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“A batalha do Jenipapo”, de Arte Paz. Reprodução

A batalha do Jenipapo foi um dos conflitos mais violentos da guerra das independência do Brasil

O combate que decidiu o futuro do Brasil


A batalha do Jenipapo e a consolidação da independência do
Brasil no Piauí 1823
por Johny Santana de Araújo *

Resumo
Em 19 de outubro de 1822, um grupo de pessoas influentes da vila de Parnaíba, no Piauí, havia
entendido que era chegada a hora de tomar partido pela independência. Em um ato carregado
de simbolismo, decidiu-se pela adesão da província à causa. Em 24 de janeiro de 1823, em Oeiras,
capital do Piauí, semelhante movimento ocorreu. A efetiva projeção política de ambas as adesões
dependeria da expulsão dos portugueses da região, o que não seria voluntário; era necessária
uma força militar numericamente superior. Com a campanha na Bahia se iniciando e o exército
brasileiro ainda por ser formado, as lideranças no Piauí contariam com apoio local e da vizinha
província do Ceará para a criação de um exército libertador. Foi com um corpo de combatentes
aquém do exército português que na manhã do dia 13 de marco de 1823 piauienses e cearenses
se defrontaram às margens do Riacho Jenipapo com as tropas do major João José da Cunha
Fidié, autoridade máxima portuguesa na província, e assim selaram paradoxalmente o destino do
projeto português no norte do seu império colonial no Brasil.

Palavras-chave: Independência, Guerra, Piauí.


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O lugar do Piauí no durante o governo do príncipe A historiografia sobre o


regente D. Pedro, após a volta processo de independência no
contexto de seu pai D. João para Portugal, Piauí fez referência ao projeto
que naquele momento já era português de salvaguardar o
Uma das mais significativas um monarca constitucional. norte de seu império colonial
narrativas sobre a guerra de Essa era uma das medidas- em caso da separação de fato
independência do Brasil refere- chave do projeto das Cortes ocorrer. Isso se daria muito
se a batalha do Jenipapo, de ressignificar a estrutura por conta da proximidade das
ocorrida as margens do riacho administrativa das capitanias, elites comerciais e políticas
do mesmo nome próximo à criando um mecanismo que das provinciais do Maranhão e
vila de Campo Maior no Norte fosse fiel a Portugal. do Grã Pará. a ideia de incluir
da Província do Piauí. Um Como afirmou Oliveira o Piauí nesse projeto derivava
episódio relativamente pouco Lima: “As juntas foram o alicerce da concepção de que a região
trabalhado cuja participação do Brasil constitucional. Entre era detentora de um grande
de forças libertadoras no a Bahia e o Pará elas se foram rebanho de gado, e que
processo de independência se sucedendo n’um espírito historicamente no passado o
tornou capital para barrar as de passividade nacional, Piauí já havia feito parte do
ações do estado português e deferentes para com a política Maranhão.
do projeto para salvaguardar unionista das Côrtes, refratarias As diversas falas da
o Norte do seu império a subordinação a um centro elite política e econômica de
colonial. A batalha impactaria executivo brasileiro.” E, nesse Portugal se faziam representar
decisivamente no fracasso esquema, o controle militar nas ações de seus militares
desse projeto pois também era das regiões que passaram a ser estacionados nas Províncias do
fruto de uma reação que levou denominadas de Província era Brasil, as instruções eram bem
ao antilusitano no Brasil. de fundamental importância. explícitas, com o objetivo de
A compreensão desse Caso o projeto de manter a todo custo a região
processo se liga às medidas restabelecer o status de sob domínio de Lisboa. Sobre
que visavam reconduzir o país colônia ao Brasil não vingasse, isso, o major João José da
à condição de colônia. Dentre e visando salvaguardar o que Cunha Fidié, ao viajar para o
as medidas tomadas em pudesse de territórios do Piauí, deixou registrado em
relação ao Brasil pelas Cortes norte do seu império colonial, sua autobiografia quais eram as
Gerais da Nação Portuguesa, foi enviado para regiões suas ordens nesse sentido, “[…]
foi a criação em 1821 das especificas militares com a sua Magestade [D. João VI] me
Juntas Provisórias de Governo, missão de exercer o comando ordenou muito positivamente,
ou Juntas do Governo de tropas para a defesa dos que me mantivesse, dizendo-
Provisório, substituindo os interesses da metrópole me – ‘mantenha-se! Mantenha-
capitães e governadores das portuguesa, para a Província se!”
capitanias na administração do Piauí foi enviado o major No Brasil, após a
das províncias. As juntas João José da Cunha Fidié, proclamação da Independência
eram detentoras de toda a que havia sido nomeado por pelo príncipe D. Pedro, em 7
autoridade e jurisdição nos meio de carta régia de 9 de de setembro de 1822, a notícia
âmbitos civil, econômico, dezembro de 1821 para ser o rapidamente chegou ao Piauí
administrativo e de polícia. comandante de armas do Piauí, e na vila de Parnaíba, e no dia
Em atendimento às tendo este chegado em 8 de 19 de outubro do mesmo ano,
reivindicações das Cortes e a agosto de 1822 com a missão a elite política e econômica da
fim a restabelecer o domínio e precípua de manter a região vila, personificada nas figuras
centralidade política emanada a sob controle português a todo do juiz de fora João Cândido de
partir de Lisboa no controle do custo. O governo das armas Deus e Silva, do comerciante e
Império Luso-brasileiro, essas era independente do governo coronel de milícias Simplício
medidas atingiram em cheio civil e receberia instruções Dias da Silva, do capitão
ao Piauí bem como as demais e ordens diretamente de Domingos Dias da Silva, de
províncias e foram estabelecidas Portugal. José Ferreira Meirelles, do
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Após a saída de Fidié de
Oeiras os membros de uma
Junta eleita sob a liderança
de Manoel de Sousa Martins
e seu Irmão Joaquim de
Sousa Martins, proclamaram
a Independência em Oeiras
no dia 24 de janeiro de 1823.
Assim o Norte em Parnaíba
e o Sul onde estava a capital
da Província, Oeiras estavam
sublevadas e fieis a D. Pedro.

Exércitos frente a
frente
“Cemitério do Batalhão, em Campo Maior”. Divulgação Com a independência
também proclamada no Ceará,
na vila de lcó, em 16 de outubro
de 1822, foi feita uma aliança
Figura 1. O Cemitério do Batalhão do Jenipapo, localizado à margem entre Tristão Gonçalves de
do Rio Jenipapo, em Campo Maior, no Estado do Piauí, tornou-se Alencar Araripe, com o chefe
um sítio arqueológico tombado no dia 30 de novembro de 1938 José Pereira Filgueiras após se
reunirem ali os eleitores do Sul
da província para a escolha dos
capitão Bernardo Antônio Parnaíba, o major Cunha constituintes brasileiros. Isto fez
Saraiva, do escrivão Angelo da Fidié iniciou o deslocamento surgir um governo temporário
Costa Rosa, de Bernardo de de suas forças para sufocar o organizado como uma Junta
Freitas Caldas, José Francisco movimento naquela vila. Ao que tomou o controle político
de Miranda Osório e do tenente chegar em Parnaíba, Fidié do Ceará.
Joaquim Thimotheo de Britto, a encontrou ausente das Os insurgentes parnaibanos
aclamaram o príncipe D. Pedro lideranças insurgentes, o que o do Piauí, que haviam se
como imperador do Brasil. impediu de tomar providências deslocado ao vizinho Ceará,
Em 7 de novembro mais duras contra os líderes solicitaram então ajuda a esse
de 1822, de São Luís do da proclamação. Naquelas novo governo. Os deputados
Maranhão, o comandante circunstâncias vários líderes membros da Junta Provisória
Militar do Maranhão Agostinho haviam debandado em busca da Província do Ceará, que
António de Faria escreveu de apoio junto a Província haviam aderido totalmente
ao secretário de estado dos do Ceará a fim de auxiliá- à independência, decidiram
Negócios da Guerra, Cândido los na contenção das forças então auxiliar o Piauí contra
José Xavier, comunicando portuguesas. as tropas portuguesas
sobre a insurreição no Piauí, No Ceará, as primeiras comandadas pelo major João
na vila da Parnaíba, e que era notícias da reação portuguesa no José da Cunha Fidié. Isso se deu
liderada pelo então juiz de Piauí haviam chegado em janeiro no mesmo dia da proclamação
Fora, João Cândido de Deus de 1823. Naquele momento de independência em Oeiras.
e pelo coronel Simplício Dias começava a se formar a Junta Com o pedido de socorro sendo
da Silva e que haviam aderido de Governo Independente no atendido pelos cearenses,
à independência do Brasil, Ceará, o apoio da junta seria de era necessário criar uma força
proclamada no Rio de Janeiro. vital importância para o projeto armada: o juiz João Cândido
Em Oeiras, ao tomar de manter o Piauí dentro do solicitou armas, munições e
ciência do ocorrido em novo império. homens, enquanto Leonardo
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Castelo Branco conseguiu na marcha contra Fidié no Piauí e de São Gonçalo
organizar em Sobral no Ceará posteriormente ao Maranhão. A – Jozé da Costa
uma força expedicionária. junta do Ceará cita algo em torno Velozo. Faz-se, pois,
O Governo independentista de 20 mil homens mobilizados, necessário q V. S.
tome as medidas
do Ceará enviou um aviso e que poderia colocar 10 mil
providenciais que
à Junta Provisória do Piauí já em marcha com semelhante
o tempo requer.
confirmando que socorreria a contingente na reserva. Fala- A Pátria está em
província e referiu-se ao projeto se também em um número perigo, cumpre
de D. Pedro para demarcar o aproximado de 8 a 10 mil salva-la para não
plano de extensão do Império combatentes. Por outro lado em sermos submergidos
que estava surgindo ao longo suas memorias, o major Cunha por ela.
do território do Reino do Brasil, Fidié relatou que as tropas do
asseverando que “[…] o grito exército inimigo somavam perto Desde a proclamação de 24
da independência do Brazil tem de 9 mil homens na última fase de janeiro, as forças portuguesas
retumbado desde o Prata até o da campanha já no Maranhão. estacionadas no Maranhão
Amazonas, [...],essa afirmação Por volta de 20 de também trataram de se preparar
derrubaria completamente o fevereiro de 1823, algumas contra os independentistas do
projeto português de manter semanas antes da batalha no Piauí, desde a vila de Pastos Bons
o Norte Brasil ao seu império Jenipapo e com a afluência de até Caxias, todas as guarnições
colonial. O Piauí havia se forças de ambos os lados se maranhenses próximas ao
iniciado, portanto, no combate deslocando para Campo Maior, Piauí, como Carnaubeiras, São
de resistência ao comandante a Junta de Governo em Oeiras Bernardo e mesmo a vila de
das armas português. Segundo traçou planos para mobilizar Itapecuru, já próxima a São
Oliveira Lima, a expedição todos os que pudessem tomar Luís, foram guarnecidas.
cearense estava composta por armas na capital. Foi pensado Sobre isso o Comandante
“vaqueiros mal armados, mal um esquema de organização da Armas do Maranhão,
abastecidos e mal comandados, que aproveitava as tropas Agostinho António de Faria,
mais se assemelhando a um pernambucanas que chegavam informou ao Ministro dos
movimento de tribo nômada, para ajudar na defesa em Negócios da Guerra que havia
[...]” mas continha um bom diferentes posições em diversas fortificado os limites com o
número homens. localidades. Piauí, em “todos os pontos na
Parte desse exército Em 16 de março três dias margem do rio Parnaíba do lado
libertador formado no Ceara após a batalha, a Junta em do Piauí” ao tempo em que
era dotado de alguma coesão, Oeiras havia emitido um alerta remeteu novos contingentes
a força era comandada pelo a partir de um comunicado sobre de suprimentos e soldados
capitão Luiz Rodrigues Chaves, a movimentação de Fidié, que a Caxias, para a defesa desta
várias centenas de homens de dizia, vila. Durante todo o tempo de
todo o sertão do Ceará e do ação contra os revoltosos no
Piauí engrossaria seu efetivo. A Hoje pela 6 horas Piauí, o comandante militar no
tropa era constituída de corpos da manhã recebeu Maranhão e Fidié mantiveram
armados de infantaria, cavalaria e esse Governo permanente comunicação.
artilharia, com uma composição as participações O Exército português estava
heterogênea popular formada constantes das relativamente bem equipado,
por indígenas, mestiços e copias inclusas, que era formado essencialmente pela
pretos. Por outro lado, para remeteu o Cap. Luiz primeira linha que consistia em
organizar um exército tão grande Rodrigues Chaves soldados profissionais. Durante
Comandante das
no Ceará a junta governativa a campanha no Piauí as forças
Forças estacionadas
também enfrentou consideráveis em Campo Maior,
portuguesas que Fidié dispunha
problemas com o recrutamento das quais verá V. Sas. somavam entre 1.500 a 2.000
de homens, ocasionando fugas e Asatuaiscircunstâncias. homens, por conta também
resistências. Uma das copias de reforços enviados pelo
Há uma grande discrepância é de uma Carta Maranhão e Pará, quando ainda
no número de forças mobilizadas do Comandante estava em Parnaíba.
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Durante a Batalha do diretamente de Portugal, com que ele se encontrava a pouca
Jenipapo, a tropa de Portugal tropa significativa, mas depois distância de Campo Maior.
que combateu os insurretos da ação de Cochrane contra Sem ter como receber apoio
girava em torno de 1.600 a esquadra portuguesa que de Oeiras, Chaves passou a
homens, e os rebeldes por volta havia saído da Bahia, esta não tomar deliberações com o que
de 2.000. Há divergências em pôde mais apoiar qualquer dispunha. Ao saber que forças
torno da estimativa da força de operação no Norte do Brasil. portuguesas do major Cunha
combatentes do capitão Chaves Fidié vinham de Parnaíba com
que era de mil homens, com destino a Oeiras, a população
variada composição social, e mais
A batalha e sua de Campo Maior se mobilizou a
500 soldados do Ceara, pois Fidié projeção partir da convocação propalada
chegou a informar em ofício ao pelo capitão Chaves, e
Ministro dos Negócios da guerra O capitão Chaves e rapidamente puderam se
após a batalha que o número sua força haviam entrado mobilizar na praça da matriz da
chegava a algo perto de dois no Piauí e chegado na vila vila de Campo Maior em uma
a três mil homens compondo o de Campo Maior em 12 de tentativa desesperada para
exército dos insurretos. fevereiro de 1823, e de lá tentar impedi-lo de continuar
Para lidar com a situação receberam as orientações sua jornada até a capital da
no Piauí, em 27 de janeiro necessárias para enfrentar Província.
de 1823, da vila da Parnaíba o major Fidié e impedir Entre as providências
Fidié informou ao secretário que se dirigisse a Oeiras. tomadas, o capitão Rodrigues
de estado dos Negócios Pois o mesmo, ao saber da Chaves enviou mensageiro ao
Estrangeiros e Guerra, Cândido proclamação do dia 24 de Estanhado, onde atualmente
José Xavier, sobre as notícias janeiro na capital, resolveu é o município de União,
acerca das tropas sediciosas deixar Parnaíba e retornar o instando que o capitão João
que marchavam do Ceará mais rapidamente possível da Costa Alecrim e suas tropas
para o Piauí, e pediu ajuda para Oeiras. se juntassem a ele. Nesse
de tropas do Maranhão em Em 10 de março, Chaves ínterim, chegaram 80 homens
menor proporção do Pará com recebeu ordens para se dirigir comandados pelo alferes
o propósito de defender os até a vila de Piracuruca onde Salvador Cardoso de Oliveira.
locais mais distantes do Piauí e, se concentravam as forças Alguns soldados do Ceará
assim, as províncias enviaram portuguesas, com a missão de também vieram a tempo, em
reforços em atendimento a sua desalojar o militar português. grande maioria composta por
solicitação. No dia anterior, um sargento índios oriundos da serra da
Esse apoio, contudo, chamado Francisco Inácio Ibiapaba.
acabou escasseando quando Costa, vindo de Piracuruca, Durante a noite de 12
do cerco a Caxias, tendo em trouxe notícias sobre a de março de 1823, os homens
vista que a junta em São Luís posição de Fidié, informando da vila e dos arredores foram
do Maranhão também já se via alistados, sendo logo em
ameaçada com a chegada do seguida organizados em
Lord Thomas Cochrane na Nau Após cinco horas regimentos. Grande parte da
Pedro, que intimou a Junta população se viu cooptada
Governativa do Maranhão a
de combates, as pelo discurso dos insurretos
jurar fidelidade ao Imperador D. tropas se retiraram independentistas, ficando
Pedro e o Pará com a presença de motivada a partir para a luta
John Pascoe Grenfell no brigue
desordenadamente contra os portugueses que
Maranhão, que igualmente do campo, se aproximavam de Campo
conseguiu a adesão da Junta Maior.
Governativa da Província.
deixando, segundo Na manhã do dia 13 de
Fidié também relata estimativas, 542 março de 1823, os homens se
em suas memórias a sua reuniram em frente à Igreja de
expectativa com a vinda de
presos e 200 mortos Santo Antônio. O comandante
cinco navios com reforços e feridos. Chaves já sabia que Fidié
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estava acampado com a sua enviou uma patrulha de adversa, só encontraram uma
tropa em uma fazenda próxima. reconhecimento no local onde alternativa: atacar Fidié ao
Ao seu sinal de comando a seria travada a batalha. mesmo tempo e em todas as
grande coluna de combatentes Fidié chegou ao local direções ao longo das margens
saiu em marcha, segundo onde a estrada estava bifurcada do rio. No primeiro momento
Brandão, não tinham “nenhum e decidiu dividir sua força, da luta, houve muitas baixas
porte marcial. Aos primeiros metade dela, a infantaria e a das tropas do Piauí. Dezenas
movimentos, mostram a artilharia seguiram com ele de corpos caíram pelas armas
ausência de disciplina.” Mas para a esquerda e a cavalaria do exército português. Os
estavam prontos para enfrentar seguiu para direita. Os poucos que conseguiram cruzar
os portugueses. independentes, não sabendo a linha de fogo foram detidos
Cerca de dois mil homens que Fidié fizera uma divisão no pelos canhões. Vieira da Silva
marcharam para a batalha. seu contingente, estavam no afirmou que,
As armas que usavam eram mesmo caminho para encontrar
primitivas: espadas, chuços e com a cavalaria portuguesa, e Depois de um
até foices. Poucas pistolas e acabaram sendo surpreendidos. vivo fogo, os
clavinas de caça, mas também Quando os combatentes do independentes
uma peça, calibre 3 (que não exército insurgente os viram, tentaram com
teria utilidade, por falta de avançaram contra a cavalaria extraordinária
impetuosidade
artilheiro). Portavam ainda de Fidié. Segundo Neves “[…]
envolver as tropas
machados, facas, paus e não convindo, porém, aos constitucionais
pedras. Sem experiência em portugueses um ataque mais portuguesas por
campanhas militares, depois sério, porque não podiam todos os lados; mas
de percorridas duas léguas, dirigir-se com segurança e Fidié dirigia o fogo
os piauienses e cearenses ignoravam o número dos de seus soldados
chegaram às margens do atacantes, retrocederam e tão habilmente que
Jenipapo, onde pretendiam fugiram.” varria diante de si
impedir a passagem dos Com o recuo da cavalaria, os independentes.
portugueses. os combatentes piauienses Cedendo estes
Como o Jenipapo estava ouviram o tiroteio, e a disciplina e a
superioridade
relativamente raso, a maioria constataram que o confronto
das armas e não
dos patriotas se escondeu junto havia começado. Saíram das lhes valendo a
ao leito do riacho, enquanto a trincheiras e se lançaram coragem com que
outra parte ficou abrigada nos precipitadamente na estrada afrontavam o perigo,
matagais adjacentes. Ficaram atrás do inimigo, mas as retiraram-se em
à espera do exército português tropas portuguesas já não completa debandada
que teria que passar por ali. se encontravam ali. Fidié, deixando-o senhor
De onde estavam podiam ver ao saber do movimento, do campo.
quando os portugueses se atravessou o rio Jenipapo pela
aproximavam do local, pois estrada da esquerda, construiu As sucessivas cargas dos
o terreno era bastante plano, às pressas uma barricada, insurretos do Piauí e do Ceará
com uma vasta planície, aberta onde distribuiu armas pesadas, deixaram muitos mortos no chão.
e sem nenhum abrigo. incluindo os 11 canhões que Os mosquetes e a barragem
A tropa sob comando de dispunha. Organizou a sua de artilharia dos portugueses
Chaves estava entrincheirada posição de batalha dispondo varreram o campo de batalha
e à frente deles havia uma os atiradores na linha de frente, de um lado para o outro.
estrada bifurcada, com um nas trincheiras onde estavam Aqueles que pudessem passar
caminho para a direita e outro antes os combatentes do Piauí. bloqueando o fogo poderiam
para a esquerda. O capitão Os piauienses, que anteriormente lutar com os portugueses.
Chaves ficou em dúvida sobre estavam em posição favorável, Mas, ao meio-dia, os piauienses
qual percurso Fidié iria seguir, ficaram em situação crítica. e cearenses estavam exaustos e
pouco depois das oito horas, Quando os piauienses não mais nutriam esperança de
o capitão Rodrigues Chaves retornaram e viram a situação que iriam vencer os portugueses.
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Às duas horas da tarde, após Mesmo com o exército O exército independentista no
cinco horas de combates, as português reunido, o major, Piauí precisava se reagrupar e
tropas de Chaves se retiraram viu-se diante da tarefa difícil ter uma organização mais flexível
desordenadamente do campo, de manter suas tropas unidas, para que pudesse se lançar no
deixando, segundo estimativas, pois dia após dia aconteciam encalço das forças de Fidié,
542 presos e 200 mortos e deserções que deixava claros para tanto a Junta em Oeiras, foi
feridos. nas suas fileiras, e sem logística continuamente enviando oficiais
As tropas portuguesas alguma, abandonou Campo com alguma experiência nas
igualmente cansadas se Maior, indo acampar no milícias para engrossar as forças.
retiraram do campo de batalha Estanhado. Fidié estudava Em Oeiras, tomou-
com um sol escaldante o que se dirigir a vila de Caxias no se a decisão de nomear um
provavelmente os impediu Maranhão, pois ele havia comandante em chefe das forças
de perseguirem o exército recebido um ofício em 3 de em operações na passagem de
independentista. Embora já abril de 1823 da Junta da vila Santo Antônio, constituindo
os tivessem derrotado, Fidié requerendo que marchasse todo o exército de três divisões
afirmou em seu relatório para lá. sob o comando supremo do
ao Ministro dos Negócios Após a batalha, em fins tenente-coronel Raimundo
da Guerra que ainda teria de março a Junta Provisória de Sousa Martins. As divisões
perseguido o inimigo por duas de Governo no Piauí, ficaram assim organizadas, a
léguas até o anoitecer. Após a descentralizou o comando primeira, sob o comando do
refrega o exército português das operações dando mais capitão Luiz Rodrigues Chaves,
foi acampar em uma fazenda liberdade em relação a Oeiras, a segunda, do capitão João da
próxima chamada Tombador e criou a Junta de Comissão Costa Alecrim e a terceira no
a cerca a um quilômetro Militar da Barra do Poti, com comando do capitão Francisco
de Campo Maior, as suas aval para atuar no norte da Manoel de Araújo Costa, o
perdas foram estimadas em Província em perseguição sargento-mor Francisco Inácio
16 soldados, um capitão, um ao inimigo português, essa da Costa ficou como major
alferes, um sargento mortos descentralização ocorreu por uma de brigada com a missão de
e sessenta feridos, naquele compreensão real da situação. realizar patrulhas, e dar apoio.
contexto, precisavam enterrar No Estanhado, Fidié
os seus mortos e tratar os permaneceu vigilante, planejando
feridos. As ações militares qual movimento seguiria. A
Houve uma perda muito Câmara em Caxias solicitou que
grave para os portugueses: o
no Piauí foram, por se dirigisse até a vila, uma vez
seu suprimento e a bagagem todos os motivos, que ela também não poderia
do major Fidié que haviam apoiá-lo, e sua presença na vila
sido tomadas por uma tropa
talvez a parte mais controlaria as desordens que
do exército insurgente, o vital da guerra de começavam a grassar junto
que acabou limitando a sua às tropas portuguesas. Houve
movimentação pela região, o
independência ainda escaramuças entre
comandante Chaves em seu no Norte porque tropas portuguesas e forças
relato a Junta Provisória do do exército independentista,
Ceará narrou sobre o suposto
envolveu direta ou até que Fidié definitivamente
fato “As nossas tropas não indiretamente as partiu para Caxias, em 29 de
eram tão bem armadas, e só março abandonando o Piauí,
tinham duas peças, com as
demais Províncias terminando a luta na província
quais deram dois tiros, ficando e decidiram a sem mais nenhuma ligação
elas logo desmontadas: pelo com a Metrópole Portuguesa.
que baterão o inimigo em
favor do Império o Ao se dirigir até a vila
guerrilha pela retaguarda, destino e o controle de Caxias no Maranhão, para
e tomaram-lhe a munição, reorganizar as defesas, acabou
botica e bagagem quase
de toda a região sofrendo um assédio de cinco
toda.” setentrional do país. meses das tropas do “Exército
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Auxiliador do Ceará, Piauhi e talvez a parte mais vital da Referências
Pernambuco” que havia sido guerra de independência no
formado para combate-lo no Norte porque envolveu direta 1. Estas foram estabelecidas
pelo movimento liberal ocor-
Maranhão redundando na sua ou indiretamente as demais rido na cidade do Porto, em
capitulação em 1 de agosto de Províncias e decidiram a favor do Portugal no início de agosto de
1823. Império o destino e o controle 1820, ver sobre a apropriação
do conceito de recolonização:
de toda a região setentrional do Rocha, A. P. A recolonização do
país. Brasil pelas Cortes: histórias de
Conclusão O memorialista piauiense,
uma invenção historiográfica.
São Paulo: Editora Unesp, 2009;
Hermínio Brito Conde, afirmou sobre a convocação das Cortes,
A Província do Piauí ainda ver: Moreira, V.; Domingues, J.
na apresentação da edição Para a História da Representação
demandaria muito esforço
brasileira de Varia Fortuna Política em Portugal: a consulta
para se estabilizar, sobretudo pública de 1820 sobre as Cortes
de um Soldado Português, Constituintes, Lisboa, Edições da
nos dois anos seguintes quando
que, “O Nordeste não aderiu Assembleia da República, 2021.
outras questões levariam ao
à independência; construiu-a 2. Souza, I. L. C. Pátria coroada: o
distanciamento das lideranças Brasil como corpo político autô-
duramente no campo de
que outrora eram aliadas, nomo (1780-1831). São Paulo:
batalha.” E que, “Fidié constituiu Unesp, 1999. p. 57
mas no contexto da guerra
grave risco para a unidade 3. Lima, O. O movimento da inde-
propriamente dita ela pendência (1821-1822). Brasília:
brasileira”, e finalmente ele
havia sofrido muito com a FUNAG, 2019, p. 108.
conclamou que os livros de
mobilização militar e com a 4. Nunes, O. Pesquisas para
história fossem revistos para história do Piauí: a independência
insegurança. Após a ida de do Brasil especialmente no Piaui.
incluir a narrativa sobre a
Fidié para Caxias, a questão Manifestações republicanas. A
campanha da independência ordem. Teresina: FUNDAPI, 2007,
da luta entre as Cortes de
no Piauí, Ceara e Maranhão. p.36.
Lisboa e a elite piauiense
A narrativa histórica sobre 5. Chaves, J. Obras completas.
e do Rio de Janeiro estava Teresina: Fundação Cultural Mon-
o processo de independência senhor Chaves, 1998; Araújo, J. S.
terminada.
no Piauí e a reconstrução de “O Piauí no processo de indepen-
Restaria ainda a campanha dência: contribuição para cons-
como se deu a batalha do
no Maranhão, cujo esforço trução do império em 1823” Clio:
Jenipapo constitui-se como um Revista de Pesquisa Histórica. 33,
do Piauí ainda consumiria 2. pp. 31-34. julho e dezembro de
objeto de grande importância
virtualmente às forças da 2015.
para se compreender sobre
Província, pois desde 16 de 6. Ver: Santana, R. N. M. Evolução
como se deu a consolidação Histórica da Economia Piauiense
abril de 1823 D. Pedro havia e Outros Estados. 2ª ed. Teresina:
da independência do Brasil no
concedido todos os poderes ao Academia Piauiense de Letras,
Norte em 1823. Essa narrativa 2018.
Coronel Simplício Dias da Silva
foi muita trabalhada pelos 7. Fidié, J. J. C. Varia Fortuna de
e ao Governador das Armas
memorialistas no Piauí ao um Soldado Português. Teresina:
do Ceará para invadirem o Fundapi, 2006, p. 160.
longo do século XX, mas na
Maranhão. 8. Brandão, W. A. História da Inde-
atualidade há uma urgência em pendência no Piauí. 2ª ed. Teresi-
A batalha do Jenipapo
ser revisitada com mais afinco na: FUNDAPI, 2006.
consolidou a independência
tanto pela própria dimensão 9. São Luís do Maranhão Ofício
no Norte e abriu espaço do [comandante Militar do Ma-
da investigação, como pela
para as operações no ranhão], Agostinho António de
disponibilidade de fontes, Faria, ao secretário de estado dos
Maranhão, cuja ação da Negócios da Guerra, Cândido
muitas das quais ainda nem
esquadra imperial brasileira, José Xavier, sobre uma insurreição
foram utilizadas. na vila da Parnaíba, no Piauí, lide-
no decorrer da manutenção rada pelo actual juiz de Fora, João
e controle do litoral do Cândido de Deus e pelo coronel
Brasil, impediu Portugal de Simplício Dias da Silva que ade-
Johny Santana de Araújo é riram à independência do Brasil,
manter pontos de apoio aos proclamada no Rio de Janeiro.
historiador, professor associado III Anexo: 1 doc. AHU-Maranhão, cx.
seus exércitos que eram de do Departamento de História da UFPI, nv 916. AHU_CU_016, Cx. 31, D.
fundamental importância do Programa de Pós-graduação em 1663.
para a manutenção de suas História do Brasil e do Programa de 10. D’Alencastre, J. M. P. Memoria
operações militares. Pós-graduação em Ciência Política. É chronologica, histórica e corographi-
ca da Provincia do Piauhy. In: Revista
As ações militares no Piauí Sócio Honorário do Instituto Histórico do Instituto Histórico e Geográfico
foram, por todos os motivos, e Geográfico Brasileiro (IHGB). Brasileiro. Tomo XX, 1857, p. 45.
Ciência&Cultura ARTIGOS
11. Araripe, T. A. “Expedição Palácio do Governo de Oeiras genistas no Ceará (1798-1845)”
do Ceará em Auxílio do Piauhi e para Comandantes das defesas e Teresina: EDUFPI, 2018.
Maranhão. Documentos relativos presídios no Piaui. 16 de março 38. Chaves, J. op cit., p. 308. 1998.
á expedição cearense ao Piauhi e de 1823. Museu Ozildo Albano.
Maranhão para Proclamação da In- 39. Brandão, W. A. op cit., p. 180.
26. Nunes, O. op cit., p. 60. 2007. 2006.
dependência nacional”. In: Revista
do Instituto Histórico e Geográfico 27. Ofício do [comandante Militar 40. Nunes, O. op cit., p. 68. 2007.
Brasileiro. Tomo XLVIII, Parte I, do Maranhão], Agostinho Antônio
1885, p. 238-239. de Faria, ao secretário de estado 41. Brandão, W. A. op cit., p. 180.
dos Negócios da Guerra, Cândi- 2006.
12. Chaves, J., op cit. p. 287. 1998, do José Xavier, Em 11 de feverei- 42. Neves, A. op cit. p. 146. 2006.
13. Tristão Gonçalves de Alencar ro de 1822. In: Arquivo Histórico
Araripe foi um dos implicados no Ultramarino, AHU_ACL_CU_016, 43. Chaves, J. op cit., p. 308. 1998.
Ceará no movimento que eclodiu Cx 32, D. 1681 44. Neves, A. op cit. p. 146-147. 2006.
em Pernambuco no ano de 1817 28. Rodrigues, J. H. op cit., p. 288.
cujo caráter liberal e republicano. 45. Brandão, W. A. op cit., p. 181-
2002. 182. 2006.
14. Pinheiro, R. T. “A independên- 29. Brandão, W. op. cit., p. 179. 2006
cia no Ceará” In: Revista do Insti- 46. Vieira da Silva, L. A. História da
tuto do Ceara, Instituto do Ceará, 30. Chaves, J. op cit., p. 304. 1998. Independência da Província do Ma-
8, p. 109-111. março de 1987 ranhão (1822-1828). Rio de Janeiro:
31. Ofício do governador das Ar- Companhia Editora Americana,
15. Araripe, T. A. op cit., p. 318. 1885. mas do Piauí, João José da Cunha 1972. p. 93
Fidié, ao [secretário de estado dos
16. Neves, A. A guerra do Fidié. Negócios Estrangeiros e Guerra], 47. Brandão, W. A. op cit., p. 183.
4ª ed. Teresina: FUNDAPI, 2006, Cândido José Xavier, sobre as 2006.
p. 73. batalhas travadas com os revol- 48. Fidié, J. J. C. op cit., p. 160. 2006.
17. Chaves, J., op cit. p. 290. 1998, tosos adeptos da independência
do Brasil; a conquista da vila de 49. Brandão, W. A. op cit., p. 184.
18. Expedição do Ceará em Auxílio 2006.
do Piauhi e Maranhão. Documen- Campo Maior e as baixas havidas.
tos relativos á expedição cearense In: Arquivo Histórico Ultramarino, 50. “Expedição do Ceará em Auxí-
ao Piauhi e Maranhão para Procla- AHU_ACL_CU_016, Cx 31, D. 1684 lio do Piauhi e Maranhão. “Do-
mação da Independência nacional. 32. Ofício do governador das cumentos relativos á expedição
1885. p. 241. Armas do Piauí, João José da cearense ao Piauhi e Maranhão
Cunha Fidié, ao [secretário de para Proclamação da Independên-
19. Lima, O., op cit. p. 111. 2019. cia nacional”, 1885, p. 246.
estado dos Negócios Estrangeiros
20. Ofícios de 12 e 19 de abril de e Guerra], Cândido José Xavier, 51. Fidié, J. J. C. op cit., p. 135. 2006.
1823. Araripe, T. A. op cit., p. 281- sobre as notícias acerca das tro-
282 e 303. 1885. 52. Chaves, J. op cit., p. 336. 1998.
pas sediciosas que marcham do
21. Ver: Cândido, T. A. P. A plebe Ceará para o Piauí, e solicitando 53. Carta nº 05. Do Capitão-Mór
heterogênea da Independência: o auxílio das tropas do Maranhão João Gomes Caminha Carta do
armas e rebeldias no Ceará (1817- para defender os locais mais João Gomes Caminha apresentan-
1824). Almanack, Guarulhos, 20, p. distantes do Piauí. In: Arquivo do e enviando o Capitão Raymun-
194-215, dez 2018. Historico Ultramarino AHU-Piauí, do de Oliveira Falcão em serviço
cx. 24, doc. 47 AHU_CU_016, Cx. Nacional e Imperial aos quais to-
22. Rodrigues, J. H. Independên- 32, D. 1679. dos devem obedecer. Quartel de
cia: Revolução e Contra-revolução. Oeiras 12 de abril de 1823. Museu
Rio de Janeiro, Biblioteca do Exér- 33. Fidié, J. J. C. op cit., p. 159. 2006. Ozildo Albano.
cito Editora, 2002. p. 288. 34. Nunes, O. op cit., p. 64. 2007. 54. Chaves, J. op cit., p. 336. 1998.
23. Fidié, J. J. C. op cit., p. 124. 2006. 35. Brandão, W. A. op cit., p. 178. 2006. 55. Neves, A. op cit. p. 170. 2006.
24. Neves, A. op cit., p. 111. 2006. 36. Chaves, J. op cit., p. 306. 1998. 56. Conde. H. B. Fidié e a Unidade
25. Carta nº 04. De Manoel de 37. Ver: Costa, J. P. P. “Na lei e na do Brasil: Fidié, J. J. C. op cit., p. 26.
Souza Martins e Junta Governativa guerra: Políticas indígenas e indi- 2006.

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