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Husserl, Edmund.
Nessa nova ciência se destaca a reação contra um teorizar feito por meio de
As ciências estão distantes da
formações conceituais e especulações matemáticas muito distantes da intuição.
intuição
Esse novo tipo de cientificidade se apresenta em um duplo sentido:
A psicologia moderna é a ciência dos acontecimentos reais que ocorrem no nexo A psicologia moderna trata o
concreto do mundo objetivo-real, portanto é um ramo que envolve tanto o físico físico e o psicofísico
quanto o psicofísico.
Todos os corpos do mundo formam uma unidade conectada, uma unidade que se
Há uma unidade universal da
junta no infinito da natureza total sob a forma da unidade universal da
espaçotemporalidade
espaçotemporalidade.
Na sequência Husserl mostra que não é possível estabelecer uma psicologia pura e
A psicologia pura não pode se
rigorosa em paralelo com uma ciência natural empírica - que avance de forma
articular com o empírico
pura e rigorosa - porque as considerações temáticas sobre o físico e o psicofísico
jamais poderão ser inteiramente ignoradas.
Mas uma pesquisa puramente psíquica deve ser possível, caso contrário não
Alcançar os conceitos do
poderemos alcançar conceitos científicos rigorosos do psíquico naquilo que lhe é
psíquico sem o entrelaçar
mais essencialmente próprio e de maneira independente de todo entrelaçamento
com o físico
real com o físico.
As verdades a priori só podem surgir nas intelecções apodíticas a partir das fontes
Verdades a priori surgem da
originárias da intuição.
intuição.
Husserl destaca a intuição como fundamento do método fenomenológico, mas
É preciso método para
destaca que, para alcançar essas verdades a priori, é necessário acessar a intuição
conquistar esse acesso
de forma que o psíquico seja dado de modo originário e concreto.
Husserl explica o método: o nosso olhar está desde o início direcionado ao que
permanece constante (essência) diante da livre-variação de exemplos, e não ao O método: buscar a essência
que se modifica aleatoriamente. Notar que “esse nosso olhar” se refere ao
observador fenomenológico, e não à consciência natural. Aqui é importante trazer
a citação do §6:
“quando deixo de ser aquele eu que realiza ingenuamente estas tomadas Abandonar o eu natural e
de posição e me torno aquele eu que delas se abstém e que as considera
assumir o eu observador
apenas na condição de simples espectador, de eu observador.”
Husserl identifica a dificuldade fundamental para atingir a psicologia pura: a A confusão entre
combinação dessas duas dificuldades impediu até hoje uma análise intencional. temporalidade imanente e
Depois de criticar diferentes autores Husserl afirma que a causa mais profunda que temporalidade real foi a
causa.
os impediu de atingir a psicologia pura está na equiparação da temporalidade
imanente e da temporalidade objetivamente real.
Não há analogia genuína e fática entre a análise da consciência e a análise natural, Daí decorre que não há
seja ela física ou química e até mesmo biológica, como em geral entre o modo de analogia entre análise da
ser da consciência e do eu-da-consciência e, por outro lado, o modo de ser da consciência e a análise
natureza. natural.
§ 5. O puramente psíquico da experiência de si mesmo e da experiência em
comunidade – A descrição universal das vivências intencionais
Husserl busca exemplificar a forma mais intuitiva e imediata da experiência A experiência de si mesmo
fenomenológica: é a experiência de si mesmo. Somente nela a consciência e o eu como experiência
da consciência são dados de forma integralmente originária de si (em originária fenomenológica.
simesmidade1) – como quando, enquanto percebo, reflito sobre meu perceber.
Para realizar a pura experiência psíquica é preciso tirar de circuito todo o mundo
Para descrever a pura
real. Não posso participar da minha crença no mundo de modo natural. Daí vem
experiência psíquica é preciso
uma contradição: como descrever o psíquico puro se o ser consciente é ser
ser um espectador não
consciente de alguma coisa?
participante da vida da
Resposta: Enquanto fenomenólogos temos que ser, por assim dizer, um consciência.
espectador não-participante da vida de consciência, que só assim pode se
tornar nosso tema puro de experiência.
1
Ao que tudo indica simesidade deve ser entendida como simesmidade, si mesmo
genuinamente.
2
Neste ponto sobra uma dúvida: o contenente tem o sentido daquilo que contém, do
anímico. Portanto nulo no anímico, na alma, significa uma intencionalidade para algo
inexistente na alma, no contenente?
“quando deixo de ser aquele eu que realiza ingenuamente estas tomadas A condição de simples
de posição e me torno aquele eu que delas se abstém e que as considera espectador, de eu
apenas na condição de simples espectador, de eu observador.” observador
A observância da epoché – ou redução fenomenológica – ao fazer a purificação
Noema: aquilo que é
temática das vivências individuais revela os seus componentes noemáticos.
intencionado
“Se toda a natureza se transforma em mero fenômeno noemático à medida
que sua realidade real é posta fora de validade, então mesmo o eu, agora O eu como fenômeno
reduzido ao ser e à vida puramente psíquicos, não está mais referido ao eu noemático.
humano real da orientação da experiência natural-objetiva. Este <eu> se
tornou agora o real intencionado enquanto tal, transformou-se em
fenômeno noemático.”
7.1 - Desdobramento do NOEMA (aquilo que é intencionado) é a NOÉSIS (o ato de Noesis: o ato de ter algo a
ter algo consciente). Destaca-se então o eu – do ponto de vista fenomenológico – cada vez como consciente.
idêntico nos múltiplos atos egóicos, polo de irradiação de múltiplas atividades
egóicas. 7.2 - O polo egóico é o irradiador das ações e é também o polo que reúne
todas as afecções.
7.3 - Em todos os diferentes modos de consciência – valorativa, volitiva e prática – A duplicidade essencial da
está presente a própria vida egóica pura na duplicidade essencial entre consciência vida egóica
e aquilo de que é consciente – o noético e o noemático.
3
No estudo do §7 estou usando a numeração sequencial dos parágrafos gramaticais porque
minha edição é Kindle e não tenho a paginação do livro impresso.
unificam numa mesma consciência de, ainda que partam de diferentes modalidades
de síntese: valorativa, volitiva ou prática.
7.4 - Husserl revela então o sentido de polo noemático: percebo uma casa; revejo a
Polo noemático: o
casa; relembro a casa; revisito a casa. A relação intencional com a mesma casa (o
absolutamente idêntico para
mesmo noema) em diferentes e distintas vivências é a evidência do polo
uma multiplicidade infinita e
noemático, “uma multiplicidade infinita e aberta de vivências de consciência
aberta de vivências
sempre distintas, para a qual ele seria sempre o absolutamente idêntico”.
7.4 - “Em outras palavras, podemos dizer que ela <a casa> é imanente
enquanto sentido. De fato, sempre que falamos de sentido, trata-se de algo
ideal [ideell] que pode ser intencionado em uma infinidade aberta de
vivências intencionais reais e possíveis.”
7.5 - “Esta parece ser uma interpretação que vai além do momento da
vivência designado como “consciência de horizonte” – e que, como pode
ser facilmente constatado, é inteiramente não-intuitiva, vazia em si e para
si mesma.”
Aqui Husserl faz uma notável descrição dos processos de constituição das potências
exploratórias da consciência.
7.5 - “Uma cadeia de presentificações sinteticamente entrelaçadas e unidas
uma à outra, diante da qual se nos torna evidente o fato de que o horizonte
vazio que se associa ao sentido perceptivo de fato carrega implicitamente
em si um sentido perceptivo e que ele <o horizonte vazio> de fato é sempre
uma demarcação antecipatória de novos momentos que pertencem
ontologicamente ao percebido, ainda indeterminados porém
determináveis.
7.6 - Em seguida vem uma rara exemplificação das suas ideias. Vale a leitura. (pp.
A radical diferença entre a
164-165). Husserl busca mostrar a radical distinção entre a tarefa de uma
psicologia fenomenológica e
psicologia fenomenológica e da psicologia como ciência natural. Husserl afirma que
a psicologia como ciência
– para o fenomenólogo – todo percebido tem um modo de doação: visão, o tátil, a
natural.
audição, o sabor. 7.7 - E um outro aspecto, o modo de aparição: percepção,
retenção, rememoração, expectativa antecipatória etc. A explicação intencional
que o fenomenólogo deve fazer irá além da vivência propriamente e consistirá em
construir descritivamente os modos de síntese dessas vivências.
7.11 - A intencionalidade interior ao próprio eu, e que por sua vez conduz ao eu de
outrem, é a assim chamada empatia [Einfühlung], e é possível colocá-la em jogo
com aquela mesma pureza fenomenológica e sem que a natureza deixe de ser aí
permanentemente desconsiderada.
=+=
APÊNDICE
Vamos à metáfora. Eu vejo um vídeo. Nesse vídeo aparece uma moça que caminha na beirada de uma
estrada em uma montanha. Na cena seguinte eu vejo um carro que trafega pela estrada da montanha. Na
próxima cena eu vejo uma moça embarcar no carro que trafegava pela estrada da montanha. Recordando
as características da moça eu reconheço que é a mesma moça quem caminhava que embarcou no carro.
Então eu concluo: a moça que caminhava pela estrada da montanha tem as mesmas características daquela
que embarcou no carro que trafegava pela mesma estrada. Logo a moça que caminhava foi quem
embarcou no carro. Essa é a atitude natural.
Na atitude fenomenológica Husserl pretende olhar cada fotograma desse vídeo e compreender como se dá
a unidade do que é visado e a síntese que permite a conclusão final. Cada fotograma do vídeo é uma visada
(noesis), uma consciência-de, um noema cuja idealidade é doada pela consciência. As idealidades moça,
estrada e montanha compõem esse noema com todas suas particularidades. O próximo fotograma, apesar
de distinto em muitas características (ela está andando, a paisagem de fundo se altera), continua ser
composto pelas mesmas idealidades: moça, estrada e montanha. E assim por diante. As seguidas visadas
possuem então uma identidade dada pelos seus noemas moça, estrada, montanha, e passam a compor
uma fase na sequência de visadas na consciência. Aqui é importante notar que Husserl destaca que os
noemas não se entrelaçam na consciência a não ser por síntese ou por sua condição intrínseca da
composição ideal. Ou seja, os fotogramas (isto é uma metáfora, não há fotogramas na consciência
evidentemente, mas tão somente o noema que é a consciência intencional e o sentido da visada) não se
relacionam pela simples sequencia natural das visadas, mas se entrelaçam na constituição de polos
noemáticos. A noção de continuidade se dá pela recordação iterativa – as visadas vão se diluindo conforme
as novas visadas ocorrem. As próximas visadas serão do carro que trafega pela estrada da montanha. Da
mesma forma, a cada fotograma será dada à consciência as idealidades que irão compor cada noema:
carro, estrada, montanha. E as identidades desses noemas comporão um mesmo noema nesta nova fase da
temporalidade imanente. E assim a cena seguinte: os fotogramas da moça que embarca no carro
constituirão as consciências-de, os noemas dessa nova visada. A consciência então se doa a recordação da
primeira fase para buscar as características da moça (suas idealidades) e confrontar com aquelas do noema
da fase final. Esse ato de recordar funda um novo ato, agora como síntese. Eu reconheço a moça que
embarcou como sendo aquela que caminhava.
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Conforme observou John Barnett Brough: “É verdade que o tempo e a consciência do tempo são parasitários, no
sentido de que são incapazes de existência independente à parte de outras experiências; mas é igualmente verdade, e
de muito maior significado, que eles desempenham um papel fundador, tão essencial quanto universal, em todo tipo e
instância de experiência. Isso certamente ajuda a explicar por que Husserl chamou a consciência do tempo de uma
maravilha e por que pensou que talvez fosse o assunto mais importante da fenomenologia.” (Edmund Husserl Collected
Works – Editor: Rudolf Bernet – Introd. e Trad. John Barnett Brough – Vol IV – pag XIX)