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LITERATURA

Raphael Haussman
PÓS-MODERNISMO Abaporu é uma das principais obras
de Tarsila do Amaral (1886-1973). A
(1930 – 1945) Poesia intenção de Tarsila era presentear
seu marido, o escritor Oswald de
Andrade. Acabou sendo o marco
inicial de sua fase antropofágica. Em
tupi-guarani, abaporu significa
"homem que come" e a obra inspirou
não apenas seu marido na época,
mas toda uma geração de
modernistas preocupados em
absorver as novas tendências
européias, transformando-as em algo
bem brasileiro. O movimento queria
"modernizar" a cultura, transpor
novos horizontes e apresentar novas
formas em todas as artes.
Influenciados por uma nova estética
européia, buscaram seus temas em
Abaporu, Tarsila do Amaral, 1928.
nossas raízes, em nosso clima e no
Óleo sobre tela.
estilo de vida dos brasileiros.
No período entre guerras as
DISTRIBUIÇÃO DE PORÇÕES moradores dos Estados Unidos
DE SOPA EM NOVA YORK passaram por uma de suas
APÓS A CRISE DE 1929. maiores crises após a queda da
bolsa de Nova York em 1929. A
crise financeira alastrou-se para o
restante do mundo, inclusive no
Brasil, onde, o governo de
Washington Luis se viu obrigado a
comprar sacas de café para que
os fazendeiros não perdessem
seus investimentos. No mesmo
ano, Washington Luis seria
deposto por Getulio Vargas,
apoiado por grande parte da
população brasileira.
CENÁRIO NACIONAL

• 1930: Julio Prestes, candidato do


Partido Republicano Paulista (PRP)
e eleito presidente da Republica
com posse prevista para o ano
seguinte. O resultado da eleição,
porem, foi bastante desequilibrado,
já que seu oponente, Getulio
Campo de Vasco da Gama, Rio de Vargas, obteve apoio expressivo,
Janeiro, 1º de maio de 1942. sobretudo nos esta-dos do Rio
Grande do Sul e de Minas Gerais.
O dia do Trabalho era comemorado
a exaustão no período do governo • Revolução de 1930: depõe Prestes
de Getulio Vargas. Em eleva Getulio ao poder.
manifestação de apoio a Vargas, • Estado Novo (1937/1945): Vargas
trabalhadores seguram faixa com aborta o processo democrático da
os dizeres: " Getúlio Vargas, eleição presidencial, dando um
creador da grande siderurgia" e golpe de estado que instaurou uma
"Volta Redonda dará aço ao ditadura por ele liderada a qual o
Brasil". manteve no poder por oito anos.
CENÁRIO INTERNACIONAL
• Insatisfação profunda entre os paises considerados derrotados na I Guerra
Mundial: Áustria, Hungria, Bulgária, Turquia e, sobretudo, Alemanha.
• Tratado de Versalhes: proibia a Alemanha de fabricar armas, de dispor de força
aérea, devendo manter seu efetivo de militares em no máximo 100 mil homens.
Além disso deveria ceder territórios a França, bem como o direito de
exploração de minas e de colônias a paises como a Inglaterra e Bélgica, entre
outras decisões.
• A Alemanha, contrariando as disposições do Tratado, adensava seu
poderio bélico.
• Os Estados Unidos recusam-se a acatar o Tratado de Versalhes uma vez que
ele fora assinado pelo presidente estadunidense sem a ratificação do senado.

• 1922/1943: Fascismo de Benito Mussolini, na Itália.

• 1933: Adolph Hitler chega ao poder na Alemanha e no ano seguinte se auto-


intitula Führer ("líder"). Proclama a superioridade da "raça" ariana e inicia a
perseguição aos judeus, deficientes físicos, homossexuais, ciganos e negros.

• 1939: Hitler abandona a Liga das Nações, invade a Polônia dando início a II
Guerra Mundial.
Discurso de Mussolini, Il Duce,
na praça da Catedral de Milão.
Líder do fascismo italiano, Benito
Mussolini (1883-1945) comandou
o governo do país entre 1922 e
1943.

No regime fascista os interesses


da nação e dos nascidos no país
estão acima de todos os outros.
Violência e censura são armas
usadas pelos governantes para
suprimir a oposição política.

CABE LEMBRAR
É importante lembrar que os autores vanguardistas da Geração anterior
continuavam vivos e atuantes, cada um deles seguindo seu próprio
trajeto literário, comungando ou não com os novos rumos da poesia. Os
novatos, por meios e caminhos diferentes, deram continuidade ao
trabalho de seus antecessores, fortalecendo a poesia brasileira tanto no
que ela tem de próprio, quanta no de universal.
CARLOS DRUMMOND
DE ANDRADE (1902-1987) Aos 18 anos mudou-se/ para Belo Horizonte com a família e,
no ano seguinte, fez amizade com jovens boêmios: Pedro Nava,
Abgar Renault,Emílio Moura, Alberto Campos, João Alphonsus,
entre outros, com os quais lançou o Modernismo em Minas
Gerais, três anos depois. Em 1924, escreveu uma carta a Manuel
Bandeira, confessando admiração pela obra do poeta. No mesmo
ano, com o grupo de intelectuais mineiros, recebeu os
modernistas de São Paulo e Rio de Janeiro: Mário e Oswald de
Andrade, Tarsila do Amaral e o francês Blaise Cendras. A partir
desse episódio, manteve correspondência com Mário até a morte
deste.
No ano seguinte, casou-se com Dolores Dutra de Morais e
concluiu o curso de Farmácia. Como não se adaptava na
profissão, nem às atividades como fazendeiro, passou a lecionar
Português e Geografia. Mais tarde retornou a Belo Horizonte e
chegou a redator-chefe do jornal Diário de Minas. Em 1928, ano
do nascimento de sua filha Maria Julieta, publicou na Revista de
Antropofagia o poema “No Meio do Caminho”, que causou muita
E o hábito de sofrer, que polêmica, por causa das inovações formais e da técnica de
tanto me diverte, é doce reiteração.
herança itabirana. Aos 32 anos transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde
trabalhou como chefe de gabinete do ministro da Educação e
Nascido em Itabira do Mto Dentro, Saúde Pública Gustavo Capanema. Aposentou-se do
estado de Minas Gerais, no ano de funcionalismo aos 60 anos, da crônica aos 82, mas jamais
1902, Carlos Drummond de Andrade, abandonou a poesia.
filho de pequeno fazendeiro, cursou o
Em 5 de agosto de 1987, sua única filha morreu em
primário na cidade natal, o ginásio e o decorrência de um câncer, e o poeta, não suportando a perda,
colégio, entre Itabira, Belo Horizonte e faleceu no Rio de Janeiro, 12 dias depois, deixando algumas
Nova Friburgo. obras inéditas.
O POETA GAUCHE
Carlos Drummond de Andrade foi essencialmente
um poeta. Como cronista, há outros que a ele se
equiparam; mas como poeta, além de João Cabral de
Melo Neto e Manuel Bandeira, nenhum há em terras
brasileiras.
Começou a publicar aos 28 anos, num total de 56
de atividade poética. O melhor de sua produção
concentra-se em seus dez primeiros livros. Era um
autor com rara consciência do ofício, mestre
inequívoco na forma e no conteúdo

PRINCIPAIS OBRAS
• Alguma Poesia (1930) • As Impurezas do Branco (1973)
• Brejo das Almas (1934) • Menino Antigo (Boitempo II) (1973)
• Sentimento do Mundo (1940) • Discurso de Primavera e Algumas
• José, publicado em Poesias (1942), Sombras (1977)
e em José & Outros (1967) • A Paixão Medida (1980)
• A Rosa do Povo (1945) • Nova Reunião, (1983 – reune 19 livros)
• Novos Poemas (1948) • Corpo (1984)
Capa do livro alguma Poesia, Carlos • Claro Enigma (1951) • Amar se Aprende Amando (1985)
Drummond de Andrade, 1930. • Fazendeiro do Ar (1954) • Poesia Errante (1988)
• A Vida Passada a Limpo (1955) • O Amor Natural (1992)
A primeira publicação de Drummond • Lição de Coisas (1962) • Farewell (1996)
é um dos marcos iniciais da segunda • Boitempo & A Falta que Ama (1968)
fase do Modernismo brasileiro. • Reunião (1969 - compilação de dez livros acima)
O FAZER POÉTICA NA OPINIÃO DO AUTOR
Quando solicitaram a Carlos Drummond de Andrade uma autobiografia para prefaciar
um de seus livros, afirmou: Entendo que poesia e negócio de grande responsabilidade, e
não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje par dor-de-cotovelo, falta
de dinheiro ou momentânea tomada de cantata com as forças líricas do mundo, sem se
entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e
mesmo da ação. Até as poetas se armam, e um poeta desarmado e, mesmo, um ser a
mercê de inspirações fáceis, dócil as modas e compromissos.

A POESIA DRUMMOND EM QUATRO MOMENTOS


Convencionou-se dividir a poesia do autor em quatro fases:
1º) Poemas mais apegados as influências da Geração de 22: versos brancos e livres, prosaísmo,
coloquialismo, humor; predomínio do "eu". Alguma Poesia e Brejo das Almas.
2º) Poemas com predomínio de temas sociais, como o Estado Novo e a Segunda Guerra Mundial;
linguagem um pouco mais clássica, Sentimento do Mundo, José e A Rosa do Povo
3º) Poemas com temas sociais e individuais; reúne versos rimados e metrificados, com outros em
versos brancos e livres; questionamento do sentido da vida e das coisas, antíteses, paradoxos
e contradições. Novas Poemas, Claro Enigma, Fazendeiro do Ar e A Vida Passada a Limpo.
4º) Poemas cujos temas sintetizam as fases anteriores; ocorre a retomada do humorismo da
primeira fase; experimentos formais que incluem o Concretismo. Lição de Coisas.
Existe ainda uma quinta, desenvolvida a partir da década de 1970. Nas últimas obras,
Drummond cultivou a memória, os amigos, o amor por Lígia Fernandes, e seguiu com o
questionamento da vida, dos homens e de si mesmo, mas também apresentou uma novidade: um
livro de poemas eróticos: O amor Natural.
DRUMMOND POR DRUMMOND
Em 1962, foi convidado a organizar uma antologia de
sua própria obra e resolveu dividi-la em nove seções,
ou temas recorrentes:
1) Um eu to do retorcido - Reúne poemas que tem
como tema a indiví-duo, a "eu". Em sua personalidade
de tímido hipersensível busca situar-se como
indivíduo e solucionar suas contradições. A
complexidade do "eu" e expressa pelos termos
"retorcido", "torto", "curvo", todos muito frequentes
em sua poesia.

2) Uma província: esta - Abrange poemas que abordam


a terra natal, Itabira. Par meio da poesia, resgata a
espaço da infância e adolescência, ao evocar a vida
Capa do livro A Rosa do monótona e feliz da província: as praças, as igrejas, as
Povo, Carlos Drummond mas poeirentas, as fazendas, os carros de boi, as
de Andrade, 1945. figuras que povoavam esse mundo.

Considerado um dos 3) A família que me dei - Compreende poemas que tem


maiores clássicos de como tema a família. A terra natal, a recuperação da
Drummond, A Rosa do Povo família patriarcal, do passado parecem-lhe
trata da relação do individuo fundamental para a compreensão do presente. A
com o mundo, as injustiças, relação familiar revela-se tensa, mas o elo de sangue e
a amor se harmonizam invariavelmente em
as iniquidades e os
compreensão, ainda que tardia.
desajustes.
DRUMMOND POR DRUMMOND
4) Cantar de amigos - Reúne poemas cujos amigos são homenageados; referem-se
tanto a figuras que a poeta realmente conheceu, como Mário de Andrade e Manuel
Bandeira, par exemplo, quanta a personalidades que ele admirava a distancia, como
Fernando Pessoa, Charles Chaplin, entre outros.
5) Amar-amaro - Abarca poemas cuja temática e uma das mais impor-tantes do autor: O
choque social, o atrito entre o "eu" e o mundo. As iniquidades, as injustiças e os
desajustes do mundo provocam dor e revolta vazadas em versos sociais de grande
expressão.
6) Uma, duas argolinhas - Reúne poemas sobre a descoberta amorosa. a poeta vê o
amor, sempre vinculado ao desejo sexual, como algo de que não se pode fugir: o amor
sequestra, domina, desequilibra, causa desassossego. Drummond apresenta uma
dimensão trágica do amor, ou banaliza esse sentimento, numa tentativa de neutralizá-lo.
7) Poesia contemplada - Abrange poemas em que o próprio fazer poético e tema da
poesia em um processo de metalinguagem. Para Drum-mond a poesia pode ser a chave
para explicar o vazio, o imponderável da vida.

8) Na praça de convites - Compreende os experimentos formais, os jogos lúdicos com


a palavra. Em suas incansáveis pesquisas do trabalho poético, Drummond se dedicou a
alguns trabalhos ligados ao Concretismo.

9) Tentativa de exploração e de interpretação do estar no mundo - Abrange


poemas que procuram expressar uma visão, ou tentativa de existência. Drummond
sempre foi um poeta perplexo diante do mundo e de suas contradições. Em inúmeros
poemas busca um senti-do para a precariedade da vida.
Cena do filme O Grande Ditador
realizado por Charles Chaplin, em 1940.
Admirado por Drummond, Chaplin foi
um artista de cinema completo. Dirigiu,
atuou, escre-veu, produziu e divulgou
seus filmes. Em seu primeiro filme com
som, O Grande Ditador, faz critica a
sociedade imaginada por Adolf Hitler em
plena ascen-são dos nazistas durante a II
Guerra Mundial.
Considerado gênio do cinema, seus
filmes são clássicos encantando ate os
dias de hoje com seu humor e tratando
de temas que perma-necem atuais.
Bispo alemão
visita o "Hall dos
Nomes" no
Memorial do Yad
Vashem, dedicado
as vítimas do
Holocausto onde 6
milhões de judeus
foram mortos pelo
nazismo durante a
II Guerra Mundial.
Cidade de Nagasaki, no Japão, em ruínas após bombardeio atômico,
outubro de 1945.
Marco do fim da II Guerra Mundial, a bomba atômica lançada pelos
norte-americanos em 9 de agosto de 1945 na cidade japonesa deixou
mais de 30 mil mortos. No entanto, a quantidade de pessoas que
sofreram com efeitos da radiação e incontável. Poucos dias antes, a
cidade de Hiroshima também fora bombardeada.
Resíduo dragão partido, flor branca, simplório arroto, gemido
De tudo ficou um pouco. ficou um pouco de víscera inconformada,
Do meu medo. Do teu asco. de ruga na vossa testa, retrato. e minúsculos artefatos:
Dos gritos gagos. Da rosa Se de tudo fica um pouco, campânula, alvéolo, cápsula
ficou um pouco. mas por que não fica ria de revolver... de aspirina.
Picou um pouco de luz um pouco de mim? no trem De tudo ficou um pouco.
captada no chapéu. que leva ao norte, no barco, E de tudo fica um pouco.
Nos olhos do rufião nos anúncios de jornal, Oh abre as vidros de loção
de ternura ficou um pouco um pouco de mim em Londres, e abafa
(muito pouco). um pouco de mim algures? o insuportável mau cheiro da memória.
Pouco ficou deste pó na consoante? Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
de que teu branco sapato se no poço? e sob as ondas ritmadas
cobriu. Picaram poucas Um pouco fica oscilando e sob as nuvens e as ventos
roupas, poucos véus rotos embocadura dos rios e sob as pontes e sob as túneis
pouco, pouco, muito pouco. e os peixes não a evitam, e sob as labaredas e sob a sarcasmo e
Mas de tudo fica um pouco. um pouco: não esta nos livros. sob a gosma e sob a v6mito
Da ponte bombardeada, De tudo fica um pouco. e sob a soluço, a cárcere, a esquecido
de duas folhas de grama, Não muito: de uma torneira e sob as espetáculos e sob a morte de
do março pinga esta gota absurda, escarlate
- vazio - de cigarros, ficou um meio sal e meio álcool, e sob as bibliotecas, as asilos, as
pouco. salta esta perna de rã, igrejas triunfantes
Pais de tudo fica um pouco. este vidro de relógio e sob tu mesmo e sob teus pés já
Pica um pouco de teu queixo partido em mil esperanças, duros e sob as gonzos 4 da família e da
no queixo de tua filha. este pescoço de cisne, classe, fica sempre um pouco de tudo.
De teu áspero silêncio este segredo infantil... As vezes um botão. As vezes um rata.
um pouco ficou, um pouco De tudo ficou um pouco:
nos muros zangados, de mim; de ti; de Abelardo.
nas folhas, mudas, que sobem. Cabelo na minha manga, (ANDRADE, Carlos Drummond de. A
Picou um pouco de tudo de tudo ficou um pouco; Rosa do Povo. In Reunião. Rio de
vento nas orelhas minhas, Janeiro: Jose Olympio, 1973.)
no pires de porcelana,
O Enterrado Vivo
E sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
ÉE sempre no meu sana aquela guerra.
E sempre no meu trato a amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
E sempre nos meus pulos a limite.
E sempre nos meus lábios a estampilha.
E sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe. Visitantes em um dos
Sempre dentro de mim meu inimigo. memoriais aos mortos na II
E sempre no meu sempre a mesma ausência. Guerra Mundial, onde 2,5
milhões de japoneses foram
mortos.
(ANDRADE, Carlos Drummond de.
Fazendeiro do Ar. In op. cit.)
Os Sons Congelados, Número 1. Adolph Gottieb, s.d. Óleo sabre tela.
o artista norte-america no Adolph Gottieb (1903-1974) e considerado um dos
expoentes do expressionismo abstrato. O movimento, iniciado nos anos 1940, foi
responsável par inserir Nova York como centro artístico. Alem de Gottieb,
Jackson Pollock e Willem de Kooning fizeram parte do movimento.
Os Ombros Suportam o Mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abriras.


Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
Es todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?


Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida e uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo.


In Reunião. Rio de Janeiro, Jose Olympia, 1973.)
VINICIUS DE MORAES
(1913 - 1980)

Quem pagará o enterro e as flores


Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?

Além da poesia e da prosa, a partir de


1950, Vinicius de Moraes começou a
participar ativamente do contexto
musical brasileiro. Fez parcerias com
Tom Jobim, Baden Powell, Toquinho,
entre tantos outros. Na foto, Gilberto
Gil (centro), Cláudia e Vinicius de
Moraes participam do segundo
"Ensaio Geral", do Canal Nove,
programa televisivo que reunia
grandes nomes da MPB.
O poeta chilena Pablo Neruda ao lado
de Vinicius de Moraes.

Vinicius de Moraes torna-se amigo do


poeta chileno Pablo Neruda (1904-
1973) nos anos 1940. Após a morte de
Neruda, escreve um soneto em sua
homenagem A Pablo Neruda.

MARCUS VINITIUS?
O pai do poeta, que tinha gosto pelas línguas clássicas, o registrou
com o nome "Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes", porém, aos
nove anos, Vinicius pediu retificação do registro e passou a ser
oficialmente "Vinicius de Moraes".
Placa da esquina da
Mulata. Emiliano Di Cavalcanti, 1938.
Avenida Tom Jobim com a Óleo sabre tela.
Rua Vinicius de Moraes, Não sabemos se Di Cavalcanti pintou
Vinicius em suas cores tão brasileiras
em Ipanema, Rio de ou se Vinicius cantou em versos, em
Janeiro. 1963, a amigo pintar: " ...Que bom
existas, pintor Enamorado das ruas
Que bom vivas, que bom sejas ... "
Cabe lembrar que, alem de poeta e
Poética
dramaturgo foi excelente cronista,
retratando com originalidade o
De manhã escureço
mundo de seu tempo.
De dia tardo
De tarde anoiteço
PRINCIPAIS OBRAS De noite ardo.
A oeste a morte
• Caminho Para a Distância (1933)
Contra quem vivo
• Forma e Exegese (1935) Do sul cativo
• Ariana, a Mulher (1936)
• Novas Poemas (1938) Oeste e meu norte.
• Cinco Elegias (1943) Outros que contem
Passo por passo:
• Poemas, Sonetos e Baladas (1946)
Eu morro ontem
• Pátria Minha (1949)
Nasço amanhã
• Livro de Sonetos (1957)
Ando onde há espaço:
• Novas Poemas, II (1959) - Meu tempo e quando.
• Para Viver um Grande Amor
(1962 - poemas e cronicas) (MORAES, Vinicius de. Antologia Poética.
Rio de Janeiro: Jose Olympia, 1980.)
A AUSENTE

Amiga, infinitamente amiga


Em algum lugar teu coração bate por mim
Em algum lugar teus olhos se fecham a idéia dos meus.
Em algum lugar tuas mãos se crispam, teus seios
se enchem de leite, tu desfaleces e caminhas
Como que cega ao meu encontro...
Amiga, ultima doçura
A tranquilidade suavizou a minha pele
E os meus cabelos. Só meu ventre
Te espera, cheio de raízes e de sombras.
Vem,amiga
Minha nudez e absoluta
Meus olhos são espelhos para o teu desejo
E meu peito e tábua de suplícios
Vem. Meus músculos estão doces para os teus dentes
E áspera e minha barba. Vem mergulhar em mim
Como no mar, vem nadar em mim como no mar
Vem te afogar em mim, amiga minha
Em mim como no mar...

(Idem, Ibidem)
lmagem da explosão
de Nagasaki
no Japão,
9 de agosto de 1945,
efetuada pela armada
norte-americana.
A Bomba Atômica
(...)

II
A bomba atômica e triste Pomba tonta, bomba atômica
Coisa mais triste não há Tristeza, consolação
Quando cai, cai sem vontade Flor puríssima do urânio
Vem caindo devagar Desabrochada no chão
Tão devagar vem caindo Da cor pálida do helium
Que da tempo a um passarinho E odor de rádium fatal
De pousar neta e voar... Loelia mineral carnívora
Coitada da bomba atômica Radiosa rosa radical.
Que não gosta de matar!
Nunca mais, oh bomba atômica
Coitada da bomba atômica Nunca, em tempo algum, jamais
Que não gosta de matar! Seja preciso que mates
Mas que ao matar mata tudo Onde houve morte demais:
Animal e vegetal Pique apenas tua imagem
Que mata a vida da terra Aterradora miragem
E mata a vida do ar Sobre as grandes catedrais:
Mas que também mata a guerra ... Guarda de uma nova era
Bomba atômica que aterra! Arcanjo insigne da paz!
Pomba atônita da paz! (...)
JORGE DE LIMA (1895 – 1953)
“Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.”

(Jorge Lima)

Jorge Mateus de Lima e alagoano de União dos Palmares. Aos nove anos transferiu-se
para Maceió, onde concluiu seus estudos scenarios no Colégio Diocesano. Mudou-se para
Salvador e, com apenas 15 anos, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia,
transferindo-se para o Rio de Janeiro onde se diplomou e iniciou a sua carreira literária.

Formado, passou a clinicar em Maceió. Eleito deputado estadual duas vezes


consecutivas, exerceu também atividade como professor catedrático concursado de Historia
Natural e Higiene da Escola Normal. Além da Literatura, interessou-se por Artes plásticas,
especialmente pintura. Em 1921, foi nomeado o Príncipe dos Poetas Alagoanos, e a
Literatura passou a ocupar um lugar cada vez mais importante em sua vida.

Em 1931, transferiu-se definitivamente para o Rio de Janeiro. Lá foi membro da


Comissão de Literatura Infantil, do Ministério da Educação, tendo recebido vários prêmios
nacionais e internacionais. Deu aulas de Literatura na Universidade do Brasil e chegou a
vereador da Câmara do Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal. Faleceu no Rio de Janeiro, em
1953, aos 58 anos.
PRINCIPAIS OBRAS

Poesia
• XIV Alexandrinos (1914)
• O Mundo do Menino Impossível (1925)
• Poemas (1927)
• Tempo e Eternidade (1935 – em
parceria com Murilo Mendes)
• A Túnica Inconsútil (1938)
• Poemas Negros (1947)
• Invenção de Orpheu (1952)

Romance
• Salomão e as Mulheres (1927) Capa dos Poemas Negros,
• O Anjo (1934) Jorge de Lima, 1947. Com
• Calunga (1935) ilustrações de Lasar Segall.
Manequim de Mulher sem Rosto. Jorge de Lima, s.d.
Fotomontagem.

Jorge de Lima e pioneiro no trabalho com fotomontagens


no Brasil. Publicadas separadamente em jornais da
época, foram reunidas em livro A Pintura em Pânico de
1943, com prefácio de Murilo Mendes, o qual havia
acabado de lançar o título A Poesia em Pânico, com capa
criada por Jorge de Lima.

Mulher com Cabeça de Escafandro. Jorge de Lima, s.d.


Fotomontagem.

Artista múltiplo, Jorge de Lima também dedicou-se a pintura,


escultura e fotomontagem. Em suas publicações,
preocupava-se com todos os detalhes gráficos do livro,
acompanhando todo o processo de produção, ilustrando ele
mesmo ou escoIhendo ilustradores a dedo.
POESIA DO CÉU E DO INFERNO
O livro de estréia de Jorge de Lima, XIV Alexandrinos, como o nome sugere, apresenta forte
influencia parnasiana. Treze anos depois, sobretudo pelo contato com os prosadores regionalistas
do Recife, como Jose Lins do Rego e Gilberto Freire, descobriu sua vocação de poeta moderno,
aderindo aos versos brancos e livres e ao prosaísmo modernista. A partir dessa segunda fase,
apre-senta uma poesia descritiva de cunho regional, envolvendo o espaço nordestino: paisagens,
folclore, personagens (como Lampião e Padre Cícero), mem6rias da pr6pria infância e
adolescência, os negros e o povo pobre e oprimido.
Num terceiro momento, Jorge entra em uma fase de intensa religiosidade católica, a partir da
publicação, em 1935, de Tempo e Eternidade, em colaboração com Murilo Mendes - obra cujo lema
era "restauremos a poesia em Cristo" -, tendência que ecoará em mais três obras: Túnica
Inconsútil, Anunciação e Encontra com Mira-Celi. Nesse momento, o poeta busca o
desvendamento do místico, que, em sua ótica, se estende ao plano terreno, numa espécie de fusão
neobarroca entre o terreno e o transcendente. Deus, Cristo, a Virgem, e outras personagens e
passagens bíblicas mesclam-se ao lirismo e sensualismo.
Houve ainda uma derradeira fase de síntese das anteriores. Com o Livra de Sonetos, publicado
em 1949, retoma as rim as e a métrica, técnicas que, a partir dai, alternam versos livres com versos
brancos. Resgata também temas da segunda fase, como o Nordeste, o negro, a infância e atenua
seu misticismo.
Em Invenção de Orpheu, magnífica obra em dez cantos, amálgama versos decassílabos
brancos e rimados, com outros sem métrica ou rima.
Jorge de Lima foi um poeta que praticou as técnicas da versificação clássica e moderna;
ateve-se a temas subjetivos e sociais; em qualquer desses momentos foi um dos grandes mestres
da poesia brasileira.
Tarde Oculta no Tempo
Andarilho sem destino reparou então
que seus sapatos tinham a poeira diferente
de todas as pátrias pitorescas;
e que seus olhos conservavam as noites e
os dias dos climas mais vários do universo;
e que suas mãos se agitaram em adeuses
a milhares de cais sem saudades e amigos;
e que todo o seu corpo tinha conhecido
as mil mulheres que Salomão deixou.
E o andarilho sem destino viu
que não conhecia a Tarde que está oculta no
tempo sem paisagens terrenas, sem
turismos, sem povos, mas com a vastidão
infinita onde os horizontes são as nuvens
que fogem.
Tempo e Eternidade, Jorge de
Lima e Murilo Mendes, 1939.
(LIMA, Jorge de. Poesia Completa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1980.)
Jorge de Lima e Murilo Mendes
formaram grande parceria que
duraria até a morte de Lima.
O poeta diante de Deus

Senhor Jesus, o século está pobre. Eu quero uma voz mais forte que o poema,
Onde é que vou buscar poesia? mais forte que o inferno, mais dura que a morte:
Devo despir-me de todos os mantos, eu quero uma força mais perto de Vós.
os belos mantos que o mundo me deu. Eu quero despir-me da voz e dos olhos,
Devo despir o manto da poesia. dos outros sentidos, das outras prisões,
Devo despir o manto mais puro. não posso Senhor: o tempo está doente.
Senhor Jesus, o século está doente,
o século está rico, o século está gordo. Os gritos da terra, dos homens sofrendo
me prendem, me puxam - me dai Vossa mão.
Devo despir-me do que e belo,
devo despir-me da poesia,
devo despir-me do manto mais puro (LIMA, Jorge de. Poesia Completa. Rio de Janeiro:
que o tempo me deu, que a vida me dá. Nova Fronteira, 1980.)

Quero leveza no vosso caminho.


Até o que e belo me pesa nos ombros,
até a poesia acima do mundo,
acima do tempo, acima da vida,
me esmaga na terra, me prende nas coisas.
MURILO MENDES (1901 – 1975)
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo
[e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um […]

(Murilo Mendes)

Capa do livro Janela PRINCIPAIS OBRAS


do Caos, Murilo
Mendes, publicado na • Poemas (1930)
França em 1949. • História do Brasil (1932)
• Tempo e Eternidade (1935 – em
A obra foi i1ustrada
colaboração com Jorge de Lima)
por Francis Picabia
• A Poesia em Pânico (1938)
(1879-1953). a artista
francês participou do • O Visionário (1941)
movimento Dadaísta • As Metamorfoses (1944)
ao lado de Duchamp, • Mundo Enigma (1945)
dedicando-se, anos • Poesia Liberdade (1947)
mais tarde, ao • Tempo Espanhol (1959)
Surrealismo. • Convergência (1970)
UM POETA LIBERTÁRIO
Desde o seu surgimento literário com colaborações para
revistas moder-nistas, Murilo Mendes foi um poeta
surpreendente. Seu livro de estréia, Poemas, e mais que um
exercício estético de um adepto da Geração de 22, é um
exemplo de liberdade de um artista que jamais gostou de
pertencer com exclusividade a algum grupo: cultivou a sátira, a
paródia, as lembranças da infância, os tem as religiosos, as
visões oníricas etc. Tudo isso num estilo absolutamente
original e vigoroso, em que a influencia surrealista e nítida. Foi
ele, alias o poeta que, entre nós, melhor soube expressar essa
tendência.
Seu segundo livro, História do Brasil (1932), acumula
poemas humorísticos, cheios de coloquialismos, cujo alvo são
personagens e episódios da nossa história; Murilo Mendes
desdenha até do nativismo obsessivo dos próprios autores Capa do livro História do
modernistas. Brasil, Murilo Mendes, 1932,
A convivência com Ismael Nery, morto em 1934, e com capa de Di Cavalcanti.
Jorge de Lima, ambos católicos, converteu o poeta a uma
religiosidade que o acompanhou até o fim de sua obra. Essa Nessa, que e uma de suas
conversão, entretanto, não lhe tirou o humor, nem o absteve de principais obras, Murilo
Mendes faz paródia com o
um questionamento perpetuo da vida. Uma das características
discurso historiográfico
mais notáveis da sua obra é a dualidade: Deus/Diabo,
oficial, explora as relações
concreto/abstrato, real/ fantástico, espíri-to carne, Igreja/ do Brasil entre diversos
mundo material, pecado/ culpa etc. países, sem nunca deixar de
Em suas últimas obras, abordou temas nacionais e usar uma linguagem
enveredou por pesquisas que iam desde o formalismo clássico coloquial.
a experimentos concretistas.
O FILHO DO SÉCULO
CARTÃO POSTAL Nunca mais andarei de bicicleta
Nem conversarei no portão
Com meninas de cabelos cacheados
Domingo no jardim publico pensativo. Adeus valsa "Danúbio Azul"
Consciências corando ao sol nos bancos, Adeus tardes preguiçosas
bebês arquivados em carrinhos alemães Adeus cheiros do mundo sambas
esperam pacientemente o dia em que Adeus puro amor
poderão ler o Guarani. Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem
Passam braços e seios com um jeitão Não tenho forças para gritar um grande grito
que se Lenine visse não jazia o Soviete. Cairei no chão do século vinte
Aguardem-me lá fora
Marinheiros americanos bêbedos
As multidões famintas justiceiras
fazem pipi na estatua de Barroso,
Sujeitos com gases venenosos
portugueses de bigode e corrente de relógio É a hora das barricadas
abocanham mulatas. É a hora da fuzilamento, da raiva maior
O sol afunda-se no ocaso Os vivos pedem vingança
como a cabeça daquela menina sardenta Os mortos minerais vegetais pedem vingança
na almofada de ramagens bordadas por É a hora do protesto geral
Dona Cocota Pereira. É a hora dos vôos destruidores
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos,
(In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Misérias de todos os paises uni-vos
Rio de Janeiro: J. Olympia, 1959) Fogem a galope os anjos-aviões
Carregando o cálice da esperança
Tempo espaço firmes porque me abandonastes.
(In: MENDES, Murilo. Po Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959)
CECÍLIA MEIRELES (1901-1964)

O Olho e um teatro por dentro.


E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no Olho, lágrimas.

Cecília Meireles nasceu no Rio de Janeiro, em 1901, três meses após a morte de seu pai. Perdeu
a mãe aos dois anos e foi criada pela avó materna, Jacinta Garcia Benevides. Cursou o primário em
escola públi-ca e formou-se professora primária aos 16 anos.
Alma sofisticada, tinha verdadeira paixão pelos livros, pelo saber e pelas artes: estudou vários
idiomas, canto e violino. Em suas aulas usava os versinhos e cantigas compostos desde o primário.
Na adolescência, começou a escrever de maneira mais disciplinada, publicando seu primeiro livro,
Espectros, aos 16 anos.
Aos 21 anos casou-se com o artista plástico português Fernando Correa Dias, que passou a
ilustrar suas obras. Dessa união nasceram três filhas.
Com a publicação de Viagem, em 1939, premiado pela Academia Brasileira de Letras ela retoma
sua atividade poética. Casou-se novamente no ano se-guinte e foi convidada a lecionar Cultura
Brasileira na Universidade do Texas; tornou-se também conferencista internacional. A década de
1950 foi de pros-peridade e de reconhecimento. Intensificou suas pesquisas sobre História e
Folclore brasileiros e suas viagens ao exterior. Recebeu em Nova Delhi o título de doutor honoris
causa. Faleceu no Rio de Janeiro em 1964.
Em 1934, Cecília Meireles e o
marido inauguraram a
primeira biblioteca infantil do
país: O Centro de Cultura
Infantil do Pavilhão Mourisco,
no Rio de Janeiro. Hoje,
Fundação Oswaldo Cruz em
Manguinhos, na zona norte do
Rio de Janeiro.

PRINCIPAIS OBRAS

• Espectros (1919) •Canções (1956)


• Viagem (1939) • Obra Poética (1958)
• Vaga Música (1942) • Solombra (1963)
• Mar Absoluto (1945) • Ou Isto ou Aquilo (1964)
• Retrato Natural (1949) • Cânticos, Poesias Inéditas (1981)
• Romanceiro da
Inconfidência (1953)
A BELA

Cecília Meireles foi uma mulher


deslumbrante. Carlos Drummond
de Andrade conta que, quando a
poetisa já passara dos 50 anos,
ele conversava ao telefone com
Manuel Bandeira, e disse ao
amigo que tinha encontrado uma
revista antiga que tinha uma foto
dela ainda jovem. Comentou
sobre a beleza de Cecília, e
Bandeira retrucou: “O diabo não
e a moça bonita que ela foi, mas
a velha bonita que ela é!...”
Nasci no Rio de Janeiro, três meses depois da morte do meu pai, e
perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas
na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas ao mesmo
tempo me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a morte que
docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. Em toda
a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A
noção ou sentimento da transitoriedade de tudo e o fundamento da
minha personalidade. [...]

Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem


negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa
foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios
inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram
o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais
tarde, foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas
realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje
não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre
esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano.

(MElRELES, Cecília. Obras Completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987.)


A POESIA-PÉTALA
A estréia de Cecília Meireles, em 1919, com Espectros,
ainda que presa aos cânones parnasianos, já assinala a
entrada no cenário poético nacional de uma personalidade
artística original e fecunda, de capacidade lírica plena, de
domínio profundamente técnico.
Cecília Meireles optou por um caminho pessoal,
mesclando liberdade formal com equilíbrio clássico. Sua
preferência eram os versos curtos, notadamente os de
cinco, sete ou oito sílabas, mas trabalhava bem com versos
livres; construiu versos brancos e rimados, inclusive os de
rimas toantes - aqueles em que somente as vogais rimam
entre si. Explorou em abundancia recursos de musicalidade,
como aliteração, assonância, reiteração. Criou metáforas e
sinestesias de grande originalidade, que deram a seus
poemas um clima mágico.
Os temas mais constantes em sua obra são: a
precariedade da existência humana e da vida, a fugacidade
Capa do Iivro Romanceiro
dos bens materiais e do tempo, a falta de sentido da vida, a
da lnconfidência, Cecília solidão a que o indivíduo está condenado, a vida como
Meireles, 1953. Essa, que sonho, a distancia, a perda, a falta. Seu tom melancólico e
é sua principal obra épica, sereno, jamais toca o desespero.
foi fruto de anos de Sua poesia parece ansiar por atingir um mundo
atemporal e imaterial, em que a relatividade não existe e
estudo sobre a história tudo e absoluto; daí o desprezo pela matéria como algo que
mineira. impede a perfeição e a ascese espiritual, ou seja, a plenitude
da alma.
RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes
olhos tão vazios, MOTIVO
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e
Eu canto porque o instante existe
frias e mortas;
eu não tinha este coração e a minha vida esta completa.
que nem se mostra. Não sou alegre nem sou triste:
Eu não dei por esta mudança, sou poeta.
tão simples, tão certa, tão fácil: Irmão das coisas fugidias,
-Em que espelho ficou perdida a minha face? não sinto gozo nem tormento.
(MEIRELES, Cecília. Poesia Completa. Atravesso noites e dias
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993.) no vento.
Se desmorono ou se edifico,
HERANÇA se permaneço ou me desfaço,
-não sei, não sei. Não sei se fico
Eu vim de infinitos caminhos, ou passo.
e os meus sonhos choveram lúcido pranto Sei que canto. E a canção é tudo.
[pelo chão. Tem sangue eterno a asa ritmada.
Quando e que frutifica, nos caminhos infinitos,
E um dia sei que estarei mudo:
essa vida, que era tão viva, tão fecunda,
porque vinha de um coração? -mais nada.

E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos, (Idem, ibidem)


do pranto que caiu dos meus olhos passados,
que experiência, ou consolo, ou premio alcançarão?
(Idem, ibidem)

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