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CURSO DE LICENZA
ATENEO PONTIFICIO REGINA APOSTOLORUM
ROMA 2010
1. Conceitos de lógica
Portanto, a lógica é uma arte já que se ocupa dos pensamentos, que são resultados da
criatividade humana. E a lógica é também uma ciência já que se trata de um estudo
sistemático das normas a que se devem conformar os pensamentos enquanto ordenados a
conhecer a realidade. O método da lógica é, então, reflexivo.
Segundo Contat, a lógica é a ciência instrumental especulativa modalmente prática, que
tem por objeto material as obras da razão e por objeto formal quod as relações de razão e de
segunda intenção e quod à luz dos primeiros princípios de razão.
2. Divisão da Lógica
a) lógica menor ou formal: examina as características das idéias com o fim de estabelecer
as normas da argumentação correta, estuda as leis do pensamento. Interessam-lhe mais
as características das idéias que seus conteúdos.
b) lógica maior ou material ou transcendental ou filosófica: examina a natureza e a
validade do conhecimento e suas condições de possibilidade (possibilidade de
conhecer).
c) lógica matemática ou simbólica ou logística: tem o mesmo objeto da lógica formal e
estabelece, sobretudo, um grupo de regras sobre as relações de certos termos entre si
para depois proceder na determinação de qual tipo de discurso será possível uma vez
que tenha sido aceito este ou aquele conjunto de regras. Aqui o pensamento se
converte em calculo, faz-se uso dos símbolos matemáticos.
3. Os tipos de lógica
Aquilo que caracteriza o conceito é a sua universalidade: vale para todos e para sempre. O
conceito reconduz o múltiplo à unidade (colhido intuitivamente pelos sentidos). Todo
conceito, sendo aquilo ao qual é reconduzida uma multiplicidade de “dados intuitivos”, é
naturalmente a síntese de uma multiplicidade; as partes constitutivas do conceito
correspondem às partes que constituem a multiplicidade originária dos “dados intuitivos”.
Assim como o conceito em sua totalidade possui universalidade, também a possui cada um dos
seus elementos componentes. Como disse Descartes, as qualidades essenciais de um conceito
que tornam o seu objeto evidente são a clareza e a distinção. Quanto maior é a clareza, tanto
maior é a distinção.
Analogamente podem ser finitos ou infinitos. Os finitos dizem que coisa é o objeto; os
infinitos dizem que coisa não é. Essa divisão equivale àquela de conceitos determinados e
indeterminados.
Outra divisão dos conceitos, que não se referem nem à compreensão nem à extensão, mas
à natureza, é aquela de conceito direto e reflexivo (os escolásticos dizem também intentio
prima e intentio secunda). A lógica é a ciência das intenções segundas.
As operações relativas aos conceitos são de dois tipos: operações sobre os conceitos e
operações mediante os conceitos. As operações sobre os conceitos são: a definição, a divisão,
a oposição e a classificação. As operações mediante os conceitos são: os juízos e os raciocínios.
Definição significa de-finire, por os confins, por os limites de um campo. Definir um
conceito implica fixar os limites da sua compreensão. Os nossos conceitos são sempre
confusos; o método que nos ajuda a esclarecê-los é a definição. A definição é um discurso
breve que exprime aquilo que uma coisa é, indicando ao mesmo tempo aquilo que tem em
comum com os outros entes (o gênero) e aquilo que há de exclusivamente próprio (a diferença
específica). A definição pode ser nominal, descritiva e genética.
1) Nominal – quando não se deseja dizer exatamente o que seja uma coisa (definição
real), mas quando se diz aquilo que uma palavra significa. A definição nominal se
formula exprimindo a natureza que se corresponde ao termo (ex.: a baleia é um
mamífero cetáceo marinho). Outro procedimento é propor um nome que exprima
um conceito complexo (ex.: o triângulo que possui três lados iguais se chama
eqüilátero). Um tipo especial de definição nominal é a definição etimológica,
aquela que indica a ação ou propriedade da qual procede a denominação (ex.:
televisão: ver à distancia). As definições nominais dão maior precisão ao
pensamento. Todavia, essas não resolvem o problema do conhecimento da
essência. Se a definição nominal tornasse exclusiva, toda discussão filosófica ou
cientifica seria uma lis de verbis, uma questão verbal, porque o uso dos termos é
convencional.
A divisão pode ser lógica e real. É lógica quando não existe fora da mente, mas
somente como pensado. É real quando existe fora da mente. A divisão real pode ser: integral –
quando as partes singulares contem o todo (ex.: divide-se a casa em teto), potencial – nas
partes singulares o todo está presente com a sua essência, mas não com toda sua capacidade
(ex.: alma na memória, no intelecto e na vontade) e universal – cada parte contém o todo
inteiramente em sua essência e em sua capacidade (ex.: homem: macho e fêmea).
As leis da divisão são: a) deve ser adequada, a união das partes deve igualar ao todo; b)
as partes devem ser em certo modo opostas. Obs.: evita os equívocos.
A relação é a oposição entre conceitos relativos (ex.: pai e filho). Os conceitos relativos
são opostos enquanto um exclui o outro, embora sejam implicados simultaneamente. A
relação é simétrica quando os extremos são unidos pela própria relação (amizade, igualdade).
Obs.: O acidente é o gênero de predicado que indica aquilo que é inerente a uma coisa
de qualquer modo; o acidente indica aquilo que pode ser ou não-ser.
A analogia é uma propriedade dos conceitos tão importante por ser imprescindível
para a metafísica e a teologia. Wittgenstein notou que muitos termos não têm um significado
exatamente igual em seus diferentes usos (teoria da semelhança de família). Ao passar do
tempo os vocábulos sofrem mudanças de significados.
As três funções essenciais do verbo ser nos juízos são: gramatical, lógica e metafísica.
Gramaticalmente, nas proposições o é desempenha um papel de cópula ou vinculo entre o
sujeito e o prejudicado. Logicamente, o é exprime a composição, realizada pela mente, de um
sujeito e um predicado. Metafisicamente, o é indica a inerência atual de uma propriedade a
um sujeito, inerência que ó fundamento da composição lógico-gramatical (ex.: a neve é
branca).
Um juízo é verdadeiro quando afirma que é aquilo que é; e que não é aquilo que não é.
A verdade dos juízos consiste na adequação ou conformidade do intelecto com as coisas; tal
verdade se chama lógica, porque é uma propriedade da inteligência, que no ato de julgar se
adéqua ao real. Mas a verdade da mente depende do ser das coisas, da verdade ontológica, a
qual consiste na inteligibilidade ou capacidade dos entes de serem apreendidos pela
inteligência. A verdade ontológica é o transcendental verum, que se converte no próprio ente.
O juízo errôneo contradiz o ser das coisas. O valor da verdade de todas as proposições se apóia
no principio de não contradição, pois é impossível que uma coisa seja e não seja
simultaneamente em um mesmo sentido. Tal princípio é uma lei do ente e também é uma lei
lógica fundamental.
As proposições compostas são combinações entre si, cujo nexo é expresso por
conjunção. As proposições compostas mais importantes são: copulativas (e), adversativas
(mas), disjuntivas (ou), condicionais (se), causais (porque), reduplicativas (enquanto).
O homem é moral.
Pedro é homem.
Logo, Pedro é mortal.
3.3.1. Indução
Para alguns as primeiras verdades indemonstráveis são inatas e a priori; para outros
seriam construções ideais da razão, esquemas interpretativos que servem para organizar a
experiência. Nestas teses basilares está em jogo a natureza do conhecimento. Para o realismo
aristotélico, a mente humana pode colher na experiência os aspectos inteligíveis das coisas e
pode-se então, formular juízos universais em torno à natureza dos entes.
Ex.:
S M
M P
S P
(termo menor) (termo maior)
Os princípios do Silogismo
Primeiro princípio: “duas coisas que convêm com uma terceira convêm
necessariamente entre si”;
As leis do Silogismo
As figuras do Silogismo
Chama-se “figura” do silogismo o aspecto que esse toma segundo a posição do termo
médio nas duas premissas. Existem quatro tipos de figuras:
Os modos do silogismo
Entre os muitos modos possíveis (256) são válidos apenas 19 modos, assim distribuídos
entre as várias figuras: na primeira figura, 4 diretos e 5 indiretos; na segunda figura, 4; na
terceira figura, 6.
“Per se” significa que o sujeito é a causa ou a razão do predicado. Há, pois, proposição
“per se” quando o sujeito for a causa do que lhe é atribuído. Aristóteles indica quatro modos
de “perseidade”:
Os postulados são uma proposição demonstrável, mas não imediata. As teses são as
definições (do sujeito ou da propriedade). Uma definição não se demonstra, mas resulta de
uma combinação de conceitos que designam uma essência. A definição não é nem verdadeira
nem falsa porque não é uma proposição. Estamos diante de um princípio primeiro: não se
pergunta por que uma coisa é o que é.
A definição clássica das ciências, segundo Santo Tomás, varia conforme o referencial
que se aplica: fim, procedimento, grau de abstração e ordem.
1. A analogia da verdade
5. As raízes da falsidade
A falsidade é a inadequação ou desconformidade do intelecto e da coisa. As palavras
se dizem falsas de dois modos: falsidade de significação quando implica um falso
entendimento da coisa significada. Ex.: o homem é uma pedra; falsidade de linguagem quando
implica que o juízo interno de quem fala não consente a coisa falada.
As coisas não podem ser ditas falsas por si mesmas, porque todo ente é verdadeiro,
porém, podem ser falsas por acidente. Dizem-se falsas enquanto diferem da forma da arte
conforme o entendimento prático. Quanto ao entendimento especulativo, dizem-se falsas pela
semelhança a outras coisas.
A falsidade lógica enquanto falsidade em si não se refere à falsidade das coisas, mas
enquanto se diz ser o que não é ou não-ser o que é. Portanto, falsidade é a deformidade entre
o intelecto e a coisa.
Podemos concluir: como a verdade, assim a falsidade tem relação com o intelecto; não
há falsidade nas coisas porque são conforme a vontade de Deus; ao intelecto humano, há
falsidade nas coisas ou naquilo que é representativo do verdadeiro; se os sentidos não são
defeituosos, não há falsidade relativa ao sensível próprio, contudo, poderá haver erro
referente ao sentido comum porque esse não se refere diretamente ao seu objeto; o intelecto
não se engana conhecendo a coisa, mas pode se enganar julgando-a e nisto consiste a
falsidade.
6. As causas do erro
O erro só existe no sujeito que erra e por analogia fala-se de coisas falsas. O erro
verifica formalmente no juízo. A verdade ou o erro existe no momento em que se afirma ou se
nega um predicado de um sujeito (juízo). Aristóteles define o juízo como um discurso
verdadeiro ou falso. O erro não está na percepção dos sentidos, nem na simples apreensão do
intelecto. A imagem sensível ou idéia podem ser puras construções do sujeito, mas não são
erros já que não estão afirmadas como predicados de sujeitos. Portanto, somente nos juízos
podem existir erros.
O erro não tem uma matriz de natureza gnosiológica porque cada faculdade
cognoscitiva por si é infalível acerca do próprio objeto ao qual é ordenada por sua própria
natureza. As faculdades cognoscitivas são aptas a conhecer os seus próprios objetos e a
capacidade de conhecer inclui a verdade e não o erro.
O erro tem uma natureza psicológica já que se trata de um processo psicológico
defeituoso. Atribui-se um predicado ao sujeito antes de conhecê-lo bem e de haver a evidencia
objetiva definitiva que convém ou não a tal predicado. Erro conforme a matriz psicológica é
um juízo de irreflexão ou um juízo não justificado insuficientemente, isto é, um pré-juízo. A
ignorância, a inconsciência e a presunção são a matriz psicológica do erro,
A raiz mais profunda do erro refere-se à ordem metafísica. O erro permanece
inevitável porque está acompanhado da complexidade do ser e da finitudine do espírito
humano. O erro é um ato do intelecto causado pela intervenção da vontade que estimula o
intelecto a formular o juízo antes que esse conheça a coisa de modo evidente. Os sentidos, às
vezes, podem fornecer ao intelecto sensações, percepções e imagens falsas influenciados pelas
paixões.
TEMA V – O PROBLEMA DA NATUREZA
Os pré-socráticos foram os criadores do conceito de physis, por isso eles são chamados
de físicos ou naturalistas. Physis significa o princípio do ser e da vida de todas as coisas e o
princípio divino. O conceito de physis implica estruturalmente o conceito de divino.
Para os eleáticos, physis é o ser. A physis assume o caráter de assomaticidade em
Anaxímenes e Melisso. Physis implica inteligência e ordem como já evidente com a doutrina de
logos de Heráclito e, sobretudo com a doutrina de Anaxágoras e Diógenes de Apolônia. Enfim
com uma terminologia moderna podemos dizer que, para os pré-socráticos, a physis é a
totalidade do real considerado na sua estrutura ontológica, isto é, na sua ordem e nas suas leis
com tudo aquilo que estas implicam.
Platão fala da physis referindo-se às Idéias, isto é, ao Ser inteligível e meta-empírico.
Aristóteles com a distinção entre metafísica (filosofia primeira) e física (filosofia
segunda) comporta uma mudança do antigo significado de physis que, antes de indicar a
totalidade do real, designa predominantemente a realidade sensível; por essa razão, o
conceito de “natureza” coincide o conceito de natureza sensível.
Para os estóicos ou filosofia helenista, a physis é o fundamento da norma moral e
política.
Para Plotino, a physis é o logos que produz as formas e as fornece à matéria. A physis
deriva da contemplação da alma e essa é a própria contemplação.
Portanto, a história da evolução do conceito de physis alcança o limite quando é de
essencial no pensamento grego e, em particular, aquela cifra para o qual esse é em antítese
com o sobrenatural, do qual é portadora a mensagem cristã.
B) Perspectiva histórica
1) Período Antigo
Tales de Mileto foi o iniciador da filosofia da physis enquanto foi o primeiro que
afirmou a existência de um princípio único como causa de todas as coisas e ele disse que este
princípio é a água. Além disso, afirmou que o mundo está pleno de Deus e que o magnete
possui alma, porque se move (a alma é princípio de movimento). A água é origem de tudo. Tal
princípio significa a realidade primeira, originária e fundamental. Aquilo que é primário,
fundamental e persistente em oposição a secundário, derivado e transitório. Ele disse que a
água é o princípio porque constata que a nutrição de todas as coisas é úmida, e que o calor se
gera do úmido e vive no úmido. Ora, aquilo do qual todas as coisas se geram é o princípio de
tudo. E que todas as sementes de todas as coisas t6em uma natureza úmida e a água é o
princípio da natureza das coisas úmidas (Met., A3, 983b9). A água é o princípio porque é a
fonte, o sustento e o fim último das coisas. A expressão “tudo está pleno de Deus” refere-se ao
seu princípio-água, fonte, sustento e origem de todas as coisas. A dimensão teológica tem um
caráter naturalista. Todas as coisas devem participar do ser e da vida do princípio-água, por
isso todas devem ser vivas e animadas. Tales pensava as almas imortais, não como a
imortalidade pessoal, mas enquanto princípio ou movimento do princípio que está em todas as
coisas (água) e pelo qual as coisas subsistem. As coisas singulares são mortais, mas o imortal é
o princípio.
Anaximandro introduziu o termo “arché” para designar o “primum”, a realidade
primeira e última, a physis. Ele diz que o princípio é o “apeíron”, o infinito ou o ilimitado (Phys.,
24, 13; Diels-Kranz, 12 A9). “Apeíron” significa aquilo que é privado de “peras”, isto é de
limites e determinações não só externas, mas também internas. No primeiro sentido, apeíron
indica o infinito espacial, a grandeza e o quantitativo; no segundo, significa o indefinido, as
qualidades, o indeterminado qualitativamente. O a-peiron é espacialmente infinito e
qualitativamente indeterminado. O princípio, a realidade última das coisas, só pode ser o
infinito, porque esse não há princípio nem fim, não é gerado, não perece (Fis., 4, 203b6). A
valência teológica do princípio consiste em que o princípio divino como divino (
porque é imortal e incorruptível – arché ou physis de tudo – que rege e governa tudo.
Anaxímenes fala do ar como princípio de todas as coisas. Ele pensa que o princípio
deva ser infinito, mas que deva ser pensado como ar infinito, substância aérea ilimitada.
Próprio como a nossa alma (princípio de vida), que é ar, sustenta-nos e governa-nos, assim
como o sopro e o ar abraça o cosmo inteiro. O ar é próximo ao incorpóreo (não há forma, nem
limite e é invisível) porque nascemos do seu fluxo é necessário que esse seja infinito e rico, por
isso, o ar é princípio concebido como divino. Ora, ele introduz o ar como princípio porque: a)
por sua natureza móvel; b) variações necessárias para fazer as diversas coisas; c) a variação
quantitativa de tensão da originária realidade dá origem a todas as coisas (processo de
condensação e rarefação ou causa dinâmica).
Heráclito fala do universal dinamismo das coisas. “Tudo se move, tudo corre, nada
permanece imóvel e fixo, tudo muda e se transforma sem exceção. O dinamismo universal se
revela como harmonia dos contrários. E, na harmonia, os opostos coincidem. Esta harmonia e
unidade dos opostos são o princípio. Deus é dia-noite, guerra-paz, inverno-verão, saciedade-
fome. Ele põe o fogo como princípio fundamental e considera todas as coisas como
transformações do fogo”. O fogo exprime o mutamento contínuo do contrário e da harmonia.
O fogo é continuamente móvel, é vida que vive da morte do combustível, é continua
transformação. O fogo governa todas as coisas, por isso é intelig6encia, é razão, é logos, é lei
racional. O princípio associa-se à idéia de Inteligência-Deus.
Os pitagóricos dizem que o número é o princípio de todas as coisas. Nas matemáticas,
os números são por natureza os primeiros princípios. Todo o universo é harmonia e número.
Na realidade, todas as coisas há uma regularidade matemática. O número não é uma
abstração mental, mas é uma coisa real, a mais real das coisas, por isso, esse é considerado
princípio constitutivo das coisas, pois o número é a physis das próprias coisas. Todas as coisas
derivam dos números. O número é constituído de dois elementos: um
indeterminado/ilimitado e um determinado/ilimitado. O número nasce do acordo de
elementos limitados e ilimitados e, por sua vez, gera todas as coisas. Nos números pares
predomina o indeterminado (o menos perfeito), enquanto nos ímpares prevalece o elemento
limitante (o mais perfeito). Os pitagóricos consideravam o número ímpar como masculino e o
par como feminino. Filolau fez coincidir os quatros elementos com os primeiros quatro sólidos
geométricos: terra=cubo, fogo=pirâmides, ar=octaedro, água=hexaedro. Então, se o número é
ordem – acordo de elementos ilimitados e limitados – e se tudo é determinado pelo número,
tudo é ordem. E porque em grego, ordem se diz “”, os pitagóricos chamaram o
universo de cosmos.
Pitágoras foi o primeiro que denominou Cosmos o conjunto de todas as coisas. O
número exprime ordem, racionalidade, verdade. Todas as coisas que se conhecem têm
número e sem esse nada seria possível pensar nem conhecer. A partir dos pitagóricos, o
homem vê o universo como a ordem perfeitamente penetrável pela razão. Pitágoras sustenta
a doutrina da metempsicose – doutrina segundo a qual a alma, por motivo de uma culpa
originária, é obrigada a reencarnar-se em sucessivas existências corpóreas para expiar a culpa.
Esta doutrina vem do orfismo. O fim da vida é aquele de liberar a alma do corpo e para obter
tal fim é necessário purificar-se. Os pitagóricos adotaram a ciência como meio de purificação.
O fim último da vida é vier entre os deuses. Os pitagóricos introduziram o conceito de “reto
agir humano” como se fazer seguidor de Deus, um viver em comunhão com a divindade – bios
theoretikos – vida contemplativa. A purificação como busca da verdade e do bem através do
conhecimento.
Senofane critica a concepção dos deuses de Homero e de Hesíodo que atribuíam aos
deuses características humanas (antropomorfismo). Representar os seus deuses características
respectivas de cada povo implicava atribuir aos deuses não só o bem, mas também o mal. Ele
desmitiza as várias explicações míticas dos fenômenos naturais. Deus é o Kosmos, e o Uno é
Deus. A terra é o princípio. Tudo nasce da terra e tudo na terra finda. Terra e água são todas as
coisas que nascem e crescem. O kosmos não nasce, não morre e não muda, porém, sofre
variações a esfera da nossa terra. A superioridade dos valores da inteligência e da sapiência se
opõe à física dos atletas.
Parmênides, no âmbito da filosofia da physis, apresenta-se como um pensador
revolucionário, pois com ele a cosmologia se transforma em uma ontologia. Ele propõe a
doutrina do ser em seu poema na boca da déia que simboliza a verdade que se revela. A déia
parece indicar três vias: a absoluta verdade, a opinião falaz ou o erro e a opinião plausível. O
grande princípio de Parmênides é: “O ser é, não pode não ser; O não-ser não é, e não pode ser.
O ser é afirmado; o não-ser é negado, e esta é a verdade. Negar o ser ou afirmar o não-ser é a
absoluta falsidade”. Ser e não-ser são unívocos. O ser não é gerado, não é corruptível; não é
passado porque em tal caso não seria mais e nem futuro porque não seria ainda, mas é
presente eterno, sem início ou fim. O ser é imutável, absolutamente imóvel, perfeito, infinito,
idêntico no idêntico, indivisível, ilimitado, determinado. Finito porque só o finito é perfeito.
Igualdade e finitude são representações esféricas. Então, o ser é esferiforme. O ser é uno.
Somente o ser é pensável e exprimível (ser = pensar).
Zenão defende a doutrina de Parmênides contra os adversários que defendem o
movimento e a multiplicidade. A partir da refutação das teses contrárias nasce a dialética
como método de uma demonstração que, ao contrário de provar diretamente uma dada tese,
partindo de princípios determinados, busca prová-la, reduzindo ao absurdo a tese
contraditória. Os argumentos de Zenão contra o movimento e a multiplicidade foram que: o
movimento é absurdo e impossível porque o mais veloz não alcança o mais lento, a opinião diz
que o objeto está em movimento, mas na realidade está em repouso, a relatividade da
velocidade exclui a objetividade e a realidade do movimento; se os seres fossem múltiplos
deveriam ser infinitamente pequenos e grandes, finitos e infinitos; o espaço é a condição da
existência da multiplicidade, ao negá-lo, negamos a multiplicidade, o comportamento
contraditório que as coisas tem juntas a respeito de cada uma separadamente implica a
negação da multiplicidade.
Melisso de Samos fala dos atributos do ser. Segundo ele, o ser apresenta
ingerabilidade, incorruptibilidade, infinitude, atemporalidade, aprocessualidade, eternidade,
unidade, incorporeidade. O ser é, então, uno porque não limites nem internos e nem externos.
Com isso, foi eliminado o mundo dos sentidos e da opinião.
Empédocles diz que são impossíveis o nascer e o morrer como um vir do nada e um
voltar ao nada, porque o ser é, e o não-ser não é. O nascimento e a morte não existem, e isto
que os homens chamam com estes termos são um mesclar-se e um dissolver-se de algumas
substâncias que permanecem eternamente iguais e indestrutíveis. Tais substâncias são a água,
o ar, a terra e o fogo, que Empédocles os chamou de “raízes de todas as coisas”. A novidade de
Empédocles consiste no fato de haver proclamado a inalterabilidade qualitativa e a
intransformalidade de cada uma das substâncias. Surge desta forma, a noção de “elemento”
como algo originário e qualitativamente imutável, capaz só de unir-se e separar-se
espacialmente e mecanicamente em relação ao outro. Daí nasce a concepção pluralista que
supera o monismo dos jônicos e dos eleatas. Os quatro elementos se unindo dão origem às
coisas e separando-se dão origem à sua corrupção. As forças que os unem ou os separam são
as forças cósmicas do amor e do ódio, causas respectivamente da união e da separação dos
elementos. O kosmos não nasce quando predomina o amor porque o total prevalecer desta
força faz com que os elementos formem uma unidade compacta, chamada Uno ou Esfera. E
quando prevalece o ódio, os elementos são separados, e neste caso, existem as coisas e o
mundo. O movimento de perfeição ocorre não na formação do kosmos, mas na constituição da
esfera.
Aristóteles é o pai da cosmologia (filosofia da natureza). A Física é essencialmente o
estudo do movimento. Nos primeiros quatro livros desta obra, Aristóteles explora a natureza
do movimento; enquanto nos quatro últimos, ele explora os gêneros principais do movimento
e as causas últimas. A característica primária das coisas naturais, segundo Aristóteles, é o
movimento: distinção das coisas imutáveis e eternas (Metafísica) das coisas mutáveis e
transitórias (Física). A Física de Aristóteles se constitui como uma ontologia do movimento. O
horizonte do movimento é o ser, e o movimento é inerente as coisas que existem como uma
espécie de vida. Ele admite dos princípios plausíveis sobre o fenômeno do movimento: a
matéria e a forma. O movimento é a passagem da matéria de uma forma a outra. A matéria é
o substrato (hypokeimenon) da mutação acidental (local, qualitativa e quantitativa) ou
substancial. Nesta última, o conceito de matéria vem pensado como potencia em sua pureza
de absoluta indeterminação, absoluto poder ser substância, cuja forma confere toda
determinação. A forma é a razão pela qual a matéria se torna uma coisa bem determinada; a
forma é a essência de cada coisa ou substância primeira. A matéria e a forma não existem
separadamente. A isso, Aristóteles chamou “sinolo”. Na constituição do sínolo (substância
particular), a forma confere os caracteres específicos. A forma é “principium specificationis”,
enquanto a matéria é “principium individuationis”. A forma (princípio de determinação
ontológica) é também princípio de determinação lógica (inteligibilidade). A matéria enquanto
princípio de indeterminação é também a raiz da ininteligibilidade. Então, a doutrina
cosmológica reflete a doutrina gnosiológica.
O movimento advém sempre no espaço e no tempo. Todavia, nem o espaço nem o
tempo são realidades autônomas, mas realidades acidentais da substância que sofre mutação.
O espaço é a distância entre os corpos. O tempo é a medida segundo um antes e um depois.
Há quatro espécies de movimento: quanto à substância, geração e corrupção; quanto à
qualidade, alteração; quanto à quantidade, aumento e diminuição; quanto ao lugar,
translação. O movimento é, pois, a passagem do ser potencial ao ser em ato. Tudo que se
move é movido por outro. A aplicação deste princípio levou Aristóteles a provar a existência de
um Primeiro Motor (metafísica). Ora, a Física tem como objeto de indagação a realidade
sensível intrinsecamente caracterizada pelo movimento. Enquanto para os pré-socráticos, a
physis significava a totalidade do ser, para Aristóteles, a physis significa o ser sensível onde a
forma é o princípio dominante.
Aristóteles distinguiu a realidade sensível em duas esferas: mundo sub-lunar e mundo
sobre-lunar. O mundo sub-lunar se caracteriza pelas formas de mutação, sobretudo a geração
e a corrupção. O mundo sobre-lunar (céus) se caracteriza somente pelo movimento local
circular. A diferença entre o mundo sub-lunar e o sobre-lunar está na matéria de suas
constituições: no primeiro, a matéria dos contrários dada pelos quatros elementos (terra,
água, ar e fogo) que são transformáveis um em outro e o movimento é retilíneo; no segundo, a
matéria possui apenas a pot6encia de passar de um ponto a um outro e é suscetível a receber
o movimento local, o éter (corre sempre: ), a quinta essência cujo movimento é
circular. O éter não é gerado, não é corruptível, nem cresce nem diminui, não se altera, isto é,
não sofre mutação.
O mundo apresenta três tipos de substâncias: material, vivente e racional. A primeira
tarefa da cosmologia é definir a essência da substância e a segunda é descrever as suas
propriedades. Segundo Aristóteles, a substância é aquilo que é em si e não em outra coisa.
Substância é qualquer realidade dotada de um ato próprio de ser e que goza de consistência
ontológica. Todavia, acidente é aquilo que não é em grau de existir por si, que não há um ser
próprio, mas deve apoiar-se e unir-se à substância. Portanto, a substância há com o ser uma
relação única e exclusiva: o ser é seu, a substância possui o ser próprio.
A substância corpórea é sempre acompanhada das outras nove categorias (essência,
quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, hábito, ação e paixão). O fenômeno da
geração e da corrupção, aos quais estão sujeitos todas as realidades materiais refere-se às
substâncias compostas. A composição da substância corpórea é explicada a partir de dois
princípios: um princípio passivo (matéria) e um princípio ativo (forma). O termo matéria aqui é
entendido não como uma entidade experimentável pelos sentidos ou por instrumentos
científicos, mas como um constitutivo substancial de toda a realidade físico-natural. A matéria
se apresenta como elemento essencial para a explicação do fenômeno do movimento. O
movimento é possível porque a realidade conserva certa continuidade, não obstante a
transformação. A continuidade é garantida pela presença da matéria, uma potência em grau
de receber várias atuações, várias formas. Por isso, em todas as mutações que ocorrem entre
termos opostos deve-se encontrar sempre, através da mutação, um sujeito permanente. A
matéria é o elemento potencial de toda substância corpórea e se chama matéria-prima (o
poder ser algo). A matéria é a condição do ser mutável e extensão dos corpos. Ela é definida
por Aristóteles como sujeito primeiro do qual provém substancialmente toda coisa e
permanece presente naquilo que se torna. A matéria é definida em relação à forma, à sua
determinação. A forma (eidos, morphé) não é o aspecto exterior, mas a íntima natureza
(physis), a essência (logos). A forma é o princípio determinante da essência dos corpos (aquilo
pelo qual um corpo é aquilo que é). O fato de que somente aquilo que é determinado pode
existir, a forma substância dá o ser à matéria. A forma substancial constitui o ente corpóreo, a
condição do ser corpo, dá-lhe o “esse sempliciter”. A forma se define como ato primeiro do
corpo físico já que o ato primeiro se refere ao ser, e o ato segundo se refere à operação. Enfim,
a matéria e a forma não existem separadamente, mas juntas forma uma única realidade, a
substância particular. Estes são os princípios primeiros da substância corpórea. E isto se chama
“synolon”. Na constituição da substância corpórea, a forma é o princípio de especificação, já a
matéria é o princípio de individuação. Ex.: Pedro pertence à espécie humana graças à forma e
é gordo e alto graças à matéria.
O hilemorfismo, segundo o qual a substância corpórea é composta por dois princípios
metafísicos substanciais: a matéria e a forma. O hilemorfismo é a doutrina que se opõe às
filosofias monistas dos materialistas, dos atomistas, dos mecanicistas e às filosofias do
dualismo absoluto que consideram a matéria e o espírito como dois entes completos em si
mesmos e existentes por si, apenas exterior e acidentalmente unidos.
A ciência moderna nasce com propósitos anti-hilemórficos, sobretudo pelo influxo de
Galileu e Descartes. A concepção mecanicista juntamente com aquela atomista direcionou a
pesquisa cientifica a partir da determinação de elementos primeiros como entidades
absolutamente imutáveis e indestrutíveis que formam todos os corpos mediante simples
agregação ou desagregação, permanecendo atualmente nos compostos. No entanto, esta
visão mecanicista ou estática da realidade corpórea foi desmentida pela física mais recente. Há
um dado da física contemporânea que impõe o retorno à teoria aristotélica hilemórfica que
consiste em que o fato da universal transformação recíproca de todas as substâncias materiais
é também as mais elementares. Ora, esta transformação substancial impõe o reconhecimento
de uma matéria a todos os corpos como pura potencia na ordem da substância material que
pode ser atuada pelas diversas formas naturais para constituir as várias espécies de
substâncias materiais, elementares e compostas. A doutrina do hilemorfismo é a única em grau
de explicar a essência da substância corpórea por sua unidade de composição, por sua
multiplicidade, por seu movimento, por suas alterações e por suas mutações substanciais. As
propriedades da substância corpórea são as nove categorias: quantidade, qualidade, ação,
paixão, lugar, tempo, relação, situação e hábito.
Aristóteles afirmou o finalismo dizendo que tudo aquilo que é por natureza existe para
um fim e reconduzindo o fim à forma. O mundo inteiro tem como fim último o ato puro,
princípio de movimento e ordem, comparado platonicamente com o objeto do amor que atrai
a si o amante. O finalismo se implantou sobre a doutrina das quatro causas, na qual uma delas
é a causa final (relação com o bem e a causa formal). Os conceitos de ato e de e ntelequeia
supõem estruturalmente que cada coisa atue o próprio fim. A própria causa primeira ou o
motor imóvel é eficiente na medida em que é fim: move à perfeição e ao objeto do desejo (O
Céu, A4, 271 a 33). O conceito de fim indica não somente o objetivo a que tendem as ações,
mas também o objetivo em virtude do qual todas as coisas são geradas e se geram. O fim é,
portanto, uma das causas e dos princípios da realidade. Aristóteles identifica o fim com o bem.
O fim de cada coisa é o bem, e na natureza toda, o fim é o sumo bem (Met. A2, 982b6). O fim
coincide com a forma (Met., H) e com o ato e a enteléquia. Há um fim imanente, específico de
cada ação e cada coisa (Met., 10).
2. Período Medieval
Os vários tipos de soluções propostas pelos gregos quanto à origem dos seres:
Parmênides a negação de toda a forma de movimento; os pluralistas falavam da reunião ou
combinação de elementos eternos; Platão fala de um Demiurgo e de uma atividade
demiúrgica; Aristóteles falava da atração de um Motor Imóvel; os estóicos falavam de
monismo panteísta; Plotino falava de uma emanação metafísica.
Contudo, os cristãos falam de criação. Deus criou todas as coisas do mundo e o homem
por sua própria palavra. Deus criou tudo do “nada”. Esta concepção de criação do nada se
contrapõe à maior parte das aporias de Parmênides. A partir do nada têm origem todas as
coisas. Deus cria livremente com seu ato de vontade, cujo motivo é o bem. Ele cria as coisas
como dom gratuito. A criatura é uma coisa boa, positiva. O criacionismo se imporá como a
solução por excelência do problema antigo do como e do porquê do Uno deriva o múltiplo e do
infinito deriva o finito. Ontologicamente, a doutrina da criação significa que Deus é o Ser pela
sua própria essência. A criação é uma participação do Ser. Deus é o Ser, as coisas criadas não
são, mas têm o ser recebido pela participação.
Agostinho elaborou a doutrina da criação como uma antítese ao maniqueísmo – a
matéria é a causa do mal e tem sua origem em um princípio mau – e aos neoplatônicos que
diziam que a origem do universo é uma emanação progressiva das coisas do Uno. Agostinho
diz que fora de Deus não existe nenhum outro princípio originário e nenhuma fonte
intermediária do ser, pois o título de criado compete somente a Deus. Ele é o princípio
supremo e único da realidade de toda a realidade. Para provar a sua tese, Agostinho faz
distinção semântica entre os verbos gerar, fabricar e criar. Só quem cria produz uma coisa do
nado (ex-nihilo), porém, quem gera ou fabrica desfruta de um material precedente. O homem
tem o poder de gerar e de fabricar, mas somente Deus tem o poder de gerar, fabricar e criar.
Portanto, só Deus é criador porque apenas ele produz as coisas como causa primeira e total do
ser.
São Tomás diz que a criação é a produção de qualquer coisa em toda a sua substância,
sem que a esta seja pressuposto algum que seja criado ou incriado (I q. 65, a.3). Então, como o
pensamento cristão, o termo “natureza” adquire novas conotações: natureza hipostática
(Homem-Deus), natureza racional (homem) e natureza divina (Deus). Por isso o conceito de
natural se opõe ao sobrenatural, isto em o que se encontra na ordem necessária da natureza
das coisas externas e o que é estabelecido diretamente pela ação de Deus na ordem da graça.
São Tomás demonstra que Deus existe a partir da análise de cinco fenômenos que apresentam
insuficiência ontológica: a mutação, a causa segunda, o possível, os graus de perfeição e o
finalismo no mundo da matéria. A estrutura das cinco vias é uniforme e consta de quatro
momentos: a) ele põe sua atenção sobre um determinado fenômeno (o movimento, a causa
secundária, a possibilidade, os graus de perfeição e o finalismo); b) evidencia-se o seu caráter
relativo, dependente, causado – a contingência; c) mostra-se que a realidade efetiva e atual de
um fenômeno contingente não se pode explicar fazendo intervir uma série infinita de
fenômenos contingentes; d) diz-se que a única explicação válida do contingente é Deus: o
Motor Imóvel, a Causa Incausada, o Ser Necessário, o Sumamente Perfeito, a Inteligência
Ordenadora Suprema.
As cinco vias cosmológicas são:
1) Via da mutação – prova cosmológica: parte do princípio de que tudo aquilo que se
move é movido por outro. Ora se aquilo pelo qual um corpo é movido se move, necessita de
que também esse seja movido por uma outra coisa e assim sucessivamente... Mas não é
possível proceder ao infinito, por isso é necessário que haja um Primeiro Motor que não seja
movido por nenhum outro. A isso chamam de Deus (Fis. VIII, 1; Met. XII, 7).
2) Prova causal: na ordem das causas eficientes não se pode ir ao infinito, pois não se
chegaria à causa primeira e nem à causa ultima, então deve haver uma causa eficiente, que é
Deus (Met. II, 2).
3) Relação entre o possível e o necessário: as coisas possíveis existem somente em
virtude das coisas necessárias, porém, essas tem a causa da sua necessidade ou em si mesmo
ou em outro. Essas que tem a causa em um outro remetem ao outro. Ora não é possível
proceder ao infinito, no entanto, é necessário atingir a qualquer coisa que seja necessária por
si e seja causa da necessidade daquilo que é necessário para o outro, e isto é Deus (Avicena).
4) Os graus de perfeição: encontra-se nas coisas o mínimo de verdadeiro e de bem de
todas as perfeições. O máximo grau de tais perfeições é a causa dos graus menores. Ora a
causa do ser e da bondade e de toda perfeição é Deus (Met. II, 1).
5) Governo das coisas: as coisas naturais, privadas de inteligência, apóiam-se em um
fim e isso não poderia ser se não fossem governadas por um Ser dotado de inteligência. E o ser
inteligente do qual depende a ordenação das coisas a um fim dá-se o nome de Deus (João
Damasceno e Averróis).
Obs.: 1) Santo Tomás expõe as provas da existência de Deus na Suma Teológica (I, q.2,
a. 3), no Comentário às Sentenças (I, d. 3, 99.1ss), na Suma Contra os Gentios (I, XIIss), nas
Questões De Veritate (qq. 2 e 10), no Ente e Essência (c. IV), no Compendio de Teologia (cc.
3ss.) e no Comentário ao Evangelho de São João (prólogo);
2) Santo Tomás não apresenta as cinco vias como próprias, porém, como argumentos
comuns no ensino universitário de seu tempo. Tais caminhos ou “provas” já se encontravam
no Guia dos perplexos de Maimônides e na Suma de Alberto Magno;
3) O caráter epistemológico de todas as provas da existência de Deus é sempre de
ordem especulativa, retrospectiva, reflexiva, resolutiva e isso o faz distinto do caráter
cientifico.
3. Período Moderno
Copérnico foi o fundador da astronomia moderna. No seu livro De revolutionibus
orbium caelestium (1543) propôs uma grande reforma da astronomia ptolemaica e substituía o
modelo do universo centrado sobre a Terra (geocentrismo) pelo modelo do universo centrado
sobre o Sol (heliocentrismo). As teses principais de Copérnico são:
a) o mundo é esférico;
b) a Terra é esféricas;
c) a Terra com a água forma uma única esfera;
d) o movimento dos corpos celestes é uniforme, circular e perpétuo ou composto de
muitos movimentos circulares;
e) a Terra se move em um circulo orbital em torno do centro, circulando também
sobre o seu eixo;
f) a enorme grandeza dos céus se compara à dimensão da Terra.
Se o cogito ergo sum é a primeira verdade evidente, então, como é possível sair do
mundo da consciência ao mundo exterior? Ora para responder a essa pergunta, Descartes fala
de três tipos de idéias:
a) Inatas (que se encontram na mente);
b) Fictícias (criações arbitrárias do pensamento);
c) Adventícias (que vem de fora e me remetem às coisas diversas de mim).
4. Período Contemporâneo
Na epistemologia, o pensamento filosófico-científico clássico foi refutado por
Whitehead. Ele refutou a distinção entre qualidades primárias e secundárias, os conceitos de
sujeito, de substância e consciência, o critério de clareza e distinção e acusou a ciência de cair
no erro da “concretude mal posta” enquanto troca as suas abstrações quantitativas e
operativas pró realidades últimas e verdadeiras e reduz as qualidades secundárias das
experiências perceptivas a meras ilusões subjetivas. A ciência se figura assim um mundo ao
contrário onde o abstrato foge do concreto e vice-versa e a explicação assume o aspecto de
uma “história de fada”. Analogamente a metafísica moderna, pretende partir da clareza que é
um ideal regulador e fundamentar-se sobre noções distintas como substâncias ou consciências
que são vagas e fluidas. A filosofia deve proceder da experiência direta e tentar uma
explicação dessa realidade percebida mediante progressivas generalizações estando
consciente da própria precariedade arriscada e da própria inadequação.
Na Metafísica, Whitehead fala de uma metafísica descritiva que substitui as noções de
substância e de sujeito pelas noções de evento e de processo. Ele é influenciado por Leibniz
em sua inspiração da lógica das relações que refuta o nexo unívoco de sujeito e predicado.
Cada evento é um nó de relações múltiplas em constante movimento. Ao interno de cada nó
de relações o evento preeminente que assume os outros eventos como suas partes-
componentes desenvolve a função de sujeito. Mas vindo preso a outros eventos, esse
desenvolve sucessivamente a função de objeto. Não são sujeitos como substâncias últimas
pressupostas ao processo. O sujeito é um “superobjeto”, um ponto de chegada agregador e
provisório de algumas fases espaço-temporal do processo. O processo é determinado pelas
formas de conexão que Whitehead chama de objetos eternos – essas são os modos em que os
eventos se predem ou se objetivam reciprocamente. Como formas do possível objeto eterno
se tornam plenamente reais apenas naquelas concretas ocasiões de experiência que são os
eventos em que concretizam. Os objetos eternos se ordenam em hierarquias sempre mais
altas e complexas nas formas de sensação e de pensamento. As generalizações científicas
encontram sua justificação e o seu valor de verdade (verdadeiro, belo, bem e paz) nos objetos
eternos. Os objetos eternos definem o lugar de Deus como natureza originária. A realização
progressiva mostra a natureza conseqüente de Deus. Deus não é o Criador onipotente do
mundo nem o Salvador, nem aquele que colabora com o homem direcionando o processo da
realização ética.
Os avanços científicos dos últimos anos do século XIX e início do século XX levaram a
física a repensar alguns pressupostos básicos herdados da física newtoniana. Esse processo
implica uma crise da ciência clássica a partir do nascimento de novas teorias: relatividade
(Einstein, 1905) e quântica (1930). Portanto, houve a impossibilidade de aplicar os critérios
tradicionais aos novos campos de investigação, em particular à eletrodinâmica de Maxwell e
ao estudo da estrutura da matéria. Surgiram contradições quando os problemas eram
considerados conforme o ponto de vista clássico ao quererem determinar as propriedades do
suposto éter – imaginando como meio material onde se propagavam as ondas
eletromagnéticas. Apenas com o abandono dos pressupostos mecanicistas se resolverão as
aparentes contradições. Os conceitos de tempo e de espaço absolutos inerentes à física de
Newton foram eliminados pela teoria da relatividade. A teoria quântica mostrou a
inaplicabilidade de muitos conceitos clássicos a nível subatômico. Logicamente, houve o
abandono da mecânica como concepção filosófica da natureza. Por isso, surgiram as
interpretações positivistas e fenomenistas que junto ao energetismo constituíram as principais
posições filosóficas sobre a realidade material vinculadas à ciência positiva.
Alexandre e Whitehead adotaram a posição energetista na elaboração de suas
reflexões filosóficas. A realidade física seria a energia, o elemento substancial de um contínuo
espaço-temporal. Excluindo, então, os conceitos de essência, de ato-potência e de finalidade.
Os méritos desses cientistas foram os interesses pela filosofia da natureza. No entanto,
adquiriu forças nos círculos filosóficos uma nova onde positivista: o neopositivismo lógico. O
movimento neopositivista propõe uma nova interpretação dos problemas científicos. As teses
fundamentais do neopositivismo afirmam que a condição de validade cientifica das ciências
experimentais seria o uso de uma linguagem empírica rigorosamente verificável com a
exclusão de qualquer outra linguagem filosófica ou metafísica. Os problemas filosóficos
desaparecem como sem sentido lingüístico. Destaca-se o fisicalismo de Neurath e Carnap que
tentaram construir uma linguagem unificada da ciência com o objetivo de expressar sem
ambigüidade toda a realidade. Os neopositivistas negam a existência de tudo o que supera o
âmbito fenomênico e se reduz a construções uteis da ciência. As teses convencionalistas se
referem ao conhecimento além dos dados sensíveis que possuem uma construção escolhida
logicamente possível com base de utilidade técnica. O neopositivismo vê as elaborações
lógico-matemáticas como a única chave de interpretação do mundo. Todavia, nos últimos
anos, surgem o relativismo histórico (Kuhn e Feyeraben) e a busca da filosofia como um
discurso racional que ultrapassa os limites do discurso científico (Popper, Bunge). Reconhecem
a existência e a legitimidade de uma metafísica que se ocupe com a razão ultima dos conceitos
básicos das ciências experimentais e da matemática.
Atualmente são apresentados os seguintes argumentos sobre o fundamento da
existência do mundo material: argumentos da composição, da finitude, do movimento, da
ordem e da contingência.
A substância corpórea é uma constituição ontológica, uma substância composta de
dois princípios: a matéria e a forma. Ora, nenhum composto pode compor-se por si, mas
necessita-se de um agente que realize a composição. Então, a substância corpórea exige como
seu fundamento último, uma substância simples que exclua qualquer composição. Não apenas
as partes singulares do mundo são finitas, é finito o mundo enquanto tal. Esse é finito na
extensão, na duração e na perfeição. Ora, o finito não pode ser a causa do próprio ser, por isso
o universo tem sua origem num ser infinito e transcendente. A experiência e a ciência dizem
que o universo está em continua mutação e evolução (principio de potencialidade),
entretanto, tudo que se move é movido por outro, então, é necessário que se chegue ao
primeiro princípio do movimento (Motor Imóvel). O mundo apresenta uma ordem que
interpela a nossa inteligência. A causa da ordem e do finalismo do universo é uma intelig6encia
superior – Deus. Contingente é aquilo que não é necessário – existe, mas poderia não existir –
por isso, é preciso admitir a existência de um ser que seja por si necessário e que seja causa de
sua própria existência e de todas as coisas contingentes.
Deus criou o universo por dois motivos: o bem de Deus e o bem de suas criaturas.
Deus irradia o próprio o ser ao manifestar sua grandeza, beleza, sapiência, potência e
bondade. Deus cria o universo para a própria glória. As criaturas recebem de Deus o ser
conforme as suas próprias capacidades juntamente com o dom da beleza, da unidade, da
ordem e da fecundidade. Assim todas as criaturas dão louvor a Deus. As criaturas têm como
fim realizar a própria glória de Deus. O princípio antrópico afirma que a criação do universo
tem como fim o homem. Isso significa atribuir à existência do homem um peso particular na
compreensão da estrutura e da evolução do universo.
TEMA VI – EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS
1. Período Antigo
2. Período Medieval
Durante o período medieval, o saber científico deu alguns passos, sobretudo quando
os árabes desenvolveram a álgebra, a óptica, a astronomia, a medicina e a química. Neste
período todas as obras de Aristóteles foram traduzidas pelos árabes e comentadas por
Averróis. No final do século XII e início do século XIII por mediação dos árabes as obras de
Aristóteles chegam às mãos dos latinos. Sendo assim, no século XIII Aristóteles se torna mestre
daqueles que sabem. Os latinos aprendem como se faz ciência e os textos fundamentais
aristotélicos são oferecidos às faculdades das Artes para as disciplinas filosóficas, para o
estudo da física, da psicologia, da biologia e da astronomia. Os três grandes passos dados pela
nova concepção da ciência forma:
a) A nítida distinção entre saber filosófico, científico e teológico feito por Santo
Tomás. Essas formas de saber se distinguem pelos respectivos objetos e pelos
métodos. O método da filosofia e da ciência chama-se “resolutio”, que parte dos
efeitos à causas, a sua demonstração é a posteriori (quia); o método da teologia é
a “compositio”, que parte das causas ao efeito, a sua demonstração é a priori
(propter quid);
Com Santo Tomás, a teologia foi elevada à dignidade de ciência. O cocneito de ciência
baseado na demonstração “propter quid” encontra na teologia uma apropriada aplicação.
Santo Tomás classifica as ciências conforme os seguintes referenciais: fim, procedimento,
graus de abstração e ordem:
2. Período Moderno
a) A pesquisa científica não é entendida como pesquisa da essência das coisas, mas como
calculo das leis que regula os fenômenos;
b) O método indutivo;
c) A linguagem matemática;
2) Hipótese provisória;
O grande mérito de Bacon foi sistematizar o método das ciências naturais, definir o seu
objeto e especificar a sua finalidade. Não explicitou em modo adequado o seu objeto, mas
apresentou com segurança o método e a finalidade das ciências naturais.
Galileu (1642) ocupa um lugar significativo na história das ciências devido às suas
descobertas: telescópio, termômetro, microscópio, relógio a pêndulo, lei das quedas dos
corpos e elaborou uma doutrina sobre o conceito de ciência. Galileu estabeleceu que as
ciências naturais não se ocupam com a essência das coisas, mas com as leis dos fenômenos e
que a sua linguagem é matemática cujo método é essencialmente indutivo e secundariamente
dedutivo. Ele mostrou com clareza a distinção entre filosofia, ciência e religião. O objeto da
religião são as verdades reveladas. O objeto da filosofia são as verdades ontológicas (as
essências das coisas). O objeto das ciências são as verdades naturais, isto é, as leis ou relações
que ligam os fenômenos entre si. As investigações do porquê, da essência, da natureza íntimas
são características da filosofia estranhas à ciência, porque a ciência limita-se ao campo dos
fenômenos, cuja tarefa é descrever o exato vinculo recíproco mediante a lei, objeto da ciência.
O instrumento da ciência é a sensata experiência. A ciência é constituída de leis universais que
derivam de experiências particulares. Ele propõe o método indutivo-dedutivo que compreende
quatro fases:
a) Análise da experiência;
b) Hipótese;
2. Período Contemporâneo
A ciência positivista foi critica por Dilthey (ele demonstrou que os critérios das ciências
naturais são incompatíveis com as ciências do espírito), Boutrox (contestou o caráter
determinista das leis cientificas e o seu valor aproximativo), Mach e Avenarius (desmascararam
o fundamento metafísico da ciência positivista. Eles afirmam que a ciência se forma por um
continuo processo de adaptação do pensamento a um determinado campo de experiência),
Bergson (diz que os esquemas da razão cientifica se adéquam somente ao estudo da matéria
inerte, enquanto esses são inadequados ao estudo da matéria vivente e da evolução criadora.
Por isso, é preciso que a demonstração esteja vinculada à intuição), Poincaré (fala que nas
teorias cientificas há uma forma e uma substância: a primeira constitui o verdadeiro e o
próprio aparato conceitual de uma teoria, o convenciona, não podendo ser verdadeira ou
falsa, mas apenas cômoda ou incomoda).
Karl Popper (1994) propõe um critério para demarcar as proposições cientificas das
não-científicas. As proposições são cientificas quando satisfazem duas condições: ser
falsificável e não ser ainda falsa de fato. Ele diz que todas as leis científicas possuem
probabilidade e podem ser definidas como aproximações e conjecturas. Os controles
discordantes apenas diminuem a probabilidade de uma aproximação. A ciência é invenção de
hipótese que delimita a observação e o experimento. Ele distingue três mundos: o mundo
físico, o mundo da consciência e o mundo das idéias. Ele também distingue dois aspectos no
processo cognitivo: um subjetivo e outro objetivo. Os produtos do pensamento são entidades
objetivas. Popper afirma o conhecimento sem o sujeito cognoscente. Todo conhecimento
científico é hipotético e conjetural. A ciência não é um sistema de asserções exatas e
estabelecidas imutavelmente definitivas. A ciência não pretende alcançar um estado da
verdade, mas a objetividade consiste na tentativa das conjecturas. Ele como racionalista crítico
afirma que a fé e a religião pertencem ao mundo da superstição.
Kuhn diz que a comunidade científica normalmente não abandona um sistema teórico
comumente aceito quando são observados fatos que chegam a contradizê-los. Ele chama de
paradigma o sistema de teorias aceito por toda a comunidade científica. Essa comunidade
tende a manter o sistema teórico apesar dos fatos discordantes. A fase de conservação do
paradigma se chama ciência normal. Os “cientistas normais” buscam resolver os paradigmas e
resolver as dificuldades que se encontram nele. E realmente vários fatos que aparecem
discordantes inicialmente podem depois ser integrados no paradigma. O paradigma duvidoso
que é substituído por outro será aceito gradativamente pela comunidade científica, e assim,
por revolução, passa-se ao paradigma de uma nova ciência normal. Uma ciência normal
sucede a outra sem que seja um progresso em direção da verdade. Feyeraben fala do
anarquismo epistemológico que consiste em que a idéia de um método contenha princípios
firmes, imutáveis e absolutamente vinculados como guia na atividade científica que se depara
em dificuldades quando confrontadas com os resultados da pesquisa histórica. Não há
nenhuma norma plausível e radicalizada na epistemologia que não tenha sido violada em
qualquer circunstancia. As violações não são eventos acidentais já que são necessários para o
progresso científico. Ele diz que há circunstâncias nas quais é aconselhável defender hipótese
cujo conteúdo seja menor em relação às alternativas existentes e adequadas empiricamente.
Essa contra-norma é uma antítese à norma popperiana que prefere uma teoria com mais
conteúdo a uma teoria com menor conteúdo. Defendeu também a não confrontação como
antítese à teoria da verossimilhança de Popper.
Poincaré diz que as leis da natureza se reduzem aos princípios convencionais e gerais
da mecânica ou a puras construções do espírito, livres convenções que não podem ser
confirmadas nem invalidadas pela experiência, nem verdadeiras nem falsas, mas somente mais
ou menos cômodas para sintetizar os dados da experiência. O neopositivismo – herdeiro de
Mach e de Wittgenstein – afirma que apenas as proposições dotadas de sentido são
proposições protocolares que enunciam o concreto no espaço e no tempo. As leis universais
são privadas de sentido porque são inverificáveis, são proposições incompletas e
indeterminadas.
Depois da negação da existência da lei natural por alguns filósofos, ainda é possível
afirmar seu valor ontológico? Podemos dizer que a determinação intrínseca da natureza que
age de um modo determinado é comprovada em primeiro lugar indutivamente (o fogo quima,
a água esfria, os corpos caem, o vapor se expande) e todos os agentes tendem a produzir um
efeito que é determinado por sua própria natureza (exemplificação empírica). O princípio da
determinação da natureza à ação, como todos os princípios da razão, pode ser confirmado
pela redução ao absurdo. Se o agente natural não fosse ontologicamente pré-determinado a
produzir um efeito, todos os efeitos são indiferentes. Na doutrina hilemórfica, a determinação
da natureza dos entes materiais é fundada metafisicamente sobre a forma substancial, o
princípio intrínseco de ser e do agir, do qual emanam as formas acidentais próprias, as forças e
as energias físicas que são o princípio próximo imediato da ação. Laplace, sob o influxo do
racionalismo e do mecanicismo, diz que o princípio da legalidade da natureza era entendido no
sentido de um determinismo rígido e absoluto. Segundo Santo Tomás, o determinismo deriva
de duas proposições falsas: a) tudo o que acidentalmente ocorre há uma causa; b) posta
necessariamente a causa segue o efeito.
Filosoficamente, admite-se que a vida tem como princípio último a alma. A alma não
pode haver sua origem na matéria, porque caso não fosse assim, não se compreenderia
porque somente uma parte da matéria é dotada de alma. Por isso se admite que a alma tira
sua origem do alto, mediante a ação de um ser inteligente. A alma surge mediante a ação de
um ser inteligente já que o homem é um ser inteligente. A modalidade seguida por este ser
inteligente para dar origem à vida (se por criação direta ou indireta, por evolução mediante
interventos programados ou por geração espontânea) para a filosofia resta matéria opinável e
disputável, sobre o qual se retém de não poder dar-se a última palavra.
Há, porém, duas distintas elaborações referentes aos três paradigmas antropológicos:
uma “do alto” e outro “de baixo”. Aquela do alto parte da alma, aquela de baixo parte do
corpo como referenciais de compreensão do homem. A primeira concebe o homem como
“espírito encarnado”, a segunda concebe o homem como “animal racional”. As principais
antropologias do alto: Platão, Agostinho, Descartes, Pascal, Spinoza, Leibniz, Fichte, Hegel. As
antropologias de baixo são: Aristóteles, Santo Tomás, Hume, Kant, Kierkegaard, Rosmini,
Marx, Feuerbach, Nietsche, Heidegger, Scheler, Buber e Levinas. Ao interno dos paradigmas do
alto ou do baixo, há variante que privilegiam a essência ou a existência, o eu ou o tu, o
intelecto ou a vontade, a memória ou a fantasia, a razão ou a liberdade.
a) Fuga do corpo: a alma deve procurar fugir do corpo o mais depressa possível, por
isso o verdadeiro filósofo deseja a morte e a verdadeira filosofia é um exercício de
morte. A morte é um episódio que ontologicamente se refere ao corpo, não
causando nenhum dano à alma, mas lhe traz o benefício, isto é lhe permite uma
vida voltada para si mesma;
Aristóteles conceitua o homem como uma espécie animal: um animal racional. Não há
relação conflitiva entre alma e corpo. O corpo é a sede natural da alma. O corpo e a matéria, a
alma é a forma. O homem tem três almas: vegetativa, sensitiva e racional. A alma é “a
enteléquia” do corpo físico. A alma é forma do corpo, é um princípio essencial e constitutivo
que se configura inteiramente com a matéria convertendo-a em um corpo humano vivo. De
uma parte, matéria é o meio potencial que recebe a determinação da forma, e de outra parte,
ela é princípio de individuação que constitui o indivíduo determinado no espaço e no tempo. O
homem é “anima forma corporis”, “unio substantialis” entre corpo e alma. Ontologicamente, o
homem é o centro que une os graus do ser. O elemento cognitivo é a referencia da definição
do homem como ser espiritual. O espírito é a razão, a faculdade do conhecimento intelectual.
Aristóteles apresenta uma concepção unitária do homem cujos elementos constitutivos alma e
corpo formam uma única substancia e cooperam reciprocamente para a perfeição do homem.
O bem supremo do homem – a felicidade – consiste no aperfeiçoamento de si mesmo em sua
atividade racional vivendo conforme as virtudes que lhe são inerentes. A virtude se adquire
com a repetição sucessiva dos atos, hábito. Aos deuses, toda vida é beata, porém, aos homens,
a vida torna-se beata à proporção que participam da atividade contemplativa.
Plotino diz que todas as coisas, por emanação, derivam do Uno. O homem é o ponto
central da passagem obrigatória do processo de emanação. O homem é composto de alma e
corpo. A alma é distinta do corpo e pré-existe porque é uma emanação de grau superior. A
união da alma com o corpo resulta da necessidade que governa a emanação do Uno. A
constituição heterogênea do homem, corpo e alma, gera um contraste de tendências:
conversão (ascendência da alma) e dispersão (descendência da alma). E nisso consiste o drama
da vida humana. A missão própria da alma é restabelecer a unidade originária das coisas,
reconduzindo-as ao Uno. O retorno da alma ao Uno é obra da liberdade já que sua tendência
ao corpóreo é uma fatalidade que foge à sabedoria e aos planos superiores do ser. o ritmo da
vida é um oscilar entre necessidade biológica e liberdade espiritual, entre instinto e vontade.
As etapas de retorno da alma ao Uno são:
c) Êxtase: união mística, imediata, com o Uno. A liberdade é a vontade do bem, por
isso é a atividade mais nobre da alma.
Segundo Santo Agostinho, o homem é uma criatura da natureza que tem seu lugar na
hierarquia ordenada dos valores como aqueles que os une, mas ao mesmo tempo é separado
do conjunto das coisas da natureza. O homem tem um significado próprio e sua expressão
particular em relação com Deus. O homem toma consciência de sua personalidade no seu
confronto com Deus. O homem é uma pessoa assim como Deus é a pessoa. O homem, corpo e
alma, alcança a sua transcendência em Deus. Agostinho é platônico no método (a alma como
ponto de partida) e introspectivo como Plotino. Contudo, ele não procede de axiomas ou
postulados, mas de uma grande interiorização introspectiva, pois “in interiore homine habitat
veritas”. Ele penetra nas profundezas da alma e descobre o sentido da existência humana em
Deus. Agostinho não identifica o homem com a alma e refuta que o corpo seja algo acidental
ou prisão da alma, pois Deus criou tanto o corpo quanto a alma. O homem é uma substancia
racional que consiste em alma e corpo. O corpo e a alma são unidos em uma única pessoa,
embora a alma seja a parte superior e o corpo seja a parte inferior. E duas são as faculdades
espirituais do homem: a ratio (o nível superior do conhecimento é a sapiência e o nível inferior
é a ciência) e a voluntas (o nível superior é a libertas e o nível inferior é o liberum arbitrium).
No nível superior, ambas as faculdades operam diretamente por Deus: na ratio mediante a
iluminação, na libertas mediante a graça. A perfeição do homem nesta vida reside no esquecer
as coisas passadas (distentio) e no estender-se mediante uma tensão interior (extendi
secundum intentionem) àquelas que nos esperam (futuras). A tensão da busca é a coisa mais
segura até que não tenhamos alcançado àquilo a que tendemos ser. O homem encontra seu
ser no acolher o que transcende: a intentio, a busca da extentio, a resposta que orienta a
busca. O ato pessoal de viver a verdade está na relação entre a intentio e a extentio em
constante polemica com a distentio. A unidade do homem é um processo de unificação é uma
perspectiva que se volta ao passado e ao futuro: a criação do homem novo em nós.
Kant afirma na Crítica da Razão Pura que a razão pode explicitar a sua atividade
cognitiva somente no âmbito fenomênico e fazendo referencia exclusiva e necessária ao
âmbito conjunto de elementos que nos é oferecido pela nossa experiência. A metafísica é
impossível como ciência. Quanto à antropologia filosófica, Kant faz uma segunda revolução
copernicana que se refere às relações entre sujeito e objeto do conhecimento. No ato
cognitivo a prioridade pertence ao sujeito: o sujeito impõe ao objeto as suas formas seja
sensitiva seja inteligível. A realidade conhecida aparece a mim, isto é, constitui-se como objeto
cognoscitivo pelas formas da minha subjetividade cognoscente. O objeto é constituído pelo
sujeito em virtude da determinação subjetiva de poder ser conhecido. O primado do sujeito se
dá na gnosiologia, na moral e na estética. Kant na Lógica fala que o campo da filosofia
compreende as seguintes questões: que coisa posso conhecer? (metafísica); que coisa devo
fazer? (moral); que coisa posso esperar? (religião); que coisa é o homem? (antropologia). Para
Kant, o homem é moralmente autônomo, um legislador de si próprio, capaz de dar-se uma lei
moral e observá-la. A norma suprema a que a vontade se submete é uma só: o imperativo
categórico que prescreve ao homem a lei por amo à lei, sem objetivação de felicidade. A
liberdade da alma é vista como exigência da moralidade, que provém do imperativo categórico
“tu deves”. A imortalidade da alma é negada como verdade metafísica, porém, vem afirmada
como exigência da moralidade: se a alma humana não fosse imortal a vontade não poderia
atingir a sua perfeição moral, o a priori incondicionado.
Nietzsche diz que o homem é uma realidade obscura e velada. Todavia, diz também
que o homem é um animal que ainda não é determinado completamente. O homem é um
embrião que deve chegar ao verdadeiro homem, ao verdadeiro gênero humano. O homem é
portador da vida, cujo impulso constante é a autotranscendência e contínua evolução. O
processo evolutivo que lentamente o leva à geração do homem verdadeiro percorre três
estágios:
Platão, Plotino, Santo Agostinho pensaram o corpo como um peso para a alma.
Aristóteles, Santo Tomás acreditaram que o corpo é constitutivo do homem, do qual depende
a sua perfeição moral. O corpo é diretamente envolvido com as ações humanas sejam boas ou
más. Vícios ou virtudes estão vinculados ao corpo (F. A.). O corpo humano tem uma dimensão
simbólica visto que ele unitariamente é símbolo da alma, cujas partes singulares do corpo
símbolos de qualidades, de virtudes e de realidades espirituais. Assim o coração é símbolo do
amor, a língua é símbolo da palavra, o braço é símbolo da força... O corpo é um traço singular
da realidade divina. A verdade de Deus habita em nosso corpo.
Demócrito fala que a verdade se conhece pelos átomos. Os vários fenômenos derivam
dos diferentes encontros de átomos. O conhecimento deriva das exalações de átomos que se
liberam das coisas em contato com os sentidos. Nesse contato com os sentidos, os átomos
semelhantes fora de nós impressionam aqueles semelhantes em nós, assim os semelhantes
conhecem os semelhantes. A diferença entre conhecimento sensitivo e intelectivo consiste em
que o primeiro nos concede a opinião e o segundo nos concede a verdade. Parmênides traça a
via da demarcação entre a via da verdade e a via do erro. Esta é a via da sensação e da
imaginação, aquela é a via da verdade. Os sofistas não reconhecem nenhum valor absoluto do
conhecimento. Eles são relativistas e céticos. Sócrates diz que o homem possui um
conhecimento sensitivo e outro intelectivo. E as idéias de bondade, de justiça, de felicidade, de
beleza e de verdade têm valores absolutos.
Platão diz que as Idéias não são pensamentos da nossa mente, mas realidades
subsistentes em si mesmas. Essas constituem o mundo verdadeiro, imutável, imaterial, imóvel,
eteno que dão origem ao mundo sensível e material mediante a participação no mundo
inteligível. Sentidos e intelecto têm objetos diversos no processo do conhecimento: este tem
como objeto o mundo ideal, aquele tem como objeto o mundo sensível. Os sentidos podem
chegar a formar uma opinião do seu objeto; enquanto o intelecto forma um conhecimento
verdadeiro e universal. Há uma separação enorme entre conhecimento sensitivo e
conhecimento intelectivo, pois não há comunicação entre si. As Idéias ou conceitos universais
do conhecimento intelectivo não derivam da abstração do conhecimento sensitivo. A nossa
alma conhece as Idéias no Iperurânio quando ela ainda se encontrava separada do corpo. Ao
descer ao corpo, ela as esqueceu e as recorda ao encontrar-se com as coisas materiais. Platão
distingue dois graus do conhecimento sensitivo (eikasía = apreensão das imagens e pístis =
confiança nas coisas apreendidas pelos sentidos) e dois graus dos conhecimento intelectivo
(dianóia = conhecimento das entidades matemáticas e nóesis = conhecimento direto e
intuitivo da Idéia Pura). Ele também fala da doutrina da reminiscência. Essa consiste em
afirmar que conhecer é recordar. A recordação ocorre quando há o encontro da alma com as
coisas materiais do mundo sensível: as coisas são cópias das Idéias. A doutrina platônica da
reminiscência exerce três funções:
Aristóteles diz que o cognitivo ocorre em dois níveis: sensível e intelectivo. Esses não
são separados já que existem vínculos entre si. O conhecimento intelectivo provém do mundo
das sensações: o conhecimento das idéias ou conceitos universais depende da abstração que
tem a experiência sensitiva como ponto de partida do conhecimento humano. A alma
originariamente é uma “tabula rasa” sobre a qual a experiência escreve seus caracteres.
Inicialmente na vida presente, a alma é completamente privada de conhecimento. O primeiro
conhecimento vem fornecido pelos sentidos. Eles são a primeira fonte do conhecimento
humano. Os sentidos são a fonte imediata do conhecimento sensível e fornecem à inteligência
o material para extrair as idéias universais. A abstração é o processo pelo qual o intelecto
extrai os conceitos universais das imagens sensíveis das coisas particulares. O processo de
abstração ocorre em dois intelectos: o intelecto agente e o intelecto passivo. O intelecto
agente tem a tarefa de iluminar os dados sensíveis e de gerar as idéias. O intelecto passivo tem
a tarefa de acolhê-las e conservá-las. A partir da teoria da abstração, ele elabora a tríplice
classificação da ciência: física – abstrai da matéria sensível; matemática – abstrai da matéria
inteligível; e a metafísica – abstrai de qualquer gênero de matéria. O princípio de não-
contradição é o fundamento irrefutável de todo conhecimento porque também é reconhecido
por quem o coloca em duvida ou o nega. O homem pode conhecer a verdade e conhecer a
verdade é o objetivo da vida humana e disso depende a felicidade do homem. A essência do
conhecimento está no “fazer semelhante”, a assimilação. O conhecimento sensitivo é uma
assimilação da forma sensível sem a matéria. O conhecimento intelectivo é uma assimilação da
forma inteligível, o nous.
As faculdades sensitivas que não são em ato – potencia – são capazes de receber as
sensações. Assim a faculdade sensitiva sai da sua simples capacidade de sentir e passa para o
sentir em ato pelo contato com o objeto sensível. A faculdade sensitiva é em potencia aquilo
que o sensível é em ato. Na sensação vem assimilada somente a forma da sensação, que é a
capacidade que o sentido tem de receber as formas sensíveis sem a matéria. Aristóteles diz
que a percepção dos sensíveis próprios é verdadeira ou comporta um grau mínimo de erro. Da
sensação derivam a fantasia (produção de imagens), a memória (conservação das imagens) e
do acúmulo dos fatos mnemônicos deriva a experiência. O ato intuitivo é análogo ao
perceptivo, pois ele recebe ou assimila as formas inteligíveis, mas não está mesclado ao
corpóreo. O intelecto é a parte da alma que conhece e pensa. Ele acolhe a forma e se torna em
potencia semelhante à coisa. Aquilo que na alma se chama nous, que a alma pensa e opina,
não está em ato antes de seu pensar efetivamente.
Segundo Santo Tomás, na existem idéias inatas, pois o processo cognitivo inicia com
sensação e se completa com a atividade intelectiva: nihil est in intelletu quod prius fuerit in
sensus – nada existe no intelecto que antes não tenha vindo dos sentidos. A experiência
sensível constitui o ponto de partida de todo conhecimento (exceto os conhecimentos
adquiridos pela revelação e pela fé). Os sentidos são modificados pelos objetos externos e
colhem as coisas não na sua materialidade, mas na sua imagem sensível (specie sensibile): ex: o
olho vê a cor da laranja, mas não percebe a matéria de que a laranja é constituída. O
conhecimento é uma espécie de subjetivação do objeto: cognitum est cognoscente per
modum cognoscentis – o objeto está no sujeito cognoscente segundo o modo do próprio
sujeito. A sensação é conservada pela fantasia, a qual produz o fantasma. O fantasma é o
conjunto das imagens singulares sensíveis percebidas de um mesmo objeto nas experiências
precedentes. No fantasma está implícita, contida em potência, a specie intelligibile, o conceito,
que o intelecto colhe mediante a abstração.
O intelecto humano, por sua unicidade individual, é passivo e ativo ao mesmo tempo e
possui dupla capacidade: enquanto pode receber a specie intelligibile, é intelecto passivo ou
potencial; enquanto abstrai a specie intelligibile do fantasma e a ilumina em modo que o
intelecto passivo a conheça, passando da potencia ao ato, é intelecto ativo ou agente. O
intelecto ativo não tem a função de conhecer, mas, como uma fonte luminosa, tem a
capacidade de difundir raios luminosos que permitam a vista dos objetos (o conhecimento das
species intelligibile, do universal).
Descartes diz que o problema gnosiológico não deve partir do objeto, mas do
sujeito. A solução do problema gnosiológico não se encontra fazendo apelo a verdades
exteriores à mente, porque cada verdade exterior poder ser posta em dúvida pela mente.
Assim se deve buscar a verdade em si mesmo: cogito, ergo sum. O estudo gnosiológico inicia-
se com a busca de um método eficaz e seguro. Os métodos possíveis são dois: indutivo e
dedutivo. Este parte dos princípios universais e vai às coisas particulares, aquele parte das
coisas particulares e vai aos princípios universais. Contudo, Descartes diz que somente o
método dedutivo pode conduzir ao avanço do saber e ao descobrimento da verdade. Ele fixa
as regras fundamentais do método:
Locke, em seu Ensaio sobre o intelecto humano faz uma crítica à doutrina cartesiana
das idéias inatas, examina o processo cognitivo, estuda o valor da linguagem e do
conhecimento. Ele diz que a doutrina das idéias inatas contradiz a experiência porque elas não
estão presentes na mente das crianças nem dos selvagens e se as idéias não provêm da
experiência é impossível verificar a veracidade do conhecimento através do confronto com a
experiência. Locke diz que, no momento do nascimento, a alma é uma “tabula rasa” porque
nela não existe nenhuma idéia. O conhecimento humano inicia-se com a experiência sensível:
nhil est in intellectu quod prius non fuerit in sensus. O conhecimento sensitivo apresenta
quatro fases: experiência imediata nas quais se percebem as idéias simples (intuição). As idéias
simples que se referem aos corpos externos advêm da experiência externa e reproduzem as
qualidades primárias e secundárias e aquelas que se referem ao nosso ser são resultados da
experiência interna. As idéias primárias são chamadas percepções e as idéias secundárias são
chamadas reflexões. As idéias simples por combinação formam as idéias complexas que
representam coisas particulares. As idéias complexas forma as idéias abstratas. Essas idéias
não representam a essência das coisas porque a essência é incognoscível. Os conteúdos das
idéias abstratas não são necessários, mas elementos comuns (análise). A justaposição de idéias
comparadas entre si forma relações: idéia de causalidade. As relações não são propriedades
das coisas, são apenas simples idéias da razão (comparação). Ele fala também que as palavras
são “sinais” das ideais e as idéias são sinais das coisas. Os nomes singulares indicam idéias
simples e complexas. Os nomes genéricos indicam ideais abstratas. Então, a mente humana
não pode conhecer as essências das coisas, ma somente conhece a existência das coisas.
Hume afirma que o conhecimento tem como ponto de partida a experiência sensível,
cujo objeto é a representação, não a realidade externa. As representações ou impressões
constituem o dado definitivo do conhecimento humano. Se há qualquer coisa para além das
impressões não é possível afirmá-la. A realidade do mundo sensível se resume às percepções
atuais, impressões sensíveis, cujas cópias são as idéias. A mente passa dos dados fragmentados
a colecionar idéias que se tornam sucessivamente representações das coisas, substâncias,
pessoas. Isso é possível graças às leis associativas da fantasia: associação por semelhança,
contigüidade e causalidade. Quanto à lei da causalidade, ele diz que essa não tem valor
objetivo já que é o resultado da associação de algo que ocorre regularmente antes, a causa, e
daquilo que ocorre regularmente depois, o efeito – o “nexo causal”. Causa é um objeto
precedente e contíguo a outro e assim unido a esse que idéia de um determina a mente a
formar a idéia do outro. A impressão é a idéia mais vivaz. Ao negar o valor objetivo do
princípio de causalidade, Hume exclui a validade das provas da existência de Deus, do mundo e
do eu. O mundo e o eu se fundamentam na “crença” derivada das percepções sensíveis, e a
crença em Deus se baseia em sentimentos privados.
Hegel diz que (...). Um objeto sem sujeito não só é pensável, mas existe. O problema
gnosiológico se torna um falso problema porque não existe uma realidade contraposta ao
pensamento. A realidade é o próprio pensamento. Não existem categorias de coisas, mas
graus de consciência. A única gnosiologia possível é a fenomenologia do espírito. A
identificação entre pensamento e realidade é o resultado de um processo. Nos primeiros
momentos do conhecimento, o espírito tem defronte a si as coisas. Na sensação, vê-se algo, e
na percepção a coisa é colhida como totalidade através da unificação da qualidade. O intelecto
concebe a essência como momento do conhecimento científico que busca as leis necessárias
das coisas. A autoconsciência atinge a afirmação da razão como saber absoluto. A teoria do
conhecimento é um emergir da presença do real infinito da consciência dentro da
configuração sensível da consciência espacial e temporariamente determinada. O método
consiste em colocar-se ao interno da consciência que se oferece diretamente, deixando se
conduzir pela dialética de sua finitude. A tomada de consciência do espírito segue um
procedimento dialético de caráter temário: consciência de si, consciência fora de si e
consciência em si e por si. Na síntese se realiza a sublimação. Ao interno de cada momento
cognitivo se desenvolve uma tríade constituída de tese, antítese e síntese. Conhecer é
conscientizar-se. Ser consiste no ser conhecido. Conhecer é um princípio subsistente. O estudo
da tríade fundamental reconduz a três partes principais do sistema hegeliano: lógica, filosofia
da natureza e filosofia do espírito. A primeira estuda a idéia em si, a segunda estuda a idéia
fora de si e a terceira estuda a idéia em si e por si.
O termo liberdade deriva do latim libertas, a condição do homem que é líber, livre, não
escravo. Esse termo é suscetível de sentidos diversos, de acordo com o âmbito a que se aplica,
significa, em geral, capacidade de ação de acordo com a própria decisão.
Este breve histórico é suficiente para observar que, para a análise da noção de
liberdade, adotam-se ao longo da história duas atitudes: a de contemplar a liberdade como
algo interior à pessoa humana ou a de contemplá-la como algo externo a ela; o que faz da
liberdade um problema metafísico, e que a considera como um problema social, em seu
sentido mais amplo; o que fala de liberdade da vontade, e o que fala da liberdade do homem.
A história da liberdade interna da vontade como problema metafísico, e até religioso, começa
com o cristianismo, com os seus antecedentes estóicos, e chega até as noções “metafísicas” da
metafísica, como o existencialismo – “o homem é condenado a ser livre” (Sartre); enquanto a
história da liberdade externa do homem, como questão social, surge com Hobbes – “a
liberdade do súdito”- e a tradição empirista e chega até aos atuais autores denominados
“compatibilistas”. Entre esta história da liberdade, está a advertência de Hume se esta não se
trata de “uma mera questão de palavras” e a de Kant, com sua antinomia irresolúvel: o homem
da experiência não é livre, o homem que nós podemos pensar, o é.
Distingue-se entre:
- “determinismo duro”, que sustenta que as ações humanas estão submetidas, como
tudo na natureza, à necessidade das leis causais;
A distinção feita pelo filósofo britânico, Isaiah Berlin, em Dois conceitos de liberdade
(1969), entre liberdade do que coage e liberdade para conseguir os objetivos que se desejam,
leva à distinção entre “liberdade negativa” e “liberdade positiva”. Os partidários da primeira
classe de liberdade a concebem em termos de ausência de coerção, neste sentido quem age
sem que seja bloqueado ou dificultado o desempenho para o outro é livre, mas sem que esta
noção de liberdade lhe imponha um modo concreto para agir. Os partidários da segunda classe
de liberdade a concebem como a autonomia do individuo, dono de si mesmo, mas consciente
também dos deveres de racionalidade e moralidade que lhe impõe esta autonomia. Ambas as
concepções se referem ao âmbito político-social.
Na sua origem a palavra livre tem um sentido social. Os livres na Antiguidade eram
aqueles que faziam o que queriam, contrariamente aos escravos que tinha que fazer o que os
outros quisessem. Daí a tendência do significado básico geral de liberdade: ser seu próprio
senhor, seguir suas próprias leis.
Nos pré-socráticos, o livre é o cidadão que não trabalha como um escravo, não é como
prisioneiro e participa na administração pública da polis.
Leibniz objeta com razão que o verdadeiro problema é a liberdade do espírito, não a
de braços e pernas. Por outro lado, é conhecido o papel central que a moral kantiana concede
à liberdade. De fato, a filosofia crítica de Kant é a filosofia da liberdade (primazia da razão
prática). A teoria mostra a relação entre liberdade e valores (a pessoa rasteja passivamente
para o mundo de valores).
Interessante é a visão existencialista, isto é, desde a visão de Kierkegaard até a
absolutização de Sartre. O homem não tem liberdade, é liberdade, é condenado a ser livre. Por
sua liberdade, o homem se “autocria” já que não tem a natureza definida.
b) O escolher entre fazer isto ou aquilo (liberdade da especificação). Ser livre significa
capacidade de eleição.
Determinismos:
3) Psicológico (para Freud, agir é o resultado dos impulsos e das tendências que vêm
do inconsciente);
A natureza humana não pode ser concebida como completa e fechada, é algo que está
se fazendo, um processo. A existência não precede totalmente ao ser. É conseqüentemente
verdade que o homem se cria a si mesmo. É verdade que o esse de seguitur de agere. A ação
emana do ser e é criativo de ser. Para Sartre não é o ser homem, deveria ser feito por sua
liberdade. Ortega e Gasset tinha dito que a existência humana é um “para ser feito”: ser livre
quer ser privado de identidade constitutiva, por não possuir um ser determinado, poder ser
diferente ao que é sido, e por não notar nenhum certo. (Ortega e Gasset, História como o
sistema, in Trabalhos Completos, vol. VI, p.34). O homem autentico totalmente é o homem
livre e maduro, o homem que é possesso e determina as linhas da própria existência, ele não
tem pressão bastante mais externa, mas na base das decisões pessoais e livres. Autenticidade
e responsabilidade. O homem autentico é o homem responsável. A responsabilidade nestas
condições é resposta diante da dor, diante da guerra, diante da pobreza de que foi permitido a
interpelar, de quem pôde superar o nível da relação eu-ele, e de quem entrou em uma relação
de interpessoal. Ao viver na relação dialogal, o homem experimenta o seu ser comunal, tanto
com os homens como com o próprio Deus. Aqui liberdade é liberdade com. A autenticidade é
o homem que é ele mesmo, um homem que não este primeiro chão que nenhum guia.
b) Rámon Lucas Lucas: a opção fundamental é a eleição com a qual cada homem
decide explicitamente ou implicitamente o sentido global que dará a sua vida, o tipo de
homem que quer ser. Uma eleição profunda e livre que orienta e dirige sua existência. O
núcleo mais importante da pessoa humana. Uma eleição que está implícita em toda eleição
particular que a fundamenta.
c) Sante Babolin: nossas eleições manifestam em seu conjunto um estilo de vida, certa
linha de conduta. A opção fundamental seria então a eleição livre que está à base de outras
eleições livres menores, cujo objeto ou bem querido intencionalmente constitui em algum
modo o contexto em que se colocam, mais ou menos, os objetos intencionais ou bens
queridos em outros atos volitivos menores, que dela se seguem e nela se inspiram.
Poderíamos fazer uma analogia com a opção fundamental no que Santo Tomás chama
ordinatio ad debitum finem (I-II, 89, 6). Refletindo sobre isto, podemos ver como a opção
fundamental é uma eleição de conjunto do sujeito a respeito de toda a realidade: não é só a
eleição entre o bem e o mal.
d) j. Luiz González Alvarez (Ética Latino-americana, USTA, 1988, PP. 167-169). Entre
todos os objetivos particulares que pretendemos ao longo da vida se encontram determinadas
opções de valor que constituem sua justificação. Trata-se de uma opção que brota do mais
profundo de nossa personalidade e marca o ideal supremo de nossas vidas. A opção
fundamental coroa e define toda a existência. Carecer de opção fundamental equivale a viver
sem projeção definida, sem sentido, à deriva. Por ser esta opção uma decisão de toda a
pessoa, só pode dar-se na juventude, sem dúvida, se gesta desde os primeiros anos da
infância. Uma vida humana responsável se articula sobre uma opção fundamental explicita.
Todos os meus atos como pessoa e todas as minhas atitudes têm plenos sentidos quando
estão orientados para um fim determinado. Os próprios erros e inclusive as debilidades de
cada dia ficam absorvidos nessa boa intenção fundamental que motiva meu existir.
Quanto à relação da liberdade humana com a providência divina, Santo Tomás diz que
a causalidade, concurso ou providência divina não elimina a liberdade humana, já que na ação
livre do homem se conserva o primado de Deus enquanto causa principal e Deus pode
influenciar sobre a vontade livre do homem sem constrangê-la. Deus opera sempre como
causa primeira, mas não faz violência à liberdade humana. Ele intervém no agir do homem
salvaguardando as estruturas do seu ser. A vontade tem o domínio do próprio ato, porém, não
com a e exclusão da Causa Primeira, visto que esta não age na vontade em modo determiná-la
necessariamente a uma só coisa como determina a natureza. Então, a determinação do ato é
deixada ao poder da razão e da vontade. Deus, porém, pode intervir no agir humano com um
concurso extraordinário e gratuitamente sem constranger a vontade humana, mas
potenciando-a ao objeto.
TEMA X – NATUREZA E CULTURA
Do ponto de vista social, cultura indica hoje o conjunto dos aspectos intelectuais,
morais, materiais, dos sistemas de valores, dos modos de vida, que caracterizam uma
civilização (cultura grego-latina, cultura ocidental).
Portanto, o primeiro e mais antigo significado do termo cultura indica, segundo Enrico
Chiavacci “a atividade com a qual o homem colit seipsum para ascender à plenitude da sua
humanidade; com essa o homem desenvolve a si mesmo nas próprias capacidades
especificamente humanas, por forte componente espiritual e se realiza como pessoa, pondo-se
assim como elemento de novidade e de originalidade (autonomia) nos confrontos do seu
próximo”. Vinculado predominantemente ao empenho do individuo para institui-ser, formar-
se e inserir-se no próprio ambiente social, este conceito de cultura inclui e põe em primeiro
plano uma conotação:
Franz Boas diz (1938) que “a simples enumeração destes vários aspectos da vida não
constituem a cultura. Essa é muito mais, porque os seus elementos não são interdependentes,
t6em uma estrutura”.
c) Passivo, porque tais formas do viver humano, recebidas e transmitidas pelo grupo,
são sofridas pelo indivíduo, no sentido que, em certa medida, estas se impõem
como formação coletiva e anônima.
2. O controle do fogo;
3. A agregação social;
4. A comunicação e a linguagem;
5. O intelecto e as crenças;
6. A arte;
7. A filosofia;
8. A imaginação e a tecnologia.
Melville J. Herdkovits diz que “se seguem às relações que fazem destaque a um objeto,
a um costume, a uma instituição, até alcançar às suas conexões últimas com a cultura da qual
fazem parte, nesta descrição virão compreendidos todos, ou quase todos, os elementos
daquela cultura (...). Estas categorias (os elementos constitutivos fundamentais da cultura)
diferem principalmente pelo seu grau de inclusão ou pelo seu grau de precisão com o qual se
separam os universais da cultura. A série de categorias empregadas na nossa análise move
daquelas partes da cultura que respondem às necessidades físicas do homem, passando por
aquelas que governam as relações sociais e pelas instituições que explicam o universo e que
regulam a conduta individual, para alcançar àquelas que procuram satisfações criativas de
ordem estética. O “esquema de cultura” que emerge desta impostação é o seguinte: a cultura
material e as formas de organização (tecnologia, economia); as instituições sociais
(organização social, educação, estruturas políticas); o homem e o universo (sistemas de
crenças, controles do poder); o domínio estético (artes gráficas e plásticas, folclore, música,
teatro e dança); a linguagem”.
b) Fazer: é a ação humana que tem por fim principal aquele de produzir, de dominar
e de organizar uma matéria exterior; é o domínio da técnica; tem o seu objetivo e
o seu valor na eficácia;
c) Agir: é a ação humana que visa formar aquele que age, a modelar o
comportamento em um contexto de formas do viver em comum e socialmente
integradas (normas sociais);
a) Língua;
b) A técnica;
c) As normas sociais;
d) Os valores
e) A religião.
Esses fatores são correlatos entre si e constituem uma estrutura, entendida como um
todo orgânico formado de elementos sólidos que cada um depende dos outros e não pode ser
plenamente compreensível se não através da recíproca relação.
b) A cultura é social – a cultura se qualifica como fenômeno social, seja porque tudo
aquilo que o homem cria vem herdado através das relações e dos
condicionamentos sociais, seja porque os hábitos de ordem cultural são hábitos de
grupo, isto é, são comuns aos seres humanos que vivem em grupos organizados ou
sociedade e são mantidos relativamente uniformes pela pressão social.
Naturalmente existe uma causalidade circular nas relações existentes entre a
cultura e os indivíduos que fazem parte dela. Cada homem é filho da própria
cultura. “São os indivíduos que produzem ou dão vida a uma cultura, em parte
perpetuando e em parte modificando uma forma de cultura existente que lhe
permanecem aquilo que são. A cultura mais ou menos alterada que esses
produzem, por sua vez, influencia grandemente o conteúdo das personalidades
que derivam; e o processo prossegue assim no tempo”. O homem é gerador da
própria cultura. A cultura é o instrumento mediante o qual os seres humanos se
adaptam ao seu contexto complexo, essa não deve nunca ser considerada como
algo que reduz o indivíduo a uma condição de passividade ou de inércia neste
processo uma vez que o processo de adaptação é circular e sem fim, pois o
processo é a interação entre o individuo e o seu grupo, sobre a base de sua
inculturação aos modelos preexistentes do grupo. Essa adaptação é prosseguida
pela criatividade que lhe permite de exercitar vários modos de expressão de si
mesmo e de estender-se à sua cultura sem infringir as orientações fundamentais
do grupo. Kroeber sustenta que determinados eventos não podem ser verficados
se não existem, na cultura dos que são protagonistas ou atores, as causas ou as
bases para o seu atuar-se. Isto não significa que em cada raça não existam
indivíduos particularmente dotados de inteligência, mas o verificar-se de eventos,
de invenções e de expressões criativas é em relação ao ambiente cultural no qual
vive o homem que a tais manifestações deu vida e no qual as próprias
manifestações devem ser usadas.
a) Toda cultura tende ao universal, porque cada cultura singular é uma realização
mais ou menos proveniente da cultura, é um dos modos possíveis, nunca
exaustivos, de concretizar a natureza humana;
Então, já o mais elementar senso comum adverte que há qualquer relação entre
natureza e cultura, tendo como óbvia que a natureza (física), revestida de um pouco de
“cultura” (a ação coordenadora do homem), cria determinada civilidade ou que a natureza
humana, revestida de um pouco de cultura (o progresso nos conhecimentos e nas técnicas)
traz certa humanização.
O significado do termo “natureza” é polivalente como o termo cultura. Lalande diz que
“não é possível dispor em uma série linear, do ponto de vista semântico, os sentidos da palavra
‘natureza’. Esses parecem ser formados para estender-se em diversas direções em torna a uma
idéia primitiva, que será sem duvida aquela do desenvolvimento espontâneo dos seres vivos
segundo um tipo determinado (physis). Ocorre, entretanto, notar que, no fim da antiguidade,
esta palavra apresenta toda uma variedade de significados que conservou nos modernos; e
que, no entanto, a maior parte dos escritores a usa em todas as suas acepções. Não é raro
encontrá-la com dois sentidos diferentes em qualquer distancia e talvez na própria frase”.
b) Que tal essência, tais fundamentos e tais leis são objetivamente cognoscíveis,
assumindo um caráter normativo para o comportamento humano.
Ora, o cristianismo não pode aceitar logicamente a idéia grega de natureza como
ordem e concatenação eterna existente em si, mas baseando-se no conceito bíblico de criação,
afirma que a natureza é feita por Deus. De uma parte esta relação criatural revela os limites da
natureza (dessacralizando-a e laicizando-a) e de outra parte fundamenta o valor e a teleologia,
os quais provêm de Deus, são indissoluvelmente vinculados à sua existência. Segundo Santo
Tomás, que concentra a sua atenção sobre o momento da criação, “a natureza significa (...) a
cognoscibilidade e a definibilidade das coisas, realizar o seu desígnio eterno concebido por
Deus na sua mente e realizado depois do ato da criação”. Existe inserida em todas as criaturas
uma lex naturalis (participatio legis aeternae in rationali creatura) que vem conhecida pelo
homem não claramente (não é notada por todos com evidencia), mas em modo característico:
“Omnia illa ad quae homo habet naturam inclinationem, ratio naturaliter apprehendit ut bona,
et per consequens ut poere prosequenda, et contraria eroum ut mala et vitanda”. Comenta
Berti: “O homem tem esta forma de conhecimento por conaturalidade (...), ou por inclinação.
Havendo dentro de si certa inclinação, ele de alguma forma vem a conhecer a lei da qual esta
declinação deriva, mas não possui um conhecimento pleno, perfeito, mas sempre um
conhecimento suscetível de aprofundamento”. Esta concepção tomista da natureza é bem
diversa daquela preferida pelo jusnaturalismo moderno ou por aqueles que a reduz ao puro
dado biológico, instintivo (própria dos seres inferiores, que têm somente uma natureza
corporalis). Para o homem, porém, que tem uma natureza rationalis, as inclinações da
natureza são as indicações da razão. “Isto que diferencia a natureza mais genuína, a natureza
constitutiva do homem, não é isto que é comum aos outros animais, o gênero, mas a diferença
específica, a racionalidade. Por isso, na racionalidade está presente de alguma forma a noção
de lei natural como participação à lei eterna”.
Com a reviravolta realizada por Galileu (1642) se divulga uma nova imagem da
natureza, que constituirá o pressuposto filosófico indiscutido pela ciência moderna: de uma
concepção qualitativa se passa a uma concepção quantitativa. A natureza é concebida como
uma grande máquina criada por um Deus que funciona segundo as leis matemáticas. Através
da observação dos fenômenos, guiada pelo método experimental, o homem pode aprender a
ler a natureza escrita em língua matemática, redescobrindo os cálculos do Criador e esperando
conseguir sobre esta natureza um domínio prático-técnico em oposição a uma longa tradição
fechada em um saber essencialista e abstrato. Interessando-se não mais do “que coisa” é a
natureza, mas “como essa opera”, não mais do “por que” um fenômeno se verifica, mas “quais
relações matemáticas” regulam o comportamento. Galileu não sustenta que a ciência
substitua a filosofia ou que a ciência seja o único tipo de saber e nem tenta construir sobre a
sua ciência uma nova metafísica. Todavia, se com o seu método colhia com certeza um aspecto
da realidade (aspecto quantitativo), deixava, porém, inevitavelmente fora toda uma série de
fenômenos qualitativos abordáveis pelo nosso conhecimento se bem que não compreensíveis
pela razão matemática; exprimindo depois certa propensão a um conhecimento mecanicista
da natureza, progressivamente desacostumará o homem a colher os traços e mensagens de
um plano divino inscrito na natureza.
Outra conseqüência: um reconhecer que se atua como síntese a priori entre um dado
experimental das inalienáveis necessidades justificantes não poderá revelar o noumeno (a
coisa em si) prescindindo do ato cognoscitivo e da natureza se dará uma definição puramente
fenomênica. Para Kant, o acesso à realidade, ao mundo noumenico, é mediado pela razão na
sua função prática (esfera da moralidade), onde a liberdade do homem é postulada como
condição do imperativo categórico. Daqui a oposição entre natureza e liberdade. Então, no
contexto do dualismo espiritualista de Descartes e de Kant, a cultura assume uma dupla face:
de uma parte significa o domínio da natureza e de outra parte, significa a cultura do espírito
como afirmação da própria liberdade. Sem que estes dois aspectos sejam organicamente
unificados, são como se fossem equivalentes. Assim a liberdade do homem se afirma como
uma refutação a receber da natureza as indicações normativas. O que se compreende se a
natureza fosse a natureza mecânica do cartesianismo ou a natureza fenomênica.
A relação entre natureza e cultura foi um tema de grande especulação no Século das
Luzes, embora se falasse mais de civilidade que de cultura. Na proclamada oposição entre o
selvagem e o civilizado, por Rousseau (1778) o confronto se resolvia em detrimento deste
ultimo. Na origem da humanidade se imaginava um hipotético “estado de natureza”, em que o
homem obedecendo somente às ordens da própria natureza havia conduzido uma vida de
simplicidade e de virtude. O desenvolvimento das ciências e das artes, geradoras do luxo,
trouxe os vícios com o seu cortejo de males. Embora, a reação rousseauna seja principalmente
uma reação contra a sociedade urbana, essa implica a idéia da bondade natural do homem,
identificando-a com o natural e espontâneo. Esta convicção está vinculada à infalibilidade da
consciência moral, percebida como faculdade diferente da razão. Diz Cottier: “Escutando a
própria consciência, seguindo os sentimentos do próprio coração, anteriores às argumentações
dos filósofos, o homem escuta a voz da natureza e do Criador. Em tal perspectiva a exigência
de sinceridade se substitui inevitavelmente por aquela verdade. Assim um conflito latente
sinaliza a relação entre a natureza e cultura, enquanto o desenvolvimento das obras da razão,
marcadas por uma crescente artificialidade, é um desvio daquilo que é original e há valor
normativo. O homem deve continuamente operar um retorno contra a corrente, verso à
própria natureza primitiva e originária. A artificialidade é portadora de inautenticidade e de
mentiras”. Na visão de Rousseau, a natureza não se reduz à simples natureza física; essa
designa a natureza humana acolhida na sua espontaneidade nativa, sempre boa e, como tal,
em consonância com a Natureza, única norma da exist6encia. Segundo esta concepção
naturalista do homem, a cultura tem um sentido ambivalente: enquanto a artificialidade
constitui uma ruptura com a natureza original, a verdadeira educação (que é propriamente
uma obra de cultura) consiste no reencontrar esta natureza originária para conformar-se.
Na teoria de Freud (1939) a ruptura entre natureza e cultura tem um marco mais
incisivo. O ensaio freudiano O mal estar da civilização (1929), mais que uma explicação da crise
contemporânea pretende explicar a fragilidade constitutiva de cada cultura. A cultura se
fundamenta, segundo Freud, sobre um processo de repressão, o qual se verifica no contexto
do complexo de Édipo, ao início da vida de todo ser humano: a condição da entrada em
sociedade de uma criança é a desfeita da própria criança, porque a sua tendência à satisfação
ilimitada dos desejos se reprime com a rivalidade do pai onipotente. Tudo isso é expresso por
Freud sustentando que o princípio do prazer, o qual é primário, deve confrontar-se com o
princípio da realidade, representado pelo pai. Tal comprometimento é benéfico (enquanto é a
condição da vida social e da cultura), não impede que a sociedade e os seus valores sejam
realizáveis unicamente graças à repressão das pulsões primordiais do individuo. A cultura, que
para Freud é inegavelmente um lucro, todavia é sempre mortificante; é continuamente
ameaçada. Também a estruturação do individuo que interioriza em si os tabus sociais é o
resultado de comprometimento entre os instintos primordiais e selvagens daquele individuo e
a sociedade da qual procede. Se a natureza é tomada no sentido de espontaneidade, existirá
um conflito latente entre natureza e cultura.
Deste modo o homem, não pela sua capacidade reprodutiva, mas pela sua faculdade
inventiva, entra em contato com um mundo que não é simplesmente dado, mas é produto de
sua atividade simbólica. “O homem não pode jamais se subtrair às condições de existências
que ele mesmo criou, ele deve conformar-se a essas. Não vive mais em um universo somente
físico, mas em um universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião fazem parte
deste universo que constituem a trama da experiência humana. Todo progresso no campo do
pensamento reforça esta rede. O homem não se encontra mais diretamente defronte à
realidade, por assim dizer, ele não pode jamais vê-la face a face. A realidade física parece
retroceder já que a atividade simbólica do homem avança. Em vez de ter o que fazer com as
próprias coisas, em certo modo, o homem está continuamente em colóquio consigo mesmo”.
Interpretando a tese hegeliana segundo a qual a filosofia não é outra coisa que a
tentativa de se tornar consciente da cultura como horizonte que sempre acompanha o
homem, Donadio revela que não só o sujeito não é nuca puramente individual enquanto nasce
já na universalidade de uma linguagem, de um código de significados que lhe antecedem (ao
homem é consentido tornar-se homem só entre homens); mas de fato, ele não se limita a
assumir passivamente o mundo da cultura assim como se lhe dá, porque o reinventa de novos
significados e de novas formas e projetos. E retoma Merleau-Ponty: “Os objetos de uso do
homem e os seus projetos culturais não seriam aquilo que são se a atividade que os faz emergir
não houvesse por sua vez como próprio sentido a sua negação e a sua superação”. A cultura é
a indiscutível mediação da natureza humana. Mas é necessário acrescentar que a cultura deve
ser interpretada dinamicamente, não nos encontramos defronte a um fixismo nem a um
determinismo sem saída. “Se todos os seres orgânicos visam à estabilidade do ambiente que o
circunda, toda a sua mutabilidade não é que aspiração a conservar-se sem mutações de um
modo móvel a respeito de seus interesses; para o homem, porém a modalidade do ambiente é
a condição normal de existir, é a norma para ele, a vida em condições que mudam, o variar do
modo de viver. Do ponto de vista da natureza, não é casual que o homem intervenha como
destruidor. Se não que é próprio a cultura, na sua acepção ampla do termo, a distinguir a
sociedade humana daquelas não humanas. Por conseguinte, o dinamismo não é para a cultura
uma propriedade exterior imposta por um nexo de derivação com causas estranhas à sua
estrutura interna, mas uma propriedade ineliminável”. Tarefa do homem, portanto, não é
tanto aquela de passar do individual ao universal, mas aquela de vivificar com a própria
iniciativa esta universalidade. Existe no homem a exigência de uma constante renovação de
tornar-se outro permanecendo si mesmo.
Mais projeto por realizar que não atuação cumprida de uma essência imutável, o
homem deverá dar-se as determinações com as quais completará a própria humanidade
segundo a sua relação constitutiva ao absoluto, à sua índole social e à sua vocação de gerencia
do universo sensível. Fazer nascer o homem plenamente homem é obra de toda a vida de um
ser humano. “O homem deve tornar-se aquilo que é, porque não é dado tudo de um golpe, do
começo ao fim, na perfeição do seu ser. É óbvio que não se trata somente da lei do
desenvolvimento próprio de todos os viventes existentes no tempo. O homem de realizar-se,
deve construir a sua pessoa; e esta necessidade, inscrita na sua natureza, é também uma
necessidade ética. Não é lógico, porém, proclamar que o homem deve se tornar plenamente a
si próprio aperfeiçoando as tendências inscritas na sua natureza, sem justificar uma
“mensagem axiológica” da própria da natureza. Então, reconhecer nas inclinações
fundamentais da natureza humana uma expressão da vontade do Criador, perceber que as
criaturas são portadoras de um significado sobre a intenção criadora de Deus, não é cair no
naturalismo, no sentido de um abandono do homem ao determinismo da natureza física e das
suas leis. Quem, ao contrário, opõe natureza e liberdade entende a natureza no sentido
unívoco de natureza física, a qual por definição compreende o espírito (liberdade), por não
estar em condição de notificar a tal espírito (posto como o “outro” da natureza) das regras às
quais se referem. O espírito deverá encontra as regras das suas opções em total autonomia,
independentemente de uma natureza a esse estranha. Mas esta é uma concepção dualista que
põe dificuldade sobre a relação entre natureza e cultura.
Diz Cottier que “próprio enquanto a natureza humana é irredutível à natureza dos
seres puramente físicos, e porque, ao oposto do postulado dualista, o corpo humano é um
componente essencial do ser humano, tal corpo é ao homem portador de indicações do projeto
do Criador. Certamente o corpo humano possui em comum com os outros corpos do universo a
corporeidade e a este título faz parte – como o composto humano, sempre mediante o corpo –
do cosmo ao material. Esta pertença, todavia, não pode fundar qualquer reducionismo. Este
corpo enquanto é parte integrante do composto humano e enquanto a sua forma é espiritual,
participa à dignidade do espírito que transcende toda a ordem do universo material; esse
notifica ao espírito, enquanto é seu corpo, das exigências de natureza propriamente ética. Aqui
está em causa a unidade do homem, unidade substancial de corpo e espírito”.
Esta posição, que reconhece no homem um “ser cultural” por natureza, se encontra
nitidamente oposta àquela forma típica do pensamento ocidental sucessivo a Galileu e
redutível aos dois axiomas formulados por Luigi Lombardi Vallauri nos seguintes termos:
mensuro, ergo possum (o axioma do cientificismo tecnológico) e volo, ergo sum (o axioma do
subjetivismo absoluto). Para o cientificismo tecnológico, o ser objeto de verdadeiro
conhecimento é o ser mensurável, produtível e repordutível, equivalente praticamente à soma
de matéria mais energia mais informação. “O cientificismo tecnológico elimina do mundo tudo
aquilo que é essência, significado, norma, portanto, elimina radicalmente a natureza
normativa, porque um mundo que é uma mina de material e uma reserva de energia onde a
informação é uma escritura casual que pode ser reescrita não contém obviamente nada
normativo. O cientificismo tecnológico é depois uma empresa de transformação da natureza
mensurável em utilidade para o homem; diversamente do platonismo, que utilizava o
conhecimento matemático para ascensões contemplativas, aqui a matemática é empregada
com um objetivo prático, que por sua vez é atingido pela organização industrial da produção. O
moderno como cientificismo tecnológico se ressume na idéia da manipulação integral do ser;
ora alguma coisa de integralmente manipulável não é jamais uma natureza normativa, é uma
matéria plástica, é algo ao qual eu posso conceder a forma que quero. Não existem mais
essências normativas, existem só formas contingentes, compreendida também a forma
humana; destas formas se pode fazer aquilo que se quer, e nesta linha, se chega
inevitavelmente aos dois extremos de autotransformação fisicalista do homem, do corpo e da
mente, que são a biotecnologia e a inteligência artificial”.
Para o subjetivismo absoluto o homem não tem mais essência normativa, mas ele é
aquilo que tem vontade de ser ou a própria vontade de ser. “Não existe em mim nada de pré-
dado que eu deva respeitar; tudo aquilo que se encontra em mim sendo disponível científico-
tecnológicamente é disponível também moralmente. Um exemplo típico é a sexualidade: o
corpo sexuado, nesta perspectiva, torna-se uma matéria que contém uma energia preciosa, a
volúpia, energia que pode ser extraída do corpo com todos os meios, aqueles da crueldade
como aqueles da ternura; não existe nada na estrutura do sexo que exija um particular
respeito; o e desfazimento subjetivo abole a estrutura, então, o lugar típico do conceito de
natureza, que era a ordem sexual, vem a ser completamente envolvida e exposta a todas as
manipulações eróticas inimagináveis, nenhuma das quais será jamais nem segundo, nem
contra a natureza”.
Aristóteles afirma que o nosso intelecto, antes de conhecer, é como uma “tabula rasa”
na qual são impresso os caracteres procedentes dos dados das experiências sensíveis. Mas
adverte que há uma desproporção entre o conteúdo da experiência e o intelecto. Como algo
corpóreo pode produzir um conhecimento de natureza intelectiva? Para explicá-lo Aristóteles
admite a existência de uma luz intelectiva destinada a iluminar a imagem dos entes corpóreos
presentes na alma (phantasma), da mesma forma que nós temos necessidade de luz para ver
um objeto.
Esta iluminação procede do intelecto agente ou possível (nous poietikós) o que faz é
“abstrair” a natureza universal e inteligível presente em cada ente prescindindo da coisa
material e singular. Então, “abstrair” significa “generalizar” (universalizar), omitindo os
aspectos particulares. Mas o intelecto agente não conhece nada sem o concurso do intelecto
paciente (nous petheitikós). A alma não chega a nenhuma intelecção sem os fantasmas das
coisas. Deste modo, está claro que a “abstração” não é um conhecimento, mas a condição do
conhecimento.
Tanto por parte do objeto (inteligível) como do sujeito (inteligente). Para Aristóteles, o
“ente” é um conceito universal. Como se obtém? Aristóteles se situa inicialmente no universo
da experiência sensível. Como já vimos, essa é o ponto de partida do nosso conhecimento. E
nela estão alojados também os primeiros objetos do conhecimento intelectual. Entre a
experiência sensível que versa sobre o particular e o conhecimento intelectual, cujo objeto é o
universal, eles acontecem em diferentes graus. A elevação das impressões sensíveis ao grau de
universalidade requerido pela ciência se verifica graças ao processo que Aristóteles chama
indução (epagogué).
Quando o pensamento busca elucidar a idéia do ser se encontra logo com uma
dificuldade particular: eu não posso abstrair a idéia do ser como abstraio, por exemplo, a de
vida, de inteligência, ou das diferentes espécies vegetais, minerais ou animais. Em todas estas
noções posso formar uma noção distinta porque posso separá-las das outras e especificá-las
perfeitamente (cf. “animal racional, cada conceito inclui um setor bem definido).
Quando se trata do ser não posso proceder dessa mesma forma. Em sentido estrito eu
não posso obter a idéia do ser partindo dos seres, por via de abstração formal, da mesma
maneira como procedo em uma realidade complexa, por exemplo: mesa de madeira branca.
Neste caso eu compreendo a noção de “mesa”, que exclui de sua compreensão as
determinações de “madeira” e de “branco”. Recordemos que a “idéia abstrata prescinde das
notas individuantes”. Então, a abstração de que temos falado aqui é de tipo especial. Chamá-
la-emos “abstração metafísica”. Poder-se-ia dizer que a sua característica própria é apreender
o ser nos seres como “o que não pode ser abstraído”, como o que o que é imanente a toda as
suas determinações, mas sem confundir-se com nenhuma delas.
5.1. A fórmula ente enquanto ente não é reduplicativa em sentido “tautológico”, visto
que se pretende nela sublinhar a consideração formal do ente (lembrar-se do objeto material e
formal, “quo” e “quod” da metafísica). Esta fórmula significa que:
Existem muitos entes diferentes entre si. Mas cada um deles em sua particularidade e
concretude é uma realidade. Os entes particulares são reais. Em suma, poderíamos mostrar
que na concepção aristotélica do ente, o primeiro passo consiste na afirmação das substâncias
concretas individuais como expressões da entidade. O ente se inscreve – para Aristóteles – no
âmbito da substancialidade (da subsistência). Um segundo momento da analise nos faz deter
sobre o “ato” como expressão da substancialidade. Ser ente é, então, ser em ato ou ser um
ato. Na terceira fase leva a “atualidade” ao âmbito da “forma”, que é mais restrito. E o ente
fica definitivamente identificado com a “essência”. Para cada ente a forma (imanente) é, pois,
a última raiz de sua substancialidade.
1) Seguindo Aristóteles, Santo Tomás sustenta que o ente, propriamente dito, tem
de ser localizado no âmbito da substância. Assim, afirma que a “forma” é o
principio do ser, causa do ser (causalidade formal). Sem a forma não há
substância; sem a substância nenhuma coisa pode existir. A forma causa o ser
porque é causa constitutiva da substância, única capaz de existir.
4.1. Na filosofia tradicional, “transcendente” significa uma noção que se aplica a todas
as coisas, não só uma determinada classe, gênero ou espécie, senão que “transcende” a todas
e as penetra totalmente. Neste sentido, o ser é transcendente e é necessariamente tal porque
fora do ser só está o não-ser, o “nada”.
Na filosofia moderna, transcendente se diz do que está alem de nossa experiência.
Neste sentido, Deus e o espírito são transcendentes porque nós não os experimentamos, mas
os conhecemos só indiretamente mediante um argumento. Não é desta transcendência de que
falamos agora.
Por outro lado, “ser” não se aplica univocamente, mas analogicamente, seja analogia
de atribuição ou de proporcionalidade própria.
Partindo da realidade se afirma que as coisas “são”, e não-ser absoluto seria o nada, o
nada é ininteligível. O importante também é a convertibilidade do ser com as suas
propriedades transcendentais (unidade, verdade, bondade, beleza) a qual permite enunciar os
primeiros princípios da metafísica. A transcendentalidade da idéia do ente nos leva também a
considerar a noção da analogia, não sendo o ser um termo unívoco nem equivoco. A analogia
ocupa um lugar de intermédio entre a “univocidade” (aplicação da mesma palavra a sujeitos
distintos, porém com o mesmo significado) e a “equivocidade” (aplicação da mesma palavra a
sujeitos distintos com significados totalmente diferentes). Por isso se chamam significados
semelhantes (ou análogos) aqueles que coincidem em algo, não em tudo, e também diferem
em algo, não em tudo.
1. A Idéia de ente
Para alguns filósofos, o problema da possível distinção entre o ser e o ente não é tão
fácil quando se desprende destas considerações terminológicas. Do ponto de vista lingüístico,
é necessário saber que os significados de ser e ente dependem em parte do modo como são
aplicados Ester termos. Não é a mesma coisa dizer “um ente” e dizer “o ente”; não é a mesma
coisa usar “ser” como cópula de um juízo que dizer “o ser”. Devido a estas e outras
dificuldades foi discutido às vezes que a distinção entre ser e ente, pelo menos dentro da
ontologia clássica, é ponto nada menos que artificial ou todo caso insignificante. Os gregos
usaram deste modo, a expressão que foi traduzida para o latim quid est ens e que em
português é “que é o ente”, ou “que é o ser”. Alguns autores insistem em que perguntar pelo
ente e perguntar pelo ser não sema a mesma coisa; o ente é que é, enquanto o ser é o ato de
que todo ente determinado é.
Se o conceito de ente e de ser são a mesma coisa, o que se diz do último vale para o
primeiro. Mas se eles não são exatamente a mesma coisa, é necessário ver que foram
apresentadas distinções ao logo da história.
A palavra latina ens era usada por Quintiliano em Instituciones Oratoriae (VIII, iii, 33).
Muitas palavras novas foram formadas com a ajuda do grego, principalmente por Sérgio
Flávio; algumas delas como ens e essentia, consideradas como “duras”. Quintiliano também
usou o “entia” (plural) como tradução de (Ibd., II, XIV, 2). Nem todas as traduções do
grego são próprias, como não é o intento de pôr vocábulos latinos em forma grega. E esta
translação não é menos dura que a de essentia e entia. O pragmático Prisciano de Cesaréia
afirmou que César utilizou a forma ens. Enquanto os escolásticos latinos e reitores consideram
tal uso um tanto duro (“bárbaro”), ens e entia circularam durante o tempo escolástico como
termos técnicos indispensáveis.
Especialmente no século XVIII se discutiu o que é o ens como o que é, ou, ser que é,
como Para a pergunta quid est ens, correspondente ao respondeu-se que ens est
quod primus intellectus concipit e que illud quod primo cadit sub apprehensione est ens. Nada
se pode dizer do que é ao menos que ao dizer já se encontre situado dentro da primeira e
prévia apreensão do ente. Tomás estudou o ser como ser em sua essência, como o que é
(enquanto é). O ente é o mais comum enquanto sujeito de apreensão. Ao mesmo tempo, é
algo que transcende tudo o que é. Não pode ser definido por nenhum modo especial de ser –
por nenhum ser tal ou qual – e é por isso, um transcendental e como os transcendentais,
convertível em o uno, a coisa, o algo, o verdadeiro e o belo. Foi dito que, além de ser um
transcendental, o ente é um super-transcendental; como transcendental é o que é enquanto
relativo ao real e como um super-transcendental é o que é enquanto relativo não só ao ente
real, mas também ao ente de razão. Até o presente, se considera o conceito de ente enquanto
“o que é”.
Os escolásticos trataram com detalhe a questão do ente. Uma série de problemas foi
pleiteada. Se a noção de ente é comum, o ente é tudo o que é como tal. Por outro lado, se o
ente é real em sua realidade, o ente pode ser aquilo que sustenta ontologicamente todos os
entes. Finalmente, se o ente é tudo o que é ou pode ser, haverá de se especificar os modos
diferentes que se diz de algo que é ente. Por exemplo, o ente pode ser dividido em ente real e
de razão, em ente potencial e ente atual, e este último em essência e existência. Também se
pode estudar de que modo é possível falar do ente: análogo, unívoco, equivocamente. Pode-se
também estudar o ente como objeto material, como objeto formal quod e côo objeto formal
quo. No primeiro caso se trata do ente enquanto ente; no segundo, da ratio do ente; no
terceiro, de um grau altíssimo e extremamente abstrato da materialidade. A doutrina
escolástica do ente culmina possivelmente em Suarez. Ele concebe o ente não só como o que
é, “mas como a condição ou condições que torna possível e inteligível todo ser”.
Com as posições de Suarez, foi afirmado que a doutrina do ente terminou em um puro
formalismo. Mas seria necessário ver até que ponto é certo. Por outro lado, o formalismo
aparece claramente em Wolf, enquanto o ente é definido como tudo aquilo ao qual não
repugna a existência. Nos escolásticos e em Wolf nós encontramos uma mistura complexa de
razões metafísicas com as ontológicas.
Heidegger declarou que a questão do ser e a do ente não são iguais: a primeira é
ontológica, a segunda ôntica. Porque ele supõe que a clássica questão pelo ens ocultou a
pergunta mais originária, a do esse. Segundo Nicolai Hartman, o ser e o ente se distinguem do
mesmo modo como a verdade se distingue do verdadeiro, a realidade do real. O ens, em
sentido tradicional é o objeto da Metafísica, enquanto ser é que o é objeto da
Ontologia. Certo é que é “praticamente impossível se referi ao ser sem investigar o ente”.
c) O conceito de ser terá então um alcance mais geral que o conceito de ente, mas
sua generalidade não significará que há algo que seja o “ser”; para que haja o ser
de algo é necessário que haja algo – real, ideal, atual, possível, etc. – que significa
dizer que é em neste ou naquele modo fundamental (ontológico).
2. A idéia de “ser”
O conceito de ser, que ocupou o lugar central no pensamento de muitos filósofos, tem
aspectos muito diferentes, entre outras razoes pelos modos como se te expressado
linguisticamente. Alguns falam de “ser”, outros de “o ser” (“o Ser”), outros de “é”. Grande
parte das análises e especulações em torno do (conceito) ser, desde a Grécia gira em torno de
usos de “ser” e “é”. Em grego, é o infinitivo do verbo esse, é traduzido em português
“ser”. Os gregos usaram também a substantivação verbal (literalmente “o ser”, “o que
é”) freqüentemente traduzida em português por “ser” ou o “ser”.
A noção de ser pode ser estudada mediante o contraste com outras noções. Nós
sublinhamos “contraste”, porque nós buscamos enfrentar a noção de ser com outras e não
simplesmente distingui-la de outras.
O contraste entre o ser e o nada às vezes foi interpretado sobre o contraste entre o ser
e o não-ser. Em tal caso, um é simplesmente a negação do outro. Outras vezes, o nada foi
compreendido como fundamento do ser, razão pela qual a oposição de negação não resulta
tão patente. A primeira destas teorias tem um sentido lógico e é equivalente aos contrastes
entre a afirmação e a negação; a segunda teoria é metafísica e ser está entre outros conceitos,
como o da liberdade e do fundamento.
O contraste entre o ser e o movimento tem lugar quando este último é concebido
como envoltura, e até uma aparência do ser. O contraste, as vezes, desaparece pela
declaração que o movimento é o ser, em tal caso, se origina uma concepção análoga ao
contraste entre o ser e a aparência.
O contraste entre o ser e o valor pode ser real – quando se concebem os valores como
entes que fundamentalmente não são -, ou pode ser somente conceitual – quando ser e valor
são estimados como pontos de vistas diferentes sobre uma mesma realidade. O primeiro é
próprio de muitas filosofias modernas do valor, o segundo, de muitas filosofias tradicionais
baseadas na noção dos transcendentais.
O contraste entre o ser e o dever equivale ao contraste entre a realidade efetiva e a
realidade que deveria existir segundo certas normas dadas de antemão. Como estas normas
são freqüentemente de caráter moral, trata-se que implica uma separação entre o reino físico
e o reino moral.
Por outro lado, subsiste quando se sustenta que o sentido surge em alguma dimensão
do ser. Ainda assim se pode conceber ente emergente como a conseqüência de uma prévia
potencialidade. Propriamente falando, só neste ultimo caso se pode falar com todo rigor de
um contraste entre o ser e o sentido.
3. Filosofia e Metafísica
A metafísica é a filosofia entendida em seu sentido mais estrito, posto que estuda a
realidade buscando suas causas últimas de um modo absoluto: deseja perguntar-se pelo mais
íntimo de toda a realidade, pelo seu ser, estudando quais são as causas que explicam em
último termo o ser e os diferentes modos de ser dos entes.
A metafísica estuda toda a realidade, porque todo o real tem ser: não é limitado a
algum tipo de ente, como as outras partes da filosofia e as ciências particulares. Então, o
objeto material da metafísica é toda a realidade. Como estuda a realidade do ponto de vista de
ser, o objeto formal da metafísica é o ser da realidade, o ser dos entes.
É denominado “ente” tudo “o que é”, algo que tem ser e tem um modo de ser
determinado. Deus não é propriamente um “ente”, pois é seu próprio Ser e não está limitado a
nenhum modo de ser particular ou finito, a metafísica estuda Deus como a Causa Primeira do
ser dos entes.
Os temas próprios da metafísica abarcam as realidades que não dependem em seu ser
da matéria, porque se tratam de realidades espirituais (Deus, a alma humana), ou porque se
trata de aspectos da realidade que podem ser dados nos seres materiais e nos espirituais
(substância e acidentes, ato e potência, causalidade, etc.). Quando se fala da metafísica como
um das disciplinas filosóficas diferentes de outras, indica-se o estudo destes temas.
Platão realizou importantes especulações metafísicas, mas foi o aluno dele, Aristóteles
quem transmitiu à posteridade um estudo sistemático e em boa parte válido sobre a natureza
da metafísica, a substância, os acidentes, a essência, o ato e a potência, as causas, etc.
Não basta ao homem alcançar uma descrição cada vez mais completa e detalhada da
realidade por meio das ciências particulares, posto que estas deixam sem resposta algumas
perguntas inevitáveis: por que o universo existe? Qual é o seu sentido e finalidade? Existe uma
Causa Primeira? Todos estes problemas giram em torno ao núcleo central que é o ser das
coisas. Daí resulta que a metafísica pode ser definida como a ciência que se ocupa não de uma
classe ou outra dos seres, mas do ser enquanto tal (dos entes).
4. Metafísica do ser
Gilson – Gilson recusa a teoria da intuição proposta por Maritain. “O mais vasto dos
conceitos é aquele de ente (ens), como aquele que possui o ser; mas do ser de uma coisa não
se pode abstrair que a noção de ser em geral (esse commune), o conteúdo do qual existe só no
pensamento a título de ens rationis e não como ato de ser do qual estamos realmente
falando... Impossível ter um conhecimento intuitivo do ser de uma coisa, porque este ser
(esse) nos é acessível só na percepção sensível da substância que se realiza através desse. Nós
vemos o ser real só no modo em que esse se expressa no ente que é percebido pelos sentidos
e é conhecido pelo intelecto”.
Tomás de Aquino – O sujeito da metafísica não é o ens ut nomem, mas o ser em sua
realidade. A perfeição de nosso conhecimento é um retorno, a partir deste conceito geral
(esse) à realidade física, o individuo das coisas. Este “retorno” acontece de dois modos: pela
conexão entre conhecimento sensível e conhecimento intelectual:
1. O que é o Ser?
Nós respondemos (por via negativa) com Joseph de Finance: “O ser não é um dado que
se pode examinar pelos sentidos ou pela experiência interna. O ser não é físico nem
psicológico. Não é nem a coisa, nem um estado de ânimo. A experiência, qualquer que seja ela,
não o apreende, senão as suas determinações”.
“O ser não é um gênero e por isso a sua idéia não pode ser tratada como “Idéia geral” -
unívoca, universal e ordinária”.
“O ser não é nem uma coisa exterior nem uma “Idéia” posta de frente ao espírito. O ser
é o que, nos objetos e no sujeito que os pensa, faz com eles sejam”.
“O espírito encontra em si mesmo o ‘Ser’ por duas razoes: a) enquanto ele mesmo é o
seu ser; b) enquanto que, sendo espírito, é relação vivente ao ser e abertura ao ser”.
Então, o “objeto formal”, quod da metafísica é o ente enquanto ente. Ente é “o que é”.
Esta não é uma definição. O primeiro que advertimos é que as coisas são; ente é a primeira
noção e as primeiras noções não se definem nem se demonstram. Com o máximo de
simplicidade se mostram as noções.
O conceito de ser é o primeiro e mais simples por meio do qual explicamos os outros
mais complexos. Uma criança quando pede explicações, pergunta “que é isso” ou aquele
objeto, porém nunca pergunta o que a pessoa é.
Procurando analisar este conceito de ser ou ente ou coisa (esse, ens, res) vemos que
esse conceito se refere essencialmente à ordem da existência e significa “o que existe”. Por
isso, é um conceito universal que convém a todas as coisas. Deus e o mundo, os minerais e as
plantas, os animais e o homem, os corpos e os espíritos, as substâncias e os acidentes, etc.
tudo são seres. Por este caráter de universalidade, o “ser” na filosofia tradicional é chamado
transcendente.
Ente é aquilo que é, id quod est. Se vivente é o princípio presente de viver, ente é o
particípio presente do verbo ser (esse). O termo central em metafísica não é “ente”, mas “ser”.
Se se usa “ser” para dizer algo de algo, o que uso para dizer que é? Por isso, a metafísica como
o intelecto tem como ponto de partida o ente. Ente é o que é ( Ens est id quod est – In IV
Metaf. 1, n. 535). Neste juízo se advertem duas coisas: a) um algo; b) ao qual lhe ocorre algo:
nada menos que ser. O ente é aquele que participa (não se esqueça de que é um particípio
presente) do ser. Ser é verbo, ato: não o usamos como nome (os seres do universo). Em outros
termos se diz que o ente é composto de essência e ato de ser. Essência é aquilo pelo qual uma
coisa é o que é (id quo res est quod est). Um bom conselho... Não confundir nunca ser e existir.
Não são sinônimos. Em metafísica, existir indica o ato de ser. Existir é um ato, um resultado.
Resultado do ato de ser (actus essendi).
Este sentido de existir como “resultado” está indicado na etimologia latina: existere.
Vem de ex- sistere que poderia ser traduzido como “sistere” (estar), “ex” (extra causa): “fora
da causa” que faz “ato”. Existir é o resultado da ação de uma causa. Desta forma, de Deus não
se pode dizer que “existe”, mas que “é”.
A noção de ser é a do ato sem mais ou sem restrição nenhuma. Realmente, não se
trata de atualidade da essência, que faz que uma coisa seja o que é e se distinga das outras
coisas. O ser não faz que uma coisa seja assim ou de outro modo, que seja tal ou qual coisa.
Faz simplesmente que a coisa em questão seja, exista, seja dada na realidade. Não é, pois,
determinação ou forma alguma; não é um ato determinante, mas puramente “atualizante”.
No princípio “todo ente é verdadeiro”, o pensamento ocidental sempre viu não só uma
declaração da realidade total, mas também uma declaração sobre a essência do homem. O
princípio que trata da verdade ontológica ou transcendental tem um aspecto teológico: afirma
que todo ente desprende sua verdade enquanto participa da Inteligência Divina, que é causa
exemplar de todo criado. Mas os entes criados têm uma relação com o intelecto finito (o
homem). Este intelecto particular se situa entre o divino e todas as criaturas. Então, a verdade
ontológica deste último não só pode ser considerada a partir de um ponto de vista divino, mas
também do ponto de vista antropológico.
1. A inteligibilidade das coisas por parte do intelecto humano tem sua fundação no
intelecto divino do qual são participação e se constituem como a cópia do
arquétipo. A verdade das coisas consiste no ato de ser conhecidas por Deus; este
conhecimento em ato origina a inteligibilidade das coisas por parte de nosso
intelecto. Por isso, o conhecimento humano não produz, porém, recebe a verdade
das coisas.
2. A verdade das coisas não é extrínseca a elas, mas interna; constitui sua forma, sua
essência. Todas as coisas são inteligíveis para o intelecto.
3. A inteligibilidade das coisas não significa conhecimento de fato pela inteligência
humana. O intelecto humano é condicionado por numerosas circunstancias que
não lhe permitem abarcar o conhecimento de todas as coisas.
6. Esta possessão do mundo realizada pelo espírito se efetiva interiormente por uma
operação imanente do eu. O mundo como exterioridade supõe a interioridade do
eu, que tem como campo de trabalho o mundo. A essência do espírito consiste em
dois elementos: a capacidade do todo e abertura ao outro e a interioridade. Estas
duas características constituem a “pessoa”.
8. Mas o homem não é puro espírito, possui um corpo. Se com o espírito domina o
mundo, com o seu corpo se realiza em um ambiente que lhe põe as suas condições
e exigências a fim que seja verdadeiramente humano.
b) O homem deve (adaptar-se) ser confrontado e ser medido com o real. O homem
não é a medida do ser, mas o ser é a medida do homem.
c) O homem tem como fim supremo a Deus. O homem será perfeitamente homem
na medida em que participa de Deus, conhecido mediante o amor. Isto não
significa evadir-se da história, mas para o cristão consiste em ser inserido em uma
tradição viva.
b) O tomismo não deveria ser entendido como um sistema filosófico fechado, mesmo
que Tomás considera que é impossível chegar a uma conclusão definitiva da
realidade que é misteriosa enquanto origem (Deus). A criaturalidade e as coisas
fundamentam a sua inteligibilidade, mas também sua incompreensibilidade. O
tomismo entendido assim contra toda tendência racionalista se coloca na linha das
filosofias contemporâneas que negam a possibilidade de uma filosofia sistemática.
RES – O significado abraça a ordem das coisas: patrimônio, ação judicial, história,
coletividade, estado, objeto, coisa. Nada existe verdadeiramente que não seja res. Em Tomás
res significa precisamente o que tem o ser. Enquanto ente designa o particípio do ato de ser,
res designa precisamente o sujeito do dito ato.
UNUM – Cada coisa é una ou única. Tomás entende a indivisibilidade do ente. O ser de
cada coisa se apóia sobre a sua indivisibilidade.
ALIQUID – O sentido da proposição “todo ente é algo” não é precisamente claro. Seria
“todo ente é algo diferente de outro”. Tudo aquilo que existe tem um limite que considera
aquilo que é diferente de si, relativo ao que é outro, e do qual está separado. Deste
transcendental se ilumina uma vertente importante da realidade: todo ente é forma, figura;
toda a forma tem existência em virtude de seu próprio limite. Embora os transcendentais ens,
res, unum se refiram ao ente em si mesmo, a noção de aliquid introduz uma relação do ente
que considera outro ente, a qual se une com as noções de bonum e de verum. Este é o sentido
da verdade e da bondade de todas as coisas existentes: todo ente é relacionado ao espírito
que conhece e ama, ao intelecto e à vontade.
c) Sendo considerado em sua relação com outro, se nos apresenta como diferente de
uma coisa, algo, aliquid;
Então, nós podemos individuar cinco noções transcendentais, que são: res (coisa),
unum (uno), aliquid (algo), verum (verdadeiro) e bonum (bom).
A noção de res, que mostra a essência que é, corretamente, assimilada ao ente tem
uma conotação mais marcada ao aspecto existencial, visto que ambos designam uma essência.
A noção de belo não é considerado um transcendental, embora possua certa
transcendentalidade. Ela se deduz não imediatamente do ser, mas das noções de verdade e de
bem, enquanto designa certa indulgencia nas habilidades cognitivas. A noção de algo deve
manter-se como irredutível às outras, em virtude de que por ela, uma distinção é designada
em relação a outros. Esta noção não é totalmente afirmada pelo uno, visto que este designa a
indivisibilidade ao interno do próprio ser.
Positivamente, conferimos que o que convém a tudo o que existe é ter uma essência
(no ente abstrato não se dá, mas são determinados os homem, cachorros, árvores...). A
contração de um ente a um modo determinado de ser é que é denominada coisa (res).
Atentos à distinção dos entes entre si, podemos afirmar que cada um deles é algo
(aliquid). Os últimos três transcendentais são possíveis porque a alam é o único ente capaz de
convir à todas as coisas. Assim, surge o verdadeiro (verum), o bom (bonum) e o belo
(pulchrum). Por sua conveniência ao intelecto, nos chamamos ao ente verdadeiro; por sua
relação com a vontade, lhe chamamos bom; e por ultimo, por conveniência do ente à alma
mediante certa conjunção do intelecto e do apetite, nós o chamamos belo.
Não obstante, as noções transcendentais não são sinônimas do ente, visto que
explicitam aspectos não significados por esta noção. Por isso, nós afirmamos que são noções
diferentes, mas idênticas enquanto realidades. Os transcendentais acrescentam ao nosso
conhecimento:
c) Res, igual às anteriores, não acrescenta nada real. “Coisa” se refere unicamente ao
ente criado e designa-o enquanto tem uma essência.
Ao ente lhe convém uma predicação análoga. Um termo se predica por duas
realidades quando se atribui a cada uma delas em parte igual e em parte diferente. E isso é o
que acontece com o ente. Por isso, ente se atribui a Deus e às criaturas de modo análogo. A
semelhança reside em que Deus e as criaturas “são”; e a dessemelhança reside em que Deus é
por essência e as criaturas são por participação.
A predicação análoga do ente se fundamenta no ato de ser porque só é ente na
medida em que tem ser (esse). O “ser” se possui por essência ou por participação, que é o
modo em que o possuem as criaturas. A analogia também se refere aos transcendentais, pois
se identificam com o ente e têm como base o ato de ser.
A indivisibilidade do ente não ente não é outra coisa que a unidade transcendental.
Como nós dissemos anteriormente, a unidade não acrescenta nada às coisas, mas nega a
divisão interior. Porém, para um modo de compreensão, a idéia de uno se manifesta como
uma explicitação do ente, como a ausência de divisão interna. Por conseguinte, a apreensão
do ente é anterior à unidade (primeiro conheço o gato como ente e logo o capto como uno).
5.2. A multiplicidade
Unidade não é o mesmo que unicidade; por isso, a multiplicidade de entes que são na
realidade se opõe a unicidade. Mas cada um dos entes dessa multiplicidade conserva sua
unidade interna. Portanto, os entes enquanto diferentes uns dos outros, são múltiplos (este
ente não é aquele ente, porém, são unos.
O múltiplo é o que está constituído por muitos unos. Por isso multiplicidade de coisas
se refere a que não é uma só, que não há unidade perfeita. Então, nós concluímos que a noção
de múltiplo depende da unidade, e não ao contrário, pois uno significa a negação de divisão,
porém, não de multiplicidade.
6. Aliquid
Aliquid equivale a outro que se refere ao ente enquanto é uma coisa distinta das
demais (esta árvore é outra em relação a aquela). Se nós dizemos que este homem é algo, nós
fazemos referencia à unidade dele, e nós o pomos em relação às outras coisas, na medida em
que a unidade implica a indivisibilidade intrínseca e a separação com referencia a outras
unidades. O aliquid é também oposto ao “não ente”, ao nada. Assim, na linguagem ordinária
dizemos “tenho algo” como oposto ao “não tenho nada”.
7. A verdade
8. O bem
Cada um dos entes que existe na realidade, seu bem próprios consiste em “ser”
segundo sua natureza. Logo, nós chamamos “males” às privações do ser natural (são males: a
enfermidade, a morte e o pecado...). Conseqüentemente, podemos afirmar que ente e bem
são equivalentes. Dizemos que o bem não é algo diferente do ser dos entes: tudo aquilo que é,
é bom; são bons enquanto são, enquanto possuem ser.
Se nós desejamos saber o que é que a bondade acrescenta ao ser, porque se não
fossem noções idênticas, poderíamos afirmar que a bondade acrescenta ao ente a
conveniência a um apetite, a bondade expressa que as coisas são apetecíveis. Assim, como
dissemos que o ente era verdadeiro enquanto fosse inteligível, podemos afirmar que o ente é
bom enquanto for apetecível. O bem só acrescenta ao ente uma razão de apetibilidade que
não se expressa na noção de ente. Convém esclarecer que a bondade não é o desejo que surge
em nós, mas a perfeição que a provoca. Nós afirmamos que as coisas não são boas porque nós
as queremos, mas que nós as queremos porque são boas. Por conseguinte, as realidades mais
nobres (Deus) desencadeiam um amor maior ao conhecido. O bem é algo objetivo porque não
depende do querer da maioria, pois, se o bem é o que todos desejam não é realmente bom
pelo fato de que todos os querem, mas é desejado enquanto é perfeito o ente. Finalmente, o
bem transcendental é o bem que possui uma realidade enquanto é segundo a sua constituição
ontológica. Qualquer ente, por ser, tem ato, é bom.
9. A beleza
Nós dissemos que um ente é bom por sua relação com o apetite e verdadeiro por sua
ordenação à inteligência. Existe também, uma terceira conveniência do ente com a alma, que
se produz quando a verdade e a bondade das coisas ao serem conhecidas causam prazer a
quem as contempla, e a isso é que chamamos beleza. Tomás a define afirmando “belo” é
aquilo cuja contemplação agrada. E neste sentido, nós falaremos de beleza como
transcendental.
Nós podemos dividir a beleza em vários tipos: beleza inteligível, que é a característica
da vida espiritual, e a beleza sensível, que é de alcance inferior. A primeira tem relação estreita
com a bondade moral e a verdade, e então, a feiúra é característica do erro, da ignorância e
dos pecados. Também existe a beleza natural que procede das naturezas das coisas, e uma
beleza artificial, nas realizações do homem que tenta plasmar o belo. Por isso o objeto da arte
é fazer coisas belas.
Nós percebemos a beleza das coisas com os poderes cognitivos, seja com a
sensibilidade, seja com a inteligência ou com ambos. E a captação da coisa bela só acrescenta
unicamente ao conhecimento o prazer que resulta dele.
Por conseguinte, podemos dizer que a beleza é um tipo peculiar de bondade, que
sossega o apetite ao contemplar o belo. É um bem diferente dos outros, porque embora todos
os bens produzam a alegria quando são alcançados, as coisas belas geram um prazer especial
pelo mero fato de conhecê-las (uma pessoa vê um diamante, ela tem interesse para possuí-lo
e ela não descansa até comprá-lo. Por outro lado, outra pessoa vê o mesmo diamante e ela
simplesmente gosta de contemplá-lo, ela descansa ao observá-lo). O fundamento da beleza
não está na vontade de quem a contempla, mas na perfeição do sujeito desejado. Por isso a
beleza não é o prazer que produz em um sujeito, mas as propriedades que fazem agradável a
sua contemplação. Enfim, o que faz com que algo seja belo surge do ser de cada ente.
10.1. O Uno
10.2. O Verdadeiro
10.3. O Bem
Quando cada ente é designado como bom, é que o bem se entende em sentido
ontológico. E em tal sentido, o bem equivale a perfeição. Na medida em que o ser é perfeição
de perfeições, cada ente, que contanto seja, possui determinado grau de perfeição. Aquele
grau de perfeição aponta para a forma substancial e a determinação acidental do ente. Na
mesma medida em que o ente é atual é também perfeito. Perfeição se entende pois, não
como um valor moral, mas em sentido ontológico.
10.4. A Beleza
b) Quando o modo expresso é um modo geral que se refere a todo ente, e este modo
pode ser duplo: 1) Qualquer coisa vem expressa no ente afirmativa ou
negativamente, nada se encontra no ente que possa ser dito afirmativamente de
modo absoluto a respeito de cada ente fora de sua essência, segundo a qual se diz
que isso é, e assim se impõe o nome “coisa” (res), o qual se diferencia do ente pelo
fato de que “ente” provém do ato de ser, enquanto coisa exprime a quididade ou a
essência do ente; 2) A negação que se refere a todo ente de modo absoluto é a
indivisibilidade, a qual é expressa pelo nome “uno” (unum), pois o uno é o ente
indiviso. Quando o ente é visto em ordem a outro, se há divisão (distinção) de uma
coisa da outra isto é expresso pelo nome “algo” (aliquid), pois se diz aliquid, no
sentido de aliu quid, “outra coisa”. Então, como o ente se diz uno enquanto é
indiviso em si, assim se diz “algo” enquanto é diviso, distinto dos outros.
A conveniência de outro é possível à medida que a alma, por sua própria natureza,
convém a todos os entes, a qual “em certo modo é todas as coisas”. Na alma existem a
potência cognoscitiva e a potência apetitiva. A conveniência do ente com o apetite é expressa
pela palavra “bom” (bonum), o bem é aquilo a que todas as coisas tendem, enquanto a
conveniência do ente com o intelecto é expressa pelo nome “verdadeiro” (verum).
c) Uma coisa acrescenta a outra somente conceitualmente, quando esta coisa não
existe na realidade, mas só na razão, porque é essencial a uma coisa, mas não a
outra (ex.: o cego acrescenta alguma coisa ao homem, embora a cegueira não
exista na realidade, mas somente como ente de razão).
Portanto, não é possível acrescentar alguma coisa ao ente universal no primeiro modo,
embora se possa acrescentar algo nesse modo ao ente particular. Não existe nenhuma
realidade que esteja fora da essência do ente universal, no entanto algumas coisas estejam
fora da essência do ente particular. No segundo modo, algumas coisas se acrescentam ao ente,
visto que o ente vem determinado pelas dez categorias (gêneros supremos), cada uma
acrescenta algo ao ente, não qualquer acidente ou diferença que esteja fora da essência do
ente, mas um determinado modo de ser que se fundamenta na própria existência da coisa.
É necessário que o bem, pelo fato de não contrair o ente, acrescente ao ente algo que
seja somente de razão. Aquilo que é somente de razão pode ser de dois modos: uma negação
ou uma relação. Toda positividade absoluta significa algo de existente na realidade. Ao ente,
que é o primeiro conceito do intelecto, o uno acrescenta aquilo que é somente de razão, isto
é, uma negação, já que o uno diz que o ente é indivisível. O verdadeiro e o bem se dizem
positivamente, por isso só podem acrescentar uma relação que seja somente de razão. A
relação é somente de razão quando em base a essa, um dos dois termos se diz relacionado ao
outro sem depender dele, mas não vice-versa, visto que a própria relação é certa dependência
(ex.: a relação do homem com Deus é real, mas a relação de Deus com o homem é somente de
razão). Um ente pode ser perfectivo em dois modos:
Deus é o princípio eficiente de todas as coisas, já que é necessário que todos os entes
fluam de um único princípio. A causa eficiente não se identifica com a causa material. Toda
coisa é agente enquanto está em ato, enquanto o caráter da matéria é o de ser potência; o
eficiente e a forma do efeito se identificam enquanto todo agente produz algo de símile a si,
mas não numericamente, porque aquele que faz e aquilo que é feito não podem ser a mesma
realidade. Do bem em si ou da idéia do bem participam todas as coisas que se dizem boas. A
quididade e as formas das coisas se encontram dentro das realidades particulares e não são
separadas delas. O bem não vem dito univocamente das coisas boas. Todo agente resulta
produzir um efeito símile a si, se a primeira bondade é produzida por todos os bens, é
necessário que imprima a própria semelhança nas coisas produzidas e assim, cada coisa é boa
pela forma inerente à semelhança do Sumo Bem nela impressa e é ulterior à primeira bondade
enquanto causa exemplar e eficiente de cada bondade criada. Todas as coisas são boas
formalmente de uma bondade criada em qualidade de forma inerente, da bondade incriada
em qualidade de forma exemplar (Ibid, 21, 1. 3-4).
Kant diz que o termo transcendental “não significa algo que ultrapassa a experiência,
mas algo que a precede (a priori) e não é determinado por mais nada que possa tornar possível
o conhecimento da experiência”. Transcendental significa, na terminologia escolástica, aquilo
que transcende as categorias. Transcendentais são aqueles aspectos universais do real, que
são implícitos em cada predicado que se atribui ao real, portanto, são mais amplos do que os
predicados, também dos supremos predicados do real, que aristotelicamente, são as
categorias. Transcendental, no significado escolástico, é o Ser, porque o Ser é implícito em
cada gênero da realidade, e o conceito de Ser é mais amplo que qualquer gênero da realidade,
que qualquer categoria da realidade. Mas amplo do que a substância, porque também a
qualidade e as outras determinações (acidentais) da substância são Ser. Transcendental é,
portanto, aquilo que há uma amplitude própria do ser; transcendentais são aqueles predicados
que se encontram no Ser. Transcendental, no sentido escolástico, é o Ser e tudo aquilo que
compete ao Ser enquanto tal (ens et ea quae consequuntur per se ens). Assim como o conceito
de ser está implícito em cada conceito, está implícito no conceito de qualquer objeto o Ser e os
predicados transcendentais que são condições da “pensabilidade” de cada objeto, porque não
se pode pensar nada sem pensá-lo implicitamente como ente.
Na carta a Herz, em 1772, Kant diz que “a filosofia transcendental estuda todos os
conceitos da razão pura”. A mutação do significado de transcendental segue a mutação da
teoria dos conceitos puros:
a) Conceitos puros são representações das res sicut sunt – Dissertação (1770) – a
filosofia transcendental era a metafísica em sentido tradicional (doutrina das
coisas em si);
Portanto, para Aristóteles as categorias são leis entis, enquanto para Kant as categorias
são leis mentis. De modos do ser essas se tornam modos de funcionamento do pensamento.