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Corte Seco

Dramaturgia Christiane Jatahy

 
 
 

Corte Seco

Dramaturgia Christiane Jatahy

( peça criada em processo colaborativo com os atores)

Corte Seco é uma peça editada ao vivo a cada


apresentação. A ordem de algumas cenas e os cortes das
cenas são feitos pela direção diante do público. O texto
que vocês vão ler é a versão de uma das apresentações da
peça, na cidade do Rio de Janeiro, em 2010.

Cenário.

Três monitores de TV em totens com rodas, onde aparecem em diferentes


momentos as 8 câmeras de vigilância que estão espalhadas pelo interior do teatro e
na rua que circunda o edifício.

Nove cadeiras empilhadas em um canto. Cinco delas com etiquetas de discursos


narrativos. Narrar, descrever, caracterizar, dialogar e interiorizar.

Uma grande mesa onde está sentada a equipe técnica. Direção. Diretor musical.
Operadores de vídeo e de luz. O espetáculo é editado ao vivo, com diferentes cortes
e ordem de cenas a cada dia.

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O publico entra. Os atores estão em cena, alguns são vistos pelas câmeras, circulam,
falam com o público e com a técnica. Cada um deles fala para uma parte específica
do público, até termos várias vozes simultâneas. Os textos estão relacionados com
alguns personagens da peça e com histórias da cidade.

CHRIS JATAHY - EM 5 TEMPOS A PEÇA VAI COMEÇAR

Contagem. Eles param de falar. Apenas uma pessoa continua. Alguém pega a
cadeira do narrar e coloca para a Branca.

BRANCA (narrar) A minha avó e meu avô eles foram passar o carnaval em Cabo Frio
com minha mãe e o meu tio ainda crianças. No primeiro dia de baile estava aquela
loucura... as crianças estavam excitadas com carnaval, se fantasiando, se maquiando
e o meu avô disse assim pra minha avó: Vocês vão indo na frente que eu vou
depois. Minha avó foi com as crianças, curtiu o baile...

Entra outra cadeira. Agora é a cadeira do descrever. Os atores cantam.

Bandeira branca amor, não posso mais ...

BRANCA - Exatamente, era carnaval!

E o meu avó...o meu avô.... ele não apareceu no baile.

No final da festa uma mulher chegou perto da minha avó e disse assim: Vem cá.
Você quer saber onde é que está o seu marido? Ele está do outro lado da rua em
outro baile. A minha avó ficou muito irritada, claro, saiu de onde ela estava,

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atravessou a rua, entrou no outro baile e viu o meu avô no meio de uma rodinha de
mulheres dançando super feliz. Naquela hora minha avó só conseguiu pensar na
camiseta branca que meu avô estava vestindo, cheia de marca de batom das
mulheres em volta. Ela só conseguiu pensar que ia ter que lavar aquela camiseta,
tirar aquelas manchas com água sanitária. Sei lá! Qualquer coisa da época.

Ela ficou tão louca com aquilo, tão nervosa que deu um soco nas costas do meu avô
com muita raiva. Ele virou, olhou para ela e não disse absolutamente nada.

Os dois saíram dali, entraram no carro e seguiram para o Rio de Janeiro, um do lado
do outro sem tocar mais nesse assunto, com as duas crianças no banco de trás.

Três atores em volta da cadeira do descrever.

RICARDO- O carro era um fusca verde-água e tinha um friso prateado em volta do


carro.

CRIS – A porta direita estava toda amassada e arranhada.

FELIPE- E o banco detrás estava sujo, tinha resto de biscoito; biscoito globo,
maizena.

CRIS – Criança,né?

FELIPE – É chicletinho debaixo do banco....

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CRIS - Ahhh, tinha um volantinho também. Sabe aqueles pequenininhos, anos 60 de


couro.

FELIPE – Desgastado.

STELLA – (sentada na cadeira do diaogar) Vem cá! Eu já falei pra você que eu te
amo! Não falei?

RICARDO – Tava com o cano de descarga com defeito e fazia um barulho


insuportável Tatatatata.

FELIPE - Horrível!

Bandeira branca amor ....

BRANCA – (narrar) O meu avô, ele gostava de provocar a minha avó. Sabe quando a
pessoa está irritada e a outra fica cantarolando uma musiquinha só pra te irritar mais
um pouquinho? Pois é, o meu avô fazia isso com a minha avó. Ela do lado calada,
irritada e as crianças atrás gritando; Mas o carnaval não acabou, eu não quero ir
embora, não vamos embora pra casa! O carnaval não acabou!

STELLA – (dialogar) O negócio é o seguinte; eu vou parar o carro aqui na Ponte Rio
Niterói, eu vou descer e vou fazer uma coisa que só eu posso fazer por mim: Xixi!

Branca sai da cadeira do narrar. Marjorie senta.

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MARJORIE – (narrar) Ele sai do carro e, logo em seguida, ele ouve uma freada e
depois um estrondo. Ele fica paralisado um momento de costas, vira e vê que um
carro tinha batido na traseira do fusca onde estavam a mulher e as crianças.

Cris abraça a Branca.

CRIS - O coração dela está disparado, estou sentindo na minha mão o coração dela
bater forte. Sabe quando o coração quer sair pela boca?

FELIPE – ( pegando a cadeira do caracterizar) A avó da Branca era uma mulher


linda, incrível, tinha 40 anos, usava um cachecol bonito que ela colocava assim.

BRANCA - Felipe! Eles morreram! A avó da Branca, a mãe e o tio morreram. Os três
que estavam no fusca morreram agora.

Silêncio.

CHRIS JATAHY - FIM.

DU - A Branca é uma mulher moderna. (pega a cadeira do caracterizar) Ela trabalha


como advogada, ou então, administra uma empresa. A Branca paga as contas dela
desde os 17 anos. Ela sempre foi brilhante. Fez faculdade de administração, ou
então de economia. Quer dizer, a Branca é o tipo de mulher que todo cara gostaria
de ter desde que não seja inseguro. Branca!

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Ele entrega a cadeira do caracterizar para ela.

BRANCA –Ela mede um 1,74m. Tem o cabelo preto muito cheio, pele branca, calça
37, 38...

DU – (junto com ela na cadeira do caracterizar) Quase 39, mas ela é bacana.

BRANCA - Ela está com sapatinho baixo com tirinhas e com uma calça jeans cinza.

DU - Ela é gente boa, legal mesmo!

BRANCA - Ela está com uma calça cinza...

DU - Ela se preocupa com os amigos...

BRANCA - Um camiseta cinza também, e um sutiã preto....

DU - Ela foi uma boa filha. Ela tentou ser uma boa namorada....

BRANCA - Esmalte Rosa Nuld...

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DU - A Branca está andando na rua. Assim de longe você olha pra ela e fala: Cara,
aquela mulher é bacana, ela é legal.

BRANCA - Ela recicla lixo.

DU – Ela faz yoga.

LEO - Ela assina a Bravo.

BRANCA – (na cadeira do narrar) Ela chega em casa, coloca a chave na fechadura,
abre a porta. Ela tira os sapatos. Mas eu não vou tirar o meu agora, tá? E ela
relaxa...

DU – ( na cadeira do caracterizar) Ela podendo, ela relaxa. Dá uma esticada no


pescoço...

BRANCA – (narrar) Ai ela vai até a cozinha pega um copo d'água. Ela bebe esse copo
d'água.

DU – (caracterizar) Porque ela se hidrata.

BRANCA – (narrar) Ela dá uma olhada rápida no jornal porque tem muita, muita
coisa triste... Ai ela vai até o quarto se olha no espelho.

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FELIPE - Se acha gata.

BRANCA - Se acha gata e ai ela pensa...

Vai até a cadeira do interiorizar, mas ele mostra a do dialogar.

DU – Não aí ela diz.

BRANCA - ( sentando na cadeira do dialogar) Ok, ela diz. Ela diz bem alto pra ela
mesma ouvir: Nossa! Como sexo faz bem pra pele! Uma loucura isso!

DU - (na cadeira descrever) Na casa da Branca tem uma fechadura. Quer dizer, toda
casa tem. Só que na casa dela a fechadura é grande, de bronze, toda trabalhada.
(ele tenta ir para a cadeira do narrar)

BRANCA - (ela senta no narrar) Nesse exato minuto ela ouve um barulhinho de
chave na fechadura...

DU – (na cadeira do dialogar) E de lá. De onde ela está, ela fala: É você amor?

BRANCA - Oi Amor! Sou eu. (Du olha a cadeira da Branca, Branca olha também) Vou
fazer ele porque eu estou na cadeira do narrar, tá?

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DU – (com a cadeira do dialogar) Eu continuo fazendo ela, então. Aconteceu alguma


coisa? Não era pra você ter chegado assim tão cedo.

BRANCA - Não! Ele diz pra ela: Não, não meu amor, eu tenho simplesmente a
melhor notícia do mundo pra te contar.

DU - Você não quer fazer ela?

BRANCA – Agora eu vou fazer ele.

DU – Faz ela.

BRANCA - Não, não, eu sou ele! Você não vai acreditar.

DU - O que foi?

BRANCA - Sabe a lista, meu amor? A lista de adoção? Ela andou...Chegou a nossa
vez. Amanhã eu estou indo pra Porto Alegre, meu amor. E a gente vai ser papai e
mamãe! A gente vai ter o nosso bebê!

DU – (coloca a mão na cadeira do interiorizar) Puta que pariu. (Vai rápido para a
cadeira do dialogar) O que você tá pensando em fazer agora?

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BRANCA – (santada na cadeira do narrar) Ele diz a ela: Eu.... eu já reservei a nossa
passagem. O nosso vôo sai amanhã às 7:30.

DU – (com a mão na cadeira do dialogar) Eu não tava esperando essa notícia assim.
Você podia ter me ligado antes, ter me avisado. ...

BRANCA- Eu também não tava esperando. Eu recebi a ligação, eu fiquei tão


maluco....

DU - Amanhã eu não posso ir. Eu trabalho.

BRANCA – (para o público) Desculpa, eu não sei continuar esse cena porque eu não
sei o que ele poderia dizer agora quando ela diz que trabalha amanhã. O que ela
diz? O que ele responde a isso?

Ela dá um beijo na boca dele, ele se desvencilha, senta na cadeira do narrar e fala
para o público.

DU - A gente está no começo da peça. Essa deveria ser uma cena de amor, de
paixão! Só que não vai ser assim. Não vai ser assim. Ela fica um pouco desorientada,
anda pela casa, empurra uma cadeira, (descreve o que ela está fazendo) ele
também não entende muito bem a reação dela, porque afinal de contas essa deveria
ser a melhor notícia que eles receberam nos últimos anos...porque faz muito tempo
que eles estão esperando essa notícia. (ela senta ao lado dele na cadeira do
dialogar) Eles estão há muito tempo esperando esse filho. (ele fala para ela) Então
ela olha pra ele e diz:

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Pausa longa

BRANCA – Eu...eu tinha esquecido, eu tinha esquecido dessa lista, não tava
contando com isso agora, eu... me apaixonei por outra pessoa. Eu não estou
preparada, não quero mais adotar uma criança. Eu nem quero mais ser casada com
você, sabe? Eu...eu preciso viver outras histórias, eu preciso sentir que eu estou
viva...

Ele a beija.

DU – (sentando a cadeira do narrar) Bom vocês podem achar que depois desse
segundo beijo, um pouco rápido, mas um segundo beijo, a coisa vai ficar um pouco
mais leve, vai ficar um pouco melhor, só que não vai... Não vai! Vai ficar cada vez
mais barra pesada, porque ela diz que não quer ter filho, e ele diz que ela não pode
querer agora!

BRANCA Não quero mais ter mais filhos com você!

DU – (falando o tempo todo com a cadeira do narrar) Ela diz que está apaixonada
por outra pessoa. Ele não entende a atitude dela, ele fica decepcionado com ela.
Porque afinal de contas esse é o projeto de vida deles! Então, ele fala pra ela que ele
vai ficar com esse filho, sim! E aí, ele tem vontade de falar mais uma porção de
coisas pra ela! Tem vontade de falar que ela é insensível, tem vontade de falar que
ela é volúvel...

BRANCA – Ei, ei, você não pode falar isso!

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DU - Que ela é uma mulher superficial, que ela é mau caráter!

BRANCA - Você não pode falar isso....

DU - Ele tem vontade de falar, mas ele não fala! A única coisa que fala realmente é
que ele vai ficar com esse filho sim!

BRANCA - Você ta ultrapassando um limite. Você não tem o direito de julgar uma
pessoa!

DU – (pegando a cadeira do interiorizar) Ele está só pensando! Estou com a cadeira


do interiorizar! Está só pensando. Não era nem pra você estar ouvindo isso.

BRANCA - A gente está falando do acaso, sabe? Do acaso! De pessoas que se


propõem a alguma coisa, aí a vida interrompe e outra coisa acontece, sabe?! De
coisas que a gente não consegue controlar, que são cortadas....

DU – (segurando as duas cadeiras) Ela começa a perder o controle emocional, ela


começa a ficar perigosa! Ela começa falar muito alto, a falar atrás dele!

BRANCA – Eu to falando com você! Me ouve!

DU - Você tá falando comigo?

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BRANCA - Estou.

DU – (pegando todas as outras cadeiras) Ah, você ta falando comigo? Então eu vou
fazer uma pergunta pra você. Agora! Eu gostaria que você respondesse com toda
sinceridade. Como você tá falando comigo se você não cadeira pra falar?

BRANCA – Larga essas merdas dessas cadeiras. Porque eu, Branca, estou tentando
falar com você, Eduardo!

Larga as cadeiras.

DU – Desculpa. Ele pede desculpa pra ela. Desculpa. Você pode falar porque eu
estou te ouvindo.

BRANCA - Não definitivamente você não tá me ouvindo!

DU - Definitivamente eu estou! Eu estou fazendo um puta de um esforço pra não te


ouvir, mas eu estou te ouvindo. Você pode falar.

BRANCA - O que você quer?

Ele olha as cadeiras decidindo qual discurso narrativo vai usar. Senta na cadeira do
descrever.

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DU - As portas do armário estão sendo abertas, todas as roupas femininas...

BRANCA - Você está na cadeira errada! “Estão sendo abertas” . Narrar!

DU – (muda de cadeira) Todas as roupas femininas estão sendo colocadas dentro de


uma mala

BRANCA – Você é uma pessoa que não tem ....

Ela tenta pegar a cadeira do dialogar.

DU - todas as saias...

Ele arranca a cadeira da mão dela.

BRANCA - Você é uma pessoa que....

Ele está com todas as cadeiras. Ela pega a cadeira do interiorizar e senta no fundo
do palco.

DU - Todas as mini-saias, todos os biquínis, todas as meias, todas as lingeries, as


lingeries PROVOCATIVAS, TODOS OS SAPATINHOS BAIXOS, OS SALTO ALTOS, as
fotos, os CD’S, livros, os cartões com dedicatória do dia dos namorados, está tudo
sendo colocado dentro dessa mala!

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BRANCA –Você tem certeza que é isso que você quer?

DU – E essa mulher vai embora! Essa mulher que sonhava em ter um FILHO com
esse cara, mas que se apaixonou por uma outra pessoa, como todo mundo aqui
ouviu! Ela vai embora! E ele fica lá....recebe a ligação da lista de adoção... só que
agora infelizmente...

BRANCA - Ele vai ter que ser um pai solteiro. Vai!

DU – É ele vai ter que ser um pai solteiro. Bom, essa aqui é uma história real...

BRANCA - Que está acontecendo com a gente agora.

DU - Não, não está acontecendo com a gente agora!

BRANCA - O que você tá falando?

DU - Eu estou falando que eu e você, a gente não pode ter uma história!

BRANCA - Você quer falar mais alguma coisa?

DU - Não!

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BRANCA - Que bom! Porque eu vou embora. E de todas as vezes que já fiz essa
cena, é primeira vez que eu, Branca, não me arrependo de ir embora! Então eu vou
entrar no camarim, eu vou pegar todas as minhas coisas! Não vou deixar nada aqui!
E vou embora! Isso que eu vou fazer agora!

Vemos pelos monitores das Tv’s, ela entrando no camarim. Acompanhamos todas as
ações dela.

DU - É isso que ela faz! Ela vai embora. Ela vai até o camarim, pega todas as coisas
dela e ela vai embora.Só que ela volta! Depois de um tempo ela volta.

Depois de uns 2 ou 3 meses, ela volta, ela chega aqui nessa casa e e ele não está
aqui, e ela fica com uma sensação de familiaridade com esse lugar. Sabe? Porque lá,
na casa do cara que ela está apaixonada não está dando muito certo.

Então, ela fica com uma sensação de lugar nenhum. Uma sensação muito
desagradável de lugar nenhum. Bom, essa aqui é uma história de uma pessoa que
ainda ama outra pessoa, só que ela percebe que não tem mais volta. Aí o que ela
faz?

BRANCA - Ela vai embora.

DU - Ela vai mesmo? Vem cá? Ela vai mesmo? Ela vai embora mesmo? Então tá! Só
que essa cara vai encontrar uma mulher madura que não vai sair assim não. Uma
mulher madura que vai bancar essa história de ter um filho com ele.

Ela vai para a rua. Vemos pelas câmeras de segurança, ela passando pelo foyer do
teatro, ele segue ela, ela chega na rua, ele também, eles discutem, ela chama um

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táxi, ele tenta impedir, mas ela entra no táxi e vai embora. Em cena, todos os atores
estão sentados nas cadeiras formando uma fila em frente ao monitores das tv’s de
frente para o público. O ator, Paulo, vai ficar todo o tempo sentado na mesma
cadeira até a metade da peça.

CHRIS JATAHY - Um

LEO - Quando você está numa situação de stress emocional intenso como essa. Eu
não sei se tem uma formula, mas você tem técnicas pra se controlar, para não
perder a cabeça, não perder o prumo...Por exemplo, quando a gente fala que
alguém morreu, geralmente a pessoa pra quem a gente está dando a noticia, diz: O
que? Ela ouviu, mas esse “o que?” é o tempo que ela precisa para o cérebro decidir
qual é a reação que ela vai ter, porque varia, entendeu? Dependendo do grau de
afeto pela pessoa que morreu. No caso de noticia de morte você pode, por exemplo,
contar até dez...

Os atores levantam, alguns mudam as tv’s de lugar e outros começam a traçar


caminhos, cortes, espaços topográficos, com fitas crepes no chão.

MARJORIE - Dez? Porque dez?

LEO – Dez foi o tempo estipulado pelos estudiosos. Marjorie não me contesta, só
ouve. Já no caso de um descontrole, quando a pessoa está a ponto de perder o
controle, o bom mesmo é você provocar em você mesma uma espécie de dor...Por
exemplo: morde a língua. Bate com o cotovelo no móvel. Porque a dor te puxa de
novo pro real, entendeu?

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MARJORIE - Onde você leu isso?

LEO – Seleções.

LEO - Você não está acreditando? Isso é cientificamente comprovado, Marjorie

MARJORIE – Tá bom!

LEO - Eu vou fazer o seguinte. Eu vou fazer um teste com você. Vou te dar uma
noticia horrível. Quero saber como é que você reage a ela, tá?

MARJORIE – Tá.

LEO - Sua mãe morreu.

MARJORIE - Não vai funcionar, Léo!

LEO - Já era pra você fazer!

MARJORIE - Mas eu não to acreditando que a minha mãe morreu.

LEO - Você está muito resistente.

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MARJORIE - Não estou.

LEO – Tá resistente sim. Relaxa, solta. Sem resistência!

CHRIS JATAHY – Três.

FELIPE – Marjorie, sem resistência...

CRIS – Stelinha! Desculpa.

CHRIS JATAHY – Três

CRIS - Quando a gente é pega assim de surpresa... A gente tem que ser muito
educada.

STELLA – Tá falando comigo?

CRIS - Eu tô falando com você e com Felipe...

STELLA – Por que que você nunca olha pra mim quando fala comigo?

CRIS - Eu tô olhando pra você meu amor, eu sou toda sua Stellinha! Eu te amo tanto
minha filha! Tira esse negócio do braço! (apontando para a fita crepe) Isso é

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horrível! Você está em público, meu amorzinho, e você está de costas para as
pessoas. Stella!

STELLA – Oi.

CRIS- Uma mulher tem ser exuberante, fina. Que isso? Que mão na cadeira é essa,
meu bem? Que coisa vulgar! Olha de frente, sorridente, olha bem nos olhos...

CHRIS JATAHY – Agora sim. Seis.

FELIPE - Marjorie, agora assim.... Eu estou apaixonado por você, eu queria me


aproximar de você, mas você é muito Marjorie pra mim.

MARJORIE - Eu posso te ajudar?

FELIPE - Pode me ajudar! Escolhe um lugar pra eu te apertar...Eu juro! Eu quero te


apertar.

MARJORIE – Num lugar fofo?

FELIPE – Tem que ser fofo.

MARJORIE – Minha batata.

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FELIPE – Batata não.

MARJORIE – Minha batatinha.

FELIPE – Qual? Esquerda ou direita?

MARJORIE – Escolhe.

FELIPE – Pode ser as duas?

Chris Jatahy - Cinco

FELIPE - Eu matei uma pessoa!

RICARDO – O que?

FELIPE – Eu matei uma pessoa ontem.

RICARDO – Como é que é o negócio?

FELIPE – Eu matei uma pessoa ontem e você precisa me ajudar.

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RICARDO – Não! Peraí.

FELIPE – Não! Não tem mais espera aí! Eu matei uma pessoa ontem e eu não tenho
dinheiro!

RICARDO – Você tem que ir embora daqui.

FELIPE – Eu não vou embora daqui

RICARDO - Vai pensando para onde você vai!

FELIPE – Pra onde eu vou?

RICARDO – Vai para o interior. Vai pro Mato Grosso.Sei lá!

FELIPE – Ótimo. Eu tenho família lá.

RICARDO - Família não serve. Vão te achar em 2 minutos.

FELIPE – O que eu vou fazer Ricardo?

RICARDO –Não sei, vamos pensar...Vai pra Ubatuba. Ubatuba é ótimo.

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FELIPE – Não vou para Ubatuba.

RICARDO - Quantas pessoas viram isso?

FELIPE - 50, 60, sei lá!

RICARDO - Quantas?

FELIPE - Uma micareta inteira.

RICARDO - Vai pra Ubatuba agora!

FELIPE – Ricardo, vem cá.

RICARDO – Vai embora agora.

FELIPE - Eu não tenho dinheiro

RICARDO –Vai com a roupa do corpo. Não vou ajudar você

FELIPE – Então pega minha mochila...

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CHRIS JATAHY - Quatro

CRIS - Por favor, pega em mim, pega?

RICARDO - Pego Mãezinha!

CRIS – Fala aquilo que eu gosto!

RICARDO - Pede mãezinha, pede!

CRIS - Posso pedir tudinho? Eu quero um vestidinho Lacroix que eu vi baratinho...

RICARDO - Eu dou Mãezinha, eu dou! Agora repassa, porque na hora você vai fazer
merda...

CRIS – Eu vou entrar....

CHRIS JATAHY - Cinco

RICARDO - Você faz merda eu conserto, não é? Então eu vou pegar a sua bolsinha
já que você não quer, e eu vou levar você no meio da rua.. vem! Vai embora...

sai!

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FELIPE – Por favor....

CHRIS JATAHY - Seis

FELIPE – Tudo bem? Marjorie....eu posso fazer um teste pra você...

MARJORIE - Um teste?

FELIPE - É pra sua banda!

MARJORIE - Pra minha banda?

FELIPE - É eu danço, eu faço qualquer coisa!

MARJORIE - Eu não precisando de ninguém na minha banda, Felipe, obrigada!

FELIPE - Eu sou aquele cara que ajuda a fazer a parte técnica... Marjorie eu te amo,
olha só!

MARJORIE - Felipe espera aí!

FELIPE - Eu te amo

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MARJORIE - Então me seduz, me seduz.

CHRIS JATAHY - Um

LEO - Não precisa ser noticia ruim, pode ser noticia boa....Você ganhou na Megasena
acumulada.

CHRIS JATAHY – Zero.

Eles colocam as fitas crepes no chão, sem texto, criando movimentos de resposta
espacial.

CHRIS JATAHY – Todos.

CHRIS JATAHY – Sobressai o três.

CRIS – Você não vai no camarim!

STELLA - Eu vou tomar um remédio

CRIS – Que remédio? Para com esse negocio de remédio Stelinha. Você não precisa
de remédio!

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CHRIS JATAHY - Dois

LEO - Stella?

STELLA - Oi!

LEO – Nossa, você fez agora igualzinho a Dona Ana. Lembra da Dona Ana? Que
morava do lado da gente naquela vila em Botafogo?

STELLA- Qual? Uma bem velinha? baixinha?

LEO - Não! Dona Ana era uma gorda que tinha dois filhos. Um menino e uma
menina. O menino chamava Eric.

STELLA - O Ruivo?

LEO - Era ruivo. Insuportável!

STELLA - Eu lembro! Chato!

LEO - Pois é! Você fez igualzinho a ela. Eu te chamei você olhou pra mim, ergueu a
sobrancelha, pois a mão na boca... veio a Dona Ana inteira na cabeça.
Impressionante!

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LEO - A Dona Ana tomava conta da gente quando a mamãe saía. Lembra? A gente ia
pra casa dela...

STELLA - Não, não ela ficava com a gente lá em casa...

LEO - Não a gente ia pra casa dela...

STELLA - Não ela ficava lá em casa...

LEO – Era vila, né? A gente ficava ali na frente. Ela dava lanche pra gente, tinha um
bolo que ela fazia... suco de laranja com açúcar....

STELLA – Molhadinho.

LEO – Fiquei com água na boca. Tinha também o marido da Dona Ana, como era
mesmo o nome dele? Era...

STELLA - Seu Jaime....

LEO - Seu Jaime...alto loiro.

STELLA – Exatamente, Seu Jaime, alto de olho azul

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LEO - Não, não era Jaime.

STELLA – Jaime.Eu tenho certeza que era Jaime

LEO - Era parecido com Jaime...Era....

STELLA - Jaime.

LEO – É...aí Meu Deus era...

STELLA – Jaime.

LEO - Que aflição! Eu vou lembrar é....Jairo! Jairo! Seu Jairo! Seu Jairo que era
marido da Dona Ana.

STELLA - Eu Lembro do Seu Jairo

LEO - Lembra uma vez que Seu Jairo quis ficar com a gente pra tomar conta porque
a Dona Ana também tinha saído?

STELLA – Não. A gente ficou com Seu Jairo?

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LEO – A gente ficou com Seu Jairo. Ele quis brincar de fotógrafo. Lembra? Falou pra
gente vestir umas roupas, fazer uns personagens. Ele ficava fotografando, tinha uma
câmera grande... lembra?

STELLA – Lembro...

LEO - A gente improvisou, a gente fez com lençol, toalha. A gente fez... Romeu e
Julieta, fez caubói e mocinha...aí teve uma hora que ele falou assim: Agora vocês
vão fazer Adão e Eva. Lembra? Falou pra gente tirar a roupa.

STELLA - A gente tirou a roupa?

LEO - A gente tirou a roupa! E ele botou a gente em umas posições...A gente tinha
uns 6 ou 7 anos...

STELLA - A gente ficou pelado tirando foto com homem adulto com 6 ou 7 anos,
fazendo posições?

LEO - É Stella!

STELLA – Você não fez nada? O que você achou disso?

LEO - Eu achava legal.

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STELLA - Você achava isso legal? Você achava legal um homem adulto tirar foto com
duas crianças peladas?

LEO – Stella, eu tava junto qualquer coisa eu te defendia

STELLA - É super legal, inclusive é um crime, né? Pelo amor de Deus! Léo! O que é
isso? Como é que você deixa isso acontecer Léo? Você é meu irmão mais velho!
Você tinha que ter feito alguma coisa!

LEO - Ai Desculpa, eu não tava querendo te lembrar uma coisa ruim...

STELLA - Léo pelo Amor de Deus! Eu não lembrava disso, eu não lembrava de jeito
nenhum que eu tinha sido abusada quando era criança!

LEO – Não! Ninguém falou que você foi abusada, ninguém disse isso!

STELLA – Eu fui abusada e não sabia

LEO - Ninguém falou que você foi abusada, Stella!

STELLA - Você tá rindo?

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LEO - A gente nunca morou em Botafogo, Stella! Eu falei pra você; Você lembra de
uma vila que a gente morou em Botafogo, tinha uma vizinha chamada Dona Ana? A
gente nunca morou em Botafogo!

CHRIS JATAHY – Quatro.

RICARDO – Pede mãezinha! Mas você vai repassar. Você vai entrar lá e botar a cara
do velho na reta e gravar tudo, depois a pega essa fita e chantageia ele e a gente
vai entrar na grana!

CRIS – A gente fica rico.Que maravilha!

CHRIS JATAHY - Dois

LEO - Desculpa era uma brincadeira.

STELLA – Uma brincadeira...

LEO – Tá... de um certo mal gosto.

STELLA - Você inventou uma historia que nunca aconteceu?

LEO – Você ficou lembrando de uma coisa...

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STELLA - Você criou uma Dona Ana, um Seu Jaime, um caso de pedofilia?

LEO – ....que nunca aconteceu.

STELLA - Eu lembrei exatamente disso. Isso aconteceu comigo, exatamente isso que
você falou aconteceu comigo. Tinha uma pessoa que fazia isso. Quando a minha
mãe saía me chamava pra tirar foto. Quando eu chegava lá eu tinha fazer umas
coisas pra essa pessoa.

LEO - Você tá falando sério?

STELLA - Juro, eu juro por Deus

LEO - Quando é que foi isso Stella?

STELLA - Eu devia ter isso ai que você falou, uns 6, 7 ou 8 anos.

LEO - Eu tava brincando com você. Era brincadeira.

STELLA - Era meu padrasto Léo. Meu padrasto fazia isso que você falou. Quando a
minha mãe saía, ele me sentava numa cadeirinha e falava assim” Fofinha, vamos
fazer uma brincadeira, vou tirar uma foto, agora levanta um pouquinho a sua saia..
agora tira a calcinha, mostra o peitinho” Eu nem tinha peitinho, Léo!

Um dia ele falou assim; Me dá aqui sua mãozinha ,ai ele pegou a minha mão...

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LEO - Eu tava brincando com você! Brincando com você! Era uma brincadeira e você
transformou nisso.Por que você sempre faz isso? Por que você tem sempre quer
contaminar tudo com a tua maluquice? Sabe qual é o seu problema?

Seu problema é que você não consegue resolver as coisas do seu passado.

Seu problema é que você fica empurrando pra cima dos outros aquilo que só diz
respeito a você.

STELLA - Você! Você!

LEO - Eu ainda não acabei de falar! Seu problema é que tudo tem que ser do seu
jeito! Seu problema é que você não fica satisfeita enquanto você não consegue
estragar tudo!

STELLA - Foi sem querer Léo!

Ele começa a descrever tudo o que ela faz.

LEO – Você só vai ficar falando isso? Foi sem querer! Com essa mãozinha no peito?
Vitima! Seu problema é se fazer de vitima. Seu problema é essa sobrancelha
arqueada, essa carinha de “não sabe bem o que eu estou dizendo”. Seu problema é
coçar a testa assim, sabe? Com essa unha vermelha postiça que você usa, eu odeio
essa unha postiça que você usa! Seu problema é que você usa unha postiça praa
parar de roer a unha e você rói a unha postiça!Seu problema é que você é obsessiva
compulsiva! Seu problema é essa mão na cintura! Parece uma xícara! Seu problema
é esse cabelinho pro lado, caindo na testa assim.Você não está um pouco velha pra
usar esse cabelinho na testa? Essa franjinha? Essa carinha de raiva contida que você

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faz pra mim! Seu problema é olhar para a platéia para buscar cumplicidade “Vai me
deixar sozinha aqui, com a mãozinha no peito?” Seu problema é que você é
dissimulada. Seu problema é essa fita crepe no pulso como se fosse uma pulseira.

STELLA – Desculpa...

LEO - Seu problema é pedir desculpa abrindo os braços. Seu problema é estar assim
coçando a testa de novo, repetindo de novo o mesmo! Agora é o açucareiro, assim!
Seu problema é rir, quando eu to falando pra você uma coisa séria!

Seu problema é ficar falando de um assunto íntimo na frente de um monte de gente


estranha!

STELLA - Foi você que inventou uma história de pedofilia! Um caso de absurdo que
não...

CHRIS JATAHY – Fim.

FELIPE – Ótimo! Eu tinha um professor de inglês que adorava contar piada pra mim.
Só contava piada. Eu tinha doze anos e não entendia a piada.

MARJORIE - Felipe!

FELIPE - Oi Majorie!

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MARJORIE - Você conhece aquela piada? O português foi jogar tênis e voltou
descalço.

Pausa

FELIPE - O pessoal não entendeu. Enfim..aí no inicio das aulas

meu professor particular pedia um beijo pra mim, falava assim; Felipe, cadê meu
beijo?

MARJORIE - Felipe, cadê meu beijo?

FELIPE - De vez enquanto ele pedia um abraço pra mim, ele falava assim: Felipe,
cadê meu abraço?

MARJORIE -Felipe, cadê meu abraço?

Eles se abraçam.

FELIPE - A gente ficava abraçado assim um tempo...Posso fazer o professor?

MARJORIE - E eu faço você?

FELIPE – Isso.

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MARJORIE – Tá.

FELIPE - Paulinho, você pode fazer uma luz legal aqui? Esse aqui é o pátio, tá?

MARJORIE - Tá

FELIPE – Ele dizia pra eu olhar pra cima e falava assim: Felipe, vamos ver a lua?

Eles se abraçam. Felipe por trás, e Felipe faz um leve balanço para trás e para frente
com o corpo.

MARJORIE – Entendi. E ele fazia assim com você? Ficava assim?

LEO – Felipe!

FELIPE - É a gente ficava assim abraçado uns 10 ou 12 minutos... Bom, essa não é
uma historia minha, essa é a historia de uma amigo meu, eu estou só reproduzindo
aqui no espetáculo....

MARJORIE - Felipe, você já reparou ali na lua? Tem coelhinho desenhado ali na lua,
olha! Rabbit...

LEO – Felipe, o que você ta fazendo ai?

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FELIPE - Espera ai Léo! Eu não entendendo!

LEO - Ninguém ta entendendo!

FELIPE - Não to entendendo você!

LEO – Que história é essa de professor de inglês? Da onde você tirou isso?

FELIPE – Como assim?

LEO – Não era nada disso que era para fazer agora. Desculpa! Não era para o Felipe
estar aqui, a gente tinha combinado uma outra coisa. Mas o Felipe, como sempre,
ele faz sozinho, né? Faz sozinho, ele resolve, ele comanda, ele decide.

FELIPE – Não to entendendo.

LEO – Ninguém ta entendendo. Não é só você. Isso não vai dar certo! (para o Du)
Fala alguma coisa, você ia fazer com a gente....

DU - Eu to querendo entender também.

LEO - Desista! Você não vai conseguir...

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FELIPE – Depois do fim não podia contar uma história?

LEO - Mas não essa! Que historia é essa que....?

DU - Vamos trocar o Felipe então?

LEO - Paulo você não fez nada até agora. Vem aqui fazer com a gente, por favor!

FELIPE - Eu vou fazer, Léo.

LEO – Você vai fazer?

FELIPE - Eu vou fazer, Léo.

LEO - Então senta e faz a sua partitura

DU - Ele vai fazer. O que a gente está tentando fazer aqui é sistema que tem que
obedecer algumas regras. Somos três atores, A, B e C. O Felipe é o A. Ele só pode
falar se ele estiver executando uma partitura. O que é a partitura?

LEO - A partitura é uma seqüência de movimentos que pode ser repetida.

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DU - Isso, eu sou o C, eu tento ajudar no discurso dele, mas eu não consigo. E eu


posso falar de coisas que estão acontecendo do lado de fora ou então através das
telas das TVs.

LEO - E nós, eu e ele, podemos interferir no discurso dele através de alguns códigos.
Se a gente fizer assim com na boca ele tem que se repetir. Se a gente passar a mão
na cabeça, ele tem que se contradizer.

DU - E se a gente virar de costas, assim, ele tem que se calar.

FELIPE - Por que vocês estão explicando isso? Só pra entender...

DU - Vira de costas, ele cala! A gente tá tentando explicar que você só pode falar se
você estiver executando a partitura.

FELIPE - Você é um escroto comigo desde o filme!

LEO - Que filme Felipe?

FELIPE - Paulo entra no meu ligar. Pode entrar! Não vou fazer isso não

DU – Não! Espera aí, ele pode falar assim comigo?

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LEO - Ele não pode falar assim com você porque no sistema o C também é superior
ao A. Mas essa é mais uma regra que o Felipe está desrespeitado porque ele faz o
que ele quer. O Felipe é random, ele funciona no modo aleatório.

FELIPE - Eu faço o que eu quero? Eu sou random?

LEO - Completamente aleatório

FELIPE - Eu sou completamente aleatório!?

DU - Você está fazendo a partitura?

LEO - Você só pode falar fazendo a partitura!

DU – Caraca!

LEO – Que exaustão!

DU - Por acaso isso é a sua partitura? Porque se isso for a sua partitura agora você
pode falar.

LEO - Ele faz a partitura separada da fala, é foda!

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FELIPE - Vocês que não querem que eu faça nada?

LEO - Você que começou...

FELIPE – O B é você! Você quem tem o discurso autoritário. Você que é


hierarquicamente superior. Você tem que utilizar os códigos pra interferir no meu
discurso. Porque sempre....

LEO – Melhor.

DU - Melhorou um pouco.

LEO- Já conseguiu juntar as duas coisas.

DU – Mas, ele tem razão quando diz que é você que tem que começar.

LEO - Agora eu fiquei completamente sem idéia...

FELIPE - Eu não vou fazer essa palhaça dessa partitura sozinho não, porque vocês

falam de mim, mas vocês não fazem, vocês não fazem o que tem que fazer. O que
tem que fazer.O que tem que fazer. Não, o que deveriam fazer, não são obrigados a
fazer mas deveriam.... porque eu sempre sou excluído...o excluído, o oprimido nessa
peça....

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Du tira o Felipe da cadeira e o segurando com força tenta colocar ele deitado.

FELIPE - Posso falar?

DU – Não! A gente está no Planetário, é o nosso último dia e a gente tem que
finalmente entrar em cena e apresentar o sistema.Você não pode contar uma
piadinha sem cumprir o que tava combinado. O que você quer?

Felipe tenta fugir e pegar a cadeira do interiorizar.

LEO - Não, não vai interiorizar não. É pra botar para fora.

Du consegue deitar o Felipe deitando por trás dele. Felipe canta uma musica em
inglês.

LEO - Seu professor de inglês era péssimo, Felipe!

DU - Falando em professor de inglês. Aquela historinha que você tava contando ali.
Que você falou que era de um amigo seu. Era você, não era? Era você que gostava
de ficar abraçadinho assim com professor de inglês que nem a gente está agora. O
que você quer? O que você quer?

FELIPE - Quero falar com Paulo

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LEO - Paulo? Paulo. Ele quer falar com você.

Paulo levanta da cadeira que está sentado desde o início da peça e se inclina para
ouvir o que o Felipe quer falar com ele.

LEO - O que ele quer?

PAULO - Ele quer a saia!

LEO - A saia?

DU - Ele quer botar a saia?

LEO - Quer que você bote a saia?

PAULO – Não sei. Ele falou: pode pegar a saia pra mim?

LEO - Quer uma trilha sonora, Felipe? Uma música?

Felipe levanta para falar com o sonoplasta.

FELIPE - Quero. Quero uma trilha sonora. Rodrigo, por favor, bota uma trilha em
inglês. Uma letra americana.

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DU - E ai? A gente espera a trilha? Espera a saia?

Rodrigo coloca a musica Blue Moon. Du e Felipe voltam para a mesma posição que
estavam antes. Paulo que foi no camarim pegar a saia e é visto pelos monitores em
todo o seu percurso, volta com a saia para o palco.

PAULO – Desculpa. Eu sei que vocês vão fazer, mas é que entrou essa musica,

e essa musica, essa musica me lembra um historia minha. Eu vou contar, tá?

Uma vez, eu levei um amigo meu pra dormir lá em casa. Eu tinha, mais ou menos,
uns 16 anos. Ai, no dia seguinte, na mesa do café de manha a gente tava sentado;

eu, ele, meu pai e minha mãe. E eu... eu tava feliz. Meus pais não repararam,
principalmente meu pai. Mas eu tava feliz, porque no dia anterior, a noite no meu
quarto, eu tinha sido pedido em casamento.. Meu pai tava na sala, ele tava vendo
um filme. Ah, não vou lembrar era.....Viva Las Vegas com Elvis Presley, sabe? Tava
tocando essa musica, e essa musica nunca mais saiu da minha cabeça...No dia
seguinte no café da manhã, na mesa do café, eu tava usando uma aliança e a minha
olhou pra aliança e ela olhou pra mim e a gente trocou um segredo, mas meu pai
nunca reparou....

Durante esse texto do Paulo. Cada ator pegou uma cadeira e espalhados pelo palco,
sentaram e começaram a fazer partituras físicas de pequenas ações cotidianas,
enquanto contam histórias de quando ouviram a mesma musica. Nos monitores
vemos Branca voltando pela rua para o teatro, ela entra no teatro e passa direto
pelo palco para dentro dos bastidores.Du sai atrás dela.

LEO – Du, por favor, vamos terminar a cena?

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DU - Alguém pode entrar no meu lugar?

Ricardo ocupa o mesmo lugar do Du, voltando a deitar atrás do Felipe para
continuarem a cena.

RICARDO – Vamos Felipe. É o ultimo dia e você não pode contar uma piadinha sem
cumprir o que tava combinado. Era você, não era? Era você que gostava de ficar
abraçadinho assim com professor de inglês quem nem a gente tá agora? O que você
quer? O que você quer?

Felipe levanta agressivamente.

LEO - Não, vai interiorizar não!

FELIPE - Eu matei uma pessoa e eu pedi a sua ajuda. Vem cá. Por favor, Ricardo.
Vem comigo, por favor.

Se aproxima do Ricardo. O abraça.

RICARDO - Não posso.

FELIPE - Por favor.

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RICARDO - Fica calmo.

FELIPE – Pelo amor de Deus!

RICARDO – Fica calmo.

O abraço vai ficando cada vez mais violento. Felipe o abraça cada vez mais forte e
Ricardo tenta se livrar dele.

FELIPE – Por favor. Eu to sozinho. Eu matei uma pessoa.

RICARDO - O que você quer da sua vida?

FELIPE – Pelo amor de Deus.

RICARDO – O que você quer da sua vida?

FELIPE – Por favor.

RICARDO – O que você quer da sua vida?

Ricardo o empurra. Ele cai no chão. Silêncio. Ele olha em volta e sai correndo do
teatro. Ricardo e Marjorie saem atrás dele. Pelos monitores vemos ele correndo e

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deitando no meio da rua. Reação deles e das pessoas na rua. Ele continua correndo,
Ricardo e Marjorie atrás.Paulo puxa uma das tvs bem para perto do público.

PAULO - Eu não posso dizer o que está acontecendo porque eles saíram de quadro.

Pausa.

PAULO- Não dá pra ver. Vamos imaginar!

Silêncio.

CHRIS JATAHY – Vamos fazer o sistema, A B e C que a gente estava tentando


fazer...vamos fazer agora em uma situação familiar. O Felipe não vai voltar, então,
Paulo vai fazer o A, o filho, Leo segue fazendo o B, faz o pai e o Du já estava
fazendo o C, faz a mãe ...

LEO – Lembra os códigos? Repetir, contradizer e silenciar.

LEO - Qual é a graça Paulo? Essa risadinha Paulo, eu considero uma provocação
comigo. Sabia? Uma provocação pessoal.

DU - Provocação?

LEO - Essa risadinha, eu considero uma provocação pessoal.

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DU - É uma tentativa, não acho que seja uma provocação. É uma tentativa de te
agradar.

LEO - Um tentativa um pouco equivocada.

DU - Não acho que seja equivocada. É o jeito dele, ele fica, um pouco nervoso, e
nem sabe que solta essa risadinha

LEO - Você acha que é inconsciente?

PAULO - Posso falar? Você sabe que eu...quando era pequeno, eu achava que você
era linda.

Leo faz o código para ele contradizer.

PAULO - Você era uma monstra.

LEO - Monstra? Que bom! Que bom que a culpa agora é toda sua, né? Graças a
Deus, eu me livrei do peso dessa culpa. A culpa não é minha! A culpa é toda dela.
Ela é que é a monstra.

DU - Acho que ele está falando monstra num outro sentido, monstra “de grande”.
Não, é? De protetora.

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LEO - É de super mãe.

LEO - Acho que não foi bem isso que ele quis dizer.

PAULO – Foi sim. Foi de super mãe. De protetora. Eu te admirava muito. Sabe, eu
achava que a beleza do mundo era você...(Léo faz o código para ele contradizer)
quer dizer a estranheza do mundo era você. Eu, eu tinha orgulho. (Du faz código
para ele repetir) Eu tinha, eu tinha orgulho de você. Tinha um orgulho.

LEO - Eu tinha orgulho, um orgulho, um orgulho. Fala!

Du está de costas para que ele silencie. Pausa. Vira de frente.

PAULO – (para o Leo) Pra que? Pra você me sacanear?

LEO - Pra você me sacanear?

PAULO – Você ta me sacaneando? Eu tô aqui pra você ficar brincando com a minha
cara. É isso?

Os três monitores das tv’s estão em volta deles. Vemos o Felipe pelos monitores
entrando no teatro por uma porta lateral.

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DU - Olha o Felipe entrando.

PAULO – Hein?

DU- Tá entrando no corredor aqui do lado.

PAULO – Vocês esperam o que de mim?

LEO - O que você espera da gente?

PAULO - Eu senti a sua falta.

DU – Não.

PAULO – Eu sinto a sua falta.

DU - Você não pode sentir a falta dele.

PAULO - Eu sinto a falta dele.

DU - Você não pode sentir falta dele. Ele está sempre aqui. Ele está aqui o tempo
todo.

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PAULO - Eu sei eu também to sempre aqui. Eu to aqui porque eu quero.

DU - Olha o Felipe entrando no camarim.

PAULO - Eu queria falar com você. Eu queria que você soubesse....

Leo faz o código para ele repetir.

DU- Ele pegou um papel...

PAULO – Eu queria que você...

DU – O que ele está fazendo?

PAULO – Eu queria que você soubesse....

LEO – Eu queria que você soubesse, eu queria que você soubesse. Você ta
brincando comigo?

DU - Ele jogou o papel fora.

PAULO - Quer que brinque contigo?

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LEO - Ele tá brincando comigo!

PAULO -Eu realmente queria que você me visse...

DU - Vai pegar outro papel

PAULO - Desde criança tudo que eu fiz foi em relação a você. Eu não sei se você
entende isso.... eu não sei se quando você conversa comigo se você me ouve...se
você me olha de verdade.

DU - Ele vai assoar o nariz.

PAULO- Deixa eu falar com ele

LEO - Deixa ele falar.

DU – Fala!

Du faz o código de contradição.

PAULO – Desculpa. Eu preciso me explicar.

LEO - Nós estamos aqui esperando uma explicação.

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Leo faz o código para contradizer.

PAULO - Eu preciso me explicar?

LEO - Isso é uma pergunta ou uma afirmação? Primeiro você diz preciso me explicar.
Agora fala: eu preciso me explicar?

DU - A primeira foi uma afirmativa. Eu preciso me explicar. Ai, você olha para ele e
ele fica confuso e pergunta....

PAULO - E difícil falar com vocês! É impressionante!

DU - Nós estamos te vendo! Te vendo e te ouvindo.

LEO - Se você quer falar nós estamos aqui pra te ouvir. Esperando uma explicação.
Esperando qualquer coisa.

DU – Mas você fala só o que você quiser.

Leo está de costas

DU - Deixa ele falar!

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PAULO - Eu queria dizer como eu me sinto, entendeu? Eu não me sinto eu mesmo.

Que eu sou eu e sou outro, sabe?

LEO - Você ta entendo alguma coisa?

DU – Não, mas estou tentando entender.

LEO - Você podia ser um pouco mais explicito?

PAULO - Eu não queria ser que nem você. Eu preferia ser que nem ela. (Leo faz o
código para ele contradizer) Quer dizer...Não é quem ela... Não é que eu não queria
ser que nem você... É que eu não posso.

LEO - Você quer ser ela por causa dela? Ou você quer ser ela por minha causa?

DU - Olha lá o Felipe olhando! Olha lá! Tá olhando! Vai fazer alguma coisa... ta
fumando no camarim. Ele sabe que isso não pode...

PAULO - Eu queria ser ela.

LEO - Eu queria ser ela. Eu queria ser ela. Eu queria ser ela!

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PAULO - Eu não entendo porque você faz isso! Eu tento falar sério com você...

LEO – Eu também tento falar serio com você e você não me responde! Eu perguntei
se era por causa dela ou se era por minha causa e você não me responde! Você
foge!

PAULO - Os dois.

Felipe coloca um papel higiênico cobrindo a câmera.

DU - O Felipe fugiu aqui. Agora se escondeu mesmo.

LEO – Você ouviu isso?

DU - Você tá vendo isso?

LEO - Você ta ouvindo isso?

DU - Você ta vendo isso?

LEO – Tá tudo branco.

PAULO - Meu pai me ama?

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Du - Que pergunta é essa agora? Como assim? Que pergunta é essa?

LEO - Tá branco aqui!

PAULO – Por que eu não posso fazer essa pergunta?

DU – Você pode fazer a pergunta que você quiser.

PAULO - O que você não tá entendendo então? Estou perguntando se ele me ama.
Só! Agora!

LEO - O Felipe voltou lá no camarim.

PAULO - Eu tô tentando explicar pra vocês dois que eu não me sinto bem comigo
mesmo. Que eu nunca me senti bem comigo mesmo. Eu nunca me senti bem com
vocês. Eu tô tentando fazer com que vocês ouçam! Agora. Eu estou...O que foi?

DU – Desculpa. Eu me perdi. Isso aqui que você está falando é sobre nós? (aponta
para ele e o Paulo) Sobre nós? (aponta para ele, Paulo e Leo) Ou sobre nós?
(aponta para o público)

PAULO - É sobre mim.

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LEO - É sobre nós. (aponta para ele e o Paulo) O problema dele é comigo.

LEO – Paulo! Todo mundo aqui vai embora no meio, deixa a gente falando sozinho.

Paulo entra no camarim. A luz está baixa, Felipe ajuda ele a trocar de roupa. Ele se
despe. Coloca uma calcinha de mulher. Veste uma saia, sem camisa. Coloca sapatos
bem altos. Volta para o palco. Anda até o Léo, se aproxima devagar dele. Volta a
musica Blue Moon. Paulo abraça o Leo. Aos poucos, Leo começa a empurra-lo. O
abraço fica violento. Paulo agarra Léo, eles caem no chão. Leo o empurra
violentamente. Paulo fica deitado. Leo volta a se sentar. Paulo levanta devagar, tira
os sapatos e senta olhando para o publico.

PAULO – Eu estou me sentindo, inadequado... Alguém quer entrar no meu lugar?


(para os outros atores) Alguém quer entrar no meu lugar? Alguém quer entrar no
meu lugar? (para o publico)

LEO – Ninguém vai entrar no seu lugar. Você vai continuar sozinho.

CHRIS JATAHY – Três.

Cris corta o espaço com uma fita crepe no chão.

CRIS - Meu amorzinho, saí do escuro, meu amor! Isso! Se ajeita, uma mulher tem
estar sempre linda. Sempre arrumada, perfumada, exuberante, não se apóia não.
Ajeita o cabelinho na testa, não está muito bom. (pega uma garrafa de uísque)
Trouxe pra você Stelinha, pra você se animar.

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STELLA – Nossa!

CRIS - Pra você ficar assim espontânea. Pra dar um ar assim engraçado....

STELLA - Nossa você é linda!

CRIS - Eu sei meu amor, desde criança.

STELLA - Você é anormalmente linda.

CRIS – Verdade.

STELLA - Você com 50 anos nessa sua carinha

CRIS – Peraí, Stellinha.

STELLA - ....é linda!

CRIS – 48....

STELLA – Linda!

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CRIS - ....faço 49 mês que vem.

STELLA- Linda.

CRIS – Obrigada.

STELLA - Você é uma pessoa que consegue economizar seu choro para os
momentos mais interessantes! Você é uma pessoa que gosta mais dos seus
cachorros do que das pessoas.

CRIS – Vamos entrar?

Elas passam para o outro lado da fita crepe estendida.

STELLA - Seus dois lulus da pomerânia que você leva pra todas as viagens
internacionais. Josef e ...?

CRIS – Scarlatt.

STELLA – Scarlatt! Você manda um homem que eu nunca vi na vida pra me pegar
na escola! Você é uma pessoa que fica deitada uma semana só de calçinha e sutiã,
sem nada pra fazer. Você é uma pessoa que expõem seus filhos, você é uma
bêbada!

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Pega o copo da mão da Cris.

CRIS – É whisky, não faz careta Stelinha. Não bochecha.

Stella arranca da cadeira a etiqueta do caracterizar e coloca no peito da Cris. Fala


com ela apertado os peitos dela cobertos pela etiqueta.

STELLA - Você é uma mulher Rivotril, uma mulher Olcadil, uma mulher Lexotan, uma
mulher silicone! Ela é uma pessoa que desde que eu me lembro de mim ela vai todo
final de semana para Araras, e fica lá! Ela é uma pessoa que consegue controlar
cada musculozinho do rosto dela, embora ela tenha colocado botox nele inteiro.
Quer dizer, é um fenômeno! Uma super mãe!

CRIS – Não é verdade....

STELLA – E eu? Eu não! Inclusive eu não gosto disso, sabia? Eu tenho vergonha de
você! Eu não gosto de bebida, eu não gosto de chegar na minha casa e ver a minha
mãe com uma calcinha enfiada na bunda, dormindo até meio dia com a porra da
porta aberta! Essa sou eu, não sei porque, não tem explicação: eu sou assim! Me
desculpa! Mas você não, não é? Você gosta de tudo! Sabe por que?

Porque você tem tudo! Você compra tudo! Você tem o que? Dez cartões de crédito,
são dez? Você tem um Volvo mamãe!

Cris - É um carro seguro, é um...

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STELLA - E você tem um marido, você tem uma marido patético, ridículo...

CRIS - Você não tem direito...

STELLA - Idiota, careca tatuado que se acha uma garotão, que fica chorando no
quarto do lado e chama você de Mãezinha!

CRIS – Não! Isso não!

STELLA – Ele chama você de mãezinha! Você é uma mulherzinha que dá...

CRIS – Chega!

STELLA - ...dá pra te escutar sabia? Dá pra te escutar!

CHRIS JATAHY – Oito

Ricardo e Du entram correndo em cena, derrubando as cadeiras. Os atores esticam


fitas crepes formando um ringue.

DU - Você não tinha o direito!

RICARDO - Que direito?

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DU - Você não tinha o direito!

RICARDO - Que direto? Cala a boca!

DU - Quem é você pra mandar calar a boca?

RICARDO - Quem sou eu? Muito antes de você eu já tava aqui.

DU - Você tava aqui? Você foi embora e nunca mais voltou.

RICARDO - Isso não te dá o direito!

DU – Que direito?

RICARDO – De fazer o que você fez!

DU – O que eu fiz?

RICARDO – Você não me esperou.

DU - Eu não te esperei? A única coisa que eu fiz desde criança...Aliás a única coisa
que eu faço é ficar te esperando! Você queria que eu esperasse mais o que? Que

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ninguém sabia onde você estava! Tudo bem que você é um cara do mundo! Muito
bem sucedido, ganha dinheiro ninguém sabe como... Agora vai chegar aqui falando
que eu não tenho direito? De que direito você tá falando?

Quem é que ficou aqui esse tempo todo? Com ele. Cuidando dele? Acalmando ele?
Trocando as fraldas dele quando ele já tava muito velho e fudido pra ir ao banheiro
sozinho? Quem foi? Foi você? Não, não foi você. Não foi você! Ninguém sabia onde
você tava. Acha que foi fácil pra mim? Acha? Acha que foi fácil pra mim quando eu
tive que assumir que eu não dava mais conta sozinho? Acha que foi fácil quando eu
tive que conversar com ele? Falar pra ele? Deixar ele lá sozinho...Você acha que foi
fácil? Não! Porque trocar as fraldas dele, isso não importa! Não importa! Não importa
se eu tinha que ficar fazendo cafuné, se eu tinha ficar sussurrando no ouvido dele
até ele adormecer enquanto o remédio não fazia efeito. Isso não importa!

Importa é que você vai chegar aqui agora na minha casa, na minha cara pra me
falar que eu não tenho de direito! Eu quero saber de que direito que você tá
falando? E que direito você tem de fazer isso? Você acha que é muito fácil pra mim
ter que assumir que a gente nunca se entendeu? Eu e você! Que a gente nunca deu
um abraço? Que nosso Feliz Natal é um aperto de mão? Por que você voltou?

CHRIS JATAHY – Três.

STELLA - Não sei porque mãe. Hoje, hoje nesse lugar aqui que a gente está,

eu tava esperando, do fundo do meu coração que você fosse me ajudar.

CRIS - Stelinha eu tô com você, eu tô com você, Stelinha.

STELLA - Você não ajuda ninguém, você nunca me ajuda. Você gosta de cachorrinho
mãe, de filhinho você não gosta.

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CRIS – Stella, eu te amo.

STELLA - Ela não ama ninguém, ela não olha ninguém, ela não fala com ninguém.

CRIS - Eu estou te olhando Stella. Tá todo mundo vendo.

STELLA - Quando eu quero falar ela fala!

CRIS - Eu estou te ouvindo...

STELLA – Eu estou tentando falar e ela....

CRIS - Eu estou te respondendo...

STELLA – Fala!

CRIS - O que você quer?

STELLA – Eu quero começar de novo.

CRIS – Ótimo! De outro jeito.

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CHRIS JATAHY – Doze.

STELLA – De outro jeito. Quero aproveitar esse momento, eu queria fazer um


brinde! Queria propor um brinde a uma pessoa maravilhosa, a uma pessoa muito
importante na minha vida. Uma pessoa que, enfim, que me transformou no que eu
sou, uma pessoa que me formou, uma pessoa que dançou valsa na minha festa de
debutante. Enfim! Queria brindar a você! Meu querido! Maravilhoso padrasto
amado! Saúde!

Ele vai pegar o uísque da mão dela e ela joga nele.

RICARDO - Eu não to entendendo.

STELLA – Você não tá entendendo? Você não tá lembrando? Você quer uma
mãozinha? Pra lembrar? Quer? Vou te ajudar, vou te dar uma pista. Gente eu queria
propor um brinde ao abuso! Um brinde a você meu.. ao abuso! Aos anos de abuso
que eu vivi...

CHRIS JATAHY – 8

DU – Ótimo! Por que você voltou? Hoje você finalmente vai falar porque que você
voltou. O que você veio fazer aqui?

RICARDO - Eu vi você na rua uma vez, atravessando no meio de um monte

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DU - Só que você não falou comigo. Tentou falar comigo?

RICARDO - Eu não consegui.

DU - Você não conseguiu? O que você consegue? O que você conseguiu até hoje?

RICARDO - Eu não consegui...

DU - Eu sei! O que você consegue?

RICARDO - ....eu me escondi atrás de banca de jornal e fiquei te olhando passar. Eu


fiquei escondido igual a um idiota... Porque eu não consegui...

DU - Quando é que você não se esconde?

RICARDO – Eu não consegui.

DU – Quando é que você não esconde o que você faz?

RICARDO- Eu não sei!

DU - Quando é que você vai botar a cara a tapa?

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RICARDO – Eu não sei!!

DU – Bota a cara a tapa! Vai se esconder de novo? Vai se esconder de novo?

RICARDO - Vou, vou! E é direito meu eu me esconder quantas vezes eu quiser!

CRIS – Ricardo!

Ricardo sai de cena, Cris vai atrás, eles entram no banheiro. Ele chora, ela coloca a
cabeça dele debaixo do chuveiro. Branca entra em cena arrumando as cadeiras para
recomeçar a primeira cena.

BRANCA – Du, eu preciso refazer a cena da adoção. Eu preciso tentar. Aquela


mulher, aquela mulher do início,da peça, ela.. ela está confusa... ela está
perdida...ela

DU- Ela não sai?

Stella entra em cena e olha para Branca

BRANCA – Não. ela não sai. (para Stella) Você não faz essa cena.

STELLA Eu tô te incomodando?

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BRANCA – Não, você não está me incomodando. Mas eu falei; Du, eu quero refazer
a cena da adoção é importante pra mim. Eu quero retomar essa cena e..

Ricardo que voltou do banheiro também entra em cena

BRANCA - Vocês não fazem essa cena. Você também não faz essa cena.

RICARDO - Você está bem?

BRANCA – Eu tô bem. Mas... enfim, deixa pra lá.

RICARDO -Eu acho que você é minha mãe.

BRANCA – É...

RICARDO- Eu acho que você é minha mãe.

BRANCA – Oi?

RICARDO – Eu acho que você é minha mãe.

Pausa

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RICARDO - Eu acho que você é minha mãe.

BRANCA - Eu estou parada na sua frente, eu estou com as minhas mãos tensas. Eu
relaxo a minha mão, eu fecho os meus olhos, eu aponto pra eles. Abaixo a minha
mão direita. Eu me sinto sufocada, não é nada pessoal tá? Eu preciso me afastar, eu
olho pra você e vejo o Du ao seu lado. Eu caminho com perna, direita esquerda,
direita, esquerda. Viro. Vejo o Du. Vejo você. Agora eu penso apontando a mão pra
minha cabeça o que eu vou falar, porque eu não sei por onde começar...

RICARDO- Ele está de calça jeans, cinto amarelo. Ele está com anel no dedo e outro
machucado. Ele tem 44 anos.

BRANCA - Como é seu nome?

RICARDO - Ricardo

BRANCA – Ricardo, o meu é Branca.

RICARDO - Oi mãe.

BRANCA - Sabe porque eu quis refazer a cena da adoção? Eu queria dar um outro
final pra aquela história, sabe? Queria tentar, quem sabe, um final feliz. Mas talvez
ela não tenha um final feliz. Porque é assim, né? Mas eu te agradeço, obrigado por
ter entrado em cena....Obrigado! Na verdade, eu adoraria que alguém me
encontrasse na rua e dissesse: Oi, eu acho que você é minha mãe e eu pudesse

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acolher esse alguém e dizer: Que bom.. Que bom que eu sou sua mãe. Vem pra
minha casa, tem um quartinho lindo pra você lá. Você precisa de afeto?

Afeto todos os dias. Eu vou estar sempre aqui, sempre! Eu vou estar sempre do seu
lado, todos os dias. Você pode contar comigo. Você vai se sentir seguro. Você vai se
sentir amado, porque agora eu sou sua mãe. Eu sou sua mãe, e é isso que importa.
Ricardo eu agora sou sua mãe. É isso, gente.

Ricardo e Branca dão as mãos olhando para o público.

DU – Não vai ter mais passeio de mão dada. Não vai ter mais nana neném. Não vai
ter mais acordar a noite para ver se está tudo bem. Não vai ter mais fralda diurna,
noturna, não vai ter mais assadura, Hipoglós, cólica. Não vai ter mais parquinho,
nem primeira papinha. Não vai ter mais....

CHRIS JATAHY – Seis.

FELIPE - Bom, essa cena aqui só pode ter 3 pausas.

MARJORIE - Vamos?

FELIPE - Vamos?

MARJORIE – Jantar?

FELIPE - Sair?

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MARJORIE - Depois daqui?

FELIPE - Depois do espetáculo.

MARJORIE - Isso

FELIPE - Ótimo

MARJORIE- Japonês?

FELIPE – Não.

MARJORIE – Não?

FELIPE – É caro!

MARJORIE – Eu pago.

FELIPE – Mas é muito caro.

MARJORIE – Mas eu vou pagar.

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FELIPE - Mas eu quero pagar.

MARJORIE - Pode pagar

FELIPE - Mas eu não tenho dinheiro

MARJORIE - Eu sei.

FELIPE – Pois é...

MARJORIE – Então.

FELIPE - Você me constrange.

MARJORIE – Não te constranjo.

FELIPE - Na frente das pessoas

MARJORIE - Mentira

FELIPE - Pede desculpa.

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MARJORIE – Felipe.

FELIPE - Por favor.

MARJORIE – Desculpa.

FELIPE – Pra eles.

MARJORIE - Desculpa

FELIPE – Para mim, agora.

MARJORIE – O que você quer?

FELIPE - Um beijo.

Ela se surpreende. Pausa. Riem.

FELIPE - Uma pausa.

MARJORIE – Cafona.

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FELIPE – Cafona?

MARJORIE – Achei.

FELIPE – Ah. você achou?

MARJORIE - Muito cafona.

FELIPE - Vamos ficar em casa.

MARJORIE – Não.

FELIPE – O que eu faço, então?

MARJORIE – Nasce de novo.

FELIPE – Nasce de novo?

MARJORIE - Mais rico!

FELIPE - Mais rico?

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MARJORIE - É pra pagar o japonês

FELIPE - Japonês?

MARJORIE - Pra poder ficar tranqüilo.

FELIPE - Pra viajar!?

MARJORIE - Para viajar.

FELIPE - Pra ir pra Tóquio

MARJORIE - Isso comer muito japonês.

FELIPE – Maravilha

MARJORIE – Velejar.

FELIPE – Navegar.

MARJORIE – Isso.

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FELIPE – Arrasar.

MARJORIE – Hum. Hum.

FELIPE – Hum, hum?

FELIPE - 2 pausas.

FELIPE - Aceita cartão?

MARJORIE – Aceita.

FELIPE - Lá no japonês?

MARJORIE – Aceita sim.

FELIPE - Qual é o limite?

MARJORIE – O seu.

FELIPE – O meu limite....

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MARJORIE - Não sabe seu limite?

FELIPE – Eu não sei meu limite.

MARJORIE – Não sabe seu limite?

FELIPE – Você sabe qual é?

MARJORIE - Eu sei.

FELIPE - Qual é?

MARJORIE - Conta universitária

FELIPE - Ridícula

MARJORIE - Eu não sou ridícula.

FELIPE – Eu não sou mais universitário.

MARJORIE – Não me chama de ridícula.

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FELIPE – Você que....

MARJORIE - Pede desculpa

FELIPE – Arranja outro.

MARJORIE - Vamos ver um filme.

FELIPE - Arranja outra pessoa.

MARJORIE – Quero você.

FELIPE - Mas eu não dou conta.

MARJORIE – Dá sim.

FELIPE – Não sou o que você quer.

MARJORIE - Eu te amo.

FELIPE - Jura?

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MARJORIE – Juro.

FELIPE - Mas você quer outras coisas.

MARJORIE – Vamos ficar em casa.

FELIPE – Eu não pago japonês.

MARJORIE – Vamos ver um filme?

FELIPE – Um galetinho?

MARJORIE – Tudo bem.

FELIPE – Um galeto.

MARJORIE – A gente divide.

FELIPE – O japonês?

MARJORIE – é.

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FELIPE - Aquele barco?

MARJORIE – Pode ser.

FELIPE – Muito grande.

MARJORIE – E daí?

FELIPE - Cem reais

MARJORIE - Você paga quanto você quiser.

FELIPE - Eu pago dez.

MARJORIE – Dez?

FELIPE – É...

Ele não consegue responder.

FELIPE – Três pausas. Acabou. Não a relação. Acabou a cena.

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Música. Plot. Improviso a partir de uma matéria de jornal do dia, usando as cadeiras.

BRANCA – (descrever) Caixa econômica. Niterói. Icaraí

RICARDO (narrar) Tem uma senhora vestida de freira se encaminhando para a fila

BRANCA (descrever)– Filas. Filas. Muitas pessoas, pessoas nervosas.

PAULO (caracterizar) Ela deve ter uns 77 anos, mais ou menos, uma senhora
baixinha. Está tensa.

RICARDO (narrar) Ela está na fila. Espera.

BRANCA (descrever) É a fila dos idosos, a fila que anda mais rápido.

STELLA ( dialogar) Vocês já repararam? Essa...Como é que se chama isso aqui?


Agencia! Está sempre lotada.

PAULO – (caracterizar) Ela esta tentando se acalmar.

BRANCA ( descrever) – Luz branca.

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RICARDO (narrar) Chega a vez dela e ela se dirige ao caixa e pede para sacar R$
1.800.000,00.

BRANCA (descrever) Um documento. Um precatório na mão.

STELLA (dialogar) 1.800.000,00 por favor....

RICARDO ( narrar) O caixa pede para ela esperar um pouco, e some. Ela fica
sozinha.

BRANCA ( descrever) As pessoas na fila reclamam da demora.

RICARDO (narrar) O gerente se aproxima. Pede os documentos mais uma vez.

BRANCA ( descrever) Barulho de sirenes. Vários policiais invadem a agencia.

STELLA (dialogar) É um assalto? Gente isso é um assalto?

RICARDO (narrar) Ela levanta a saia e sai correndo. É agarrada pelos policiais. Cai
uma arma que estava escondida na roupa no chão.

PAULO – (caracterizar) Ela está despenteada. Desesperada.

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BRANCA ( descrever) Pessoas se saem correndo quando vêem a arma.

RICARDO (narrar) Ela é algemada.

STELLA (dialogar) Que isso? Eu sou uma freira!

PAULO (caracterizar) Ela começa a chorar.

RICARDO (narrar) Abaixam a cabeça da freira e colocam dentro do camburão.

PAULO (caracterizar) Ele passa mal e desmaia.

STELLA – Hein?

PAULO – Desmaia.

RICARDO (narrar) – No dia seguinte sai nos principais jornais. Uma senhora de 77
anos se disfarça de freira e vai na agencia em Niterói para sacar 1.800.000,00 se
passando por uma outra freira, verdadeira, de Campina Grande.

BRANCA – (descrever) Uma foto em preto e branco de uma freira na capa do jornal.

CHRIS JATAHY - Rio de janeiro, ontem.

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CHRIS JATAHY - 4

CRIS - Eles são um casal, sensacional. Ela é do lar, uma dona de casa. Ela tem uma
filha que ela ama muito. Ela dois tem cachorros que ela adora.

RICARDO - Ele é que é um marido dedicado, porque ele da a ela tudo que ela pede.
Porque com ele é assim: pediu, ganhou na hora, não tem conversa

CRIS - Verdade, ele é businessman. É um homem rico.

RICARDO - Ele tem uma boate, eles gravam trechos dos clientes fazendo sexo pra
chantagear depois.

CRIS – É uma boate, uma boate bacanérrima em São Paulo, no bairro de Moema,
uma boate grande, chique. Tem uns quartos com umas câmeras de segurança que
ninguém vê....

RICARDO - Vem mãezinha! Vem! Pede mãezinnha! Pede!

CRIS – Quando faz assim e bota a mão pra alto. Eu fico louca!

RICARDO – Pede mãezinha que eu dou. O que você quer?

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CRIS - Eu quero dinheiro!

RICARDO - Eu dou mãezinha, você quer dinheiro, é?

CRIS - É eu quero dinheiro! Ações da Dow Jones. Eu quero ser rainha da bateria.

RICARDO - Eu pago!

CRIS- Você paga? Quando você diz que paga eu fico louca.Ah eu quero Lacroix,
Channel, Dior... Ah! tem uma bolsinha, uma bolsinha na Louis Vuitton, é baratinha.
A Madonna tem! Ah, não! Da Madonna eu quero Jesus.

RICARDO- Eu dou.

CRIS – Eu, você e Jesus, ai que amor! Na sala vendo televisão!

Não! Mas peraí! Que papo de carinho é esse? Você vai me fazer carinho?

Você vai dizer que me ama? Tem papo de carinho não!

RICARDO – Não eu vou dar para você o que você pede.

CRIS – Tem papo de carinho não! Vai dizer....

Ele cospe na cara dela.

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CRIS - O Ricardo, pera aí cara...

RICARDO - Bota a cara na reta. Não tira a cara da reta. Não é pra ser amoral?

Não é por dinheiro? Então bota a cara na reta. Não tira!

Cospe de novo.

CRIS - Você cuspir na minha buceta.

LEO - Não precisa isso, gente! Não precisa. Desculpa, eu vou sair, não to a fim de
ver isso.

CRIS – Ok, pode sair

CRIS - Você vai cuspir na minha buceta!

Ela tira a calcinha e senta no chão.

RICARDO - Eu não dou. Acabou.

CRIS - Você não vai me deixar assim.

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RICARDO – Eu quero ver você assim.

CRIS – Você não vai me deixar....Olha como eu tô...

RICARDO - Acabou, eu não te dou mais! Vai dizer que me ama? Vai? Quer? Pede.
Mas vem de quatro! Vem aqui de quatro e pede.

CRIS – Não vou. Esquece!

RICARDO - Vem de quatro e pede.

CRIS – Esquece.

RICARDO - Você vai vir de quatro e vai pedir. Vem de quatro e pede!

CRIS - Não vou!

RICARDO - Não vai? Vai ser pior pra você.

CRIS – Não vou. Não grita.

RICARDO - Paulo, vai lá dentro e pega um prato. Vai piorar.

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CRIS – O Paulo!

RICARDO – Volta! Sustenta! Você não ta sozinha! Vai pedir com o prato na mão.

CRIS – Não vou.

Paulo entrega um prato para ele. Ele joga no chão perto dela.

RICARDO - Pega o prato e pede.

Ela vai para cima dele.

RICARDO - Não,aqui não! Meu dedo ta machucado. Não!

CRIS – É simples. Ninguém me empurra.

RICARDO - Não aqui não...

CRIS – De verdade! Abaixa! Filho da puta! Abaixa...quero ver pedir daquele jeitinho
que eu gosto.

RICARDO - Não mãezinha...

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CRIS - Assim...

RICARDO – Não mãezinha. Não....não mãezinha, não. Não.

Eles sentam e ela enfia o dedo machucado dele nela. Eles não tem mais para onde ir
na cena. Ela olha para o público

CRIS - Eu tô constrangida...

FELIPE - Eu também tô constrangido. É muito abuso, não é? Muita perversão. Muita


agressão física, muita desculpa, muito abraço, muita câmera de vigilância, muita
imagem roubada, muita fita crepe, muito narrar, descrever, caracterizar, muito
interiorizar, muita coisa junta, muito ator junto, muita gente da equipe técnica junta.
Só tem um camarim e está muito apertado! Eu preciso ir lá para fora. Tem 6 milhões
de pessoas lá fora, tem muita gente nessa cidade, tem muito teatro, muito cinema,
muita faixa de pedestre, muito sinal de trânsito, muito radar, muito túnel, viaduto,
muito orelhão quebrado, muita operadora de celular, muito restaurante, muito
restaurante de fastfood , muita Kone, muito Yogo, Yogoberry, YogoFrut, muita coisa,
muita coisa, muita gente, muita manchete jornal, muito fenômeno climático, muito
alagamento. Oi Leo! Muito desabamento, muito alagamento, muito terremoto, muita
nevasca, calor, homem bomba, guerra, muito trânsito, muita gente dirigindo seus
carros sozinha, ninguém me dá carona, muita gente conectada, muita gente
trancafiada nos apartamentos conectada nos seus computadores, muito e-mail,
muito gmail, orkut, facebook, blackberry, muito walkman, discman, google, google
google wearth, google maps, google street view, I pod, I phone, I book, I movie, I
treack, ai, ai, ai

FELIPE – Eu preciso de um cigarro.

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LEO – Eu tenho um cigarro aqui.

FELIPE - Queria um Mallboro.

LEO - Aceita o que te dão Felipe.

FELIPE - O ar condicionado do metrô não tá dando conta.

LEO – Tá mais calmo?

FELIPE – Muita cancela.Muito muro.

LEO – Tá mais calmo?

FELIPE – Tô.

MARJORIE – Então apaga o cigarro.

LEO – É melhor apagar, ambiente fechado pode incomodar as pessoas. Sabe qual é
o seu problema Felipe? O seu problema é que você não consegue se controlar. O
seu problema é que você tem muita coisa a dizer mas você não consegue dar um
encaminhamento lógico pra isso, entendeu?

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FELIPE - Eu preciso de um pai.

LEO - Ele precisa de um pai

FELIPE - Você pode ser meu pai?

LEO - Eu me acho meio inadequado pra esse papel. Eu me sinto inadequado.

Alguém quer entrar no meu lugar? Quer entrar no meu lugar? (para o público)
Alguém quer entrar no meu lugar?

Silencio. As vezes alguém do público entra....quando não, Felipe levanta, Paulo se


senta na cadeira que está ao lado do Leo, repetindo a formação da cena do pai e do
fillho. Entra a musica Blue Moon.

DU - Essa musica lembra o dia em que ela voltou lá pra casa. Porque ela voltou.

Ela voltou diferente, voltou com mais facilidade pra ser feliz. Depois de um tempo
que a gente estava junto, umas duas ou três semanas depois, ela acabou dormindo
lá em casa e perdeu a hora, e ai eu fico pensando que se ela não tivesse voltado pra
me dar mais um beijo antes de ir embora, e se nessa hora eu não tivesse abraçado
ela e tivesse pedido pra ela ficar só mais um pouquinho, e se ela tivesse ficado, e se
a luz do sol não tivesse batido tão forte no sinal exatamente na hora em que o táxi
avançou... ela podia estar aqui ainda... E eu fico lembrando o telefone tocando, e a
pessoa do outro lado dando a noticia do acidente... e dizendo que ela tinha
morrido... E a partir daí, eu não lembro bem, só uns flashes... e eu fico esperando
que passe, mas não passa...não passa! Não passa....

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CHRIS JATAHY - Dois

LEO – Engraçado como que as vezes...as coisas que a gente quer mais proteger, são
as que a gente mais destrói. Quando eu falei pra você sobre, enfim, sobre o abuso.
Eu sabia o que tinha acontecido. Eu não queria falar, mas quando eu vi eu tava
falando....era como se uma outra pessoa estivesse falando por mim...

Os atores começam a retirar as etiquetas das cadeiras e sentar em fila na frente do


público.

CHRIS JATAH - Quatro

CRIS – (caracterizar) Eu tenho 48 anos, quase 49. Eu estou na menopausa. Estou


(interiorizar) Apavorada. Completamente apavorada. Tudo acabou. Se desfez, se
fragmentou. (Os atores vão tirando as cadeiras) Eu não tenho pra onde ir. Estou
tentando encontrar um lugar. (senta) Eu saio de casa, entro na garagem, pego meu
carro novo, blindado, lindo. Paro no sinal. É verão. Sabe quando o asfalto esquenta
tanto que sai fumaça? Três crianças se aproximam do meu carro, descalças, e batem
no meu vidro. Três crianças descalças e eu no meu Volvo blindado e eu tenho muito
medo.

CHRIS JATAHY - Seis

MARJORIE - Eu vou ter que aprender uma cantiga de ninar. Eu acho que eu não sei
nenhuma, minha mãe nunca cantou nada pra mim. Na verdade, eu lembro de uma
que era: (canta) Mas tem letra isso?

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CHRIS JATAHY – Três.

STELLA - As pessoas ficam falando o tempo inteiro pra mim que elas acham que eu
devia tomar um remédio. Antidepressivo. Acontece que eu tenho preconceito com
remédio, então, nesse momento da minha vida a única coisa que eu estou fazendo
por mim é terapia Freudiana. Quer dizer, eu também faço fisioterapia mas é pro meu
ombro direito, eu tenho uma dor crônica aqui no meu ombro direito.

CHRIS JATAHY – Dez.

PAULO - Eu, eu queria falar sobre a solidão. Mas eu não sei o que dizer.

CHRIS JATAHY – Treze.

DU - Tem uma coisa que eu me arrependo, que eu queria ter dito e não disse... é
que ela tava linda, e que eu amava ela.

CHRIS JATAHY – Três.

STELLA - A minha fisioterapeuta acha que deveria fazer uma terapia Reichiana, que
é mais corporal, e aí a gente descobriu a causa dessa minha dor. Eu e minha
fisioterapeuta, que é exatamente a tensão, energia negativa, baixo auto estima que
eu jogo tudo pra cá, pra região do meu ombro direito. Ela disse assim: Stella você
deve tomar uma medicina ortomolecular, eu tomo um floral, que é mais light. Ai eu

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considerei essa hipótese, fui olhar na minha agenda, e eu descobri um coisa incrível
sobre mim mesma. Eu descobri que eu gasto todo o meu tempo com terapia.

CHRIS JATAHY – Seis.

MARJORIE – Será que é uma loucura ter filho hoje em dia?

CHRIS JATAHY – Cinco.

RICARDO – Só queria voltar e encontrar tudo no mesmo lugar. Sabe quando você
quer voltar e encontrar tudo no lugar onde você deixou?

CHRIS JATAHY – Treze.

CHRIS JATAHY – Treze.

DU - Eu queria voltar e encontrar tudo no mesmo lugar. Sabe quando a gente deixa
as coisas e quer encontrar as coisas no mesmo lugar?

CHRIS JATAHY – Dois.

LEO - Eu tentei te proteger mas eu não consegui. Se eu pudesse voltar no tempo.

Não dá mais pra descobrir onde foi o ponto. Sabe o ponto onde tudo muda?

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Tem um ponto em que vira a chave, assim, e muda para uma outra coisa. Achar
esse ponto é o mais difícil.

CHRIS JATAHY – Quem quiser.

PAULO - Hoje em dia eu moro sozinho, e eu faço tudo sozinho. Eu vou ao


restaurante sozinho. AS vezes eu estou no restaurante...

Nos monitores das tv’s, Felipe aparece em close com um fundo azul, cheio de flores
e folhas.

FELIPE – Marjorie! Marjorie!

MARJORIE - Oi Felipe!

FELIPE - Oi Marjorie.

MARJORIE - Tudo bem?

FELIPE – Tudo. Eu queria te mostrar isso aqui.

MARJORIE - É lindo.

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FELIPE - Você conhece o litoral paulista?

MARJORIE - Eu conheço Guarujá.

FELIPE – Ubatuba. Aqui é Ubatuba.

MARJORIE – Ubatuba? Praia do Felix?

FELIPE - Praia de Tamambuca.

MARJORIE – Tá bom o tempo ai?

FELIPE - Ta lindo!

MARJORIE - É conhecido como Ubachuva, né?

FELIPE – Eu to com saudade.

MARJORIE - Eu também

FELIPE - Eu vou ficar com muita saudade

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MARJORIE - Eu também estou com muita saudade já.

FELIPE – Muita. Muita.

MARJORIE – Muita.

FELIPE – Azul! Eu sou apaixonado pela cor azul

MARJORIE – É minha cor preferida.

FELIPE - Eu amo azul. Eu tava...Eu peguei uma onda hoje!

MARJORIE - Você pega onda bem, Felipe?

FELIPE - Não! Eu tomei um caixote. Você tá sozinha?

Olha para o público

MARJORIE – Tô.

FELIPE - Eu vi um terreninho aqui pra vender, a gente podia comprar. O que você
acha?

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MARJORIE – Eu podia plantar uma horta.

FELIPE - Você podia plantar uma horta.

MARJORIE – Foi o que eu falei.

FELIPE - Eu adoro quando você planta.

MARJORIE – Eu adoro planta.

FELIPE - Você planta muita bem.

MARJORIE – Eu planto bem, né?

FELIPE – Muito. Eu adoro filme oriental também.

MARJORIE - É tá me lembrando mesmo um que eu vi recentemente.

FELIPE - É bonito né?

MARJORIE - É falso, mas é bonito.

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FELIPE – É bom que o filme oriental brinca com a realidade.

MARJORIE – É uma ilusão, né?

FELIPE - É bom uma ilusão de vez em quando.

MARJORIE – Se deixar levar. Acreditar. Você tá me iludindo Felipe?

Ele balança o fundo que parecia fixo. E revela a rua em frente ao teatro.

FELIPE – Marjorie.

MARJORIE - Onde é que você tá?

FELIPE - Eu tô aqui no pátio. Vem aqui.

MARJORIE – Eu vou.

FELIPE – Marjorie! É um fundo de aquário!

MARJORIE – É lindo! Eu vou botar na minha parede.

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FELIPE - Eu queria falar um pouquinho de amor. Amor com profundidade.

MARJORIE – Tá profundo Felipe. Tá bem profundo visto daqui.

FELIPE - Eu trouxe um presente pra você.

MARJORIE - O que?

FELIPE - Um presente lindo

MARJORIE - O que é?

Ele mostra um balão azul.

FELIPE – Azul. Você quer?

MARJORIE - Quero

FELIPE – Então toma.

Ele coloca na frente da câmera. As tv’s ficam azul. Ela pega um outro balão, como se
fosse o mesmo. Coloca na frente da barriga, como se estivesse grávida. Anda até o
público, confirma comigo se pode finalizar e fala para o público.

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MARJORIE - Acabou! Acabou a peça!

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