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Segredo
Profissional do
Solicitador
Ética e Deontologia do Solicitador
ESTÁGIO OSAE
Estagiária n.º 89
Jéssica Brandão Barbosa
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ÍNDICE
1. Introdução – Página 3
2. Evolução histórica da profissão do solicitador – Páginas 3 e 4
3. Os conceitos “Ética” e “Deontologia – Páginas 4 e 5
4. As profissões jurídicas e os seus valores – Página 5
5. A ética e deontologia no exercício da solicitadoria
a. Valores no exercício de funções – Páginas 5, 6 e 7
b. Administração de património alheiro – Página 7
c. Conflito de interesses – Página 8
d. Informação privilegiada – Página 8
6. Segredo e Sigilo Profissional
a. Os conceitos – Página 9
b. Uma aproximação concetual – Páginas 9 e 10
c. Proteção do segredo profissional – Páginas 10, 11, 12 e 13
7. Proteção do segredo profissional dos solicitadores
a. Carta Deontológica dos Postulantes Europeus – Páginas 13 e 24
b. Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agendes de Execução – Páginas
14, 15 e 16
c. Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução –
Páginas 16 e 17
8. Conclusão – Página 17
9. Bibliografia – Página 18
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ABREVIATURAS
EOSAE – Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Art.º – Artigo
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1. INTRODUÇÃO
Este trabalho será realizado no âmbito do estágio na Ordem dos Solicitadores e Agentes
de Execução, a ser entregue à patrona formadora, Dra. Cláudia Boucinha.
Será feita uma pequena reflexão sobre a importância da ética e da deontologia na profissão
de solicitador que servirá de mote ao tema do sigilo e segredo profissional na atividade do
solicitador, percorrendo até lá as seguintes matérias: valores no exercício de funções,
administração do património alheiro, conflito de interesses e informação privilegiada
relacionada com o sigilo profissional.
Será ainda abordada a história da solicitadoria e a sua relação com os conceitos de
“verdade” e de “honestidade” e do papel dos mesmos no prestígio da classe e a exploração
dos conceitos “Ética” e “Deontologia”.
A grande finalidade deste trabalho é problematizar o significado dos dois conceitos – sigilo
e segredo – numa perspetiva ética.
Não só no âmbito da solicitadoria, mas em muitas outras atividades profissionais, é comum
os profissionais estarem obrigados ao sigilo e/ou ao segredo profissional. Em Portugal, os
solicitadores exercem as suas funções em todo o território nacional e mediante jurisdição,
instância, autoridade ou entidade pública e privada, praticando o exercício do mandato forense
e a consulta jurídica, nos termos da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto. O segredo profissional,
nesta profissão, é visto como uma peça fundamental, uma regra de ouro.
Palavras-chave: Sigilo. Segredo Profissional. Solicitador. Ética. Deontologia.
Foi em meados do século XII que surgiu a profissão de solicitador, pelo menos é o que se
consegue retirar dos registos desses tempos, nos quais havia referência ao “vozeiro”. O vozeiro
desempenhava funções de advogado, solicitador e procurador, profissões da atualidade.
Apenas em 1521, nos registos, surgiu a menção à função de solicitador. O escrito mencionava
que o profissional deveria ter boas competências de escrita e de leitura. Em 1603, nas
ordenações filipinas, já existia a distinção entre advogado e solicitador.
Sabe-se ainda que em 1841, os solicitadores já tinham trajes próprios e assistiam às
audiências em lugares destinados a si, tendo um papel essencial na representação das partes
e na autenticação de documentos. No ano seguinte, é promulgado um decreto que definiu quais
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as qualidades e competências obrigatórias para exercer a profissão. Destarte, só poderia
exercer esta função quem tivesse mais de 25 anos, fosse natural do Reino, tivesse aptidão e
conhecimento de negócios judiciais, tivesse bons costumes e nunca tivesse julgado de má fé.
Cerca de 20 anos mais tarde foi criada a primeira Associação de Socorros Mútuos de
Solicitadores, encartados de Lisboa, com a finalidade de defender e zelar pelos interesses da
classe. Para a sua entrada era necessário passar num exame escrito e oral sobre a prática
forense, os tipos de processo e a sua execução.
No decorrer do século XIX, foi aprovado o regimento da Câmara dos Solicitador, pelo
Decreto 17438 de 11 de outubro de 1929, que possibilitava aos solicitadores contratar
ajudantes para alguns atos de solicitadoria, e em 29 de junho de 1933 foi aprovado o Decreto-
Lei n.º 22779, que tornou obrigatório, para os candidatos a solicitador, a verificação de um
tirocínio de dois anos com um profissional que estivesse no exercício há mais de cinco.
A 26 de abril de 2003 é publicado o atual Estatuto da Ordem dos Solicitadores (que só
adquiriu este nome em 2015), pelo qual ainda hoje se regem e que veio criar uma especialidade
e, por isso, um novo colégio: o Conselho de Especialidade Solicitador de Execução.
Desde o seu começo que em muito se transformou a forma como se desempenham estas
funções, no entanto houve algo que se manteve indemne durante essa evolução, desde as
origens do direito até aos dias de hoje: a necessidade do sentido e retidão, honestidade e ética
dos indivíduos que praticam estas profissões.
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Por outro lado, a deontologia não está diretamente ligada aos valores interiores do indivíduo,
mas sim a um tratado, geralmente escrito, que o mesmo se compromete a respeitar.
Morfologicamente, a palavra deriva da ligação das palavras déon que significa “dever”, com a
palavra logos que significa “discurso/tratado”.
Assim, a deontologia surge da necessidade de todas as pessoas de um grupo profissional
siga os mesmos valores morais e respeite as mesmas regras de conduta.
Concluindo, a relação entre ética e deontologia baseia-se na aplicação de normas
comportamentais e valores morais, embora, na primeira, sejam a nível da autorregulação e, na
segunda, sejam uma imposição exterior.
Têm surgido várias alterações a nível do sistema jurídico e judicial devido à evolução das
sociedades. Se por um lado, com o avanço da tecnologia, ciência e doutrina se têm observado
vários progressos jurisdicionais, também se tem notado, por outro lado, a desjudicialização da
resolução de litígios de modo a acelerar e reduzir os custos das suas resoluções. Para além
disto, os clientes estão cada vez mais exigentes e as profissões jurídicas estão cada vez mais
competitivas.
Para garantir a notoriedade dos profissionais de direito, são criados estatutos das respetivas
ordens profissionais e os seus códigos deontológicos, para que se consiga controlar as
condutas e as ações individuais.
Cada profissional deve ter em conta não só a vertente técnica, mas também a vertente ética
e deontológica, no desempenho das suas funções que devem ser pautadas pela honestidade
e rigor.
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e o capítulo VI, “Dos solicitadores” são os que terão mais atenção por estarem relacionados
com o objeto de estudo deste trabalho.
O EOSAE é claro e perentório no que diz respeito às normas da conduta do solicitador
e dos valores e regras que deve seguir no exercício das suas funções. Embora o solicitador
seja um profissional liberal, ou seja, independente no seu exercício e as suas ações sejam da
sua exclusiva responsabilidade (art.º 119º EOSAE), o mesmo está subordinado ao EOSAE e
ao seu código deontológico, comprometendo-se a agir em total conformidade com o que estes
impõem e estando sujeito ao seu poder disciplinar.
Ao longo do capítulo III percebe-se a importância da ética na formulação das normas. O
art.º 119º do EOSAE, supramencionado, apesar de se referir à independência do solicitador,
não descura a impossibilidade de “negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar”
alguém e de agir com interesse próprio ou em função de interesses de terceiros, observando-
se a importância de agir com retidão em relação à lei e ao código de conduta.
Constam dos valores obrigatórios do solicitador a integridade, a honestidade, a
probidade, a retidão, a lealdade, a cortesia, a pontualidade e a sinceridade, conforme o n.º 2
do art.º 121º do EOSAE. Deve ainda ter atenção ao modo como manifesta as suas opiniões,
em que circunstâncias o faz e a quem, porque em locais públicos não deve dar pareceres sobre
os seus casos nem sobre pessoas que são partes dos mesmos. Deve ser seletivo com as
palavras usadas e assumir um comportamento adequado com a dignidade e responsabilidade
da profissão (art.º 121º/1 do EOSAE), “cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres
consagrados no Estatuto…”. Ainda no n.º 3 do mesmo artigo, “… têm a obrigação de atuar com
zelo e diligência relativamente a todas as questões ou processos que lhe sejam confiados e
proceder com urbanidade…”.
Ainda com urbanidade e educação devem ser geridas as relações com os colegas com
quem trabalha, sejam eles magistrados, advogados, trabalhadores, estagiários e demais
pessoas ou entidades com quem tenha de lidar profissionalmente (art.º 124º/2, al. a) EOSAE).
Sobre quaisquer questões profissionais em discussão pública, só se poderá pronunciar após
autorização do Bastonário (art.º 131º do EOSAE). O profissional deve manter relações cordeais
e respeitosas com os outros membros da classe, não agindo de forma caluniosa, na tentativa
de prejudicar o seu trabalho. Para o efeito, não pode dar a sua opinião publicamente sobre
questões confiadas a outro associado (art.º 130º/2, al. c) do EOSAE), tem de responder a cartas
e emails dentro do prazo previsto (art.º 130º/2, al. b) EOSAE), entre outros deveres recíprocos
entre associados (art.º 130º EOSAE) que simplificam as relações profissionais e permitem que
sejam resolvidas as questões de forma célere. Isto porque a questão da economia temporal é
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deveras importante. A justiça e todos os atos jurídicos são vistos como um processo longo e
demorado, pelo que o solicitador deve contrariar tal fama e não deixar “arrastar” os processos
na linha temporal para que o cliente sinta confiança na atuação do profissional que contratou.
O solicitador está obrigado a lutar pela boa aplicação da lei e pela célere administração
da justiça (art.º 124º/1 EOSAE). Todas as informações fornecidas ao cliente devem ser
verdadeiras e ter bases legais. Deve ser transparente quanto às possibilidades de resolução
de problemas expostos pelos seus clientes e quanto aos seus honorários (art.º 144º EOSAE).
É essencial que seja consciente na aceitação da prestação de serviços, não devendo fazê-lo
se entender que não possui o conhecimento, tempo ou meios para se ocupar do assunto (art.º
129º/2 EOSAE).
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c. Conflito de Interesses
Como já foi mencionado anteriormente, é dever do solicitador ser consciencioso no
momento da aceitação da prestação de determinado serviço. O artigo 143º EOSAE, “Conflito
de interesses”, conjugado com outros aspetos de outros artigos, ajuda-nos a desmistificar esta
problemática.
O Estatuto refere que o solicitador nunca deve agir com intenções duvidosas ou tirar
partido da sua posição vantajosa para se beneficiar a si próprio ou a terceiro. Não pode fazer
uso de conhecimento privilegiado que possui sobre um certo processo (atual ou anterior) para
beneficiar um novo, nem o contrário, devendo, no caso de conflito de interesses entre clientes,
deixar de agir por conta dos envolvidos (art.º 145º/4 e 5 EOSAE). Deve sempre recusar
representar uma parte contra outra que, noutro litígio, esteja a defender ou já tenha defendido
(art.º 143º/1 e 2 EOSAE).
Todo o cuidado é pouco na verificação das informações que lhe são prestadas e deve
reger-se sempre pelo código deontológico com o qual se comprometeu. Tem de abster-se dos
seus interesses próprios e não ser interveniente direto em compras, vendas ou outros contratos
que envolvam quaisquer bens dos seus clientes, à exclusão de mero representante.
d. Informação Privilegiada
Não só na solicitadoria como em muitas outras profissões, é essencial ter em atenção
aquando da utilização de informação adquirida no âmbito profissional. O solicitador poderá ter,
muitas vezes, acesso a informação privilegiada, não podendo revelar as mesmas a ninguém
que não seja o seu cliente, nem se utilizar delas em proveito próprio. É imprescindível que o
solicitador se mantenha leal ao seu cliente e paute pelo respeito e descrição. É precisamente
aqui que entra a obrigatoriedade do sigilo profissional. Durante as suas ações profissionais, os
solicitadores são depositários de grande confiança por parte de seus clientes que lhes revelam,
muitas vezes, informações sigilosas, seja através de documentos, factos ou outros, que o
profissional tem de manter em segredo (art.º 127º EOSAE).
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6. SEGREDO E SIGILO PROFISSIONAL
a. Os conceitos
O vocábulo “segredo” tem origem no latim secretus, que significava “à parte”, “oculto” e
“isolado”. Por sua vez, secretus é o particípio passado de secernere, que traduz o ato de
separar, distinguir. Destarte, segredo é a coisa que não se deve divulgar, não deve ser do
conhecimento de outrem. O secretarium corresponde à pessoa a quem é confiado o segredo.
Por outro lado, a palavra “sigilo” deriva do latim sigillu, que significava “selo”. Ora, sigilo
é aquilo que não pode ou não deve ser revelado, é segredo, é silêncio acerca de determinado
facto.
Em termos profissionais, o segredo é aquilo que alguém tem conhecimento, em razão
do exercício da sua atividade, sem obrigação ou vantagem na sua divulgação. Já o sigilo é uma
obrigação legal e moral de guardar um segredo.
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assegurar o sigilo profissional? Observando os preceitos legais, a resposta pode parecer fácil,
no entanto, é importante definir os limites do sigilo. Como profissional sujeito a sigilo, é
necessário obter apenas a informação essencial ao exercício da atividade e pensar no modo
da sua divulgação, para cumprimento do direito.
A atitude profissional mais correta é fazer apenas o que é estritamente necessário para
o cumprimento do sigilo profissional. Ainda que a informação, obtida no exercício da atividade,
fosse divulgada e não prejudicasse ninguém, a mesma só deve ser partilhada com autorização
da sua fonte, porque o seu contrário já constitui um preceito eticamente condenável, podendo
criar dúvidas sobre o que deve e não deve ser mantido em sigilo. O melhor a fazer é manter
uma comunicação restrita apenas ao indispensável interesse do direito do autor.
Um Parecer do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, de 30 de janeiro
de 2013, considera que “existem três grandes ordens de razões que estão na origem da
consagração estatutária do dever de o Advogado guardar segredo profissional sobre factos e
documentos dos quais tome conhecimento no exercício da profissão: a) a indispensabilidade
de tutelar e garantir a relação de confiança entre o Advogado e o cliente; b) o interesse público
da função do Advogado enquanto agente ativo da administração da justiça; c) a garantia do
papel do Advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social”
(CRLISBOA, Consulta 39/2012).
Por analogia, o segredo profissional é também um direito e uma obrigação fundamental
e primitiva do solicitador (OA, 2007). Este profissional é consignatário de segredos do seu
cliente e de terceiros, com quem o solicitador priva no desempenho dos seus atos, sendo um
destinatário de confiança. “A obrigação de guardar segredo profissional não está limitada no
tempo” (n.º 2.3 - 3, Diário da República n.º 249/2007, Série II, de 27 de dezembro, OA 2007).
Analogicamente, é possível aplicar esta regra na Solicitadoria. De tal modo, a confidencialidade
permanece durante e após um certo processo com determinado cliente, não tendo prazo de
prescrição.
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sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à
sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a
proteção da lei” (art.º 12º). A Assembleia da República Portuguesa aprovou ainda para
ratificação o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque
em 7 de outubro de 1976 (Lei n.º 29/78, de 12 de junho). O seu art.º 17º afirma “Ninguém será
objeto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio
ou na sua correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e à sua reputação”.
Em 1997, na 29.ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, é aprovada a Declaração
Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos. No seu art.º 7.º define-se que
“Dados genéticos associados a indivíduo identificável, armazenados ou processados para uso
em pesquisa ou para qualquer outro uso, devem ter sua confidencialidade assegurada, nas
condições estabelecidas pela legislação”. A mesma organização, em 16 de outubro de 2004,
no decurso da 32.ª sessão da Conferência Geral, aprova a Declaração Internacional sobre os
Direitos Humanos, expandindo a anterior Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os
Direitos Humanos, expondo no art.º 14.º a “vida privada e confidencialidade”.
Em 2002, o Conselho da Europa aprovou a Convenção Europeia dos Direitos do
Homem. O art.º 8.º estabelece que “1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida
privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode haver ingerência da
autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na
lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a
segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa
da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção
dos direitos e das liberdades de terceiros”. O Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão
anunciam, no ano 2000, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeu, instituindo que
“Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e
pelas suas comunicações” (art.º 7.º). Esta Carta veio a ser incorporada no ordenamento jurídico
português, através do Tratado de Lisboa, no qual estes direitos ganhado força legal com a sua
entrada em vigor a 1 de dezembro de 2009.
A nossa Carta Magna surge com a ascensão da República Portuguesa ser “baseada na
dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma
sociedade livre, justa e solidária” (art.º 1.º da CRP). A dignidade da pessoa humana é defendida
na CRP com um vasto leque de direitos e deveres fundamentais. O direito à “reserva da
intimidade da vida privada e familiar” é protegido pelo art.º 26.º da CRP. De facto, o dever de
um profissional respeitar o segredo profissional relaciona-se com o direito natural à intimidade
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de outrem. Tal direito incorpora outros dois: o direito de impedir estranhos a ter acesso a
informações sobre a vida privada e familiar e o direito de impedir a divulgação das mesmas.
As regras gerais da proteção de dados pessoais são preservadas no art.º 35 da CRP,
com destaque particular para o direito ao sigilo. Acrescenta ainda o art.º 18.º da CRP que “os
preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente
aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.
Sobre o segredo profissional, o Código de Processo Penal (CPP) consagra no seu art.º
135.º no n.º 1 que “[…] os advogados […] e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser
que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos”. O art.º
182º do CPP acrescenta ainda que as pessoas referidas no artigo mencionado anteriormente
“apresentam à autoridade judiciária, quando esta o ordenar, os documentos ou quaisquer
objetos que tiverem na sua posse e devam ser apreendidos, salvo se invocarem, por escrito,
segredo profissional” (n.º 1) e que “se a recusa se fundar em segredo profissional […],
“havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a
qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas,
concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do
depoimento” (art.º 135.º, n.º 2 CPP).
De acordo com um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de fevereiro de 2018,
“o segredo profissional […] não é absoluto. Ele cede, excecionalmente, perante outros valores
que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob
segredo se mostrem imprescindíveis para a proteção e efetivação de direitos ou interesses
jurídicos mais relevantes.”. No caso de advogado, o referido Acórdão decide que “por um lado,
a Ordem dos Advogados poderá dispensar do sigilo profissional o advogado que lho solicite,
se entender reunidas condições para tanto, mas, por outro, deverá também ser ouvida pelo
Tribunal antes de se decidir pelo levantamento, em incidente processual, daquele sigilo.”. Por
extensão, o solicitador poderá requerer dispensa do segredo profissional ao Bastonário da
OSAE que a deverá autorizar. Uma outra opção para a quebra do segredo profissional é o
incidente processual regulado pelo art.º 135º do CC, aplicável ao processo civil por força do
disposto no art.º 417.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC). Ainda existe a hipótese de o
próprio cliente autorizar a revelação do segredo. Relativamente a esta matéria, o tribunal
aprecia sempre de acordo com o princípio da prevalência do interesse preponderante,
ponderando os conflitos que estão em oposição, avaliando qual deverá, in casu, prevalecer.
Ou seja, ”suscitado o incidente e chegado ao tribunal superior, a decisão ponderará a quebra
do segredo profissional sempre que ela se mostre justificada, à luz do princípio da prevalência
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do interesse preponderante, expressamente previsto no n.º 3 do art.º 135.º do CPP, devendo
ter-se em conta, para este efeito, nomeadamente, a imprescindibilidade do depoimento para a
descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos”,
conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16 de junho de 2015.
O art.º 417º do CPC estabelece que “todas as pessoas, sejam ou não partes na causa,
têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que
lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado
e praticando os atos que forem determinados” (n.º 1). “A recusa é, porém, legítima se a
obediência importar violação do sigilo profissional” (n.º 3, alínea c). No entanto, se for deduzida
escusa fundamentada neste pressuposto, é aplicável, com as necessárias adaptações, pela
natureza dos interesses em causa, o disposto no CPP acerca da averiguação da legitimidade
da justificação e da dispensa do dever de sigilo invocado (n.º 4). “Se o recusante for parte, o
tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão
do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º, do CC” (art.º 417.º, n.º 2,
do CPC). O CPC determina, ainda, a recusa legítima a depor daqueles que estejam sujeitos ao
segredo profissional (art.º 497.º, n.º 3), aplicando-se, neste caso o disposto já referido no n.º 4
do artigo 417.º do CPC.
Resumidamente, o ordenamento jurídico português protege o segredo profissional,
apesar de não o assumir de modo absoluto que este seja inviolável, deixando ao tribunal a
tarefa de verificar a legitimidade da escusa em depor e da dispensa do dever do sigilo que se
invoca.
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envolvidas. (n.º 1). Excetuam-se “os casos em que o serviço prestado se destine a comprovar
ou a certificar uma determinada situação de facto” (n.º 2).
Mesmo na qualidade de estagiário, o associado está vinculado “aos deveres de reserva
e de segredo profissional, nos mesmos termos aplicáveis aos seus patronos” (art.º 134.º, n.º 3
do EOSAE).
Em 2005, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia ratificaram a Diretiva
2005/36/CE, de 7 de setembro, respeitante ao reconhecimento das qualificações profissionais.
No ano seguinte, o Conselho Europeu aprovou a Diretiva n.º 2006/100/CE, de 20 de novembro,
que ajusta determinadas diretivas no domínio da livre circulação de pessoas. Combinados
estes dois quadros legais europeus, a Assembleia da República homologa, em 23 de janeiro
de 2009, a Lei n.º 9/2009, de 4 de março, que os transpõe para a ordem jurídica portuguesa,
sofrendo duas alterações com a Lei n.º 41/2012, de 28 de agosto, e a Lei n.º 25/2014, de 2 de
maio. Nos termos da lei, o profissional prestador de serviços “fica sujeito às normas legais ou
regulamentares sobre conduta profissional, diretamente relacionadas com as qualificações
profissionais, designadamente as respeitantes à definição das profissões, ao uso de títulos e
aos erros profissionais graves direta e especificamente relacionados com a defesa e segurança
do consumidor, incluindo as disposições disciplinares aplicáveis aos profissionais que exercem
a mesma profissão no território nacional (art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 9/2009, de 4 de março). Além
disso, todo o solicitador ou agente de execução que exerça a atividade no território português
fica sujeito “às regras do segredo profissional” (art.º 138.º, n.º 3, alínea c) do EOSAE).
O EOSAE, no seu art.º 141º, referente ao segredo profissional do solicitador, determina
que, para além do art.º 127º, referente a todos os associados, um solicitador tem o dever de
guardar segredo profissional ainda quanto a “factos de que tenha tido conhecimento em virtude
de cargo desempenhado na Ordem” e factos divulgados, no âmbito profissional, por colega
com quem esteja associal ou ao qual preste colaboração. Esta obrigação deve ser respeitada,
à semelhança do que foi observado na Carta Deontológica dos Postulantes Europeus, quer o
serviço solicitado seja de representação judicial ou extrajudicial, seja ou não remunerado ou
não tenha chegado a ser aceite. Tal dever abrange todos os intervenientes no serviço e todos
os colaboradores do associado. Este dever só poderá ser infringido se for estritamente
necessário para a defesa da dignidade, direitos e dos interesses legítimos do próprio associado
ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do bastonário, da qual cabe
recurso para o conselho superior. No entanto, mesmo que seja dispensado, o solicitador não
tem de divulgar o segredo profissional.
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c. Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
Das versões aprovadas em reunião do conselho geral da Câmara dos Solicitadores e
no VI Congresso de Solicitadores, foi criada a versão final do Código Deontológico dos
Solicitadores e dos Agentes de Execução (CDSAE), aprovada em 23 de março de 2015,
publicada em Diário da República sob a forma de Regulamento n.º 202/2015, em 28 de abril
de 2015.
Relativamente ao segredo profissional, este Regulamento define que este é tanto um
direito como um dever do solicitador e não compreende as situações em que o serviço prestado
se destine a comprovar uma determinada situação de facto.
O CDSAE aproveita o art.º 128.º, n.º 2 do EOSAE, acerca da informação e publicidade,
definindo que “o solicitador e o agente de execução podem divulgar a sua atividade profissional
de forma objetiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito do segredo profissional” (art.º 8.º,
n.º 2 do CDSAE). Nos casos de publicidade em sítio oficial na Internet, “em caso algum a
informação contida no sítio oficial pode pôr em causa o segredo profissional” (art.º 9.º, n.º 3, do
CDSAE).
Relativamente à discussão pública de questões profissionais, o CDSAE define que o
solicitador só deve pronunciar-se publicamente sobre questões profissionais pendentes a título
excecional e desde previamente autorizados pelo órgão competente, sempre que o exercício
desse direito se mostre absolutamente necessário (art.º 10.º, n.º 1 do CDSAE), para que se
acautele a ofensa à dignidade, aos direitos e interesses legítimos do cliente, das partes, do
próprio ou da OSAE.
O pedido de autorização para pronúncia pública deve ser fundamentado e indicar a
dimensão provável das questões sobre as quais entende dever manifestar-se (art.º 10, n.º 3 do
CDSAE).
O CDSAE prevê, todavia, que em caso de manifesta urgência, o solicitador possa
exercer o referido direito de resposta, devendo fazê-lo de modo restrito. Este ato deve ser
participado ao órgão estatutariamente competente para determinar a dispensa do sigilo
profissional do respetivo motivo no prazo máximo de cinco dias úteis (art.º 10.º, n.º 4 do
CDSAE).
No exercício da prática profissional, o solicitador deve apresentar especial cuidado no
recrutamento dos funcionários quem trabalha. É preciso garantir que estes colaboradores
apresentam “sólidas garantias de seriedade e de competência e que compreendem e aceitam
todas as regras relacionadas com o dever de sigilo” (art.º 18.º, n.º 1 do CDSAE).
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O CDSAE dedica-se também, como faz o EOSAE, ao conflito de interesses. A este
propósito, repete-se basicamente o art.º 143, n.º 4 do EOSAE, no art.º 21.º, n.º 4 do CDSAE.
8. CONCLUSÃO
São vários os valores que o solicitador deve possuir para estabelecer relações de
confiança, seja com clientes, empregados, colaboradores, magistrados, advogados,
solicitadores ou estagiários. Entre os mais importantes: a integridade, a honestidade, a
probidade, a retidão, a lealdade, a cortesia, a pontualidade, a sinceridade, a urbanidade e a
educação. E todos estes apontam para a regra de ouro da solicitadoria (e de muitas outras
profissões pela sua notória importância): o segredo e o sigilo profissional.
Em síntese, o silêncio de um segredo não é um ato simples. Envolve decisões pessoais,
éticas e jurídicas, cujas consequências devem ser acauteladas no momento da decisão.
O segredo profissional, respeitante a quaisquer matérias, em particular documentos,
factos ou quaisquer outras peças, que forem confiadas a profissionais no âmbito dos seus atos
próprios, consiste em matéria basilar na esfera da dignidade humana, incluída na CRP, no CP,
no CPP e em outra legislação avulsa relativa às associações públicas profissionais.
No caso dos atos próprios dos solicitadores e dos agentes de execução, o EOSAE e
CDSAE expõem em articulado vários artigos relacionados com o segredo profissional,
objetivando o seu significado e modus operandi que os profissionais devem seguir sobre esta
matéria.
Considera-se, por isso, que o segredo profissional é regra de ouro numa sociedade
democrática, livre e que estabelece a sua estrutura na dignidade da pessoa humana. Na
atividade do solicitador e do agente de execução o segredo profissional é essencial. A
obrigação da sua guarda encontra-se regulamentada e o seu cumprimento deve ser
rigorosamente controlado pelos órgãos próprios.
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9. BIBLIOGRAFIA
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, Lei n.º 29/78, de 12 de junho
Tratado de Lisboa
Carta Magna
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