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DEONTOLOGIA PROFISSIONAL –ABORDAGEM ÉTICA E JURÍDICA

ANA SOFIA ANTUNES DA SILVA

ÍNDICE

1. Introdução....................................................................................................................................... 1
2. O Exercício das Profissões Liberais............................................................................................... 2
3. Da Ética.......................................................................................................................................... 3
3.1 A Ética-Evolução Histórica.................................................................................................... 3
3.2 A Natureza da Ética................................................................................................................ 4
3.3 A Moral.................................................................................................................................. 6
3.4 Da Consciência Moral............................................................................................................ 8
4. Ética e Deontologia nas Práticas Jurídicas...................................................................................... 9
5. O Estatuto Profissional e Deontológico do Advogado.................................................................. 11
5.1 O Direito Profissional como ramo de Direito Autónomo...................................................... 12
5.2 Os Deveres Deontológicos Gerais........................................................................................ 13
5.3 A Função do Advogado e a natureza da Advocacia.............................................................. 13
6. A Ordem dos Advogados............................................................................................................. 16
6.1 Dos deveres do Advogado para com a Ordem...................................................................... 17
6.2 As Garantias e Direitos do Advogado................................................................................... 17
6.3 A problemática dos Honorários............................................................................................ 18
6.4 Os Deveres do Advogado para com a Comunidade – O interesse público da advocacia......19
6.5 Deveres entre advogados...................................................................................................... 22
6.6 Deveres do Advogado para com os Magistrados.................................................................. 23
7. Conclusão..................................................................................................................................... 24
8. Bibliografia................................................................................................................................... 26

NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em Direito da
UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
1. Introdução

Pretende-se contribuir com uma reflexão sobre a deontologia profissional, privilegiando


uma abordagem ética e jurídica decorrente da experiência profissional, nomeadamente no que
se refere ao exercício da advocacia.
O exercício das profissões jurídicas remete-nos para uma relação de interdependência
entre o saber teórico e o saber prático. Com efeito, este último, o saber prático, ganha maior
acuidade, no sentido em que possibilita a orientação da acção humana. Contudo, essa acção
deverá ser orientada não só pela normatividade e imperatividade existente no Direito, na
busca incessante da realização da verdade e da justiça mas também atendendo aos ditames
superiores da Moral, da Ética e da Consciência Individual….atendendo à colectividade na
qual estamos inseridos.
A nossa acção individual não é isolada, insere-se num todo e dirige-se a todos. Nesse
sentido, a Deontologia, surge como um conjunto de normas e imperativos estatuídos nos
diversos Códigos Deontológicos e Estatutos que regem as mais diversas profissões, mas não
se esgotam aí. Vão além, precisam de ser preenchidos, adaptados, balizados pela razão e pela
consciência moral.
Atendendo às profissões jurídicas, designadamente, à advocacia e à solicitadoria,
poderemos afirmar que uma conduta absolutamente adequada ao Estatuto da Ordem dos
Advogados ou ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores, nem sempre é uma boa conduta, isto
é, nem sempre responde à necessária aplicação de outros valores morais, nem sempre ouve a
voz da consciência e consequentemente poderá ficar longe de realizar o Direito e a Justiça!
Considerando porém que o homem é um ser livre e que a ética é a esfera da estética
individual e interior, só poderá querer o melhor, pelo que deve procurar com maior acuidade e
rigor, uma conduta deontológica e eticamente correcta e desse modo desempenhar
exemplarmente a sua missão, no exercício da profissão, pois o importante não é somente o
que fazemos, mas o modo como o fazemos, sempre no cumprimento do dever.

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2. O Exercício das Profissões Liberais

Cumpre atender à definição do Conselho Europeu das Profissões Liberais (CEPLIS):


“As pessoas que exercem uma profissão liberal partilham uma característica comum: no seu
quadro de atividade, a prestação de serviços intelectuais pessoais, baseado numa especial
qualificação profissional, sob responsabilidade própria e com total independência, no
interesse dos seus clientes, ordenantes e da colectividade. O exercício da profissão está
sujeito a deveres deontológicos específicos, segundo a Lei Nacional ou o Estatuto definido
autonomamente pelas organizações profissionais, com vista a garantir e desenvolver o
profissionalismo, a qualidade e a relação de confiança com o ordenante.” (BAETENS, 1998,
p. 29).
O profissional liberal é assim, um prestador de serviços intelectuais e personalizados,
com qualificação profissional, pressupondo um clima de total confiança entre prestador e
constituinte. Com efeito, o profissional liberal presta os seus serviços com total independência
e sob a sua própria responsabilidade. A independência, considerada tanto no estatuto da
profissão, como no seu exercício, surge como uma característica específica da profissão
liberal, bem como a responsabilidade. Estas características específicas: competência,
responsabilidade, independência e respeito pela deontologia inspiram a confiança, essencial
para o exercício pleno da profissão.
Assiste-se atualmente a um permanente “devir” nas profissões liberais, a uma constante
transformação, na medida em que o ambiente económico e social em que operam as
profissões, em que se destaca a advocacia e solicitadoria, alterou-se completamente: atenda-se
à globalização, complexificação, informatização, à urgência dos serviços, às vias de
comunicação, à concorrência, às custas e despesas gerais, à exigência dos constituintes, cada
vez mais esclarecidos, e às constantes e permanentes alterações legislativas. Resultando
daqui, a importância do trabalho em equipa, a profissão liberal não é solitária, contudo, deverá
manter a independência de cada um, cada associado, da Ordem dos Advogados ou da Câmara
dos Solicitadores deverá ser o único juiz do que fará ou deixará de fazer, salvo as exigências
colectivas da Ordem a que pertence.
“As ordens profissionais terão que ultrapassar as suas próprias dúvidas, tão perceptíveis e
edificar em bases novas e actuais os princípios que devem continuar a reger as profissões
liberais, no quadro da atualidade, tais como a independência, o trabalho individual, afastado

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da conotação comercial, a responsabilidade, a honra e a dignidade, garantidas por uma
deontologia assertiva e eficaz.” (DECKERS, 2005, p. 51-55).
“O primeiro sentido da ideia de direito é, certamente, o do respeito incondicional pela
pessoa humana, (…) O direito não pode sequer pensar-se se não for pensado através da
pessoa e para a pessoa (…) Ser pessoa é ser sujeito de direito, e o direito só pode sê-lo de
pessoas (de alguém eticamente responsável na sua autonomia)”.
António Castanheira Neves, Jurista Português (1929-)

“O imperativo do direito é este: sê pessoa e respeita os outros como pessoas”.


George Hegel, Filósofo Alemão (1770-1831)

3. Da Ética

3.1 A Ética-Evolução Histórica

A Ética, como saber nasce exatamente com a reflexão filosófica grega, pois consiste
numa filosofia moral. Apesar do estatuto da ética ter vindo a adquirir maior preciosidade com
o tempo, hoje podemos afirmar que a ética é uma dimensão da filosofia que se ocupa da
existência da moral, pelo que, considerada como reflexão filosófica, tem por objeto o
fenómeno da moralidade, que desde a Antiguidade faz parte da vida dos homens.
Embora, “moral” e “ética” não signifiquem etimologicamente coisas distintas,
configuram-se como duas formas de reflexão e enquanto a moral pertence ao mundo da vida,
a ética privilegia um saber prático, tendo como missão primordial orientar, mesmo que
mediatamente a conduta humana.
Considerando um dos filósofos da Antiguidade Clássica, Aristóteles, na sua obra “A
Ética, a Nicómaco”, este desenhou uma topografia de saberes, cumpre distinguir entre a
racionalidade, que se considerou como prático-moral e a racionalidade que foi considerada
como prático-técnica. A primeira, tem segundo Aristóteles, fundamentalmente como objeto a
ação propriamente dita, a segunda tem como objeto, um tipo de ação, que se designará por
produção.
O saber prático é aquele que reflete sobre a ação e de algum modo a orienta, enquanto o
saber ético, se refere aos fins e valores últimos das acções e não considere apenas as suas
preciosidades técnicas. A ética foi assim ocupando-se do bem, da felicidade (como fim da
conduta humana), da justiça, dos sentimentos morais, da consciência moral, da liberdade, da

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pessoa. Pelo que, a ética se relaciona indiscutivelmente com a justiça, política, a economia e a
religião, na medida em que, tem como objeto aquele conjunto de valores, normas e princípios
que afectam o ser humano, tendo como monopólio, que a sua especificidade é profundamente
individual e que não se deve alterar em função do sistema judicial a que se pertence, da
comunidade política em que se insere, da religião a que está vinculado, e do sistema
económico no qual está enquadrado.
A Ética, no entanto, tem por objeto o ethos que é inseparavelmente, social e individual,
é uma realidade sócio-histórica, mas só existe concretamente, na pratica dos indivíduos. Isto
é, mesmo diante de variadas definições e conceitos sobre a ética, o homem tem demonstrado
que não vive sozinho, pois, como ser humano, coexiste com os seus hábitos, costumes,
tradições, sonhos, trabalhos etc, dentro de uma ordem moral, onde os seus atos, desde que
visem o bem, são tidos como éticos. Logo, todos os atos humanos se devem alicerçar em atos
éticos, com princípios que a fundamente para que possa exteriorizar o seu comportamento
moral (moral efetiva) num comportamento moral ético (moral reflexiva), que é absolutamente
necessário para que a ética se sustente e melhore a convivência social. Desta forma, as ações
éticas acontecem quando os valores no conteúdo e no exercício do ato são valores humanos e
humanizadores, em que a igualdade, a justiça, a dignidade da pessoa, a democracia, a
solidariedade, o desenvolvimento integral de cada um e de todos é respeitado e garantido de
forma plena e eficaz para a formação de uma sociedade mais equilibrada e justa com vista a
alcançar uma melhor socialização.

3.2 A Natureza da Ética

Atualmente fala-se muito no declínio da ética. Muitas vezes, o que se pretende dizer é
que se tem assistido a um declínio na observância de certas regras éticas. Desconhece-se se
houve mesmo um declínio na obediência a estas regras. A ética é prática senão não é
verdadeiramente ética. Se não for boa na prática também não é boa na teoria.
Viver eticamente é pensar sobre as coisas que se encontram para além dos nossos
próprios interesses. Quando penso eticamente torno-me apenas um ser com necessidades e
desejos próprios, certamente, mas a viver no meio de outros que também têm necessidades e
desejos. Quando agimos eticamente, devemos ser capazes de justificar o que estamos a fazer,
e essa justificação deve ser tal que possa, em princípio, convencer qualquer ser razoável.
R.M. Hare antigo professor de filosofia moral da Universidade de Oxford afirma que
para que os nossos juízos sejam morais, têm de ser «universalizáveis». Hare não quer dizer

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que os nossos juízos éticos têm de abarcar todas as situações possíveis, mas antes que nós
temos de estar preparados para os prescrever, independentemente do papel que
desempenhamos – e isso inclui prescrevê-los quer ganhamos ou percamos com a sua
aplicação. Essencialmente isso significa que, ao considerar se devo fazer algo, tenho – se
estiver a pensar eticamente – de me imaginar na situação de todos aqueles afetados pela
minha ação (com as preferências que eles têm). Só se depois de tomar completamente em
consideração os interesses e preferências de todas as pessoas – ainda pensar que a ação é
melhor do que qualquer alternativa que se me apresenta, poder-se-á genuinamente dizer que
se deve fazer. Ninguém pode na vida quotidiana, realizar um processo mental tão complexo
por ocasião de cada escolha moral: daí a desejabilidade das regras morais, não como
repositórios da verdade moral absoluta, mas como guias geralmente fiáveis em circunstâncias
normais. Viver eticamente é olhar para o mundo à luz de uma perspetiva mais ampla e agir
segundo essa perspetiva.
Durante grande parte da história da civilização ocidental, a Cristandade teve o
monopólio sobre o nosso pensamento acerca da razão porque devemos fazer o que está certo.
E uma justificação para tal, é afirmar que devemos fazer o que está certo neste mundo com o
fim de se alcançar a vida eterna.
“A virtude suprema da religião é que ela tem iluminado a moralidade”.
Mathew Arnold, Pedagogo e escritor inglês (1822-1888).

Enquanto o Iluminismo no século XVIII retirava gradualmente o domínio do


cristianismo sobre o pensamento moral surge Kant, um dos maiores filósofos Alemães, que
apresentou uma imagem muito diferente da Moral. Kant procurou reconstruir o conceito
cristão de moral de forma que o tornava independente de ensinamentos relativos a Céu e
Inferno, e consideravelmente independente mesmo da crença de Deus. Ao invés baseava-se na
razão, excluindo tudo o mais. Segundo Kant, agimos moralmente apenas quando pusermos de
lado todos os motivos ditados pelos nossos desejos e inclinações.
Por lei universal, Kant entende a lei moral e em particular, o seu famoso imperativo
categórico que nos diz apenas para agir de acordo com princípios que estaríamos prontos e
dispostos a implementar como leis universais. Assim Kant afirmava que devemos cumprir o
nosso dever pelo dever em si. Aquele que é levado a doar alimentos aos mais desfavorecidos
pelo simples desejo de ajudar os congéneres humanos não está a agir moralmente, a menos
que possa por de lado esse desejo e ser apenas motivado pelo pensamento de ajudar outros
seres humanos e assim está somente a cumprir o seu dever, de acordo com a lei moral. Ainda

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segundo Kant para agirmos moralmente temos de negar os nossos próprios interesses a favor
do nosso dever moral. A moral Kantiana é vazia de conteúdo, desprovida de intenções e
incondicionada e esse deve ser o valor moral das nossas acções. A posição de Kant oferece-
nos ama perspetiva sombria da condição humana. Compreendemos a lei moral porque,
enquanto seres que raciocinam, temos inevitavelmente consciência dela e tememo-la mas
consideramo-la fundamentalmente hostil à nossa natureza enquanto seres físicos, providos de
desejos. E nesse sentido, se conseguirmos cumprir o dever pelo dever, conseguiremos dotar a
acção humana de valor moral. Considerando-se a dificuldade da harmonia entre a lei moral e
nossa vontade, é esse objetivo que devemos perseguir.

3.3 A Moral

A Moral deriva do Latim “morus” que significa “usos e costumes”. É um conjunto de


normas para o agir específico ou concreto. A Moral está contida nos códigos que procuram
regulamentar o agir das pessoas.

“A moral é o mundo da conduta espontânea, do comportamento que encontra em si próprio a


sua razão de existir." Miguel Reale.

A ideia de moral é aquilo que as pessoas entendem como o que é certo, é a expressão da
ideia do bem, do correto, logo do que é justo. A justiça é um valor moral. Então, num
primeiro momento, moral é a compreensão que uma sociedade tem daquilo que seja o bem, o
correto, o justo. Assim, cumpre indagar qual é a fonte da moral, qual a sua proveniência. A
moral vem da subjectividade humana, isto é, a fonte da moral é o pensamento humano, que
cria os pensamentos morais. A moral tem uma índole subjectiva, logo uma índole individual.
E na verdade os valores mudam, pela própria atividade pensante, pelas interrogações. A moral
tem uma índole de transcendência espiritual, é regida por determinados valores. Quando a
moral encarna na prática, ela transforma-se na ética. A moral tem uma índole subjectiva
espiritual. Os valores morais estão em contínua transformação e modificam-se. O que ontem
era um valor moral, hoje pode não ser mais. E o que hoje é imoral, amanhã poderá ser moral.
A moral definir-se assim, como a ciência normativa que procura determinar as leis e
ideais que vêm regular o procedimento humano e às quais a vontade deve submeter-se para
realizar o bem. Poder-se-á desde logo identificar as características da moral. Assim, ela é
normativa, no sentido em que se ocupa do dever. É prática, pois refere-se ao exercício
concreto da nossa atividade livre. É igualmente universal, por se aplicar a todos os homens
sem exceção. E é categórica, pois impõe-se incondicionalmente por si mesma.

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“Todos os deveres, só por serem deveres, pertencem já à Ética, apesar disso a legislação
relativa a todos eles não se acha compreendida na Ética, antes pelo contrário, a de muitos
encontra-se fora dela”.
Immanuel Kant, Filósofo Alemão (1724-1804)

Considerando que o Universo é um Todo, perante um facto, um acontecimento ou uma


omissão, o homem toma uma posição crítica, emite um juízo de valor, considera as suas
acções como boas ou más, em suma, faz juízos de moralidade.
Para alguns a consciência moral é a faculdade ou aptidão que nos permite julgar da
bondade ou da malícia dos atos que praticamos; para outros, é um hábito que nos leva a julgar
o valor moral dos nossos atos; ainda segundo outros, é um sentido pelo qual diferenciamos o
bem do mal. Assim a consciência moral é a função que permite ao homem distinguir o bem e
o mal, orientar os seus atos e julgá-los segundo o seu valor. E como afirmou Fernando Pessoa
(1888-1935): “A moral é condição de existência superior de qualquer atividade humana”.
Poder-se-ão atribuir três objetivos gerais à consciência moral. Assim, a consciência
moral permite distinguir o bem e o mal (aspeto discriminativo), permite orientar o
comportamento humano (aspeto prescritivo) e formular juízos de valor sobre os atos humanos
(aspeto apreciativo). O homem dignifica-se quando obedece aos ditames da sua consciência
moral. E parafraseando de novo Immanuel Kant:
“Duas coisas me enchem o espírito com um respeito e um encantamento sempre renovados e
crescentes: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim.” (KANT, 2011).

No que se refere à ética socrática, esta reside no conhecimento e em vislumbrar na


felicidade o fim da ação. Essa ética tem por objetivo preparar o homem para conhecer-se,
tendo em vista que o conhecimento é a base do agir ético. Ao contrário de fomentar a
desordem e o caos, a filosofia de Sócrates prima pela submissão, ou seja, pelo primado da
ética do coletivo sobre a ética do individual. Trata-se da ética do respeito às leis,e, portanto, à
coletividade. Assim, a ética socrática trouxe: o conhecimento como virtude; a educação como
forma de se conhecer a si mesmo e, por consequência, conhecer melhor o mundo para
alcançar a felicidade; a primazia do coletivo sobre o individual e, a obediência às leis para
garantir a ordem e a vida em sociedade.
Aristóteles é o criador da disciplina filosófica da ética. Na sua Ética, Aristóteles
preocupa-se, acima de tudo, com o bem humano. Para Aristóteles, enquanto a política tem
como finalidade o bem colectivo a ética tem por finalidade o bem pessoal. A ética dá-se na
relação com o outro. E a sua principal atividade deve consistir em viver conforme a razão. A

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razão deve dirigir e regular todos os atos humanos. E nisso consiste essencialmente a vida
virtuosa. Pelo que, para este filósofo, o fim último de uma vida virtuosa é ser feliz. Portanto, a
felicidade tem que ser o correto desempenho do que lhe é próprio: o uso correto da razão.

3.4 Da Consciência Moral

“No advogado a retidão da consciência é mil vezes mais importante que o tesouro dos
conhecimentos. Em primeiro lugar, ser honesto; a seguir, ser firme; e depois ser prudente; a
ilustração em quarto lugar; a perícia em último lugar”.
Angel Ossório Y Gallardo, Advogado Espanhol (1873-1946)

Considerando as fontes bíblicas, cumpre referir que não há no Antigo Testamento


expressa referência ao termo “consciência”. É com o Novo Testamento e em concreto com
Apóstolo São Paulo, que se defende a necessidade de seguir os ditames da própria consciência
e o dever de respeitar a consciência alheia. A partir do Renascimento, podemos afirmar que a
lei natural, desprender-se-á gradualmente da sua vinculação direta a Deus e o eixo central de
reflexão passará a ser o da natureza do homem. Como fez notar J. Muguerza:
“Ao centrar a ética na vontade do sujeito, neste caso, por mais que se trate de Deus, a
teologia luterana prestou um serviço incalculável à ética moderna, pois bastaria esperar
para que aparecesse este fenómeno cultural que conhecemos como a “morte de Deus”, para
que a perspetiva da potência Dei absoluta fosse progressivamente substituída naquela ética -
de Kant e de Sartre e ao existencialismo, passando por Nietzsche-pela perspetiva da potência
hominis absoluta, que consagra a autonomia moral do indivíduo.” (MURGUEZA, 1992, p.
155).
Com efeito, o que Murgueza salienta na ética teológica são estes dilemas associados à
problemática da imagem exaltada da omnipotência divina, a que anda ligado a do homem que
pretende substituí-Lo. É com Kant, que se acaba por subverter esta situação, ao fazer da
autonomia o eixo ético central, reivindicando o tema da consciência que se encontra na sua
obra, enquanto “Tribunal interno do homem” e se um dos pilares da ética kantiana é a
autonomia, o outro é a universalidade.

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4. Ética e Deontologia nas Práticas Jurídicas-

Segundo o ex-Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Rogério Alves, a Ética e a


Deontologia assumem um papel crucial na formatação e no exercício da advocacia, sendo
condição inafastável do bom exercício da advocacia.
A Ética não se define apenas, ela vive-se e nessa medida são permanentes os debates
entre os valores éticos e o direito positivo, que vigora em cada momento. E assim, o advogado
tem de ser livre, para defender integral e cabalmente os interesses de quem patrocina e
representa e apenas deve atender aos limites decorrentes da lei e da deontologia.
Atualmente a Lei 49/2004 de 24 de Agosto estabelece os atos próprios dos advogados
e solicitadores, pelo que, considerando a sua atividade, poderemos delimitar como sendo atos
próprios, o exercício do mandato forense e a consulta jurídica (artº.1º., nº 5al.a) e b).
Com efeito, o acesso ao direito e aos tribunais é universal e está previsto no artº.20º.
nº. 1 da CRP e na consagração do patrocínio forense, que é "um elemento essencial à
administração da justiça" (cfr. artº. 208º da CRP). O próprio Estatuto da Ordem dos
Advogados, contempla, protege e salvaguarda esta atividade, quando refere: "o mandato
judicial, a representação e a assistência por advogado, são sempre admissíveis e não podem
ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada,
nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações controvertidas, composição de
interesses ou em processos de mera investigação, ainda que administrativa, oficiosa, ou de
qualquer natureza" (cfr.artº.61º.nº.3). Em segundo lugar, cabe ressalvar a independência, e o
próprio Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) refere no artigo 84º. que: "o advogado, no
exercício da sua profissão, mantêm sempre em quaisquer circunstâncias a sua
independência, devendo agir, livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus
próprios interesses ou influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia
profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros".
Os deveres éticos no caso da advocacia, resultam claramente da Lei, pelo que, se o
advogado sentir que na defesa de uma determinada causa, poderá ver diminuída a sua
independência, não deve aceitá-la. Pelo que, como decorre também do artº. 95ºnº.1 do EOA:
“O advogado pode aconselhar de forma conscienciosa sobre o merecimento do direito ou da
pretensão que o cliente invoca".
Conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/05/2012, Processo
nº.289/10.7 TVLSB.L1-7, em que foi Relator Luís Lameiras: “Pelo contrato de mandato
forense o advogado assume o vínculo de desenvolver a sua actividade com diligência e zelo,

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orientada no sentido da salvaguarda do interesse do seu cliente; mas sem se obrigar por
atingir um êxito certo; Faz parte desse vínculo a competência profissional e a preparação
técnica adequada ao acompanhamento da questão que lhe seja incumbida;”. Pelo que só
neste âmbito, poderá agir, face ao cliente com a “honestidade, probidade, retidão, lealdade,
cortesia e sinceridade”, que são aliás, em conformidade com o artº. 83º.nº.2 do EOA, algumas
das obrigações profissionais.
Qualquer limitação à independência do advogado, poderá surgir como uma limitação à
sua ética profissional, o que não poderá acontecer. De facto, outro pressuposto para o
exercício independente da advocacia é a sua liberdade. Dispõe a CRP, no artº. 208º., que: “a
lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato”.
No que se refere, às normas deontológicas que devem pautar o exercício da profissão,
cumpre ressalvar que, determina o artº. 85º. do EOA: “O advogado não deve advogar contra
direito, não deve usar meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências inúteis, ou
prejudiciais para a correta aplicação da lei ou da descoberta da verdade, deve recusar
patrocínios injustos, deve recusar a prestação de serviços quando visem resultados ilícitos,
determina ainda que o advogado não se deve servir do mandato, para objetivos, que não
sejam profissionais”. Como já foi atrás referido, a independência do advogado, que é em
simultâneo, uma garantia do cliente, só poderá ter como limite as obrigações decorrentes da
lei e da ética. E conforme Ac do TR Coimbra, de 17-04-2012,com o nº de Proc..
83/09.3TBLRA.C1, em que foi Relator Carlos Marinho: “A discricionaridade técnica do
mandatário judicial não impõe, por si só, a instauração da acção desejada pelos seus
mandantes ou que o mesmo siga determinadas soluções jurídicas sugeridas pelos mesmos, se
as considerar desaconselháveis”.
Outro aspeto de peculiar relevância é o segredo profissional, uma garantia da relação
de confiança entre o constituinte e o seu advogado, porém, por alguns imperativos éticos,
sempre que estejam em causa alguns valores e sempre com os limites decorrentes da lei, esse
segredo pode e por vezes deve ser violado. Contudo, essas são situações de exceção que
confirmam a regra e segundo esta, é norma edificante da profissão o sigilo profissional. Um
outro aspeto é a própria atividade disciplinar da Ordem dos Advogados, que contempla um
vasto conjunto de deveres. Um problema atual e tendencialmente crescente é a Procuradoria
Ilícita. A Procuradoria Ilícita, atualmente tipificada como crime (no artº. 7º da Lei 49/2004 de
24 de Agosto, Lei dos Atos Próprios dos Advogados e Solicitadores), consiste na prática,
ilegítima e abusiva, de atos próprios da competência de advogados e solicitadores – ou no
auxílio ou colaboração a esses atos.

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O combate à Procuradoria Ilícita corresponde a uma das competências do Conselho
Distrital, conforme preceituado no artigo 50º do EOA: “Exercer as competências que lhe são
conferidas por lei relativas aos processos de procuradoria ilícita na área do seu distrito”.

5. O Estatuto Profissional e Deontológico do Advogado

Nem todas as atividades se podem designar por profissões. Assim, poderíamos definir
profissão como: “Uma atividade exercida com base em conhecimentos teóricos, adquiridos
através de um método científico e geradora de confiança proporcionada por quem tem
autoridade para a exercer, com o acesso e exercício regulamentados em função do seu
interesse público ou utilidade social e com subordinação a um código deontológico, imposto
por uma associação que promove a cultura própria da atividade considerada.” (citados por
ALBERTO LUIS, A profissão de Advogado e a Deontologia, lições policopiadas do Centro de
Estágio do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, p. 9-10). Resulta do conceito aqui
formulado que a atividade profissional é regulada por um conjunto de normas que constituem
a deontologia profissional e que asseguram o seu correto exercício.
No que se refere à sua natureza etimológica, a Deontologia equivale ao conjunto dos
deveres, sendo a Deontologia Profissional, o conjunto de normas jurídicas, cuja maioria tem
conteúdo ético e que regulam o exercício de uma profissão. Pelo que, é da deontologia que
resulta também o valor da confiança, aferido em função do acesso condicionado à profissão e
da regulamentação imposta para o seu exercício. Cumpre referir que o Código de Deontologia
dos Advogados da União Europeia, dispõe que o advogado representa numa sociedade que se
deve pautar pelo respeito pela justiça, um papel fundamental e que a sua missão vai além,
muito além da execução de um mandato, ele deve ser servir uma boa administração da justiça
e em simultâneo servir os interesses dos seus constituintes.
Constitui condição essencial para a garantia do estado de direito democrático, o
respeito pela função de advogado. Porém, se por lado há a considerar na função de advogado
uma multiplicidade de deveres, também há a considerar a independência absoluta a que deve
estar sujeito, isenta de qualquer pressão. Ressalve-se que a relação de confiança pressupõe
que as obrigações profissionais se pautem por virtudes tradicionais que são: a honestidade, a
proibidade, a retidão e a sinceridade do advogado. E assim, para que se estabeleça a relação
de confiança, há que considerar a garantia de confidencialidade e assim o “sigilo profissional”
deve servir tanto os interesses da justiça, como dos constituintes, pelo que essa garantia

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deverá ser protegida pelo Estado. Conforme resulta da Carta dos Princípios Fundamentais do
Advogado Europeu, adotada por unanimidade em sessão plenária do Conselho das Ordens de
Advogados da União Europeia de 24 e 25/11/2006, na cidade do Porto, publicada no Boletim
da Ordem dos Advogados nº. 45, p. 35.
A profissão de advogado tem em Portugal e desde a revisão constitucional de 1997,
garantias constitucionais que se encontram previstas no artº. 208º da CRP: “a lei assegura aos
advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense
como elemento essencial à administração da justiça”. E a Lei nº. 52/2008, de 28 de Agosto
(Lei de organização e funcionamento dos tribunais judiciais) dispõem no artº. 7º., nº.1) que:
“os advogados participam na administração da justiça, competindo-lhes de forma exclusiva e
com as exceções previstas na lei, exercer o patrocínio das partes”, sendo que “no exercício
da sua atividade, os advogados gozam de descricionariedade técnica e encontram-se apenas
vinculados a critérios de legalidade e às normas deontológicas da profissão”. E estabelece o
nº. 2 do artº. 144º do mesmo diploma que: “a lei assegura aos advogados as imunidades
necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à
administração da justiça e que para a defesa dos direitos e garantias individuais, os
advogados podem requerer a intervenção dos órgãos jurisdicionais competentes”.
Com efeito, o Estatuto da Ordem dos Advogados, que foi aprovado pela Lei 15/2005,
de 26 de Janeiro, referencia entre as atribuições da OA, a de zelar pela função social,
dignidade e prestígio da função de advogado, promovendo a formação inicial e permanente
dos advogados e o respeito pelos valores e princípios deontológicos, a de defender interesses,
direitos, prerrogativas e imunidades dos seus membros e a de exercer em exclusivo, jurisdição
disciplinar sobre os advogados e advogados estagiários e nos termos da Lei 49/2004 de 24 de
Agosto, só os licenciados em direito, podem praticar atos próprios da profissão.

5.1 O Direito Profissional como ramo de Direito Autónomo-

O EOA, reúne no título III intitulado deontologia profissional, dos arts. 83ºao artº. 108º.,
o estatuto deontológico do advogado, estatuindo sobre a independência do advogado, os seus
deveres para com a comunidade, para com a Ordem dos Advogados, para com colegas e
magistrados, para com os clientes, sobre o segredo profissional, a publicidade, o dever geral
de urbanidade.
Poder-se-á afirmar que nem todo o direito profissional do advogado se encontra
regulamentado no EOA. Na verdade, o direito profissional inclui um conjunto de normas

12
jurídicas que regulam o acesso e o exercício da profissão de advogado.
Considerando a advocacia uma profissão de interesse público, cumpre também ao
Estado a defesa e proteção desta profissão, sendo que a lesão de alguns valores constitui um
ilícito criminal e que a violação de algumas normas estatutárias constitui um ilícito
disciplinar.

5.2 Os Deveres Deontológicos Gerais-

Existem deveres deontológicos gerais que são específicos de determinada profissão,


podendo exemplificar-se quanto à profissão de advogado, com o dever de lealdade processual,
que é exclusivo da profissão forense e outros deveres que são comuns às chamadas profissões
liberais, do qual se destaca o dever de uma elevada consciência moral, o dever de probidade e
o dever geral de urbanidade. Cabe distinguir a consciência profissional que obriga a atuar
segundo as regras técnicas ou leges artis da consciência moral, que obriga à aplicação
daquelas regras no caso concreto.
Nas palavras de Carlo Lega, referindo-se ao dever de consciência moral, este “traduz-
se em um imperativo categórico que se condensa na frase “atua segundo a ciência e a
consciência” (LEGA, 1976, p. 67).
Segundo Kant, o dever de uma elevada consciência moral está assim definido, em
termos puramente formais, sob a forma do seu imperativo categórico: “Atua de tal modo que
possas querer a regra de que a tua ação se torne lei universal”.
A este dever de consciência moral também se referiu: Angel Osorio e Gallardo, ao
afirmar que “no advogado, a retidão de consciência é mil vezes mais importante que o
tesouro dos conhecimentos. Primeiro, ser bom; depois ser firme, por último: ser prudente; a
ilustração vem em quarto lugar e a perícia no fim de tudo”, (citação indireta, GUEDES DA
COSTA, 2010, p. 13).
Resulta do exposto que as virtudes tradicionais, são hoje deveres profissionais, como a
probidade, a honestidade, a integridade e a sinceridade, a que se referem o artº.83-nº. 2 do
EOA e o ponto 2.2. do Código de Deontologia da União Europeia e acima de tudo
pressupõem uma elevada consciência moral.

5.3 A Função do Advogado e a natureza da Advocacia-

As garantias constitucionais do advogado estão consagradas no artº. 208º da CRP, ele


participa na administração da justiça, competindo-lhe de forma exclusiva, o patrocínio das

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partes, usando da discricionariedade técnica estando unicamente vinculado a critérios de
legalidade e às normas deontológicas da profissão.
Cumpre analisar o que distingue o mandato judicial do mandato como contrato típico ou
nominado e cabe desde logo ressalvar o interesse público da profissão e a independência do
advogado. Esse interesse público que caracteriza o mandato judicial, justifica desde logo a
obrigatoriedade de inscrição numa associação pública, que é a Ordem dos Advogados, para
que seja legalmente possível o seu exercício (cf.artº.61º. nº. 1 do EOA). Com efeito, a
independência do advogado, mesmo em relação ao seu cliente, justifica por um lado, a
proibição da quota-litis (artº. 95º. nº.1 e 101º. da EOA) e por outro lado, que ele deva exercer
qualquer tipo de influências, coação, represálias, contra o colega adversário, a parte contrária,
juízes ou outros intervenientes na lide judicial. Assim, a missão da advocacia consiste no
exercício de uma função de interesse público, por uma entidade privada com independência
perante qualquer entidade pública ou privada.
À exceção do Reino Unido, a advocacia pode subsumir-se a dois modelos: à advocacia
colegiada, à advocacia livre ou à advocacia de Estado.
A advocacia portuguesa, caracteriza-se por ser colegiada, em que coexiste, como atrás
se referiu, a independência com a prossecução do interesse público…
Ao advogado cabe o patrocínio das partes. O advogado não é um auxiliar ou
colaborador da Justiça, é um verdadeiro órgão de administração da Justiça. Considerando que
a Ordem dos Advogados é uma associação de direito público o advogado é um servidor da
justiça e do direito. Esta conceção está consagrada no artº. 208ª. da CRP, ao preceituar que a
“a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o
patrocínio forense como essencial à administração da justiça.”
O Código de Deontologia do CCBE, refere-se a esta função do advogado, dispondo que
relativamente às incompatibilidades, que a fim de permitir que o advogado exerça de forma
isenta as suas funções e com a independência necessária, um advogado é excluído de certas
profissões. São os Tribunais “os órgãos de soberania com competência para administrar a
justiça em nome do povo”, nos termos dos artº. 202º e 203º. da CRP e artº. 1º., 2º e 3º.da
LOFTJ.
O advogado tem de ser livre, para defender integral e cabalmente os interesses de quem
patrocina e representa e apenas deve atender aos limites decorrentes da lei e da deontologia.
Atualmente a Lei 49/2004 de 24 de Agosto estabelece os atos próprios dos advogados e
solicitadores, pelo que, considerando a sua atividade, poderemos delimitar como sendo atos
próprios, o exercício do mandato forense e a consulta jurídica (artº.1º., nº 5al.a) e b).

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Uma das áreas de atuação é a procuradoria judicial e extrajudicial. O acesso ao direito e
aos tribunais é universal e está previsto no artº.20º. nº. 1 da CRP e na consagração do
patrocínio forense, que é “um elemento essencial à administração da justiça” (cfr. artº. 208º
da CRP).
O próprio Estatuto da Ordem dos Advogados, contempla, protege e salvaguarda esta
atividade, quando refere: “o mandato judicial, a representação e a assistência por advogado,
são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade
ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de
relações controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera investigação,
ainda que administrativa, oficiosa, ou de qualquer natureza” (cfr.artº.61º.nº.3).
Em segundo lugar, cabe ressalvar a independência, e o artº. 84º do EOA, refere que: "o
advogado, no exercício da sua profissão, mantêm sempre em quaisquer circunstâncias a sua
independência, devendo agir, livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus
próprios interesses ou influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia
profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros".
Os deveres éticos, no caso da advocacia, resultam claramente da Lei, pelo que, se o
advogado sentir que na defesa de uma determinada causa, poderá ver diminuída a sua
independência, não deve aceitá-la. Pelo que, como decorre também do artº. 95ºnº.1 do EOA:
“O advogado pode aconselhar de forma conscienciosa sobre o merecimento do direito ou da
pretensão que o cliente invoca”.
Sendo que só neste âmbito, poderá agir, face ao cliente com a "honestidade, probidade,
retidão, lealdade, cortesia e sinceridade", que são aliás, em conformidade com o artº. 83º.nº.2
do EOA, algumas das obrigações profissionais. Qualquer limitação à independência do
advogado, poderá surgir como uma limitação à sua ética profissional, o que não poderá
acontecer. De facto, outro pressuposto para o exercício independente da advocacia é a sua
liberdade. Dispõe a CRP, no artº. 208º., que: “a lei assegura aos advogados as imunidades
necessárias ao exercício do mandato”.
No que se refere, às normas deontológicas que devem pautar o exercício da profissão,
cumpre ressalvar que, determina o artº. 85º. do EOA: “O advogado não deve advogar contra
direito, não deve usar meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências inúteis, ou
prejudiciais para a correta aplicação da lei ou da descoberta da verdade, deve recusar
patrocínios injustos, deve recusar a prestação de serviços quando visem resultados ilícitos,
determina ainda que o advogado não se deve servir do mandato, para objetivos, que não
sejam profissionais”.

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Como já foi atrás referido, a independência do advogado, que é em simultâneo, uma
garantia do cliente, só poderá ter como limite as obrigações decorrentes da lei e da ética.
Outro aspeto de peculiar relevância é o segredo profissional, uma garantia da relação de
confiança entre o constituinte e o seu advogado, porém, por alguns imperativos éticos, sempre
que estejam em causa alguns valores e sempre com os limites decorrentes da lei, esse segredo
pode e por vezes deve ser violado. Um outro aspeto é a própria atividade disciplinar da
Ordem dos Advogados, que contempla um vasto conjunto de deveres.

6. A Ordem dos Advogados-

Trata-se de uma associação pública que goza de personalidade jurídica e é


representativa dos licenciados em Direito, que nela estão inscritos e que exercem
profissionalmente a advocacia foi criada por iniciativa pública, a fim de assegurar a
prossecução necessária de interesses públicos, através do exercício de direitos e deveres
públicos.
Fazendo apenas referência ao diploma que institui a Ordem, ela foi criada pelo Decreto
nº. 11715 de 12 de Junho de 1926 e desde então ao abrigo do poder legislativo, foram sendo
introduzidas alterações, ora por Lei, ora por Decreto-Lei. Foi o Dec.-Lei nº. 84/84 de 16 de
Março que aprovou o Estatuto da Ordem dos Advogados-EOA.
Como já se referiu, é a CRP que estabelece no artº. 208º., que a Lei assegura as
imunidades necessárias ao exercício do mandato, regulando o patrocínio forense como
elemento essencial à administração da justiça. Assim, a OA, como titular de direitos e deveres
públicos e concretamente de poderes de autoridade, significa nas palavras do Prof. Freitas do
Amaral, que: “poderá exercer poderes que denotam supremacia das pessoas coletivas
públicas sobre os particulares e nomeadamente consistem no direito que essas pessoas têm
de definir a sua própria conduta ou a consulta alheia em termos obrigatórios para terceiros,
independentemente da vontade destes, sendo exemplo de poderes públicos de autoridade o
poder regulamentar, o poder tributário, o poder de expropriar, o privilégio de execução
prévia” (AMARAL, 2012, p. 588).
Assim a OA, integra a administração autónoma do Estado. É inegável que a
independência da OA, muito contribui o facto das quotizações dos advogados garantirem a
sua autonomia financeira.

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6.1 Dos deveres do Advogado para com a Ordem-

Um dos princípios basilares do advogado para com a Ordem é o de não prejudicar os


fins e o prestígio das atribuições da Ordem dos Advogados, exercer os cargos para que tenha
sido eleito, ou nomeado e desempenhar os mandatos que lhe forem confiados, considerando
as funções de interesse público que lhe são inerentes, bem como participante na administração
da justiça.
O exercício da advocacia, isto é, a prática de atos próprios dos Advogados implica a
inscrição na Ordem dos Advogados e assim certas ordens profissionais são detentoras de
funções de autoridade que podem levar à própria inibição do exercício da profissão.
A inscrição como advogado estagiário, pode ser feita tanto no Conselho Geral, como no
Conselho Distrital da área do domicílio escolhido pelo requerente, como centro do exercício
da sua atividade profissional, em que se devem encontrar preenchidos todos os requisitos de
admissibilidade. A inscrição como advogado, depende da obtenção de classificação positiva
no estágio, sendo que a prova da inscrição é feita pela respetiva cédula profissional. Existem
porém situações que a verificarem-se obstam ao exercício da advocacia e constam das alíneas
a) b) c) e e) do nº. 1 e do artigo 181º nºs 3, 7 e 8, nomeadamente, não podem ser inscritos: os
que não possuem idoneidade moral; os que não estejam no pleno gozo dos seus direitos civis;
os que são declarados como incapazes de administrar pessoas e bens, por sentença transitada
em julgado; os magistrados e funcionários judiciais que por processo disciplinar lhes seja
reconhecida falta de idoneidade moral;
E ressalve-se que por vezes a alguns advogados, são aplicadas a pena de suspensão ou
expulsão da Ordem, por desrespeito pelos deveres deontológicos da profissão. Sendo que
nestes casos, a Ordem deveria ter uma intervenção mais ativa, considerando que a maioria das
situações são conhecidas por denúncia de clientes ou dos próprios colegas e também de
magistrados judiciais, porém se tal não acontecer o exercício da profissão faz-se
impunemente.

6.2 As Garantias e Direitos do Advogado-

Desde logo, cumpre assinalar as garantias constitucionais, decorrentes do artº. 208º da


CRP, em que a “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao mandato e regula
o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”, sendo que aquela
norma constitucional foi desenvolvida pela Lei de Organização e Funcionamento dos
Tribunais Judiciais- Lei 52/2008, de 28 de Agosto, que dispõe no seu artº. 7º que: “os

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Advogados participam na administração da justiça, competindo-lhes de forma exclusiva e
com as exceções previstas na lei, exercer o patrocínio das partes” (nº. 1) e “no exercício da
sua atividade, os advogados gozam de discricionariedade técnica e encontram-se vinculados a
critérios de legalidade e às normas deontológicas da profissão” (nº.2).
O Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 15/2005, de 26 de Janeiro, no
seu artº. 3º enumera entre as atribuições a de zelar pela função social, dignidade e prestígio da
profissão de advogado e a de promover o respeito pelos respetivos princípios
deontológicos(alínea d), a de defender os interesses, direitos, prerrogativas e imunidades dos
seus membros(alínea e) e a de exercer jurisdição disciplinar exclusiva sobre os advogados e
advogados estagiários, dispondo o artº. 61º nº. 1) que só os advogados e advogados
estagiários, com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, podem praticar atos próprios
da profissão, nos termos definidos pela Lei 49/2004, de 24 de Agosto.
Refere-se igualmente à garantia da livre escolha do mandatário judicial pelo mandante,
à autonomia e discricionariedade técnica do advogado, o direito do segredo profissional e a
garantia do advogado não poder partilhar honorários com alguém que não seja advogado.
Acresce ainda, dentro das garantias gerais a de te lhe ter de ser assegurado tratamento
compatível com o exercício da profissão e de lhe serem prestadas condições adequadas ao
desempenho do mandato, conforme dispõe o artº. 67º nº. 1 do EOA.
Uma outra garantia é de nas audiências de julgamento, dispor de bancada própria e
poder falar sentado, (artº. 67ºnº.s do EOA) não obstante quando tem de pleitear oralmente e
produzir alegações orais, o deva fazer de pé.

6.3 A problemática dos Honorários-

Anteriormente ao atual Estatuto, a Jurisprudência da Ordem dos Advogados (como se


refere no Acórdão do Conselho Superior de 167/1964, na ROA,25º., pág. 196) entendia que o
ajuste prévio ou pré-fixação de honorários era contrária à deontologia profissional, mas
também que a matéria relativa a honorários do advogado era fixada pelo Estatuto Judiciário.
Contrariamente a este entendimento, a Jurisprudência dos Tribunais defendia que
havendo ajuste prévio de honorários, era este que tinha de ser cumprido, por força dos
arts.1359º.,1409º do Código Civil de 1867, sendo que não existindo aquele ajuste aquelas
disposições não ficariam afastadas, mas teriam de se conjugar com o Estatuto Judiciário.
(Acórdão do S.T.J. de 15/6/1962, no B.M.J., nº. 118, p.147).
Atualmente, perfilha-se a admissibilidade dos ajustes prévios, ressalvando-se a

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proibição dos patos de “quota-litis”. Consagra o artº. 101, nº.2 do EOA que pode o advogado
acordar com o cliente que os honorários consistam numa parte do resultado, como também
resulta do Código de Deontologia do C.C.B.E. Assim, “a quota-litis associa o advogado aos
resultados do pleito, uma vez que litiga, simultaneamente, por si e pelos seus clientes”, sendo
nisto precisamente que reside a “ratio legis” da sua proibição. (Acórdão do Conselho
Superior de 28/11/1968, na ROA, 29º., p. 177). Assim, nos termos do artº- 101 do EOA
devem os advogados na fixação de honorários, atender ao tempo gasto, às responsabilidades
assumidas, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual, à
importância do serviço prestado, aos resultados obtidos e demais usos profissionais. E o
critério geral de fixação de honorários parece ser o da moderação, o que não significa com
modéstia, mas apenas sem exagero. É de salientar que “é devida justa remuneração por todas
as diligências feitas por mandatário judicial, ainda que improfícuas” (Acórdão do Conselho
Superior de 14/01/1983, na ROA,43º., pág. 227).
Também é de considerar como dispunha o anterior EOA, às posses dos interessados e
aqui relevará a formação moral do advogado, na medida em que deve atender “pura e
simplesmente às que definem a sua situação económica” (Acórdão da Relação de Lisboa de
10/07/1979 no BMJ nº.294, p. 395). Assim, os honorários devem ser apresentados
discriminadamente, sob a forma de nota de honorários, com indicação de todos os serviços
prestados e respetivos custos.
O Código de Deontologia do C.C.B.E. refere-se igualmente no artigo 5.4, à proibição do
advogado aceitar de outro colega ou de terceiros, ou de em contrapartida pagar qualquer
comissão pela angariação de clientes. É condição essencial, do pedido de laudo a existência
de conflito ou divergência entre o advogado e o seu constituinte, no que se refere a
honorários, já apresentados.

6.4 Os Deveres do Advogado para com a Comunidade – O interesse público da


advocacia-

O advogado é indispensável à administração da justiça, pelo que deve ter um


comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função
que exerce, como resulta do artº. 83º.do EOA. E assim refere o Código de Deontologia do
CCBE 1.1.: “Numa sociedade baseada no respeito pela justiça, o advogado desempenha um
papel proeminente e, num Estado de direito, o advogado é indispensável à justiça,…sendo
sua missão a defesa dos direitos e liberdades, missão que lhe impõe deveres múltiplos…
relativamente ao público, em razão do qual a existência de uma profissão livre e

19
independente…é um meio essencial de salvaguarda dos direitos humanos.”. E nesse sentido,
a justiça “é a pauta axiológica, é a exigência última do direito positivo. Todo o direito aspira
a ser um direito justo, como sendo o seu sentido próprio.” (ALBERTO LUIS, A profissão de
advogado e a Deontologia, lições policopiadas do Centro de Estágio do Conselho Distrital do
Porto da Ordem dos Advogados, pág. 14)
O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o
conteúdo do preceito legislativo, como resulta do artº. 8º.nº.2do Código Civil. São assim
deveres do advogado, conforme o artº. 85º.nºs1 e 2 al.a) do EOA: “pugnar pela boa aplicação
das leis não advogar contra lei expressa, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem
promover diligências inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação da lei”.
Considerando o primordial dever de servir a justiça, é dever do advogado para com a
comunidade em geral, de não promover diligências prejudiciais para a descoberta da verdade.
Outro expediente “contrário aos usos e costumes da profissão” é o contacto do
advogado com as testemunhas, na medida em que se considera um meio desleal de defesa dos
interesses da parte e poderá ser considerada uma vantagem indevida para o constituinte de um
advogado, prejudicando a outra parte, como dispõem os artº. 103º nº.2), artº.104º.e artº. 107
nº.1, al. d) do EOA. Como referiu um jurista, escritor e político italiano:
“Também os advogados com a sua parcialidade servem a justiça, porque no choque das suas
parcialidades, está contida a síntese da imparcialidade dos juízes: estes devem convencer-se
que só do confronto das livres opiniões pode nascer, diante da sua secretária, a fagulha
mágica da verdade”.
Piero Calamandrei (1889-1956)

Com efeito, se o advogado deve obediência a uma lei ainda que injusta, é-lhe conferido
o direito de recusar o patrocínio a algumas questões que considere injustas (cf.artº.85º.nº.2 al.
b) do EOA).E aqui está em causa um juízo de valoração ética do próprio advogado, sendo a
sua própria consciência que deve relevar. Com efeito, importa aferir para o advogado se a
causa é defensável, se assistem fundamentos para defender a pretensão do seu cliente, não
relevando saber se lhe assiste razão. Assim, “A justiça, para dela derivarem as normas
jurídicas, tem que se complementar com outro elemento: finalidade ou adequação a um fim.
A ideia de fim tem o direito de a ir buscar à ética”. (Gustav Radbruch, Jurista e Político
Alemão (1878-1948))
Como referiu, o Jurista alemão Karl Larenz (1903-1993): “O jurista, se não quiser ser
infiel à sua profissão, não deve entender o direito positivo no seu conjunto, mas assim como

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uma via, entre outras, de realizar a maior justiça possível”.
Considerando o interesse público em geral e como servidor da justiça e do direito, ele
deve ser exemplar na sua conduta pública e privada, à semelhança do que é expectável para os
magistrados e juízes. E tal não será possível sem integridade privada, consciência moral e
dignidade, o que não lhe retira a liberdade de se insurgir contra o direito constituído,
criticando-o e defendendo permanentemente os direitos, liberdades e garantias, sendo esta
também uma das atribuições da Ordem dos Advogados (cf.artº. 3º. nº.1-al.a) e artº. 86º.nº.1
al.b) do EOA).
Resulta do mandato judicial que este não pode ser objeto, por qualquer forma, de
medida ou acordo que impeça a livre escolha do mandatário, pelo mandante. E nestes termos
os arts. 62,nº.2 e 93º.nº.1 do EOA, proíbem a aceitação do patrocínio se o advogado não tiver
sido livremente mandatado pelo cliente.
Resulta também dos deveres do advogado para com a comunidade, não se servir do
mandato, para prosseguir objetivos que não sejam profissionais (cf. artº. 85 nº. 2 al. g) do
EOA). Com efeito, está vedado aos advogados que prestem serviço de protecção jurídica em
qualquer modalidade, auferir remuneração diversa da que tiverem direito, nos termos dos
diplomas de acesso ao direito. O patrocínio das partes é regulado no artº. 94, nº.s 3,4 e 5 e o
Código de Deontologia do CCBE:
-“O advogado não deve ser nem o conselheiro, nem o representante ou defensor de mais de
um cliente num mesmo assunto se existir um conflito de interesses ou um risco sério da
existência de tal conflito” (cf. artº. 94 nº.3 do EOA e 3.2.1. do Código de Deontologia do
CCBE)
-“O advogado deve abster-se de se ocupar dos assuntos de todos os clientes envolvidos
quando surja um conflito de interesses, quando o segredo profissional esteja em risco de ser
violado ou quando a sua independência esteja em risco de não ser total” (cf. artº. 94 nº.4 do
EOA e 3.2.2. do Código de Deontologia do CCBE)
-“O advogado não pode aceitar o assunto de um novo cliente se o segredo das informações
prestadas por um antigo cliente correr o risco de ser violado ou quando o conhecimento do
advogado dos assuntos de anterior cliente possam favorecer o novo cliente de forma
injustificada”(cf. artº. 94 nº.5 do EOA e 3.2.3. do Código de Deontologia do CCBE)
O direito profissional do advogado constitui um limite à faculdade de o cliente de lhe
dar instruções, na medida em que possam contrariar aquele direito, que lhe assegura
autonomia e liberdade de decisão entre um dever deontológico e um dever de seguir
instruções do mandante.

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Nos termos do artº. 93º nº.2 e artº. 95º.nº.1, al.b) do EOA, o advogado deve estudar e
tratar com zelo o assunto que lhe seja incumbido, o que se relaciona com o dever geral de
prestar informação ao cliente, sobre o andamento das questões, a pertinência das mesmas…
Sendo que este dever implica a necessidade de uma formação profissional constante, pois o
direito está em constante atualização. Este dever de zelo e diligência não se confundirá com
eventuais erros técnicos, que poderão sempre ocorrer à margem do zelo e diligência, podendo
em alguns casos desencadear responsabilidade civil para o advogado e que diverge da
responsabilidade disciplinar.

6.5 Deveres entre advogados-

Na verdade o exercício da advocacia pressupõe o dever de solidariedade com os outros


colegas, sendo uma das mais relevantes atribuições da Ordem a de reforçar a solidariedade
entre os seus membros, como resulta do artº. 3º nº.1 al. f) do EOA.
Com efeito, o Código de Deontologia do CCBE (5.1.1 e 5.1.2.) dispõe que a
solidariedade profissional implica uma relação de confiança e cooperação entre os advogados,
no interesse do cliente, com o intuito de evitar litígios inúteis e que de alguma forma possam
pôr em causa a reputação do advogado, bem como a dignidade e integridade da profissão.
Nas relações com outros advogados, impõe-se o cumprimento do dever geral de
urbanidade e assim deve abster-se de pessoalizar as questões, efectuar ataques ou alusões
impróprias e que deprimentes. Este comportamento é do ponto de vista técnico e deontológico
reprovável. Estabelece o Estatuto General de la Abogacia Española, aprovado pelo Real
Decreto 658/2001, de 22 de Junho, no seu artigo 34º.c) como dever do advogado: “ no
intentar la implicación del abogado contrário en el litigio o interesses debatidos, ni direta, ni
indiretamente, evitando incluso cualquer alusión personal al compañero e tratándole sempre
com la mayor correción”. Sendo que este dever, não implica que não sejam dirigidas críticas
ao advogado da parte contrária, nomeadamente quando ocorrerem erros na aplicação do
direito, erros de citação de doutrina ou jurisprudência, mas constitui violação deste dever de
urbanidade e correção as seguintes expressões: “inação patente”, ”notável urdidor de
mentiras”, “com grande descaramento”, como resulta de vários Acórdãos do Conselho
Superior da Ordem dos Advogados. (cf. Ac. Conselho Superior de 5/4/75, na ROA, 36º., pág.
276).
O segredo profissional constitui um estatutário dever autónomo da profissão de
advogado. Como expressamente refere o art.107º.nº.1 da alínea d) do EOA outro dever do

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advogado é atuar com lealdade nas suas relações recíprocas, nas relações com os seus
constituintes. Assim a sua conduta deve centrar-se na obtenção de todos os meios legais de
prova e abster-se de influências, pressões ou conflitos que possam desvirtuar a mesma. Assim,
sempre que um advogado de outro Estado-membro tenha violado uma regra deontológica,
deve chamar-se a atenção do colega para esse facto e caso não se obtenha o entendimento,
deve neste caso o advogado informar as Ordens dos Advogados, de forma a permitir às
Ordens em causa prestar apoio no acompanhamento do processo.

6.6 Deveres do Advogado para com os Magistrados-

Com efeito, o dever de urbanidade não poderá obstar ao exercício do direito que é o
dever de protesto, como resulta do artº. 75º.do EOA e 362º nº.2 do Código de Processo Penal,
contudo existem os limites do respeito devido à função dos juízes, não obstante a própria
liberdade do uso da palavra por parte do advogado, tendo em vista o livre exercício do
patrocínio legalmente reconhecido e constitucionalmente consagrado no artº. 208º da CRP.
Pelo que lhe assiste um especial dever de diligência e lealdade na condução do
processo, não podendo usar de expedientes ilegais e abster-se de atuar unilateralmente, de
forma desleal, junto de terceiros, de forma a influenciar o percurso do processo.

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7. Conclusão

Esta incursão pela Deontologia Profissional, permitiu apreender as especificidades


próprias e comuns às profissões forenses, em especial à advocacia.
De um ponto de vista global, poder-se-á afirmar que a concretização destes princípios
deontológicos e a formação moral e ética dos advogados e solicitadores são tão importantes
como os seus conhecimentos. Na verdade, ser honesto, ser firme e ser prudente são valores
morais fundamentais para o desempenho da profissão, assim como a efetiva consciência de
que o exercício da profissão consiste na realização de uma plena cidadania. Paralelamente, as
questões de cariz deontológico têm também uma importância acrescida, não só porque fazem
parte de um quadro de princípios e valores inerentes a uma atividade profissional, mas porque
se traduzem em si mesmo em bens superiores a defender e a preservar com o objetivo de
enaltecer estas classes profissionais. Mesmo considerando que alguns princípios que
norteiam a sua atividade, geram alguma controvérsia no seu alcance e definição, outros
assumem-se indiscutivelmente como princípios de decoro profissional, de conduta exímia, de
confiança e de independência profissional, essenciais ao exercício do mandato forense,
importa representar o constituinte bem, mas no rumo da verdade, da justiça e de acordo com o
Direito, com os preceitos normativos do Estatuto da Ordem dos Advogados e do Estatuto da
Câmara dos Solicitadores. Com efeito, o exercício destas profissões traz consigo a imperativa
necessidade da observância aos princípios deontológicos, mas também a uma incondicional
respeitabilidade pela lei, pela ética e pela moral. Concluindo, todos estes direitos e deveres
como normas deontológicas que são, quando assumidas como imperativo categórico e
incondicionado, são o apanágio do advogado e solicitador.
A questão da consciência e idoneidade moral, é merecedora de alguma reflexão, pois
em paralelo, com o exercício cada vez mais concorrencial da profissão, é igualmente
crescente a falta de ética e o parco interesse e preocupação no cumprimento dos deveres
deontológicos, o que se justifica pela ideia de que o conhecimento da moralidade e a
formação cívica e moral do indivíduo vai sendo cada vez mais permeável a ruturas, falhas e
desvios comportamentais e de que a ânsia de angariar cada vez mais clientes e
consequentemente mais trabalho, leva a situações em que se torna inviável a prática
consciente da profissão, o que significa dizer que alguns advogados e também solicitadores
não acompanham devidamente os processos que aceitam mandatar e não o fazem tão somente
porque desconhecem o seu trabalho. Com efeito, o volume do mesmo, a responsabilidade no
acompanhamento dos processos é por vezes desgastante e em última instância a morosidade e

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lentidão da justiça, vem justificar tudo. E assim se vai prevaricando no exercício da profissão,
em busca de um total afastamento das normas deontológicas que a regem, pelo que visando
apenas puros critérios de interesse e oportunidade se vai esvaziando de conteúdo funcional os
Códigos e Estatutos com os seus preceitos normativos e até que a responsabilidade disciplinar
ocorra nada acontece.
A crise económica -financeira que atravessamos buscará as suas raízes numa profunda
crise de valores, num ignorar permanente da Ética, num impune e inconsequente desinteresse
pela Moral e pelo Direito e a ser assim corremos o risco das sociedades civilizadas,
retrocederem a uma abismal selvajaria. A Humanidade tende a ignorar todos os valores
humanos que elevam o Homem à condição de ser racional e importa refletir porque cada vez
mais os seus atos são menos racionais, menos morais e menos humanos. Como afirmou
Rabindranat Tagore: “Todos os homens são feitos do mesmo barro, mas não do mesmo
molde”. Poderemos não conseguir mudar o presente, como gostaríamos, mas em cada dia
construímos o futuro que será nosso, por isso, é nosso dever fazê-lo da melhor forma possível,
assegurando a nossa liberdade, mas assumindo a respeitabilidade pelos outros.

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8. Bibliografia

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em que foi Relator Carlos Marinho, consultado em www.dgsi.pt.

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