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Thomae Aquinatis, Tomás de Aquino,


In duodecim libros Metaphysicorum Exposição sobre os doze livros
Aristotelis expositio da Metafísica de Aristóteles*

Prooemium Proêmio

Sicut docet Philosophus in Politicis suis, [1]1 Como ensina o Filósofo em sua Política2,
quando aliqua plura ordinantur ad unum, quando muitos são ordenados a um, é necessário que um
oportet unum eorum esse regulans, sive regens, deles seja regulador ou regente e os demais regulados
et alia regulata, sive recta. Quod quidem patet in ou regidos. Isso certamente é manifesto na união da
unione animae et corporis; nam anima alma e do corpo, pois, naturalmente, a alma comanda e
naturaliter imperat, et corpus obedit. Similiter o corpo obedece. Algo semelhante se dá com as
etiam inter animae vires: irascibilis enim et potências da alma, pois o irascível e o concupiscível
concupiscibilis naturali ordine per rationem são, por ordem natural, regidos pela razão. Ora, todas as
reguntur. Omnes autem scientiae et artes ciências e artes se ordenam a um, a saber, à perfeição do
ordinantur in unum, scilicet ad hominis homem, que é a sua bem-aventurança. Donde ser
perfectionem, quae est eius beatitudo. Unde necessário que uma delas seja reitora de todas as
necesse est, quod una earum sit aliarum omnium demais, a qual reivindica retamente o nome de
rectrix, quae nomen sapientiae recte vindicat. sabedoria, pois compete ao sábio ordenar os demais.
Nam sapientis est alios ordinare.
Quae autem sit haec scientia, et circa [2] Se examinarmos diligentemente como
qualia, considerari potest, si diligenter alguém é idôneo para reger, poderemos considerar que
respiciatur quomodo est aliquis idoneus ad ciência é essa e a respeito do que versa. Com efeito,
regendum. Sicut enim, ut in libro praedicto como diz o Filósofo no livro acima citado, assim como
philosophus dicit, homines intellectu vigentes, os homens vigorosos quanto ao intelecto são
naturaliter aliorum rectores et domini sunt: naturalmente reitores e senhores dos demais, mas os
homines vero qui sunt robusti corpore, homens que são robustos quanto ao corpo, mas
intellectu vero deficientes, sunt naturaliter servi: deficientes quanto ao intelecto, são naturalmente
ita scientia debet esse naturaliter aliarum servos, assim deve ser naturalmente reguladora das
regulatrix, quae maxime intellectualis est. Haec

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Traduzido de TOMÁS DE AQUINO 1964. In duodecim libros Metaphysicorum Aristotelis expositio. Cura et studio R. Spiazzi. Turim/
Roma: Marietti. A presente tradução teve como base a tradução de Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento e Francisco Benjamin
de Souza Netto publicada em Transformação, São Paulo, 1982 (5): 103-106, depois revista por Moacyr Novaes. Tradução inédita
do CEPAME/GELM (https://cepame.fflch.usp.br/). Favor não reproduzir.
1
Os números entre colchetes indicam as divisões do texto em vista dos seminários.
2
Aristóteles, Política I 2, 1252a26-34.
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autem est, quae circa maxime intelligibilia demais a ciência que é intelectual ao máximo. Ora, esta
versatur. é a que versa sobre o que é inteligível ao máximo.
Maxime autem intelligibilia tripliciter [3] Ora, podemos tomar o que é inteligível ao
accipere possumus. máximo de três modos:
Primo quidem ex ordine intelligendi. Primeiro, certamente, a partir da ordem do
Nam ex quibus intellectus certitudinem accipit, inteligir. Pois se vê que seja mais inteligível aquilo de
videntur esse intelligibilia magis. Unde, cum que o intelecto recebe a certeza. Donde, dado que o
certitudo scientiae per intellectum acquiratur ex intelecto adquire a certeza da ciência a partir das
causis, causarum cognitio maxime intellectualis causas, vê-se que o conhecimento das causas seja
esse videtur. Unde et illa scientia, quae primas intelectual ao máximo. Donde se vê que também aquela
causas considerat, videtur esse maxime aliarum ciência que considera as primeiras causas seja
regulatrix. reguladora ao máximo das demais.
Secundo ex comparatione intellectus ad [4] Segundo, a partir da comparação do
sensum. Nam, cum sensus sit cognitio intelecto com o sentido. Pois, como o sentido é o
particularium, intellectus per hoc ab ipso conhecimento dos particulares, vê-se que o intelecto
differre videtur, quod universalia comprehendit. difira dele por compreender os universais. [5] Donde,
Unde et illa scientia maxime est intellectualis, também é intelectual ao máximo aquela ciência que
quae circa principia maxime universalia versa sobre princípios ao máximo universais. Ora, esses
versatur. Quae quidem sunt ens, et ea quae são o ente e aqueles que se seguem ao ente, como o uno
consequuntur ens, ut unum et multa, potentia et e o múltiplo, a potência e o ato 3 . [6] Mas esses não
actus. Huiusmodi autem non debent omnino devem, de forma alguma, permanecer indeterminados,
indeterminata remanere, cum sine his completa pois, sem eles, não se pode obter o conhecimento
cognitio de his, quae sunt propria alicui generi completo do que é próprio a algum gênero ou espécie.
vel speciei, haberi non possit. Nec iterum in una Nem devem, por outro lado, ser tratados em alguma
aliqua particulari scientia tractari debent: quia ciência particular, uma vez que, dado que cada gênero
cum his unumquodque genus entium ad sui dos entes precisa deles para ser conhecido, pela mesma
cognitionem indigeat, pari ratione in qualibet razão, hão de ser tratados em qualquer ciência
particulari scientia tractarentur. Unde restat particular. Donde, resta que sejam tratados numa única
quod in una communi scientia huiusmodi ciência comum, que, sendo ao máximo intelectual, é
tractentur; quae cum maxime intellectualis sit, reguladora das demais.
est aliarum regulatrix.

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Mais adiante, lê-se em TOMÁS DE AQUINO 1964, op. cit., Liber III, Lectio III, p. 102, n. 361: “Deinde cum dicit ‘amplius autem’
[187] Movet quaestiones circa modum existendi principiorum. Et quia ens dividitur per unum et multa, per actum et potentiam,
primo quaerit quomodo sint principia secundum unitatem et multitudinem. Secundo quomodo sint secundum actum et potentiam,
ibi [188], ‘Et potestate aut actu’. ...” – “Daí, quando diz ‘ora, ainda’ lida com as questões a respeito do modo de existir dos
princípios. E porque o ente é separado em uno e múltiplo, em ato e potência, pergunta primeiro como há princípios segundo a
unidade e a multiplicidade. Em segundo lugar, como há princípios segundo o ato e a potência, ali, ‘E em potência ou em ato’.
...”. O negrito é nosso.
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Tertio ex ipsa cognitione intellectus. [7] Terceiro, a partir do próprio conhecimento


Nam cum unaquaeque res ex hoc ipso vim do intelecto. Pois como cada coisa tem sua força
intellectivam habeat, quod est a materia intelectiva do ser isenta de matéria, é preciso que sejam
immunis, oportet illa esse maxime intelligibilia, ao máximo inteligíveis aquelas que são ao máximo
quae sunt maxime a materia separata. separadas da matéria. Com efeito, é preciso que o
Intelligibile enim et intellectum oportet inteligível e o intelecto sejam proporcionados e de um
proportionata esse, et unius generis, cum único gênero, pois o intelecto e o inteligível em ato são
intellectus et intelligibile in actu sint unum. Ea um. Ora, é ao máximo separado da matéria aquilo que é
vero sunt maxime a materia separata, quae non abstraído não só da matéria assinalada, “como as formas
tantum a signata materia abstrahunt, “sicut naturais tomadas em universal, das quais trata a ciência
formae naturales in universali acceptae, de natural”, mas totalmente da matéria sensível. E não
quibus tractat scientia naturalis”, sed omnino a apenas segundo a razão, como na matemática, mas
materia sensibili. Et non solum secundum também segundo o ser, como Deus e as inteligências.
rationem, sicut mathematica, sed etiam Donde se vê que a ciência que considera tais coisas seja
secundum esse, sicut Deus et intelligentiae. ao máximo intelectual e príncipe ou senhora das demais.
Unde scientia, quae de istis rebus considerat,
maxime videtur esse intellectualis, et aliarum
princeps sive domina.
Haec autem triplex consideratio, non [8] Esta tríplice consideração não deve ser
diversis, sed uni scientiae attribui debet. Nam atribuída a diversas ciências, mas a uma única, pois as
praedictae substantiae separatae sunt supracitadas substâncias separadas são as causas
universales et primae causae essendi. Eiusdem primeiras e universais de ser. Ora, cabe à mesma ciência
autem scientiae est considerare causas proprias considerar as causas próprias de determinado gênero e
alicuius generis et genus ipsum: sicut naturalis o próprio gênero, assim como a ciência natural
considerat principia corporis naturalis. Unde considera os princípios do corpo natural. Donde é
oportet quod ad eamdem scientiam pertineat preciso que caiba à mesma ciência considerar as
considerare substantias separatas, et ens substâncias separadas, e o ente comum, que é o gênero
commune, quod est genus, cuius sunt praedictae do qual as supracitadas substâncias são as causas
substantiae communes et universales causae. comuns e universais.
Ex quo apparet, quod quamvis ista A partir disso é manifesto que essa ciência,
scientia praedicta tria consideret, non tamen embora considere a três, não considera qualquer um
considerat quodlibet eorum ut subiectum, sed deles como sujeito, mas unicamente o próprio ente
ipsum solum ens commune. Hoc enim est comum. Com efeito, é sujeito na ciência aquilo de que
subiectum in scientia, cuius causas et passiones investigamos as causas e afecções, mas as próprias
quaerimus, non autem ipsae causae alicuius causas do gênero investigado não, uma vez que o
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generis quaesiti. Nam cognitio causarum conhecimento das causas de um gênero determinado é
alicuius generis, est finis ad quem consideratio o fim ao qual a consideração da ciência chega. Mas por
scientiae pertingit. Quamvis autem subiectum mais que o sujeito dessa ciência seja o ente comum,
huius scientiae sit ens commune, dicitur tamen quanto à sua totalidade, ela é dita referente àqueles que
tota de his quae sunt separata a materia são separados da matéria segundo o ser e a razão, uma
secundum esse et rationem. Quia secundum vez que se diz serem separados segundo o ser e a razão
esse et rationem separari dicuntur, non solum não só aqueles que jamais podem ser na matéria, como
illa quae nunquam in materia esse possunt, sicut Deus e as substâncias intelectuais, mas também aqueles
Deus et intellectuales substantiae, sed etiam illa que podem ser sem a matéria, como o ente comum. Isso,
quae possunt sine materia esse, sicut ens porém, não aconteceria se fossem dependentes da
commune. Hoc tamen non contingeret, si a matéria quanto ao ser.
materia secundum esse dependerent.
Secundum igitur tria praedicta, ex [9] Portanto, segundo os três supracitados, dos
quibus perfectio huius scientiae attenditur, quais provém a perfeição dessa ciência, obtém-se três
sortitur tria nomina. Dicitur enim scientia divina nomes. Com efeito, é denominada ciência divina ou
sive theologia, inquantum praedictas teologia na medida em que considera as substâncias
substantias considerat. Metaphysica, inquantum supracitadas. Metafísica, na medida em que considera o
considerat ens et ea quae consequuntur ipsum. ente e aqueles que dele se seguem; pois esses
Haec enim transphysica inveniuntur in via transfísicos são encontrados na via de resolução4, tal
resolutionis, sicut magis communia post minus como os mais comuns depois dos menos comuns. No
communia. Dicitur autem prima philosophia, entanto, é denominada filosofia primeira na medida em
inquantum primas rerum causas considerat. Sic que considera as causas primeiras das coisas. Portanto,
igitur patet quid sit subiectum huius scientiae, et assim fica manifesto o que é o sujeito dessa ciência, bem
qualiter se habeat ad alias scientias, et quo como a característica de seu vínculo com outras ciências
nomine nominetur. e por qual nome é denominada.

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Cf. Tomás de Aquino, Comentário ao Tratado da Trindade de Boécio – questões 5 e 6. Tradução e introdução de C. A. R. do
Nascimento. São Paulo: UNESP, 1999, q. 6, a. 1, para a terceira questão, p. 150 s.

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