como pano de fundo o legado moral da luta efetiva contra a ditadura do Estado Novo.
Aqueles que se situam orgulhosamente no campo político da «única» e «legítima» esquerda são
tipicamente quem mais reivindica a oposição ao Estado Novo (ou serem os herdeiros políticos dos
que fizeram essa luta). Apesar de a repressão do regime do Estado Novo ter sido, em termos
comparados, relativamente discreta e suave, como vimos, ainda assim houve muita gente perseguida,
presa e torturada. Muitas delas passaram a ter como objetivo na vida dar a conhecer o inferno que
viveram, e a desvalorizar tudo o que contrariasse a sua experiência de vida e opinião. Este fator,
muito forte do ponto de vista emocional, condicionou a narrativa histórica do passado recente
português. A falta de distanciamento histórico criou oportunidades políticas que continuam a ser
aproveitadas.

[877] Uma boa parte das elites comerciais e intelectuais assinava publicações como o jornal
República e a revista Seara Nova. A existência de imprensa desalinhada com o regime, apesar de os
cortes do «lápis azul» da censura, exemplifica a natureza relativamente tolerante e moderada do
Estado Novo (poderia tê-la proibido, mas não só não o tentou fazer, como a reconheceu legalmente.)
Como é evidente, outras publicações, como o Avante!, não se sujeitavam à censura prévia e optaram
pela via clandestina.

[878] Agradeço ao meu pai, que fez parte da oposição de esquerda ao Estado Novo e conheceu
simpatizantes da Primeira República, várias conversas sobre estas matérias. Foi uma fonte de história
oral que me ajudou, ao longo dos anos, a compreender este ponto de vista.

[879] Como de resto ficou claro a partir de 1968 com as hesitações políticas de Marcello
Caetano.
10.
A época contemporânea

O pior cego é o que não quer ver.


Expressão popular portuguesa

A nossa viagem pela História de Portugal chegou ao tempo presente.


Mas o passado não vai agora desaparecer da minha análise, até porque
aprender com ele é crucial para compreendermos o presente e melhor
planearmos o futuro, ainda que a História nunca se repita exatamente da
mesma forma. Portugal é, de resto, um país onde o passado pesa muito. Não
só as causas do nosso atraso derivam, em grande parte, da nossa História,
mas também o modo, a meu ver errado, como muitos a interpretam tem
uma forte influência no presente: a memória coletiva do país está presa aos
seus mitos.[880]
Este capítulo, como anunciei no início deste livro, será mais subjetivo do
que os anteriores: é uma proposta de análise. Por tratar de uma matéria
recente, também carece, em muitos aspetos, de estudos académicos
aprofundados, que necessitam de algum distanciamento, e poderá
desatualizar-se mais ao longo dos anos do que os capítulos anteriores.
Explico aqui o meu ponto de vista sobre a maneira como a herança
institucional e cultural do país se relaciona com um fator fundamental
contemporâneo para compreendermos a persistência do atraso: as ajudas
europeias. Argumento que esta interação tem um efeito pernicioso decisivo
para o país e que, pelo contrário, muitos dos fatores que são apontados
como as causas do atraso são irrelevantes ou decorrem dessas causas: ou
seja, são apenas mecanismos ou sintomas e não a raiz fundamental dos
problemas.
Comecemos por relembrar os factos. Portugal está a divergir da Europa
Ocidental há mais de 20 anos. Caso não mude de caminho (e nada indica
que haja vontade de mudar), será um país envelhecido e sem futuro.
Portugal entrou completamente impreparado no século xxi, realidade que,
duas décadas depois, ainda se recusa a enfrentar. Todos os dias, os
noticiários deveriam abrir com o mesmo alerta: Portugal está a divergir.
O país está a ficar cada vez mais pobre em relação aos outros países da
União Europeia e, ainda mais, em relação a outras partes do mundo. Esta
divergência, as suas causas, e as suas soluções deveriam ser objeto de
análise e debate permanentes. Mas, apesar de – ou talvez mesmo, por causa
de – o país estar bloqueado, isso não acontece. Para muitos, é preferível
continuar a viver num mundo ilusório.[881]
O problema do país é profundo e real, ao contrário do que sugerem as
declarações vazias feitas por políticos que gostam de afirmar que Portugal é
«o melhor país do mundo», talvez para tapar o sol com a peneira.[882] Não
deve, nem pode ser orgulho para ninguém o facto de um quinto dos
portugueses viverem fora do país – sendo esta uma proporção que
normalmente só é observada em caso de guerras ou outras calamidades. A
emigração, com especial incidência, a dos jovens, não estanca e, ao mesmo
tempo, acumula-se um enorme endividamento externo que compromete de
forma grave as gerações futuras: Portugal é um dos países do mundo com
maior dívida pública em percentagem do PIB (mais de 100%). Não há
perspetiva de melhorias. Pelo contrário: a qualidade da justiça e das
instituições políticas tem vindo a piorar, e Portugal não é uma «democracia
plena», como a publicação de relatórios recentes mostra.[883] A situação tem
algum paralelo com a dos finais do século xix e início do xx: existe
crescimento sem convergência, enquanto se assiste, ao mesmo tempo, a
uma polarização política, e à acumulação de desequilíbrios, internos e
externos.
Expor a decadência e o atraso português pode parecer contraintuitivo,
porque todos sabemos que grande parte da população portuguesa vive
melhor hoje do que há umas décadas.[884] Porém, é essencial não confundir
níveis de vida com avanços relativos: temos avançado, mas menos do que
os outros países, que também não ficaram parados. Pelo contrário, a maior
parte dos outros países têm avançado mais rápido do que nós. Ou seja: não
há dúvida de que se vive melhor atualmente do que nos anos 1970. Mas isso
é verdade sobre qualquer país da Europa. O que conta é que Portugal está a
ser ultrapassado até mesmo pelos países que começaram mais atrás, como
aconteceu com os antigos Estados comunistas que se juntaram à UE depois
da sua transição para economias mistas, durante a década de 1990. Para
compreendermos isto, é útil imaginar uma corrida de automóveis, em que o
carro que representa Portugal vai a apenas 80 quilómetros por hora,
enquanto os outros vão a 120, ou mais. Apesar de avançar na pista, o nosso
carro está a ficar para trás em termos relativos. O desenvolvimento que
Portugal tem conseguido nas últimas décadas, mesmo em setores como a
educação e a saúde, tem sido medíocre. O atraso não só não tem sido
recuperado como se tem agravado. É esta a nossa realidade.
Como mostrei no capítulo anterior, Portugal começou a aproximar-se do
nível de vida dos países mais ricos da Europa a partir de meados do século
passado. Essa convergência parou por volta do final dos anos 1990. Entre
meados dos anos 1970 e meados dos anos 1980, também não houve
convergência. Ou seja, a convergência com a Europa mais rica que vinha do
início dos anos 1950 foi interrompida por uma década a partir do 25 de
Abril. Isto não surpreende: as políticas socializantes do período
revolucionário – como as nacionalizações de empresas e a reforma agrária,
o despesismo e o descontrole das contas públicas – levaram à inflação e a
crises graves. Estas tiveram efeitos muito negativos para a economia que,
ao contrário do que tinha acontecido nas décadas anteriores, parou de
convergir no período 1975-1985.[885] Voltou-se mesmo ao protecionismo,
que tinha estado a recuar desde os anos 40.[886] A balança de pagamentos
tornou-se fortemente negativa, e foram necessárias intervenções de
emergência do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1977 e em 1983,
quando foram emprestados a Portugal 750 milhões de dólares, e impostas
reformas, como cortes nos salários da função pública, uma política
orçamental mais responsável, e o aumento de preços.[887] Mas, na verdade,
Portugal já beneficiava de alguma forma de ajudas do FMI logo desde
meados de 1975.[888]
Vale a pena repetir o mesmo exercício do capítulo anterior, mas agora
para um leque mais alargado de países.[889] É possível calcular o PIB por
pessoa em percentagem da média do PIB por pessoa dos países da atual UE
(acrescidos do Reino Unido, Noruega e Suíça). É isso que mostro na Figura
32, utilizando dados já corrigidos para a paridade de poder de compra.[890]
Como se vê na figura, Portugal está a ficar para trás, de forma sistemática,
desde os finais dos anos 1990. Note-se que o pico no início dos anos 1990
deve-se, em grande parte, à queda temporária dos PIB de vários países da
Europa Central e do Leste que tinham sido comunistas, no contexto da sua
transição para economias mistas. Durante os anos 1990, Portugal continuou
a convergir com os países mais ricos da Europa. Logo, é mais razoável
considerar que a divergência portuguesa começou a acontecer a partir de
finais dos anos 1990. É relevante notar que este comportamento medíocre
da economia se dá, desde o início do século xxi, num contexto em que as
taxas de poupança das famílias portuguesas são das mais baixas do mundo,
enquanto, tanto o Estado como as empresas, se encontram altamente
endividados.[891]

Figura 32. PIB per capita português relativamente à média da Europa


Ocidental.

É importante sublinhar que a divergência económica do país não tem


como contraponto ou compensação uma maior justiça social ou maior
igualdade do que as que existem nos países da Europa Central e do Leste
que nos têm ultrapassado. Pelo contrário.[892] Essa retórica é comum em
certos círculos e parece provável que continue a ser repetida.[893] Mas os
números mostram que, na realidade, países como a República Checa, a
Eslováquia, a Eslovénia, e a Letónia, não só crescem mais do que Portugal,
como também se mantêm com níveis de desigualdade de rendimentos e de
riqueza inferiores aos nossos.[894] A verdade é que Portugal é e mantém-se,
desde há décadas, um país de baixíssima mobilidade social entre as
gerações, com a escola pública a ser incapaz de eliminar as desigualdades
socioeconómicas de partida, de origem familiar.[895] O país destaca-se
negativamente, entre todos os países da OCDE, pela probabilidade muito
baixa dos filhos dos mais pobres, que tendencialmente apresentam um nível
de educação baixo, conseguirem sair dessa situação de armadilha de
pobreza que já afetava os seus pais.[896] Existe portanto no nosso país um
círculo vicioso de pobreza, e de níveis de educação baixos, que afeta
geração após geração.
Para compreendermos tudo isto, temos de saber separar as causas
próximas (ou imediatas) do atraso, das causas fundamentais que as
explicam. As causas próximas consistem em determinados mecanismos
que, na linguagem dos economistas, são fatores endógenos – ou seja, são
eles próprios explicados por outros. Os níveis baixos de capital humano e
de produtividade do país são uma causa do atraso, mas são apenas uma
causa mecânica, quase trivial: não são em si uma explicação do atraso.
Precisamos de explicar porque é que são e se mantêm baixos.
Compreendermos a distinção entre as causas próximas e as fundamentais é
crucial para não fazermos diagnósticos errados. Por exemplo, é verdade que
em Portugal os impostos são altos relativamente à qualidade da oferta dos
bens públicos (como a saúde, a educação, ou a justiça), e por isso
constituem um problema. Mas é evidente que os impostos não são a causa
estrutural do atraso do país. O nível elevado de esforço fiscal é apenas um
sintoma: é o necessário para pagar o Estado Social ambicioso que os
eleitores consideram que lhes é devido, mas que é em muitos aspetos
ineficaz no seu funcionamento. Instigado por promessas eleitoralistas dos
políticos, o Estado Social não é reformado nas suas componentes
ineficientes.[897] Mas a economia não está organizada de forma eficaz para
ter capacidade de criar riqueza, ou mesmo apenas eficiência suficiente na
oferta de bens públicos, de forma a ser capaz de suportar essas ambições.
Por isso, descer os impostos, apesar de desejável, seria apenas um paliativo
que não iria durar e também não iria resolver nada só por si: sem cortes de
despesa ou ganhos de eficiência credíveis associados, levariam apenas a
uma subida dos défices e da dívida.

Os fundos europeus como uma das causas fundamentais do atraso


Como já expliquei, é essencial distinguirmos as causas próximas (ou
endógenas) do atraso, das fundamentais. Mesmo existindo heranças
históricas, como vimos nos capítulos anteriores, são ainda assim exemplos
das primeiras a baixa produtividade, a excessiva centralização do Estado,
ou os impostos altos. Todas estas resultam, pelo menos em parte, de
escolhas políticas do presente. Além destes exemplos, há muitas outras
causas próximas: as elites extrativas, as instituições atrasadas, um sistema
de justiça disfuncional – lento e ineficiente, particularmente no que toca à
justiça administrativa e fiscal –, ou o inadequado nível de escolaridade da
população.[898] Temos também uma sociedade pouco integradora, em que os
benefícios públicos são frequentemente apropriados para fins privados.[899]
Todos estes fenómenos são sintomas do problema, mas não a sua causa
profunda. Não obstante, vale a pena analisar alguns destes fatores pois são
mecanismos através dos quais as causas profundas operam, empurrando a
produtividade da economia para baixo, especialmente a prazo.
Portugal não tem melhorado relativamente a outros países em nenhuma
das dimensões que referi. Tomemos como exemplo a questão do capital
humano, ou seja, os níveis de educação da população. Como vários estudos
têm mostrado, Portugal é o país da Europa com a menor literacia económica
e financeira.[900] Isto resulta de heranças históricas, mas também de escolhas
políticas presentes. Em termos relativos, esta situação não melhorou na
democracia, já que os países com que faz sentido comparar Portugal
também não ficaram parados. As consequências são visíveis de muitas
formas, como na natureza de muitos dos contratos de crédito, ou nas
escolhas eleitorais de grande parte da população. Nenhuma destas graves
carências constitui, porém, uma explicação fundamental. Há uma causa
comum a todos estes fenómenos que afastam Portugal dos outros países
europeus. Vejamos então qual é.
Comecemos por rejeitar alguns mitos. O tamanho do país é pouco
relevante, já que sabemos que muitas das nações mais ricas do mundo, e
nomeadamente na Europa, correspondem a países de dimensão comparável
a Portugal, como a Bélgica, ou ainda mais pequenos, como a Dinamarca.
Outro mito comum é o da geografia: na verdade, a posição aparentemente
periférica de Portugal não impediu a convergência económica do país
noutras épocas, logo não é uma fatalidade. E também convém pensar bem
sobre o que significa periferia: toda a Europa é periférica num certo sentido,
e o primeiro país a industrializar-se – a Inglaterra – também o era naquela
época, tendo, aliás, a Revolução Industrial surgido longe de Londres, numa
zona periférica daquele país: o norte de Inglaterra. Além disso, nos dias de
hoje, vemos países europeus que geograficamente também são periféricos,
como a Irlanda ou os Estados Bálticos, e que apresentam um bom
comportamento económico.[901] Tendo rejeitado estes mitos comuns, vou
agora centrar-me nos fatores que considero serem as verdadeiras causas do
atraso.
A divergência do país está a acontecer apesar de décadas de
transferências de enormes quantidades de fundos europeus dados a
Portugal, muitos dos quais a fundo perdido. «Apesar»? Como vou
argumentar, não é essa a palavra certa. Desde o início dos anos 1980 que os
fundos comunitários são vistos como uma solução fácil para Portugal se
tornar uma das economias mais ricas da Europa. A canção do grupo de rock
GNR, Portugal na CEE, de 1981, quatro anos antes da adesão, ilustra bem
esse sentimento:

Quero ver Portugal na CEE


E agora, que já lá estamos
Vamos ter tudo aquilo que desejamos.

Vou mostrar que essa esperança não podia ter vindo a ser mais ilusória,
ainda que não explique sozinha o atraso. Uma coisa é certa: os fundos
europeus não estão a levar à convergência, apesar da sua magnitude quase
inimaginável. Segundo dados do Banco de Portugal, o país já recebeu 133
mil milhões de euros desde a adesão à União Europeia até inícios de 2023,
sendo que o contributo total português para o orçamento comunitário
corresponde a um terço deste número. Estes valores excluem o Plano de
Recuperação e Resiliência (PRR), com um período de execução até 2026, e
que importará em mais de 22 mil milhões de euros entre subvenções e
empréstimos. É significativo que os meios de comunicação social se refiram
frequentemente a este tipo de valores como algo benéfico apenas por
aparentemente representar um saldo positivo a favor de Portugal.[902] Os
fundos europeus recebidos por Portugal têm correspondido a valores por
volta dos 2% a 3% do PIB português por ano desde meados dos anos 1980.
[903]
Estes valores colossais têm tido, na prática, contrapartidas baixas, como
referi, sendo por isso, na margem, valores muito significativos. O peso dos
fundos é superior ao da Autoeuropa, que sendo tão central para a economia
portuguesa, anda pelos 1,5% do PIB: um valor que corresponde
aproximadamente a todas as remessas anuais dos emigrantes, e suficiente
para construir cerca de 14 grandes hospitais.[904] Até ao alargamento da UE
a Leste, Portugal foi o país da UE que mais sistematicamente «beneficiou»
de financiamento estrutural, relativamente ao PIB. Foi inclusivamente dos
países que mais receberam financiamento estrutural em termos absolutos.
[905]
Não restam dúvidas de que o nosso país foi na Europa o que mais e por
mais tempo «beneficiou» destas ajudas.[906] E nos próximos anos, até 2030,
vão chegar a Portugal mais de 57 mil milhões de euros em fundos europeus,
manifestando a procuradora Ana Carla Almeida graves preocupações com a
falta de recursos para combater as fraudes com esses fundos.[907] Em termos
aproximados, estes valores atingem, em termos anuais, cerca de 3% do PIB.
[908]
Ou seja, a UE continua a dar-nos todos os anos dinheiro que equivale ao
peso de duas «Autoeuropas» na economia, sem grandes contrapartidas
práticas.[909]
Hoje, os fundos de coesão per capita recebidos por Portugal estão entre
os mais altos de todos os Estados-Membros. Durante o período 2014-2020
atingiram cerca de 380 euros por pessoa e por ano, em preços correntes,
para as zonas menos desenvolvidas do país, um valor apenas próximo do
que receberam as zonas equivalentes de alguns países ex-comunistas. Este
valor compara com uma média de menos de um terço – 112 euros por
pessoa – entre todos os Estados-Membros para o mesmo período. Países
como a Roménia ou a Bulgária apenas receberam 150 euros por pessoa.[910]
Os fundos de coesão correspondem apenas a uma média de 0,3% do PIB da
UE como um todo, uma proporção quase dez vezes inferior à portuguesa.
Aliás, a própria Comissão Europeia reconhece que, para algumas das zonas
mais pobres de Portugal, como é o caso dos Açores, o valor é quase 12
vezes maior – atingindo cerca de 3,5% do PIB por ano. Uma análise
detalhada, e sub-regional, mostra que todas as regiões de Portugal
(incluindo Lisboa e o Algarve, ainda que com um pouco de menor
intensidade) recebem uma quantidade de fundos europeus apenas
comparável aos recebidos por regiões da Europa do Leste.[911] A ideia de
que é possível impor «a partir de cima» igualdade entre todos os países ou
mesmo regiões da UE é uma visão utópica, e é bem possível que esta lógica
que determina a distribuição dos fundos esteja a contribuir, pelo contrário,
para aprofundar o atraso relativo de certas regiões e Estados-Membros mais
pobres – e também, por essa via, da própria União Europeia no seu todo
relativamente a outras partes do mundo.[912]
Globalmente, e tomando todos os períodos desde meados dos anos 1980
em consideração, Portugal foi certamente um dos países da UE que mais
receberam quantias provenientes destes fundos relativamente ao tamanho
da sua economia. É também, juntamente com a Grécia, o país que há mais
tempo deles depende.[913] Comparem-se os valores que mencionei com os
das chegadas de ouro do Brasil no século xviii, que corresponderam a 4 a
6% do PIB nominal por ano, entre 1720 e a década de 1760, declinando a
partir de então, até ficar por 1% em finais do século.[914] Nessa época, esses
montantes foram o suficiente para condenar a economia e o sistema político
a uma trajetória perniciosa com consequências para o atraso que ainda hoje
sentimos. Tal como nessa época, as chegadas de fundos não representam
hoje proporções anuais esmagadoras, mas vão tendo efeitos ao longo do
tempo, até devido a não terem, na prática, grandes contrapartidas.
Distorcem a economia e o sistema político, com graves consequências a
prazo. São o novo ouro do Brasil.
Os fundos europeus enviados para Portugal têm claramente falhado no
seu objetivo primordial: a convergência com a Europa mais desenvolvida.
À medida que vários países – ou, para ser mais rigoroso, regiões europeias
– se aproximaram dos níveis médios de desenvolvimento da União
Europeia, têm perdido o direito a receber estes fundos. Portugal é uma
espécie de país pedinte, e viciado, que continua a receber esmola décadas
depois, porque nunca deixou de ser pobre – tendo recebido mais e por mais
tempo do que os outros. Perversamente, quase parece que este país
dependente gosta de continuar a sê-lo, tal é o endeusamento a que o
discurso público eleva os dinheiros europeus. Isto é verdade tanto
relativamente aos fundos regulares – que têm, de resto, categorias variadas,
incluindo fundos de desenvolvimento regional, o fundo social europeu,
fundos de coesão, bem como fundos agrícolas e relacionados com as pescas
– como aos de emergência, como é o caso do PRR, apelidado em Portugal
de «bazuca»: a chuva de milhões que tantos disseram que nos iria salvar.
Desde o princípio que me mostrei cético.[915] Até porque me recuso a
esquecer a nossa História: os fundos europeus não passam do ouro do Brasil
dos dias de hoje.
É evidente que esta analogia não é uma comparação literal nem deve ser
exagerada: Portugal tem hoje um contexto económico e social e um sistema
político diferentes do que tinha no século xviii. Mas, tal como no antigo
processo da Maldição dos Recursos que desenvolvi no Capítulo 6, os
fundos distorcem hoje a economia do país através dos mesmos dois
mecanismos fundamentais: a perda de competitividade do setor dos
transacionáveis, por um lado, e os efeitos negativos relacionados com a
falta de responsabilização política e prestação de contas (accountability)
para as instituições políticas e as políticas públicas, por outro.
Em suma, as transferências das instituições europeias são responsáveis
por dois fenómenos. Em primeiro lugar, a entrada dos fundos distorce a
economia, empurrando os fatores produtivos para setores não
transacionáveis, como o imobiliário ou as obras públicas (muitas vezes
desnecessárias), tendo efeitos negativos e custos indiretos para o setor
exportador. Em segundo lugar, o dinheiro vindo de fora, frequentemente
sem grandes contrapartidas, permite aos governos distribuir mais rendas.
Este dinheiro não recompensa uma efetiva subida de produtividade da
economia, mas, pelo contrário, é dinheiro «caído do céu». O único requisito
é manter o país atrasado e é isso que os governos têm feito há décadas. Por
isso mesmo, perversamente, a torneira dos dinheiros europeus não fecha.
Na prática, a UE subsidia Portugal por ser mau aluno, dando dinheiro
que anestesia a economia e distorce o processo político. A torneira aberta
financia alguns investimentos e consumo, permitindo transmitir a ideia de
que a situação do país não é tão grave como é, enquanto impede um debate
sério sobre a verdadeira situação do país. O fim dos fundos iria implicar um
confronto com a dura realidade existente, que teria implicações políticas
sérias e disruptivas para a atmosfera cultural e intelectual do país. Sem os
fundos, o edifício político e ideológico que nos rodeia cairia que nem um
castelo de cartas, com implicações sérias para o regime e os partidos que
têm governado o país. Se, no imediato, levaria certamente a uma crise, esse
fim também seria o incentivo certo para abrir o caminho para serem feitas
verdadeiras reformas.
O dinheiro vindo da Europa ajuda o governo em Portugal a comprar
apoio político interno, aumentando o valor da captura do Estado. Também
quebra a ligação temporal entre a falta de eficácia das decisões políticas e as
recessões económicas, escondendo do público a extensão dos problemas e
protegendo, com uma cortina de fumo, a inércia e incompetência dos
governantes. Como os fundos adiam os problemas, sem os resolver, criam
um desfasamento temporal entre os momentos em que o povo sente a crise
«na pele» e aquele em que os maiores erros de política económica foram
feitos. O resultado tem um impacto decisivo nas escolhas dos eleitores, que
tendem a recompensar os efeitos de curto prazo.[916] Os fundos também
reduzem os limites ao poder executivo, levando ao baixo escrutínio do
poder político e a violações do princípio da divisão dos poderes.[917] Tudo
isto leva a inúmeros conflitos de interesse relacionados com o papel central
do Estado, agravados por ser Portugal um país pequeno. Concentradas na
«corte» em Lisboa, próximas do poder político, as elites conhecem-se
pessoalmente e a sua permanente encenação esconde que, no fundo, estão
preocupadas principalmente com os seus próprios interesses.
Em Portugal existe um excesso de leis e de regulação que confunde
objetivos com meios ou instrumentos, que são ineficientes, assim como
uma excessiva legislação produzida «a quente» em reação a casos
mediáticos, sem haver um pensamento estruturado e global subjacente.[918]
Portugal é dos países do mundo com mais proteção laboral para quem tem
contrato de trabalho permanente.[919] Esta situação explica a elevada
percentagem de casos de contratos de trabalho a termo, criando um
mercado de trabalho segmentado e com pouca justiça intergeracional,
porque são os jovens que ocupam a esmagadora maioria destes contratos a
termo. Os sindicatos estão hoje envelhecidos e são pouco representativos,
estando muito ligados a interesses políticos, ao contrário do que estabelece
a Constituição.[920]As medidas ativas de emprego, como os estágios e a
formação profissional, são pouco diferenciadas, em grande medida
desatualizadas, e com impactos que não são avaliados, tendo pouca
capacidade de resposta às mudancas que se avizinham com o crescimento
da inteligência artificial.[921] Em Portugal quase nada, de resto, é sujeito a
uma avaliação de impacto ou a análises custo-benefício.
Também somos um dos países do mundo que mais direitos promete na
Constituição, o que não é positivo, como se verifica pelo facto de os outros
países que prometem tanto ou mais serem Estados mais pobres, como
Angola, Bolívia, Cabo Verde, Equador e Venezuela.[922] Ou seja, Portugal
tem uma Constituição terceiro-mundista. Como demasiadas vezes acontece,
estamos perante uma encenação, perante mais um triunfo do de jure sobre o
de facto. Mas quem governa com demagogia falha.[923] Portugal é um país
alérgico a reformas estruturais que permitiriam ajudar a economia, sendo
essas reformas displicentemente catalogadas como «neoliberais»,
«capitalistas», «de direita» – ou mesmo, absurdamente, «fascistas».[924]
Entre as elites intelectuais (até mais do que entre o povo) existe também
muito preconceito contra a iniciativa privada, e muitas vezes, desconfiança
em relação à prestação de contas e de fiscalização da ação governativa. O
resultado acaba por ser uma intervenção estatal excessiva (frequentemente
desnecessária e por vezes até mal-intencionada), as leis laborais rígidas e
inadequadas ao mundo globalizado do presente, os impostos altos
relativamente à qualidade dos bens públicos, um Estado Social incapaz de
dar às pessoas o que necessitam, uma enorme injustiça intergeracional, a
estagnação económica, e a continuação do processo de divergência.[925]
Apesar da elevada carga fiscal, nem sequer os serviços de educação e saúde
mais básicos consegue o Estado assegurar: faltam vagas no ensino pré-
escolar, professores no ensino pré-universitário, a medicina dentária faz
apenas recentemente e de forma muito parcial parte do SNS, e o número de
utentes sem médico de família já é quase 1,7 milhões.[926] As listas de espera
de anos para cirurgias, urgências encerradas, e filas nos Centros de Saúde
são amplamente noticiadas, ano após ano. O Estado tudo promete: desde
milhares de camas em residências universitárias, a habitação social
abundante e a preços acessíveis. Mas pouco consegue, apesar dos fundos
europeus e da elevada carga fiscal.[927] O baixo investimento público tem
levado a uma forte erosão do capital público, com a depreciação a ter
efeitos negativos para a produtividade que se vai sentir durante décadas.[928]
Como tantas vezes na nossa História, o de facto diverge do de jure e da
propaganda.
A existência dos fundos ajuda a explicar a ausência de reformas no país.
Não é suficiente dizer que reformas estruturais e políticas públicas de
melhor qualidade fariam o país crescer. Isso é evidente. Aliás, é quase
trivial. O que é preciso compreender é porque não são adotadas melhores
políticas públicas em Portugal (nem alguma vez o foram nas últimas
décadas, com graus de cinzento que variaram, mas pouco, ao longo do
tempo). A ausência da procura de reformas, mesmo quando os problemas
estão identificados, é que é o facto fundamental que tem de ser explicado.
Portugal tem uma elite egoísta, em parte legitimada nas urnas, mas apenas
preocupada em proteger os seus interesses. O facto de não existirem
alternativas viáveis à vista é, em si, o facto mais relevante. O país está
bloqueado, mas não quer mudar. O espírito corporativista impera, com um
sem-fim de lóbis a pedir mais para si, e sendo sempre o contribuinte a
pagar.
A própria antecipação da chegada do PRR, por exemplo, foi antecedida
por ações políticas inequívocas com potenciais efeitos a prazo, como
aconteceu com o caso da procuradora que ficou em primeiro lugar no
concurso para o Gabinete da Procuradoria Europeia – órgão que iria
supervisionar a fraude nos fundos – e que foi preterida pelo governo. Ou
então o facto de o governo não ter reconduzido o presidente do Tribunal de
Contas que se tinha levantado contra a reforma das regras de contratação
pública aplicáveis aos fundos europeus, o que, como é óbvio, abre a porta à
má utilização dos mesmos.[929] E Portugal está há anos sem juiz no Tribunal
de Contas Europeu, o tribunal que controla a cobrança e a utilização dos
fundos da UE.[930] Até o inspetor-geral de Finanças admitiu modificar
pareceres de forma (no mínimo) pouco ética para garantir o acesso
continuado de Portugal aos fundos europeus. Vale a pena transcrever o
motivo «patriótico» com que justificou a aldrabice:

Se não dermos um parecer positivo, se classificarmos o sistema de controlo a


um nível inferior, corre-se o risco de suspensão de pagamentos no momento
seguinte (…) [é preciso fazer] o suficiente (…) para garantir que (…) os pareceres
são sempre aprovados, isto é, a torneira dos dinheiros europeus não fecha.[931]

Além dos fundos europeus propriamente ditos, sejam estruturais ou de


(suposta) emergência, como o PRR, também é incontestável que Portugal
beneficia, desde há muito tempo, de uma política de juros baixos e compra
direta de títulos do governo pelo Banco Central Europeu.[932] Estas
operações foram anunciadas como medidas de emergência na sequência da
crise das dívidas soberanas que teve início em 2009. Porém, como tantas
vezes nestas ocasiões, o temporário rapidamente se tornou quase
permanente, tendo o desmame tardado. E quando acabou por ir chegando,
como tem acontecido recentemente com a subida das taxas de juro (também
em resposta à inflação na Zona Euro), o Estado português queixou-se de
não querer que isso aconteça.[933]
Quando o PRR foi anunciado, escrevi que os milhares de milhões de
euros a fundo perdido que se perspetivavam no horizonte, com aplicação
discricionária e concentrada no tempo, representavam um enorme risco, não
sendo uma benesse, mas sim uma maldição para o país.[934] Pelo contrário, o
dinheiro da UE, apelidado de «bazuca», continuou a ser visto como uma
bóia de salvação, tendo até o Primeiro-Ministro gracejado – como foi
amplamente divulgado –, ao dirigir-se à Presidente da Comissão Europeia,
Ursula von der Leyen, questionando-a se já podia ir ao banco levantar o
dinheiro. Mais tarde o Primeiro Ministro afirmou, sem apresentar qualquer
estudo sério que apoiasse essa espantosa afirmação, que cada euro do PRR
iria traduzir-se num crescimento de 5,3 euros do PIB português.[935]
Como referi, mostrei-me cético desde o início. O tempo deu-me razão. E
mais me dará no futuro. Poucos anos depois do anúncio do PRR, várias
notícias deram conta de que o governo escondeu pareces críticos desse
plano sem avaliação de conflitos de interesse, enquanto o inspetor-geral das
Finanças, responsável pela auditoria dos fundos, justificava alterar um
parecer em nome do suposto «interesse nacional» para que Portugal
recebesse mais 1,8 mil milhões de euros da Europa, como referi
anteriormente.[936]
Quase todos os intervenientes que falam sobre os fundos europeus
insistem que estes vão gerar muito crescimento no futuro, mostrando-se
preocupados com o nível de execução, que não querem que seja baixo. É o
caso do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, e do Governador do
Banco de Portugal.[937] O Primeiro-Ministro sente-se na obrigação de prestar
contas sobre essa mesma execução.[938] Pelo contrário, eu afirmo que o nível
ótimo de execução é zero: quanto menos for executado, melhor.[939] Estes
fundos anestesiam o país e levam grande parte do povo a não exigir mais,
porque não sente no bolso as consequências da má governação e falta de
reformas. E o facto de a divergência não corresponder a um grande
solavanco ou crise repentina, mas a um empobrecimento relativo e gradual
do país, não leva à mesma urgência de uma situação de crise imediata.
Noto, de passagem, que não me estou a referir à existência de fraudes. A
fraude relacionada com os fundos, tendo sido alta no passado, poderá não
ser hoje muito diferente da que se aplica em outras partes da UE que
recebem fundos.[940] Também é evidente que a fraude nem sempre é fácil de
detetar e a sua medição exige a cooperação das autoridades nacionais com
os gabinetes europeus e, por isso, as estatísticas relacionadas com a mesma
nem sempre são fiáveis.[941] Em todo o caso, não é certamente devido à
fraude que os fundos têm os seus principais efeitos perniciosos para
Portugal, mas antes através dos efeitos que esses fundos têm – tanto os
diretos na economia como os indiretos no processo político. Parte deste
último mecanismo está muitas vezes relacionado com contratos públicos
dados a entidades próximas de políticos, nalguns casos até na presença de
óbvios conflitos de interesse – mas sem isto, num sentido legal ou formal,
constituir necessariamente fraude, como convencionalmente definida. Mas
a fatia dos fundos europeus que vai para o setor privado também não parece
ser utilizada da melhor forma. Muitas vezes o dinheiro é dado em apoio a
empresas muito pequenas, que apesar de representarem metade do emprego
total e 40% do valor acrescentado da estrutura empresarial portuguesa, não
têm potencial transformador, fazendo antes do acesso a estes fundos
simplesmente um modo de irem ganhando a vida.[942] As empresas que
recebem fundos europeus conseguem mais vendas, mas a sua produtividade
não é afetada. E mesmo o efeito nas vendas restringe-se aos setores não
transacionáveis.[943]
A comissária responsável pelos principais fundos comunitários –
incluindo o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o
Fundo Social Europeu, e o Fundo de Coesão – tem mesmo levantado
dúvidas sobre a eficácia da utilização destes fundos, por exemplo, no
relatório Coesão na Europa para 2050.[944] E, no entanto, lembrando em
2022 que, nos anos seguintes, Portugal iria receber o maior volume de
fundos comunitários de sempre, argumentou que Portugal tem de usá-los
para se desenvolver, e como tal, para se libertar dos fundos europeus.[945]
Em 2023 voltou a alertar para o risco dos fundos «passarem a ser uma
espécie de habituação», elogiando ainda assim os altos níveis de execução.
[946]
Deixo à consideração do leitor se isto não é uma argumentação algo
esquizofrénica – ou, no mínimo, circular.
No dia em que a UE cortar os fundos, finalmente alguma coisa mudará
em Portugal. As consequências desse corte serão dolorosas, não há dúvida,
mas esse será o primeiro dia do nosso confronto e acerto de contas com a
realidade. Apenas então poderá acontecer uma verdadeira autoavaliação das
más escolhas que, coletivamente, temos feito. Será esse o momento em que
também ficará claro que é perversa a ideia – implícita no mecanismo de
atribuição de fundos a nível da UE – de que os mesmos serão cortados
quando o país convergir. É como dizer que deixamos de dar drogas pesadas
a um viciado quando ele tiver emprego.[947] No discurso efetuado na
cerimónia de assinatura da adesão de Portugal como 11.º membro, a 12 de
junho de 1985, no Mosteiro dos Jerónimos, Mário Soares disse:

Para Portugal, a adesão à CEE representa uma opção fundamental para um


futuro de progresso e modernidade. Mas não se pense que seja uma opção de
facilidade. Exige muito dos portugueses, embora lhes abra simultaneamente largas
perspetivas de desenvolvimento.[948]

Cerca de quatro décadas depois, parece justo dizer que os fundos


europeus nem abriram «largas perspetivas de desenvolvimento» ao país,
nem levaram os portugueses a ganhar responsabilidade. Só quem não
conheça a História da Europa pode opor-se à União Europeia como projeto
político.[949] No entanto, a UE precisa de reformas, algumas delas urgentes.
Uma é referente a esta questão dos fundos europeus, sejam estruturais ou de
emergência (como é o caso do PRR). É revelador que o PRR seja
conhecido, em Portugal, como a «bazuca» ou «chuva de milhões» – e que,
como seria de prever, tenha chegado com grande euforia, mas já depois da
sua motivação original (a pandemia) ter desaparecido. As remessas desse
dinheiro vão ainda durar vários anos, e o Primeiro-Ministro António Costa
defende mesmo que o PRR se torne «permanente».[950] Do que já foi
implementado do PRR, muito foi gasto em áreas que nada contribuem para
reformas estruturais, não ajudando ao desenvolvimento do país a prazo. Em
vez disso, o dinheiro é gasto em despesas correntes que tinham a obrigação
de sair do Orçamento do Estado, como é exemplo o dinheiro gasto na
instalação de equipamentos de ar condicionado, no combate aos incêndios,
ou ainda os quase 300 milhões de euros gastos em atividades culturais.[951]
Noutros casos, fazem-se compromissos que vão ter de ser suportados, no
futuro, sem qualquer planeamento prévio.[952]
Neste contexto de dinheiro fácil, mas instituições políticas débeis, e com
ainda apenas uma ou duas gerações de portugueses com níveis médios ou
mais de educação, o país está a definhar e a produzir resultados económicos
medíocres. Por um lado, não é possível acompanhar os desafios globais das
últimas décadas sem uma economia mais aberta, com mais concorrência, e
uma aposta no setor produtivo, não apenas na exploração de recursos e
redistribuição. Mas fazer isso implicaria reformas de fundo, como
desmantelar os protecionismos e corporativismos que se mantêm, por
exemplo, nas ordens profissionais. No entanto, a competição partidária em
ambiente de captura mediática recusa sequer considerar reformas, que
grande parte da população não apoia ou entende, e que incomodam os
poderes e grupos de pressão instalados. A competição política faz-se pelas
promessas, como mais emprego público, mais dinheiro para os reformados,
subidas do salário mínimo, e mais ofertas de bens do Estado Social «grátis»
(mesmo quando são, na prática, ilusórias). Os partidos recompensam e
alimentam as suas clientelas partidárias através da colonização da
administração pública, fazendo nomeações em que critérios técnicos ou de
mérito estão ausentes. Tudo isto se opera em detrimento da capacidade
produtiva da economia, exige aumentos da carga fiscal, o que por sua vez
agrava a dificuldade da economia funcionar de forma eficaz. É um ciclo
vicioso. Os partidos do poder adotaram por facilitismo a crença no efeito
mágico do Estado-providência, mesmo quando este não funciona. Os
partidos e os políticos que os representam concorrem nas promessas, mas
quase não concorrem nas políticas.[953] De resto, não há um debate sério
sobre políticas públicas ou reformas estruturais em Portugal pelo menos
desde a última intervenção externa em 2011 e nos anos seguintes. Neste
contexto, o impasse apenas pode continuar. As reformas vão sendo adiadas
até se tornarem outra vez inevitáveis.
As dezenas de milhares de milhões de euros de fundos comunitários que
Portugal recebeu desde a adesão em 1986 viciaram o país no dinheiro
europeu. Como é evidente, o contexto de hoje é muito diferente do que
existia há três séculos e os mecanismos precisos através dos quais, como
argumentei, os fundos europeus prejudicam hoje a economia são diferentes
daqueles através dos quais o ouro do Brasil operou no século xviii. Mas,
genericamente, o fator fundamental é o mesmo: ou seja, dinheiro vindo de
fora, com poucas ou nenhumas contrapartidas. Fluxos de dinheiro que
entram no país desta forma não são saudáveis para a economia, como
também não são para as instituições políticas. Há três séculos, o ouro do
Brasil não desenvolveu o país – muito pelo contrário. Os fundos europeus
não se têm revelado, hoje, diferentes.

Os condicionamentos culturais de origem política, e as suas


consequências

Dito isto, convém sublinhar que os fundos europeus não são o único
fator que explica o atraso atual do país – ou, para ser mais rigoroso, a
divergência (já que, como é evidente para quem tenha lido este livro até
aqui, o atraso em si era anterior). Os fundos europeus contribuem para a
divergência, mas isto acontece porque se relacionam com outros fatores que
interagem com a sua existência e também ajudam a explicar a falta de
reformas políticas e mudanças culturais associadas. Aliás, vários países
europeus têm vindo a receber fundos, mas ainda assim convergiram. Isto
aconteceu com os países da Europa Central e do Leste que aderiram à
União Europeia. Ainda que nenhuns tenham recebido tantas verbas e por
tanto tempo, relativamente ao tamanho das suas economias, como Portugal,
a verdade é que têm convergido.[954] Irei agora argumentar que isto tem
acontecido porque a Europa Central e do Leste – a parte que se juntou à UE
– retirou conclusões da sua História, entre o pós-guerra e o final do século
xx, muito diferentes das que foram tiradas em Portugal. Ou seja, a
divergência foi também cultural, tendo implicações políticas.
Em Portugal, a partir de 1974 imperou uma narrativa, que mostrei no
capítulo anterior ser falsa, segundo a qual o atraso do país era exclusivo ou
principalmente devido ao Estado Novo. Essa narrativa continua viva e de
boa saúde nos nossos dias. Nos meios de comunicação social continua a
dizer-se e a escrever-se com regularidade que «[o] maior responsável pelo
atraso do país é, sem qualquer dúvida, o Salazar», considerado o culpado
pelo baixo nível educativo do país, ao mesmo tempo que são
desculpabilizadas as escolhas políticas feitas por duas gerações de políticos
e eleitores.[955] Pessoas que se afirmam historiadoras profissionais fazem
mesmo afirmações como: «Hoje ainda, defensores do Estado Novo, muitas
vezes por ignorância, difundem a ideia de que Salazar diminuiu o
analfabetismo».[956] Além de esta ser uma afirmação falsa, como já vimos,
note-se também o julgamento de intenções: quem contrarie este preconceito
é imediatamente catalogado como um «defensor» do Estado Novo.
Tudo isto continua a ser hoje feito de forma contínua, mas tem uma
origem histórica. A partir do período revolucionário de 1974-1976, as
políticas dessa ditadura de direita foram entendidas como uma visão falhada
de desenvolvimento, devido à percecionada baixa intervenção do Estado na
economia.[957] Este erro na caracterização do regime penetrou de forma
profunda na consciência coletiva do país – em parte, aliás, devido ao papel
dos meios de comunicação social e ao ensino escolar nas décadas seguintes,
todos influenciados por políticos disfarçados de historiadores e intelectuais.
Já a nível político, o regime do Estado Novo foi identificado com o
fascismo – o que não é factual – para o estigmatizar o mais possível, assim
como o poder económico.[958] Isto tornou ainda mais poderoso o ataque à
«direita» – mesmo a democrática, moderada e liberal – propositadamente
atirada para o mesmo saco. O Estado Novo, visto como fascista, foi
identificado com o capitalismo, enquanto o socialismo foi considerado o
equivalente da democracia.[959] Como resultado, desenvolveu-se um
condicionamento cultural e uma doutrina excessivamente otimista quanto à
eficácia do Estado. Tudo isto se associou a um nível educativo baixo das
populações, em particular às questões relativas à literacia financeira, e à
qualidade globalmente reduzida da academia no que toca à seleção dos
docentes e investigadores, entre outros aspetos.[960] O analfabetismo do país
no passado encontra hoje um paralelo na baixa literacia financeira – uma
espécie de analfabetismo económico, que enfrentamos no presente. O
resultado é um país com expetativas irrealistas sobre o Estado Social e com
uma ênfase política quase exclusiva nas questões da desigualdade, mesmo
quando essa ênfase é feita à custa de um debate sério à volta da criação de
riqueza.[961] Isto é irónico, porque apenas essa pode pagar o Estado Social
de qualidade que as pessoas tanto desejam e merecem. Nivelar por baixo
apenas pode levar a um país em que quase todos são pobres.
Destes condicionamentos culturais emergiu um país estatista em que os
políticos tudo prometem e pouco conseguem de facto.[962] Um país
altamente capturado pelas elites, com políticas públicas que são, na prática,
por vezes fiscalmente regressivas, como acontece com o facto de os alunos
de licenciatura pagarem propinas baixas nas universidades públicas
(incomparáveis com os custos), mesmo quando são provenientes de
famílias de contextos socioeconómicos favoráveis.[963] O número de
licenciados a abandonar o país corresponde a 40% dos novos licenciados
todos os anos, segundo algumas estatísticas, não sendo claro se irão voltar
ou se o dinheiro que neles foi gasto irá alguma vez beneficiar os
contribuintes portugueses que neles investiram.[964] O corporativismo –
entendido aqui como a defesa dos interesses privados de certos grupos, em
detrimento do conjunto da população – sobreviveu ao fim do Estado Novo
e, num certo sentido, está mais forte do que nunca. No que toca à política
económica, existe, portanto, mais continuidade entre os regimes do que
possa parecer. A Constituição de 1976, tal como a de 1933, opunha-se ao
liberalismo económico e promovia um apertado controlo estatal sobre a
economia.[965] Após a subida ao poder da Aliança Democrática em 1979,
tornou-se notório que a «direita» portuguesa tinha fortes tendências
jacobinas, que clamavam por um forte intervencionismo estatal.[966] Sá
Carneiro, que se intitulava como sendo de centro-esquerda, dizia mesmo
que a social-democracia era uma via para o socialismo, que o seu partido se
inspirava no SPD alemão, e quis que o mesmo aderisse à Internacional
Socialista, tendo nesse propósito sido bloqueado, pelo menos em parte, pelo
PS.[967] Nada disso impedia Mário Soares e outros políticos de esquerda de
alertarem para o regresso do fascismo.[968] Permaneceria até 1989 em
Portugal a proibição constitucional de privatizar as empresas que tinham
sido nacionalizadas e as unidades coletivas da reforma agrária (que até tinha
sido inicialmente defendida pelo PPD/PSD, e que ainda existiam em grande
número no Alentejo).[969] Por tudo isto, ainda no início da década de 1990, a
revolução socialista portuguesa estava menos desmantelada do que poderia
parecer em resultado da adesão do país à CEE.[970] A defesa dos interesses
privados de natureza corporativista continuava. E continuou.[971]
Na verdade, a distinção fundamental para compreender estas matérias
não é entre políticas de «esquerda» ou «direita» – conceitos limitados –,
mas sim entre políticas contrárias ou favoráveis à concorrência. Todos os
regimes iliberais são contrários à concorrência e, neste aspeto, o país mudou
pouco durante todo o século xx. É possível até argumentar que tem piorado
nesta matéria durante a democracia, devido aos condicionamentos culturais
de origem política. Os sucessivos governos, mesmo desde os anos 1990,
lutaram frequentemente contra a liberalização da economia (muitas vezes
confundindo, ou querendo confundir, privatizações com concorrência ou
liberalização propriamente dita).[972] É fundamental percebermos que
privatizar não implica liberalizar, de modo a compreendermos uma das
fontes fundamentais do nosso atraso contemporâneo.[973] Mesmo a chamada
«direita liberal» portuguesa mostra-se frequentemente equivocada nestas
matérias, confundindo, ou querendo confundir, a defesa dos mercados com
a defesa dos lucros de certas empresas ou grupos profissionais.
Os condicionamentos culturais existentes implicam que os políticos que
defendam um país diferente nestas matérias estão condenados a falhar. Um
exemplo que pode ser dado é o de Francisco Lucas Pires: um político que se
definia como sendo de direita num país em que isso era praticamente tabu e
que defendia ideias que a população não estava pronta para compreender ou
aceitar. Foi dos poucos que, em meio século de democracia, ambicionou um
país liberal no plano da política económica, enfatizando que defendia a
economia liberal «por causa dos trabalhadores».[974] Mas poucos
acreditaram e teve pouco sucesso político. O chamado «Grupo de Ofir»,
liderado por Lucas Pires, era constituído por liberais e foi pro-concorrência.
Mas o eleitorado dito «da direita» preferiu um caminho diferente em 1985,
levando ao fim da existência dessas opções políticas que não eram viáveis
para as carreiras dos políticos que as defendessem.[975] Não havia espaço
para a direita liberal em Portugal. Os condicionamentos que levaram a esse
estado das coisas foram culturais, mas tinham origem política. A natureza
da transição para a democracia, nos moldes em que aconteceu e no contexto
historicamente determinado de baixo capital humano do país, reforçou um
quadro que acabou por impedir «a direita» de ser menos corporativa. Lucas
Pires falhou porque tinha de falhar no contexto que existia, que é
aproximadamente o mesmo que ainda hoje existe.[976]
Por contraste, na Europa Central e de Leste a experiência em primeira
mão das ditaduras comunistas matou qualquer romantismo associado à mão
pesada do Estado. Isto é verdade não apenas para os países bálticos – onde
o sucesso da transição para uma economia de mercado foi quase absoluto –
mas também para os países com tendências infelizmente menos
democráticas como a Hungria e a Polónia, e em menor grau a República
Checa e até a Roménia.[977] Ainda que as revoluções que aí tenham existido
também tivessem tido um pendor nacionalista que nem sempre é bem
compreendido na Europa Ocidental, em nenhum destes países existem hoje
ilusões sobre o valor do comunismo ou da extrema-esquerda, cujos partidos
são inexistentes ou muito minoritários. Ao mesmo tempo, os partidos do
centro são, no que respeita ao papel a atribuir à intervenção do Estado e a
favor de uma economia de mercado, muito mais moderados do que
acontece em Portugal.[978]
As reformas que os países de leste têm feito estão ainda por fazer, em
grande medida, em Portugal. Não basta dizer, como já afirmei, que há
reformas necessárias. É preciso também compreendermos os motivos da
sua ausência. E é aqui que a designada «Maldição dos Recursos», devido
aos fundos europeus, se relaciona de uma forma muito perniciosa com os
condicionamentos culturais e políticos do Portugal contemporâneo. Os
fundos permitem a ilusão de que o modelo de desenvolvimento do país é
sustentável. No entanto, não é assim, já que o modelo é centrado em gastar,
na proteção de interesses corporativos, e não em produzir. Mas não há corda
ao pescoço para mudarmos de vida enquanto a torneira dos fundos europeus
continuar a jorrar.[979] O resultado de tudo isto tem sido um retorno negativo
destes fundos. Portugal tem-se estado a transformar numa economia
envelhecida e pouco competitiva, bem como numa democracia apenas
eleitoral, limitada, não liberal, com uma sociedade pouco dinâmica, fechada
à concorrência, aos mercados, e às reformas que pudessem gerar
crescimento económico.[980] Um país de onde muitos jovens saem, ou ficam
com uma taxa de fecundidade baixa, agravando a prazo a sustentabilidade
da Segurança Social (cada vez mais dependente de transferências diretas do
Orçamento do Estado), e a desigualdade intergeracional, assim como as
suas consequências políticas.[981]
A natureza revolucionária da transição que se seguiu ao golpe de Estado
de 1974 não ajudou. Esse golpe teve, pela mão dos seus protagonistas, uma
motivação inicial de natureza corporativista, relacionada com a defesa dos
seus interesses imediatos, relativos à sua progressão na carreira no contexto
da Guerra Colonial, que queriam que terminasse.[982] Mas a verdade é que o
golpe enfrentou pouca resistência e teve a adesão de altos quadros que
tinham estado associados ao regime, como é o caso de António de Spínola,
tendo também uma natural e saudável adesão do povo. O contraste com a
Espanha ajuda a compreender que o facto de ter sido, em última análise,
uma revolução que levou a um corte radical com o passado, em vez de uma
transição negociada, não ajudou depois a economia durante o período
democrático. No país vizinho, a transição democrática, a partir de 1975, foi
negociada – possivelmente, até porque viram os problemas económicos e
políticos que haviam surgido em resultado da revolução em Portugal. A
transição negociada em Espanha implicou que a direita democrática não
tivesse ficado manchada, pelo menos não com a intensidade e da mesma
forma que aconteceu em Portugal. No país vizinho não existiram nem
ocupações de terras, nem nacionalizações, nem fugas de capital – incluindo
o capital humano relativo a conhecimentos de gestão empresarial – nem se
gerou um ambiente hostil à iniciativa privada como aconteceu em Portugal.
Os resultados diferenciais para a produtividade da economia são fáceis de
observar na Figura 33.[983] Segundo estes dados, calculados por Luciano
Amaral, até 1974 a produtividade crescia em paralelo nos dois países, mas a
partir daí apareceu uma divergência que se manteve até ao presente.[984]
Utilizando uma metodologia alternativa, menos conservadora, outros
autores chegaram a conclusões parecidas relativamente à divergência desde
o 25 de Abril em relação à Espanha, mas argumentam mesmo que as
diferenças foram ainda maiores, e Portugal apenas terá regressado a uma
produtividade do trabalho idêntica à de 1973, só em 1990.[985] O que é certo
é que Portugal é hoje um dos países da Europa com a produtividade do
trabalho mais baixa, apresentando até uma perda de competitividade que
tem estado a acentuar-se.[986] Considerando a baixa produtividade do
trabalho, não é surpreendente que os salários em Portugal sejam dos mais
baixos da Europa.

Figura 33. PIB por hora de trabalho (produtividade)


em Espanha e Portugal.
Em Portugal, o facto de ter existido uma verdadeira revolução em 1974-
1975, com um corte radical com o passado (ainda que com pouco sangue
derramado), implicou uma transição mais violenta do que a que aconteceu
em Espanha. A revolução conduziu Portugal a um processo político que
empurrou o país para políticas irresponsáveis e estatistas, tendo o país
acelerado e acentuado o seu processo de radicalização durante o chamado
«verão quente» que se seguiu à intentona falhada em 11 de março de 1975.
No fim desse verão, como escreveu António Barreto, para o Movimento das
Forças Armadas «só o coletivismo era agora encarado como solução,
enquanto os inimigos eram cada vez mais numerosos».[987] De todo este
contexto resultou a aceleração da reforma agrária, que incidiu na zona do
país mais direcionada para o mercado (grandes explorações do Alentejo e
Ribatejo), as nacionalizações da banca e dos principais setores da economia
(incluindo até fábricas de cerveja), bem como os discursos políticos
inflamados e de teor socializante – adotados, de resto, pelo menos
parcialmente, por todos os partidos principais. Se o espírito de 1974 tinha
sido o de penalizar o subaproveitamento e o abandono, na realidade os
ocupantes de 1975 preferiram as maiores herdades e as empresas mais
modernas e produtivas. Quase todas as grandes empresas seriam ocupadas.
[988]

É significativa a maneira como em Portugal os partidos escolheram


nomes que não correspondem, de forma natural, às famílias políticas dos
seus congéneres europeus, sendo exemplos disso o PPD/PSD ou o CDS,
com este último a assumir-se à época como «centrista», e com vários líderes
e ex-líderes do primeiro a reafirmarem, desde então, não ser esse um
partido de direita, uma situação sem par a nível europeu.[989] O preâmbulo
da Constituição de 1976 – ainda supostamente em vigor – menciona
explicitamente o derrube do regime anterior que é apelidado de fascista, e
promete abrir o caminho para uma sociedade socialista. Representava o fim,
ou mesmo a ilegalização da direita – até da democrática, inocente e crítica
dos crimes do regime anterior. Mas muitos dos protagonistas do novo
regime, mesmo depois das eleições de 25 de abril de 1975, que mostraram
que o país não queria ser comunista, ou do contragolpe das forças
moderadas (25 de Novembro), acharam por bem sujar a direita o mais
possível.[990] Por isso, associaram-na à ditadura, inclusivamente quando se
tratava da direita democrática que rejeitava o regime anterior. Não mais
deixaram de o fazer desde então. A ditadura, diabolizada e
descontextualizada, chamada de fascista e acusada de ter atrasado o país,
tem sido recorrentemente colada à direita democrática, vista como
indiferente ao sofrimento do povo e ao desenvolvimento do país. Nenhuma
destas acusações, cujo grande sucesso retórico é fácil de reconhecer, é
inocente, visando criar uma memória coletiva que, culpando o passado,
desresponsabiliza os presentes e assim contribuiu para o atraso. O próprio
facto das forças comunistas ou de extrema-esquerda nunca terem tomado o
poder, apesar das nacionalizações e da reforma agrária, não demonstrou de
forma cabal as suas verdadeiras intenções políticas. Se isso tivesse
acontecido por algum tempo, ainda que à custa de muito mais sangue
derramado, a cultura e memória política do país teria certamente evoluído
de forma diferente.[991]
O desprestígio do regime anterior é um grande triunfo para a sinalização
de virtude da elite governativa atual que, apelando às emoções, adora
assustar o povo com o fantasma de Salazar. O facto de este não ter tocado
nas contas públicas, nem ter sido responsável por um número notável de
assassinatos políticos, nem ter criado um forte culto de personalidade à sua
volta – com um grande número de estátuas, a sua cara nas notas bancárias, e
por aí em diante, como aconteceu com outros ditadores –, tornou ainda mais
necessário o ênfase na sua suposta grande responsabilidade para o nosso
atraso, assim como a insistência na ideia de que o regime era fascista. Isso
era útil. Mário Soares dera o subtítulo Depoimento sobre os anos do
fascismo ao seu livro Portugal Amordaçado, e, como já notei, quando a
Aliança Democrática ganhou as eleições de 1979, Soares avisou sobre a
ameaça ao regresso do fascismo.[992] Ainda hoje vários políticos continuam
a fazer o mesmo.[993]
Em 1976, os antigos membros e colaboradores da polícia política do
Estado Novo começaram a ser julgados nos Tribunais Militares, tendo
existido 2667 processos relativos a pessoal dirigente, técnico e a
colaboradores. Cerca de 68% foram condenados a penas de prisão. Como
escreve Filipa Raimundo: «A par com os processos de saneamento e a
restrição de direitos políticos, estes julgamentos colocaram Portugal entre
os países que mais ajustaram contas com o passado internamente». Apesar
disto, 95% dos ex-membros da oposição e resistência ao Estado Novo
continuam a insistir que «não foi feita justiça», descendo essa percentagem
para 65% entre a população em geral.[994]
O controlo da memória coletiva é uma estratégia de legitimação de
várias forças políticas atuais, que se definem pela oposição ao regime
anterior e sua rejeição – talvez até para ocultar a sua ausência de ideias
concretas para o país. Essa estratégia não tem abrandado em décadas
recentes, até tendo aumentado de intensidade no século xxi. As dificuldades
económicas sentidas neste século podem não estar alheias a essa estratégia
de mobilização, e mesmo manipulação, da opinião pública – se assim for,
veremos então que essa estratégia irá continuar por bastante mais tempo.
Vários partidos e movimentos políticos, principalmente à esquerda, utilizam
o antifascismo militante como estratégia eleitoral, mostrando desagrado
quando outras forças políticas também celebram o 25 de Abril, pois
cultivam uma «imagem de marca» segundo a qual a vitória da democracia
lhes pertence.[995] O desprestígio do regime anterior tem assim, como
consequência, serem valorizadas todas as forças políticas que contra ele
lutaram, mesmo aquelas que defenderam e defendem ideias e regimes
políticos altamente repressivos.[996] O caso porventura mais notório é o do
PCP, partido claramente antidemocrático e que nem sequer queria eleições
depois do 25 de Abril.[997] Apesar de se manter ortodoxo (ou seja, fiel à
União Soviética) ao contrário de outros partidos comunistas europeus, o
PCP sobreviveu mais tempo com um eleitorado fiel, ainda que cada vez
mais envelhecido, sempre mitificando o 25 de Abril – como, de resto,
também fazem o resto da esquerda e da extrema-esquerda. Christopher
Hitchens, que visitou Portugal em 1974, observou que por detrás da «festa
dos oprimidos» existia uma máquina comunista.[998] E ainda hoje, em pleno
século xxi, a diretora do Museu do Aljube é uma ex-deputada comunista
sem qualquer formação na área, e que até já afirmou desconhecer os
Gulags.[999] Uma cruel ironia num museu que tem o título de Resistência e
Liberdade, e em clara contradição com a resolução de 2019 do Parlamento
Europeu, que coloca em pé de igualdade os crimes do comunismo e os do
nazismo.[1000] Nestas matérias, Portugal comporta-se como o terceiro mundo
da Europa. Mas tudo isto resulta do complexo contexto da História política
do país no século xx.
Como já mencionei, o período da década imediatamente a seguir ao 25
de Abril correspondeu a uma divergência económica com a Europa
Ocidental.[1001] Isto não é surpreendente. Como referi, a atmosfera
revolucionária – marcada por ocupações de terras, nacionalizações, fugas de
capital, e subidas de salários sem correspondentes subidas de produtividade
–, não foi conducente ao crescimento económico. Uma das principais
figuras do 25 de Abril e dos anos seguintes, Otelo Saraiva de Carvalho,
continuou envolvido em atividades terroristas de extrema-esquerda durante
os anos 1980, pelas quais acabaria por ser preso, sendo finalmente
amnistiado por motivos políticos.[1002] Mesmo em meados dos anos 1990,
considerava-se que condenar um operacional tão importante para o 25 de
Abril podia ser visto como uma condenação da Democracia. Como nota
Nuno Gonçalo Poças, a sociedade fez por esquecer os sete anos de
terrorismo violento das FP-25. Ao contrário do que aconteceu em Espanha
com a ETA, nunca houve manifestações, a criação de associações de
representação das vítimas e dos seus familiares, ou mesmo uma
mobilização nacional de repúdio ao terrorismo.[1003] Pelo contrário, políticos
como Maria de Lourdes Pintasilgo, que tinha sido Primeira-Ministra e era
candidata às eleições presidenciais de 1986, repetiam a tese, absurda, dos
acusados, de que eram presos políticos: «Portugal entrou no rol de países
que violam os direitos humanos».[1004] Mais de uma década depois da
Revolução, Portugal não tinha ainda perdido a comoção revolucionária. E
num certo sentido, nunca a perdeu.
Do ponto de vista económico, o 25 de Novembro apenas travou,
largamente, um processo perigoso que estava em andamento. Travou, mas
não o reverteu. Foi também por isso necessária a intervenção de emergência
do FMI em 1977 e 1983, como já referi. A própria democracia demorou
tempo a consolidar-se.[1005] Em finais dos anos 1970, António Barreto,
ministro da Agricultura entre 76 e 78, já tinha acabado com a reforma
agrária – as expropriações e ocupações de terras, especialmente no
Alentejo, pelas chamadas Unidades Coletivas de Produção e pelo PCP. Mas
muitas das políticas económicas do Processo Revolucionário em Curso
(PREC), na verdade, ainda continuavam em vigor em meados dos anos
1980. Tudo viria a mudar gradualmente, em especial a partir da adesão, em
1986, de Portugal à CEE. As políticas seguidas por Luís Mira Amaral,
ministro da Indústria e da Energia dos governos de Aníbal António Cavaco
Silva, a partir de 1987, conduziram a uma certa normalização do país a
nível económico, pelo menos temporariamente.[1006] Muitas empresas
públicas (nacionalizadas nos anos anteriores) seriam outra vez privatizadas,
e o Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa
(PEDIP), atribuído a Portugal no contexto da adesão à CEE, ajudou à
modernização e aumento de competitividade da indústria portuguesa –
tendo até mais tarde influenciado a UE quando se desenvolveu, a partir de
1991, o processo de transição nos países do Centro e Leste da Europa.[1007]
Esse programa tinha uma componente relativa a infraestruturas desenhada
por Bruxelas, mas também previa variadas ações no domínio da
produtividade e qualidade industrial.[1008] Mais tarde, a Comissão Europeia
acabou mesmo por reconhecer o PEDIP, e designadamente o Programa de
Engenharia Financeira do PEDIP, como referências adequadas para o
processo de transição dos países do Centro e Leste europeu para economias
de mercado e para a integração na então CEE. Ou seja, Portugal mostrava o
caminho, porque também tinha tido uma transição de regresso a uma
economia de mercado, ainda que menos drástica do que o caminho que os
países do outro lado da antiga Cortina de Ferro precisavam então de
percorrer.[1009]
Nessa época foram terminadas em Portugal algumas políticas
económicas nocivas que ainda sobreviviam desde o Processo
Revolucionário em Curso – como, aliás, é notório pela divergência da
economia portuguesa, em relação à Europa, durante a década de 1975-1985.
Foi então possível reverter alguns dos bloqueios da economia portuguesa.
Um exemplo particularmente elucidativo é o que aconteceu num setor
estratégico como a energia. Na segunda metade dos anos 1980, várias
Câmaras Municipais do país recusavam-se a aplicar o tarifário nacional dos
preços da eletricidade para os consumidores, praticando antes preços de
eletricidade muito abaixo dos valores nacionais que eram aplicados, pelo
menos, desde o PREC. Era preciso acabar com essa situação e a primeira
câmara a ser dada como exemplo foi a Câmara Municipal do Porto, que era
do partido do governo.[1010] Os Serviços Municipalizados de Gás e
Eletricidade atualizaram o tarifário, passando a pagar os valores em vigor
para o continente, tendo-se depois, mais tarde, regularizado a situação
nesses serviços. Noutros casos, como a Câmara Municipal de Valongo, que
era do PS, foi mesmo cortada a luz, obrigando a uma rápida resolução. Com
tudo isto, o elevado passivo que a EDP tinha, por via de os consumidores
não pagarem eletricidade – ou pagarem-na bem abaixo dos valores do
tarifário praticado no continente –, começou a reduzir-se. Isto contribuiu
para a recuperação económico-financeira da EDP, o que permitiu depois
significativas reduções dos preços da eletricidade para empresas e famílias.
Sentindo a mudança dos tempos, os próprios hospitais e outros organismos
públicos passaram a pagar os preços nacionais por sua iniciativa. Estas
reformas ajudaram Portugal a regressar a uma economia de mercado, o que
se refletiu no crescimento da economia entre meados dos anos 1980 e o
final da década seguinte.[1011] Ou seja, a convergência da economia nessa
época não foi apenas devida à maior integração com a Europa durante o
período 1985-2000.
Mas é também de notar que, relativamente às privatizações, muitas
coisas não viriam a correr bem. Em muitos casos, substituíram-se, na
prática, monopólios públicos por monopólios ou oligopólios privados, o que
levou a preços altos em setores como a energia, as telecomunicações, e os
serviços bancários.[1012] Deu-se a captura ou controlo político indireto das
entidades regulatórias, mantendo-se assim a falta de concorrência.[1013] A
Autoridade da Concorrência tem sido partidarizada, com a distribuição de
quotas na administração por pessoas próximas dos partidos políticos, sendo
que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão não se tem
mostrado eficiente.[1014] A justiça tem um problema tanto conjuntural –
estando congestionada, com uma dilação processual excessiva, e sem a
celeridade adequada às necessidades económicas e sociais – como
estrutural, existindo uma cultura jurídica e judiciária afastada da realidade
do século xxi.[1015] Num contexto em que as agências regulatórias são
capturadas ou têm a sua independência comprometida, mais valia existir o
modelo anterior das Direções Gerais. Esse não só ficava mais barato, como
também era mais transparente, já que a responsabilidade política do que
corresse mal ficaria mais clara; de outra forma os governos lavam as mãos
facilmente.
A insistência nos «centros de decisão nacional» – sujeitos a influência
política – também nunca foi boa, sendo até possível argumentar que, na
prática, tudo não passou de uma política moderna de condicionamento
industrial.[1016] Como já referi atrás, Portugal nunca foi um país liberal, o
deveria significar, em termos económicos, a defesa da livre concorrência
que beneficia os consumidores – e não a proteção de lucros de monopólios
ou de rendas de ordens profissionais. É portanto mais correto, na minha
ótica, descrever o país que existe nas últimas décadas como tendo um
ambiente contrário à livre concorrência do que como apenas um país com
um viés ideológico ou mentalidade «de esquerda».[1017] Mas o essencial é
entender que são baixos os níveis de concorrência nos mercados de bens e
serviços, e mesmo «à direita», confunde-se frequentemente a defesa do
mercado ou do «setor privado» com a defesa dos lucros, muitas vezes de
natureza monopolista, conseguidos à conta da proximidade ao poder
político, como referi.[1018] Existem estudos empíricos detalhados que
mostram que a economia portuguesa tem um nível de competitividade
baixa, das mais baixas da UE, sem que se note uma tendência de evolução
nas últimas décadas.[1019] Nesta matéria, existe mais continuidade entre a
democracia atual e os regimes anteriores do que possa parecer. Por
contraste, devido à contingência histórica de terem vivido o comunismo, os
países da Europa do Leste – pelo menos os que ficaram na órbita da UE –
acabaram por apostar numa economia de mercado (embora mista) de uma
forma mais completa e equilibrada que Portugal.[1020] E isso ajuda a explicar
o facto de hoje nos estarem a ultrapassar.
O partir do início do século xxi, Portugal estagnou. As ineficiências e
desorganização da década seguinte ao 25 de Abril estavam resolvidas, mas
o modelo de desenvolvimento industrial português esgotou-se, gerando
grandes desequilíbrios externos, com a concorrência de economias em
ascensão, como a Europa do Leste e a China (que entrou na Organização
Mundial do Comércio em finais de 1999) a sentir-se cada vez mais. A
Maldição dos Recursos apareceu, começando a ter os fundos europeus um
efeito líquido negativo para o país, tanto em termos económicos como
institucionais. Mais de duas décadas depois, nos nossos dias, Portugal já é
dos países mais pobres da UE, tendo sido ultrapassado por quase todos os
países da Europa do Leste que eram muito mais pobres nos anos 90 do
século xx.

Um país bloqueado, mas em negação

Portugal é hoje um país bloqueado, mas em negação. Metade do


eleitorado abstém-se, com a oposição ao partido político dominante do
regime a não encontrar grande adesão popular, apesar dos graves problemas
evidentes.[1021] Os dois principais partidos da democracia tornaram-se
parecidos, estando ambos enredados em compromissos de caciques e
clientelas, ainda que o partido dominante tenha mais para distribuir.
Apostam no adiamento das consequências das más políticas públicas e na
compra de votos com facilitismos. O método D’Hondt, utilizado para
converter votos em mandatos, combinado com a não existência de um
círculo de compensação, tende a favorecer os partidos maiores, e a adiar um
debate sério sobre as reformas necessárias. Entretanto, os políticos com
poder frequentemente dizem uma coisa a nível interno e outra nas instâncias
europeias, o que sugere estarem mais conscientes dos problemas do que a
sua ação política interna aparenta.[1022] Ao tentarem cumprir pelo menos
parte das suas promessas demagógicas, sem fazerem reformas profundas, o
resultado é o aumento dos impostos e a caça a mais fundos europeus,
recomeçando um círculo vicioso.
O que explica a ausência de políticas reformistas é a falta de procura do
eleitorado por movimentos políticos que as defendam. Isto acontece porque
o dinheiro que entra vai servindo como aspirina rápida em resposta à
doença da economia, impedindo que as consequências das más decisões
políticas sejam sentidas na sua plenitude. Ou seja, os fundos europeus que,
em teoria, têm apenas um objetivo de natureza económica – nomeadamente
a convergência entre as várias regiões do continente – na verdade, estão a
ter efeitos políticos, colaterais e não necessariamente desejados. Estes
efeitos não são reconhecidos a nível europeu, mas ainda assim são reais:
ajudam quem está no poder a perpetuar-se, beneficiando o status quo. Os
fundos não estão a desenvolver o país: estão a atrasá-lo. O seu fim levaria a
uma crise e a uma reflexão profunda, que é necessária, mas que tem sido
adiada. Portugal é um país anestesiado pelas ajudas europeias, vistas
repetidamente como a salvação do país, e relativamente às quais as queixas
constantes que ouvimos se prendem meramente com a falta de execução.
Numa democracia, é através das urnas que a população expurga os políticos
incompetentes (ou mesmo, nalguns casos, corruptos). Mas para isto
acontecer, é necessário que o povo sinta no bolso as consequências da má
governação, para que queira mudar. As ajudas europeias são uma aspirina
ou um penso rápido que esconde os sintomas e amortece esse mecanismo
da democracia – e que, além deste canal político, também distorcem a
economia de outras formas, como acontece, por exemplo, no que toca à
subida dos preços do setor não transacionável da economia, relativamente
aos bens potencialmente competitivos no mercado externo. Um país
antiliberal sem recursos europeus (portanto, onde os eleitores pagariam os
verdadeiros custos das más escolhas políticas), ou um país mais liberalizado
com recursos europeus (ou seja, onde existiria mais pluralismo de
pensamento político) produziriam uma dinâmica distinta. Mas um país
profundamente antiliberal com recursos europeus, que é o que existe,
perpetua as elites extrativas e continua a alimentar o Capitalismo de Estado
que estagna Portugal.[1023]
O atraso do país nos nossos dias tem, portanto, causas que são tanto
internas como externas. Os políticos do presente gostam em particular de
atribuir as causas do atraso a fatores de ordem imutável – como o tamanho
ou a localização geográfica do país – ou então a fatores históricos que sejam
da responsabilidade de governos ou regimes anteriores, como o Estado
Novo.[1024] Isto é-lhes conveniente, pois dá um peso determinístico e
inevitável ao atraso e, como tal, iliba-os de responsabilidades. Este livro
mostra que há efetivamente razões de ordem histórica para o atraso. Mas
não subscrevo a tese de que o atraso é hoje inevitável e sem
responsabilidades dos políticos atuais. Pelo contrário: são as más
instituições políticas do presente e a ausência de reformas das mesmas,
ainda que em parte devido a condicionamentos históricos e culturais, o
mecanismo que mantém o atraso como está (e vai continuar). A nossa
História ajuda a compreender as escolhas do presente. Por exemplo, o muito
baixo nível de literacia financeira da população – estamos no fim da lista a
nível europeu – ajuda a explicar não só a baixa produtividade do trabalho,
mas também a passividade do povo relativamente às péssimas escolhas de
políticas públicas frequentemente feitas pelo Estado, ou antes, pelos
políticos que agem em nome do Estado.[1025] Um exemplo – que a seu
tempo pouco importará, mas que aqui dou, apenas a título ilustrativo – foi o
«investimento» de mais de três mil milhões de euros na TAP durante os
anos da pandemia COVID-19 e seguintes.[1026] As políticas públicas em
Portugal são sistematicamente erradas e quase nunca se responsabiliza, ou
sequer se avalia, o desempenho dos atores que nelas intervieram. Os
exemplos dos maus investimentos públicos, sem grande retorno – a não ser
para os administradores e os seus associados na forma de salários generosos
– são inúmeros: basta pensar nos estádios de futebol quase abandonados ou
no aeroporto de Beja. Mas os investimentos em capital físico continuam a
dominar, ficando o capital humano para trás. Não se aprendeu nada com o
«fontismo» do século xix. É de resto a própria União Europeia a admitir
que a qualidade rodoviária em Portugal é hoje melhor que a média europeia,
e comparável à da Alemanha ou França.[1027] Sendo, aliás, esse investimento
também um exemplo de escolhas políticas fiscalmente regressivas, por
contraste com o que aconteceria se o investimento tivesse sido na ferrovia, à
qual falta qualidade.[1028]
Como é evidente para quem tenha lido este livro, considero que a
questão das infraestruturas é secundária. Mais relevante é a existência de
um ambiente de concorrência justa e livre, a qualidade do sistema
educativo, os incentivos à produção científica, e a avaliação das políticas
públicas. Estas devem ter qualidade, mas na realidade não acompanham os
níveis de investimento e qualidade da infraestrutura física em Portugal. A
população, envelhecida, pobre, e com níveis baixos de educação, tem
preferência pela despesa pública que a beneficie de imediato, considerando
secundários os investimentos relativos à «economia do conhecimento»,
cujos retornos iriam ser principalmente usufruídos no futuro.[1029] Também
por isto, não surpreende que os governos vivam apenas para a gestão de
curto prazo. Nada disto tem de ser assim, mas também não é possível dizer
que as responsabilidades do atraso do país são hoje apenas internas:
perversamente, as políticas europeias, relativamente aos fundos
comunitários, ainda que possam ser bem-intencionadas, têm tido o efeito
contrário ao desejado: aprofundam o nosso atraso. Mas para a UE, o nosso
país tem reduzida importância, e não existe uma noção clara do problema,
que continua a ser adiado.
Portugal está a falhar – como economia e como democracia. Sendo um
historiador económico, estou mais habituado a analisar o passado do que a
prever o futuro, atividade sempre arriscada. Qualquer previsão honesta tem
de incluir probabilidades condicionais. Ou seja, a questão de saber qual dos
muitos futuros possíveis se materializará depende de vários fatores, uns
mais previsíveis do que outros, e grande parte deles exteriores à economia e
sociedade portuguesas. O que posso dizer é que, se as atuais tendências
continuarem – e tudo indica que assim será –, dentro uma década, Portugal
poderá ser o país mais pobre da União Europeia. Será a cauda da Europa em
todos os sentidos: um país envelhecido, com poucas oportunidades para os
jovens e os pobres, mesmo os mais trabalhadores e talentosos. Será o país
do compadrio, dos conflitos de interesses nas nomeações, das portas
giratórias entre regulados e reguladores, dos impostos altos, mas com má
oferta de serviços públicos, das péssimas políticas públicas sem avaliação
de desempenho, mas com opiniões avulsas de comentadores que não têm
visão nem independência. Portugal terá um Estado (ainda mais) capturado e
será um país de baixa mobilidade social, sem qualquer justiça
intergeracional. O Estado será financiado por uma minoria, com um setor
privado da economia fraco, e onde as poucas empresas de dimensão média
ou grande estarão altamente dependentes de negócios com o Estado e, como
tal, da proximidade ao poder político. Um país desigual, sem quadros
médios, e mal-adaptado à mudança tecnológica. Será talvez um país
excessivamente dedicado ao turismo, uma atividade de baixo valor
acrescentado e caracterizado por salários baixos, pouco diferenciados.
Olhar para Portugal como um caso perdido não é uma visão distópica do
futuro. Tudo indica que é este o destino que nos espera. Outro caminho
parece improvável, mas o pior não é uma inevitabilidade. Convém não
esquecer que nem sempre tudo correu mal na nossa História. Durante a
segunda metade do século xx, como expliquei neste livro, o país teve duas
fases de rápida convergência relativamente à Europa Ocidental, a segunda
das quais já em democracia. Isso pode voltar a acontecer. Tudo depende das
escolhas que fizermos e das que forem feitas por nós. Portugal tem de se
tornar um país adulto e independente, porque viver à conta do exterior,
como se faz há décadas, não é um modelo de desenvolvimento viável.
Como é evidente, dificilmente os políticos vão reconhecer o problema,
preferindo afirmar que os problemas são culpa «dos outros» – sejam esses
os seus opositores políticos presentes, ou os regimes passados – e que,
quando é (ou for) o lado «deles» a mandar, tudo é (ou será) diferente. Isto é,
na melhor das hipóteses, um equívoco. Era inevitável que a chegada de
fundos desta dimensão ao país criasse problemas da natureza que descrevi.
As transferências de fundos também poderão prejudicar os países
comunitários da Europa do Leste, mas, por enquanto, esses países
receberam menos dinheiro – e valor total e por menos tempo – do que
Portugal. Além disso, como já referi, a sua experiência histórica com o
estatismo que dominava nesses países antes da sua transição nos anos 1990
também os tem ajudado a matar certas ilusões que persistem no nosso país.
Portugal não tem capital humano, nem instituições suficientemente fortes,
para que seja possível uma aplicação eficiente dos fundos europeus. Por
isso mesmo, o melhor é terminarem.[1030]
Não é surpreendente o que está a acontecer a Portugal. A falta de
reformas estruturais leva à perpetuação de elites endogâmicas, não só
políticas, mas também empresariais. As elites académicas e intelectuais, que
teriam a obrigação de fazer um diagnóstico isento e lançar o alerta sobre o
que está a acontecer ao país, confundem-se na prática com os anteriores
grupos, num caldo de conflitos de interesse e de ideologia disfarçada de
ciência. Não existe um debate intelectual sério sobre o atraso estrutural do
país nem sobre a sua atual divergência. São já 4,4 milhões de portugueses –
quase metade da população – que estão no limiar da pobreza (560€/mês), ou
abaixo desse limiar.[1031] Até os jornais já falam disso abertamente, ainda
que ignorem a verdadeira fonte dos problemas. É notório como Portugal
tem caído bastante em vários indicadores internacionais comparados e
relativos à qualidade das instituições políticas. No relatório World
Governance Indicators, do Banco Mundial, na categoria «eficiência
governativa», o país caiu sistematicamente entre 1996 e 2007, depois
recuperou parcialmente, chegando a um máximo em 2017, mas, entretanto,
tem voltado a cair. Já na «qualidade da regulação» e no «controlo da
corrupção», o país tem vindo a cair continuamente deste 1996.[1032]
Neste livro, expliquei que o baixo crescimento da produtividade da
economia, assim como o consequente atraso português, se explicam por
causas fundamentais, que por sua vez se dividem em causas históricas –
logo, profundas, o que não implica serem imutáveis – e em causas
contemporâneas, que se relacionam com as anteriores. Não é possível
compreender a natureza extrativa e endogâmica da sociedade portuguesa
contemporânea sem considerar a relação entre essas forças. As teses deste
livro podem, portanto, ser sumarizadas – de forma algo simplista, como é
evidente, mas ainda assim esquemática e, como tal, útil – na Figura 34.

Figura 34. Resumo das causas fundamentais, intermédias, mecanismos, e


consequências, que explicam o atraso do país.

[880] Estes mitos, apesar de serem tão falsos como outros veiculados desde épocas remotas,
como é o caso das Cortes de Lamego, tendem a perpetuar-se e influenciam negativamente a ação dos
povos, acabando por ser uma causa de atraso.

[881] E, sem dúvida, alguns também beneficiam da situação atual, que não querem que mude,
apesar de prejudicar a maioria, e em particular os mais pobres, os mais jovens, e as gerações futuras.

[882] Assim o fez, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa em junho de 2023. Veja-se JORNAL
DE NOTÍCIAS (2023b).

[883] Portugal é considerado uma democracia limitada e com falhas em relatórios e bases de
dados internacionais. A revista The Economist considera que Portugal não é uma democracia plena, e
a última versão da base de dados «Varieties of Democracy», da Universidade Gotemburgo, considera
mesmo que Portugal é o único país da Europa Ocidental que não é uma democracia liberal, mas
apenas uma democracia eleitoral. Veja-se ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT (2022), e V-DEM
(v. 13). Por contraste, a União Europeia insiste numa visão demasiado otimista sobre os problemas da
democracia e da justiça em Portugal, apontando problemas apenas em países com a Hungria ou a
Polónia. Veja-se COMISSÃO EUROPEIA (2023).

[884] Ainda que isto possa não ser verdade para toda a população, nomeadamente para os jovens.

[885] Consultar a Figura 28 do capítulo anterior. Também é notória a queda do consumo de


muitos alimentos pela Tabela 5 do capítulo anterior, comparando os números de 1977 com os de
1974. Essa queda poderá ter sido ainda maior do que a Tabela indica, pois, como notei anteriormente,
para o ano de 1977 a fonte original não indica de forma clara se se está a contabilizar o peso da parte
não comestível dos alimentos (por exemplo, a casca do arroz). Como tal, o consumo nesse ano, para
os alimentos que têm osso ou casca, poderá ter sido até mais baixo.

[886] AMARAL (2019).

[887] Sobre este período e em particular a reforma agrária, o livro incontornável é BARRETO
(2017).

[888] AMARAL et al. (2020).

[889] Isto que não era possível fazer para o período anterior a meados dos anos 1980, devido à
falta de dados para países da Europa do Leste.

[890] A fonte é a base de dados Maddison Project. Veja-se BOLT e VAN ZANDEN (2020).
Agradeço a Jutta Bolt ter-me enviado uma versão mais atualizada que inclui os dados até 2021. Os
resultados de 2022 ainda não estavam disponíveis no momento da escrita deste livro.

[891] ALEXANDRE et al. (2017).

[892] Agradeço a Pedro Magalhães, que leu uma versão preliminar deste capítulo, a sugestão de
que este ponto merecia ser enfatizado.

[893] Assim como a negação da utilidade de olhar para o comportamento do PIB ou mesmo dos
números em geral, como se estes não fossem relevantes (quando contextualizados) para
compreendermos que políticas públicas é que podem melhorar o bem-estar das pessoas.

[894] WORLD INEQUALITY DATABASE (s.d.). Consultada em 17 de agosto de 2023.

[895] CARNEIRO (2008).

[896] CAUSA e JOHANSSON (2010), nomeadamente as pp. 10, 25.

[897] Para além do Estado Social propriamente dito, pode ser dado também o exemplo da justiça
administrativa e fiscal, que é incapaz de tomar decisões em tempo útil, nomeadamente nas questões
da criminalidade económico-financeira, mas continua sem as reformas necessárias.
[898] Estes dois fatores também se ligam porque os baixos níveis de capital humano da
população contribuem para a sua aceitação, ou pelo menos para a indiferença, relativamente à
expressão «à justiça o que é da justiça», frequentemente usada para proteger casos em que a lentidão
e ineficiência dos tribunais facilita a corrupção, o tráfico de influências, e o branqueamento de
capitais. Como deveria ser evidente, a separação dos poderes diz respeito a casos concretos, mas não
à eficiência judicial no seu todo, que é, e apenas pode ser, uma responsabilidade política. Veja-se
GAROUPA (2011). Sobre o facto da justiça portuguesa ser das mais lentas e ineficientes da Europa,
veja-se EUROPEAN COMMISSION (2023), ficando a ressalva de em geral não existirem dados que
comparam exatamente tribunais administrativos e fiscais porque muitos países não têm este tipo de
tribunais.

[899] Darei alguns exemplos neste capítulo. Sobre esta matéria vale também a pena consultar
ALEXANDRE et al. (2016).

[900] Para ser mais rigoroso, nem sempre todos os países da Europa aparecem nestes estudos,
mas entre os países que aparecem Portugal fica colocado sistematicamente em último lugar. ECO
(2022); OCDE (2023).

[901] Ainda assim, não posso deixar de notar que no caso da Irlanda – e do Luxemburgo assim
como dos Países Baixos, sendo estes países claramente não periféricos –, o bom comportamento da
sua economia se deve, pelo menos em parte, a políticas fiscais a que a União Europeia deveria prestar
mais atenção, porque se implementadas por todos os Estados-Membros levariam a resultados que
seriam piores para todos. Também Portugal apostou, ainda que de forma diferente, numa política
semelhante, mas com uma incidência diferente: os «vistos gold». Todas estas políticas são pouco
sustentáveis para a UE considerada no seu todo, mas não me alargo aqui sobre esta matéria pois sai
ligeiramente do âmbito do presente livro.

[902] NOVO (2023).

[903] MATEUS (2013), p. 512. As contas exatas são mais difíceis de fazer do que possa parecer,
porque é preciso apurar os valores exatos das transferências anuais e dividir esses valores nominais
de todos os anos pelo PIB nominal de cada ano. Este último, por exemplo, correspondeu a cerca de
240 mil milhões em 2022. Veja-se BANCO DE PORTUGAL (2023). Como é evidente, é algo
arbitrário comparar valores relativos a um programa plurianual com o PIB de um ano, em média, mas
esta é uma medida simples e convencional, embora uma interpretação mais rigorosa implique
apresentar resultado em unidades de tempo (anos ou meses de PIB), e não em percentagens «médias»
do PIB anual.

[904] JORNAL DE NEGÓCIOS (2023b).

[905] Ou seja em termos totais, em euros, sem ter em conta o tamanho da população do país.
Portugal foi o terceiro país que mais recebeu financiamento estrutural da UE em termos absolutos
(valores nominais, em euros) entre 1989 e 1999, e o quarto que mais recebeu entre 2000 e 2006. Para
os valores comparados do financiamento estrutural médio em percentagem do PIB, e em milhões de
euros, veja-se MATEUS (2013), p. 512.

[906] LIARGOVAS et al. (2015), p. 10; MATEUS (2013), p. 512.


[907] Ana Carla Almeida ficou conhecida pela interferência do Governo contra a sua nomeação
para a Procuradoria Europeia quando já se sabia que viria o PRR. Inicialmente, foi anunciado que
viriam 50 mil milhões, entre os quais cerca de 16,6 mil milhões correspondiam ao PRR. No entanto,
o PRR já foi reprogramado para mais de 22,2 mil milhões, incluindo 5,9 mil milhões em
empréstimos. Veja-se OBSERVADOR (2022b), ECO (2023a).

[908] Para o cálculo dos 3% relativos ao PRR, usei o PIB nominal de 2022 como ano de base. A
percentagem poderá ser superior se o PRR for outra vez reprogramado ou se a evolução do PIB for
negativa, especialmente num contexto de inflação que poderá voltar a ser baixa. Se os atrasos
implicarem que grande parte da execução fica concentrada nos anos finais do PRR, poderá haver
anos com percentagens totais claramente superiores a 4%, ou mesmo 5%, do PIB.

[909] Apesar da retórica vazia das reformas, em sentido contrário.

[910] EUROPEAN COMMISSION (2021), pp. 270-271.

[911] EUROPEAN COMMISSION (2021), pp. 294-295.

[912] Noto que, segundo o Artigo 147.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,
«A fim de promover um desenvolvimento harmonioso do conjunto da União, esta desenvolverá e
prosseguirá a sua ação no sentido de reforçar a sua coesão económica, social e territorial (…) a União
procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das
regiões menos favorecidas (…) é consagrada especial atenção às zonas rurais, às zonas afetadas pela
transição industrial e às regiões com limitações naturais ou demográficas graves e permanentes, tais
como as regiões mais setentrionais com densidade populacional muito baixa e as regiões insulares,
transfronteiriças e de montanha.». Veja-se UNIÃO EUROPEIA (2016).

[913] Desde 1981 que a Grécia beneficia de ajudas da Europa, e há décadas que estas constituem
2,4 a 3,3% do PIB anual desse país. Os resultados, tal como no caso de Portugal, não têm sido
positivos. Mas Portugal recebeu ainda mais dinheiro do que a Grécia. Veja-se LIARGOVAS et al.
(2015), pp. 5-10. Sobre as consequências políticas negativas dos fundos para a Grécia, veja-se
HILIARAS & PETROPOULOS (2016).

[914] KEDROSKY e PALMA (2024).

[915] Ver, por exemplo, PALMA (2020c), PALMA (2021a), ou ainda PALMA (2022b).

[916] Tudo isto enquanto investimentos fundamentais que requerem planeamento de longo prazo
são adiados, mesmo quando se trata de infraestruturas físicas, como por exemplo o novo aeroporto de
Lisboa.

[917] A UE tem tido efeitos positivos a outros níveis nas instituições. Exemplos: o fim do sigilo
fiscal e bancário, que permite a investigação criminal e o combate ao branqueamento de capitais,
como não havia nos anos 1990 (tornou possível a Operação Marquês); ou a supervisão dos grandes
bancos pelo BCE (posterior ao BES).

[918] Sobre estas matérias e outras relacionadas, veja-se GRATTON et al. (2021).
[919] OCDE (s.d.).

[920] Apesar de alguns movimentos novos que surgiram nos últimos anos, sobretudo na esfera do
setor público.

[921] Sobre estas matérias, e em particular sobre a perspetiva das reformas na legislação laboral
portuguesa que poderiam ser benéficas para o emprego, veja-se HIJZEN e MARTINS (2020);
MARTINS (2021b); MARTINS (2021a); e OCDE (2017).

[922] COMPARATIVE CONSTITUTIONS PROJECT (2016). Ver em particular a última coluna,


«number of rights».

[923] Isso mesmo também sugere a citação em epígrafe de António Vieira com que abri este
livro, apesar do seu contexto imediato estar relacionado com uma falsa esperança castelhana relativa
a Portugal.

[924] Esta utilização do termo «fascismo» é tão abrangente quanto vazia de conteúdo. A direita
portuguesa, que apesar de tudo existe (mais nas bases do que nos líderes partidários), envergonhada
pelo menos em parte com o sucesso dessa retórica que a associa ao «fascismo», cedeu ao longo do
tempo a muitas das lógicas estatistas que são tradicionalmente de esquerda, pelo menos nas
democracias – ainda que a dimensão mais relevante seja serem antiliberais, como explico mais à
frente neste capítulo. Num país em que o peso do Estado na economia ronda os 50%, as acusações de
«neoliberalismo» são também absurdas.

[925] Aproveito para notar que, se por um lado os impostos altos são apenas um mecanismo e
não o problema fundamental, por outro eles são de facto altos, especialmente tendo em conta que a
má qualidade dos serviços públicos levam muitas pessoas a colocarem os filhos em escolas privadas,
a ter um seguro de saúde privado, e um Plano Poupança Reforma, por exemplo. Ou seja, pagam a
dobrar.

[926] DIÁRIO DE NOTÍCIAS (2023c); DIÁRIO DE NOTÍCIAS (2023a), CRISTO (2023).


Sobre a importância da educação pré-escolar, veja-se CARNEIRO e HECKMAN (2003).

[927] Os investimentos públicos na saúde oral estão a ser feitos – sem surpresas – com recurso ao
PRR. Veja-se GOVERNO DE PORTUGAL (2023a). Consultado em 10 de setembro de 2023.

[928] FARIA-E-CASTRO (2021). Note-se também que apesar da aprovação do Orçamento do


Estado ser da responsabilidade da Assembleia da República, na prática, as cativações feitas no
Ministério das Finanças dão-lhe uma discricionariedade que, pelo menos, é pouco transparente, e até
discutível se é constitucional.

[929] JORNAL ECONÓMICO (2020).

[930] RÁDIO RENASCENÇA (2023a).

[931] COSTA (2023).


[932] Apesar de desde há muitos anos o Eurosistema (BCE e bancos centrais nacionais dos
Estados-Membros da UE que adotaram o euro) ter estado a comprar dívida pública, considerou-se
que isto não aconteceu em contravenção ao Artigo 21.º do estatuto do BCE, até por ter sido
anunciado, e existir a expetativa, que os ativos viriam a ser vendidos. No entanto, apesar de ter sido
considerado que isto não era um financiamento direto por ter sido anunciado que seria uma situação
temporária, com o alargamento do tempo em que o balanço do BCE mantém tanta dívida pública é
legítimo levantar dúvidas sobre isso. Veja-se BANCO CENTRAL EUROPEU (2002), e EUROPEAN
CENTRAL BANK (2023).

[933] DIÁRIO DE NOTÍCIAS (2023b).

[934] PALMA (2020c).

[935] DINHEIRO VIVO (2021); JORNAL DE NEGÓCIOS (2023a).

[936] JORNAL DE NOTÍCIAS (2023a); EXPRESSO (2023).

[937] O consenso sobre esta matéria é de tal forma generalizado que não faz sentido destacar
exemplos para além das principais figuras com responsabilidades públicas; abro uma exceção com o
objetivo de mostrar que esse consenso chega mesmo a pessoas próximas do partido com assento
parlamentar que defende menos intervenção do Estado na economia. Veja-se ARROJA (2022).

[938] Ver, por exemplo, SIC NOTÍCIAS (2023); e TSF (2022).

[939] Em rigor, considero um erro o compromisso de enviar dinheiro. E que, havendo esse
compromisso, quanto menos for executado, melhor para o país. Como é evidente, há que prestar
contas pelo financiamento recebido. Logo, o problema não é tanto a execução em si, mas sim a
própria existência destes fundos de volumes colossais.

[940] As notícias sobre esta matéria são frequentemente contraditórias, mas não parece existir
informação de que os níveis de fraude em Portugal com estes fundos sejam muito diferentes dos
níveis médios dos outros países. OBSERVADOR (2020); e OBSERVADOR (2022a). No entanto, a
falta de informação pode ser simplesmente devida a um sistema de deteção de fraude inadequado, ou
seja, relacionado com a justiça lenta e disfuncional do país. OBSERVADOR (2023b).

[941] EUROPEAN ANTI-FRAUD OFFICE (s.d.), onde ser lê: «Cooperation with national
authorities and operational partners in international organisations is very important. They often have
major control responsibilities in projects financed by the EU; OLAF may not have sufficiently
effective investigative powers of its own.». Página visualizada em 27 de junho de 2023. Ver ainda
OCDE (2019).

[942] ALEXANDRE (2021); ALEXANDRE et al. (2022).

[943] GABRIEL et al. (2022).

[944] No oitavo relatório sobre a coesão económica, social, e territorial da União Europeia, de
2022 – com o título «Coesão na Europa para 2050» – a comissária para Política de Coesão e
Reformas e o comissário do Emprego e Direitos Sociais questionam alguns aspetos de
implementação, mas insistem que a política de coesão é um motor de convergência para a Europa.
Consultar UNIÃO EUROPEIA (2022).

[945] PÚBLICO (2023).

[946] ECO (2023b).

[947] Como é evidente, dou este exemplo a título ilustrativo. No que diz respeito às drogas, em
certos casos o desmame gradual pode ser o mais recomendado pelos médicos. Já no que respeita ao
país, não me parece que um desmame desta natureza fosse o ideal, ainda que as pessoas mais pobres
tivessem de ser protegidas da crise imediata que resultaria.

[948] EUROCID (s.d.)

[949] A UE representa um conjunto de instituições e políticas, também relativas à política


aduaneira dos Estados-Membros, e ao livre movimento de pessoas, por exemplo. A UE não se limita
às ajudas, apesar do espaço mediático que lhes é dado em Portugal. Ou seja, seria perfeitamente
possível acabar com as transferências dos fundos europeus, mas manter os aspetos positivos da UE.

[950] JORNAL DE NEGÓCIOS (2023c).

[951] São 150 milhões de euros para o património cultural, 93 milhões para redes culturais e
transição digital, e 40 milhões para a reabilitação e conservação do património cultural nacional.
GOVERNO DE PORTUGAL (2023b). Consultado em 7 de julho de 2023.

[952] CNN PORTUGAL (2023).

[953] As dinâmicas recíprocas entre a política e a economia implicam que as instituições políticas
débeis e capturadas pelos interesses prejudiquem a prazo o desenvolvimento económico. É um ponto
que merece reflexão em Portugal. O Marquês de Pombal foi exemplo disso: subiu ao poder num
contexto problemático propício a lideranças fortes, mas depois ele próprio aprofundou os problemas.

[954] Também não é evidente a avaliação do impacto dos fundos para os países ex-comunistas,
pois nada impede que estejam ou venham a ter um impacto negativo mas por enquanto insuficiente,
em termos líquidos, para travar a convergência. Para alguma informação relativa à Hungria, veja-se
MURAKOZY e TELEGDY (2023).

[955] PEREIRINHA (2023). Este é apenas mais um exemplo de um entre muitos artigos que
analisam os números de 1973 sem considerar a sua evolução nas décadas (ou mesmo séculos)
anteriores.

[956] PIMENTEL (2022). Consultado em 30 de agosto de 2023.

[957] Sendo esta mais mito que realidade: o número dos funcionários públicos aumentou muito
durante o Estado Novo, e o Estado intervinha em força em certos setores da economia. Abordámos
essa realidade no capítulo anterior.

[958] BARRETO (2017), p. 114.


[959] BARRETO (2017), pp. 108-109.

[960] É notório que esta seleção é frequentemente feita com critérios alheios ao mérito
académico. Ainda que existam concursos formais, na prática os fatores de lealdade pessoal e
partidária são mais importantes. A academia portuguesa tem dos níveis de endogamia académica
mais elevados da Europa (SOLER 2001), p. 132.

[961] O Estado Social de qualidade é algo desejável. O que não faz sentido é exigir mais e
melhor sem existir um plano de viabilização financeira, através da criação de riqueza. Nestas
condições não é possível pagar um SNS de qualidade, por exemplo, especialmente no contexto de
uma população residente cada vez mais envelhecida.

[962] Quando escrevo estas linhas, em julho de 2023, entre os oitos partidos com assento na
Assembleia da República apenas um assume-se de direita. Acresce ser um partido recente, criado há
poucos anos, minoritário apesar da muita atenção mediática que lhe é dada e de estar em crescimento.
Esta realidade é altamente invulgar a nível europeu e nas democracias das outras partes do mundo.
Na Polónia e outros países ex-comunistas da UE, é frequente os dois partidos principais que disputam
o poder serem ambos de direita, sendo o combate político entre a «direita liberal» e a direita
nacionalista e eurocética, com tendências autoritárias, ou «iliberal». Veja-se APPLEBAUM (2021).

[963] Sendo que grande parte deixa o país mal acaba o curso, na procura legítima de uma vida
melhor. Assim fortalecem o capital humano de outros países pago à custa do contribuinte português.

[964] RÁDIO RENASCENÇA (2023b). Neste sentido, não é motivo de orgulho que a
percentagem de jovens licenciados nas gerações mais recentes em Portugal seja maior do que noutros
países europeus. Independentemente da regressividade fiscal desta situação, se os jovens emigram é
porque não encontraram no país as oportunidades que ambicionavam. Não podemos avaliar
positivamente essa estatística sem avaliarmos a qualidade do ensino, por exemplo refletida num
estudo sistemático relativo aos tipos de emprego e remunerações que os jovens licenciados
emigrantes conseguem no estrangeiro, ou os motivos pelos quais há tanta procura comparada pelo
ensino superior em Portugal. Não é de excluir que seja a falta de oportunidades profissionais que
esteja a levar um número invulgar de jovens a fazer licenciaturas, muitas das quais tiradas em
instituições de ensino superior com baixa qualidade.

[965] LUCENA (2002), p. 16.

[966] LUCENA (2002), nomeadamente a p. 26.

[967] ILHARCO (2021); RTP (1998). É possível que Sá Carneiro não tivesse outra forma de
sobreviver politicamente. Mas isso não importa para o meu argumento, que se mantém: os
condicionamentos culturais do pós-25 de Abril atiraram o país para políticas económicas
irresponsáveis.

[968] POÇAS (2021), p. 30.

[969] BARRETO (2017), p. 265.

[970] LUCENA (2002), p. 19.


[971] GAROUPA (2005); LUCENA (2002), p. 28.

[972] GAROUPA (2004).

[973] Refiro-me aos setores que devem ser deixados ao mercado, ainda que regulados.

[974] RTP (2019). Visualizado a 17 de agosto de 2023.

[975] Levando a que vários membros do «Grupo de Ofir» – incluindo os próprios Francisco
Lucas Pires e António Borges – se adaptassem à realidade do país, acabando assim no PSD ou na sua
órbitra. Por outro lado, o próprio CDS, a que muitos tinham estado associados, guinou numa direção
conservadora, nacionalista e eurocética.

[976] Nos nossos dias, mesmo as forças políticas (minoritárias) que ressurgiram em defesa de
temas liberais, normalmente não tocam nos temas que beneficiam muitos dos seus membros:
regulação da comunicação social, sociedades de advogados, mecanismos de privatização, as «portas
giratórias». Isso acontece num contexto de manutenção de rendas e de interesses corporativos.

[977] Estando num nível de PIB per capita muito inferior ao de Portugal nos anos 1990, todos
estes países já nos ultrapassaram.

[978] Seria mais rigoroso falar em economias mistas do que em economias de mercado ou
capitalismo. Isto porque é evidente que o peso do Estado nas economias dos países europeus é
enorme, sendo cerca de metade em França e Portugal (sendo um pouco menor na Europa Central e do
Leste). As exceções a esta realidade são países como a Bielorrússia, que por motivos de ordem não
económica são saudosistas. Veja-se ALEKSIÉVITCH (2016).

[979] É sabido que a Maldição dos Recursos (tal como a ajuda externa dada aos países pobres)
tem uma componente condicional: depende da situação inicial das instituições políticas. Ou seja, e
para dar um exemplo, a Noruega tem beneficiado da riqueza gerada com os seus enormes recursos
naturais, nomeadamente o petróleo. O fundo soberano norueguês, constituído para gerir os proventos
daí obtidos, não tem intervindo negativamente no sistema político e na economia do país. Veja-se
COLLIER (2011).

[980] Como já notei anteriormente, Portugal é considerado uma democracia apenas eleitoral,
limitada e com falhas, por relatórios internacionais; veja-se ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT
(2022), e V-DEM (v. 13). Mas noto que Portugal, por enquanto, não aparece longe da fronteira dos
critérios de democracia plena ou liberal destas bases de dados. Logo, é possível que volte a entrar
nessas categorias no futuro próximo. Desta forma, o problema do país não é tanto não ser uma
democracia plena, como o facto da natureza concreta da democracia que existe refletir a realidade
social e cultural que caracteriza o eleitorado do país. Para além disso, há matérias relativas à falta de
escrutínio do poder político e prestação de contas que estas bases de dados apenas capturam de forma
bastante indireta e imperfeita. Para alguns exemplos, veja-se PÚBLICO (2022), ou ainda o facto de
um relatório recente, supostamente independente, sobre a desinformação na UE ter sido revisto ou
editado por uma assessora do Primeiro Ministro de Portugal, ao contrário do que aconteceu para
outros países da Europa; EU DISINFO LAB (2023). Como seria de esperar, neste relatório
«internacional», o governo ou membros do Partido Socialista não aparecem como uma fonte
relevante de desinformação, apesar de inúmeras notícias mostrarem o contrário, inclusivamente
muitas publicadas no Polígrafo (jornal de fact-checking cujo Diretor de Operações assina o relatório).

[981] Já que os pensionistas e os fucionários públicos tendem a votar nos partidos menos
reformistas. Os partidos e decisores políticos, por sua parte, dão sistematicamente prioridade aos
interesses das gerações mais velhas, pois valem mais votos (por serem mais pessoas, e por terem
menores taxas de abstenção).

[982] BARRETO (2017), pp. 165, 444.

[983] AMARAL (2009). Os cálculos deste estudo terminam em 2008, e foram atualizados neste
livro até 2022 com a mesma metodologia pelo próprio autor, que generosamente partilhou comigo os
resultados, apesar de ainda não os ter publicado. Para essa extensão, os dados de base utilizados para
Portugal correspondem a Conference Board para 2007-2017 e OECD.stat para 2017-2021; e os dados
de base utilizados para Espanha correspondem a PRADOS DE LA ESCOSURA (n.d.) até 2017 e
OECD.stat para 2017-2021. Veja-se CONFERENCE BOARD (2023) e OECD.stat (2023).

[984] Os dados das horas de trabalho correspondem ao número de empregados por ano vezes o
número médio de horas de trabalho que cada empregado terá trabalhado nesse ano. Note-se que, para
além dos motivos que apresentei para a divergência da produtividade laboral, também aconteceu
outro fator relevante que foi a continuação da entrada das mulheres no mercado de trabalho em
Portugal. Em 1974, 42,7% das mulheres trabalhavam fora de casa, mas essa percentagem era de
apenas 28,5% em Espanha. Na década seguinte, até meados dos anos 1980, essa situação não mudou
em Espanha, onde eram ainda apenas 28,7% em 1985. Por contraste, em Portugal, a percentagem já
era de 45,7% no mesmo ano, depois de ter descido de um valor de mais de dois pontos percentuais
dois anos antes, e voltando a subir nos anos seguintes. Ou seja, em Portugal as mulheres continuaram
a trabalhar mais fora de casa, mas isso correspondeu à continuação de uma tendência vinda de trás.
Mesmo que esta diferença de crescimento (não níveis) relativamente à Espanha possa ser vista como
pelo menos em parte um fruto da natureza da transição política, também era certamente um resultado
da maior pobreza relativa do país, que levava a decisões feitas por necessidade financeira. Logo, é
um fator endógeno. A participação das mulheres no mercado de trabalho em Espanha começou
depois a convergir com os valores portugueses (e da maior parte dos países da Europa Ocidental,
com exceções como a Itália) a partir de finais dos anos 1980, tornando-se parecida apenas já no
século xxi. Para a fonte dos dados citados, veja-se OUR WORLD IN DATA (2017).

[985] BRITO et al. (2023). Segundo estes autores, a produtividade do trabalho em Portugal teria
mesmo ultrapassado a da Espanha em inícios dos anos 1970, mas teve uma queda brutal a partir de
1974, acentuando-se em 1975, e depois de uma tímida recuperação, mas voltando a descer entre 1982
e 1984, e começando a recuperar mais uma vez a partir de 1985, quando a produtividade espanhola
era quase o dobro da lusa. Segundo os dados destes autores, a divergência de produtividades a partir
do 25 de Abril foi, e manteve-se, ainda maior do que no caso que mostro na Figura 33. Agradeço a
Luís F. Costa a partilha destes dados alternativos.

[986] EUROSTAT (2023b); LEITÃO (2023).

[987] BARRETO (2017), p. 377. Vale também a pena ver o programa RTP (2015).
[988] BARRETO (2017), p. 304.

[989] Em 2021 o líder do partido, Rui Rio, afirmava que «O PSD não é um partido de direita»
(DIÁRIO DE NOTÍCIAS 2021); em 2023, Francisco Pinto Balsemão afirmou que «vê o partido que
fundou como parte do “centro-esquerda”», TSF (2023a). Ligações consultadas em 28 de julho de
2023.

[990] No 25 de Novembro – ao contrário do que acontecera no 11 de Março – a questão colonial


já estava resolvida e o poder nas ex-colónias entregue aos principais partidos independentistas. Para
além disso, tinha havido a clarificação política feita pela população nas eleições de 25 de abril de
1975 (as mais participadas de sempre). Em 2023, o presidente da Assembleia da República e a
comissão organizadora das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril consideraram que o 25 de
Novembro não era uma data «consensual», e como tal não deveria entrar nas comemorações, apesar
destas cobrirem o período histórico até 1976, quando se assinalam os 50 anos da Constituição. Veja-
se TSF (2023b), consultado em 7 de outubro de 2023.

[991] Apesar de as eleições do 25 de abril de 1975 terem mostrado de forma contundente que não
era esse o desejo da maior parte do povo, elas podiam não se ter realizado, ou ter-se realizado sem
que os resultados fossem respeitados. Tal cenário era plausível caso o PCP tivesse conseguido
dominar as outras forças de extrema-esquerda, ou se se aliasse a Otelo Saraiva de Carvalho (caso este
tivesse caído na sua órbitra).

[992] SOARES (1974); POÇAS (2021), p. 30.

[993] Pelo contrário, Portugal é um país que normaliza o comunismo e a extrema-esquerda, por
mais obviamente antidemocráticas que sejam.

[994] RAIMUNDO (2018), pp. 49-51.

[995] RAIMUNDO (2018), pp. 55, 78.

[996] Paradoxalmente ou não, isto aconteceu até com Francisco Rolão Preto, o líder do
Movimento Nacional-Sindicalista – ou seja, o rosto do «fascismo português» nos anos 1930. Rolão
Preto seria condecorado a título póstumo por Mário Soares em 1994 com a Ordem do Infante D.
Henrique. Depois de 1945 Rolão Preto assumiu posições políticas diferentes das que defendera antes.
Mas estes factos não deixam por isso de ser significativos: qualquer oposição ao Estado Novo veio a
ganhar legitimidade depois do 25 de Abril (ainda que sem dúvida isso tenha acontecido mais com as
oposições de esquerda).

[997] Sobre a oposição do PCP às eleições de 25 abril de 1975 e em aceitar os seus resultados,
veja-se BARRETO (2017), p. 238.

[998] O que Hitchens observou no Portugal de 1974 afastou-o do esquerdismo revolucionário e


transformou-o num liberal. Veja-se MÓNICA (2020), p. 319.

[999] ALVES (2021).


[1000] PARLAMENTO EUROPEU (2019). O PCP e o Bloco de Esquerda votaram contra esta
resolução, tanto no Parlamento Europeu como na Assembleia da República. O PS aprovou esta
resolução no Parlamento Europeu e votou contra na Assembleia da República.

[1001] Já em meados dos anos 1990 se sabia que Portugal não convergiu com os países
fundadores da União Europeia (Alemanha, França, Itália e Benelux) durante o período 1974-1985.
Veja-se BARROS e GAROUPA (1996), p. 548. Para um estudo mais recente que avalia um
contrafactual, separando o efeito do que se passou internamente da crise internacional relacionada
com o choque petrolífero da mesma altura, veja-se AMARAL et al. (2022).

[1002] Sobre o Caso FP-25 de Abril, referente ao grupo terrorista de extrema-esquerda


responsável por várias mortes e assaltos, veja-se POÇAS (2021).

[1003] POÇAS (2021), p. 265. No entanto, é possível argumentar que as ações das Brigadas
Vermelhas em Itália nos anos 1970 e 1980 levaram a respostas políticas que ajudam a explicar a
perda de competitividade da economia italiana. Não me alargo aqui nesta matéria. Deixo o meu
agradecimento a Mauro Rota, da Universidade de Roma La Sapienza, pelas conversas sobre este
tema.

[1004] POÇAS (2021), p. 159.

[1005] O Conselho da Revolução, instituído nos dias a seguir ao 11 de Março, era um órgão de
tutela constitucional do poder político, exercendo poderes paralelos aos do parlamento, sendo apenas
extinto na primeira revisão constitucional da Constituição de 1976, em 1982. Quer isto dizer que
Portugal foi uma democracia tutelada, e como tal limitada, até 1982.

[1006] Do meu ponto de vista, ainda não foi escrita uma obra que dê, de uma forma competente,
a perspetiva geral da História de Portugal pós-25 de Abril. Talvez isso se explique por não haver o
distanciamento histórico necessário, ainda que os constrangimentos da academia portuguesa também
não ajudem. Para uma visão global das últimas décadas da história económica portuguesa, embora de
forma muito sintética, recomendo AMARAL (2022).

[1007] Foi apenas com a revisão constitucional de 1989 que caiu a proibição constitucional de
reprivatizar as empresas que tinham sido nacionalizadas. Mas as privatizações já estavam a
acontecer, mesmo que, até aí, só se pudesse privatizar até 49%, algo que tinha sido aceite pelo
Tribunal Constitucional (que tinha sido criado com a Revisão Constitucional de 1982, na sequência
da extinção do Conselho da Revolução).

[1008] As infraestruturas foram divididas em infraestruturas físicas de apoio à atividade


industrial – como ramais ferroviários para fábricas, e pipeline de transporte do porto de Aveiro para
zonas industriais – e infraestruturas tecnológicas – como centros tecnológicos, institutos de novas
tecnologias, institutos de transferência de tecnologia, e incubadoras. Conceberam-se ainda os
sistemas de incentivos à atividade produtiva, à qualidade industrial, e relativos ao ambiente.

[1009] Também data dessa época a entrada da Autoeuropa em Portugal, uma fábrica que viria a
ter um peso grande na economia portuguesa, e que não foi financiada diretamente pelo PEDIP (que
financiou grande parte dos investimentos nacionais e estrangeiros na indústria portuguesa) mas sim
com outros fundos comunitários à disposição de Portugal, como o Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional e o Fundo Social Europeu. Este investimento direto estrangeiro foi
relevante também por ter levado ao grande aumento da produção de componentes automóveis em
Portugal, atividade que tinha começado com o Grupo Renault. Até devido ao problema da Maldição
dos Recursos, sou, no entanto, pessimista em relação à capacidade do país utilizar as suas grandes
reservas de lítio para dinamizar uma cadeia de valor até às baterias, algo que deveria estar a ser
preparado. Sobre esta matéria, veja-se AMARAL (2021).

[1010] Alguns dos detalhes que aqui reproduzo foram-me contados por Luís Mira Amaral. Pelo
menos no que diz respeito ao caso do Porto a situação não vinha apenas do PREC, mas também do
processo de industrialização de finais dos anos 1940. Para promover a eletrificação no Porto, o
ministro Eng. Ferreira Dias fixou tarifas degressivas para consumidores domésticos (quanto maior o
consumo, menor o preço), que continuaram, pelo menos em parte, em vigor. Consultar SAMPAIO
(2017).

[1011] Assim como terá refletido um efeito (ainda que temporariamente positivo em termos
líquidos) das chegadas dos fundos europeus.

[1012] Ainda que no setor da energia tenha criada em 1995 a ERSE (Entidade Reguladora do
Setor Elétrico) para regular os monopólios naturais das redes de transporte e distribuição de
eletricidade, no contexto da privatização do sector elétrico. A ERSE foi o primeiro regulador
independente do governo criado no âmbito da economia real. Mas este e outros mercados regulados
evidenciavam ineficiências claras, sendo o Estado português alertado sucessivamente para este tema
ao longo dos anos pelo FMI e pela OCDE. Sobre esta matéria, assim como estudos de caso não
apenas da ERSE, mas também da ANACOM e do Tribunal da Concorrência, Regulação e
Supervisão, veja-se LOURENÇO (2022).

[1013] Exemplo disso é a falta de contratação internacional de reguladores por concurso, a partir
de critérios técnicos. A seleção é feita na prática por critérios políticos, sem os tribunais a
desempenharem um papel de supervisão relevante. Devido a estes problemas não terem atualmente
solução, seria preferível o modelo das direções-gerais, pois é mais transparente, democrático e
barato. Veja-se GAROUPA (2016).

[1014] Como tem mostrado Nuno Garoupa e coautores em múltiplos estudos, apesar dos custos
administrativos e com os recursos humanos, os tribunais continuam congestionados e sem capacidade
de resposta. Mas, para além destes custos, existem também custos indiretos, derivados do direito de
recurso. Os aspetos processuais continuam a predominar sobre os aspetos substantivos e o sistema
judicial vai ficando cada vez mais fragmentado.

[1015] GAROUPA e PINHEIRO (2014).

[1016] AMARAL (2015b); SANTOS e GAROUPA (2023); GAROUPA (2004).

[1017] Ainda que esta designação não esteja errada, por simplificação e aproximação.

[1018] GAROUPA (2005).

[1019] Portugal tinha em 2020 um nível de competitividade semelhante ao observado em 1995,


sendo dos mais baixos da UE. AMADOR e SOARES (2013); e AMADOR et al. (2022).
[1020] Estes países tinham genericamente investido na educação das suas populações durante o
período comunista, ainda que com qualidade variável. Esse capital humano não tinha, no entanto,
levado à convergência, que só veio a acontecer com a adoção de uma economia de mercado
(mantendo-se ainda assim também alguma intervenção estatal, como é evidente).

[1021] Parece-me que o país caminha para um ambiente político fortemente polarizado, o que, de
resto, acompanha a tendência europeia. No caso português, tudo indica que a História vai continuar a
ser instrumentalizada.

[1022] Internamente, alimentam também a ilusão de que têm uma influência internacional muito
maior do que o que é o caso (a realidade é que é quase nula). Os meios de comunicação social
nacionais fazem frequentemente eco desta ideia errada.

[1023] O pensamento antiliberal em Portugal tem uma sustentação dupla: permite os monopólios
e oligopólios extrativos na área económica e social; e fomenta os monopólios ideológicos. As duas
minam a democracia pluralista. Agradeço a Nuno Garoupa as várias conversas que influenciaram o
meu pensamento nestas matérias.

[1024] Neste sentido, o Estado Novo – e a sua figura central, Salazar – influenciou
profundamente o país não só enquanto durou, mas também através do regime que lhe sucedeu, que já
dura há mais tempo do que o próprio Estado Novo durou.

[1025] UNIÃO EUROPEIA (2023). Visualizado em 19 de julho de 2023.

[1026] DINHEIRO VIVO (2022). Parece improvável que a TAP venha a ser vendida a um preço
sequer próximo deste valor.

[1027] EUROPEAN COMMISSION (2021), p. 115.

[1028] Menciono a ferrovia para continuar com um exemplo ao nível do capital físico. Mas
investimentos sérios em capital humano ou em reformas do funcionamento do Estado teriam
certamente um retorno superior a prazo.

[1029] MAGALHÃES (2023).

[1030] Criar um fundo de investimento diversificado, como fazem alguns países em risco de
sofrer da Maldição dos Recursos (casos do Botswana, Chile ou Noruega), não seria autorizado pela
União Europeia. Nem, francamente, faria sentido aplicar ao caso português. No entanto, seria
possível à UE impor ao Estado português, por exemplo, um teto de 10% no financiamento de
projetos, sendo os restantes 90% financiados pelo setor privado, mas evitando-se empresas de
tamanho pequeno sem clara capacidade transformadora para economia. Este tipo de políticas seria
preferível à situação que se verifica, ainda que me pareça, dado o contexto histórico e institucional do
país, que se devia acabar completamente com os fundos. Relativamente às estratégias internacionais
para lidar com o problema da Maldição dos Recursos, veja-se, por exemplo, POUOKAM (2021).

[1031] DIÁRIO DE NOTÍCIAS (2022).

[1032] WORLD BANK (2023).


Epílogo

Crónica de uma letargia anunciada

A maior parte dos historiadores económicos são pessoas otimistas. É


difícil não ser quando se olha para trás. O que vemos à nossa volta, nos
países ocidentais, é um maravilhoso mundo novo de liberdade, tecnologias,
e padrões de vida inimagináveis para os nossos antepassados mais distantes.
O século xx, apesar de uma primeira metade excecionalmente violenta,
correspondeu na sua segunda metade a uma descontinuidade histórica. Isto
aconteceu para várias áreas geográficas a nível global, mas também para
algumas das partes mais pobres da Europa, incluindo um dos países mais
pobres: Portugal. Mas, se o século xxi está a correr bem à Europa que
pertencia ao outro lado da Cortina de Ferro e que entrou na esfera da UE, o
nosso país não está a ter um terceiro milénio nada brilhante. Mesmo que,
sem dúvida, Portugal tenha entrado melhor no século xxi do que tinha
entrado no anterior.
Apesar disso, termino este livro de forma pessimista. Não consigo
terminar de outra forma. O século xxi marcou o regresso da divergência
para Portugal. E não vejo qualquer saída para a encruzilhada em que o país
se encontra. O problema não está em desconhecermos quais as políticas
públicas que poderiam levar à convergência. As soluções são conhecidas.
Mas o doente não quer o remédio e continua a votar nos mesmos partidos e
receitas.[1] O país não vai querer mudar enquanto conseguir ir vivendo com
tantas transferências de dinheiro dos países mais ricos da Europa. As falsas
narrativas podem durar muito tempo até desaparecerem, como vimos neste
livro. Décadas, e mesmo séculos. Tudo leva bastante tempo. E há sempre
políticos e as suas cortes disponíveis para vender a banha da cobra.
Não há uma saída simples para a situação grave em que Portugal se
encontra. A História do país é um dado adquirido, ainda que seja saudável
olharmos para trás com uma visão diferente e mais informada. Mas
dificilmente algum partido político ou governo prometerá deixar de receber
fundos, até porque, no curto prazo, sofreria as consequências económicas e
políticas que fechar a torneira implicaria. E mesmo que o fizesse, nada
impediria o governo seguinte de continuar a pedir. Como tal, a mudança só
pode vir de fora: da própria UE. Esperemos que uma mudança intelectual e
política torne possível a nível europeu a compreensão de que o suposto
medicamento está a fazer mal ao paciente. Talvez uma crise económica na
Alemanha, por exemplo, venha a ser o suficiente para, pelo menos, abrir o
debate de forma séria. Esperemos, no entanto, que essa mudança seja feita
por uma UE moderada, sem extremismos, que sobreviva às ameaças que
existem à sua coesão.[2]
Regressemos às preocupações de Antero de Quental, e da geração a que
pertenceu, a que aludi no início do livro. Ao refletirem sobre o malfadado
destino do país, concluíram que apenas uma república poderia vir a resolver
os problemas. Não podiam ter estado mais errados: a Primeira República
iria ser um regime desastroso para a economia e sociedade portuguesas. Já o
Estado Novo, marcado pela experiência da Primeira República, conseguiu
melhores resultados para o desenvolvimento do país, ainda que à custa de
um longo período de repressão política interna e externa – claramente
anacrónica na fase final do regime. Como procurei mostrar neste livro,
Portugal tem uma História fascinante, mas bastante atribulada, e até trágica.
Hoje, Portugal é um país sem qualquer relevância internacional, tendo a
população global um tamanho parecido com o de uma cidade de dimensão
média na Ásia ou África. Mas a História de Portugal – também pela
influência que teve noutras partes do mundo – não é despicienda, e faz
muita sombra ao presente, pouco impressionante, do país.
Neste livro, procurei questionar vários mitos que acossam a memória
coletiva do nosso país, estando muitos deles enraizados na nossa cultura.
Argumentei, por exemplo, que a religião católica não foi uma causa
fundamental do atraso, que o Marquês de Pombal foi talvez o pior político
de sempre a governar Portugal, e que o império nunca teve um efeito muito
positivo para o desenvolvimento do país.[3] Mostrei ainda que vários
regimes que, à época, insistiram na sua natureza reformista – como a
Monarquia Liberal do século xix e a Primeira República – foram, na
verdade, regimes que falharam completamente nos seus objetivos
declarados de desenvolver o país. Argumentei ainda que o regime mais
diretamente responsável por ter iniciado um processo de modernização
económica sustentada do país foi o que hoje é mais odiado: o Estado Novo.
Finalmente, expliquei que a economia está hoje em divergência com resto
da Europa, e que os fundos europeus, tantas vezes aclamados como a
salvação da economia, são na verdade um dos entraves ao seu
desenvolvimento. Já outros motivos, tantas vezes dados como causas do
atraso – como a baixa produtividade ou a excessiva carga fiscal, por
exemplo –, são apenas uma manifestação do problema e não a fonte do
mesmo. São também meros sintomas outras explicações, como o baixo
capital humano, os efeitos negativos da geografia dita «periférica» do país,
ou mesmo a adoção do euro.[4] Os mitos que procurei derrubar neste livro
contribuem para impedir um pensamento e reflexão objetiva, sem
preconceitos, sobre a realidade factual de cada momento da História de
Portugal. Ou seja, os mitos bloqueiam a necessidade de repensarmos o
passado, para reinventarmos o presente – e o futuro.
É essencial aprendermos com o nosso passado. Não podemos confundir
o voluntarismo e as «boas intenções» anunciadas pelos políticos com o que
de facto é feito ou possível fazer. Temos de compreender que, dado os
recursos serem limitados, é preciso fazer escolhas. Apostar em certos
caminhos implica não ir por outros que poderiam ser melhores.[5] Tendo de
escolher, não importa investir apenas em capital físico (por mais que esse dê
uma aparência de «obra feita»), mas é mais importante investir no capital
humano da população, pois uma população mais educada e melhor
informada tomará melhores decisões e será mais produtiva. No entanto, não
importam apenas as matrículas e anos de escolaridade, mas também a
qualidade do sistema educativo. Finalmente, devemos refletir sobre como,
tal como aconteceu no nosso passado, não vai ser dinheiro «caído do céu»
que vai resolver os nossos problemas a prazo. Bem pelo contrário.
Como procurei explicar neste livro, as verdadeiras causas do atraso são
múltiplas, sendo algumas históricas e outras contemporâneas, relacionando-
se umas com as outras. O que fazer então? Relativamente às históricas, não
podemos mudar o passado, como é evidente, mas podemos e devemos
compreendê-lo melhor. Esse é um primeiro passo fundamental para não
continuarmos a fazer no presente mais escolhas, individuais e coletivas, mal
informadas. Relativamente às causas contemporâneas, podemos fazer
bastante mais – sem as ajudas europeias, Portugal seria certamente, a prazo,
um país mais rico e mais democrático. Ora, é quase impossível, a qualquer
partido político nacional, recusar as ajudas europeias de livre vontade. Por
isso, depende da UE cortá-las por nós. No entanto, por enquanto, tudo
indica que a UE não está consciente do mal que a esmola está a fazer ao
país dependente e pedinte em que Portugal se transformou.[6] A política de
fundos da UE, que também certamente afeta negativamente outros países e
regiões europeias, é aliás, com toda a probabilidade, um dos elementos que
estão a contribuir para a divergência da própria UE em relação aos Estados
Unidos da América, um fenómeno que também está a acontecer. Portugal é,
deste modo, um país em decadência no contexto de uma Europa Ocidental
toda ela em decadência relativa. Mas isso seria tema para outro livro.
Será notório que não culpei nenhum partido político atual como tendo a
principal responsabilidade pelo atraso e a divergência. Isto deve-se à
distinção que desenvolvi anteriormente entre causas profundas e
mecanismos endógenos. Embora os partidos não tenham tido um papel
positivo nas últimas décadas, o seu comportamento, genericamente
medíocre, por exemplo no que toca às escolhas de representantes e de
políticas públicas que têm efetuado, é apenas um fator endógeno. Não há
razão para pensar que um cenário contrafactual (em que colocássemos
líderes diferentes nos principais partidos ou eleições vencidas por outros
partidos no contexto existente) conduziria a um presente muito diferente.
Como as matérias que referi são endógenas, o problema fundamental não é
a seleção negativa dos que optam por uma carreira política e das ideias que
defendem, a corrupção, o nepotismo, o compadrio, o sistema de justiça
disfuncional, as negociatas com demasiada proximidade ao poder político,
ou mesmo a captura da regulação e do próprio Estado por interesses
privados.[7] É nestas matérias que se focam os jornalistas e os meios de
comunicação social, mesmo quando são capazes de, pontualmente, abordar
temas para além do curto prazo. Mas isto não passa de espuma dos dias.
Como é evidente, tudo isto é grave. Mas, como diz a canção de Amália
Rodrigues, «tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado». Na
verdade, as matérias que acabei de referir são apenas sintomas da doença e
não a doença em si. E é essa que tem de ser curada. O remédio tarda e,
quando chegar, será necessariamente doloroso.
Termino este livro com o desejo de que, quem sobre ele se quiser
pronunciar, primeiro o leia e tente compreender. Em 1915, José de Almada
Negreiros publicou o Manifesto Anti-Dantas e por extenso, onde se insurgiu
contra Júlio Dantas – um autor sem interesse, mas mediático à época, ativo
na Academia das Ciências de Lisboa e então considerado quase
unanimemente de grande qualidade –, pedindo que Portugal abrisse os
olhos à necessidade de ser um país mais decente e menos fechado a ideias
novas. Tal como nesse tempo, é frequente nos nossos dias os meios de
comunicação social destacarem nomes sem interesse, que serão esquecidos
em breve – mas que, no curto prazo, projetam a sua insegurança e defendem
as suas rendas. A vontade de censurar e criticar acefalamente, sem reflexão
nem conhecimento, o que não se compreende ou não se quer compreender,
não é uma novidade dos nossos dias, e nem sequer o era no século xx.
Recordo também a este respeito um panfleto anónimo sobre uma «censura
ridícula», que circulou em Portugal em 1716, no qual se afirmava que os
mais ignorantes eram os que mais censuravam. E que o bom gosto era
considerado mais importante que a crítica política, ou a ciência.[8] Estas
coisas sempre existiram. Esperemos que os críticos do presente consigam
ter mais sabedoria e maturidade.
Agora que Portugal está estagnado e a divergir da Europa Ocidental há
um quarto de século, haverá esperança? Para a convergência, julgo que não,
a não ser depois de a União Europeia mudar a sua política de ajudas
relativamente a Portugal. Quando isso um dia acontecer, a transição será
difícil, pelo menos no curto e médio prazo. Mas, apesar disso, e de os
responsáveis não merecerem ser perdoados, convém não esquecer que,
coletivamente, vivemos muito melhor do que os nossos antepassados mais
distantes. E isso é, apesar de tudo, algo que merece ser celebrado. Afinal de
contas, ao longo da História, Portugal sempre teve desafios, alguns que
pareciam intransponíveis. E ainda cá estamos.

[1] Escrevo isto apesar de ser uma minoria de pessoas a votar em quem manda, devido ao voto na
oposição, e principalmente à abstenção (que tem subido ao longo das décadas, andando agora nos
50% da população, mesmo nas eleições legislativas, por comparação com menos de 10% nas eleições
de 25 de abril de 1975).
[2] Infelizmente, há uma forte probabilidade da Frente Nacional (conhecida desde 2018 por
Rassemblement National) vir a ganhar as eleições em França nos próximos anos. Considero isso
indesejável, ainda que provavelmente inevitável. Quando tal acontecer, pode provocar um forte abalo
de consequências imprevisíveis na UE. Aliás, tal ocorreria num contexto maior em que vários países
da Europa vivem politicamente polarizados, com uma parte cada vez maior do eleitorado a votar em
partidos radicais ou extremistas, com uma clara viragem à direita, que é provável tornar-se a prazo
dominante. Se assim for, Portugal ficará isolado na cena europeia.

[3] Os mitos estão de tal forma enraizados que até instituições internacionais fora dos meios
académicos os repetem. Um exemplo é a CIA, que afirma que Portugal atingiu uma «idade de ouro»
nos séculos xv e xvi, tendo perdido muita da sua riqueza e estatuto devido ao Terramoto de 1755, às
invasões napoleónicas, e à independência do Brasil: «Following its heyday as a global maritime
power during the 15th and 16th centuries, Portugal lost much of its wealth and status with the
destruction of Lisbon in a 1755 earthquake, occupation during the Napoleonic Wars, and the
independence of Brazil, its wealthiest colony, in 1822» (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY,
2023).

[4] Tal como os fundos europeus, o Euro contribuiu para a contração do setor transacionável da
economia portuguesa. Veja-se AMARAL (2022); e AMARAL (2019), p. 286. Convém ter em mente,
no entanto, que a adoção do Euro, e os termos em que isso aconteceu, foram escolhas políticas.

[5] Os economistas chamam a isto «custos de oportunidade».

[6] Pelo contrário, a UE por enquanto insiste, a meu ver muito erradamente, que as reformas
estão a ser implementadas, que já se notam melhorias institucionais, que as partes interessadas locais
(stakeholders) elogiam as reformas modelares do governo, e que apenas há problemas devido a
recursos limitados, mas que o PRR vai ajudar. Veja-se COMISSÃO EUROPEIA (2023).

[7] Relativamente ao primeiro ponto, isto é, o da seleção negativa, a questão é simples: noutro
contexto os protagonistas defenderiam políticas diferentes, fossem os mesmos ou outros.

[8] Lendo-se aí que «os versos hoje são mais filhos da tradição, do que da natureza e da arte».
Veja-se ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 1072 (23), fls. 291-295v.
Para saber mais

O conteúdo deste vo tra. Sendo um livro de divulgação, procurei deixar


todos os esclarecimentos e questões de ordem mais técnica para as notas
finais. Escrevi-o por sentir que é necessário.
Penso que, em traços gerais, não terei cometido nenhum erro grave, mas
por mais esforço que eu tenha feito para ser o mais rigoroso possível, com
certeza existirão aspetos que podem não estar completamente claros ou
corretos, ou que se vão desatualizar no futuro – ainda que, por não se tratar
de um livro sobre a espuma dos dias, esta obra não se desatualize
facilmente. De quem venha por bem, comentários sobre este livro são muito
bem-vindos, por email, sendo o meu endereço
nuno.palma@manchester.ac.uk. Pode ser que este livro tenha versões
futuras revistas e atualizadas. Entretanto, ou caso isso não venha a
acontecer, para divulgação sobre o que vai saindo na literatura da
especialidade (e, mais genericamente, para comentários sobre Portugal
numa perspetiva comparada e de longo prazo), pode ser consultado o meu
blogue de divulgação, Portugal no Longo Prazo:
https://nunopgpalma.wordpress.com/.
Quem tenha gostado do conteúdo que aqui apresentei perceberá que,
para compreender Portugal, não basta ler jornais, que frequentemente se
limitam à análise de casos e casinhos, numa miopia à volta de uma
sequência de árvores em que se perde completamente de vista a floresta. É
preciso uma perspetiva diferente que permita ir mais fundo. Temos de
conhecer o nosso passado para poder melhor pensar o futuro. Por isso,
muitas das referências que citei neste livro são também sugestões de leituras
adicionais, destacando que é natural que muitas não sejam referências
recentes. No entanto, como citei várias centenas de referências, e nem todas
de forma elogiosa, também aqui destaco algumas sugestões de leituras para
quem queira saber mais. As que apresento são um bom ponto de partida
para compreender o nosso passado e presente. Centro-me em obras em
português, e com uma especial ênfase nas que tocam na História mais
recente de Portugal, por saber que esta é de acesso mais fácil à maior parte
das pessoas a quem um livro de divulgação como este se dirige; para os
períodos anteriores e a respetiva literatura académica mais especializada,
ficam as referências nas notas deste livro. Sugiro, então, dez livros que
considero uma boa base ou ponto de partida para quem queira saber mais,
de modo a pensar de forma informada e fundamentada o passado, presente e
futuro de Portugal:

AMARAL, Luciano (2022). Economia Portuguesa: as últimas


décadas. Fundação Francisco Manuel dos Santos.
BARRETO, António (2017). Anatomia de uma Revolução.
Alfragide, D. Quixote.
CARVALHO, Rómulo de (2011). História do Ensino em Portugal
desde a Fundação da Nacionalidade até ao Fim do Regime de
Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 5.ª edição.
FRANCO, José Eduardo (2006). O mito dos jesuítas em Portugal,
no Brasil e no Oriente (séculos xvi a xx). Lisboa: Gradiva.
GAROUPA, Nuno (2011). O governo da justiça. Fundação
Francisco Manuel dos Santos.
LEITÃO, Henrique (2007). A ciência na «Aula da Esfera» no
Colégio de Santo Antão, 1590-1759. Comissariado Geral das
Comemorações do V Centenário do Nascimento de São Francisco
Xavier.
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countries-live-abroad/
WORLD INEQUALITY DATABASE (s.d). Disponível em:
https://wid.world/data/
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Figura 1: Os Vencidos da Vida. The History Collection/Alamy Stock


Photo/Fotobanco.pt. Domínio público. Figura 4: © António Castro
Henriques. Direitos reservados. Figura 5: Arquivo Municipal de Lisboa –
Ref. PT-AMLSB-CMLSBAH-CHR-006-02 - Folha 20. Figura 8: Livro de
receita e despesa do Convento da Graça de Évora (Códice CLXVII/1-6).
Biblioteca Pública de Évora. Domínio público. Figura 10: Lisbona – bird’s-
eye view of the city of Lisbon (Portugal) from Georg Braun and Frans
Hogenberg’s atlas Civitates orbis terrarum, vol. I, 1572. Fine
ARTS/Album/Fotobanco.pt. Domínio público. Figura 11: O Estado da
Fazenda, de 1526. Documento que integra o «Núcleo Antigo» do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo. Domínio público. Figura 12: © Helena
Nogueira. Direitos reservados. Figura 13: Paulo de Carvalho e Mendonça.
The History Collection/Alamy Stock Photo/Fotobanco.pt. Domínio público.
Figura 14: Azulejos tiles in the old University of Évora, Colégio do Espírito
Santo, Évora, Portugal. Image Broker/Fotobanco.pt. Figura 16: Planta da
Sala de Cortes. Balthezar dos Reys. Domínio público. Figura 17: Eleição de
Francisco da Costa Alcoforado para Procurador das Cortes. Arquivo Digital
de Beja. PT-ADBJA-AL-CMBJA-B-A-001-0048-fl.70v.a 72. Domínio
público. Figura 21: Coche da embaixada ao Papa Clemente XI - dos
Oceano. Alçado traseiro. © DGPC. Figura 22: Demonstração Do Teatro Em
Q. Depois De Justiçados Os Reos ...Forão Queimados... Biblioteca
Nacional de Portugal, cota E. 123 V. Domínio público. Figura 23: Marquês
e Irmãos. The History Collection/Alamy Stock Photo/Fotobanco.pt.
Domínio público. Figura 24: Portrait of Marquess of Pombal 1766 by
Claude-Joseph Vernet. De Agostini Editore/AGE/Fotobanco.pt. Domínio
público. Figura 26: O Zé Povinho – Depois das eleições, à vontade do seu
dono, O António Maria, 1880. UtCon Collection/Alamy Stock
Photo/Fotobanco.pt. Domínio público. Figura 27: Bilhete postal com o
título «Expulsão dos Jesuítas em 10 de Outubro de 1910.» Domínio
público.
Comentários a As Causas do Atraso Português,
de Nuno Palma

«Este livro é uma máquina de triturar mitos sobre as causas do atraso


português. Nuno Palma faz o fact-checking à História oficial de Portugal de
que há muito precisávamos. Um livro de História que vai ficar para a
História.»
– João Miguel Tavares, jornalista

«Este é um livro fascinante, corajoso, frontal, sem papas nas línguas, que
se lê com muito proveito e nos estimula a reflexão crítica sobre Portugal,
desconstruindo poderosos estereótipos do nosso passado. Podemos não
concordar com tudo, nomeadamente com alguns juízos categóricos, mas a
sua arguta perspetiva analítica, fundada em fontes primárias e estatística
histórica, é uma pedrada no charco de algum unanimismo académico ou
acriticismo cultural que tem secado o debate crítico sobre a história de
Portugal e dos nossos mitos e juízos simplificados.
Estamos diante de um livro importante de um historiador emergente que,
estando fora a ensinar em Inglaterra, ensaia uma hermenêutica sem medo de
retaliações académicas nem dos “clientelismos” de carreira. Saúdo
vivamente a publicação deste livro e espero que contribua para “estalar o
verniz” e inaugurar um debate, que nos falta, aberto, sério e reconfigurador
das nossas visões cristalizadas sobre a história do nosso país.»
– José Eduardo Franco, Professor Catedrático da Universidade Aberta e
Coordenador do Programa Doutoral em Estudos Globais
«Brilhante e incisivo, o livro de Nuno Palma obriga a olhar para a velha
questão do “atraso português” com olhos novos. O que torna muitas das
interpretações deste ensaio especialmente provocadoras e relevantes não é
apenas o facto de contrariarem ideias feitas, mas sobretudo a circunstância
de estarem apoiadas em evidência empírica muito sólida. O debate acerca
das origens do nosso atraso não terminou, mas Nuno Palma elevou-o a um
nível de rigor e exigência académica que nunca tinha tido antes.»
– Henrique Leitão, Pró-Reitor da Universidade de Lisboa e Prémio
Pessoa 2014

«A perspectiva que o livro apresenta sobre a evolução da economia


portuguesa durante o período do Estado Novo, na transição para a
democracia e nos 50 anos de democracia é extremamente inovadora e
frutuosa para interpretarmos a nossa actual situação económica. Um livro
fundamental para perceber o persistente atraso económico português.»
– Luciano Amaral, Professor na Nova School of Business and
Economics

«A ideia do atraso em Portugal tem estado associada ao conceito de


declínio. Para gerações de Portugueses que aprenderam na escola a admirar
os feitos da “ínclita geração” esta associação é intuitiva, mas merece ser
questionada. Já em 1776 Adam Smith escreveu n’A Riqueza das Nações que
as políticas públicas em Portugal e Espanha eram por si só suficientes para
perpetuar o seu presente estado de pobreza. Atraso e declínio são
necessariamente conceitos relativos e carecem de um padrão de
comparação: se hoje Portugal é um país “atrasado” importa saber desde
quando e relativamente a que padrão de desenvolvimento. Ainda mais
importante será perceber as razões desse atraso. Este livro é uma ambiciosa
tentativa de responder a estas questões recentrando o debate cívico para
além da tradicional narrativa de declínio histórico.»
– Rui Esteves, Professor Catedrático do Graduate Institute of
International & Development Studies, Genebra, Suíça

«O panorama editorial sai enriquecido com este livro intelectualmente


estimulante. Nele o autor analisa problemas há muito debatidos na
comunidade científica, sustentado em investigações empíricas recentes e
numa ampla literatura nacional e internacional, que lhe permitem ainda
perspectivar a economia portuguesa em comparação com outros países
europeus. Embora se possa discordar de certos juízos valorativos aqui
apresentados, as interpretações do autor certamente gerarão debate e
poderão trazer novos públicos à História de Portugal e à História
Económica.»
– Susana Münch Miranda, Professora no Departamento de História da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa
Contents
1. Ficha Técnica
2. Preâmbulo
3. Introdução
4. PARTE I PORTUGAL DESDE FINAIS DA IDADE MÉDIA
1. 1. População
2. 2. Instituições políticas
3. 3. Economia e desenvolvimento
5. PARTE II PORTUGAL: UMA INTERPRETAÇÃO
1. 4. Expansão e império
2. 5. Cultura e religião
3. 6. A maldição dourada
4. 7. Um país novo, liberal?
5. 8. A Primeira República
6. 9. O Estado Novo
7. 10. A época contemporânea
6. Epílogo
7. Para saber mais
8. Bibliografia
9. Créditos das imagens
10. Comentários a As Causas do Atraso Português, de Nuno Palma

Landmarks
1. Cover
2. Title-Page
3. Table of Contents
4. Bibliography
5. Acknowledgments

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