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TEMAS DO EXAME FINAL DO

CURSO DE LICENZA
ATENEO PONTIFICIO REGINA APOSTOLORUM

ROMA 2010

TEMA I - OS TIPOS DE LÓGICA

1. Conceitos de lógica

Etimologia: logos – palavra, proposição, discurso, como também pensamento – é um


nome equivoco tanto como o é a própria noção. A lógica é o estudo do ente de razão, do
pensado enquanto é pensado.
 Do pensado: as coisas que conhecemos.
 Enquanto pensado: as coisas que estão no pensamento, no intelecto, como
correspondente a um ser ideal ou intencional (intentio secunda); não obstante, o
objeto seja estudado somente enquanto é pensado. “Enquanto pensado”, o objeto
do conhecimento assume certas características: universalidade, predicabilidade,
definibilidade... Tais características são entes de razão e existem somente na
mente e não nas coisas, ainda que tenham de alguma forma o seu fundamento na
própria coisa.

A intenção designa o ato da inteligência voltado para um objeto. Ora, o primeiro


movimento da inteligência quando concebe uma idéia é o dirige-se em direção às coisas reais a
fim de conhecê-las. Essa intenção primeira chama-se direta. A intenção segunda é a reflexão
mediante a qual a inteligência conhece o seu ato, o modo como pensa as coisas e tudo o que
deriva de seu modo de pensar.

Portanto, a lógica é uma arte já que se ocupa dos pensamentos, que são resultados da
criatividade humana. E a lógica é também uma ciência já que se trata de um estudo
sistemático das normas a que se devem conformar os pensamentos enquanto ordenados a
conhecer a realidade. O método da lógica é, então, reflexivo.
Segundo Contat, a lógica é a ciência instrumental especulativa modalmente prática, que
tem por objeto material as obras da razão e por objeto formal quod as relações de razão e de
segunda intenção e quod à luz dos primeiros princípios de razão.

2. Divisão da Lógica

O pensamento humano se articula em torno de três operações fundamentais do intelecto:


a simples apreensão, graças à qual concebemos as noções ou idéias; o juízo, mediante o qual
unimos ou separamos os conceitos entre si; o raciocínio, com o qual unimos os juízos e
obtemos uma nova verdade. Conforme tais operações cognitivas a lógica pode ser dividida em:

a) lógica das noções ou dos conceitos (categorias);


b) lógica dos juízos ou das proposições (interpretações);
c) lógica do raciocínio ou da argumentação (analítica),
d) lógica da ciência ou da demonstração.

Todavia, pode-se classificar a lógica segundo o objeto, e não segundo a operação:

a) lógica menor ou formal: examina as características das idéias com o fim de estabelecer
as normas da argumentação correta, estuda as leis do pensamento. Interessam-lhe mais
as características das idéias que seus conteúdos.
b) lógica maior ou material ou transcendental ou filosófica: examina a natureza e a
validade do conhecimento e suas condições de possibilidade (possibilidade de
conhecer).
c) lógica matemática ou simbólica ou logística: tem o mesmo objeto da lógica formal e
estabelece, sobretudo, um grupo de regras sobre as relações de certos termos entre si
para depois proceder na determinação de qual tipo de discurso será possível uma vez
que tenha sido aceito este ou aquele conjunto de regras. Aqui o pensamento se
converte em calculo, faz-se uso dos símbolos matemáticos.

3. Os tipos de lógica

3.1. Lógica do conceito


O conceito é a representação universal de um objeto. O conceito é o primeiro ato da
mente ou do intelecto. Os atos sucessivos são juízos e os raciocínios. A apreensão é o ato com
o qual a mente colhe um objeto e, assim, gera o conceito. Os antigos escolásticos davam ao
conceito a definição seguinte: “o conceito é a imagem semelhante de uma coisa expressa na
mente (similitudo rei in mente expressa)”.

Aquilo que caracteriza o conceito é a sua universalidade: vale para todos e para sempre. O
conceito reconduz o múltiplo à unidade (colhido intuitivamente pelos sentidos). Todo
conceito, sendo aquilo ao qual é reconduzida uma multiplicidade de “dados intuitivos”, é
naturalmente a síntese de uma multiplicidade; as partes constitutivas do conceito
correspondem às partes que constituem a multiplicidade originária dos “dados intuitivos”.
Assim como o conceito em sua totalidade possui universalidade, também a possui cada um dos
seus elementos componentes. Como disse Descartes, as qualidades essenciais de um conceito
que tornam o seu objeto evidente são a clareza e a distinção. Quanto maior é a clareza, tanto
maior é a distinção.

As propriedades fundamentais do conceito são duas: a extensão e a compreensão. A


extensão (denotação) indica o numero de indivíduos ao qual um conceito é aplicável, exemplo:
a extensão do conceito homem é o conjunto de todos os homens. Cada conceito representa
uma classe de objetos ou um individuo. Todo conceito é definido, determinado. A
compreensão (intenção, conotação, conteúdo) designa a informação conceitual fornecida por
uma idéia, exemplo: a compreensão do conceito de homem é o conjunto dos caracteres, dos
aspectos que eu tenho diante da mente quando penso “homem”- animal racional, livre,
sociável, mortal...

Extensão e compreensão são inversamente proporcionais: quanto maior é a extensão


tanto menor a compreensão, exemplo: a compreensão do conceito de Deus é vastíssima,
enquanto inclui inúmeras perfeições; ao contrário, a extensão é mínima porque se refere a um
só individuo. Contudo, a compreensão do conceito de corpo é muito pequena, pois indica
apenas uma realidade material; enquanto a sua extensão é enorme, porque as realidades
materiais são inúmeras.

Evidentemente, para a lógica o exame da compreensão (conteúdo) do conceito constitui o


momento fundamental. A compreensão é primária e a extensão é somente uma função da
compreensão. Um conceito pode representar uma classe, só se o seu conteúdo (compreensão)
é determinado.

Quanto à compreensão, os conceitos podem ser:

simples – contem uma só nota (vermelho);


compostos – contem mais de uma nota (homem);
adequados – incluem todos e somente os predicados essenciais;

inadequados – contem apenas alguns predicados:

positivos – determinam o objeto mediante predicados positivos (ex.: tempo);

negativos – determinam mediante predicados negativos (ex.: eternidade).

Analogamente podem ser finitos ou infinitos. Os finitos dizem que coisa é o objeto; os
infinitos dizem que coisa não é. Essa divisão equivale àquela de conceitos determinados e
indeterminados.

A classificação mais importante é a divisão entre concretos e abstratos. Por si todos os


conceitos, quanto à sua origem, são abstratos. Aquilo que distingue o conceito concreto
daquele abstrato é que o primeiro é conceito do concreto (ex.: árvore, casa, caderno),
enquanto o segundo é conceito do abstrato (ex.: beleza, bondade).

Quanto à extensão, os conceitos se dividem em individuais (singulares), universais e


coletivos. Conceitos individuais ou singulares são conceitos do singular e do individual; o
objeto do conceito não deve ser necessariamente uma coisa singular (Pedro, Monte Branco);
existem também situações individuais, eventos, processos... Conceitos universais são aqueles
que podem valer em igual medida para muitos objetos, para cada elemento de uma
determinada classe (ex.: todo gato vale para aquilo que é pensado no “conceito universal” de
gato). Aparentemente vale para muitos objetos também um conceito coletivo, no entanto, o
coletivo consiste numa multiplicidade de elementos, mas há valor absoluto para cada um dos
elementos do coletivo.

Outra divisão dos conceitos, que não se referem nem à compreensão nem à extensão, mas
à natureza, é aquela de conceito direto e reflexivo (os escolásticos dizem também intentio
prima e intentio secunda). A lógica é a ciência das intenções segundas.

O conceito direto é o conceito considerado em seu conteúdo, considerado naquilo que


representa, isto é, naqueles caracteres que se encontram também na realidade pensada
(existente ou possível), ex.: o conceito direto de homem é o conceito de animal racional ou
espírito encarnado.

O conceito reflexivo é o conceito considerado nos caracteres que há enquanto pensado,


ex.: o conceito reflexivo de homem é aquele de conceito universal, definível e predicável...

As operações relativas aos conceitos são de dois tipos: operações sobre os conceitos e
operações mediante os conceitos. As operações sobre os conceitos são: a definição, a divisão,
a oposição e a classificação. As operações mediante os conceitos são: os juízos e os raciocínios.
Definição significa de-finire, por os confins, por os limites de um campo. Definir um
conceito implica fixar os limites da sua compreensão. Os nossos conceitos são sempre
confusos; o método que nos ajuda a esclarecê-los é a definição. A definição é um discurso
breve que exprime aquilo que uma coisa é, indicando ao mesmo tempo aquilo que tem em
comum com os outros entes (o gênero) e aquilo que há de exclusivamente próprio (a diferença
específica). A definição pode ser nominal, descritiva e genética.

1) Nominal – quando não se deseja dizer exatamente o que seja uma coisa (definição
real), mas quando se diz aquilo que uma palavra significa. A definição nominal se
formula exprimindo a natureza que se corresponde ao termo (ex.: a baleia é um
mamífero cetáceo marinho). Outro procedimento é propor um nome que exprima
um conceito complexo (ex.: o triângulo que possui três lados iguais se chama
eqüilátero). Um tipo especial de definição nominal é a definição etimológica,
aquela que indica a ação ou propriedade da qual procede a denominação (ex.:
televisão: ver à distancia). As definições nominais dão maior precisão ao
pensamento. Todavia, essas não resolvem o problema do conhecimento da
essência. Se a definição nominal tornasse exclusiva, toda discussão filosófica ou
cientifica seria uma lis de verbis, uma questão verbal, porque o uso dos termos é
convencional.

As definições descritivas genéticas e causais são reais e essenciais.

2) Descritiva, quando se refere às propriedades mais importantes ou às partes


constitutivas de uma coisa (ex.: a água é uma substancia incolor, inodoro e insípido
ou a água é um composto de hidrogênio e oxigênio). Obs.: as ciências positivas às
vezes definem fenomenicamente (mediante simples sinais externos que permitem
de reconhecer um objeto) ou operacionalmente (mediante uma operação que
mede o definido).
3) Genética, quando se define uma coisa segundo o modo em que foi produzida (o
bronze é uma liga de arame, zinco e estanho).
4) Causal, quando qualquer coisa é definida através da sua causa eficiente ou final (A
Odisséia é um poema escrito por Homero; o homem é uma criatura destinada ao
conhecimento e ao amor de Deus). Obs.: É importante indicar a causa
proporcionada da coisa definida. Nas realidades práticas e operativas
(instrumentos e ações), a causa final e os efeitos próprios intervêm essencialmente
na definição (a faca é um instrumento que serve para cortar; o matrimônio é uma
instituição natural finalizada à procriação e à educação dos filhos). Necessita
indicar o efeito primeiro. As definições segundo o fim, ditas funções, são essenciais
quando o definido é uma realidade prática, mas não quando se trata de
substâncias individuais, cuja essência depende da forma.

As leis da definição são: a) a definição precisa é por gênero próximo e diferença


específica; b) deve ser breve; c) deve ser mais clara que a coisa definida; d) não deve ser
negativa; e) não deve conter o definido; f) não deve usar termos metafóricos. Obs.: serve para
determinar com precisão os problemas e para resolvê-los cientificamente.

A divisão é a operação lógica pela qual se distinguem as várias espécies de um gênero.


Chama-se divisão (distribuição de um todo em partes) porque o gênero é um todo lógico
distribuído nas espécies, suas partes subjetivas. Os critérios para efetuar a divisão lógica são os
mesmos para as relações entre gênero, espécie e diferenças. Nas ciências este procedimento
chama-se classificação. A divisão contém um fundamento ou critério, que se identifica com o
gênero diviso. A divisão dicotômica é aquela que se estabelece entre um conceito e a própria
negação: esportistas e não-esportistas. Em alguns casos os gêneros se dividem em espécies
analógicas, as quais contem a perfeição genérica em modos diversos (De Veritatis, q. 12, a.12).
As espécies analógicas se ordenam sempre gradualmente, segundo uma maior ou menor
“participação” ao próprio gênero (ex.: vida: animal, vegetal, humana; conhecimento, apetite e
ciência; pecado mortal e pecado venial). Os elementos constitutivos da divisão são três: 1) o
todo para dividir; 2) as partes; 3) um fundamento (ponto de vista).

A divisão pode ser lógica e real. É lógica quando não existe fora da mente, mas
somente como pensado. É real quando existe fora da mente. A divisão real pode ser: integral –
quando as partes singulares contem o todo (ex.: divide-se a casa em teto), potencial – nas
partes singulares o todo está presente com a sua essência, mas não com toda sua capacidade
(ex.: alma na memória, no intelecto e na vontade) e universal – cada parte contém o todo
inteiramente em sua essência e em sua capacidade (ex.: homem: macho e fêmea).

As leis da divisão são: a) deve ser adequada, a união das partes deve igualar ao todo; b)
as partes devem ser em certo modo opostas. Obs.: evita os equívocos.

A oposição entre conceitos é a operação que se realiza com o confronto entre os


conceitos. Aristóteles distingue quatro tipos de oposição: contradição, privação, contrariedade
e relação.
A contradição é a oposição entre os conceitos que se excluem, enquanto um afirma
aquilo que o outro nega (ex.: ser e não-ser, vida e morte).

A privação é a negação de um ato formal em um sujeito, a oposição entre o possesso e


o não possesso de uma prioridade devida a um sujeito, “negatio in subiecto” (S.T., I, q. 17, a.4),
(exemplo: a cegueira é autentica no homem, mas não na pedra; bem-mal, virtude-vício,
verdade-falsidade, ciência-ignorância, saúde-doença).

A contrariedade é a oposição entre uma espécie superior e uma espécie inferior de um


gênero (ex.: o homem e o cavalo). Santo Tomás diz que os contrários são sempre relações
como o melhor e o pior.

A relação é a oposição entre conceitos relativos (ex.: pai e filho). Os conceitos relativos
são opostos enquanto um exclui o outro, embora sejam implicados simultaneamente. A
relação é simétrica quando os extremos são unidos pela própria relação (amizade, igualdade).

A classificação é um tipo de operação que se realiza sobre os conceitos, que em certo


modo é um tipo de divisão. As classificações fundamentais são: os predicamentos e os
predicáveis. Os predicamentos são um tipo de classificação baseada sobre os conteúdos. Os
predicamentos são os atributos mais comuns que são predicados de uma coisa. Aristóteles
chamava-os de categorias.

Os predicamentos são os modos principais de conceber a realidade, e ao mesmo


tempo, são os gêneros supremos nos quais se distribui o real. Substancia é aquilo que é o ato
de existir em si e não em outro como em um sujeito. Os outros nove predicados são acidentes
porque não existem em si, mas tem necessidade de um sujeito ao qual se refere. Eles não têm
esse, mas inesse. Na lógica, os predicamentos são considerados formalmente como gêneros,
conceitos ou atributos (entes de razão). Na ontologia, os predicamentos são modos do ente
real (realidades).

Enquanto a classificação dos predicamentos se baseia nos conteúdos, a classificação


dos predicáveis se fundamenta nos modos de atribuir o predicado ao sujeito. O predicamento
responde à pergunta: que tipo de realidade representa este conceito? (ex.: banco). O
predicável responde à pergunta: em que modo se atribui este predicado a este sujeito? (ex.:
em que modo se predica animal de Pedro?). Responde-se a modo de gênero, de acidente...
Portanto, os predicáveis são os modos gerais de atribuir um predicado a um sujeito.

Porfírio, no Isagogue, aperfeiçoando a classificação de Aristóteles, enumera cinco


predicáveis: gênero, espécie, diferença específica, própria e acidente. O gênero exprime a
essência de uma coisa, mas de modo indeterminado, incompleto (ex.: Carlos é animal). A
espécie é aquilo que pertence numericamente a sujeitos diferentes e que se predica
essencialmente e de modo completo (ex.: Carlos é homem). A diferença específica se predica
dos sujeitos de modo a indicar a qualidade essencial (Carlos é racional). Próprio ou
propriedade é o modo no qual se predica dos sujeitos indicando sua qualidade necessária, mas
não essencial (Carlos é livre). Acidente é aquilo que se predica dos sujeitos indicando a
qualidade contingente (Carlos é branco).

Os predicamentos são objetos não só da lógica, mas também da metafísica. Aristóteles


enumera dez: a substância – indica o sujeito por identidade (ex.: Carlos é homem). Acidentes –
não indicam o sujeito por identidade, mas aquilo que lhe é inerente: a quantidade – indica
aquilo que é inerente ao sujeito intrinsecamente e de modo absoluto a respeito da matéria
(ex.: Carlos é alto, 170 cm); a qualidade – indica aquilo que é inerente ao sujeito
intrinsecamente e de modo absoluto quanto à forma (ex.: Carlos é sábio); a relação – indica
aquilo que é inerente ao sujeito de modo intrínseco, mas em relação a outro (ex.: Carlos é pai);
a ação – indica aquilo que é inerente ao sujeito parcialmente, quanto ao principio (ex.: Carlos
come uma banana); a paixão – indica aquilo que é inerente ao sujeito parcialmente quanto ao
termo (ex.: a banana é comida); quando – indica aquilo que é absolutamente extrínseco ao
sujeito, mas o mede cronologicamente (ex.: Carlos leu ontem à noite); onde – indica aquilo que
é absolutamente extrínseco ao sujeito, mas mede localmente, prescindindo da ordem das
partes do lugar (ex.: Carlos leu em casa); a situação – indica aquilo que é absolutamente
extrínseco ao sujeito, mas mede localmente, considerando a ordem das partes no lugar (ex.:
Carlos leu em casa, sentado no sofá); o habito – indica aquilo que é inerente ao sujeito de
modo absolutamente extrínseco e sem nenhuma função de medida (ex.: Carlos está vestido).

Obs.: O acidente é o gênero de predicado que indica aquilo que é inerente a uma coisa
de qualquer modo; o acidente indica aquilo que pode ser ou não-ser.

A análise lingüística mostra que os termos da linguagem não conservam sempre o


mesmo significado, por isso é possível distinguir em: a) termos equívocos – aqueles que
possuem significados diferentes (ex.: a palavra “leão” pode designar seja o signo esotérico,
seja o animal); b) termos unívocos – significam qualquer coisa de determinado, sem variante
(ex.: “coelho” se refere a uma espécie de animal); c) termos análogos – são vocábulos que
possuem sentidos diferentes, mas apresentam qualquer coisa em comum (ex.: “liberdade
moral”, “liberdade sindical”); embora não tenham o mesmo significado, estas expressões
possuem em comum uma unidade de sentido.
Os conceitos podem ser unívocos e análogos. São unívocas as noções que se predicam
dos sujeitos no mesmo sentido (ex.: animal se diz do cavalo e do lobo). O fundamento real de
tal predicação lógica é representado pelo fato que diversos sujeitos possuem uma forma
determinada de modo idêntico. Um mesmo modo de ser determina um mesmo modo de
significado.

Santo Tomás propõe uma doutrina do significado analógico dos conceitos. Os


conceitos análogos se predicam dos sujeitos em um sentido, em parte igual e em parte
diferente (ST, I, q. 15, a. 5). Bem, por exemplo, não significa o mesmo em sentido econômico,
moral ou filosófico. O fundamento metafísico da analogia consiste no fato que certas
perfeições das coisas são possuídas em modos diferentes nos diversos sujeitos: um diverso
modo de ser determina um diverso modo de significar.

As noções análogas exprimem a mesma perfeição realizada em modos diversos nos


diferentes sujeitos e nos distintos setores da realidade. Há dois aspectos sempre presentes na
analogia: a) conveniência em perfeição (ser, bondade, beleza) e, então, um mesmo conceito
análogo; b) diversidade no modo de conveniência (modos diversos do ser, da bondade, da
beleza) por isso, múltiplos sentidos do conceito análogo.

A analogia é uma propriedade dos conceitos tão importante por ser imprescindível
para a metafísica e a teologia. Wittgenstein notou que muitos termos não têm um significado
exatamente igual em seus diferentes usos (teoria da semelhança de família). Ao passar do
tempo os vocábulos sofrem mudanças de significados.

Há dois tipos de analogia: analogia de proporcionalidade e analogia de atribuição.

Uma proporcionalidade em matemática significa igualdade de proporção. A


proporcionalidade em ordem não quantitativa chama-se semelhança de relações (ex.: a
matéria está para a forma assim como a potência está para o ato). Um conceito se predica de
vários sujeitos segundo analogia de proporcionalidade, se estes possuem a perfeição
significada não do mesmo modo, mas em modo semelhante (ex.: a perfeição significada no
conceito homem se realiza em todos os indivíduos humanos; a perfeição da inteligência não se
realiza do mesmo modo no homem e na criança). Em cada um desses casos, a mesma
perfeição se adapta à natureza e às características de cada sujeito (De Ver. q. 2, a,11; q. 23,
a.7, ad 9; in Metaph., lect. 8). Existe também a proporcionalidade imprópria ou metafórica,
quando a perfeição significada não se encontra formalmente em nenhum dos termos
analogados (pé da montanha).
Um conceito se predica de mais realidades segundo analogia de atribuição quando se
diz de uma delas em toda a sua plenitude e das outras por participação ou em modo derivado.
Primeiro se constata que qualquer coisa se predica de mais realidades segundo múltiplos
sentidos (ex.: o conceito de “bem” se diz dos meios, das ações, de coisas, de pessoas, das
criaturas e de Deus). E em segundo momento busca-se uma ordem entre estes significados.
Santo Tomás diz que “relativamente aos termos que se dizem de mais coisas por analogia, é
necessário que todos se digam em ordem a uma só coisa (per respectum ad unum); e tal coisa
deve ser posta na definição de todas as outras (...) necessita de que tal nome se diga
primariamente (per prius) daquela primeira coisa que é posta na definição das outras, e
secundariamente (per posterius) das outras a segunda que se avizinham mais ou menos à
primeira: sadio”.

A analogia de atribuição compreende os seguintes elementos: a) referencia “ad


unum”, existência de um significado central que organiza os outros; b) a noção analógica se diz
per prius, do sujeito advém o sentido principal deste conceito, que se chama analogado
principal; e se predica per posterius dos outros sujeitos, os analogados secundários. A analogia
por atribuição pode ser extrínseca (quando somente o analogado principal possui
propriamente e formalmente a perfeição analógica, enquanto se diz dos outros sujeitos de
modo extrínseco e impróprio) e intrínseca (quando o conceito analógico se predica com
propriedade dos diversos sujeitos, mas em modo prioritário de um deles enquanto causa e
principio da perfeição que é comunicada aos outros).

O fundamento da analogia de atribuição intrínseca é a causalidade, uma vez que os


efeitos são uma semelhança diminuída da perfeição de sua causa.

3.2. Lógica do Enunciado ou da Proposição

O juízo (em lógica, proposição) é a operação da mente pela qual compomos os


conceitos, atribuindo uma propriedade a um sujeito mediante o verbo “ser”. A operação do
julgar – Santo Tomás a denomina compositio et divisio – consiste no reunir ao menos dois
termos (ex.: este homem é bom) ou no separá-los (ex.: este homem não é bom), para exprimir
a possessão em ato de uma propriedade por parte de um sujeito, ou para excluir
positivamente tal possessão. As propriedades dos juízos são: a) juízo compõe ou divide
segundo as coisas que sejam separadas na realidade, compostas ou divididas entre si; b) em
todo juízo se afirma explicitamente que uma coisa é ou não é.

No juízo vem expressa a conveniência de um ato, de uma característica, de uma


perfeição a um sujeito determinado e dotado de outra perfeição. A enunciação ou proposição
é o sinal verbal do juízo, assim como a palavra é o sinal verbal do conceito. A enunciação é a
frase à qual compete a propriedade de ser falsa ou verdadeira. A frase enunciativa
(apophantikós) é a enunciação afirmativa ou negativa. A expressão verbal do juízo é dita
também proposição se ela for considerada como parte de uma argumentação. As partes
fundamentais de uma proposição são: o sujeito, o predicado e o verbo. O sujeito é o termo
que recebe a atribuição ou o individuo, a espécie, um grupo aos quais convém a perfeição
predicada. O predicado é aquilo que se atribui ao sujeito. O predicado pode ser uma essência,
uma qualidade.

A proposição apresenta uma estrutura predicativa. Os juízos mais característicos são


predicativos ou atributivos. A filosofia da lógica se preocupa em analisar a correspondência dos
juízos com a realidade. Se os juízos se referem a um sujeito individual dotado de uma
perfeição (Pedro é homem, é europeu), esses indicam a composição real de uma substancia
com uma perfeição. Esses são participativos (per participationem) enquanto indicam que um
sujeito possui um ato por participação. Se um sujeito é uma totalidade de uma ordem (cidade,
bosque) o juízo lhe atribui uma perfeição coletiva (o céu é azul).

Nas proposições é possível inverter a ordem da composição sem contradizer a


verdade. A atribuição operada pelo juízo segue a ordem real segundo a qual uma propriedade
convém a um sujeito (ex.: este homem é musico ou este músico é homem).

As três funções essenciais do verbo ser nos juízos são: gramatical, lógica e metafísica.
Gramaticalmente, nas proposições o é desempenha um papel de cópula ou vinculo entre o
sujeito e o prejudicado. Logicamente, o é exprime a composição, realizada pela mente, de um
sujeito e um predicado. Metafisicamente, o é indica a inerência atual de uma propriedade a
um sujeito, inerência que ó fundamento da composição lógico-gramatical (ex.: a neve é
branca).

Um juízo é verdadeiro quando afirma que é aquilo que é; e que não é aquilo que não é.
A verdade dos juízos consiste na adequação ou conformidade do intelecto com as coisas; tal
verdade se chama lógica, porque é uma propriedade da inteligência, que no ato de julgar se
adéqua ao real. Mas a verdade da mente depende do ser das coisas, da verdade ontológica, a
qual consiste na inteligibilidade ou capacidade dos entes de serem apreendidos pela
inteligência. A verdade ontológica é o transcendental verum, que se converte no próprio ente.
O juízo errôneo contradiz o ser das coisas. O valor da verdade de todas as proposições se apóia
no principio de não contradição, pois é impossível que uma coisa seja e não seja
simultaneamente em um mesmo sentido. Tal princípio é uma lei do ente e também é uma lei
lógica fundamental.

Aristóteles classifica os juízos baseando-se sobre a quantidade, a qualidade, a relação e


a modalidade: a) segundo a quantidade do sujeito o juízo se divide em universal (todos os S
são P; nenhum S é P), particular (alguns S são P; alguns S não são P), individual ou singular
(este S é P; este S não é P); b) segundo a qualidade das relações entre sujeito e predicado o
juízo se divide em afirmativo (S é P) e negativo (S não é P); c) segundo a relação em si (in se) o
juízo se divide em categórico (S é substancia de P), hipotético (S é condição de P), disjuntivo (S
é ou P ou Q); d) segundo a modalidade da relação o juízo se divide em apodtico, se a relação é
necessária (S deve ser P); assertório, se a relação é real (S é P; S não é P); problemático, se a
relação é contingente ou possível (S pode ser P; S pode não ser P).

Kant classifica os juízos em três tipos principais: analíticos, sintéticos e sintéticos a


priori. Os juízos analíticos e a priori são aqueles que no predicado põe em evidencia um
atributo do conceito já contido na sua definição (ex.: os corpos são extensos). Juízos sintéticos
são aqueles que o predicado se acrescenta ao sujeito com base na experiência (ex.: os corpos
são pesados). Os juízos sintéticos a priori são constituídos pela síntese de um conteúdo a
posteriori, proveniente das impressões sensíveis que são a matéria, e de um elemento a priori,
que é a forma, não derivada da experiência (ex.: 7 + 5 = 12). Os juízos analíticos são
declarativos, enquanto os juízos sintéticos são extensivos do conhecimento.

A classificação fundamental das proposições se baseia na matéria, na quantidade, na


qualidade e na modalidade. Quanto à matéria uma proposição pode ser necessária,
impossível, possível e contingente. São matérias necessárias o gênero, a espécie, o próprio e a
diferença específica. As proposições necessárias correspondem a estes quatro predicáveis. As
proposições impossíveis são antíteses das necessárias. As proposições possíveis e as
contingentes correspondem ao quinto predicável: o acidente. Quanto à qualidade, uma
proposição pode ser afirmativa ou negativa. Quanto à quantidade, uma proposição pode ser
universal, particular e singular. Ao combinar a qualidade com a quantidade das proposições
obtêm-se quatro tipos de proposições: universal afirmativa (A), universal negativa (E),
particular afirmativa (I) e partícula negativa (O). Quanto à modalidade, uma proposição
designa o modo em que o predicado é atribuído ao sujeito. Portanto, quanto à modalidade
uma proposição pode ser: necessária, impossível, contingente e possível. Em toda proposição
modal ocorre distinguir o dictum, que atribui o predicado ao sujeito, e o modus, que indica o
modo desta atribuição. Assim, na proposição: “Deus é necessariamente sapiente”, o dictum é
“Deus sapiente” e o modus “necessariamente”.
As operações sobre as proposições são a oposição e a conversão; enquanto as
operações com as proposições são as argumentações. Na lógica formal, por oposição se
entendem as diferentes maneiras em que se podem contrapor duas proposições que têm o
mesmo sujeito e o mesmo predicado, uma é afirmativa e a outra é negativa. Tendo como base
simultaneamente a quantidade e a qualidade das proposições se obtêm três tipos de
oposições: a contradição, a contrariedade e a subcontrariedade. São contraditórias quando
diferem seja em quantidade seja em qualidade. Isto pode ocorrer quando uma é universal
afirmativa (A) e a outra particular negativa (O); e quando uma é universal negativa (E) e a outra
particular afirmativa (I). As proposições que diferem somente em qualidade são contrárias se
todas duas são universais (A e E); são subcontrárias se são todas duas particulares (I e O).

A conversão de uma proposição consiste no mudar de lugar os termos, pondo o sujeito


ao lugar do predicado e vice-versa, sem mudar a forma da proposição e sem alterar a verdade
(ex.: “nenhum homem é anjo” se converte em “nenhum anjo é homem”). Chama-se conversão
simples quando varia a quantidade, e conversão por acidente quando varia a qualidade. As
regras principais de conversão são: a) A universal afirmativa (A) se converte em uma particular
afirmativa (I): todo homem é mortal – qualquer mortal é homem; b) A universal negativa (E) se
converte simplesmente, porque os dois termos são tomados na mesma universalidade:
nenhum homem é puro espírito – nenhum puro espírito é homem; c) A particular afirmativa (I)
se converte simplesmente, porque os termos são tomados na mesma particularidade:
qualquer homem é sapiente – qualquer sapiente é homem; d) A particular negativa (O) não é
convertível: qualquer homem não é médico – não se pode converter em qualquer médico não
é homem.

As proposições compostas são combinações entre si, cujo nexo é expresso por
conjunção. As proposições compostas mais importantes são: copulativas (e), adversativas
(mas), disjuntivas (ou), condicionais (se), causais (porque), reduplicativas (enquanto).

3.3. Lógica do Raciocínio ou da Argumentação

Nós formamos conceitos mediante a abstração e os conceitos colhem somente


aspectos parciais da realidade e, além disso, o que colhe mais adequadamente a realidade são
os juízos, os quais operam uma síntese entre os conceitos e atestam a objetividade (verdade
ou falsidade). Uma terceira forma de conhecimento intelectivo é o raciocínio. Com o raciocínio
a nossa mente obtém novos conceitos e os novos juízos, ampliando assim o conhecimento da
realidade. O raciocínio, como ato mental, consiste no passar de uma verdade conhecida a uma
desconhecida, dos juízos já conhecidos como verdadeiros a outros juízos que ainda não foram
reconhecidos como verdadeiros. O raciocínio é um movimento do pensamento, um discurso. A
passagem de um juízo a outro se chama inferência (illatio). A expressão mental ou oral do
raciocínio denomina-se argumentação.

A argumentação consta de três proposições (juízos). As duas primeiras são


denominadas premissas (antecedentes) e a terceira conclusão (conseqüente). Ex:

O homem é moral.
Pedro é homem.
Logo, Pedro é mortal.

As leis da argumentação são:

a) Se o antecedente é verdadeiro, o conseqüente é verdadeiro.


b) Se o conseqüente é falso, o antecedente é falso.
c) Se o antecedente é falso, o conseqüente pode ser verdadeiro ou falso.
d) Se o conseqüente é verdadeiro, o antecedente pode ser verdadeiro ou
falso

A argumentação pode ser por indução ou por dedução (silogismo). Na dedução, o


pensamento se movimenta do universal ao singular; contudo, na indução, o pensamento passa
do plano sensível ao inteligível, do particular ao universal. Há diferença entre a dedução e a
indução quanto à natureza do antecedente: a indução é ex singularibus, porém, a dedução é
ex universalibus; todavia, não há diferença quanto ao conseqüente: ambas têm como
conclusão uma proposição universal.

3.3.1. Indução

O valor de verdade das conclusões de um raciocínio se fundamenta sobre o valor de


verdade de suas premissas. Em certos casos, estas podem ser hipóteses, postulados, mas em
muitos casos são das verdades universais que correspondem à realidade. Estes princípios não
são demonstráveis, porque neste caso se recorreria a outras verdades precedentes, e o
problema se reproduziria ad infinitum; por isso se diz que esses princípios são conhecidos
como evidentes pelo homem, a partir da experiência.

Para alguns as primeiras verdades indemonstráveis são inatas e a priori; para outros
seriam construções ideais da razão, esquemas interpretativos que servem para organizar a
experiência. Nestas teses basilares está em jogo a natureza do conhecimento. Para o realismo
aristotélico, a mente humana pode colher na experiência os aspectos inteligíveis das coisas e
pode-se então, formular juízos universais em torno à natureza dos entes.

O procedimento que sinaliza a passagem do sensível ao inteligível, das verdades


particulares a uma universal se chama indução. A indução, de fato, parte do conhecimento
particular, enquanto a dedução parte de princípios universais. A indução e a dedução não
devem ser entendidas como dois modos separados de conhecer: essas se cruzam
continuamente, enquanto a experiência amplia o raio de ação do argumento, as
demonstrações sempre propõem novos campos de experiência. O momento inicial, porém,
pertence, seja por natureza, seja por cronologia, à indução. Existem dois tipos de indução:
essencial e empírica. Na indução essencial, a mente colhe na experiência o vinculo necessário
entre um sujeito e uma propriedade. Na indução empírica, o intelecto se limita a generalizar
um nexo entre um sujeito e uma propriedade, baseando-se sobre a repetição dos fatos, sem
saber, porém, se este nexo seja essencial ou não.

3.3.1.1. Indução essencial

A indução essencial é a descoberta realizada pelo intelecto em unidade com a


experiência, de um vinculo necessário e universal entre um sujeito e uma propriedade. É
também chamada indução “em matéria necessária” ou “indução abstrativa”, porque é a
abstração uma vez que não se trata de um procedimento demonstrativo, não pertence à
operação racional, mas se enquadra na função intelectiva da mente, a qual considera com
“imediatez” certas verdades iniciais. Ex.: “uma folha branca” (conhecimento sensível),
abstraímos os conceitos universais de “todo” e de “partes”, a partir da visão de toda a folha e
das partes nas quais essa pode ser divida (primeira operação da mente). Observamos que toda
a folha é maior que suas partes e repetimos a mesma observação em outros objetos
(conhecimento sensível complexo: intervém a memória, a imaginação, a relação entre vários
dados pra compor um esquema unitário. Ao final colhemos que, por sua própria natureza,
sempre em todos os casos o todo é maior que uma de suas partes (apreensão intelectual
operada em um juízo; segunda operação da mente).

Na indução essencial tem-se uma clara compreensão do conceito. A indução essencial


permite distinguir os diversos predicáveis de um sujeito considerado como pertencente a certa
natureza. Por isso, mediante tal indução, colhemos as proposições contingentes enquanto
contingentes, por exemplo: o homem tem a propriedade de ver (acidentalmente pode ser
cego). Na indução empírica, porém, não se sabe com certeza se uma proposição é necessária
ou contingente. A indução essencial se realiza mediante o processo abstrativo, em virtude do
qual são formados tanto os conceitos quantos os juízos imediatos. O intelecto agente, na sua
função de iluminar as imagens e os dados da experiência, evidencia nesses um conteúdo
essencial e uma série de relações essenciais.

Neste procedimento se distinguem duas fases: a) a indução se prepara através de uma


adequada experiência sensível, à qual colaboram todas as potências sensitivas, e
especialmente a “razão particular” (cogitativa), guiadas pela razão, e os conhecimentos
intelectuais existentes. Descobrimos por experiência que existe um elemento causante pela
simples experiência e deduzimos que os eventos novos exigem uma causa. Então, o
procedimento indutivo culmina na intelecção de um juízo universal. O predicado convém ao
sujeito não porque deriva da multiplicidade de fatos símiles, mas porque se percebe
intelectualmente que um predicado convém per se à natureza do sujeito.

O número de casos observados serve apenas a titulo de orientação, em ordem ao ato


do intelecto que colherá a verdade universal. Não se trata de generalizar, por isso a proposição
induzida não é coletiva (todos os homens...), mas essencial (o homem...). Por meio da indução
essencial compreendemos os princípios metafísicos, morais, éticos...

O procedimento da indução essencial permite que o intelecto emita um juízo movido


pela própria composição real das coisas, enquanto resultado da evidencia ao intelecto. Estes
juízos se denominam verdades imediatas ou per se notae, conhecidas por si mesmas e não por
meio de outras proposições universais (per aliud notae). As proposições “per se notae” são
aquelas em que o predicado é compreendido no sujeito, como parte de sua essência ou como
sua propriedade (ex.: o homem é inteligente; os corpos são extensos).

3.3.1.2. Indução empírica

A indução empírica é a generalização de um fato repetido na natureza, não sendo


evidente, para nós, a conexão entre o sujeito e a propriedade (ex.: queima-se, ao aproximar a
mão do fogo). Formula-se o juízo que o fogo queima, baseado na repetição de um fenômeno e
não na compreensão de sua natureza. Essa indução chama-se também “matéria contingente”
ou “indução argumentativa”, característica do nosso modo de conhecer o mundo físico,
porque a essência específica das coisas naturais enquanto tal nos é desconhecida, ainda que
nos aproximamos a essa com certa segurança. Conhecemos a conexão entre sujeito e
propriedade somente pelo testemunho dos sentidos, e não porque colhemos a essência. A
mente não procede por abstração, mas considera os casos particulares e as suas variações,
para formular um juízo universal. O número dos casos e a freqüência estatística na repetição
de um fato são logicamente relevantes.
Pode-se dizer que a indução empiria tem certeza plena se for elaborada através de
uma enumeração completa (se o número de indivíduos de um grupo é finito), enquanto se for
uma enumeração incompleta se obtém apenas uma probabilidade de origem física. A validade
universal implica certas condições. E a generalização empírica requer uma explicação, uma
causa.

O fundamento da indução empírica é o conhecimento indutivo essencial da


causalidade, da ordem do mundo, da relação natureza-operação: o operar constante das
coisas não é causal, mas depende de sua natureza ou de uma causa extrínseca; as exceções
também obedecem a leis inerentes à natureza das coisas.

Então, a indução é a passagem do particular ao universal. Ela é o modo de raciocinar


pelo qual se atribuiu a um extremo o outro em virtude do termo médio, e nós encontramos o
termo médio em virtude dos extremos. Fala-se de termo médio, por analogia ao silogismo,
pois os sujeitos estudados fazem a passagem. A atividade indutiva é a pesquisa de uma
essência à qual se pode conectar um determinado comportamento observado em vários
sujeitos, é a pesquisa do verdadeiro sujeito daquele predicado observado nos sujeitos
particulares. A universalidade da conclusão não depende essencialmente da amplitude de
enumeração dos casos particulares, mas, sobretudo da enumeração dos caracteres que são a
razão do comportamento observado e que se acrescenta a esta universalidade da conclusão
pelo fato de que o predicado, observado em vários sujeitos particular, não depende de sua
particularidade, mas de sua “natureza”, que o precede, e onde se encontra tal “natureza” ou
“essência” encontrar-se-á também o predicado.

O fundamento da indução é o princípio do determinismo. Cada princípio agente tem


um determinado modo de agir, cada causa tem um determinado efeito e vice-versa. Este
princípio é uma “condição necessária” da argumentação indutiva, mas não é suficiente porque
este princípio diz apenas que há conexões necessárias entre “natureza” (essência) e as leis,
mas não diz que leis são estas. Portanto, o fundamento da indução é duplo: a) o princípio do
determinismo e b) a experiência. Buscam-se as leis da natureza na linha das conexões dos
fatos. O critério de certeza é a verificação. Supõe-se que uma lei natural seja verificada pela
nova experiência.

3.3.2. Dedução ou Silogismo

O silogismo é um discurso constituído de três proposições concatenadas que postas as


duas primeiras é necessário por também a terceira. O silogismo é uma argumentação pela
qual, de um antecedente, que une dois termos a um terceiro, extrai-se um conseqüente que
une estes dois termos entre si.

Em cada silogismo distinguimos uma matéria e uma forma. A matéria é constituída


pelas proposições singulares; a forma é constituída pelo nexo lógico que une as premissas à
conclusão. Quanto à forma, o silogismo pode ser: simples (categórico), composto (hipotético,
disjuntivo) e imperfeitos (entimema, epicherema, sorite). Quanto à matéria, o silogismo pode
ser: demonstrativo, dialético e sofistico.

3.3.2.1. Silogismo categórico

O silogismo categórico consiste no inferir que, se o sujeito S tem uma perfeição M, à


qual convém uma perfeição P, segue que S possui a perfeição P. Existe, portanto, um elemento
que faz a “ponte”, chamado termo médio, que permite vincular os outros dois conceitos,
chamados termos extremos. No antecedente aparecem os dois extremos e o termo médio,
repetido duas vezes (numa premissa convém ao primeiro extremo, na outra o segundo).

Ex.:

A difamação é uma injustiça (premissa menor).

S M

A injustiça é má ação (premissa maior).

M P

Logo, a difamação é uma má ação (conclusão).

S P
(termo menor) (termo maior)

Os princípios do Silogismo

O silogismo é um procedimento lógico rigoroso que se rege sobre dois princípios


fundamentais, um se fundamenta na compreensão e o outro na extensão dos conceitos.

Primeiro princípio: “duas coisas que convêm com uma terceira convêm
necessariamente entre si”;

Segundo princípio: “tudo aquilo que é afirmado universalmente de um sujeito é afirma


de tudo aquilo que é contido sob este sujeito (dictum de omni); tudo aquilo que se nega
universalmente de um sujeito, é negado daquilo que é contido sob este sujeito (dictum de
nullo)”.

As leis do Silogismo

1) Os termos devem ser somente três e indicar sempre a mesma coisa.


2) Os extremos não devem ter na conclusão uma extensão maior do que aquela que
têm nas premissas.
3) O termo médio não deve entrar na conclusão.
4) O termo médio deve aparecer ao menos uma vez em toda a sua extensão
(universal).
5) De duas premissas negativas não há nenhuma conclusão.
6) De duas premissas afirmativas não se obtém uma conclusão negativa.
7) De duas premissas particulares não há nenhuma conclusão.
8) A conclusão segue sempre a pior parte.

Estas regras ou leis se referem à forma do silogismo, isto é, quanto à disposição


correta e válida dos termos e das proposições.

As figuras do Silogismo

Chama-se “figura” do silogismo o aspecto que esse toma segundo a posição do termo
médio nas duas premissas. Existem quatro tipos de figuras:

I) O termo médio é sujeito na premissa maior e é predicado na premissa menor.


(SUB-PRAE).
II) O termo médio é duas vezes predicado (BIS-PRAE).
III) O termo médio é duas vezes sujeito (BIS-SUB).
IV) O termo médio é predicado na maior e sujeito na menor (PRAE-SUB).
Esquema das Figuras:

1 figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura

MéP PéM MéP PéM

SéM SéM MéS MéS

SéP SéP SéP SéP

Os modos do silogismo

Chama-se “modo” do silogismo a disposição das proposições (premissas e conclusão)


segundo a qualidade (afirmativo-negativa) e quantidade (universal-particular) indicadas com os
símbolos: A – E – I – O.

Entre os muitos modos possíveis (256) são válidos apenas 19 modos, assim distribuídos
entre as várias figuras: na primeira figura, 4 diretos e 5 indiretos; na segunda figura, 4; na
terceira figura, 6.

Os escolásticos deram nomes mnemônicos aos modos, indicando a quantidade e a


qualidade das proposições.

1 figura: BARBARAM CELARENT, DARII, FERIO (diretos). BARALIPTON, CELANTES,


DABITIS, FAPESMO, FRISESOMORUM (indiretos)

2 figura: CESARE, CAMESTRES, FESTINO, BAROCO.

3 figura: DARAPTI, FELAPTON, DISAMIS, DATISI, BOCARDO, FERISON.

4 figura: BAMALIP, CAMENES, DIMATIS, FESAPO, FRESISON.

3.3.2.2. Silogismo demonstrativo

A demonstração é um silogismo cientifico. Segundo Aristóteles existe uma


equivalência entre ciência e demonstração. Aristóteles fixa três condições para que haja
ciência: a) conhecer a causa da coisa; b) saber que a causa conhecida é desta coisa; c) saber
que a coisa não pode ser de outro modo.

A ciência é, pois, o conhecimento certo e necessário por suas causas. A ciência é


explicativa e exige o conhecimento do vinculo que une a causa ao efeito e vice-versa. À ciência
de uma coisa é imprescindível que a coisa seja necessária e isto implica que: a) há ciência
unicamente do necessário, pois a ciência não ignora os seres contingentes, mas existe sempre
algum elemento de necessidade no contingente; b) a ciência trata do imóvel e do imutável,
pois em cada variabilidade implica uma parte de imobilidade; c) há ciência unicamente do
universal, pois em cada individuo existe algo que é sempre e em todas as partes. Se um
atributo pertence necessariamente a um sujeito, este não poderá existir sem tal atributo; d) o
necessário é universal.

A demonstração é um discurso que vai do conhecido ao desconhecido. O objeto da


demonstração é uma conclusão na qual se atribui uma propriedade ao sujeito uma vez que ela
própria deriva necessariamente da sua essência. As premissas terão como extremos a essência
e a propriedade e como termo médio a razão pela qual a propriedade pertence à essência.

Os pressupostos da demonstração são: conhecimento prévio do princípio, do sujeito e


da propriedade. Os princípios são verdadeiros por evidencia ou por demonstração. O sujeito
indica a essência e a existência (definição: experiência real e existência ideal) = suposição. A
definição nominal se refere à propriedade, isto é, só se conhece a existência de uma
propriedade depois da conclusão da demonstração.

“Per se” significa que o sujeito é a causa ou a razão do predicado. Há, pois, proposição
“per se” quando o sujeito for a causa do que lhe é atribuído. Aristóteles indica quatro modos
de “perseidade”:

O primeiro modo se dá quando o predicado é toda ou parte da essência do sujeito. E


como a essência se expressa pela definição, então, consiste em atribuir ao sujeito um
predicado que se encontra em sua definição, quando o predicado é de “ratione sbiecti”, por
exemplo, um triângulo e sua linha reta.

O segundo modo de perseidade se dá quando o sujeito está incluído na definição do


predicado, é de “ratione praedicati”, porque o predicado; e um acidente próprio, uma
propriedade do sujeito. A explicação dele se radica no ato de que o acidente só tem ser em seu
sujeito, de maneira que sua definição o implica, por exemplo, par/impar = implica noção de
número.

O terceiro modo é objeto da metafísica e não da lógica, não é um modo de predicado,


mas um modo de existência. Trata-se da substancia primeira de um sujeito singular que pode
receber predicados, porém, não pode ser predicado de outra coisa, ex.: “Sócrates” ou
“Platão”.
No quarto modo de perseidade, a proposição “per” indica a relação de uma
causalidade eficiente. Se tomar a causa como sujeito, o efeito que produz por natureza é um
predicado “per se” e o que se acrescenta ao sujeito sem ter este predicado é um predicado
“per accidens”, ex.: “o pintor pinta” e “o pintor canta”.

Desta forma, a teoria da demonstração se fundamenta sobre estes três modos de


perseidade visto que estas formam proposições necessárias.

Os princípios da demonstração são, segundo Aristóteles, quatro grupos: tese, hipótese,


postulados e axiomas. Tomás os chama “positiones”, “suppositiones”. “petitiones” e
“dignitates”.

Os postulados são uma proposição demonstrável, mas não imediata. As teses são as
definições (do sujeito ou da propriedade). Uma definição não se demonstra, mas resulta de
uma combinação de conceitos que designam uma essência. A definição não é nem verdadeira
nem falsa porque não é uma proposição. Estamos diante de um princípio primeiro: não se
pergunta por que uma coisa é o que é.

As hipóteses são as proposições que estabelecem a existência do sujeito da


demonstração. Numa ciência particular, as hipóteses necessitam de ser provadas. A hipótese é
evidente já que deriva de uma intuição sensível ou intelectual. Os axiomas são as proposições
imediatas por excelência. Os axiomas se diferenciam das teses e das hipóteses porque são
princípios comuns a toda ciência, enquanto os demais princípios são próprios de cada ciência.
O axioma supremo é o princípio de contradição. Os axiomas são evidentes já que são
proposições cuja verdade se conhece em virtude de compreensão de seus próprios termos.

A demonstração perfeita chama-se demonstração “propter quid” porque nos dá a


causa própria e próxima da conclusão. Diz-nos porque o predicado pertence ao sujeito é
sempre a priori. O discurso vai do a priori ao a posteriori, do antecedente ao conseqüente. As
demonstrações imperfeitas chamam-se “quia” porque demonstram que uma coisa é assim,
sem dar a razão. Uma demonstração quia pode ser também a priori. A diferença consiste em
que a demonstração perfeita dá a razão próxima do por que a conclusão é verdadeira,
enquanto que a demonstração imperfeita dá uma razão remota que pode ser também valida
para outras conclusões. A demonstração imperfeita a posteriori consiste em demonstrar a
existência de uma causa a partir de seus efeitos. Esta é uma demonstração quia porque
demonstra que a causa existe e é a posteriori porque vai do a posteriori ao a priori. A
demonstração que vai da causa ao efeito chama-se “compositio” e a que vai do efeito à causa
chama-se “resolutio”.
Observações: síntese – da causa ao efeito, do simples ao complexo;

análise – do efeito à causa, do complexo ao simples.

A definição clássica das ciências, segundo Santo Tomás, varia conforme o referencial
que se aplica: fim, procedimento, grau de abstração e ordem.

1) Quanto ao fim: especulativa e prática – busca o conhecimento em si mesmo,


a verdade ou refere-se ao agir (moral) e ao fazer (arte). In I q. 1, a.4; Met. XI,
lc.7; C.G., III, c.79.
2) Quanto ao procedimento: “propter quid” – da causa ao efeito, a priori.
Método: compositio. Arquitetônicas “quia” – do efeito à causa, a posteriori.
Método: resolutio. Subalternas. In Primeiros Analíticos, 25, 209.
3) Quanto ao grau de abstração: Física – estuda o ente móvel e temporal.
Matemática – estuda o ente móvel e eterno. Metafísica – estuda o ente
imóvel e eterno. In De Trinitate, II, q.1, a.1; Prim. Anal., 25, 209.
4) Quanto à ordem: Física/Metafísica – referem-se à natureza;
Lógica/Matemática – referem-se à razão; Ética/Política – referem-se à ação
da vontade; Técnicas – referem se à razão que se realiza nas coisas
exteriores. In I Ethic. Lc. I, 1.

A ciência é filha da filosofia porque nascei ao interno da “episteme” (filosofia)


modificando o objeto próprio da episteme, que não é mais a essência das coisas, mas as leis
dos fenômenos. O objeto das ciências é o estudo dos fenômenos, as suas relações e as suas
leis que são determinadas; o objeto da filosofia é o estudo dos princípios e da busca de
compreender a essência das coisas.
TEMA II – A LINGUAGEM

1. O problema da origem da linguagem no Cratilo de Platão

O Cratilo é um diálogo importante que leva ao extremo a concepção segundo a qual,


as regras e as distinções lingüísticas não são o fundamento das distinções e das conexões entre
as coisas indicadas pela linguagem. A nossa intuição da natureza das coisas e das conexões
entre tais naturezas é que determina a constituição de convenções lingüísticas e não vice-
versa.
Não só a concatenação das expressões lingüísticas corre paralela ao modo em que os
termos realmente existentes são conexos, mas existe uma inerente conformidade de certos
caracteres ou elementos primitivos na linguagem a certos tratos da realidade, de modo que se
pode dizer que os primeiros representam verdadeiramente os segundos.
O Diálogo sugere também, que um número imenso de variações no curso da
linguagem corresponde às variações do fluxo do devir real: existe uma filosofia do fluxo
instalada ao interno da nossa linguagem que corresponde à mutabilidade persuasiva do ser em
devir. Mas o Diálogo sublinha que existem aspirações eleáticas na própria linguagem, em que,
sem a capacidade de construir um sistema significativo estável no qual capturar o fluxo do qual
nós buscamos falar, o discurso e a compreensão seriam impossíveis.
Cratilo – cada ser tem por natureza um nome que lhe adere corretamente e este nome
com o qual vem designado não foi dado por convenção de alguns, emitindo um termo próprio,
mas é uma dada exatidão da natureza dos homens, seja para os gregos, seja para os bárbaros,
idêntica para todos (383 A-B).
(Hermógenes) Ermogene – não crê que exista uma exatidão dos nomes diferente da
convenção e do acordo: qualquer nome dado a qualquer coisa é ipso facto um nome correto.
Os nomes não se fundam sobre a natureza, mas sobre a norma ou prescrição.
Sócrates (Platão) – Sócrates diz que um discurso (logos) pode ser verdadeiro ou falso, e
que um discurso verdadeiro declara o que as coisas são, e que isto é possível somente se as
suas partes menores são tão verdadeiras quanto o é o próprio discurso (385 B-C), e
correspondem às coisas que têm certa estabilidade na essência (386 A). Aceitar um
convencionalismo completo concernente aos nomes significa elucidar Protágoras e fazer da
verdade uma questão daquilo que parece a cada um, de modo que nenhum pode ser dito
propriamente mais sábio do que o outro (386 C). Más se admitimos que as coisas possuam um
ser próprio ou natureza estável, independentemente de nossas fantasias pessoais, então
devemos admitir que a este estável ser natural e às suas diferenças corresponderão nomes
que o exprimem em modo conveniente. As coisas devem ser denominadas conforme as suas
naturezas e não relativas a nós (386 E), e conferir os justos nomes às coisas deve ser o papel
não de qualquer homem, mas de um artífice. Tal artífice (deve observar
o eidetico de cada coisa nominável (389 D).Este nome eidetico, o nome em si, não será
necessariamente expresso exatamente com as mesmas sílabas na linguagem, quanto um
instrumento seja feito dos próprios materiais e exatamente ao mesmo modo, também se esse
haverá necessariamente a mesma função e exprimir os mesmos elementos ou caracteres
ontológicos (389 D-E). Sócrates, portanto, sustenta em modo absurdo que um nome como
“antrophos” seja o único verdadeiro nome do Homem enquanto tal, mas somente se um nome
que colhe o mesmo e autentico eidos e que tenha inflexões vocais que respeitam vagamente a
composição ou o conteúdo geral do eidos será uma expressão do verdadeiro nome deste
eidos.

2. O problema da natureza e dos componentes da linguagem no Perí Hermenéias de


Aristóteles

No diálogo de Platão (Cratilo) se sustenta que a linguagem é um produto da natureza,


porque a estrutura da linguagem coincide exatamente com a estrutura do mundo físico . Para
Platão, a linguagem tem o seu fundamento ontológico e assim cada palavra tem a sua forma
porque corresponde com precisão à coisa que essa denota. Platão, mediante Sócrates, diz que
as proposições são verdadeiras ou falsas, então assim devem ser as palavras.
Aristóteles refuta a fundamentação ontológica de Platão. Segundo Aristóteles, as
palavras são somente símbolos convencionais para as imagens das coisas no nosso
pensamento (noemata). O Perí Hermenéias ou De interpretatione contém uma elaboração
sobre as enunciações ou proposições declarativas que exprimem um juízo de afirmação ou
negação, de verdade ou de falsidade.
Mas Aristóteles diz que as palavras nem são verdadeiras, nem são falsas. As
proposições adquirem um significado quando se estabelece um vínculo entre as palavras,
vinculo lingüístico que expressa aquilo que realmente é unido. Quando se fecha este vinculo
temos uma asserção negativa. Na coligação dos vocábulos se podem exprimir o ser ou o não-
ser, o verdadeiro e o falso. Para que uma questão possa ser objetivamente discutida e
dialeticamente indagada é necessário precisar a determinação dos diversos significados de um
vocábulo.
Quando unimos os termos (um nome e um verbo) entre si e fazemos uma afirmação
(katáphasis) ou negação (apóphasis) de alguma coisa do outro, então, temos o juízo. O juízo é
o ato com o qual afirmamos ou negamos um conceito de outro conceito e a expressão lógica
do juízo é a enunciação ou proposição (prótasis). Juízo e proposição constituem a forma mais
elementar do conhecimento, a forma que faz conhecer o nexo entre um sujeito e um
predicado. O verdadeiro e o falso nascem com o juízo. Há o verdadeiro quando com o juízo se
une aquilo que realmente é unido ou se separa aquilo que é realmente separado; enquanto,
há o falso quando com o juízo se une aquilo que não é unido ou se separa aquilo que não é
separado. A enunciação ou proposição exprime uma afirmação ou negação, por isso é
verdadeira ou falsa.
Obs.: Nem toda frase é uma proposição que interessa à lógica. As frases que exprimem
oração, invocação e exclamações e semelhantes estão fora da lógica, pois estas pertencem ao
discurso retórico ou poético. A lógica se interessa penas pelos discursos apofático e catafático.
Os juízos podem ser afirmativos ou negativos. Quanto à extensão, os juízos podem ser
universais, individuais ou singulares e particulares. Nos Analíticos, Aristóteles fala de juízos
indefinidos. As proposições contraditórias universais e aquelas singulares são sempre uma ou
outra falsa, contudo, as proposições particulares contraditórias podem ser simultaneamente
verdadeiras (ex.: um homem é branco; outro homem não é branco).
Aristóteles, no Perí Hermenéias, considera também o modo com o qual se afirma ou
nega alguma coisa de outra – modalidade das proposições. Não só unimos ou separamos um
predicado com um sujeito (dizendo é ou não é), mas indicamos também em qual modo sujeito
e predicado são unidos ou separados. Aristóteles reduz as proposições implicativas de
necessidade e de possibilidade à forma assertiva (proposição afirmativa).
As proposições modais são: necessárias (A é necessário seja B), possíveis (A é possível
que seja B) e as suas negações: contingentes (A não é necessário que seja B) e impossíveis (A
não é possível que seja B).

3. A ciência da expressão ou lingüística geral com Santo Agostinho


Com Agostinho, no famoso De Magistro se realiza a primeira tentativa de fundar uma
ciência da expressão ou da lingüística geral. Agostinho define a linguagem com sinal, uma
realidade em condição de remeter à mente outra realidade. Ele individua as principais funções
e as reduz a duas: apreensão e reminiscência - “Nós falamos para ensinar ou recordar, porque
também quando interrogamos, dizemos a quem interrogamos aquilo que nós queremos
ouvir”.
Em nenhum dos dois casos a linguagem é causa efetiva do conhecimento. Quando nós
proferimos palavras, ou já sabemos o que é significado ou não o sabemos: no primeiro caso,
recordamo-las, não as aprendemos; no segundo caso, não as recordamos e nunca somos
estimulados a sabê-las. A verdadeira causa do conhecimento são as coisas. As palavras podem
desenvolver uma função instrumental a respeito do conhecer somente quando são
estavelmente associadas com certas coisas. Entende-se um sinal quando se conhece a coisa, já
que não se entende a coisa quando nos é dado o sinal. Isto só é valido para os conhecimentos
relativos ao mundo natural.
O “sinal” é uma coisa que faz vir em mente qualquer coisa de diverso da imagem que
vem imediatamente produzida pelos sentidos. A palavra é o “sinal” exterior do pensamento: é
o verbum exterius, é o sinal verbal, que pode ser oral ou escrito. As palavras pronunciadas ou
escritas são “sinais” quando fazem conhecer um pensamento. Quando se entra no mundo da
fé, o verdadeiro conhecimento não é produzido nem por nós, nem por nossas palavras, nem
das coisas, mas de Cristo, o Mestre interior, a Eterna Sapiência de Deus, a qual, porém, tanto
mais alguém se abre, tanto mais pode tomá-la segundo a própria boa ou má vontade.
Agostinho fala da ambigüidade como característica da linguagem. Uma mesma palavra
pode ser entendida em muitos modos ou pode ser entendida diversamente de como deveria
ou pode ser usada para dizer qualquer coisa de diverso daquilo que se pensa, como fazem os
mentirosos ou enganadores, os quais com as palavras não se abrem ao verdadeiro. Agostinho
também fala que a palavras humanas são inadequadas para falar de Deus.

4. Santo Anselmo e a relação entre conhecimento e palavra


Distinta a palavra como signo físico ou externo a nós, como puramente pensada e,
então, dentro de nós, e como expressão interior e como intelecção da realidade mediante o
nosso intelecto, do qual originariamente se predica a verdade ou a falsidade. Esta palavra
mental ou conceito é mais ou menos verdadeira segundo o maior ou menor grau de
semelhança com a coisa. O conhecimento humano é medido pelas coisas. A diferença da
palavra humana, a palavra divina é a medida das coisas, porque é seu modelo. Por isso, as
considerações sobre a verdade humana, como retidão, capacidade de dizer como estão as
coisas: “significat esse quod est”. A retidão se predica do intelecto e da vontade: no primeiro
caso é verdade, no segundo é justiça e bem.

5. Santo Tomás e o problema da linguagem


A significatione e a suppositione são duas propriedades das palavras. Significar
pertence à essência da palavra. Uma palavra pode significar por si (ex.: casa) categorematica
ou por conjunto de palavras (se, mas, para...), sincategorematica. Uma palavra pode haver um
só significado – unívoca – ou muitos significados – plurivoca ou plurisemantica. A plurivocidade
pode ser equivoca (aplica-se a muitos sujeitos com diversos significados) ou análoga (aplica-se
a muitos sujeitos segundo significados que tem qualquer coisa em comum). A analogia pode
ser de atribuição e de proporcionalidade.
A suppositione é usar a palavra segundo um determinado significado. Ex.: o homem é
uma espécie do gênero animal; o homem ara os campos. O termo “homem” foi usado em dois
modos diversos.
Os escolásticos se ocuparam da linguagem, especialmente em ocasião da disputa dos
universais. Para Roscelino, o universal é somente uma palavra, um flatus vocis. Esta solução é
partilhada como os nominalistas.
Ockham separa a referenciabilidade dos termos orais e mentais do seu significado.
Também os termos mentais não colhem um “universal in re” e o seu significado começa a
coligar-se com aquele dos termos orais (nominalismo). Com a sua metafísica centra sobre a
realidade do singular insiste na referenciabilidade realista dos nomes.
Tomás de Aquino explica que Aristóteles afirma que as “passiones animae sunt
similitudines rerum” (similitudo) da própria coisa. Isto implica que as passiones animae podem
ser entendidas como sensações ou intelecções; as intelecções, como simples conceitos ou
juízos. No entanto, Tomás diz claramente que “o intelecto pode estar no falso quando compõe
ou separa, não segundo conheça quod quid est” (a essência da coisa). Quando alguém
verdadeiramente intelige o que é o homem, ainda que aprenda outra coisa como homem, não
intelige homem. Desta forma, são as simples concepções do intelecto o que primeiramente
significam as palavras, por isso se diz que significar o nome é a definição.
A “similitudo” difere formalmente de “adaequatio”: ambos são momentos do
conhecimento, porém, diferentes e ordenados. Tomás diz que a noção de verdadeiro consiste
na adequação da coisa e do intelecto. Nada se adéqua a si mesmo, já que a adequação é
igualdade de coisas diferentes. Por isso, a noção de verdade se encontra primariamente no
intelecto quando este começa a pensar algo próprio, que não possui a coisa fora da alma, ao
qual a coisa corresponde e com o qual pode alcançar uma adequação. O intelecto que forma
as quidditas (os conceitos), tal como os sentidos enquanto recebem a espécie da coisa
sensível, possui a semelhança da coisa que existe fora da alma. Mas quando inicia a julgar a
coisa apreendida, então, o juízo, próprio do intelecto, é algo próprio dele, que não se encontra
fora, na coisa. E quando se adéqua ao que está, fora, na coisa, se diz que o juízo é verdadeiro.
O verdadeiro intelecto julga a coisa apreendida quando diz que algo é ou não é, o qual é
próprio do intelecto que compõe ou separa.
Por que a semelhança (que está na alma) da coisa (que está fora da alma) não é uma
relação de adequação ou de concordância? Ora a coisa que está na alma e a coisa que está
fora da alma não são duas coisas, senão uma e a mesma. Neste contexto, semelhança não
significa “imagem”, “cópia”, “duplicação”, mas identidade originária que se produz entre o
sujeito cognoscente e a coisa conhecida no ato do conhecimento, identidade formal, uma vez
que é formal e não material. A essa identidade Tomás chama “semelhança”. O inteligido no
ato é o inteligido em ato, enquanto a semelhança da coisa inteligida é a forma do intelecto.
Portanto, existe diferença entre o “ser físico” (coisa fora da alma) e o “ser intencional” (coisa
na alma) abstraído da matéria.
A semelhança da coisa que está na alma é a própria coisa que, sem mediação, está
formal e intencionalmente presente na alma informando ao intelecto possível. A semelhança
não é nada própria do intelecto, nada distinto da própria coisa, por isso não é adequação, já
que o próprio não se adéqua a si mesmo. Enfim, a similitudo conceitual percebe a distinção
entre o ser físico e o ser intencional, enquanto a adaequatio judicativa ou apofática percebe a
distinção entre o ser intencional e o ser verdadeiro.

5. Bacon: os ídolos como pré-juízos lingüísticos


Na linguagem se sedimenta e consolida a maior parte dos pré-juízos. A construção da
ciência exige uma purificação da linguagem com a eliminação dos “idola”: tribus (defeitos dos
sentidos), specus (causados pela má educação), theatri (produzidos por uma exagerada estima
pela autoridade) e fori (os pré-juízos causados pela tirania da linguagem).
Os idola fori derivam das relações sociais entre os homens, então, da linguagem. As
palavras têm um significado convencional que o vulgo atribui às palavras segundo o confuso
modo de julgar, assim essas nem sempre correspondem à realidade ou não as correspondem
de modo perfeito. Assim algumas palavras indicam coisas inexistentes, come fortuna, destino,
caso... ou significam coisas diferentes, segundo o modo de pensar dos homens singulares (ex.:
com os termos liberdade e escravidão podem-se indicar conceitos diversos). Existem ídolos
nascidos pela convenção e pelas relações sociais próprios do gênero humano, que chamamos
idola fori. De fato, os homens se põem em relação por meio da palavra: e os nomes são
referidos segundo a idéia que se faz o vulgo. Por isso as denominações impróprias são
obstáculos extraordinários ao intelecto.

6. Vico: Verdade e Verosimilhança


A linguagem é o veiculo principal das relações humanas, que se envolve num discurso
unitário e global das gerações presentes e passadas. A importância da linguagem não está em
sua função de simples transmissão do pensamento, mas na sua significação.
Fundamentalmente é na comparação entre as idades do mundo e as idades do individuo onde
a linguagem é vista nas suas fases primitivas, não como um meio convencional de
comunicação, mas como poeticamente significativo.
Vico vê a poesia e as figuras retóricas, que os gramáticos consideram erroneamente,
como um engenhoso trabalhado da mais evoluída literatura para revelar o caráter constitutivo
da própria linguagem. Ele analisa as obras dos antigos poetas-teólogos observando o lugar de
preeminência que ocupam os universais fantásticos: figuras imaginadas pelos homens na idade
heróica da sua história e às quais parecem conformar-se, como modelos não mais físicos, mas
metafísicos, as criações literárias e artísticas das épocas sucessivas que são igualmente as
bases das elaborações reflexivas da lógica.
Em antítese ao matematismo e ao fisicalismo, Vico fala que o mundo dos homens é
buscado sobre a verdade verossímil, mais que sobre as verdades geométricas e matemáticas, e
não pode ser acolhida com evidencia e verdade cientifica. Vico sustenta que também no
âmbito natural e físico a ciência não alcança a verdade e o verdadeiro conhecimento. É
possível conhecer com verdade e certeza somente aquilo do qual se é causa, que se produz e
se faz: verum factum. As leis e os princípios da natureza e do mundo físico podem ser
conhecidos plenamente apenas por Deus que é o artífice. Ao homem não resta que conhecer o
mundo da história, enquanto objeto da criação humana.

7. Locke: linguagem e conhecimento


Locke retoma o nominalismo e afirma que a linguagem é um complexo de nomes,
criados artificialmente pelo homem, com o objetivo de simplificar a atividade da mente e cada
idéia corresponde a um objeto particular: assumindo os nomes como signos convencionais e
símbolos de grupos de coisas semelhantes. O uso de nomes permite aos homens de comunicar
entre si.
As idéias simples ou complexas são os signos com os quais o intelecto representa a
realidade; as palavras que formam a linguagem são os signos com os quais o homem comunica
as idéias. Locke, então, institui uma relação que, a partir da linguagem, se configura:
Linguagem – signo – idéias – signo – sensação.

A experiência fornece o material do conhecimento, mas não é o conhecimento em si; o


único objeto do intelecto são as idéias (que podem ser expressas mediante a linguagem) e
conhecimento é dado pela percepção do acordo ou do desacordo das idéias entre si. Podem
ser de três tipos:
a) Intuitivo – quando tal percepção é imediatamente derivada das próprias idéias do
objeto em confronto, sem necessidade da relação de outras idéias;
b) Demonstrativo – quando o acordo ou desacordo emerge em virtude de sucessivas
passagens intermediárias que dependem de sucessivos conhecimentos intuitivos;
c) Sensível – é o conhecimento que permite atingir as coisas que estão fora de nós,
afim de que seja possível alcançar a correspondência entre as idéias e a realidade.
A realidade é acolhida mediante sensação atual.

No momento em que um objeto imprime no homem a sensação de uma idéia simples,


ele tem a consciência viva da realidade daquilo que percebe. No entanto, quando a percepção
perde a sua atualidade para entrar na memória, ele não pode mais ter a certeza de que o
objeto seja. Da certeza se passa à probabilidade do saber, que se funda essencialmente sobre
a analogia e sobre a autoridade. O âmbito do provável, ao interno do qual se distinguem ainda
diversos graus, de qualquer forma garante a possibilidade de uma práxis quotidiana que não
pode subsistir sem a crença na realidade em que o homem age. Assim, a intuição, a
demonstração e a percepção sensível atual correspondem inteiramente ao campo do saber
correto.

8. Saussure: língua como sistema de signos.


Saussure defende a lingüística como o estudo da língua e do modo em que essa
funciona. A linguagem é um fenômeno lingüístico global, que tem o seu momento essencial na
língua entendida como um sistema de signos que está presente em cada falante. A tal sistema
de signos o falante faz referencia no discurso (palavras) entendido como execução, como um
conjunto de atos lingüísticos realizados pelos falantes particulares. O signo é constituído por
um vinculo arbitrário de dois componentes: significante (uma imagem acústica) e significado
(um conceito). Ex.: a palavra “árvore” é de natureza vocal e psíquica: é uma unidade
lingüística, um signo, composto por um conceito e por uma imagem acústica: a imagem
acústica é o traço psíquico de um som puramente físico. O vinculo que une o significante ao
significado é livre, no sentido que falta todo tipo de vinculo natural entre o significante e
significado. O falante, porém, na escolhe a próprio arbítrio o significante, mas o herda assim
como se é consolidado na comunidade lingüística que o emprega.
Saussure concebe a língua como sistema a ser estudado na sua forma atual
(sincrônica), independentemente de sua evolução no tempo (diacrônica). Ele individua dois
modos de estudar a língua: a) pelo seu caráter de mutabilidade é analisável do ponto de vista
diacrônico e b) pelo seu caráter de imutabilidade do ponto de vista sincrônico. Uma vez que a
língua tem valor enquanto é um estado lingüístico é oportuno estudá-la em modo sincrônico,
descrevendo cientificamente as leis e as normas de uso.
Saussure concebe a linguagem como sistema de signos, e não mais como
nomenclatura de vocábulos. A língua é uma parte essencial da linguagem e vem definida como
uma totalidade funcionante de significações.
As diferenças entre sinal, signo e símbolo são:
a) Sinal: faz referencia ao comportamento e é um fenômeno que pode ser comum ao
homem e ao animal. A definição de signo de Morris é praticamente uma definição
de sinal, enquanto vem deduzida da teoria da reflexão condicionada. Sinal é
alguma coisa que serve para dar uma advertência ou uma ordem (“saída”, “alto”).
A função de um sinal consiste essencialmente no regular o comportamento dos
destinatários. O sinal não expressa, só causa uma reação. O sinal suspende todo
diálogo e anuncia o momento da execução.
b) Signo: fenômeno exclusivamente humano faz referencia à palavra ou ao discurso.
No seu significado mais simples, o signo é um objeto que está em lugar de outro
objeto. O signo implica a presença de duas realidades, significante e significado, de
ordem diversa e correlativa. O signo nunca indica uma relação ente duas coisas ou
dois fatos, mas sempre uma relação entre duas ordens ou até mesmo entre duas
formas de relações. Relação de duas ordens: a ordem essendi e o ordo
cognoscendi, a ordem do que pertence ao objeto como um de suas propriedades
(relação objetiva, relação entre fatos objetivos) e a ordem do que serve para
designar este objeto ao interno de nosso conhecimento (relação intencional,
relação ao objeto). O signo pertence ao mundo do conhecimento, no qual se
estabelece uma relação entre a ordem sensível (significante) e a ordem inteligível
(significado). O signo está composto de uma estrutura “triádica”: significante,
significado e intérprete.
c) Símbolo: freqüentemente, nasce da expressão que une duas partes significativas
de um objeto, o qual reconstruído adquire o poder de atestar um evento passado
que tem conseqüências presentes. Pode-se definir o símbolo como a entidade,
composta de dois elementos, correlativos e essenciais, o qual devido a tal
estrutura tem um poder interno de evocar outro diverso de si. No símbolo,
significado e significante estão em planos diversos.

O caráter social da língua, em relação a outras instituições, é o mais extenso, é o mais


radical e o mais condicionante concernente ao individuo. A língua é em cada momento uma
construção de todos: distribuída em uma “massa” que a maneja, isto é, uma coisa da qual
todos os indivíduos se servem todo dia. Neste ponto, não é possível fazer confrontos com as
outras instituições. As prescrições de um códice, os ritos de uma religião, os sinais marítimos...,
só interessa a certo numero limitado de indivíduos durante um tempo limitado, a língua, ao
contrário, cada um se interessa por cada momento, por isso que ela sofre a influencia
continuamente de todos. A língua é, entre todas as instituições sociais, a que oferece menor
oportunidade às iniciativas. Ela forma corpo com a vida da massa social, e essa aparece como
um fator de conservação.
De fato, porque é arbitrário, o signo não conhece outra lei que aquela da tradição e
precisamente, pelo fato de ser fundado na tradição, é que pode ser arbitrário.
Por língua privada deve-se entender uma imagem na qual os nomes e descrições
individuais recorram exclusivamente às experiências mentais do usuário desta linguagem. Isto
é impossível! Toda linguagem é pública e tem que possuir certos critérios intersubjetivos, caso
contrário, como o sujeito individual pode medir o correto ou o incorreto uso das expressões
usadas. As linguagens naturais são produzidas no curso da evolução psicológica e histórica
(copta, grego, espanhol). As linguagens artificiais são construídas de acordo com certas regras
formais (lógica, matemática).
Portanto, Saussure põe oposição entre o conceito de língua e conceito de palavra. A
língua não é a linguagem. A linguagem é uma faculdade comum a todos, é a faculdade
universal do falar, enquanto a língua é um produto social da faculdade da linguagem. A língua
é algo externo ao individuo, é um fato institucional. A língua é um fato social, um sistema de
signos que o individuo aprende a manobrar e a usar para pensar e para comunicar, para viver
como homem. A palavra, ao contrário, é a dimensão individual, um ato individual da vontade e
da inteligência. O estudo da linguagem comporta duas faces: uma essencial, língua, que na sua
essência é social e independentemente dos indivíduos; enquanto a outra é secundária, a parte
individual, a palavra compreendida em sua fonação.

9. Wittgenstein e a comparação entre “jogo” e “língua”


O termo jogo lingüístico é uma analogia, uma comparação dos vários usos da língua
com tudo aquilo que nós chamamos “jogo”, como jogo de xadrez. Como também no jogo de
xadrez é definido que coisa é o “rei” ou a “torre” por meio das convenções que regula o modo
de movê-los, assim o significado de uma expressão lingüística é deste modo determinado
mediante o modo que os homens se servem dele, mediante as regras segundo as quais ela
vem usada em certas situações típicas, e nos diversos “jogos lingüísticos”. O significado de
cada expressão lingüística depende de sua relação com os outros elementos do mesmo jogo
lingüístico e em definitivo com a lógica, com a gramática específica do jogo lingüístico em
questão.
Nas Investigações Filosóficas, Wittgenstein, depois de dezesseis anos, reconhece os
erros sérios que tinha cometido no Tratactus logico philosophicus. No seu segundo período,
ele romperá com aquilo que afirmara no Tratactus, apresentando uma nova concepção
lingüística nas Investigações Filosóficas.
A tese fundamental do Tratactus apoiou-se no preconceito de que a única finalidade
da linguagem era a descrição dos dados empíricos. A atitude de Wittgenstein se faz mais
tolerante e mais aberta agora e o filósofo alcança as convicções que a linguagem não só
expressa significados descritivos, mas também significou imperativos, apelativos,
interrogativos... A linguagem descrita no Tratactus segundo o qual toda palavra tem um
significado e o significado é o objeto para o qual a palavra está, é apenas uma das formas da
linguagem próxima à outras possibilidade infinitas. Assim, Wittgenstein, nas Investigações
Filosóficas prefere a linguagem comum e ordinária pela imensidade de expressões e pela
riqueza de seus conteúdos.
A multiplicidade de linguagem não pode ser estabelecida uma vez por todas: novos
tipos de linguagem, novos jogos lingüísticos nascem continuamente enquanto outros caem em
desuso e são esquecidos. “Por jogos lingüísticos nós entendemos o modo pelo qual uma
palavra pode ser usada para usos múltiplos, porque são infinitas as circunstancias em que elas
são usadas”. Disto resulta que o significado de uma palavra e de uma proposição depende do
uso que é feito dessa pela linguagem em várias circunstancias. Então, a linguagem sob o uso
das palavras reside na identificação do significado com o uso. Essa pode ser considerada a
grande inovação da filosofia analítica certamente wittgensteiniana que leva o filósofo a
superar o “solipsismo” do Tratactus (o “solipsismo” comporta incomunicabilidade da
linguagem pelo seu significado pictórico-figurativo da realidade, enquanto se refere aos dados
sensíveis). A nova teoria da linguagem adquire uma dimensão social, desde que a linguagem é
fonte de comunicação e de vida.
A filosofia, no programa das Investigações Filosóficas, tem a simples tarefa de analisar
a funcionalidade de jogos lingüísticos, eliminar confusões e ambigüidades, falsos problemas
produzidos pelo abuso ou pelo mau uso da linguagem. A ação filosófica pode ser sintetizada
neste ponto:
- a Filosofia desenvolve uma ação descritiva: deve só examinar a funcionalidade dos
distintos jogos lingüísticos e não explicá-los ou interpretá-los. “A filosofia se limita, então, em
colocar-nos diante de tudo, e não de explicar e não deduzir nada. Considerando que tudo é
perceptível, não há nem mesmo qualquer coisa de explicar. O que está escondido não nos
interessa” (Investigações Filosóficas, 126).

10. Heidegger: linguagem como faculdade humana ou propriedade do ser


O parecer de Heidegger, se nós consideramos bem o fenômeno lingüístico, se nós
refletimos sobre a linguagem, enquanto nós buscamos descobrir a sua natureza autêntica, que
é aquela do “Zeigen” (mostrar), e aquilo que faz ser a linguagem como linguagem é o ditado
aborígine (“morra ou salve”) sobre o que se mostra (morra Zeige). “Na analise da linguagem,
enquanto linguagem descobre-se sua natureza profunda, descobre-se o que se manifesta de si
mesmo1”.
A linguagem originária tem uma força que fundamento o próprio ser das coisas,
quase de poder ser uma força criativa. Esta linguagem não é fundada sobre algum sinal nem ao
menos um simples conjunto de sinas. Essa (a linguagem) é a fonte originária e primordial do
“aparecer”, do “mostrar-se”.
Quem considerasse o falar humano só como manifestação da interioridade, reduziria a
essência da linguagem à expressão e à atividade do homem. Mas o falar dos homens não tem
seu fundamento em si mesmo, mas em outro falar originário, sua essência consiste na base de
todos os movimentos do universo, na relação das relações. O dizer originário permanece em si
mesmo e mantém o universo inteiro.
Como se vê, Heidegger nomeia uma densidade ontológica fundamental à linguagem
ordinária: a palavra não é só domicílio de sinais, mas também fonte e apoio do ser das coisas.
Contudo, isto não deve ser interpretado em termos de causalidade eficiente: não significa que
a palavra produz o ser das coisas, porque em tal caso a palavra se tornaria uma coisa. A palavra
não cria o ser, mas o manifesta. Não é uma realidade subsistente que produz outras
realidades, visto que Heidegger considera o falar originário à maneira de uma “relação”, a
relação “fundamental”, a relação de todas as relações, uma espécie de lei suprema: “a palavra
é a relação que incorpora e segura em si mesmo a coisa de modo que isto é uma coisa”. Na
relação linguagem-ser, os hermeneutas atuais põem o ser como a epifania da linguagem.
Deste modo em Heidegger, a linguagem faz aparecer, abrir, desvelar o ser.

11. Gadamer, a hermenêutica como caráter interpretativo da atividade lingüística


Entende-se por hermenêutica, a técnica e a arte da interpretação textual; neste
sentido foi conhecida desde a Antiguidade uma técnica interpretativa poética, mítico-religiosa,
teológica... O conceito de hermenêutica adquiriu nos autores recentes um significado
1
M. HEIDEGGER, Caminho verso à linguagem, 199.
completamente novo, muito mais vasto e rico daquele habitual: a hermenêutica não é mais
restrita à explicação dos textos obscuros dos clássicos grego-latinos e dos escritores sagrados
ou das tradições orais.
Essa se estende também à “tudo aquilo que nos é entregue pela história; assim nos
falaremos, por exemplo, da interpretação de um evento histórico ou interpretação de um
comportamento, expressões espirituais, mímicas, etc. Com isto, nós pretendemos sempre
dizer que a sensação do dado oferecida à nossa interpretação, não é descoberta sem
mediação, e que é necessário olhar alguma sensação imediata para que se possa descobrir o
verdadeiro significado escondido”
Hoje, se fala de hermenêutica psicanalítica, sociológica, histórica, etc. Mas as
contribuições decisivas no campo da hermenêutica foram de Schleiermacher, Dilthey e
Heidegger. Entendemos hoje por hermenêutica filosófica uma teoria generalizada da
interpretação ou uma teoria e prática da interpretação critica elaborada por Gadamer.
Gadamer contrapõe ao método, como possibilidade de alcançar a verdade, a
hermenêutica filosófica. A hermenêutica filosófica não coincide com a hermenêutica
entendida como técnica para compreender textos e documentos, mas estende o seu campo de
ação à existência humana no seu ser no mundo e na sua história. Segundo Gadamer a verdade
não se alcança com processos cognitivos, mas essa é o resultado de uma fusão de horizontes,
em que a nossa pré-compreensão é suscetível de integração e “resistematizações” indefinidas.
A pré-compreensão que o homem deve perenemente adaptar-se é o conjunto
daqueles elementos que precedem a cada juízo e que constituem o horizonte: o conjunto de
expectativas ou de esquemas de sentido, de linhas orientadoras provisórias, em que aquilo
que se deseja compreender é já em parte pré-compreendido. Sempre radicalizada em uma
situação histórico-temporal determinada, a hermenêutica não é nunca abstrata, mas advém
como aplicação e é constituída essencialmente pelo vinculo com a práxis, a concretude e a
situação singular.
O processo hermenêutico se resolve em uma análise continua e não alcança um
conhecimento absoluto e definitivo daquilo que interpretamos. Isto ocorre especialmente em
três âmbitos: arte, história e linguagem. Cada um desses possui um próprio conteúdo de
verdade, que nenhuma metodologia está em condição de captar. A relação que o sujeito tem
com a verdade e interpretar coincidem com o fazer experiência de verdades extra-metódicas e
extra-científicas. Na experiência histórica, filosófica e artística, o homem é diretamente e
subjetivamente envolvido. O homem é parte do evento revelador da verdade, por ser ele
própria a ter de tomar posição, afirmar-se como identidade específica nos confrontos com os
acontecimentos. A experiência é, então, entendida como abertura a outras experiências.
Segundo Gadamer, a palavra não é um signo acidental vinculado exteriormente à
coisa, mas a linguagem coincide com a experiência concreta das coisas. De um lado, a
compreensão é entendida como estrutura da existência humana, é radicalizada no horizonte
da linguisticidade, de outro lado, o próprio ser é compreendido só enquanto se dá na
linguagem. A ontologia identifica-se com a hermenêutica. A linguisticidade do compreender
comporta um processo lingüístico em ato, que toma forma na história dos efeitos, na história
da incidência e da distancia que o fenômeno histórico tem em relação ao sujeito que busca
interpretá-lo. A interpretação deve examinar os próprios pré-juízos e tomar consciência que
pertence a uma história constituída pela própria coisa a interpretar. Em tal modo, o horizonte
do presente implica o horizonte do passado e não pode constituir-se separadamente.
O problema hermenêutico inicia desde o momento em que se toma consciência da co-
implicação – cumplicidade autentica – da interpretação em todo entendimento e
compreensão humana. Interpretar não é deste modo um ato secundário, posterior e
entendimento adiado, mas toda compreensão sempre já um ato interpretativo. A
interpretação aparece assim como o modo específico do entender humano, o qual, enquanto,
entendimento interpretado, é em sua ultima intenção compreensão – compreensão
antropológica (fala-se de sentido) da realidade. A consciência crítica que a filosofia institui não
faz senão explicitar e trazer a linguagem que em toda ciência e consciência acontece de um
modo inconsciente e acrítico, sendo constituído deste modo, então, o filosofar em
interpretação (critica) da interpretação.
Deste modo, o aspecto de histórico e o laço com a linguagem e os textos estão no
centro da noção de interpretação dada por Heidegger para o qual o homem é lançado no
mundo, “jogado” no sentido de que a sua existência já está sempre qualificada por certa pré-
compreensão do mundo encarnada na linguagem do qual cada um se encontra inserido;
interpretação é então “a articulação da compreensão” que nos constitui como existentes (Ser
e Tempo, p. 32). Esta generalização da interpretação que se torna a dimensão constitutiva de
toda existência, foi retomada por Gadamer que propôs uma real ontologia hermenêutica.
São acentuados outros aspectos do fenômeno interpretativo nas outras elaborações
de contemporâneos principais: Ricoeur especialmente sublinha o conceito de interpretação
como desvelamento de sentidos escondidos, enquanto concebe a interpretação como
reservada à compreensão dos símbolos (sinais que têm significados equívocos), também
conectando um ao outro, com o mesmo sentido que o termo tem para o fundador da
psicanálise, Freud, que vê na linguagem a revelação dos mistérios escondidos.
Segundo Heidegger, é necessário descobrir e estar atento ao profundo significado
antropológico e metafísico da linguagem: a linguagem é o sentido, o sentido nos levar ao “ser”;
o ser nos leva ao Eterno. O homem é capaz de palavra porque é capax Infiniti. Por isto, a
linguagem fala, e homem fala enquanto corresponde à linguagem.
Em Heidegger, a linguagem aparece em um primeiro momento como a forma da fala,
como um dos modos em que se manifesta a degradação ou inautenticidade do Dasein. Frente
a este modo inautêntico, a autenticidade parece não consistir na fala, nem mesmo em
qualquer linguagem, mas no “silencio”, no chamado da consciência. Mas este modo
existenciário de considerar a linguagem se torna em um modo ontológico quando a linguagem
é vista como o falar do próprio ser. A linguagem como um primeiro poetizar é o modo como a
irrupção do ser pode ser feito, de tal sorte que a linguagem pode se tornar em um modo
“verbal do ser” (“a linguagem é casa do ser”).
Uma das tarefas específicas da filosofia da linguagem é a de elaborar a estrutura
apriorística da língua e do falar. A língua, por meio de suas regras constitui uma ordem, é a
priori com relação aos atos singulares de falar: se eu quero falar e comunicar, eu
necessariamente devo falar de certo modo. Esta filosofia vem elaborada seja na tradição
inglesa (Moore, Russell, e especialmente Wittgenstein e mais recentemente Austin e Ryal) seja
na tradição fenomenológica (Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty, Ricouer, Gadamer).
Pode-se falar de duas atitudes relativas à linguagem: uma atitude de confiança na
linguagem e outra de desconfiança. Podem-se examinar as doutrinas contemporâneas da
linguagem pelo menos sob cinco aspectos:
a) Doutrinas pragmáticas, a linguagem como instrumento;
b) Doutrinas existenciais, a linguagem aparece como linguagem humana e
manifestação da pessoa;
c) Doutrinas lógico-positivistas e lógico-atomistas, formalização da linguagem;
d) Doutrinas que estão interessadas pela análise da linguagem comum;
e) Doutrinas que estão interessadas pela linguagem como símbolo e simbolismo.

A filosofia da linguagem se articula em diversas direções conforme as diversas ciências


e as diversas partes da filosofia segundo o aspecto da linguagem que é considerado
predominantemente.
TEMA III – EXISTÊNCIA DA VERDADE

1. Origem do problema crítico

A lógica cientifica estuda os modos e as regras que possibilitam à razão o formular


proposições, juízos e adquirir a ciência. Contudo, isto supõe que a ciência e a verdade, como
uma conquista do objeto da parte do sujeito cognoscente, sejam possíveis.
O senso comum nos diz que nós conhecemos com os nossos sentidos as coisas
existentes fora de nós, e com o intelecto alguns valores universais como os princípios e
algumas verdades gerais. O homem por instinto natural é realista. Nenhum, porém, crê seguro
da existência da ilusão e do erro. A experiência de todo homem é plena de ilusões dos sentidos
e dos erros do pensamento. Há existência de teorias contraditórias nos vários campos do
saber.
Embora no sonho, a memória e a fantasia trabalhem o produto não é um dado
totalmente subjetivo, mas uma modificação interna de dados já oferecidos ao sujeito e
existentes fora dele, na realidade. E se existe fora de nós, como se torna presente a nós?
Entramos em contato com essa diretamente, por intuição ou mediante uma representação
mental intermediária? Mas em tal caso, como saber se a representação é conforme a realidade
representada?
Ainda temos, por meio dos sentidos, a percepção de coisas particulares existentes fora
de nós e operamos com a mente conceitos universais; estes dois diferentes conhecimentos
têm os correspondentes extra-subjetivos entre eles reais? Ou só as coisas particulares existem
enquanto o universal é uma abstração, um símbolo, uma palavra vazia de significado? Em tal
caso, é uma noção inata ou fruto da atividade humana?
Como se vê, o problema da possibilidade do conhecimento não é assim simples. Cada
um tem uma instintiva certeza de que o pensamento tem valor objetivo, que é capaz de
conhecer as coisas. Contudo, é necessário perceber se esta certeza é um fato subjetivo ou se
há um fundamento cientifico. Existe a certeza espontânea e a certeza reflexa. A certeza
espontânea é a convicção instintiva que acompanha todo nosso ato cognitivo, a capacidade de
conhecer. O problema crítico não põe como objeto e objetivo da pesquisa a certeza
espontânea (dado imediato da consciência), mas a certeza reflexa ou cientifica. O problema
crítico nasce da duvida que reveste a certeza espontânea que o homem faz experiência do
erro. O problema do erro não é talvez o problema epistemológico fundamental... Mas o fato
do erro tem sido uma parte capital na história da teoria do conhecimento, porque tem
revelado, no espírito dos homens, o senso crítico. O filósofo, ao contrário do homem comum,
impõe uma reflexão crítica sobre a possibilidade e sobre o valor do conhecimento. Nasce assim
a lógica filosófica ou a crítica do conhecimento.
O problema da existência da verdade é conhecido como o “problema crítico”. A nossa
inteligência é capaz de tomar posse das coisas já que a verdade se encontra no ser?
Certamente, a verdade se encontra de direito no intelecto, o qual foi feito para a verdade. O
intelecto por definição é a faculdade da verdade. Mas será que a verdade se encontra no
intelecto de fato? Será que o intelecto está em condição de defender a verdade contra os
contestadores?
Os céticos negam que o homem esteja em condição de conhecer de fato a verdade. O
ceticismo é um fenômeno freqüente em época de crise. Sendo assim, o ceticismo está
presente no fim da época pré-socrática quando entra em crise a civilização homérica
(ceticismo sofista), no fim da época clássica quando toda a civilização grego-romana entra em
crise (ceticismo acadêmico), no fim da época medieval quando a civilização crista entra em
crise (ceticismo nominalista e empirista), no fim da época moderna quando é questionado o
poder absoluto da razão (ceticismo niilista).

2. Solução do problema da existência da verdade


Os argumentos adotados pelos céticos contra a existência de uma verdade acessível ao
homem são sempre os mesmos: os erros dos sentidos, as contradições dos filósofos, a
variedade das doutrinas, a relatividade dos valores, a impossibilidade de fornecer argumentos
decisivos que sustentem a verdade. E como responder aos céticos?
Os principais critérios de oposição ao ceticismo e em defesa da existência da verdade
são:
a) Observar que o ceticismo é um fenômeno cultural transitório que representa o
momento de crise de uma civilização;
b) Argumento aristotélico: ele refuta o ceticismo mostrando que existe ao menos uma
verdade que o próprio cético deve reconhecer: o principio de não contradição.
Este é um principio que ninguém pode negar, pois negá-lo implica um
reconhecimento implícito. Contudo, sendo o pressuposto de cada conhecimento e
a garantia de seu valor é indemonstrável (Met., IV, 1006. 7-8)
c) Argumento agostiniano-catersiano: a verdade irrecusável da própria existência que
não pode ser negada nem por quem duvida. Agostinho diz que “si fallor sum”, se
duvido existo. Ele diz que a duvida é uma forma de pensamento e o pensamento
não é concebível fora do ser, então, vem rebatida por si mesma a duvida em ato.
Em oposição aos céticos, ele defende o primado do ser e de Deus íntimo a nós
mais que a nós mesmos (De Civitas Dei, XI, 26). Descartes usa a expressão “cogito
ergo sum” para sublinhar as exigências do pensamento humano e que a clareza e
distinção sejam critérios de outras formas de conhecimento. Agostinho preocupa-
se com seu argumento em revelar a existência de Deus, enquanto Descartes busca
revelar quem é o homem;
d) Argumentum ad hominem (Tomás de Aquino): a existência da verdade é evidente
porque quem a nega, simultaneamente, está afirmando-a. Se alguém diz que não
existe a verdade, então é verdadeiro que não existe a verdade e isto significa que é
necessário admitir ao menos que isto é verdadeiro, logo existe a verdade (I q.2, ad.
3; C.G.I, q.2, a.33, n.8).

As teses que atestam a existência da verdade são:


a) A verdade pode derivar da própria duvida: que nega a existência da verdade
adota em suas argumentações implicitamente o principio de não-contradição
como verdade efetiva, confrontando-se com a contradição inerente à própria
tese;
b) A verdade da própria existência: quem duvida aceita ao menos a verdade de
sua existência como ser duvidoso;
c) O princípio de não-contradição: a existência da duvida e de quem duvida
implica a aceitação do principio de não-contradição como uma verdade;
d) A verdade da natureza do intelecto humano: é natural ao nosso intelecto
conformar-se às coisas conhecidas, o intelecto é feito para conhecer a verdade;
e) É evidente que existe a verdade porque quem a nega afirma no mesmo
momento que a nega, pois, se não existe a verdade, é necessário ao menos
admitir como verdade que não existe a verdade;
f) A própria existência do erro é uma prova da existência da verdade: o erro
supõe a verdade, pois o erro é a privação da verdade.

Os filósofos propuseram vários critérios para distinguir o verdadeiro do falso. Os


principais critérios são: a evidência objetiva (realismo), a clareza e distinção (racionalismo), a
verificação experimental (neopositivismo), a falsificabilidade (racionalismo crítico), a coerência
(idealismo), a práxis (pragmatismo e marxismo). O valor dos critérios depende dos âmbitos
que são aplicados.
3. Natureza do problema crítico: estados do intelecto diante da verdade
Há diversas maneiras do eu defronte à verdade. Os vários estados do intelecto
frente à verdade são:
a) Certeza: do estado em que o intelecto exprime um juízo sobre a verdade de um
conhecimento sem medo de errar;
b) Duvida: estado em que o intelecto não se pronuncia sobre a verdade de um
conhecimento adquirido, suspensão da avaliação, ausência de adesão;
c) Opinião: estado em que o intelecto exprime um juízo com reserva da
possibilidade de seu contrário;
d) Falsidade: a falsidade é a inadequação da coisa ao intelecto;
e) Erro: o assentimento a uma proposição falsa. O erro é a privação da
conformidade mental com a realidade.

A certeza é a meta definitiva do intelecto que procura a verdade porque somente


no estado de certeza, a verdade é verdadeiramente possuída. A certeza é um elemento
subjetivo, mas a evidencia é um elemento objetivo. A certeza pode ser classificada conforme
vários pontos de vista: certeza espontânea e certeza científica (modo como é adquirida),
certeza natural e certeza sobrenatural (tipo de faculdade cognoscitiva), certeza metafísica,
física e moral (tipo de fundamento), certeza intrínseca – ciência – e certeza extrínseca – fé –
(critério de evidência).

4. Várias respostas ao problema crítico:


1) Ceticismo: a teoria gnosiológica que põe em duvida a certeza de nosso
conhecimento. Os argumentos dos céticos se fundam em: a) a diversidade de opiniões entre os
homens e as contradições dos filósofos; b) o erro e a ilusão derivados dos sentidos; c) circulo
vicioso consiste em afirmar que não se deve admitir como certo nada que não tenha sido
demonstrado. Mas cada demonstração deve fundar-se sobre a verdade dos princípios da qual
parte, e estes princípios devem ser demonstrados partindo de outras premissas.
2) Relativismo: a relatividade do conhecimento: nada é verdade ou mentira porque
cada coisa conhecida depende de um sujeito determinado, pleno de pré-juízos e de intenções
que confundem os seus interesses com a realidade (ceticismo parcial).
3) Pirronismo: uma completa suspensão do juízo afim de obter a ataraxia ou a
perfeita indiferença diante da coisa. O ideal do sábio consiste em entrar em si próprio, para
permanecer no próprio silêncio imperturbável e feliz (ética cética).
4) Probabilismo: a possibilidade de sair da dúvida pronunciando-se a favor de uma
opinião que se admite somente como provável. Não se pode possuir a verdade, mas somente
conjecturas plausíveis ou verossímeis.
5) Fenomenismo: defende que nós conhecemos as coisas somente como nos
aparecem, enquanto simples aparências, mas não podemos saber aquilo que essas são
verdadeiramente. Constatamos as aparências, mas não podem nem negar nem afirmar que à
essas corresponda qualquer coisa.
6) Empirismo: uma concepção que consiste em admitir os fenômenos em seu
aspecto factual e admitir a possibilidade de pesquisar as leis segundo as quais esses entram em
recíproca relação, mas sem superar o dado da experiência.
7) Idealismo: uma concepção que resolve o mundo no ato espiritual ou no ato do
pensamento, unificando a infinita variedade natural e humana em uma absoluta unidade.
Segundo o idealismo, o conhecer é o auto-pôr-se da consciência. Portanto, o ser consiste em
ser conhecido: esse est percipi. O conhecer é o fundamento do ser.
8) Realismo imediato: cada idéia corresponde necessariamente a uma realidade
subsistente.
9) Realismo moderado: sustenta que nem sempre os nossos conhecimentos tem
um correspondente exato na realidade. O ser é o fundamento do conhecer.
10) Realismo crítico: retém de demonstrar, como faz o criticismo, a existência da
realidade do mundo, partindo da consciência.

5. Crítica dos vários métodos


Os principais métodos da história da Crítica são:
a) “devir heraclitizante”: Heráclito diz que na realidade tem uma mudança continua:
as coisas mudam incessantemente através o fluir do tempo (passado, presente,
futuro). O presente constitui o ser, enquanto o passado e o futuro constituem e
representam o não-ser. O devir se atua através os contrários. As transformações
das coisas acontecem segundo uma harmonia superior produzida pelo Logos,
Mente divina que rege e governa o universo. O fogo, como natureza das coisas,
exprime em modo paradigmático as características perenes do contrasto e da
harmonia, que constituem a unidade dos opostos. A alma humana constituída de
racionalidade tem o objetivo de superar o conhecimento superficial das coisas
oferecida pelos sentidos para acolher a essência da realidade e compreender a
razão profunda das leis cósmicas através da mutabilidade dos fenômenos. Assim a
alma supera a própria individualidade e se eleva ao Logos, conformando o próprio
pensamento e as próprias ações com a razão divina. A verdade consiste em
acolher, entender e exprimir o logos comum a todas as coisas. Conhecer é acolher
a lei universal comum às coisas.
b) Dualismo parmenideo – Os filósofos da escola eleática entendem superar o
conhecimento sensível, que faz aparecer as coisas mutáveis, para afirmar que
somente a razão pode permitir ao homem de conhecer a realidade em sua
verdadeira essência, única imutável e imóvel. Ao dualismo metafísico de
Parmênides entre o mundo do ser (realidade) e o mundo do devir (aparência
ilusória) corresponde um idêntico dualismo no campo gnosiológico. Existem,
então, dois graus de conhecimento: via da verdade (via da razão), cujo objeto do
conhecimento é o mundo do Ser e a via do erro (via da sensação e da imaginação),
cujo objeto do conhecimento é o mundo do devir, do não-ser. O grande princípio
parmenideo, que é o princípio da verdade é: o ser é, e não pode não ser; o não-ser
não é, e não pode em nenhum modo ser. O ser é afirmado, o não-ser é negado, e
esta é a verdade; negar o ser ou afirmar o não-ser é a falsidade. Ser e pensamento
coincidem.
c) Anamnesi platônica – A alma, antes de encarnar-se, viveu no mundo das Idéias
onde contemplou as próprias Idéias. Ao descer, depois, no corpo, pelo contato
com a matéria, esqueceu aqueles conceitos eternos, também conservou delas
caracteres e a aspiração viva à verdade. É necessária, então, a experiência sensível
para que se desperte na alma a recordação das intuições precedentes. Por isso,
Platão diz que conhecer é recordar. Com a reminiscência Platão formula o
inatismo, ou seja, aquela concepção que admite as idéias e princípios presentes na
alma humana anteriormente à experiência e independente dela.
d) Realismo tomista – O critério supremo sobre o qual se fundamenta qualquer outro
critério é um critério universal e necessário. Este critério chama-se realismo. O
realismo supõe como critério supremo de verdade a evidência objetiva. O termo
evidência significa clareza, visibilidade plena. A evidência designa a manifestação
do que verdadeiramente é. Aquilo que se manifesta exclui a possibilidade da
dúvida (verdadeiro e próprio) e do erro, pois, é um critério decisivo de verdade e
objetivamente fundado sobre a certeza. Por conseguinte, o critério supremo da
verdade é a evidencia intrínseca imediata. A evidência pode ser: extrínseca e
intrínseca. A evidência extrínseca é aquela que não conhecemos a qual não
conhecemos a verdade pessoalmente, mas a aceitamos baseando-nos sobre a
aprovação dos outros. A evidência intrínseca pode ser imediata ou mediata. A
evidência imediata provém imediatamente da experiência; enquanto a mediata
depende de um argumento ou de um discurso. Esta última trata de uma evidência
participada enquanto a verdade da conclusão participa da própria evidência
contida nas premissas. Portanto, a evidencia intrínseca é objetiva porque não
depende das disposições pessoais do sujeito cognoscente, mas procede
diretamente da verdade já conhecida. Fundamenta-se radicalmente sobre o objeto
(res). O objeto com sua luminosidade produz uma adesão ao sujeito –
assentimento. A própria inteligibilidade do ente (verdade ontológica) é o ato que
causa na mente do sujeito a verdade lógica (juízo). Formalmente, a evidência não
pertence à coisa, mas ao conhecimento. Contudo, a verdade lógica não é uma
posse da coisa, mas de sua inteligibilidade. O verdadeiro ou o falso não está no
objeto, mas no conhecimento.
e) Cogito cartesiano – O princípio cogito ergo sum é uma verdade imediata, que todo
homem acolhe diretamente no ato de duvidar, do ato de pensar. O cogito é uma
intuição luminosa que se impõe ao sujeito como certeza inconfundível e que revela
ao próprio sujeito a sua realidade de ser pensante: o homem no ato de duvidar
intui de ser e identifica o seu ser com o pensar, reconhece-se como substancia
pensante. Somente esta certeza deriva diretamente do cogito ergo sum, enquanto
todas as outras coisas são ainda incertas e deve ser submetidas a duvida. A
verdade é a essência da razão, é por si mesma o fundamento da certeza.
f) Apriorismo kantiano - Kant põe à base do seu sistema filosófico o juízo sintético a
priori, que é constituído de um conteúdo a posteriori (as impressões sensíveis, a
matéria) e de um elemento a priori não derivado da experiência (a forma a priori).
O a priori em Kant indica a função, a atividade do espírito humano. Segundo Kant,
a síntese dos dados sensíveis é atuada a priori mediante a atividade comum a
todos os homens e tem caráter de universalidade e necessidade. O espaço e o
tempo são as formas a priori da sensibilidade. As categorias são as formas a priori
do intelecto. As idéias (alma, mundo e Deus) são as formas a priori da razão. A
passagem da sensibilidade ao intelecto é promovida pela categoria suprema, o Eu
penso, mediante a qual o sujeito tem consciência de própria identidade em sua
atividade sintetizadora. Esta consciência representa a condição e o fundamento
permanente de um conhecimento universal e necessário. Kant através da estética
e da analítica afirma que o conhecimento advém no âmbito da experiência e se
estende ao mundo do fenômeno (aquilo que aparece) e que se revela ao homem
mediante as formas a priori que coordenam e unificam os dados sensíveis. Este
conhecimento exclui o noumeno (a coisa em si), o pensável, mas não o
cognoscível.
g) Dialética hegeliana ou síntese dos opostos – com o idealismo romântico e em
particular com Hegel, surgiu a dialética como síntese dos opostos. Todavia, o
princípio da síntese dos opostos por meio da determinação recíproca (eu/não-eu)
foi introduzido por Fichte. Hegel diz que a dialética é a natureza própria do
pensamento já que é a resolução das contradições nas quais permanece envolvida
pela realidade finita que é objeto do entendimento. A dialética é a resolução
imanente na qual a unilateralidade e a limitação das determinações intelectuais se
expressam como sua negação. Todo finito tem de próprio o fato ou o ato de
suprimir-se a si mesmo. Portanto, a dialética consiste na posição de um conceito
abstrato e limitado, na supressão deste conceito como algo finito, na passagem a
seu oposto e na síntese das determinações precedentes que conserva o que há de
afirmativo em sua solução e em sua superação. Estes três momentos são
denominados: momento intelectual, momento dialético e momento especulativo.
A dialética é, então, não só lei do pensamento, mas também a lei da realidade
(identidade entre racional e real), por isso seus resultados não são puros conceitos
abstratos, mas realidades verdadeiras e necessárias. A dialética hegeliana é tríade:
tese, antítese e síntese. A antítese representa a negação, a alteridade da tese e a
síntese constituem a unidade e ao mesmo tempo a verdade de ambas. A dialética
é o desenvolvimento da Razão mediante o ritmo tríadico. Pensamento e realidade
se identificam (a identidade lógica e metafísica). A lógica é coincidência dos
opostos, pois a síntese concilia a tese e a antítese. A Razão é imanente na
realidade (panlogismo). O dualismo do fenômeno e do noumeno é superado pela
unidade do pensamento e ser. O processo dialético da Razão é circular porque o
seu termo ocorre na própria realidade inicial. A natureza permanece sempre
inadequada à própria Razão porque não exprime inteiramente o princípio ideal
que a informa. As coisas particulares são manifestações do Espírito abssoluto.
h) Epoché husserliana – a fenomenologia concebe a filosofia como análise da
consciência na sua intencionalidade. A consciência é a intencionalidade enquanto é
sempre consciência de alguma coisa; a análise da consciência é análise de todos os
modos possíveis que qualquer coisa pode ser dada à consciência (percebido,
pensado, recordado, simbolizado, amado, desejado...), por isso todo tipo de
sentido ou de validade que pode ser reconhecido aos objetos de consciência. Toda
indagação autenticamente racional é uma via que consente aos objetos de
consciência de revelar-se em seu “verdadeiro ser” ou em sua essência – o conceito
apofático (proposição negativa) da razão como manifestação ou revelação do ser.
Segundo Husserl, os fenômenos se revelam imediata e evidentemente ao espírito
e são presentes à consciência como manifestações da verdadeira essência das
coisas, por isso, a filosofia é a essência das coisas. A fenomenologia se difere do
fenomenismo kantiano porque segundo Kant, o fenômeno é a representação
aparente da realidade, já que a verdadeira natureza do fenômeno permanece
escondida e inacessível, a coisa em si, o noumeno não é conhecido. Para Husserl,
os fenômenos não são uma soma de dados sensíveis, como afirma Berkeley, mas
puras essências inteligíveis, idéias originárias, fora do tempo, formas universais e
necessárias, independentes dos dados empíricos, intuições eidéticas (essências)
imanentes ao espírito humano. As essências são imanentes à consciência e
constituem o conteúdo. A redução fenomenológica ou epoché é o processo com o
qual são postas à parte, postas entre parênteses, a existência do objeto intuído e
do sujeito intuente e as ciências que elaboram as sensações das coisas (empirismo)
e as percepções do espírito humano (psicologia). Aquilo que permanece da
eliminação, o resíduo de tal processo, é a intuição imediata, o fenômeno (aquilo
que aparece à consciência), a forma eidética, a pura idéia. Por isso a redução
fenomenológica oferece à consciência a intuição da essência genuína da realidade.
Husserl analogamente afirma que a existência do mundo e do eu é problemática e,
portanto, deve ser posta entre parênteses com a epoché, enquanto
incondicionalmente certas são as formas eidéticas que a consciência intui
mediante a redução fenomenológica. A consciência pode intuir as formas eidéticas
porque é puro pensamento e, enquanto tal, não pode ser submetida à redução
fenomenológica. As formas eidéticas presentes na consciência são o objeto do
pensamento. Existe, então, uma estreita relação entre formas eidéticas e
consciência: as formas eidéticas têm realidade enquanto se manifestam à
consciência e são imanentes à consciência; ela tende às formas eidéticas como
seus conteúdos de pensamento, aos quais é intimamente vinculada. Nesta relação
com as formas eidéticas, neste tender às puras essências consiste a
intencionalidade da consciência. Noesis é a atividade intencional da consciência – o
ato de conhecer; noema é o conteúdo do conhecimento. Noesis e noema tem uma
estreita relação ente si, mas não existe nenhuma correspondência entre noema e
uma coisa. Portanto, a fenomenologia husserliana do conhecer se articula em dois
momentos chamados respectivamente redução eidética e redução transcendental.
Na redução eidética, a epoché se refere à suspensão do juízo acerca da existência
do objeto real para examinar exclusivamente as representações. Na redução
transcendental, a epoché se refere à suspensão do juízo sobre qualquer conteúdo
do conhecimento para concentrar toda a atenção sobre o conhecimento puro. Na
redução eidética, a fenomenologia é aplicada à análise das representações vistas
como puras representações, prescindindo da existência seja do sujeito
cognoscente, seja do objeto cognoscitivo. Na redução transcendental, a
fenomenologia é aplicada ao estudo do conhecimento isolando-se de qualquer
conteúdo, mas dá importância ao estudo da consciência pura (eu) manifesta em
todos os seus atos (cognitivos, volitivos, apetitivos) como intencionalidade, como
tendência a um objeto.
TEMA IV - A NATUREZA DA VERDADE

1. A analogia da verdade

É vastíssimo o uso que nós fazemos do termo verdadeiro: é verdadeiro um conceito,


uma proposição verdadeira, um juízo verdadeiro, um fato, um testemunho, um símbolo, uma
fé verdadeira, uma doutrina, uma religião... Existem muitas definições da verdade porque
muitos são os objetos dos quais essa se predica. Santo Tomás reduz as definições a três: as
coisas (entes), os juízos (pensamentos) e as proposições (linguagem).
A este ponto, porém, nasce um problema. Um termo que, como “verdade”,
“verdadeiro”, predica-se de objetos diversos, não pode certamente ser um termo unívoco, e
próprio por este motivo, dão-se muitas definições de verdade. Então, estamos defrontes a um
termo equivoco? Não. Contudo, existe um elemento comum na predicação que torna o
significado do termo “verdadeiro”, “verdade em parte igual e em parte diferente, como ocorre
nos termos e nos conceitos análogos.
No De Veritate, Santo Tomás fala da predicação analógica do conceito de ciência que
vale também ao conceito de verdade. A expressão chave é “secundum prius et posterius” que
indica que um conceito não é aplicado a todos os sujeitos do mesmo modo (como na
predicação unívoca), mas segundo uma ordem, segundo uma hierarquia; assim de um sujeito
se diz a pleno título e propriamente, enquanto dos outros se diz secundariamente. Existe,
portanto, um analogado principal, aquele ao qual a noção indicada pelo termo análogo se
aplica formalmente e primariamente, enquanto os outros são analogados secundários. Ex.:
“são” se di diz do corpo, colorido, da medicina, da urina (De Veritate, q. 1, a.2).
Tomás explica que o “verdadeiro” propriamente se diz do intelecto, porque a essência
da verdade, que é a “adaequatio”; registra-se formalmente no intelecto; enquanto se dizem
“verdadeiras” as coisas enquanto são causa da adequação e as proposições são o efeito.
Mediante a adequação toma-se consciência de todos os usos (ontológico, lógico e semântico)
do termo “verdadeiro” (verdade).
A verdade lógica vem absolutamente primeira, porque é no intelecto que se realiza
formalmente o conceito de verdade (in quo formaliter ratio veri perficitur). Intencionalmente,
a verdade ontológica vem por segunda, a verdade semântica vem por última.
O analogado principal do conceito de verdade é a verdade lógica, porque a adequação
se dá no intelecto; a res (verdade ontológica) é um analogado secundário, porque é a causa da
verdade do intelecto; a enunciação ou proposição é um analogado muito secundário porque é
o efeito da verdade do intelecto, que apenas exterioriza a verdade lógica.
A verdade lógica se realiza segundo uma hierarquia, secundum prius et posterius. Em
primeiro lugar, a verdade é uma propriedade do intelecto divino, o qual não se adéqua às
coisas, mas as coisas se adéquam ao intelecto divino. Deus é o princípio ativo da verdade, o
artífice da verdade, ele faz a verdade das coisas. Em segundo lugar, a verdade é uma
propriedade do intelecto humano, o qual para ser verdadeiro deve adequar-se às coisas; o
intelecto humano é o princípio passivo da verdade; o homem descobre a verdade, mas não a
cria.
Heidegger privilegia a verdade ontológica em relação à verdade lógica. Ele afirma que
a verdade é essencialmente a-letheia. Ora, a-letheia, segundo o significado etimológico, quer
dizer “tirar” (o alpha privativo) do “esconderijo” (lantháno, em grego, significa esconder). A
verdade é propriedade do ser: é o ser que sai do esconderijo, que se manifesta.

2. A verdade lógica como “adaequatio intellectus et rei”


A pretensão de validade do conhecimento acompanha a verdade. A correspondência
ou a adequação é reconhecida como fator constitutivo da verdade. Algo é verdadeiro à medida
que há uma perfeita correspondência ou uma plena adequação entre o intelecto e a coisa,
entre o pensante e o pensado. Chega-se ao conhecimento da coisa no momento em que a
nossa mente a compreende, identifica-se com a coisa. “Veritas est adaequatio rei et
intellectus”. Todo conhecimento se realiza através da assimilação do sujeito cognoscente à
coisa cognitiva. Assim a assimilação é causa do conhecimento.
O ente concorda com o intelecto e esta concordância chama-se adequação da coisa ao
intelecto e nisto se realiza a definição de verdadeiro. Sendo assim o ser da coisa (entitas rei)
precede a noção de verdade, mas o conhecimento é certo efeito da verdade.
Agostinho diz que o verdadeiro é isto que é. Avicena diz que a verdade de qualquer
coisa é a propriedade de seu ser que é assimilado. Alguns dizem que o verdadeiro é indiviso do
ser e do que é. Isaac diz que a verdade é adequação da coisa ao intelecto. Anselmo diz que a
verdade é a retidão perceptível só pela mente. Aristóteles diz que o verdadeiro é isto que é ou
que não é isto que não é. Hilário diz que o verdadeiro é declarativo e manifestativo do ser.
Agostinho diz que a verdade é aquilo mediante o qual se mostra isto que é. Então, a verdade é
inerente ao conhecimento. Quando há um autêntico conhecimento há verdade e vice-versa. A
conformidade do intelecto à coisa implica o conhecimento da coisa.
Há três aplicações fundamentais do conceito de verdade referente ao ente, ao
conhecimento e à linguagem. Daí resulta três definições: ontológica (veritas rei), lógica (veritas
intellectus) e semântica (veritas enuntiationes).
A verdade semântica ou das proposições é secundária porque é a exteriorização da
verdade lógica – o “verbum exteribus” da verdade do conhecimento.
A verdade ontológica é uma propriedade transcendental do ente. A definição formal é
a mesma que se dá à verdade lógica: “adaequatio rei et intellectus”. Trata-se essencialmente
de uma relação. Mas enquanto na verdade lógica o relativo ou o mesurado é a mente e o
medidor é a coisa; na verdade ontológica, o mesurado é o ente (participação do ser) e o
medidor é o próprio ser (Deus). A verdade ontológica referente a Deus é verdade substancial
ou essencial porque a realidade das coisas depende de sua participação. A verdade ontológica
referente à inteligência humana é acidental porque o ser das coisas não depende de fato do
nosso conhecimento. A verdade ontológica acidental chama-se também de inteligibilidade. As
coisas são verdadeiras e inteligíveis à medida que são em ato. Mas qualquer ato há sua raiz
última no “esse ipsum”, que é a atualidade de todos os atos. Por isso as coisas são inteligíveis
ao passo que participam do ser.
A verdade lógica é uma relação de conformidade do intelecto cognoscente com a
realidade cognoscitiva. Tem-se um conhecimento verdadeiro quando há união intencional do
sujeito com o objeto. A verdade lógica é uma relação de configuração e de modelo: o modelo
ou a mesura é a coisa. O mesurado é a idéia do intelecto e é o fundamento da causalidade
exemplar e da relação real do intelecto. A relação do intelecto se define como uma relação de
conformidade. O intelecto representa o ser natural (essência) da coisa como ser intencional. A
essência da coisa que se encontra individuada pela matéria em modo concreto, material e
singular vem extraída pelo intelecto e a modifica para configurar ao intelecto e se torna
abstrata, espiritual e universal. Conhecer é subjetivar o objeto conhecido, permanecendo,
porém, a identidade entre a coisa em sim e a coisa conhecida. O intelecto cognoscente se faz
todas as coisas para adequar-se a essas. A “species intelecta” é a forma da coisa que vem a
uma nova existência, fora da coisa, no intelecto recipiente.
Os dados dos sentidos são simples apreensão, reprodução ou imagem das coisas, por
isso não são verdadeiros nem falsos. A verdade está na coisa se esta é conforme a sua
natureza; está na cognição do intelecto se este se conforma à coisa; contudo, o conhecimento
da verdade pertence ao intelecto que forma o juízo e aqui está propriamente a verdade. O
juízo da verdade ocorre pelas operações de composição e divisão do intelecto. Por estas
operações, o intelecto diz que o ser conhecido existe verdadeiramente fora do pensamento
assim como é percebido pelo intelecto. O intelecto cognoscente julga (compõe ou divide) dois
conceitos e ao mesmo tempo reflete sobre o juízo recebendo a plena conformidade do ser
intencional de juízo com o ser real da coisa julgada. A verdade está no intelecto quando possui
a semelhança com a coisa conhecida. Tal semelhança é a forma lógica, acidental, apreendida à
medida que conhece a coisa e pela qual o intelecto se torna ato. Daí ser a verdade definida
como a conformidade da forma lógica do intelecto com a forma ontológica da coisa.
O fundamento da verdade é a existência da coisa conhecida da qual depende a
existência própria do pensamento com ente lógico. Se o conhecer é intencional, não é possível
haver conhecimento que não seja conhecimento de qualquer coisa. O verdadeiro não pode ser
verdade se não de alguma coisa, isto é, a verdade é sempre verdade do ser. A essência
percebida no conceito se refere à ordem da realidade existente da qual é abstraída, mas só
indiretamente. O juízo é uma verdade porque exprime sempre uma relação existencial entre o
sujeito e o predicado. Ontologicamente, ser e verdade coincidem; todavia, logicamente,
verdade e ser são inseparáveis.
A verdade é una, indivisível e imutável. Estes predicados são propriedades intrínsecas à
natureza da verdade, portanto, são essenciais.
A verdade pode ser entendida como valor absoluto e as verdades particulares como
atualização deste valor. Então, as proposições que contêm as verdades são múltiplas, mas o
valor que essas expressam é um só – relação de conformidade, que ocorre no juízo afirmativo
ou negativo. O uno exclui o outro porque dois juízos contraditórios não podem co-existir.
O juízo ou é totalmente verdadeiro ou totalmente falso. Nos juízos metafísicos ou
matemáticos isto é evidente. Não existem graus na verdade formal. A indivisibilidade é uma
conseqüência da unidade e tem como fundamento o princípio do terceiro excluído, porque a
realidade não é contraditória.
Na conformidade consciente entre sujeito e objeto reside a verdade formal ou lógica.
Quando o sujeito e o objeto permanecem imutáveis, a relação de conformidade é imutável.
Quanto à coisa conhecida, é necessário distinguir verdades necessárias de verdades de fato. As
verdades necessárias têm como objeto as essências necessárias e imutáveis. O intelecto não
pode negá-las ou mudá-las sem contradizer. As verdades de fato há como objeto a existência
de alguma coisa e sendo a existência um fato contingente permanece imutável e verdadeiro
porque o objeto existente permanece “daquela existência” e o intelecto “naquela
representação”.
Na filosofia do ser (ontologia), a verdade é imutável porque o pensamento é relação ao
ser (intencionalidade do conhecer) seja o ser necessário ou o ser contingente.
A verdade consiste na “adaequatio rei et intellectus”. A adequação tem lugar no juízo e
nas proposições, não nas idéias e nas definições. A qualidade da evidência está nos juízos
(afirmações e negações). Na evidencia perfeita, a conveniência dos termos da proposição se
manifesta no intelecto. A medida da verdade lógica é a “res”: a coisa que determina a verdade
do juízo (De Verit, q.1,a.2). O conhecimento humano é, por definição, encontro com o ser,
compreensão do ser. A evidência intrínseca e objetiva é, então, o critério supremo da verdade
porque só ela garante imediatamente que a coisa (o ser) seja assim própria como a inteligência
as afirma. As vias da verdade são múltiplas, no entanto, as principais são: a ciência, a filosofia,
a religião e a teologia. As duas primeiras vias são vias da razão, enquanto as duas últimas são
vias da fé. A ciência é necessária para o conhecimento das verdades do mundo. A filosofia é a
busca dos fundamentos últimos das coisas. A religião e a teologia buscam tornar inteligível a
verdade revelada.
Todo conhecimento ocorre mediante a assimilação do sujeito cognoscente à coisa
cognoscitiva. Santo Tomás fundamenta o realismo sobre a noção de intencionalidade. Aquilo
que conhecemos não são as idéias (species intentionales), mas as coisas. A species é somente o
instrumento (principium quo), não o objeto (obiectum quod) do conhecimento. O termo
intencionalidade significa “tender em direção ao outro”. Em virtude da intencionalidade, o
conhecimento se realiza sempre como “consciência de alguma coisa” e somente
sucessivamente como “consciência de si” ou “autoconsciência”.
O objeto próprio do nosso conhecimento intelectivo são as essências das coisas
materiais: nós as conhecemos mediante a abstração dos dados sensitivos. O objeto próprio do
intelecto humano unido ao corpo são as essências ou naturezas que têm a sua subsistência na
matéria corpórea; e mediante estas essências das coisas visíveis o homem pode ascender a
certo conhecimento das coisas invisíveis. O objeto adequado é o ser em toda a sua extensão e
compreensão. O esse ut actus, que é a atualidade de todos os atos, de todas as formas e de
todas as essências. Somente o ser intensivo, com a sua perfeição e a atualidade infinita, está
em condição de atuar a infinita abertura do intelecto. Em metafísica, o ser intensivo coincide,
na sua plena atuação, com o esse ipsum subsistens. E, além disso, ele afirma que a experiência
sensível é o ponto de partida de todo conhecimento intelectivo. Ao conhecimento é conatural
conhecer as coisas que são na matéria individual: os sentidos conhecem apenas os singulares.
3. A validade objetiva dos conceitos universais do processo abstrativo
A experiência nos diz que as coisas por nós conhecidas com os sentidos são
particulares. As coisas fora de nós existem como indivíduos. As idéias, porém, representam
aquilo que diversas coisas têm de comum e de universal. As idéias são, portanto,
representações universais das coisas particulares daquilo que cada coisa tem de si próprio e de
incomunicável. O universal é aquilo que é comum a muitos (universal ontológico) e se afirma
de muitos (universal lógico), enquanto o singular é incomunicável e irrepetível.
Como é possível surgir em nós idéias universais das coisas singulares? Qual é o valor
representativo do deste processo? As idéias possuem um valor objetivo?
Este problema é conhecido como o problema dos universais, porque está em questão
o valor objetivo das idéias universais; ou pode ser indicado como o problema da abstração,
porque a universalidade das coisas representadas pelas idéias é fruto do processo abstrativo
do intelecto.
Historicamente, as principais soluções propostas aos problemas dos universais foram:
a) Nominalismo – os nominalistas afirmam que, sendo as coisas singulares, também
os seus conhecimentos são singulares. Universal só existe o termo; um nome
universal que nós adotamos para sintetizar comodamente uma série de indivíduos
semelhantes. O universal é uma espécie de símbolos convencional para uma
comunicação mais rápida na vida quotidiana. A esse não corresponde nada de
objetivo na realidade das coisas. É um puro nome. Os universais não existem nem
no pensamento nem na realidade (nec in re, nec in mente).
b) Realismo absoluto – (Platão) – para os defensores do realismo absoluto, os
universais existem realmente, porque se são universais as idéias do nosso intelecto
(universal lógico), serão universais também as coisas representadas por essas
idéias (universal ontológico). Os universais são idéias subsistentes realmente fora
de nós. Este realismo parte da mesma premissa errada do nominalismo: a forma
do objeto conhecido deve existir no mesmo modo, seja no objeto conhecido seja
no intelecto cognitivo. Todo conhecimento é uma perfeita conformidade entre
sujeito cognoscente e coisa cognoscitiva, por isso o modo de ser do sujeito deve
identificar-se com o modo de ser do objeto. Enquanto o nominalismo, partindo da
experiência sensível das coisas singulares, reduz as idéias ao modo de ser singular
das coisas; já o realismo, privilegiando o modo de ser universal das idéias, reduz as
coisas ao modo universal de ser das idéias. O universal existe e é idêntico as coisas
(in mente et re). A ontologia se identifica com a lógica (Hegel).
c) Conceitualismo – segundo esta teoria, os universais existem, mas só no nosso
intelecto, porque as coisas singulares não têm conformidade entre as idéias
universais do pensamento e as coisas singulares da realidade. As nossas idéias não
correspondem a nada fora de nós; essas idéias não nos fazem conhecer o mundo
sensível. O universal existe na mente, mas não na realidade (in mente et non in re).
A idéia é um puro conceito. A idéia indica a representação do intelecto, o conceito
indica o ato mental que produz a representação. Então, para o conceitualismo, a
idéia se reduz a um puro ato mental, enquanto o conceito se exaure no sujeito
pelo sujeito. O fundamento do conceitualismo é a antítese entre o conceito
universal abstrato e realidade singular concreta. Portanto, ao negar o valor
objetivo dos conceitos, nega-se também o valor objetivo de todo o pensamento,
reduz o conhecimento a pura elaboração do sujeito (Guilherme de Ockam, Kant).
d) Realismo moderado (Aristóteles) – é a doutrina aristotélica seguida pela maioria da
escolástica antiga e moderna. Essa afirma que os universais existe no intelecto e na
realidade (in mente et in re), mas em modos diferentes; assim entre idéias e coisas,
entre pensamento e realidade existe uma conformidade real, mas parcial e
imperfeita. As coisas em si não são exatamente assim como representadas pelas
idéias. O conteúdo formal (essência) é idêntico, contudo, o modo de existir de tal
conteúdo é diverso: na idéia é universal, na coisa permanece singular. As coisas
permanecem singulares e concretas; as idéias, porém, como representações das
formas, são abstraídas das coisas e são universais.
Enfim, para Santo Tomás, “o universal é aquilo que é comum a muitos, diz-se
universal aquilo a que compete de existir em muitos (multis inesse) e ser predicado
de muitos (de multis praedecari)”. Trata-se, então, de uma realidade capaz de
existir em muitos indivíduos e de ser atribuída a muitos indivíduos, nos quais
permanece una e comum a todos. Esta realidade se chama essência. Ela existe nas
coisas materiais, individualizadas na matéria, e como tal é singular em ato, e
universal em potencia; existe, pois, como universal em ato no intelecto, como
simples essência abstrata das coisas (intenção primeira), e depois vista como
participada por muitos sujeitos e posta em relação com esses sujeitos (intenção
segunda).
O universal direto ou metafísico é a idéia da essência da coisa, reproduz o valor
intrínseco de maneira universal, sem ainda transformar-se em universalidade.
Assim se tem a idéia de homem, de triangulo que é participada e se estende a
muitos. É uma idéia universal, mas se prescinde da universalidade. É aquilo que o
intelecto colhe como primeira intenção, e é um conhecimento originário e
imediato.
O universal reflexo ou lógico é a idéia da universalidade do universal direto, e
se tem quando se reflete sobre o universal direto “homem” se percebe que
convém a muitos e é predicável de muitos indivíduos. O universal reflexo é uma
“relação de semelhança” que o intelecto tem como existente entre a essência
abstraída do universal direto e as muitas coisas às quais convém: É uma relação
posta pelo intelecto, e, enquanto tal, existe somente nele, também se há um
fundamento remoto na essência concreta, presente nas muitas coisas que
participam. O universal reflexo se compõe do universal direto e do caráter da sua
universalidade percebida na reflexão.
E como o universal direto é formulado pelo intelecto na primeira intenção,
assim o universal reflexo é constituído, em certo modo, ainda pelo intelecto, mas
com uma intenção segunda ou reflexão, que Santo Tomás chama intentio
universalitatis. É um ente de razão, não dado pela experiência imediatamente, mas
o universal reflexo construído sobre os dados da experiência, expressos no
universal direto e novamente relacionado a esses dados dos quais o universal
direto foi abstraído. Portanto, o universal direto e o universal reflexo são entes de
razão que existe só no intelecto e não nas coisas em que eles têm um fundamento.
O primeiro é obtido com a simples abstração universalizadora, o segundo por uma
reflexão sobre o primeiro.
Segundo o realismo moderado, o universal é um ente de razão com um
fundamento na realidade, que está no intelecto como produto de uma operação. A
matéria, unida à forma por constituir uma determinada essência, é o princípio de
individuação que reveste todo individuo: a sua forma, a sua essência e a sua
existência. Existe, porém, nas coisas, o universal em potencia que somente uma
causa eficiente (no nosso caso, o intelecto) pode levar ao ato. Não se trata de
abstrair um universal já em ato, mas de abstrair transformando um universal
presente só em potencia, em todo o individuo, porque o individuo todo (matéria e
forma, essência e existência) não é universal, mas universalizável pela ação
atualizadora do intelecto. Esta ação que transforma o universal potencial das
coisas em universal atual no intelecto é abstração.
O significado etimológico de abstração é aquele de “separação”, mas o seu
significado real, no contexto da doutrina realista, é muito mais complexo, por isso
se dão os diversos tipos de abstração. A abstração imprópria é aquela que,
permanecendo no âmbito das coisas particulares, considera um aspecto distinto e
separável. É um “prescindir da”, sempre permanecendo na esfera no particular. A
abstração própria e total é aquela que, entre aspectos distintos, mas inseparáveis
de uma coisa, percebe um, percebendo, só mentalmente, dos outros. Aquilo que
existe quando o intelecto considera a essência da coisa e transcende as suas notas
individuais que por outro, são inseparáveis dela. Enquanto a primeira abstração é
possível também pelos sentidos, mas não produz noções universais, a segunda é
realizada só pelo intelecto que se volta ao universal direto ou representação da
essência pela coisa. O empirismo e o positivismo conhecem só a abstração
imprópria.
O fundamento da abstração: um no objeto, o outro no subjetivo. A doutrina da
participação explica como uma perfeição possa existir em muitos subjetivos
diversos, e predicar-se de todos, permanecendo a própria. O fundamento objetivo
do universal abstrato é a perfeição formal das coisas, não só conhecida como tal
(universal direto), mas conhecida como relacionada a muitos e predicáveis
(universal reflexo) comum.
No sujeito, o fundamento da abstração está na dúplice atividade do intelecto,
abstrativa e comparativa, em sintonia com a estrutura metafísica do objeto, O
fundamento, sempre no sujeito, é atividade comparativa que tem o intelecto como
consciência. A consciência é a função com o qual o intelecto reflete sobre os seus
atos. O nosso intelecto ao refletir percebe a relação de participação e
comunicabilidade e de predicabilidade que o universal abstrato tem com os muitos
indivíduos que participam daquela perfeição formal.

4. A verdade nos processos indutivos e dedutivos


Nós estamos na verdade quando o intelecto afirma ou nega com certeza, e a certeza é
dada pela evidencia com a qual a coisa se manifesta ao intelecto. A evidência é o critério da
certeza, e em ultima análise, é o fundamento da verdade do juízo. A evidência intrínseca
imediata é a única auto-revelação do próprio ser que, sem mediações e possíveis erros, abre-
se a si ao intelecto, ao qual cabe ver ou intuir que as coisas são verdadeiramente assim. Este
tipo perfeito de evidência se encontra somente nos conhecimentos imediatos e intuitivos, por
isso são tomados em consideração apenas os juízos imediatos. A verdade-evidência imediata é
a relação indispensável e suficiente para que se possa falar de garantia da verdade dos nossos
juízos.
Os juízos sintéticos tem como sujeito uma coisa existente e singular. O sujeito dos
juízos analíticos é sempre uma essência abstrata, um conceito, por isso são todos necessários e
universais. Estes juízos analíticos se chamam princípios lógicos. Alguns são próprios de algumas
disciplinas cientificas (matemática, física, etc.) outros são comuns a todo saber, porque tem
como objeto não um determinado ente, mas o ente universalíssimo, o ser enquanto ser. Estes
são chamados primeiros princípios ou axiomas. Todos os juízos analíticos imediatos são per sé
noti, isto é, evidentes pelos simples confronto intelectual do sujeito e do predicado.
Os primeiros princípios se caracterizam por serem notíssimos (são conhecidos por
todos e servem para justificar outros conhecimentos), evidentíssimos (o predicado é incluído
no sujeito) e indemonstráveis (são intuitivos). Os primeiros princípios são: princípio de
identidade, princípio de não-contradição, princípio do terceiro excluso. O princípio de
identidade afirma que todo ser é igual somente a si mesmo (A=A; Não-A= Não-A;). O princípio
de não-contradição declara que uma coisa não pode ser afirmada e negada ao mesmo tempo e
sob a mesma relação, que não se podem atribuir à própria coisa qualidades opostas (A não
pode ser não-A simultaneamente sob o mesmo ponto de vista). O princípio do terceiro excluso
garante que entre dois termos contraditórios, absolutamente opostos, não pode existir um
terceiro termo diferente (entre duas proposições A=B e A diferente de B, não existe uma
terceira).
Os três princípios lógicos, evidentes por si mesmos, são comuns a todas as ciências,
são gerais e não tem um conteúdo particular. Toda ciência particular volta-se a sua indagação
em um campo determinado e necessidade de princípios próprios que deve ser extraídos do
mundo da experiência mediante o raciocínio indutivo. Desta forma, elas podem encontra as
essências universais das coisas, objetos das ciências singulares, e estas propriedades essenciais
serão assumidas como premissas de silogismos.
Com os sentidos se analisa as coisas individuais para colher nelas as características
próprias, a essência – característica e essência comuns àquelas coisas e a todos os indivíduos
pertencentes à mesma espécie. Exemplo: observando os homens dos séculos passados e do
nosso século, nota-se que os nossos antepassados são mortais e a mesma sorte tem também
todos os nossos contemporâneos: pode-se assim afirmar que a característica comum a todos
os homens é a imortalidade. E este juízo (todos os homens são mortais) pode fornecer a
premissa maior de um silogismo. Tal procedimento, que do particular (observação e análise
dos fatos e de coisas da experiência) vai ao universal (as características comuns aos indivíduos
da própria espécie) se diz indutivo.
O raciocínio dedutivo ou silogismo é formado por três juízos: os dois primeiros
constituem as premissas (maior, enquanto juízo universal, e menor, enquanto juízo particular)
e o terceiro é a conclusão (juízo particular). No silogismo a conclusão é verdadeira, se as
premissas são verdadeiras. A validade das premissas depende dos primeiros princípios lógicos,
que são universais e apodítico porque fundamentam todo tipo de demonstração (princípios de
identidade, de não-contradição, e terceiro excluso).

5. As raízes da falsidade
A falsidade é a inadequação ou desconformidade do intelecto e da coisa. As palavras
se dizem falsas de dois modos: falsidade de significação quando implica um falso
entendimento da coisa significada. Ex.: o homem é uma pedra; falsidade de linguagem quando
implica que o juízo interno de quem fala não consente a coisa falada.
As coisas não podem ser ditas falsas por si mesmas, porque todo ente é verdadeiro,
porém, podem ser falsas por acidente. Dizem-se falsas enquanto diferem da forma da arte
conforme o entendimento prático. Quanto ao entendimento especulativo, dizem-se falsas pela
semelhança a outras coisas.
A falsidade lógica enquanto falsidade em si não se refere à falsidade das coisas, mas
enquanto se diz ser o que não é ou não-ser o que é. Portanto, falsidade é a deformidade entre
o intelecto e a coisa.
Podemos concluir: como a verdade, assim a falsidade tem relação com o intelecto; não
há falsidade nas coisas porque são conforme a vontade de Deus; ao intelecto humano, há
falsidade nas coisas ou naquilo que é representativo do verdadeiro; se os sentidos não são
defeituosos, não há falsidade relativa ao sensível próprio, contudo, poderá haver erro
referente ao sentido comum porque esse não se refere diretamente ao seu objeto; o intelecto
não se engana conhecendo a coisa, mas pode se enganar julgando-a e nisto consiste a
falsidade.

6. As causas do erro
O erro só existe no sujeito que erra e por analogia fala-se de coisas falsas. O erro
verifica formalmente no juízo. A verdade ou o erro existe no momento em que se afirma ou se
nega um predicado de um sujeito (juízo). Aristóteles define o juízo como um discurso
verdadeiro ou falso. O erro não está na percepção dos sentidos, nem na simples apreensão do
intelecto. A imagem sensível ou idéia podem ser puras construções do sujeito, mas não são
erros já que não estão afirmadas como predicados de sujeitos. Portanto, somente nos juízos
podem existir erros.
O erro não tem uma matriz de natureza gnosiológica porque cada faculdade
cognoscitiva por si é infalível acerca do próprio objeto ao qual é ordenada por sua própria
natureza. As faculdades cognoscitivas são aptas a conhecer os seus próprios objetos e a
capacidade de conhecer inclui a verdade e não o erro.
O erro tem uma natureza psicológica já que se trata de um processo psicológico
defeituoso. Atribui-se um predicado ao sujeito antes de conhecê-lo bem e de haver a evidencia
objetiva definitiva que convém ou não a tal predicado. Erro conforme a matriz psicológica é
um juízo de irreflexão ou um juízo não justificado insuficientemente, isto é, um pré-juízo. A
ignorância, a inconsciência e a presunção são a matriz psicológica do erro,
A raiz mais profunda do erro refere-se à ordem metafísica. O erro permanece
inevitável porque está acompanhado da complexidade do ser e da finitudine do espírito
humano. O erro é um ato do intelecto causado pela intervenção da vontade que estimula o
intelecto a formular o juízo antes que esse conheça a coisa de modo evidente. Os sentidos, às
vezes, podem fornecer ao intelecto sensações, percepções e imagens falsas influenciados pelas
paixões.
TEMA V – O PROBLEMA DA NATUREZA

1. Sentido etimológico do termo “natureza”

Aristóteles na Metafísica 4 apresenta vários significados do termo “” (physis):


a) Geração de coisas que crescem;
b) O princípio originário e imanente do qual se desenvolve o processo do crescimento
da coisa que cresce;
c) O princípio de movimento que está em cada um dos seres naturais;
d) O princípio material originário de que é privado de forma incapaz de mudar só em
virtude da potencia que lhe é própria;
e) A substância ou forma dos seres naturais.

Os pré-socráticos foram os criadores do conceito de physis, por isso eles são chamados
de físicos ou naturalistas. Physis significa o princípio do ser e da vida de todas as coisas e o
princípio divino. O conceito de physis implica estruturalmente o conceito de divino.
Para os eleáticos, physis é o ser. A physis assume o caráter de assomaticidade em
Anaxímenes e Melisso. Physis implica inteligência e ordem como já evidente com a doutrina de
logos de Heráclito e, sobretudo com a doutrina de Anaxágoras e Diógenes de Apolônia. Enfim
com uma terminologia moderna podemos dizer que, para os pré-socráticos, a physis é a
totalidade do real considerado na sua estrutura ontológica, isto é, na sua ordem e nas suas leis
com tudo aquilo que estas implicam.
Platão fala da physis referindo-se às Idéias, isto é, ao Ser inteligível e meta-empírico.
Aristóteles com a distinção entre metafísica (filosofia primeira) e física (filosofia
segunda) comporta uma mudança do antigo significado de physis que, antes de indicar a
totalidade do real, designa predominantemente a realidade sensível; por essa razão, o
conceito de “natureza” coincide o conceito de natureza sensível.
Para os estóicos ou filosofia helenista, a physis é o fundamento da norma moral e
política.
Para Plotino, a physis é o logos que produz as formas e as fornece à matéria. A physis
deriva da contemplação da alma e essa é a própria contemplação.
Portanto, a história da evolução do conceito de physis alcança o limite quando é de
essencial no pensamento grego e, em particular, aquela cifra para o qual esse é em antítese
com o sobrenatural, do qual é portadora a mensagem cristã.
B) Perspectiva histórica

1) Período Antigo
Tales de Mileto foi o iniciador da filosofia da physis enquanto foi o primeiro que
afirmou a existência de um princípio único como causa de todas as coisas e ele disse que este
princípio é a água. Além disso, afirmou que o mundo está pleno de Deus e que o magnete
possui alma, porque se move (a alma é princípio de movimento). A água é origem de tudo. Tal
princípio significa a realidade primeira, originária e fundamental. Aquilo que é primário,
fundamental e persistente em oposição a secundário, derivado e transitório. Ele disse que a
água é o princípio porque constata que a nutrição de todas as coisas é úmida, e que o calor se
gera do úmido e vive no úmido. Ora, aquilo do qual todas as coisas se geram é o princípio de
tudo. E que todas as sementes de todas as coisas t6em uma natureza úmida e a água é o
princípio da natureza das coisas úmidas (Met., A3, 983b9). A água é o princípio porque é a
fonte, o sustento e o fim último das coisas. A expressão “tudo está pleno de Deus” refere-se ao
seu princípio-água, fonte, sustento e origem de todas as coisas. A dimensão teológica tem um
caráter naturalista. Todas as coisas devem participar do ser e da vida do princípio-água, por
isso todas devem ser vivas e animadas. Tales pensava as almas imortais, não como a
imortalidade pessoal, mas enquanto princípio ou movimento do princípio que está em todas as
coisas (água) e pelo qual as coisas subsistem. As coisas singulares são mortais, mas o imortal é
o princípio.
Anaximandro introduziu o termo “arché” para designar o “primum”, a realidade
primeira e última, a physis. Ele diz que o princípio é o “apeíron”, o infinito ou o ilimitado (Phys.,
24, 13; Diels-Kranz, 12 A9). “Apeíron” significa aquilo que é privado de “peras”, isto é de
limites e determinações não só externas, mas também internas. No primeiro sentido, apeíron
indica o infinito espacial, a grandeza e o quantitativo; no segundo, significa o indefinido, as
qualidades, o indeterminado qualitativamente. O a-peiron é espacialmente infinito e
qualitativamente indeterminado. O princípio, a realidade última das coisas, só pode ser o
infinito, porque esse não há princípio nem fim, não é gerado, não perece (Fis., 4, 203b6). A
valência teológica do princípio consiste em que o princípio divino como divino (
porque é imortal e incorruptível – arché ou physis de tudo – que rege e governa tudo.
Anaxímenes fala do ar como princípio de todas as coisas. Ele pensa que o princípio
deva ser infinito, mas que deva ser pensado como ar infinito, substância aérea ilimitada.
Próprio como a nossa alma (princípio de vida), que é ar, sustenta-nos e governa-nos, assim
como o sopro e o ar abraça o cosmo inteiro. O ar é próximo ao incorpóreo (não há forma, nem
limite e é invisível) porque nascemos do seu fluxo é necessário que esse seja infinito e rico, por
isso, o ar é princípio concebido como divino. Ora, ele introduz o ar como princípio porque: a)
por sua natureza móvel; b) variações necessárias para fazer as diversas coisas; c) a variação
quantitativa de tensão da originária realidade dá origem a todas as coisas (processo de
condensação e rarefação ou causa dinâmica).
Heráclito fala do universal dinamismo das coisas. “Tudo se move, tudo corre, nada
permanece imóvel e fixo, tudo muda e se transforma sem exceção. O dinamismo universal se
revela como harmonia dos contrários. E, na harmonia, os opostos coincidem. Esta harmonia e
unidade dos opostos são o princípio. Deus é dia-noite, guerra-paz, inverno-verão, saciedade-
fome. Ele põe o fogo como princípio fundamental e considera todas as coisas como
transformações do fogo”. O fogo exprime o mutamento contínuo do contrário e da harmonia.
O fogo é continuamente móvel, é vida que vive da morte do combustível, é continua
transformação. O fogo governa todas as coisas, por isso é intelig6encia, é razão, é logos, é lei
racional. O princípio associa-se à idéia de Inteligência-Deus.
Os pitagóricos dizem que o número é o princípio de todas as coisas. Nas matemáticas,
os números são por natureza os primeiros princípios. Todo o universo é harmonia e número.
Na realidade, todas as coisas há uma regularidade matemática. O número não é uma
abstração mental, mas é uma coisa real, a mais real das coisas, por isso, esse é considerado
princípio constitutivo das coisas, pois o número é a physis das próprias coisas. Todas as coisas
derivam dos números. O número é constituído de dois elementos: um
indeterminado/ilimitado e um determinado/ilimitado. O número nasce do acordo de
elementos limitados e ilimitados e, por sua vez, gera todas as coisas. Nos números pares
predomina o indeterminado (o menos perfeito), enquanto nos ímpares prevalece o elemento
limitante (o mais perfeito). Os pitagóricos consideravam o número ímpar como masculino e o
par como feminino. Filolau fez coincidir os quatros elementos com os primeiros quatro sólidos
geométricos: terra=cubo, fogo=pirâmides, ar=octaedro, água=hexaedro. Então, se o número é
ordem – acordo de elementos ilimitados e limitados – e se tudo é determinado pelo número,
tudo é ordem. E porque em grego, ordem se diz “”, os pitagóricos chamaram o
universo de cosmos.
Pitágoras foi o primeiro que denominou Cosmos o conjunto de todas as coisas. O
número exprime ordem, racionalidade, verdade. Todas as coisas que se conhecem têm
número e sem esse nada seria possível pensar nem conhecer. A partir dos pitagóricos, o
homem vê o universo como a ordem perfeitamente penetrável pela razão. Pitágoras sustenta
a doutrina da metempsicose – doutrina segundo a qual a alma, por motivo de uma culpa
originária, é obrigada a reencarnar-se em sucessivas existências corpóreas para expiar a culpa.
Esta doutrina vem do orfismo. O fim da vida é aquele de liberar a alma do corpo e para obter
tal fim é necessário purificar-se. Os pitagóricos adotaram a ciência como meio de purificação.
O fim último da vida é vier entre os deuses. Os pitagóricos introduziram o conceito de “reto
agir humano” como se fazer seguidor de Deus, um viver em comunhão com a divindade – bios
theoretikos – vida contemplativa. A purificação como busca da verdade e do bem através do
conhecimento.
Senofane critica a concepção dos deuses de Homero e de Hesíodo que atribuíam aos
deuses características humanas (antropomorfismo). Representar os seus deuses características
respectivas de cada povo implicava atribuir aos deuses não só o bem, mas também o mal. Ele
desmitiza as várias explicações míticas dos fenômenos naturais. Deus é o Kosmos, e o Uno é
Deus. A terra é o princípio. Tudo nasce da terra e tudo na terra finda. Terra e água são todas as
coisas que nascem e crescem. O kosmos não nasce, não morre e não muda, porém, sofre
variações a esfera da nossa terra. A superioridade dos valores da inteligência e da sapiência se
opõe à física dos atletas.
Parmênides, no âmbito da filosofia da physis, apresenta-se como um pensador
revolucionário, pois com ele a cosmologia se transforma em uma ontologia. Ele propõe a
doutrina do ser em seu poema na boca da déia que simboliza a verdade que se revela. A déia
parece indicar três vias: a absoluta verdade, a opinião falaz ou o erro e a opinião plausível. O
grande princípio de Parmênides é: “O ser é, não pode não ser; O não-ser não é, e não pode ser.
O ser é afirmado; o não-ser é negado, e esta é a verdade. Negar o ser ou afirmar o não-ser é a
absoluta falsidade”. Ser e não-ser são unívocos. O ser não é gerado, não é corruptível; não é
passado porque em tal caso não seria mais e nem futuro porque não seria ainda, mas é
presente eterno, sem início ou fim. O ser é imutável, absolutamente imóvel, perfeito, infinito,
idêntico no idêntico, indivisível, ilimitado, determinado. Finito porque só o finito é perfeito.
Igualdade e finitude são representações esféricas. Então, o ser é esferiforme. O ser é uno.
Somente o ser é pensável e exprimível (ser = pensar).
Zenão defende a doutrina de Parmênides contra os adversários que defendem o
movimento e a multiplicidade. A partir da refutação das teses contrárias nasce a dialética
como método de uma demonstração que, ao contrário de provar diretamente uma dada tese,
partindo de princípios determinados, busca prová-la, reduzindo ao absurdo a tese
contraditória. Os argumentos de Zenão contra o movimento e a multiplicidade foram que: o
movimento é absurdo e impossível porque o mais veloz não alcança o mais lento, a opinião diz
que o objeto está em movimento, mas na realidade está em repouso, a relatividade da
velocidade exclui a objetividade e a realidade do movimento; se os seres fossem múltiplos
deveriam ser infinitamente pequenos e grandes, finitos e infinitos; o espaço é a condição da
existência da multiplicidade, ao negá-lo, negamos a multiplicidade, o comportamento
contraditório que as coisas tem juntas a respeito de cada uma separadamente implica a
negação da multiplicidade.
Melisso de Samos fala dos atributos do ser. Segundo ele, o ser apresenta
ingerabilidade, incorruptibilidade, infinitude, atemporalidade, aprocessualidade, eternidade,
unidade, incorporeidade. O ser é, então, uno porque não limites nem internos e nem externos.
Com isso, foi eliminado o mundo dos sentidos e da opinião.
Empédocles diz que são impossíveis o nascer e o morrer como um vir do nada e um
voltar ao nada, porque o ser é, e o não-ser não é. O nascimento e a morte não existem, e isto
que os homens chamam com estes termos são um mesclar-se e um dissolver-se de algumas
substâncias que permanecem eternamente iguais e indestrutíveis. Tais substâncias são a água,
o ar, a terra e o fogo, que Empédocles os chamou de “raízes de todas as coisas”. A novidade de
Empédocles consiste no fato de haver proclamado a inalterabilidade qualitativa e a
intransformalidade de cada uma das substâncias. Surge desta forma, a noção de “elemento”
como algo originário e qualitativamente imutável, capaz só de unir-se e separar-se
espacialmente e mecanicamente em relação ao outro. Daí nasce a concepção pluralista que
supera o monismo dos jônicos e dos eleatas. Os quatro elementos se unindo dão origem às
coisas e separando-se dão origem à sua corrupção. As forças que os unem ou os separam são
as forças cósmicas do amor e do ódio, causas respectivamente da união e da separação dos
elementos. O kosmos não nasce quando predomina o amor porque o total prevalecer desta
força faz com que os elementos formem uma unidade compacta, chamada Uno ou Esfera. E
quando prevalece o ódio, os elementos são separados, e neste caso, existem as coisas e o
mundo. O movimento de perfeição ocorre não na formação do kosmos, mas na constituição da
esfera.
Aristóteles é o pai da cosmologia (filosofia da natureza). A Física é essencialmente o
estudo do movimento. Nos primeiros quatro livros desta obra, Aristóteles explora a natureza
do movimento; enquanto nos quatro últimos, ele explora os gêneros principais do movimento
e as causas últimas. A característica primária das coisas naturais, segundo Aristóteles, é o
movimento: distinção das coisas imutáveis e eternas (Metafísica) das coisas mutáveis e
transitórias (Física). A Física de Aristóteles se constitui como uma ontologia do movimento. O
horizonte do movimento é o ser, e o movimento é inerente as coisas que existem como uma
espécie de vida. Ele admite dos princípios plausíveis sobre o fenômeno do movimento: a
matéria e a forma. O movimento é a passagem da matéria de uma forma a outra. A matéria é
o substrato (hypokeimenon) da mutação acidental (local, qualitativa e quantitativa) ou
substancial. Nesta última, o conceito de matéria vem pensado como potencia em sua pureza
de absoluta indeterminação, absoluto poder ser substância, cuja forma confere toda
determinação. A forma é a razão pela qual a matéria se torna uma coisa bem determinada; a
forma é a essência de cada coisa ou substância primeira. A matéria e a forma não existem
separadamente. A isso, Aristóteles chamou “sinolo”. Na constituição do sínolo (substância
particular), a forma confere os caracteres específicos. A forma é “principium specificationis”,
enquanto a matéria é “principium individuationis”. A forma (princípio de determinação
ontológica) é também princípio de determinação lógica (inteligibilidade). A matéria enquanto
princípio de indeterminação é também a raiz da ininteligibilidade. Então, a doutrina
cosmológica reflete a doutrina gnosiológica.
O movimento advém sempre no espaço e no tempo. Todavia, nem o espaço nem o
tempo são realidades autônomas, mas realidades acidentais da substância que sofre mutação.
O espaço é a distância entre os corpos. O tempo é a medida segundo um antes e um depois.
Há quatro espécies de movimento: quanto à substância, geração e corrupção; quanto à
qualidade, alteração; quanto à quantidade, aumento e diminuição; quanto ao lugar,
translação. O movimento é, pois, a passagem do ser potencial ao ser em ato. Tudo que se
move é movido por outro. A aplicação deste princípio levou Aristóteles a provar a existência de
um Primeiro Motor (metafísica). Ora, a Física tem como objeto de indagação a realidade
sensível intrinsecamente caracterizada pelo movimento. Enquanto para os pré-socráticos, a
physis significava a totalidade do ser, para Aristóteles, a physis significa o ser sensível onde a
forma é o princípio dominante.
Aristóteles distinguiu a realidade sensível em duas esferas: mundo sub-lunar e mundo
sobre-lunar. O mundo sub-lunar se caracteriza pelas formas de mutação, sobretudo a geração
e a corrupção. O mundo sobre-lunar (céus) se caracteriza somente pelo movimento local
circular. A diferença entre o mundo sub-lunar e o sobre-lunar está na matéria de suas
constituições: no primeiro, a matéria dos contrários dada pelos quatros elementos (terra,
água, ar e fogo) que são transformáveis um em outro e o movimento é retilíneo; no segundo, a
matéria possui apenas a pot6encia de passar de um ponto a um outro e é suscetível a receber
o movimento local, o éter (corre sempre: ), a quinta essência cujo movimento é
circular. O éter não é gerado, não é corruptível, nem cresce nem diminui, não se altera, isto é,
não sofre mutação.
O mundo apresenta três tipos de substâncias: material, vivente e racional. A primeira
tarefa da cosmologia é definir a essência da substância e a segunda é descrever as suas
propriedades. Segundo Aristóteles, a substância é aquilo que é em si e não em outra coisa.
Substância é qualquer realidade dotada de um ato próprio de ser e que goza de consistência
ontológica. Todavia, acidente é aquilo que não é em grau de existir por si, que não há um ser
próprio, mas deve apoiar-se e unir-se à substância. Portanto, a substância há com o ser uma
relação única e exclusiva: o ser é seu, a substância possui o ser próprio.
A substância corpórea é sempre acompanhada das outras nove categorias (essência,
quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, hábito, ação e paixão). O fenômeno da
geração e da corrupção, aos quais estão sujeitos todas as realidades materiais refere-se às
substâncias compostas. A composição da substância corpórea é explicada a partir de dois
princípios: um princípio passivo (matéria) e um princípio ativo (forma). O termo matéria aqui é
entendido não como uma entidade experimentável pelos sentidos ou por instrumentos
científicos, mas como um constitutivo substancial de toda a realidade físico-natural. A matéria
se apresenta como elemento essencial para a explicação do fenômeno do movimento. O
movimento é possível porque a realidade conserva certa continuidade, não obstante a
transformação. A continuidade é garantida pela presença da matéria, uma potência em grau
de receber várias atuações, várias formas. Por isso, em todas as mutações que ocorrem entre
termos opostos deve-se encontrar sempre, através da mutação, um sujeito permanente. A
matéria é o elemento potencial de toda substância corpórea e se chama matéria-prima (o
poder ser algo). A matéria é a condição do ser mutável e extensão dos corpos. Ela é definida
por Aristóteles como sujeito primeiro do qual provém substancialmente toda coisa e
permanece presente naquilo que se torna. A matéria é definida em relação à forma, à sua
determinação. A forma (eidos, morphé) não é o aspecto exterior, mas a íntima natureza
(physis), a essência (logos). A forma é o princípio determinante da essência dos corpos (aquilo
pelo qual um corpo é aquilo que é). O fato de que somente aquilo que é determinado pode
existir, a forma substância dá o ser à matéria. A forma substancial constitui o ente corpóreo, a
condição do ser corpo, dá-lhe o “esse sempliciter”. A forma se define como ato primeiro do
corpo físico já que o ato primeiro se refere ao ser, e o ato segundo se refere à operação. Enfim,
a matéria e a forma não existem separadamente, mas juntas forma uma única realidade, a
substância particular. Estes são os princípios primeiros da substância corpórea. E isto se chama
“synolon”. Na constituição da substância corpórea, a forma é o princípio de especificação, já a
matéria é o princípio de individuação. Ex.: Pedro pertence à espécie humana graças à forma e
é gordo e alto graças à matéria.
O hilemorfismo, segundo o qual a substância corpórea é composta por dois princípios
metafísicos substanciais: a matéria e a forma. O hilemorfismo é a doutrina que se opõe às
filosofias monistas dos materialistas, dos atomistas, dos mecanicistas e às filosofias do
dualismo absoluto que consideram a matéria e o espírito como dois entes completos em si
mesmos e existentes por si, apenas exterior e acidentalmente unidos.
A ciência moderna nasce com propósitos anti-hilemórficos, sobretudo pelo influxo de
Galileu e Descartes. A concepção mecanicista juntamente com aquela atomista direcionou a
pesquisa cientifica a partir da determinação de elementos primeiros como entidades
absolutamente imutáveis e indestrutíveis que formam todos os corpos mediante simples
agregação ou desagregação, permanecendo atualmente nos compostos. No entanto, esta
visão mecanicista ou estática da realidade corpórea foi desmentida pela física mais recente. Há
um dado da física contemporânea que impõe o retorno à teoria aristotélica hilemórfica que
consiste em que o fato da universal transformação recíproca de todas as substâncias materiais
é também as mais elementares. Ora, esta transformação substancial impõe o reconhecimento
de uma matéria a todos os corpos como pura potencia na ordem da substância material que
pode ser atuada pelas diversas formas naturais para constituir as várias espécies de
substâncias materiais, elementares e compostas. A doutrina do hilemorfismo é a única em grau
de explicar a essência da substância corpórea por sua unidade de composição, por sua
multiplicidade, por seu movimento, por suas alterações e por suas mutações substanciais. As
propriedades da substância corpórea são as nove categorias: quantidade, qualidade, ação,
paixão, lugar, tempo, relação, situação e hábito.
Aristóteles afirmou o finalismo dizendo que tudo aquilo que é por natureza existe para
um fim e reconduzindo o fim à forma. O mundo inteiro tem como fim último o ato puro,
princípio de movimento e ordem, comparado platonicamente com o objeto do amor que atrai
a si o amante. O finalismo se implantou sobre a doutrina das quatro causas, na qual uma delas
é a causa final (relação com o bem e a causa formal). Os conceitos de ato e de e ntelequeia
supõem estruturalmente que cada coisa atue o próprio fim. A própria causa primeira ou o
motor imóvel é eficiente na medida em que é fim: move à perfeição e ao objeto do desejo (O
Céu, A4, 271 a 33). O conceito de fim indica não somente o objetivo a que tendem as ações,
mas também o objetivo em virtude do qual todas as coisas são geradas e se geram. O fim é,
portanto, uma das causas e dos princípios da realidade. Aristóteles identifica o fim com o bem.
O fim de cada coisa é o bem, e na natureza toda, o fim é o sumo bem (Met. A2, 982b6). O fim
coincide com a forma (Met., H) e com o ato e a enteléquia. Há um fim imanente, específico de
cada ação e cada coisa (Met.,  10).

2. Período Medieval
Os vários tipos de soluções propostas pelos gregos quanto à origem dos seres:
Parmênides a negação de toda a forma de movimento; os pluralistas falavam da reunião ou
combinação de elementos eternos; Platão fala de um Demiurgo e de uma atividade
demiúrgica; Aristóteles falava da atração de um Motor Imóvel; os estóicos falavam de
monismo panteísta; Plotino falava de uma emanação metafísica.
Contudo, os cristãos falam de criação. Deus criou todas as coisas do mundo e o homem
por sua própria palavra. Deus criou tudo do “nada”. Esta concepção de criação do nada se
contrapõe à maior parte das aporias de Parmênides. A partir do nada têm origem todas as
coisas. Deus cria livremente com seu ato de vontade, cujo motivo é o bem. Ele cria as coisas
como dom gratuito. A criatura é uma coisa boa, positiva. O criacionismo se imporá como a
solução por excelência do problema antigo do como e do porquê do Uno deriva o múltiplo e do
infinito deriva o finito. Ontologicamente, a doutrina da criação significa que Deus é o Ser pela
sua própria essência. A criação é uma participação do Ser. Deus é o Ser, as coisas criadas não
são, mas têm o ser recebido pela participação.
Agostinho elaborou a doutrina da criação como uma antítese ao maniqueísmo – a
matéria é a causa do mal e tem sua origem em um princípio mau – e aos neoplatônicos que
diziam que a origem do universo é uma emanação progressiva das coisas do Uno. Agostinho
diz que fora de Deus não existe nenhum outro princípio originário e nenhuma fonte
intermediária do ser, pois o título de criado compete somente a Deus. Ele é o princípio
supremo e único da realidade de toda a realidade. Para provar a sua tese, Agostinho faz
distinção semântica entre os verbos gerar, fabricar e criar. Só quem cria produz uma coisa do
nado (ex-nihilo), porém, quem gera ou fabrica desfruta de um material precedente. O homem
tem o poder de gerar e de fabricar, mas somente Deus tem o poder de gerar, fabricar e criar.
Portanto, só Deus é criador porque apenas ele produz as coisas como causa primeira e total do
ser.
São Tomás diz que a criação é a produção de qualquer coisa em toda a sua substância,
sem que a esta seja pressuposto algum que seja criado ou incriado (I q. 65, a.3). Então, como o
pensamento cristão, o termo “natureza” adquire novas conotações: natureza hipostática
(Homem-Deus), natureza racional (homem) e natureza divina (Deus). Por isso o conceito de
natural se opõe ao sobrenatural, isto em o que se encontra na ordem necessária da natureza
das coisas externas e o que é estabelecido diretamente pela ação de Deus na ordem da graça.
São Tomás demonstra que Deus existe a partir da análise de cinco fenômenos que apresentam
insuficiência ontológica: a mutação, a causa segunda, o possível, os graus de perfeição e o
finalismo no mundo da matéria. A estrutura das cinco vias é uniforme e consta de quatro
momentos: a) ele põe sua atenção sobre um determinado fenômeno (o movimento, a causa
secundária, a possibilidade, os graus de perfeição e o finalismo); b) evidencia-se o seu caráter
relativo, dependente, causado – a contingência; c) mostra-se que a realidade efetiva e atual de
um fenômeno contingente não se pode explicar fazendo intervir uma série infinita de
fenômenos contingentes; d) diz-se que a única explicação válida do contingente é Deus: o
Motor Imóvel, a Causa Incausada, o Ser Necessário, o Sumamente Perfeito, a Inteligência
Ordenadora Suprema.
As cinco vias cosmológicas são:
1) Via da mutação – prova cosmológica: parte do princípio de que tudo aquilo que se
move é movido por outro. Ora se aquilo pelo qual um corpo é movido se move, necessita de
que também esse seja movido por uma outra coisa e assim sucessivamente... Mas não é
possível proceder ao infinito, por isso é necessário que haja um Primeiro Motor que não seja
movido por nenhum outro. A isso chamam de Deus (Fis. VIII, 1; Met. XII, 7).
2) Prova causal: na ordem das causas eficientes não se pode ir ao infinito, pois não se
chegaria à causa primeira e nem à causa ultima, então deve haver uma causa eficiente, que é
Deus (Met. II, 2).
3) Relação entre o possível e o necessário: as coisas possíveis existem somente em
virtude das coisas necessárias, porém, essas tem a causa da sua necessidade ou em si mesmo
ou em outro. Essas que tem a causa em um outro remetem ao outro. Ora não é possível
proceder ao infinito, no entanto, é necessário atingir a qualquer coisa que seja necessária por
si e seja causa da necessidade daquilo que é necessário para o outro, e isto é Deus (Avicena).
4) Os graus de perfeição: encontra-se nas coisas o mínimo de verdadeiro e de bem de
todas as perfeições. O máximo grau de tais perfeições é a causa dos graus menores. Ora a
causa do ser e da bondade e de toda perfeição é Deus (Met. II, 1).
5) Governo das coisas: as coisas naturais, privadas de inteligência, apóiam-se em um
fim e isso não poderia ser se não fossem governadas por um Ser dotado de inteligência. E o ser
inteligente do qual depende a ordenação das coisas a um fim dá-se o nome de Deus (João
Damasceno e Averróis).
Obs.: 1) Santo Tomás expõe as provas da existência de Deus na Suma Teológica (I, q.2,
a. 3), no Comentário às Sentenças (I, d. 3, 99.1ss), na Suma Contra os Gentios (I, XIIss), nas
Questões De Veritate (qq. 2 e 10), no Ente e Essência (c. IV), no Compendio de Teologia (cc.
3ss.) e no Comentário ao Evangelho de São João (prólogo);
2) Santo Tomás não apresenta as cinco vias como próprias, porém, como argumentos
comuns no ensino universitário de seu tempo. Tais caminhos ou “provas” já se encontravam
no Guia dos perplexos de Maimônides e na Suma de Alberto Magno;
3) O caráter epistemológico de todas as provas da existência de Deus é sempre de
ordem especulativa, retrospectiva, reflexiva, resolutiva e isso o faz distinto do caráter
cientifico.
3. Período Moderno
Copérnico foi o fundador da astronomia moderna. No seu livro De revolutionibus
orbium caelestium (1543) propôs uma grande reforma da astronomia ptolemaica e substituía o
modelo do universo centrado sobre a Terra (geocentrismo) pelo modelo do universo centrado
sobre o Sol (heliocentrismo). As teses principais de Copérnico são:
a) o mundo é esférico;
b) a Terra é esféricas;
c) a Terra com a água forma uma única esfera;
d) o movimento dos corpos celestes é uniforme, circular e perpétuo ou composto de
muitos movimentos circulares;
e) a Terra se move em um circulo orbital em torno do centro, circulando também
sobre o seu eixo;
f) a enorme grandeza dos céus se compara à dimensão da Terra.

O primeiro significado da revolução copernicana é aquele de um reforma das


concepções fundamentais da astronomia, mas esta revolução ultrapassa a simples reforma
técnica da astronomia. Ao tirar a Terra do centro do universo, Copérnico mudou também o
lugar do homem no kosmos. A revolução astronômica comportou também uma revolução
filosófica: “Os homens que acreditavam que a sua morada terrestre fosse somente um planeta
circulando em torno de milhares de estrelas, valorizavam a sua posição no esquema cósmico
bem diferente de seus predecessores que viam a Terra como centro único focal da criação de
Deus. Ao mudar a posição da Terra, Copérnico colocou o homem fora do centro do universo”.
A revolução copernicana marca a passagem da sociedade medieval à sociedade moderna já
que mudou a relação do homem com Deus. Por isso, esta revolução causou controvérsias no
campo religioso, filosófico e social. Nascem, então, com a revolução copernicana, uma nova
visão de mundo, de homem e de Deus.
Houve duas interpretações diferentes das teses de Copérnico: uma instrumentalista e
outra realista. A primeira diz que não é necessário que as hipóteses de Copérnico sejam
verdadeiras ou verossímeis, mas basta somente que essas ofereçam cálculos conforme a
observação (Andrea Osiander, Bellarmino). A segunda diz que o sistema copernicano é uma
descrição verdadeira da realidade, e não apenas um conjunto de instrumentos de calculo para
fazer previsões ou calendário (Giordano Bruno, Galileu). Giordano Bruno diz que Copérnico
não é só um matemático que supõe, mas também um físico que demonstra. Essa posição se
apresentou como perigosa aos protestantes e católicos, pois eles diziam que a Bíblia na sua
versão literal não pode errar. Então, Lutero, Calvino, Melantone usaram respectivamente os
textos de Ecl. 1, 4-5; Jos 10, 13; Sl 93, 1. Esses textos forma utilizados como antítese à teoria
heliocêntrica.
Galileu (1642) defendeu a teoria realista copernicana ao estabelecer a autonomia das
ciências em relação à autoridade das Escrituras. As suas principais teses são:
a) a Escritura é necessária para a salvação do homem;
b) a Escritura, devido às suas finalidade, não tem nenhuma autoridade para aqueles
conhecimentos que podem ser estabelecidos através de “experiências sensatas” e
“demonstrações necessárias”;
c) A Escritura quando fala sobre aquilo que é necessário para a nossa salvação não
pode ser desmentida;
d) Visto que os escritores sagrados se dirigiam aos rudes indisciplinados, a Escritura
necessitava de ser interpretada;
e) Nem todos os intérpretes da Escritura são infalíveis;
f) A Escritura não se ocupa com as coisas que o homem pode conhecer com a sua
razão;
g) A ciência é autônoma, pois as suas verdades se estabelecem com sensatas
experiências e certas demonstrações, e não com base à autoridade das Escrituras;
h) A Escritura tem o último lugar nas questões naturais. “A ciência ensina como vai o
céu, porém, a fé como se vai ao céu”.

A ciência galileana apresenta proposições autônomas da fé porque os seus discursos


são em torno ao mundo sensível e apresenta demonstrações válidas de um saber realista
objetivo que descreve as qualidades objetivas dos corpos e quantitativamente mensurável ao
buscar a essência verdadeira e intrínseca das coisas naturais. A ciência apresenta um caráter
geométrico, pois a ciência é o livro da natureza escrito em linguagem matemática. O método
científico consiste em experiências sensatas e demonstrações necessárias: por experiências
sensatas entendem-se as experiências efetuadas através dos nossos sentidos; as
demonstrações necessárias são as argumentações em que, partindo de uma hipótese ( ex
suppositione) se deduzem rigorosamente as conseqüências que devem existir na realidade.
Então o método de Galileu consta de duas fases: os fatos observados (experiências sensatas) e
das hipóteses matemáticas (demonstrações necessárias).
Descartes (1650) diz que o método dedutivo é o único que pode conduzir ao progresso
do saber e à descoberta da verdade. As regras fundamentais do método são:
a) Não aceitar nenhuma coisa por verdadeiras que não seja clara e distinta à mente
(intuição);
b) Dividir cada um dos problemas a ser examinado em partes cada vez menores para
melhor resolvê-los (análise);
c) Conduzir por ordem os próprios pensamentos, movendo-se dos objetos mais
simples aos mais complexos (síntese);
d) Fazer uma enumeração completa e geral para certificar que não omitiu nada
(enumeração).

Se o cogito ergo sum é a primeira verdade evidente, então, como é possível sair do
mundo da consciência ao mundo exterior? Ora para responder a essa pergunta, Descartes fala
de três tipos de idéias:
a) Inatas (que se encontram na mente);
b) Fictícias (criações arbitrárias do pensamento);
c) Adventícias (que vem de fora e me remetem às coisas diversas de mim).

Descartes prevê a existência do mundo corpóreo aprofundando as idéias adventícias. A


existência do mundo corpóreo é possível porque esse objeto de demonstrações geométricas
que se fundamentam sobre a idéia de extensão. A faculdade de imaginar é representativa da
entidade material corpórea. A faculdade imaginativa e sensitiva atesta a existência do mundo
corpóreo. E do mundo material só se pode predicar como essencial a propriedade da extensão,
porque apenas essa é concebida de modo claro e distinto. O mundo espiritual é res cogitans,
porém, o mundo material é res extensa. Os sentidos podem ser fonte de estímulos, mas não o
lugar da ciência. E não existem realidades intermediárias. O universo cartesiano é constituído
de matéria e movimento. Descartes identifica a matéria com a extensão e elimina o espaço
vazio, o vácuo. Por isso, as leis fundamentais são: o princípio de conservação e o princípio de
inércia. A primeira lei se refere à quantidade de movimento que permanece constante contra
cada possível degradação de energia (entropia). A segunda lei se refere a cada mudança de
direção que pode haver somente através de outro corpo. O movimento tende a prosseguir na
mesma direção, sendo o movimento retilíneo, originário. Tanto o corpo humano quanto os
organismos animais são maquinas que funcionam segundo os princípios mecânicos que
regulam os movimentos e as relações. Nega-se o princípio vital (vegetativo e sensitivo) do
mundo vegetal e do mundo animal. O corpo e os outros organismos são objetos de análise
científica no quadro dos princípios mecanicistas. O movimento e a quantidade substituem o
gênero e a espécie da cosmologia tradicional. Se no mundo greco-romano a condição natural
dos corpos é repouso, o movimento constituía uma anomalia. No mundo moderno, com a
concepção mecanicista do mundo, o repouso e o movimento são apenas estados das coisas. As
coisas não têm nenhuma orientação teleológica nem axiológica. Enfim, houve uma
transformação radical de “natureza” (mãe) à concepção de “natureza” (máquina). O homem,
então, sai de uma atitude passiva de contemplação do universo para uma atitude de
transformação do mundo pela exploração da natureza.
Espinosa (1677) diz que Deus é substancia com os seus infinitos atributos. O mundo é
dado pelos modos e de todos os modos infinitos e finitos. Tudo é necessariamente
determinado pela natureza de Deus, e na existe de contingente e o mundo é a necessária
conseqüência de Deus. Deus é natura naturans, e o mundo é natura naturata. A primeira é a
causa, e a segunda é o efeito daquela causa que não está fora da causa, mas é tal que mantém
dentro de si a causa. Pode-se dizer que a causa é imanente ao objeto e vice-versa. Tudo é
Deus. A natura naturante é aquilo que é em si e é concebido por si, cujos atributos da
substância exprimem uma essência eterna e infinita enquanto Deus é causa livre, determinado
somente pela própria natureza. A natura naturata é tudo aquilo que segue as necessidades da
natureza de Deus ou de seus atributos. Então, quando se diz que Espinosa fala de Deus sive
natura é preciso entender a seguinte equação: Deus sive natura naturans. Já que Deus (natura
naturans) é causa imanente e não transcendente, e porque não existe outro que não Deus,
tudo é em Deus – panteísmo – tudo é Deus e manifestações necessárias de Deus.
No período moderno ocorreram movimentos culturais ou correntes de pensamento
que propuseram novas concepções de mundo, de homem, de Deus e de ciência. Foram estes
os principais movimentos: Iluminismo, Positivismo, Darwinismo, Mecanicismo, Determinismo e
Materialismo.
O termo “iluminismo” se aplica ao conjunto sistemático de idéias filosóficas e políticas
que se estendeu por vários países da Europa, sobretudo Inglaterra, França e Alemanha,
principalmente desde os meados do século XVII ao século XVIII, e foi considerado como um
dos períodos mais intelectualmente revolucionário da história. Esse movimento traz essa
denominação devido à total confiança no “lume”, razão. O iluminismo representa o cume do
antropocentrismo radical iniciado pela cultura humanista e renascentista. A progressiva
autonomia do home e de Deus se realiza plenamente na divinização da natureza humana
dotada de razão. Os antecedentes do iluminismo forma: Renascimento (luta contra o princípio
da autoridade como interferência no campo filosófico-científico, dando origem à ciência
galileana), Reforma (luta contra o princípio da autoridade no campo político), Racionalismo
Cartesiano (exigência de idéias claras e distintas como critério de verdade) e surgimento das
ciências no século XVIII.
O iluminismo se caracteriza fundamentalmente por uma confiança plena na razão, na
ciência e na educação para melhorar a vida humana e uma visão otimista da vida onde a
natureza e a história são contempladas dentro de uma perspectiva de progresso da
humanidade. Há uma grande difusão da tolerância ética e religiosa e da defesa da liberdade. O
iluminismo assume uma postura crítica a tudo que opõe à razão: superstição, as religiões
reveladas e a intolerância. O progresso, a exaltação da ciência, a experiência como critério de
verdade, a razão como medida de todas as coisas, a aversão à tradição religiosa e política, o
otimismo utópico, o direito natural, educação do homem no estado de natureza e as leis foram
os fundamentos do iluminismo. Os principais iluministas são: Newton, Reid, Bacon, Locke,
Hobbes, Hume, C. Wolf, G.E Lessing, G. Baumgarten, Reimarus, Diderot, J. d’Alembert,
Condillac, Metrie, Helvetius, d’Halbach, Voltaire, Montesquieu, Rousseau.
O Positivismo representa um movimento de pensamento que dominou grande parte
da cultura européia nas suas manifestações filosóficas, políticas, pedagógicas, historiográficas
e literárias a partir de 1840 até 1914. A época do positivismo é um período de paz na Europa e
de grande expansão européia na África e na Ásia. Os principais representantes são: A. Comte,
J. Stuart Mill, H. Spencer, J. Moleschott, E. Haeckel, R. Ardigo. O positivismo na França se insere
ao interno do racionalismo cartesiano iluminista; na Inglaterra, ele se desenvolveu sobre a
tradição empirista e utilitarista e em base à teoria darwinista (evolucionista); na Alemanha,
esse movimento assume a forma de um rígido cientificismo e de um monismo materialista; na
Itália, ele se radicaliza no naturalismo renascentista pedagógico e antropológico.
O movimento positivista apresenta as seguintes características:
a) Reivindica o primado das ciências, o único método de conhecimento é aquele das
ciências naturais;
b) O método das ciências naturais também é valido para o estudo da sociedade;
c) A sociologia é considerada como física social;
d) A ciência é o único meio de resolver os problemas da humanidade;
e) Uma concepção laica da cultura independente de pressupostos teológicos;
f) Uma confiança acrítica da estabilidade da ciência;
g) A mentalidade positiva torna-se um combate às concepções idealistas e espirituais
da realidade.
O darwinismo representa um fenômeno análogo à revolução copernicana. Se com
Copérnico a revolução astronômica refere-se à ordem espacial, dando à Terra e ao Homem um
lugar bem diferente daquele de ante, com Darwin a revolução biológica refere-se à ordem
temporal do homem. Com Copérnico e Darwin, muda o lugar do home no universo. Darwin,
em seu livro A origem das espécies por seleção natural, apresenta cinco tipos de provas da
teoria evolucionista: a) provas tiradas da hereditariedade e da educação com particular
atenção às variações devido à domesticação; b) provas provenientes da distribuição
geográfica; c) provas provenientes dos testemunhos de fósseis; d) provas tiradas da afinidade
recíproca entre os seres viventes; e) provas provenientes da embriologia e dos órgãos
rudimentares.
Charles Darwin não aceitou a proposta de Lamarck (a evolução da espécie advém do
estímulo do ambiente: o uso e o não uso dos órgãos e a hereditariedade dos caracteres
adquiridos) e negou a geração espontânea e afirmou que todas as formas de vida provêm de
um tronco comum. O darwinismo se fundamenta em duas hipóteses: a) o mecanismo de
variação; e b) a seleção natural. Darwin sustentou que a seleção natural é o mecanismo
fundamental da evolução. Essas hipóteses foram influenciadas pelas teorias de Malthus: os
organismos vivos produzem mais quantidade de indivíduos do que aqueles que podem
sobreviver, e como se dá entre eles uma grande variedade na luta pela vida e são eliminados
aqueles menos adaptados por aqueles que sobrevivem por possuírem características mais
favoráveis. Ora, Darwin não conhecia os mecanismos reais de produção de variações, não
podia explicar as causas das variedades nem as formas como se transmitem à geração seguinte
– somente a partir das descobertas genéticas de Mendel é que se tornou possível uma
explicação do tipo. Em suma, podemos dizer que a teoria evolucionista apresenta três teses
básicas:
a) todas as espécies viventes atuais – animais ou vegetais – procedem de outras
anteriores mais inferiores;
b) todas as espécies vivas estão submetidas a um câmbio constante;
c) há uma continuidade do mundo vivo. Enfim, a teoria evolucionista é uma antítese à
teoria da criação ou à fixista.
O Mecanicismo foi a mais extensiva interpretação filosófica do mundo material entre
os séculos XVI e XIX. Isso surgiu quando a mecânica foi considerada como totalidade do
conhecimento da natureza. A mecânica como método cientifico proporcionou grandes frutos
ao longo de três séculos nos quais dominou o panorama da ciência ocidental e como
interpretação filosófica do mundo natural, porém, o mecanicismo supõe a pretensão de
reduzir a inteligibilidade do mundo exclusivamente ao aspecto mecânico. Esse reducionismo
impregnou a filosofia moderna devido aos êxitos alcançados pela física. A mecânica como
parte da física se desenvolveu a parir da revolução científica de Galileu. Desviou-se sua
atenção da Estática de Arquimedes e voltou-se ao dinamismo das indagações astronômicas de
Kepler, à geometria analítica de Descartes e ao desenvolvimento da física com Newton. A
investigação científica consistiria primordialmente na elaboração de modelos mecânicos de
natureza corpórea. Apenas no final do século XIX o mecanicismo metodológico dá lugar ao
eletromagnetismo e à termodinâmica moderna. No século XX predominam as teorias da
quântica e da relatividade. Como teoria filosófica, o mecanicismo busca explicar os fenômenos
naturais só em base aos movimentos locais dos corpos extensos e massivos, negando a
existência de princípios naturais corpóreos, como a essência, a finalidade e as qualidades dos
seres físicos. Todos os fenômenos qualitativos, alterações e mudanças substanciais são
explicadas pela agregação e desagregação, movimento e choques. A noção de substância
perde o sentido.
A reassunção do atomismo clássico mecanicista foi realizada por Gassendi e Galileu
que sustentaram uma concepção mecanicista do mundo material (qualidades
objetivas/qualidades subjetivas). Descartes elaborou uma filosofia natural mecanicista, cujo
ponto de partida era a identificação entre matéria e extensão. Ele nega a existência do vácuo.
Depois do surgimento da mecânica de Newton, a filosofia da natureza de Descartes ficou
reduzida a um exemplo de filosofia construída a priori sobre uma base mecanicista.
Hobbes traz em sua filosofia o antifinalismo e o determinismo com características
mecanicistas. A única substância existente é corpórea: o corpo é a única realidade e as suas
próprias funções psíquicas são redutíveis à matéria e ao movimento. O conhecimento não se
refere ao fim ou à essência, mas apenas os singulares objetos matérias pelos quais a mente
elabora conceitos particulares que exprimem linguisticamente através de vocábulos
estabelecidos livremente.
Espinosa desenvolve uma forte crítica à visão finalista do mundo e elaborou a sua idéia
de Deus referente à ordem do universo interpretado como uma grande máquina composta de
partes. Aquilo que existe na alma do homem é simples elementos do pensamento unidos pelos
nexos de causas.
O Determinismo é a doutrina onde todo processo do universo é completamente
regulado por leis universais. O determinismo está presente na filosofia antiga (o atomismo do
Leucipo e Demócrito e o estoicismo), porém esta foi critica por Platão e por Aristóteles, os
quais negam que a natureza opere por uma necessidade determinista. Eles sustentam que
plena concepção do mundo pode advir somente levando em consideração as causas finais
(para Platão são às idéias) e Aristóteles admite eventos contingentes.
Os fundadores da ciência moderna do século XVII forma inspirados pela fé na
possibilidade de descobrir uma estrutura real inteligível de natureza objetiva. A visão
mecanicista da ciência pressupõe uma ordem, uma realidade estruturada conforme as
relações determinadas e estáveis que encontram sua maior expressão na matemática. Para
Kepler, Galileu, Descartes, Leibniz, o postulado determinista constituído pelo princípio de
causalidade exprime a convicção da identidade da matemática com a natureza. Já em Newton,
o determinismo assume a forma de um postulado, uma convicção acerca de uma natureza
simples e sempre conforme a si própria. Vários autores reagiram contra o determinismo
mecanicista típico da ciência moderna (Diderot, a filosofia da natureza e do romantismo,
Boutrox, Bérgnson, historicismo alemão...), no entanto, o maior ataque ao determinismo
provém da ciência de ‘900, quando surge a física atômica, que segundo a interpretação
dominante de W. Heisenberg, N. Bohr e M. Born, diz que há um mundo de parcelas através de
leis estáticas que põe o próprio fundamento no princípio de indeterminação. A. Einsten e M.
Planck refutam esta teoria pelo seu essencial indeterminismo, mas só na década de 50 foi
apresentada uma teoria alternativa – a teoria dos parâmetros ocultos – que tentou recuperar
uma visão determinista das parcelas elementares.
O termo Materialismo designa as doutrinas filosóficas que admitem a matéria como
única causa dos fenômenos e que essa coincide com o ser e exclui a existência de realidades
espirituais ou ideais autônomos: o materialismo é incompatível com as concepções religiosas
que postulam um Deus imaterial e criador.
O termo materialismo foi introduzido por Boyle em meados de 1600, mas as
concepções materialistas são encontradas já na filosofia clássica. Demócrito e Leucipo
defendem que os princípios de todas as coisas são átomos. Epicuro e Lucrécio retomaram essa
impostação corrigindo-a em um ponto fundamental: não falam mais da rígida necessidade de
movimento do átomo, mas de causalidade, fundando em tal modo a condição de possibilidade
da liberdade humana e uma concepção ética do tipo hedonista, porque o fim da vida é
individualizado na busca do prazer e da fuga da dor. No humanismo-renascentista, há uma
retomada do materialismo antigo, sobretudo filológicos e poéticos com referencias a Epicuro e
Lucrécio. O século XVII e a revolução científica imprimiram um desenvolvimento mecanicista
do materialismo. Descartes contribuiu involuntariamente. Hobbes diz que a explicação dos
fenômenos são os corpos e o movimento que são redutíveis ao pensamento e a todas as
atividades espirituais humanas. Diderot sustenta a existência somente de substancias
corpóreas, não concebia a matéria como um conjunto de corpos movidos por outros corpos,
mas a matéria dotada de vitalidade e sensibilidade. Metrie elaboru a teoria do homem
máquina e disse que a matéria em movimento constitui tudo no universo. D’Holbach diz que
as faculdades humanas resultam do organismo físico do homem determinado pela máquina do
universo. Cabanis sublinhou que existe dependência das atividades psíquicas em relação ao
sistema nervoso.
Karl Marx e F. Engels elaboraram a doutrina do materialismo histórico. Eles afirmam
que os fatores econômicos ou estruturais exercem um papel preponderante no
desenvolvimento histórico e na evolução dos processos sociais, políticos e espirituais – infra-
estrutura. O materialismo histórico afirma que os homens são influenciados e determinados
pelo seu ser social das relações de produção. Essa é uma proposta de teoria interpretativa da
realidade cuja base é a transformação revolucionária: a presença de uma dialética entre o
determinismo dos fatores econômicos e o reconhecimento da possibilidade e do dever do
homem para a transformação da realidade que introduz uma tensão ética cujos pressupostos
são redutíveis ao horizonte humanista e às posições radicalmente antimetafísicas.

4. Período Contemporâneo
Na epistemologia, o pensamento filosófico-científico clássico foi refutado por
Whitehead. Ele refutou a distinção entre qualidades primárias e secundárias, os conceitos de
sujeito, de substância e consciência, o critério de clareza e distinção e acusou a ciência de cair
no erro da “concretude mal posta” enquanto troca as suas abstrações quantitativas e
operativas pró realidades últimas e verdadeiras e reduz as qualidades secundárias das
experiências perceptivas a meras ilusões subjetivas. A ciência se figura assim um mundo ao
contrário onde o abstrato foge do concreto e vice-versa e a explicação assume o aspecto de
uma “história de fada”. Analogamente a metafísica moderna, pretende partir da clareza que é
um ideal regulador e fundamentar-se sobre noções distintas como substâncias ou consciências
que são vagas e fluidas. A filosofia deve proceder da experiência direta e tentar uma
explicação dessa realidade percebida mediante progressivas generalizações estando
consciente da própria precariedade arriscada e da própria inadequação.
Na Metafísica, Whitehead fala de uma metafísica descritiva que substitui as noções de
substância e de sujeito pelas noções de evento e de processo. Ele é influenciado por Leibniz
em sua inspiração da lógica das relações que refuta o nexo unívoco de sujeito e predicado.
Cada evento é um nó de relações múltiplas em constante movimento. Ao interno de cada nó
de relações o evento preeminente que assume os outros eventos como suas partes-
componentes desenvolve a função de sujeito. Mas vindo preso a outros eventos, esse
desenvolve sucessivamente a função de objeto. Não são sujeitos como substâncias últimas
pressupostas ao processo. O sujeito é um “superobjeto”, um ponto de chegada agregador e
provisório de algumas fases espaço-temporal do processo. O processo é determinado pelas
formas de conexão que Whitehead chama de objetos eternos – essas são os modos em que os
eventos se predem ou se objetivam reciprocamente. Como formas do possível objeto eterno
se tornam plenamente reais apenas naquelas concretas ocasiões de experiência que são os
eventos em que concretizam. Os objetos eternos se ordenam em hierarquias sempre mais
altas e complexas nas formas de sensação e de pensamento. As generalizações científicas
encontram sua justificação e o seu valor de verdade (verdadeiro, belo, bem e paz) nos objetos
eternos. Os objetos eternos definem o lugar de Deus como natureza originária. A realização
progressiva mostra a natureza conseqüente de Deus. Deus não é o Criador onipotente do
mundo nem o Salvador, nem aquele que colabora com o homem direcionando o processo da
realização ética.
Os avanços científicos dos últimos anos do século XIX e início do século XX levaram a
física a repensar alguns pressupostos básicos herdados da física newtoniana. Esse processo
implica uma crise da ciência clássica a partir do nascimento de novas teorias: relatividade
(Einstein, 1905) e quântica (1930). Portanto, houve a impossibilidade de aplicar os critérios
tradicionais aos novos campos de investigação, em particular à eletrodinâmica de Maxwell e
ao estudo da estrutura da matéria. Surgiram contradições quando os problemas eram
considerados conforme o ponto de vista clássico ao quererem determinar as propriedades do
suposto éter – imaginando como meio material onde se propagavam as ondas
eletromagnéticas. Apenas com o abandono dos pressupostos mecanicistas se resolverão as
aparentes contradições. Os conceitos de tempo e de espaço absolutos inerentes à física de
Newton foram eliminados pela teoria da relatividade. A teoria quântica mostrou a
inaplicabilidade de muitos conceitos clássicos a nível subatômico. Logicamente, houve o
abandono da mecânica como concepção filosófica da natureza. Por isso, surgiram as
interpretações positivistas e fenomenistas que junto ao energetismo constituíram as principais
posições filosóficas sobre a realidade material vinculadas à ciência positiva.
Alexandre e Whitehead adotaram a posição energetista na elaboração de suas
reflexões filosóficas. A realidade física seria a energia, o elemento substancial de um contínuo
espaço-temporal. Excluindo, então, os conceitos de essência, de ato-potência e de finalidade.
Os méritos desses cientistas foram os interesses pela filosofia da natureza. No entanto,
adquiriu forças nos círculos filosóficos uma nova onde positivista: o neopositivismo lógico. O
movimento neopositivista propõe uma nova interpretação dos problemas científicos. As teses
fundamentais do neopositivismo afirmam que a condição de validade cientifica das ciências
experimentais seria o uso de uma linguagem empírica rigorosamente verificável com a
exclusão de qualquer outra linguagem filosófica ou metafísica. Os problemas filosóficos
desaparecem como sem sentido lingüístico. Destaca-se o fisicalismo de Neurath e Carnap que
tentaram construir uma linguagem unificada da ciência com o objetivo de expressar sem
ambigüidade toda a realidade. Os neopositivistas negam a existência de tudo o que supera o
âmbito fenomênico e se reduz a construções uteis da ciência. As teses convencionalistas se
referem ao conhecimento além dos dados sensíveis que possuem uma construção escolhida
logicamente possível com base de utilidade técnica. O neopositivismo vê as elaborações
lógico-matemáticas como a única chave de interpretação do mundo. Todavia, nos últimos
anos, surgem o relativismo histórico (Kuhn e Feyeraben) e a busca da filosofia como um
discurso racional que ultrapassa os limites do discurso científico (Popper, Bunge). Reconhecem
a existência e a legitimidade de uma metafísica que se ocupe com a razão ultima dos conceitos
básicos das ciências experimentais e da matemática.
Atualmente são apresentados os seguintes argumentos sobre o fundamento da
existência do mundo material: argumentos da composição, da finitude, do movimento, da
ordem e da contingência.
A substância corpórea é uma constituição ontológica, uma substância composta de
dois princípios: a matéria e a forma. Ora, nenhum composto pode compor-se por si, mas
necessita-se de um agente que realize a composição. Então, a substância corpórea exige como
seu fundamento último, uma substância simples que exclua qualquer composição. Não apenas
as partes singulares do mundo são finitas, é finito o mundo enquanto tal. Esse é finito na
extensão, na duração e na perfeição. Ora, o finito não pode ser a causa do próprio ser, por isso
o universo tem sua origem num ser infinito e transcendente. A experiência e a ciência dizem
que o universo está em continua mutação e evolução (principio de potencialidade),
entretanto, tudo que se move é movido por outro, então, é necessário que se chegue ao
primeiro princípio do movimento (Motor Imóvel). O mundo apresenta uma ordem que
interpela a nossa inteligência. A causa da ordem e do finalismo do universo é uma intelig6encia
superior – Deus. Contingente é aquilo que não é necessário – existe, mas poderia não existir –
por isso, é preciso admitir a existência de um ser que seja por si necessário e que seja causa de
sua própria existência e de todas as coisas contingentes.
Deus criou o universo por dois motivos: o bem de Deus e o bem de suas criaturas.
Deus irradia o próprio o ser ao manifestar sua grandeza, beleza, sapiência, potência e
bondade. Deus cria o universo para a própria glória. As criaturas recebem de Deus o ser
conforme as suas próprias capacidades juntamente com o dom da beleza, da unidade, da
ordem e da fecundidade. Assim todas as criaturas dão louvor a Deus. As criaturas têm como
fim realizar a própria glória de Deus. O princípio antrópico afirma que a criação do universo
tem como fim o homem. Isso significa atribuir à existência do homem um peso particular na
compreensão da estrutura e da evolução do universo.
TEMA VI – EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS

A ciência é uma organização de conhecimentos conceituais, objetivos, certos,


universais, evidentes, não-contraditórios, argumentados com rigor e controláveis mediante
procedimentos sérios e adequados (conceito histórico-fenomenológico). Essa amplia a
concepção clássica de ciência: scientia est cognitio rei per causas. O “per causas” está presente
na expressão “argumentados com rigor”, que significa individualizar as causas de um
fenômeno e fornecer as explicações. Os requisitos do conceito de ciência são: Logos (refere-se
à substância, a essência das coisas, ao “nomos”, à lei universal), episteme (um saber que se
contrapõe à doxa – opinião – e à pistis), racional (esforço de racionalização do real, certa (a
certeza advém da verdade e exclui a dúvida e a opinião, objetiva (não depende do sujeito, mas
do objeto), universal (ocupam-se do individuo e do particular sub specie universalitatis), rigor
(uma hipótese comprovada a partir do método de verificação), evidente (exigem-se fatos, não
impressões), controlável (identifica-se com a falsificabilidade), não-contraditório (baseia-se no
princípio de não-contradição, que é o pondo de partida de todo saber), ordenado (uma
agregação ordenada de conhecimentos acerca de determinado objeto).

1. Período Antigo

O termo ciência (indica, para os filósofos gregos, aquele tipo de saber


racional fundado sobre o logos caracterizado pela não-controvérsia e certeza absoluta. Esse
saber se refere às causas e princípios. A ciência se baseia sobre os sentidos e a experiência
sensorial. A ciência é a doutrina dos naturalistas, a “arché” dos jônicos e dos pluralistas, do ser
de Parmênides e dos eleáticos. Heráclito diz que o verdadeiro saber se configura como aquele
que se fundamenta sobre o logos universal e se opõe à “doxa”, que é fundamentada nos
sentidos e no conhecimento particular. Sócrates fala de ciência como “sapiência humana” e
“boa razão”. Ele dizia que era incognoscível a physis e os princípios dos seres e afirmava que é
possível conhecer a essência do homem, a “pisiqué”, o fundamento da natureza humana.
Platão usa explicitamente o termo “espisteme” como conhecimento último do ser (Idéias). A
ciência é feita para o homem conhecer o ser (República, V, 477b). A ciência coincide com a
dialética e se refere ao mundo inteligível, enquanto a opinião se refere ao mundo sensível
(República II, 197-208). A ciência é o conhecimento da causa, que é a Idéia, o ser (Men. 97) – a
teoria da reminiscência.
Aristóteles fala de ciência seja do ponto de vista ontológico seja do ponto de vista
metodológico. Ele diz que admitimos que aquilo que possuímos ciência não pode ser diverso
daquilo que é: aquilo, porém, que pode ser também diverso quando está fora do campo da
observação, não se sabe se existe ou não. O objeto da ciência exige necessidade. Portanto,
toda ciência é um conhecimento disposto à demonstração seja pela intuição seja pela
dedução. Quando existe uma determinada convicção e os princípios são evidentes, então há
ciência. Se os princípios não são evidentes, haverá ciência só por acidentes. A ciência é sempre
conhecimento universal ontológico-lógico. Ele propõe duas diferentes divisões da ciência. Na
Ética, há duas formas de ciência: teórica e prática. A primeira busca somente o conhecimento
da verdade; a segunda é voltada para a ação. Ao gênero especulativo pertencem: a intelecção
(nous) que intui os primeiros princípios; a sapiência (Shophia) que conhece as realidades
imateriais; a ciência (epistéme) é o conhecimento demonstrativo dos fenômenos materiais; a
arte (tecné) que conhece o reto modo de produção de uma coisa; a moral (phronesis) que
conhece o reto modo de agir. Mas na Metafísica, ele classifica as ciências especulativas em
matemática, físicas e metafísicas. A metafísica estuda o ente imóvel e eterno; a matemática
estuda o ente móvel e eterno; a física estudo o ente móvel e temporal. Aristóteles distinguiu
as ciências em três grandes grupos:

- teóricas (que buscam o saber por si mesmo);

- práticas (que buscam o saber para alcançar a perfeição moral)

- poéticas (buscam o saber a fim do produzir determinados objetos).

As ciências teóricas são a metafísica, física, psicologia e a matemática; as ciências


práticas são a ética e a política; as ciências poéticas são a poéticas e a retórica. A lógica não
pertence a nenhum desses grupos porque Aristóteles a considera como propedêutica das
ciências.

A teoria aristotélica da ciência se fundamenta sobre a demonstração. O saber científico


é conhecimento causal, pois há ciência quando conhecemos as causas pelas causas uma coisa
é, e conhecemos que próprio por tal causa a coisa é em tal modo que não posse dar-se
diversamente. A imperfeição da ciência depende da imperfeição da demonstração. A
demonstração perfeita segue a ordem ontológica – sempre a priori, da causa ao efeito – que
nos dá o “to dioti” (propter quid). Quando se procede do efeito à causa, a posteriori, a
demonstração é imperfeita porque nos dá somente o “to oti” (quia). A física porque não
ultrapassa o âmbito da demonstração a posteriori, o “to oti” é a ciência mais inferior. Na física,
a autoridade da experiência é decisiva como um juízo. Por isso, podemos dizer que natureza e
o valor da ciência grega são determinados pelo objeto conhecido. O objeto conhecido tem um
valor imutável, absoluto e perene. A ciência grega se caracteriza pelo primado absoluto do
objeto sobre o sujeito. A ciência ideal é a “noesis”, a contemplação. Enfim, ciência, para os
gregos, significa filosofia.

2. Período Medieval

Durante o período medieval, o saber científico deu alguns passos, sobretudo quando
os árabes desenvolveram a álgebra, a óptica, a astronomia, a medicina e a química. Neste
período todas as obras de Aristóteles foram traduzidas pelos árabes e comentadas por
Averróis. No final do século XII e início do século XIII por mediação dos árabes as obras de
Aristóteles chegam às mãos dos latinos. Sendo assim, no século XIII Aristóteles se torna mestre
daqueles que sabem. Os latinos aprendem como se faz ciência e os textos fundamentais
aristotélicos são oferecidos às faculdades das Artes para as disciplinas filosóficas, para o
estudo da física, da psicologia, da biologia e da astronomia. Os três grandes passos dados pela
nova concepção da ciência forma:

a) A nítida distinção entre saber filosófico, científico e teológico feito por Santo
Tomás. Essas formas de saber se distinguem pelos respectivos objetos e pelos
métodos. O método da filosofia e da ciência chama-se “resolutio”, que parte dos
efeitos à causas, a sua demonstração é a posteriori (quia); o método da teologia é
a “compositio”, que parte das causas ao efeito, a sua demonstração é a priori
(propter quid);

b) A contraposição introduzida por Roger Bacon entre conhecer “per argumentum”


(caracterizam-se a filosofia e a teologia) e conhecer “per experimentum”
(caracterizam-se as ciências da natureza;

c) A atenção dada ao indivíduo concreto que se iniciou com o nominalismo de


Ockham.

Com Santo Tomás, a teologia foi elevada à dignidade de ciência. O cocneito de ciência
baseado na demonstração “propter quid” encontra na teologia uma apropriada aplicação.
Santo Tomás classifica as ciências conforme os seguintes referenciais: fim, procedimento,
graus de abstração e ordem:

1) Fim: especulativa (busca o conhecimento em si mesmo) e prática (refere-se ao agir


e ao fazer);
2) Procedimento: ciências “propter quid”, ciências arquitetônicas - método
“compositio”; ciências “quia” e ciências subalternas – método “resolutio”;

3) Graus de abstração: física (estuda o ente móvel e temporal; matemática (estuda o


ente móvel e eterno); metafísica (estuda o ente imóvel e eterno);

4) Ordem: física/metafísica – referem-se à natureza; lógica/matemática – referem-se


à razão; ética/política - referem-se à ação da vontade; técnicas referem-se à razão
que se realiza nas coisas exteriores. Os textos tomasianos: I, q. 1, a. 4, Met. XI, 1c,
7, C.G, III, c.79; Anal., 25, 209; De Trin., II, q. 1, a. 1, I Anal., 25, 209; I Ethic., 1c., I, 1
são respectivamente sobre o fim, o procedimento, os graus de abstração e a
ordem.

2. Período Moderno

O Humanismo e o Renascimento contribuíram indiretamente com o desenvolvimento


da ciência à medida que manifestaram entusiasmos pela natureza que se tornou objeto
principal da reflexão filosófica. O naturalismo de Telésio, Bruno e Campanella causou uma
grande pol6emica com a doutrina aristotélica uma vez que se transformou no ventre onde
nasceu a ciência moderna. No início da época moderna ocorreram a proclamação e a
realização da autonomia da ciência a respeito da filosofia e da teologia. O germe da autonomia
da pesquisa cientifica em relação à filosofia se encontra em Telésio, contudo, a sua
preocupação maior não era proclamar a independência da ciência frente à filosofia, mas
sustentar a autonomia da filosofia diante da teologia. O mérito de haver assegurado à ciência
plena liberdade frente à teologia e a filosofia, graças à elaboração de um novo conceito de
ciência, de um novo método e de uma nova finalidade, foi de Galileu, Bacon, Descartes e
Newton. Os elementos fundamentais da nova ciência da natureza são:

a) A pesquisa científica não é entendida como pesquisa da essência das coisas, mas como
calculo das leis que regula os fenômenos;

b) O método indutivo;

c) A linguagem matemática;

d) A finalidade prática, a serviço da técnica.


F. Bacon (1626), autor de Instauratio Magna, uma enciclopédia de todas as ciências,
segundo ele, a ciência é investigação da “forma” dos fenômenos, a qualidade íntima das
coisas; é o estudo dos fenômenos naturais através do método experimental. Ele diz que o
trabalho do cientista é semelhante ao de uma abelha: primeiro recolhe o material do mundo
exterior e depois o transforma em “mel” mediante o seu organismo. Assim, o cientista com a
experiência deve recolher suficiente informação (material) e depois, através as suas faculdades
espirituais (razão), deve elaborar noções gerais e leis universais. O novo método elaborado por
Bacon, Novum Organum, consta de dois momentos: um negativo e outro positivo. No
momento negativo, ele propõe liberar a mente dos pré-juízos, que os chama “idola”e os divide
em quatro grupos:

- “tribus” (causados pela natureza humana);

- “specus” (produzidos pela educação);

- “fori” (caudados pela impressão da linguagem);

- “theatri” (causados pela assunção acrítica de tido o que vem da autoridade).

Na fase positiva, há o estudo dos vários momentos do método indutivo:

1) Inicia-se com o ato de colher e descrever o material – tabula das instancias – os


particulares dos procedimentos de cada momento do evento; daí ele sugere três
espécies de tabulas: tabula das presenças, tabulas das ausências e tabula dos graus
complementares;

2) Hipótese provisória;

3) Instancias prerrogativas – a indução a partir da prova da hipótese feita através de


sucessivos experimentos;

4) Enumera as diferentes espécies de instancias; a instancia crucial é decisiva porque


reconhece a causa verdadeira do fenômeno.

O grande mérito de Bacon foi sistematizar o método das ciências naturais, definir o seu
objeto e especificar a sua finalidade. Não explicitou em modo adequado o seu objeto, mas
apresentou com segurança o método e a finalidade das ciências naturais.

Galileu (1642) ocupa um lugar significativo na história das ciências devido às suas
descobertas: telescópio, termômetro, microscópio, relógio a pêndulo, lei das quedas dos
corpos e elaborou uma doutrina sobre o conceito de ciência. Galileu estabeleceu que as
ciências naturais não se ocupam com a essência das coisas, mas com as leis dos fenômenos e
que a sua linguagem é matemática cujo método é essencialmente indutivo e secundariamente
dedutivo. Ele mostrou com clareza a distinção entre filosofia, ciência e religião. O objeto da
religião são as verdades reveladas. O objeto da filosofia são as verdades ontológicas (as
essências das coisas). O objeto das ciências são as verdades naturais, isto é, as leis ou relações
que ligam os fenômenos entre si. As investigações do porquê, da essência, da natureza íntimas
são características da filosofia estranhas à ciência, porque a ciência limita-se ao campo dos
fenômenos, cuja tarefa é descrever o exato vinculo recíproco mediante a lei, objeto da ciência.
O instrumento da ciência é a sensata experiência. A ciência é constituída de leis universais que
derivam de experiências particulares. Ele propõe o método indutivo-dedutivo que compreende
quatro fases:

a) Análise da experiência;

b) Hipótese;

c) Confirmação da hipótese mediante fenômenos provocados artificialmente;

d) Dedução de novas leis a partir da lei estabelecida.

Descartes (1650) propôs uma reviravolta decisiva na investigação filosófica ao


fundamentar a sua filosofia sobre o cogito ergo sum onde o sujeito torna-se o ponto de partida
da reflexão, contrapondo-se desta forma a Platão, a Aristóteles e a Tomás. Ele propõe o
método dedutivo de cunho geométrico seja para a filosofia seja para a ciência. Todavia, esse
método se aplica adequadamente somente à matemática e à física. Ele concebia a física como
ramo da filosofia e a partir da dedução do conceito de extensão inteligível resolveu a realidade
do cosmo físico,

Newton (1727), o pai da física moderna, retoma o conceito de ciência galileana e dá


ênfase ao caráter experimental. O método newtoniano consiste em uma espécie de síntese
entre a investigação experimental e a demonstração matemática. Ele dedicou muito de seu
tempo ao estudo bíblico e concluiu que a ciência é compatível com a religião.

2. Período Contemporâneo

Kant (1804) renova radicalmente a gnosiologia concebendo-a não como representação


da realidade (coisa em si), mas como síntese de dois momentos: um a posteriori (o dado
experimental – referente ao objeto) e outro a priori (formas ou categorias referentes ao
sujeito). Na sensibilidade, são as formas de espaço e tempo; no intelecto, são aos doze
categorias e o Eu transcendental. O resultado da síntese é o fenômeno. Ele considera as
ciências a matemática e a geometria legitimadas pelas formas de espaço e de tempo e a física
justificada pelas doze categorias e afirma a impossibilidade da metafísica cujo objeto é o
mundo, o homem e Deus. A potência do elemento subjetivo, as formas a priori na ciência
kantiana, é o aspecto mais importante para entender a evolução sucessiva do conceito de
ciência na filosofia do Romantismo e do Idealismo.

Comte (1857) é o pai do positivismo. Esse termo designa a validade do pensamento


cognitivo mediante a ciência factual onde a física é modelo de certeza e de persuasão do
progresso cientifico. Ele crítica as construções arbitrárias metafísicas derivadas do racionalismo
e do idealismo. Ele propõe a reconstrução da história da humanidade através da ciência, por
isso a divide em três estados: religioso (o homem explica os fenômenos naturais recorrendo às
causas sobrenaturais); metafísico (o homem explica os fenômenos naturais recorrendo a
princípios obscuros – causas, substâncias, forma, essência); científico (explica as coisas naturais
através das leis naturais). Ele defendeu o caráter experimental e indutivo da ciência, tornando-
a um conhecimento descritivo e legislativo. A ciência é, então, uma coordenação dos fatos,
cuja finalidade é a previsão dos fatos.

A ciência positivista foi critica por Dilthey (ele demonstrou que os critérios das ciências
naturais são incompatíveis com as ciências do espírito), Boutrox (contestou o caráter
determinista das leis cientificas e o seu valor aproximativo), Mach e Avenarius (desmascararam
o fundamento metafísico da ciência positivista. Eles afirmam que a ciência se forma por um
continuo processo de adaptação do pensamento a um determinado campo de experiência),
Bergson (diz que os esquemas da razão cientifica se adéquam somente ao estudo da matéria
inerte, enquanto esses são inadequados ao estudo da matéria vivente e da evolução criadora.
Por isso, é preciso que a demonstração esteja vinculada à intuição), Poincaré (fala que nas
teorias cientificas há uma forma e uma substância: a primeira constitui o verdadeiro e o
próprio aparato conceitual de uma teoria, o convenciona, não podendo ser verdadeira ou
falsa, mas apenas cômoda ou incomoda).

A partir de 1930, todo o debate gnosiológico cedeu o lugar ao problema lingüístico.


Com a reflexão lingüística teve início o neopositivismo ou empirismo lógico. O neopositivismo
é a filosofia do Círculo de Viena. As teses fundamentais são:

a) O princípio de verificação constitui o critério de distinção entre proposições sensatas e


proposições insensatas, cujo princípio se configura como critério de significação
lingüística;
b) Só há sentido as proposições passíveis de verificação empírica ou factual;

c) A matemática e a lógica constituem complexos de tautologias;

d) A metafísica, a ética e a religião por serem proposições factuais não verificáveis


constituem questões aparentes derivadas de pseudoconceitos;

e) A atividade filosófica é análise da semântica (relação entre linguagem e realidade),


sintática (relações dos sinais lingüísticos ente si e do único discurso significante, isto é
do discurso cientifico);

f) A filosofia não é doutrina, mas atividade clarificadora da linguagem. Os principais


representantes são: Schlick, Neurath, Kuhn, Frank, Waismann, Zilsel, Von Juhosm
Godelm Feigl, Kraft, Mengern, Carnap, Mach, Reichenbach, Dubislav, Grelling, Hempel
e Wittgenstein.

Karl Popper (1994) propõe um critério para demarcar as proposições cientificas das
não-científicas. As proposições são cientificas quando satisfazem duas condições: ser
falsificável e não ser ainda falsa de fato. Ele diz que todas as leis científicas possuem
probabilidade e podem ser definidas como aproximações e conjecturas. Os controles
discordantes apenas diminuem a probabilidade de uma aproximação. A ciência é invenção de
hipótese que delimita a observação e o experimento. Ele distingue três mundos: o mundo
físico, o mundo da consciência e o mundo das idéias. Ele também distingue dois aspectos no
processo cognitivo: um subjetivo e outro objetivo. Os produtos do pensamento são entidades
objetivas. Popper afirma o conhecimento sem o sujeito cognoscente. Todo conhecimento
científico é hipotético e conjetural. A ciência não é um sistema de asserções exatas e
estabelecidas imutavelmente definitivas. A ciência não pretende alcançar um estado da
verdade, mas a objetividade consiste na tentativa das conjecturas. Ele como racionalista crítico
afirma que a fé e a religião pertencem ao mundo da superstição.

A epistemologia pós-poperiana tem como representantes Bachelard, Lakatos, Kuhn.


Feyerabend (1962) põe o binômio, experiência e razão, como base de sua gnosiologia. Ele
parte do racional ao real. O procedimento científico se configura da realização do racional e do
matemático. A posição filosófica dele foi definida como um racionalismo aplicado, cuja diretriz
vai da razão à experiência que corresponde à supremacia da física e da matemática. Ele diz que
o empirismo é a filosofia do conhecimento vulgar, enquanto o racionalismo é a resposta do
conhecimento científico. Bachelard, como Popper e Gadamer, retém que a observação
científica se realiza sempre movendo de uma teoria precedente e preparatória. Lakatos (1974)
propõe o falsificacionismo metodológico no qual a evolução e o progresso científicos derivam
do contraste entre os diferentes programas de pesquisas. Um programa de pesquisa deve
fornecer uma guia à futura pesquisa seja em sentido negativo (heurísitica negativa) seja em
sentido positivo (heurística positiva). O primeiro representa um programa nuclear onde o
essencial é a decisão que são as assunções dos programas que não podem ser nem
modificadas nem refutadas. O segundo compreende indicações aproximativas acerca do modo
de desenvolvimento do programa de pesquisa mediante as assunções suplementares. Ele diz
que de um programa de pesquisa se espera que guie as hipóteses que possam depois ser
confirmadas. A ciência é uma competição entre programa de pesquisas.

Kuhn diz que a comunidade científica normalmente não abandona um sistema teórico
comumente aceito quando são observados fatos que chegam a contradizê-los. Ele chama de
paradigma o sistema de teorias aceito por toda a comunidade científica. Essa comunidade
tende a manter o sistema teórico apesar dos fatos discordantes. A fase de conservação do
paradigma se chama ciência normal. Os “cientistas normais” buscam resolver os paradigmas e
resolver as dificuldades que se encontram nele. E realmente vários fatos que aparecem
discordantes inicialmente podem depois ser integrados no paradigma. O paradigma duvidoso
que é substituído por outro será aceito gradativamente pela comunidade científica, e assim,
por revolução, passa-se ao paradigma de uma nova ciência normal. Uma ciência normal
sucede a outra sem que seja um progresso em direção da verdade. Feyeraben fala do
anarquismo epistemológico que consiste em que a idéia de um método contenha princípios
firmes, imutáveis e absolutamente vinculados como guia na atividade científica que se depara
em dificuldades quando confrontadas com os resultados da pesquisa histórica. Não há
nenhuma norma plausível e radicalizada na epistemologia que não tenha sido violada em
qualquer circunstancia. As violações não são eventos acidentais já que são necessários para o
progresso científico. Ele diz que há circunstâncias nas quais é aconselhável defender hipótese
cujo conteúdo seja menor em relação às alternativas existentes e adequadas empiricamente.
Essa contra-norma é uma antítese à norma popperiana que prefere uma teoria com mais
conteúdo a uma teoria com menor conteúdo. Defendeu também a não confrontação como
antítese à teoria da verossimilhança de Popper.

Uma das dificuldades quanto à compreensão da ciência contemporânea decorre da


negação da lei natural. Mas em que consiste a lei natural? A lei natural ou física é a relação
regular e constante entre os fenômenos naturais ou a ordem dos eventos que não ocorrem
caoticamente ou casualmente, mas sempre da mesma maneira como se fossem regulados por
uma regra ou lei física determinada. O princípio da legalidade ou uniformidade da natureza
afirma que todos os fenômenos físicos são regulados por leis fixas que determinam a sua
interação e sucessão. O princípio da causalidade afirma que as causas iguais em circunstancias
iguais produzem efeitos iguais. As leis físicas podem ser:

a) Dinâmica (enunciação de uma necessidade e determinação para cada indivíduo e


evento, sem que o posto seja fisicamente possível);

b) Estática (enunciação de uma regularidade e constância que se verificam somente


quando há um grande número de casos simultâneos e sucessivos);

c) Probabilística (seja nos casos singulares ou nos casos de grandes proporções,


enuncia o grau de maior incidência de um evento, contudo não é necessário nem
impossível, mas provável).

Na Antiguidade, Demócrito, Epicuro, Lucrécio negavam o valor das leis físicas


afirmando que tudo no mundo ocorre por acaso, sem norma, sem regra. A crença em uma
ordem ou regularidade é uma pura ilusão.

Na Modernidade, Hume reduziu o conhecimento a simples sensações e impressões


como percepções de sucessões de eventos e negou, na prática, a existência da lei natural.
Tudo aquilo que podemos conhecer é que as coisas são assim, mas se serão sempre assim nós
não podemos sabê-lo nem com a razão, nem com a experiência: não só com a razão a priori,
porque o contrário não é impossível nem contradiz a razão nem a experiência presente ou
passada, mas não se pode afirmar nada referente à repetição do fenômeno no futuro. Para
Hume, a crença nas leis da natureza tem apenas um fundamento psicológico que corresponde
à associação das idéias que se formam por costume ou hábito e tem uma utilidade prática à
nossa ação e à nossa conduta da vida. Kant aceitou a crítica de Hume sobre a impossibilidade
de obter da experiência algum juízo universal e necessário, pois admite que os conhecimentos
universais e necessários são a priori. A ciência se fundamenta em juízos sintéticos a priori.

O positivismo clássico de Comte considera que as leis da natureza são um fato


universal verificadas pela observação. O empirismo de Hume e o criticismo de Kant resultaram
no empirismo crítico de Mach que diz que o objeto do nosso conhecimento são as sensações e
toda ciência é uma análise das sensações. As nossas sensações são regulares e irregulares, por
isso as leis físicas são regras subjetivas de reconstrução de um grande número de fatos,
mediante uma única expressão possivelmente matemática. Somos nós que, na nossa
expectativa de eventos futuros, impomos restrições que não tem valor objetivo, porque são
unicamente fundadas sobre hipóteses inverificáveis da regularidade da natureza, porém, tem
um valor prático e econômico.

Poincaré diz que as leis da natureza se reduzem aos princípios convencionais e gerais
da mecânica ou a puras construções do espírito, livres convenções que não podem ser
confirmadas nem invalidadas pela experiência, nem verdadeiras nem falsas, mas somente mais
ou menos cômodas para sintetizar os dados da experiência. O neopositivismo – herdeiro de
Mach e de Wittgenstein – afirma que apenas as proposições dotadas de sentido são
proposições protocolares que enunciam o concreto no espaço e no tempo. As leis universais
são privadas de sentido porque são inverificáveis, são proposições incompletas e
indeterminadas.

Depois da negação da existência da lei natural por alguns filósofos, ainda é possível
afirmar seu valor ontológico? Podemos dizer que a determinação intrínseca da natureza que
age de um modo determinado é comprovada em primeiro lugar indutivamente (o fogo quima,
a água esfria, os corpos caem, o vapor se expande) e todos os agentes tendem a produzir um
efeito que é determinado por sua própria natureza (exemplificação empírica). O princípio da
determinação da natureza à ação, como todos os princípios da razão, pode ser confirmado
pela redução ao absurdo. Se o agente natural não fosse ontologicamente pré-determinado a
produzir um efeito, todos os efeitos são indiferentes. Na doutrina hilemórfica, a determinação
da natureza dos entes materiais é fundada metafisicamente sobre a forma substancial, o
princípio intrínseco de ser e do agir, do qual emanam as formas acidentais próprias, as forças e
as energias físicas que são o princípio próximo imediato da ação. Laplace, sob o influxo do
racionalismo e do mecanicismo, diz que o princípio da legalidade da natureza era entendido no
sentido de um determinismo rígido e absoluto. Segundo Santo Tomás, o determinismo deriva
de duas proposições falsas: a) tudo o que acidentalmente ocorre há uma causa; b) posta
necessariamente a causa segue o efeito.

Os representantes do determinismo absoluto são: Suarez, Galileu, Descartes, Newton,


D’Alembert, Lagrange, Laplace, Comte (intervenção de causas superiores). A filosofia
espiritualista de Boutrox, Bergson e Blondel se contrapuseram ao determinismo absoluto.

E como se encontra a relação entre filosofia e ciência?

Para compreendermos as relações efetivas que existem entre filosofia e ciência se


deve ter presente três fatos:
a) A filosofia nasce como ciência em oposição à opinião. Para os gregos, toda ciência
é filosofia: filosofia da natureza (física), filosofia dos números (matemática),
filosofia dos princípios (metafísica);

b) Ciência é, em sentido moderno, filha da filosofia já que nasceu de um campo


próprio ao interno da episteme, que não se trata mais da essência das coisas, mas
as leis dos fenômenos.

c) A filosofia das ciências, a epistemologia, atesta que a filosofia é uma busca


irrenunciável e que as novas formas de saber não suprimem a filosofia.

Assim percebemos que é ilegítima qualquer contraposição entre filosofia e ciência,


contudo, seria ilegítimo também identificá-las. Ciência e filosofia se distinguem pelos seus
objetos: o objeto da ciência é o estudo dos fenômenos, as suas relações e determinar as suas
leis; o objeto da filosofia é o estudo dos princípios e da busca compreensiva da essência das
coisas. Enfim, ciência e filosofia são filhas da mesma mãe: a verdade.

Conciliar as exigências da fé crista com as exigências da razão sempre foi uma


atividade difícil. Nos primeiros séculos do cristianismo, os motivos de conflito procediam da
filosofia. Na época moderna, as causas do conflito derivam da filosofia e da ciência. De fato, a
harmonia entre fé e razão existiu apenas na Idade Média, uma vez que a fé era a regra de vida
para todos os cidadãos do império romano. A cultura moderna gera conflito entre ciência e fé.
O nascimento das novas ciências sempre causou novos conflitos com a fé (a teoria
heliocêntrica com a astronomia e a teoria evolucionista com a biologia). O motivo principal
desses conflitos foi a presunção da razão iluminista de querer resolver com a ciência todos os
mistérios da fé. A ciência moderna pretendia ser capaz de fornecer ao homem verdades
indiscutíveis sobre a natureza e sobre o homem, por isso identificou a fé religiosa com a
superstição. Hoje a situação é diferente. A ciência não tem a pretensão da onisciência e dá
espaço para a experiência religiosa. O critério de falsificabilidade das ciências de Popper
permitiu que os cientistas tomassem consciência do limite do poder da ciência. A fé não tem
pretensão de invadir o terreno da ciência nem de impor aos cientistas as próprias doutrinas.
Nem fideísmo, nem cientificismo são bons conselheiros da razão. A fé a razão são como duas
asas com as quais o espírito humano se dirige acerca da contemplação da verdade. Não há,
portanto, motivo para existir competitividade entre razão e fé: ambas têm seu espaço próprio
de realização.

O esquema da diversidade de classificação das ciências é:

AMPERE: ciências cosmológicas e noológicas.


ADLER: ciências naturais e sociais.

HEGEL: filosofia da natureza e filosofia do espírito.

COURNOT: ciências teóricas, históricas e técnicas.

SCHUPP: ciências objetivas e subjetivas.

MENZEL: ciências da natureza e da cultura.

COMTE: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia.

DILTHEY: ciências da natureza e do espírito.

WUNDT: ciências naturais e formais.

SPENCER: ciências abstratas, abstrato-concretas e concretas.


TEMA VII – O SER HUMANO: PESSOA, NATUREZA,
VALOR E DIGNIDADE

Filosoficamente, admite-se que a vida tem como princípio último a alma. A alma não
pode haver sua origem na matéria, porque caso não fosse assim, não se compreenderia
porque somente uma parte da matéria é dotada de alma. Por isso se admite que a alma tira
sua origem do alto, mediante a ação de um ser inteligente. A alma surge mediante a ação de
um ser inteligente já que o homem é um ser inteligente. A modalidade seguida por este ser
inteligente para dar origem à vida (se por criação direta ou indireta, por evolução mediante
interventos programados ou por geração espontânea) para a filosofia resta matéria opinável e
disputável, sobre o qual se retém de não poder dar-se a última palavra.

Cientificamente, quanto à origem da vida, há muitas soluções, que podem ser


reduzidas a quatro tipos fundamentais:

a) Criação direta por Deus (mentalidade mítica e de alguns cientistas: Darwin,


Servier);

b) Evolução segundo um plano estabelecido por Deus (Descartes e Newton);

c) Geração espontânea (F. Redi, Pasteur negaram esta tese);

d) Geração ou evolução por acaso (J. Monod – DNA).

A história da antropologia apresenta três paradigmas fundamentais: cosmocêntrico,


teocêntrico e antropocêntrico. A atividade de compreensão do homem em perspectiva
cosmocêntrica é própria do pensamento grego, segundo a qual os filósofos estudam o homem
no horizonte do kosmos. O homem realiza-se a si mesmo apenas quando se comporta segundo
as leis da natureza. A realização de uma compreensão antropológica e teocêntrica foi própria
do pensamento cristão patrístico e medieval no qual o homem é pensado no horizonte de
Deus, e o homem se comporta retamente e alcança a sua plena realização de si mesmo se
conformando à Lei de Deus, tendo como modelo o próprio Deus (imago Dei). A compreensão
em perspectiva antropocêntrica foi realizada pelo pensamento moderno, segundo a qual o
homem é o ser supremo e a medida de todas as coisas.

Há, porém, duas distintas elaborações referentes aos três paradigmas antropológicos:
uma “do alto” e outro “de baixo”. Aquela do alto parte da alma, aquela de baixo parte do
corpo como referenciais de compreensão do homem. A primeira concebe o homem como
“espírito encarnado”, a segunda concebe o homem como “animal racional”. As principais
antropologias do alto: Platão, Agostinho, Descartes, Pascal, Spinoza, Leibniz, Fichte, Hegel. As
antropologias de baixo são: Aristóteles, Santo Tomás, Hume, Kant, Kierkegaard, Rosmini,
Marx, Feuerbach, Nietsche, Heidegger, Scheler, Buber e Levinas. Ao interno dos paradigmas do
alto ou do baixo, há variante que privilegiam a essência ou a existência, o eu ou o tu, o
intelecto ou a vontade, a memória ou a fantasia, a razão ou a liberdade.

Segundo Platão, o homem é essencialmente alma, pois a alma constitui toda a


essência do homem, a sua verdade, a sua natureza. De fato, a alma existe antes do corpo e
pode existir independente dele. Encontra-se no corpo como algo estranho, que não lhe
pertence originariamente e do qual pode livrar-se com a morte. A alma do homem se divide
em três partes: racional (cabeça), irascível (tórax) e concupiscível (ventre). Uma vez que a alma
se encontra unida ao corpo ela é dotada de conhecimento intelectivo e sensitivo. A teoria
platônica diz que o conhecer é recordar. A alma, sendo imortal e existente antes de unir-se ao
corpo, pode contemplar as idéias de toda a realidade seja no mundo das idéias seja no mundo
sensível. O conhecimento sensível tem a função de revelar através do encontro com os objetos
externos a recordação das idéias presentes na parte racional da alma - anammnesi – é possível
porque provêm das imagens das idéias, as coisas materiais. O conhecimento verdadeiro, a
ciência, tem-se apenas do Ser, das Idéias. Por isso, se ignora o não-ser e do movimento tem-se
a opinião que fica entre o ser e o não-ser, entre o conhecimento e a ignorância. O
conhecimento humano se divide em ciência e opinião.

A concepção platônica das relações alma-corpo é dualista porque o componente


metafísico-ontológico e o componente religioso do orfismo transformam a distinção entre
alma e corpo em uma antítese. O corpo é entendido não como receptáculo da alma, mas como
cárcere da expiação. Uma vez que nós temos um corpo já estamos mortos. O corpo é a raiz de
todos os males.

A ética platônica apresenta os seguintes paradoxos:

a) Fuga do corpo: a alma deve procurar fugir do corpo o mais depressa possível, por
isso o verdadeiro filósofo deseja a morte e a verdadeira filosofia é um exercício de
morte. A morte é um episódio que ontologicamente se refere ao corpo, não
causando nenhum dano à alma, mas lhe traz o benefício, isto é lhe permite uma
vida voltada para si mesma;

b) fuga do mundo: fugir do mundo significa tornar-se virtuosa e buscar assemelhar-se


a deus, adquirir justiça e sapiência. O mal é o oposto do bem.
Os paradoxos têm um significado idêntico: fugir do corpo implica fugir do mal do corpo
mediante a virtude e o conhecimento; enquanto fugir do mundo implica fugir do mal do
mundo mediante a virtude e o conhecimento. A purificação se realiza quando a alma toma
posse do mundo inteligível unindo-se àquilo que lhe é congênere e co-natural depois de ter
ultrapassado o mundo dos sentidos. O processo de conversão moral ocorre através do
conhecimento dialético que se eleva do sensível ao inteligível, do falso ao verdadeiro. A alma é
eterna, imutável e incorruptível. A metempsicose é a doutrina que indica a transmigração da
alma em vários corpos, a qual nasce de novo em diferentes formas viventes (cf. Fedone,
República e Fedro). O homem está na terra como de passagem e essa vida é uma prova. A
verdadeira vida ocorre depois da morte do corpo. A alma será julgada conforme o critério da
justiça e da injustiça, da virtude e do vício.

Aristóteles conceitua o homem como uma espécie animal: um animal racional. Não há
relação conflitiva entre alma e corpo. O corpo é a sede natural da alma. O corpo e a matéria, a
alma é a forma. O homem tem três almas: vegetativa, sensitiva e racional. A alma é “a
enteléquia” do corpo físico. A alma é forma do corpo, é um princípio essencial e constitutivo
que se configura inteiramente com a matéria convertendo-a em um corpo humano vivo. De
uma parte, matéria é o meio potencial que recebe a determinação da forma, e de outra parte,
ela é princípio de individuação que constitui o indivíduo determinado no espaço e no tempo. O
homem é “anima forma corporis”, “unio substantialis” entre corpo e alma. Ontologicamente, o
homem é o centro que une os graus do ser. O elemento cognitivo é a referencia da definição
do homem como ser espiritual. O espírito é a razão, a faculdade do conhecimento intelectual.
Aristóteles apresenta uma concepção unitária do homem cujos elementos constitutivos alma e
corpo formam uma única substancia e cooperam reciprocamente para a perfeição do homem.
O bem supremo do homem – a felicidade – consiste no aperfeiçoamento de si mesmo em sua
atividade racional vivendo conforme as virtudes que lhe são inerentes. A virtude se adquire
com a repetição sucessiva dos atos, hábito. Aos deuses, toda vida é beata, porém, aos homens,
a vida torna-se beata à proporção que participam da atividade contemplativa.

Plotino diz que todas as coisas, por emanação, derivam do Uno. O homem é o ponto
central da passagem obrigatória do processo de emanação. O homem é composto de alma e
corpo. A alma é distinta do corpo e pré-existe porque é uma emanação de grau superior. A
união da alma com o corpo resulta da necessidade que governa a emanação do Uno. A
constituição heterogênea do homem, corpo e alma, gera um contraste de tendências:
conversão (ascendência da alma) e dispersão (descendência da alma). E nisso consiste o drama
da vida humana. A missão própria da alma é restabelecer a unidade originária das coisas,
reconduzindo-as ao Uno. O retorno da alma ao Uno é obra da liberdade já que sua tendência
ao corpóreo é uma fatalidade que foge à sabedoria e aos planos superiores do ser. o ritmo da
vida é um oscilar entre necessidade biológica e liberdade espiritual, entre instinto e vontade.
As etapas de retorno da alma ao Uno são:

a) Ascese ou katarse: com o exercício das virtudes cardeais a alma se libera do


domínio do corpo e dos sentidos;

b) Contemplação: conhecimento do Uno mediante a filosofia;

c) Êxtase: união mística, imediata, com o Uno. A liberdade é a vontade do bem, por
isso é a atividade mais nobre da alma.

Segundo Santo Agostinho, o homem é uma criatura da natureza que tem seu lugar na
hierarquia ordenada dos valores como aqueles que os une, mas ao mesmo tempo é separado
do conjunto das coisas da natureza. O homem tem um significado próprio e sua expressão
particular em relação com Deus. O homem toma consciência de sua personalidade no seu
confronto com Deus. O homem é uma pessoa assim como Deus é a pessoa. O homem, corpo e
alma, alcança a sua transcendência em Deus. Agostinho é platônico no método (a alma como
ponto de partida) e introspectivo como Plotino. Contudo, ele não procede de axiomas ou
postulados, mas de uma grande interiorização introspectiva, pois “in interiore homine habitat
veritas”. Ele penetra nas profundezas da alma e descobre o sentido da existência humana em
Deus. Agostinho não identifica o homem com a alma e refuta que o corpo seja algo acidental
ou prisão da alma, pois Deus criou tanto o corpo quanto a alma. O homem é uma substancia
racional que consiste em alma e corpo. O corpo e a alma são unidos em uma única pessoa,
embora a alma seja a parte superior e o corpo seja a parte inferior. E duas são as faculdades
espirituais do homem: a ratio (o nível superior do conhecimento é a sapiência e o nível inferior
é a ciência) e a voluntas (o nível superior é a libertas e o nível inferior é o liberum arbitrium).
No nível superior, ambas as faculdades operam diretamente por Deus: na ratio mediante a
iluminação, na libertas mediante a graça. A perfeição do homem nesta vida reside no esquecer
as coisas passadas (distentio) e no estender-se mediante uma tensão interior (extendi
secundum intentionem) àquelas que nos esperam (futuras). A tensão da busca é a coisa mais
segura até que não tenhamos alcançado àquilo a que tendemos ser. O homem encontra seu
ser no acolher o que transcende: a intentio, a busca da extentio, a resposta que orienta a
busca. O ato pessoal de viver a verdade está na relação entre a intentio e a extentio em
constante polemica com a distentio. A unidade do homem é um processo de unificação é uma
perspectiva que se volta ao passado e ao futuro: a criação do homem novo em nós.

A concepção monástica de homem é totalmente teocêntrica. As atividades da vida


monástica são: oração, a fuga do mundo e amor a Deus. No homem, a alma tem valor absoluto
porque é ela que une o homem a Deus. O paradigma traçado por São Bernardo provém do
platonismo e do agostianismo, porém, transfere as doutrinas do plano metafísico ao plano
existencial. A antropologia de São Bernardo é existencialista, descritiva, prescritiva, ascética e
mística. Ele se preocupa com o fim último (Deus) e com os meios para alcançar realizá-lo
(virtudes da humildade e da caridade). Deus fez o homem uma criatura digna e preciosa
concernente ao corpo, mas insígnia por imagem ao Criador quanto à alma, partícipe da razão e
capaz de beatitude. Todo trabalho da ascese espiritual consiste em adquirir “liberdade do
pecado”, com a graça que move e sustenta a vontade humana. A união mística da alma
humana com Deus é a plenitude da perfeição e a perfeita beatitude. A isso o homem aspira
sempre.

Santo Tomás diz que o homem é um espírito encarnado. O homem é inferior na


hierarquia dos espíritos porque graças ao corpo ele desenvolve as atividades do espírito:
conhecer e querer. O corpo é a matéria da qual a alma é a forma, a potência da qual a alma é o
ato. Em virtude do corpo o homem exercita a sexualidade e ocupa um lugar no espaço e no
tempo e desenvolve todas as atividades artísticas... A alma é dotada de um actus essendi e é
uma substância completa em ordem ao ser, se bem que incompleta em ordem à essência
porque a alma é um elemento e juntamente com o corpo constitui a essência do homem. A
alma é espiritual e imortal. O homem é pessoa dotada de intelecto e vontade. A alma é a
forma substancial do corpo. Corpo e alma são os princípios constitutivos da natureza humana.

A antropologia tomista da integração de três níveis do ser no homem: a corporeidade,


a espiritualidade e a pessoa. A estrutura essencial desta antropologia integra a corporeidade e
a espiritualidade, que são os princípios distintos do homem, e alcança a plenitude da pessoa. O
corpo não é só um elemento essencial, mas um componente que afeta a própria perfeição do
homem em seu ser e operar. O homem deve ao corpo sua relação com o mundo que é o
caminho de inserção no todo: sua individuação, sua distinção radical de seu sexo, sua
finitude... A corporeidade humana se caracteriza pela ambivalência da finitude humana:
inteligência e transcendência. A espiritualidade do homem, segundo Santo Tomás, explica-se
pela teoria do ser como ato, pela teoria hilemórfica e pela teoria da alma humana como forma
substancial do corpo. O homem é o horizonte da matéria e do espírito. A alma informa a
matéria e a constitui na ordem do ser, é o espírito que dá ao homem sua dignidade e sua
distinção. Em Jesus, o homem perfeito, o humano toca o infinito, a divindade. A alma (forma)
está unida ao corpo (matéria). O homem é uma unidade composta de forma (alma) e matéria
(corpo). A essência do homem é ser corpo-alma. O ser humano é pessoa, que significa sujeito
singular que implica duas condições: uma natureza espiritual e um modo de existir
espiritualmente corpóreo. O conceito pessoa indica a dignidade do ser humano em sua
incomunicabilidade e em sua subsistência. A pessoa é incomunicável na ordem do ser, mas é
comunicante na ordem do operar. No uso da liberdade se joga o destino do homem. O fim do
homem coincide com o bem que se desenvolve ao longo de sua história.

Descartes diz que o homem é a medida de todas as coisas e o centro do essente. O


homem é o sujeito primordial de cada especulação e ação, sujeito livre e pensante. O homem
que explica tudo a partir de si mesmo, sem auxílio da fé. Ele recorre à introspecção e à reflexão
sobre o próprio eu, e exalta a alma como elemento espiritual e exclui o corpo como elemento
significativo. A partir do cogito ergo sum deduz todas as verdades a respeito da alma e suas
relações com o corpo. A alma tem um caráter pensante e não apenas a alma desenvolve a
atividade, mas também a sua própria substancia se constitui no pensar: res cogitans, o homem
se identifica com a alma. O homem possui corpo, porém, ele não faz parte da essência
humana. O corpo é uma substancia completa em si mesma, diferente e oposta à alma: a alma
é res cogitans, o corpo é res extensa. A união entre corpo e alma é superficial como pensou
Platão, cujo fato se dá no cérebro. Substancialmente não há nenhuma diferença entre o corpo
humano e o corpo dos animais: máquinas, autômatos. A alma distingue o homem dos animais.
No homem, a liberdade é a faculdade soberana, cujos poderes são ilimitados. A liberdade
torna o homem senhor de si mesmo e de suas próprias ações. Ele pode livremente decidir a
sua própria vida. A vontade não se submete a nenhuma norma que lhe venha apresentada
pela razão, mas essa própria decide o valor de qualquer juízo ou critério de verdade. Descartes
iguala a ação da vontade à ação do intelecto. A autonomia do homem frente à verdade
consiste em sua responsabilidade pela verdade. O juízo consiste na adequação da vontade ao
empenho livre do meu ser.

Espinosa, em sua construção dedutiva fundamentada sobre a única substância (Deus)


e seus dois atributos, onde tudo ocorre segundo a lei da necessidade, colocou o homem ao
interno de seu desígnio metafísico. O homem é uma perfeita imagem de Deus quando
reproduz em si em modo excelente os atributos divinos: pensamento (alma) e extensão
(corpo). A natureza humana, as suas ações e as suas paixões são conduzidas conforme o
procedimento axiomático-dedutivo, característico dos mos geometricus que leva a negar que o
homem seja uma substância. A substância não constitui a forma do homem, porque a essência
da substância implica a existência. Ora, se a substância fosse a forma do homem, ele deveria
existir necessariamente, mas isso é absurdo. O homem é um atributo, um modo, uma síntese
de duas modificações da substância divina: pensamento e extensão. A modificação do atributo
do pensamento é a alma e a modificação do atributo da extensão é o corpo. A relação ente
corpo e a alma consistem em um perfeito paralelismo e uma exata coincidência. A alma não
age sobre o corpo nem o corpo sobre a alma. Tudo o que ocorre no corpo também ocorre
paralelamente na alma e vice-versa. Como a mente é o correspondente ao corpo no atributo
do pensamento, assim as cognições que a mente adquire são correspondentes aos
movimentos do corpo. Ele nega a liberdade humana, uma vez que ale afirma o
reconhecimento de uma ordem necessária na qual o homem é colocado e pela qual é
governado. A vontade humana não é livre porque a vontade não é uma faculdade
independente, mas uma modalidade do pensamento e como tal tem por causa o pensamento.
A ética espinosiana apresenta três fundamentos:

a) Relação subsistente entre experiência cognitiva e experiência moral: a um


conhecimento feito de idéias inadequadas corresponde um estado de passividade
da mente e a um conhecimento baseado em idéias adequadas faz coincidir com a
condição com a atividade da mente;

b) O conceito conatus essendi, que é o esforço de cada coisa em perseverar no seu


ser segundo as possibilidades da própria natureza: a essência atual de uma coisa é
o esforço de duração;

c) A redução nominalista de bem e de mal à entes de razão, exprime a relação em


que qualquer coisa se encontra a respeito das exigências da conservação de um
determinado ser.

Bem e mal indicam respectivamente útil e nocivo. A tarefa da moral é governar os


afetos, afeiçoes do corpo que aumentam ou diminui a potencia de sua ação. Os afetos são
modificações do corpo. Transformar as paixões em ações é o grande papel da ética. O
conhecimento em diversos graus é o pressuposto principal da passagem da paixão à ação. O
conhecimento restrito à opinião e à fantasia manterá a mente passiva no nível das paixões. O
conhecimento filosófico ou científico leva a mente ao nível da ação e da liberdade. A perfeição
máxima dos homens é o conhecimento de Deus.

Kant afirma na Crítica da Razão Pura que a razão pode explicitar a sua atividade
cognitiva somente no âmbito fenomênico e fazendo referencia exclusiva e necessária ao
âmbito conjunto de elementos que nos é oferecido pela nossa experiência. A metafísica é
impossível como ciência. Quanto à antropologia filosófica, Kant faz uma segunda revolução
copernicana que se refere às relações entre sujeito e objeto do conhecimento. No ato
cognitivo a prioridade pertence ao sujeito: o sujeito impõe ao objeto as suas formas seja
sensitiva seja inteligível. A realidade conhecida aparece a mim, isto é, constitui-se como objeto
cognoscitivo pelas formas da minha subjetividade cognoscente. O objeto é constituído pelo
sujeito em virtude da determinação subjetiva de poder ser conhecido. O primado do sujeito se
dá na gnosiologia, na moral e na estética. Kant na Lógica fala que o campo da filosofia
compreende as seguintes questões: que coisa posso conhecer? (metafísica); que coisa devo
fazer? (moral); que coisa posso esperar? (religião); que coisa é o homem? (antropologia). Para
Kant, o homem é moralmente autônomo, um legislador de si próprio, capaz de dar-se uma lei
moral e observá-la. A norma suprema a que a vontade se submete é uma só: o imperativo
categórico que prescreve ao homem a lei por amo à lei, sem objetivação de felicidade. A
liberdade da alma é vista como exigência da moralidade, que provém do imperativo categórico
“tu deves”. A imortalidade da alma é negada como verdade metafísica, porém, vem afirmada
como exigência da moralidade: se a alma humana não fosse imortal a vontade não poderia
atingir a sua perfeição moral, o a priori incondicionado.

Para Hegel, o homem não é o singular, o indivíduo, mas o gênero humano, a


humanidade. O singular é apenas um momento da humanidade e o instrumento como essa se
manifesta e se realiza. A humanidade é auto-manifestaçao da Razão e da Idéia do Espírito.
Hegel traduz em conceitos antropológicos os conceitos metafísicos do Uno de Plotino e o de
substância de Espinosa. Hegel constrói uma antropologia do alto de modo dedutivo – tudo
segundo as leis da lógica e da dialética – procedimento exclusivo do Espírito. Nunca o corpo e a
matéria gozam de uma autonomia própria, pois esses são apenas um momento necessário à
exteriorização do Espírito. A existência pessoal e individual desaparece, porém, predomina o
sistema em chave social e universal. O sistema hegeliano é pan-lógico e pan-histórico graças à
coincidência do real com o ideal, do real com o racional. A antropologia hegeliana situa-se
dentro da dialética da evolução e da manifestação do Espírito, não através das pequenas
epifanias dos indivíduos, mas através das grandes epifanias dos povos. A história é a história
da humanidade, das civilizações, onde cada povo, cada civilização realizam a própria missão
histórica da razão. A política é a ciência da realização histórica da liberdade em suas
progressivas encarnações mediante a família, as corporações e o Estado. O Estado é o órgão
supremo da automanifestação do Espírito.

Kierkegaard se coloca em oposição a Hegel. O homem tem o primado em relação ao


gênero humano, o individuo tem a supremacia sobre o sistema. Ele valoriza o sujeito, o eu
existencial, o eu diante de Deus. O indivíduo, a existência, a liberdade, a angústia, o pecado e a
fé são pontos essenciais da antropologia de Kierkegaard. O indivíduo não é o homem como
animal racional, porém, o indivíduo é dotado de corpo e alma, o crente que fez sua escolha por
Deus como atitude de fé pela salvação de seu ser. O singular é a especificação positiva do
homem cuja capacidade de escolha do absoluto faz parte de sua dimensão ontológica.
Ontologicamente, a existência significa colocar-se no mundo histórico, teologicamente implica
inserção no mundo da fé. A existência é a esfera do movimento, do contingente e do histórico.
A existência se refere à realidade de fato onde a possibilidade precedeu a realidade, pois entre
possibilidade e realidade não há uma relação de causa, mas essas são dois estados do próprio
ser que são separados como não-ser e ser pelo infinito. O homem possui uma liberdade falível
inerente à singularidade de espírito finito. Todo o destino do homem é decidido pelo uso da
liberdade: se se decide pela própria finitude e escolhe a si mesmo, está perdido; se se decide
pelo infinito, Deus, então está salvo. O fundamento da liberdade do espírito finito é Deus. A
angústia que nasce da consciência da falível liberdade do indivíduo pode ser ativada pela fé em
Deus. A fé é um salto do mundo das certezas racionais a um sem provas e sem garantias. A
falta de garantias objetivas permite que a fé seja vivida como um risco, porém, essa aceitação
não é irracional, mas paradoxal, porque é uma verdade privada da evidencia objetiva.

Nietzsche diz que o homem é uma realidade obscura e velada. Todavia, diz também
que o homem é um animal que ainda não é determinado completamente. O homem é um
embrião que deve chegar ao verdadeiro homem, ao verdadeiro gênero humano. O homem é
portador da vida, cujo impulso constante é a autotranscendência e contínua evolução. O
processo evolutivo que lentamente o leva à geração do homem verdadeiro percorre três
estágios:

a) camelo, o seu vigor acerca de tudo o que é pensante: as cadeias da lógica,


metafísica e da religião;

b) leão, do homem débil, medíocre, obediente, religioso, moralista se deve


transformar em um homem forte, autônomo, legislador de si próprio e
senhor absoluto de seus próprios atos, onde a única norma ética é o triunfo
da própria personalidade, cujo preceito supremo é “eu quero”;

c) menino, o homem inocente que vive a realidade em todas as suas manifestações:


ou aquelas que causam prazeres ou aquelas que causam dores.
O homem forte deve tornar-se o super-homem, cujas virtudes são a audácia e a
insensibilidade. A primeira lhe consente afirmar sua vontade sem nenhum escrúpulo, e a
segunda é a condição para recorrer a qualquer meio sem se comover pelo sentimento de
compaixão. Os males e a morte são manifestações maravilhosas da própria natureza. Por isso,
o homem inocente aceita a morte e o seu destino com entusiasmo. O homem inocente
(menino) exercita a sua capacidade inventiva para criar novos mitos, novos símbolos sagrados
e novos ideais de existência. Ele apresenta, então, uma antropologia niilista, propositiva,
vitalista e genético cultural. Nietzsche fala que a alma é uma invenção criada pelos padres.
Essa concepção favoreceu ao individualismo, ao racismo e ao hedonismo.

No século XX, com a desagregação da filosofia, as concepções de homem são


múltiplas, por isso cada filósofo, sociólogo, psicólogo criou um paradigma antropológico
próprio. Assim, Bloch pensa o “homem utópico”, Freud pensa o “homem como instinto
dominado pelo inconsciente”, Jung e Cassirer pensa o “homem simbólico”, Heidegger pensa o
“homem angustiado”, Sartre pensa o “homem problemático”, Buber e Levinas pensam o
“homem dialógico”, Lewu Straus e Gehlen pensam o “homem axiológico”, Foucault pensa o
“homem arqueológico”. Todas essas concepções antropológicas são incompletas porque são
aplicações parciais do método fenomenológico.

Para Heidegger, a realidade é o ser e o homem é o pastor do ser. O homem é o ente


que assume uma posição privilegiada porque há uma relação singular com o ser. O homem é
um ser aberto, por isso a compreensão do ser é uma determinação do ser do homem. O
homem é a porta de acesso ao ser. Fenomenologicamente, parte-se do homem, deixa que ele
se manifeste a fim de compreender o seu manifestar-se. O homem apresenta alguns traços
específicos do ser que se chama existenciais: ser-no-mundo, existência, a temporalidade e a
morte. O mundo é o conjunto de desejos, afetos, conhecimento onde o home se encontra
imerso. O homem encontra-se situado – Dasein – ser aí. O homem não está preso à situação,
mas ele é um ser aberto a qualquer novidade. A própria situação presente é determinada pelo
o que o homem se projeta em direção ao futuro. Vive-se o presente em vista do futuro. Essa
característica do homem viver fora de si e diante de si chama-se existência. A essência do
homem é a sua existência. O homem é um existente porque é vinculado essencialmente à
temporalidade. O homem é futuro, porém, no seu atuar as possibilidades, ela parte sempre de
uma situação de fato na qual já se encontra. Deve fazer uso das coisas como instrumentos de
realizações de seus projetos, experiência do presente. A temporalidade torna possível a
unidade da existência passada, presente e futuro que correspondem respectivamente a sentir,
a entender e a discursar. Há um contraste entre o ser-no-mundo e a existência: um liga o
homem ao passado, o outro o projeta ao futuro. Se o homem se deixa guiar pelo passado terá
uma vida inautêntica e se deixa guiar pelo futuro terá uma vida autentica. Ora, a morte
pertence à estrutura fundamental do homem, é um existencial. Na morte, o homem conquista
a totalidade de sua vida uma vez que é a possibilidade extrema que limita e determina a
totalidade do seu ser. O homem toma consciência da morte na angústia, que é uma disposição
fundamental de seu ser. A morte é principium individuationis, o princípio formal da vida
humana: a vida humana se torna um todo mediante a morte que a limita já que somente a
morte permite ao homem ser completo.

A constituição antropológica se caracteriza por duas dimensões: corpo e espírito. A


dimensão somática do homem não é especificamente determinada por sua constituição
biológica, não há uma especialização orgânica se comparada a outros animais. A cultura
comporta sempre um componente somático, porque o corpo é a dimensão primária do
homem. O homem como ser não especializado biologicamente, não possui garantia de
sobrevivência do ponto de vista fisiológico e psicológico como dados inerentes à sua natureza
psicofísica, mas o seu poder de sobrevivência está na sua capacidade criativa, que é a cultura.
O cérebro é o único elemento fisiológico que o faz superior aos outros animais. O ser
deficitário de especialização orgânica inicial devido à frágil dotação de instintos não é um
defeito, mas a condição preliminar que o impulsiona a iniciativas, à ação consciente e livre a
construir o seu mundo. A posição vertical do homem é uma característica que exige uma
adequada conformação do corpo. Essa é um ato livre e consciente do homem que seve como
traço distintivo do homem. O corpo humano tem algumas funções em comum com os animais:
nutrição, crescimento, locomoção, reprodução.

Contudo, há funções específicas do corpo humano: mundanizante, gnosiológica,


sexual, econômica, ascética e simbólica. Graças ao corpo o homem faz parte do mundo. A
corporeidade o situa no mundo das coisas e o submete às suas restrições espaço-temporal que
condiciona a suas relações físicas somente com as realidades que lhe são espacialmente
vizinhas. As dimensões das coisas ou o seu movimento são relativas ao meu corpo, pois esse é
o ponto zero de cada referencia ou perspectiva (F. M.). O corpo é o instrumento necessário ao
conhecimento sensitivo e à autoconsciência. A percepção subjetiva do nosso corpo é
concomitante à autoconsciência. Sentir-se mal ou bem, triste ou feliz compreende sentimentos
fundamentais que são disposições somáticas. O corpo como fator de autoconsciência é
perceptível quando estamos incertos de que algo é real ou imaginário, tocamos o nosso corpo
a fim de ratificar a verdade dos fatos: se estamos dormindo ou se estamos acordados. O
mundo vem conhecido analogamente ao corpo – a objetividade da linguagem são categorias
da razão, mas também o corpo – pois o corpo é mediação entre a consciência e o universo dos
objetos (F. G.). O corpo também possibilita a distinção sexual entre macho e fêmea. A
sexualidade se configura como um momento privilegiado de comunicação íntima, cujo
princípio é o amor-doação ou amor-concupiscência (F. S.). O corpo é tão indispensável para
que o homem possua a existência que ao perdê-lo deixa de existir. E a posse de qualquer coisa
se dá mediante o corpo. Por isso as minhas coisas são prolongamentos do meu corpo. A mão é
o órgão específico de posse ou de mundanização (F. E.). Os pensadores têm afirmado que há
uma relação entre perfeição moral e o uso do corpo.

Platão, Plotino, Santo Agostinho pensaram o corpo como um peso para a alma.
Aristóteles, Santo Tomás acreditaram que o corpo é constitutivo do homem, do qual depende
a sua perfeição moral. O corpo é diretamente envolvido com as ações humanas sejam boas ou
más. Vícios ou virtudes estão vinculados ao corpo (F. A.). O corpo humano tem uma dimensão
simbólica visto que ele unitariamente é símbolo da alma, cujas partes singulares do corpo
símbolos de qualidades, de virtudes e de realidades espirituais. Assim o coração é símbolo do
amor, a língua é símbolo da palavra, o braço é símbolo da força... O corpo é um traço singular
da realidade divina. A verdade de Deus habita em nosso corpo.

O homem é um ser espiritual que julga o presente, o passado e prefigura o futuro. O


ato de ser pessoa singular é um ato da alma. A alma recebe o seu ser diretamente de Deus
uma vez que ela participa do ato de ser do corpo do qual é forma. O espírito é a dimensão
especificamente humana por isso possui um valor absoluto. A transcendência do homem é o
espírito dotado de uma fundamentação ontológica (C. G., II, 87). O homem é um ser cultural e
livre.
TEMA VIII – O PROCESSO DO CONHECIMENTO HUMANO

Demócrito fala que a verdade se conhece pelos átomos. Os vários fenômenos derivam
dos diferentes encontros de átomos. O conhecimento deriva das exalações de átomos que se
liberam das coisas em contato com os sentidos. Nesse contato com os sentidos, os átomos
semelhantes fora de nós impressionam aqueles semelhantes em nós, assim os semelhantes
conhecem os semelhantes. A diferença entre conhecimento sensitivo e intelectivo consiste em
que o primeiro nos concede a opinião e o segundo nos concede a verdade. Parmênides traça a
via da demarcação entre a via da verdade e a via do erro. Esta é a via da sensação e da
imaginação, aquela é a via da verdade. Os sofistas não reconhecem nenhum valor absoluto do
conhecimento. Eles são relativistas e céticos. Sócrates diz que o homem possui um
conhecimento sensitivo e outro intelectivo. E as idéias de bondade, de justiça, de felicidade, de
beleza e de verdade têm valores absolutos.

Platão diz que as Idéias não são pensamentos da nossa mente, mas realidades
subsistentes em si mesmas. Essas constituem o mundo verdadeiro, imutável, imaterial, imóvel,
eteno que dão origem ao mundo sensível e material mediante a participação no mundo
inteligível. Sentidos e intelecto têm objetos diversos no processo do conhecimento: este tem
como objeto o mundo ideal, aquele tem como objeto o mundo sensível. Os sentidos podem
chegar a formar uma opinião do seu objeto; enquanto o intelecto forma um conhecimento
verdadeiro e universal. Há uma separação enorme entre conhecimento sensitivo e
conhecimento intelectivo, pois não há comunicação entre si. As Idéias ou conceitos universais
do conhecimento intelectivo não derivam da abstração do conhecimento sensitivo. A nossa
alma conhece as Idéias no Iperurânio quando ela ainda se encontrava separada do corpo. Ao
descer ao corpo, ela as esqueceu e as recorda ao encontrar-se com as coisas materiais. Platão
distingue dois graus do conhecimento sensitivo (eikasía = apreensão das imagens e pístis =
confiança nas coisas apreendidas pelos sentidos) e dois graus dos conhecimento intelectivo
(dianóia = conhecimento das entidades matemáticas e nóesis = conhecimento direto e
intuitivo da Idéia Pura). Ele também fala da doutrina da reminiscência. Essa consiste em
afirmar que conhecer é recordar. A recordação ocorre quando há o encontro da alma com as
coisas materiais do mundo sensível: as coisas são cópias das Idéias. A doutrina platônica da
reminiscência exerce três funções:

a) Uma prova da preexistência, da espiritualidade e da imaterialidade da alma;

b) Faz uma ponte entre a vida passada e a vida presente;


c) Dá valor ao conhecimento sensitivo já que esse vem reconhecido como mérito de
suscitar a recordação da Idéias.

O home possui condições de conhecer a verdade (alethéia) mediante a noésis, que é a


contemplação direta do mundo inteligível.

Aristóteles diz que o cognitivo ocorre em dois níveis: sensível e intelectivo. Esses não
são separados já que existem vínculos entre si. O conhecimento intelectivo provém do mundo
das sensações: o conhecimento das idéias ou conceitos universais depende da abstração que
tem a experiência sensitiva como ponto de partida do conhecimento humano. A alma
originariamente é uma “tabula rasa” sobre a qual a experiência escreve seus caracteres.
Inicialmente na vida presente, a alma é completamente privada de conhecimento. O primeiro
conhecimento vem fornecido pelos sentidos. Eles são a primeira fonte do conhecimento
humano. Os sentidos são a fonte imediata do conhecimento sensível e fornecem à inteligência
o material para extrair as idéias universais. A abstração é o processo pelo qual o intelecto
extrai os conceitos universais das imagens sensíveis das coisas particulares. O processo de
abstração ocorre em dois intelectos: o intelecto agente e o intelecto passivo. O intelecto
agente tem a tarefa de iluminar os dados sensíveis e de gerar as idéias. O intelecto passivo tem
a tarefa de acolhê-las e conservá-las. A partir da teoria da abstração, ele elabora a tríplice
classificação da ciência: física – abstrai da matéria sensível; matemática – abstrai da matéria
inteligível; e a metafísica – abstrai de qualquer gênero de matéria. O princípio de não-
contradição é o fundamento irrefutável de todo conhecimento porque também é reconhecido
por quem o coloca em duvida ou o nega. O homem pode conhecer a verdade e conhecer a
verdade é o objetivo da vida humana e disso depende a felicidade do homem. A essência do
conhecimento está no “fazer semelhante”, a assimilação. O conhecimento sensitivo é uma
assimilação da forma sensível sem a matéria. O conhecimento intelectivo é uma assimilação da
forma inteligível, o nous.

As faculdades sensitivas que não são em ato – potencia – são capazes de receber as
sensações. Assim a faculdade sensitiva sai da sua simples capacidade de sentir e passa para o
sentir em ato pelo contato com o objeto sensível. A faculdade sensitiva é em potencia aquilo
que o sensível é em ato. Na sensação vem assimilada somente a forma da sensação, que é a
capacidade que o sentido tem de receber as formas sensíveis sem a matéria. Aristóteles diz
que a percepção dos sensíveis próprios é verdadeira ou comporta um grau mínimo de erro. Da
sensação derivam a fantasia (produção de imagens), a memória (conservação das imagens) e
do acúmulo dos fatos mnemônicos deriva a experiência. O ato intuitivo é análogo ao
perceptivo, pois ele recebe ou assimila as formas inteligíveis, mas não está mesclado ao
corpóreo. O intelecto é a parte da alma que conhece e pensa. Ele acolhe a forma e se torna em
potencia semelhante à coisa. Aquilo que na alma se chama nous, que a alma pensa e opina,
não está em ato antes de seu pensar efetivamente.

Agostinho ao escrever “Contra os acadêmicos” (que sustentavam que o homem não


pode conhecer a verdade, já que os erros provêm dos sentidos e das contradições dos
filósofos) replica que ao menos uma verdade que resiste a todos os assaltos de dúvida e de
engano: a aceitação da própria existência. O cético aceita essa verdade porque é evidente para
quem duvida: Si fallor sum, se duvido, existo. A doutrina da iluminação consiste na ação de
Deus sobre a inteligência do homem. Ele se refere à liberdade da mente já que a luz divina
mostra efetivamente a verdade somente à inteligência disposta a acolhê-la. Tanto mais a luz
divina ilumina, quanto mais purifica a mente humana do erro. A iluminação e o conhecimento
da verdade não interessam apenas à mente, mas também à vontade, pois é o amor que faz
conhecer. Ele distingue dois níveis de conhecimento intelectivo: ratio superior (sapiência), que
colhe as verdades eternas ao deixar-se guiar pela luz divina; e a ratio inferior (ciência), que se
ocupa com as coisas mutáveis do mundo sensível e com a ajuda dos sentidos busca dominar o
mundo. Deus é, então, a suprema verdade.

Santo Tomás fala da auto-suficiência do conhecimento humano e da autonomia da


razão nos confrontos com a fé e exclui qualquer intervenção especial de Deus na gênese do
conhecimento. Ele assume a doutrina aristotélica da observação e a teoria do duplo intelecto:
agente e passivo. Avicena sustentava que existem múltiplos intelectos passivos individuais e
um único intelecto agente universal. Em oposição a Avicena, Tomás defende a existência de
múltiplos intelectos tanto passivos como ativos, pois cada indivíduo é responsável pelo próprio
conhecimento. O conhecimento não é uma criação da mente humana (idealismo) nem é uma
mera interpretação subjetiva dos dados de experiência (empirismo e fenomenismo), mas é
uma representação da realidade que pode ser verdadeira ou falsa na media em que se
“conforma” ou não com objeto conhecido. Qualquer conhecimento provém da informação
que deriva da assimilação do cognoscente à coisa conhecida. O realismo tomista se constitui
sobre a noção de intencionalidade. Aquilo que conhecemos não são as idéias – species
intentionalis – mas as coisas. As species são somente o instrumento (principium quod), não o
objeto (obiectum quod) do conhecimento. Como o próprio termo indica, “intencionalidade”
significa “tender em direção a alguma coisa”. Por causa da intencionalidade, o conhecimento
se realiza sempre como “consciência de algo” e apenas sucessivamente como “consciência de
si” ou “autoconsciência”. A determinação do objeto pela nossa inteligência ocorre de dois
modos: um próprio e outro adequado. O objeto próprio são as essências das coisas materiais,
cujo conhecimento acontece mediante a abstração dos dados sensitivos. O objeto próprio do
intelecto humano unido ao corpo são as essências ou natureza das coisas materiais que têm a
sua subsistência na matéria corpórea. A partir das essências das coisas visíveis, o homem pode
ascender a certo conhecimento das coisas invisíveis. Ora o objeto adequado do intelecto é o
ser em toda a sua extensão e sua compreensão, que é o esse ut actus, a atualidade de todos os
atos e de todas as formas e de todas as essências.

Segundo Santo Tomás, na existem idéias inatas, pois o processo cognitivo inicia com
sensação e se completa com a atividade intelectiva: nihil est in intelletu quod prius fuerit in
sensus – nada existe no intelecto que antes não tenha vindo dos sentidos. A experiência
sensível constitui o ponto de partida de todo conhecimento (exceto os conhecimentos
adquiridos pela revelação e pela fé). Os sentidos são modificados pelos objetos externos e
colhem as coisas não na sua materialidade, mas na sua imagem sensível (specie sensibile): ex: o
olho vê a cor da laranja, mas não percebe a matéria de que a laranja é constituída. O
conhecimento é uma espécie de subjetivação do objeto: cognitum est cognoscente per
modum cognoscentis – o objeto está no sujeito cognoscente segundo o modo do próprio
sujeito. A sensação é conservada pela fantasia, a qual produz o fantasma. O fantasma é o
conjunto das imagens singulares sensíveis percebidas de um mesmo objeto nas experiências
precedentes. No fantasma está implícita, contida em potência, a specie intelligibile, o conceito,
que o intelecto colhe mediante a abstração.

O intelecto humano, por sua unicidade individual, é passivo e ativo ao mesmo tempo e
possui dupla capacidade: enquanto pode receber a specie intelligibile, é intelecto passivo ou
potencial; enquanto abstrai a specie intelligibile do fantasma e a ilumina em modo que o
intelecto passivo a conheça, passando da potencia ao ato, é intelecto ativo ou agente. O
intelecto ativo não tem a função de conhecer, mas, como uma fonte luminosa, tem a
capacidade de difundir raios luminosos que permitam a vista dos objetos (o conhecimento das
species intelligibile, do universal).

Com a apreensão da specie intelligibile, abstraída do fantasma sensível, conclui-se a


primeira parte do conhecimento intelectivo, que é dita apreensão porque com essa o intelecto
entende aquilo que uma coisa é (ex.: o home é um anima racional). A segunda parte
compreende o juízo e o raciocínio. Com o juízo, constituído de um sujeito e de um predicado
unidos por uma cópula, o intelecto afirma ou nega qualquer coisa de um sujeito, isto é, julga se
uma coisa é ou não é (ex.: Sócrates é homem; o homem não é homem). O raciocínio é um
conjunto de juízos e explica o motivo daquilo que vem afirmado ou negado no juízo (ex.: todos
os animais racionais são homens; Sócrates é animal racional, logo, Sócrates é homem).
A verdade consiste na adequação da coisa e do intelecto (adaequatio rei et intellectus),
isto é, na plena e perfeita correspondência entre o universal, contido como forma em cada
coisa particular (ex.: a essência de homem, a humanidade), e a specie intelligibile que o
intelecto abstrai da própria coisa (ex.: o conceito de homem). O erro existe não na atividade
abstrativa do intelecto, não na apreensão, mas na formulação dos juízos e dos raciocínios,
quando vem atribuída uma specie intelligibile a uma coisa a que não compete.

O conhecimento intelectivo é extraído da experiência sensível. Ao conhecimento


sensível é co-natural conhecer as coisas segundo o que elas são na matéria individual, pois os
sentidos conhecem os singulares. O conhecimento sensitivo se divide em dois grupos: aquele
dos sentidos externos que alcança somente as qualidades isoladas dos vários objetos e aquele
dos sentidos internos que unifica, conserva e modifica as percepções isoladas pelos sentidos
externos. A faculdade cogitativa se localiza ente os sentidos internos e o intelecto, cuja função
é vincular de qualquer modo os conceitos universais com as imagens particulares. O valor do
conhecimento humano consiste em exibir uma representação substancial da realidade.

Descartes diz que o problema gnosiológico não deve partir do objeto, mas do
sujeito. A solução do problema gnosiológico não se encontra fazendo apelo a verdades
exteriores à mente, porque cada verdade exterior poder ser posta em dúvida pela mente.
Assim se deve buscar a verdade em si mesmo: cogito, ergo sum. O estudo gnosiológico inicia-
se com a busca de um método eficaz e seguro. Os métodos possíveis são dois: indutivo e
dedutivo. Este parte dos princípios universais e vai às coisas particulares, aquele parte das
coisas particulares e vai aos princípios universais. Contudo, Descartes diz que somente o
método dedutivo pode conduzir ao avanço do saber e ao descobrimento da verdade. Ele fixa
as regras fundamentais do método:

a) Acolher apenas o que for claro e distinto;

b) Dividir cada problema em questões cada vez menores;

c) Ordenar os pensamentos dos mais simples aos mais complexos;

d) Enumerar e revisar tudo o que foi feito.

A dúvida é o método para descobrir a verdade do valor do conhecimento. O


conhecimento proveniente dos sentidos comete erros, por isso deve ser submetido
rigorosamente à razão. O cogito é a primeira certeza que se encontra na busca da verdade. A
certeza é contrária a duvida. O cogito é uma certeza objetiva porque não se pode duvidar sob
qualquer condição porque se confirma até mesmo a partir da própria duvida, pois duvidar é
modo de pensar. A dúvida da existência de quem duvida se revela impossível. O homem é a
origem do erro. Ele erra porque nem sempre se demonstra fiel à clareza e à distinção. O
homem, dotado de faculdades funcionais, troca idéias claras e distintas por idéias
aproximativas e confusas. O erro se dá no juízo porque no juízo intervêm seja o intelecto seja a
vontade. O intelecto, que elabora as idéias claras e distintas, não erra. O erro ocorre por causa
da pressão da vontade sobre o intelecto. O erro deriva da operatividade e não do ser. O
conteúdo do pensamento chama-se idéia. As idéias podem ser: inatas (encontram-se em nós),
fictícias (invenções arbitrárias) e adventícias (advindas do mundo exterior). As idéias não
implicam nenhuma afirmação ou negação (juízo). A alternativa entre falsidade e verdade é
própria do juízo.

Locke, em seu Ensaio sobre o intelecto humano faz uma crítica à doutrina cartesiana
das idéias inatas, examina o processo cognitivo, estuda o valor da linguagem e do
conhecimento. Ele diz que a doutrina das idéias inatas contradiz a experiência porque elas não
estão presentes na mente das crianças nem dos selvagens e se as idéias não provêm da
experiência é impossível verificar a veracidade do conhecimento através do confronto com a
experiência. Locke diz que, no momento do nascimento, a alma é uma “tabula rasa” porque
nela não existe nenhuma idéia. O conhecimento humano inicia-se com a experiência sensível:
nhil est in intellectu quod prius non fuerit in sensus. O conhecimento sensitivo apresenta
quatro fases: experiência imediata nas quais se percebem as idéias simples (intuição). As idéias
simples que se referem aos corpos externos advêm da experiência externa e reproduzem as
qualidades primárias e secundárias e aquelas que se referem ao nosso ser são resultados da
experiência interna. As idéias primárias são chamadas percepções e as idéias secundárias são
chamadas reflexões. As idéias simples por combinação formam as idéias complexas que
representam coisas particulares. As idéias complexas forma as idéias abstratas. Essas idéias
não representam a essência das coisas porque a essência é incognoscível. Os conteúdos das
idéias abstratas não são necessários, mas elementos comuns (análise). A justaposição de idéias
comparadas entre si forma relações: idéia de causalidade. As relações não são propriedades
das coisas, são apenas simples idéias da razão (comparação). Ele fala também que as palavras
são “sinais” das ideais e as idéias são sinais das coisas. Os nomes singulares indicam idéias
simples e complexas. Os nomes genéricos indicam ideais abstratas. Então, a mente humana
não pode conhecer as essências das coisas, ma somente conhece a existência das coisas.

Hume afirma que o conhecimento tem como ponto de partida a experiência sensível,
cujo objeto é a representação, não a realidade externa. As representações ou impressões
constituem o dado definitivo do conhecimento humano. Se há qualquer coisa para além das
impressões não é possível afirmá-la. A realidade do mundo sensível se resume às percepções
atuais, impressões sensíveis, cujas cópias são as idéias. A mente passa dos dados fragmentados
a colecionar idéias que se tornam sucessivamente representações das coisas, substâncias,
pessoas. Isso é possível graças às leis associativas da fantasia: associação por semelhança,
contigüidade e causalidade. Quanto à lei da causalidade, ele diz que essa não tem valor
objetivo já que é o resultado da associação de algo que ocorre regularmente antes, a causa, e
daquilo que ocorre regularmente depois, o efeito – o “nexo causal”. Causa é um objeto
precedente e contíguo a outro e assim unido a esse que idéia de um determina a mente a
formar a idéia do outro. A impressão é a idéia mais vivaz. Ao negar o valor objetivo do
princípio de causalidade, Hume exclui a validade das provas da existência de Deus, do mundo e
do eu. O mundo e o eu se fundamentam na “crença” derivada das percepções sensíveis, e a
crença em Deus se baseia em sentimentos privados.

Kant concebe o conhecimento como fenomenismo que consiste em uma síntese


de elementos subjetivos e objetivos. Os conhecimentos sensitivos e intelectivos são uma
combinação de elementos a priori (fornecidos pelo sujeito) e a posteriori (fornecidos pelo
objeto). O resultado da combinação desses dois elementos é o fenômeno. O fenômeno possui
um elemento material e outro formal. “No fenômeno eu chamo matéria aquilo que
corresponde à sensação; aquilo, porém, pelo qual o múltiplo do fenômeno pode ser ordenado
em determinadas relações, chamo forma”. Por isso, o objeto do conhecimento não é a coisa
em si, mas a representação das aparências. O conhecimento não é uma passiva reprodução de
um objeto por um sujeito, mas uma construção do objeto pelo sujeito. Os juízos sintéticos a
priori são uma síntese da ação combinada do sujeito e do objeto onde o sujeito concede a
forma e o objeto a matéria. Ele nega o conhecimento das essências das coisas e das causas
primeiras. As questões gnosiológicas são objetos da Crítica da razão pura: estética
transcendental (apreensão das coisas), analítica transcendental (o juízo) e a dialética
transcendental (o raciocínio). As formas a priori da sensibilidade são o espaço e o tempo; do
intelecto são as categorias e da razão são as idéias (Deus, mundo e homem). Apenas a
matemática, a geometria e a física são consideradas ciências. A metafísica não é ciência
porque não é possível haver ciência do “noumeno” já que a razão humana nada pode
conhecer a seu respeito.

Hegel diz que (...). Um objeto sem sujeito não só é pensável, mas existe. O problema
gnosiológico se torna um falso problema porque não existe uma realidade contraposta ao
pensamento. A realidade é o próprio pensamento. Não existem categorias de coisas, mas
graus de consciência. A única gnosiologia possível é a fenomenologia do espírito. A
identificação entre pensamento e realidade é o resultado de um processo. Nos primeiros
momentos do conhecimento, o espírito tem defronte a si as coisas. Na sensação, vê-se algo, e
na percepção a coisa é colhida como totalidade através da unificação da qualidade. O intelecto
concebe a essência como momento do conhecimento científico que busca as leis necessárias
das coisas. A autoconsciência atinge a afirmação da razão como saber absoluto. A teoria do
conhecimento é um emergir da presença do real infinito da consciência dentro da
configuração sensível da consciência espacial e temporariamente determinada. O método
consiste em colocar-se ao interno da consciência que se oferece diretamente, deixando se
conduzir pela dialética de sua finitude. A tomada de consciência do espírito segue um
procedimento dialético de caráter temário: consciência de si, consciência fora de si e
consciência em si e por si. Na síntese se realiza a sublimação. Ao interno de cada momento
cognitivo se desenvolve uma tríade constituída de tese, antítese e síntese. Conhecer é
conscientizar-se. Ser consiste no ser conhecido. Conhecer é um princípio subsistente. O estudo
da tríade fundamental reconduz a três partes principais do sistema hegeliano: lógica, filosofia
da natureza e filosofia do espírito. A primeira estuda a idéia em si, a segunda estuda a idéia
fora de si e a terceira estuda a idéia em si e por si.

Husserl entende fenomenologia como o estudo do conhecimento em si, prescindindo


da existência das coisas, a qual vem metodologicamente posta entre parênteses (epoché). A
fenomenologia é o estudo do pensado enquanto pensado, pensamento enquanto objeto puro.
O conhecer se articula em dois momentos: redução eidética e redução transcendental. A
distinção entre os dois momentos resulta da diferença de função que desenvolve a epoché. Na
redução eidética, a epoché faz a suspensão do juízo sobre a existência do objeto real para
examinar exclusivamente as representações. Na redução transcendetal, a epoché concerne à
suspensão do juízo de qualquer conteúdo do conhecimento para concentrar toda a sua
atenção no conhecimento puro. Na redução eidética, a fenomenologia é aplicada à análise das
representações vistas como puras representações, prescindindo da existência seja do objeto
cognoscitivo seja do sujeito cognoscente. A redução eidética consiste no colocar entre
parênteses tanto os aspectos psicológicos quanto a matéria do conhecimento. Na redução
transcendental, não se examina o objeto que se sente, conhece ou deseja, mas o eu que sente,
conhece e deseja (a representação que é o resultado da redução eidética). O eu enquanto
consciência pura e transcendental se manifesta em todos os seus atos cognitivos, apetitivos e
volitivos como intencionalidade. A intencionalidade é a propriedade do conhecimento e de
todas as suas manifestações que tende em direção ao objeto. A intencionalidade torna-se o
absoluto, a realidade suprema, da qual a consciência e as coisas representam respectivamente
os aspectos subjetivos e objetivos. Então, o eu é a fonte e a origem constitutiva do ser que é
doador de sentido ao mundo. A relação entre sujeito–objeto constitui o fenômeno.

Comte fala do primado da ciência, cujo método eficaz é o método do conhecimento


das ciências naturais. O método das ciências naturais tem como objetivo detectar as leis
causais e fazer o controle dos fatos. Aplica-se esse método ao estudo da sociedade, dando
origem à sociologia como física social. A positividade das ciências teve como conseqüências o
combate a todas as concepções idealistas e espiritualistas da realidade. As críticas a essas
idéias positivistas deram-se o nome de neopositivismo. Os neopositivistas dizem que o critério
de verificação é a distinção entre proposições sensatas e proposições insensatas. Esse princípio
se configura como um critério de significação lingüística. Há sentido somente as proposições
passíveis de verificação empírica ou factual. A análise semântica (relação entre linguagem e
realidade) e a sintaxe (relação entre os sinais da linguagem) do discurso significante (científico)
é a atividade do filósofo. Popper propõe a falsificabilidade como critério das ciências. As
proposições universais não são derivadas de proposições particulares e não permitem
conhecer a realidade. Elas são apenas conjecturas que podem ser criticas e falsificadas. As
teorias que mais resistirem às críticas constituirão a ciência. Mas essas permanecem como
conjecturas que não oferecem nenhuma verdade absoluta.
TEMA IX – O AGIR HUMANO: VONTADE E LIBERDADE

1. Perspectiva histórica do conceito de “liberdade”

O termo liberdade deriva do latim libertas, a condição do homem que é líber, livre, não
escravo. Esse termo é suscetível de sentidos diversos, de acordo com o âmbito a que se aplica,
significa, em geral, capacidade de ação de acordo com a própria decisão.

A liberdade sociológica, que é o sentido originário de liberdade, se refere, na


antiguidade grega e romana ao individuo que não está na condição de escravo; enquanto na
atualidade, alude à autonomia que o individuo desfruta frente à sociedade, e se refere à
liberdade política ou civil, garantida pelos direitos e liberdades que ajudam o cidadão nas
sociedades democráticas. A liberdade psicológica é, normalmente, a capacidade que o
individuo possui, “o dom de si mesmo”, de não sentir-se coagido a agir por outras motivações
contrárias à sua própria vontade. A liberdade moral é a capacidade do homem para decidir-se
agir de acordo com a razão, sem deixar-se dominar pelos impulsos e pelas inclinações
espontâneas da sensibilidade. Tanto a liberdade psicológica como moral podem simplesmente
diminuir a liberdade da vontade, que pode ser definida como a faculdade de optar por uma
determinada conduta melhor que por outra igualmente possível, ou simplesmente como a
capacidade de se autodeterminar ou escolher o motivo pelo qual decide agir de um modo, ou
não agir. Esta é a liberdade que a tradição humana chama de liberum arbitrium, “liberdade de
decisão”. A idéia de liberdade moral não acrescenta a este conceito mais que a aceitaçao livre
dos valores morais como motivos suficientes para agir. A capacidade de autodeterminação no
agir chama-se também “espontaneidade” da vontade.

Historicamente, a liberdade no mundo grego e romano é condição em que se encontra


o homem livre, eléutheros ou líber, e se caracteriza pela autonomia e autarquia, ou auto-
suficiência do Estado a que pertence e de que participa. O cristianismo acrescenta ao sentido
primário de liberdade sociológica o de “liberdade interior”, pelo duplo motivo fundamental de
que a mensagem cristã se aceita por conversão interior, isto é, por decisão livre, e porque o
destino final do crente (predestinação) é obra conjunta conflitiva da vontade de Deus
onipotente e da cooperação e decisão humana. Neste processo de crescimento de
interiorização da liberdade, entendida como livre exercício da própria decisão, interveio com
antecedência principalmente a filosofia helenista e o estoicismo. Separados pela circunstancia
política da plena participação na vida cívica e admiradores do ideal do sábio que se retira para
dentro da sua própria vida interior, os estóicos deixam de entender a liberdade como
autonomia e autarquia política do cidadão e passam a entender como a autonomia e a
independência interna do homem que procura o domínio das paixões e o exercício de uma
racionalidade que identificam com o viver de acordo com a natureza.

A filosofia escolástica elabora o conceito de liberdade interior segundo os princípios da


análise do ato voluntário, que Aristóteles desenvolve na Ética a Nicomaco (livro III), e define
(em sua época tardia), o livre arbítrio como liberdade de indiferença, que se explica em duplo
sentido: como ausência de coerção interna a querer uma coisa melhor que a outra (sentido
negativo), e como capacidade para optar por uma coisa ou outra (sentido positivo), ou
simplesmente de decidir a não agir. A teoria com que a Escolástica justificou tal capacidade de
indiferença interna é que o bem, razão da alma humana, nunca se apresenta ao homem como
um bem supremo e necessário, senão como bem ou valor finito, frente ao qual o intelecto não
se sente completamente obrigado e se mantém indiferente. Por isso Santo Tomás de Aquino
define a liberdade como o “veredicto livre da razão”.

Depois da revolução cientifica que instaura o modelo mecanicista do universo, a


filosofia moderna desenvolve um conceito de liberdade relacionado com a idéia de
necessidade. Para Descartes, que radicalmente separa o mundo da necessidade (res extensa),
do mundo do pensamento (res cogitans), a liberdade não é indiferença ante à força dos
motivos internos, como o é para os escolásticos, mas a vontade que se deixa levar pelo
intelecto, e é paradoxalmente, pois será tanto mais livre quanto mais foi obrigada pelo
intelecto. Espinosa acentua ainda mais este intelectualismo e identifica como o estóico, razão
e natureza. No empirismo domina a idéia de que a liberdade não está dentro da vontade
humana, senão fora, na conduta: livre é aquele que faz o que decide fazer, isto é, o que não
sente externamente coagido. E se argumenta que, se a vontade é uma causa, deve ser
necessária, deve ser internamente determinada a agir em um determinado sentido, mas esta
necessidade interna não impede que o homem seja livre se esse pode agir, concernemente ao
exterior, conforme as determinações da vontade. Kant não pode nem ao menos reconhecer o
problema que supõe falar de liberdade em um mundo dominado pela necessidade, e se sente
obrigado a fazê-lo para fundar a existência moral do homem; a este conflito se refere a tercei
das antinomias kantianas. No mundo da experiência não há liberdade, porque tudo obedece a
causas; mas no plano do pensamento, nado nos impede de ver a liberdade como uma
exigência da moralidade, um postulado da razão prática.

Com a chegada da idade contemporânea, o interesse para clarificar a noção de


liberdade, voltando a suas origens, para o exterior, já que se alude a um desenvolvimento
abstrato do espírito livre ao longo da história (idealismo alemão) ou como o produto ou
resultado da transformação das estruturas econômicas da sociedade (marxismo), ou a
proclamação e defesa dos direitos do homem e do cidadão, afirmada pelas constituições de
algumas nações (EUA, França) ou pela Assembléia das Nações Unidas (1948).

Este breve histórico é suficiente para observar que, para a análise da noção de
liberdade, adotam-se ao longo da história duas atitudes: a de contemplar a liberdade como
algo interior à pessoa humana ou a de contemplá-la como algo externo a ela; o que faz da
liberdade um problema metafísico, e que a considera como um problema social, em seu
sentido mais amplo; o que fala de liberdade da vontade, e o que fala da liberdade do homem.
A história da liberdade interna da vontade como problema metafísico, e até religioso, começa
com o cristianismo, com os seus antecedentes estóicos, e chega até as noções “metafísicas” da
metafísica, como o existencialismo – “o homem é condenado a ser livre” (Sartre); enquanto a
história da liberdade externa do homem, como questão social, surge com Hobbes – “a
liberdade do súdito”- e a tradição empirista e chega até aos atuais autores denominados
“compatibilistas”. Entre esta história da liberdade, está a advertência de Hume se esta não se
trata de “uma mera questão de palavras” e a de Kant, com sua antinomia irresolúvel: o homem
da experiência não é livre, o homem que nós podemos pensar, o é.

Os outros autores procedentes da filosofia analítica pensam a questão da vontade livre


como uma análise do sentido dos termos “liberdade” e “determinismo”: novo modo de
apresentar a questão entre “liberdade e necessidade” da filosofia moderna.

Distingue-se entre:

- “libertarismo”, que afirma que o homem não está submetido a nenhuma


necessidade de nexo causal;

- “determinismo duro”, que sustenta que as ações humanas estão submetidas, como
tudo na natureza, à necessidade das leis causais;

- “determinismo suave”, que é o ponto de vista de quem defende que a liberdade


humana e o determinismo causal são compatíveis entre si – esses são denominados
“compatibilistas”, e a doutrina que eles sustentam é o “compatibilismo”, enquanto o
“incompatibilismo” sustenta o oposto.

Compatibilizar a liberdade com a necessidade é o que faz a tradição empirista desde


Hobbes, e a esta postura se denomina também as teorias de Hume e Mill, por serem os
autores mais significativos que propuseram isto. Nesta teoria, ser livre não significa agir sem
motivo ou sem causa alguma, mas não se sentir coagido, “porque não é à causalidade que a
liberdade deve se opor, senão à constrição” externa ou interna. A teoria admite que uma ação
pode ser livre, embora esta seja causada por motivações, impulsos, circunstancias, etc.,
contanto que nenhuma destas coisas pode ser considerada uma causa que necessariamente
predetermina o curso da ação (coação interna).

A distinção feita pelo filósofo britânico, Isaiah Berlin, em Dois conceitos de liberdade
(1969), entre liberdade do que coage e liberdade para conseguir os objetivos que se desejam,
leva à distinção entre “liberdade negativa” e “liberdade positiva”. Os partidários da primeira
classe de liberdade a concebem em termos de ausência de coerção, neste sentido quem age
sem que seja bloqueado ou dificultado o desempenho para o outro é livre, mas sem que esta
noção de liberdade lhe imponha um modo concreto para agir. Os partidários da segunda classe
de liberdade a concebem como a autonomia do individuo, dono de si mesmo, mas consciente
também dos deveres de racionalidade e moralidade que lhe impõe esta autonomia. Ambas as
concepções se referem ao âmbito político-social.

Outra posição do problema, esclarecedora e simplificadora ao mesmo tempo,


distingue entre a concepção positiva ou intrapessoal do conceito de liberdade e a concepção
negativa ou interpessoal. Segundo a primeira, cuja origem pode encontra-se em Platão que
concebe a liberdade ou a moralidade, como submissão da parte sensitiva e irascível do homem
à sua parte racional, “A não é livre, se A é escravo de suas paixões”. Entre esses que sustentam
esta liberdade positiva podem ser citados: Descartes, Espinosa, Rosseau, Kant e Hegel...
Segundo a concepção negativa, expressão que se deve a Bentham, ou segundo o conceito de
liberdade interpessoal, equivalente ao de ausência de coerção, “B coage A, se B obriga a fazer
X ou impede que A faça X”.

Como o conceito de liberdade é um direito moral, e que os direitos se tem


considerando a outra pessoa e não em relação a si mesmo, o conceito de liberdade
intrapessoal é inadequado; se acaso se identifica com as condições psicológicas que têm um
ato para que se possa chamar voluntário. O verdadeiro conceito de liberdade é o de liberdade
interpessoal.

O iniciador do conceito negativo da liberdade individual é Hobbes que o toma


analogicamente de sua noção própria de corpo: matéria em movimento; a liberdade
corresponde à mesma essência dos corpos. Ele também é o iniciador da postura empirista, já
mencionada, quando falamos de compatibilidade entre a liberdade negativa (liberdade de
coerção) com a necessidade de agir regulados por leis. Daí se segue a possibilidade de explicar
e predizer a conduta humana (nas ciências sociais) de um modo semelhante a que se explica
ou a que se prediz de um evento natural (nas ciências da natureza).

A liberdade deve diferenciar-se das liberdades. A idéia de “liberdade” remete a um


direito moral que possuem todos os cidadãos individualmente, de não ser coagido em sua
ação. As “liberdades” são direitos de fazer X ou Y, ou Z onde X, Y e Z são classes de ações, não
ações concretas; liberdade de expressão, de associação, de presunção de inocência, de livre
circulação...

O grande argumento tradicional a favor da liberdade é a existência da


responsabilidade moral, pela mesma razoa que “dever” implica “poder”. Todos, deterministas
e indeterministas concordam que só se o homem for livre que também será moralmente
responsável pelos seus atos. Por isso, às vezes se conclui do argumento que, posto que o
homem não é livre, tampouco é moralmente responsável, mas a coisa habitual é admitir que a
responsabilidade é um fato universalmente admitido. O argumento parece que deve ser
matizado: há relação entre responsabilidade e liberdade (e a uma pessoa que agiu
compulsivamente não se pode considerar livre, e não se pode pedir-lhe responsabilidades),
mas esta relação é a que se deve precisar. Na suposição imaginária que era verdade o
determinismo, ninguém pleitearia por uma anulação universal da responsabilidade moral. Isto
mostra que responsabilidade moral e liberdade pertencem a ordens diferentes de coisas: a
primeira é uma questão moral e apela às relações que regem humanos, e a segunda é uma
questão que a tradição denomina ontológica: se o homem é ou não é livre.

2. Liberdade e livre arbítrio

2.1. A condição da vontade livre e o problema da liberdade

Na sua origem a palavra livre tem um sentido social. Os livres na Antiguidade eram
aqueles que faziam o que queriam, contrariamente aos escravos que tinha que fazer o que os
outros quisessem. Daí a tendência do significado básico geral de liberdade: ser seu próprio
senhor, seguir suas próprias leis.

Nos pré-socráticos, o livre é o cidadão que não trabalha como um escravo, não é como
prisioneiro e participa na administração pública da polis.

Na tradição socrática e platônica, com a teoria da virtude como ciência, se introduz


outro aspecto de importância notável: o conhecimento e a ciência como a condição de
possibilidade da liberdade.
A contribuição específica de Aristóteles consistiu em se referir à liberdade à
voluntarierdade do ato, de forma que a crítica aristotélica ao intelectualismo platônico
terminou na primeira análise meticulosa do ato voluntário e do ato involuntário. Na Ética a
Nicômaco, apresenta as condições: a deliberação e o conhecimento prático, tipos de
ignorância, influencia da efetividade e de seus hábitos na deliberação e na decisão.

O pensamento cristão supôs a profundidade sensível. A liberdade é redenção da


escravidão interior por menor que ela seja. É liberdade interior, reside nas vidas da pessoa, no
mais íntimo e no centro. Graça e liberdade.

No período escolástico-medieval é necessário distinguir duas grandes orientações:

1) Tomás, para que a liberdade é a característica da vontade dos seres racionais:


onde há racionalidade há também liberdade. A abertura universal da razão e a sua
capacidade reflexiva constituem a raiz da liberdade da vontade.

2) E por outro lado, o voluntarismo (Cortés e Ockham). Enquanto para Tomás, a


liberdade é uma habilidade da razão e da vontade que sempre trabalha sob a
razão (real ou claro), para Cortés, a liberdade é amável para impelir à decisão
independente de todo o tipo de razoes e por isso, deve ser considerada
anteriormente à razão (em suas opiniões práticas) e à vontade (em sua inclinação
natural ao bem). O voluntarismo entende a liberdade como habilidade da
espontaneidade do espírito.

A redução das causas às causas material e eficiente foi notavelmente o motivo na


Idade Moderna para o estudo da liberdade, desde que entre o estado psíquico prévio e a
volição que começa dele pra a relação causal material-eficiente de tipo foi desencadeado pelos
especialistas da condição necessária. Filósofos como Hobbes, Locke, Hume e Voltaire preferem
afirmar que a liberdade não é a propriedade de querer, mas da atuação externa daquilo que é
querido. A liberdade é o poder de operação como um querer, mas não a autoriza a querer
livremente.

Leibniz objeta com razão que o verdadeiro problema é a liberdade do espírito, não a
de braços e pernas. Por outro lado, é conhecido o papel central que a moral kantiana concede
à liberdade. De fato, a filosofia crítica de Kant é a filosofia da liberdade (primazia da razão
prática). A teoria mostra a relação entre liberdade e valores (a pessoa rasteja passivamente
para o mundo de valores).
Interessante é a visão existencialista, isto é, desde a visão de Kierkegaard até a
absolutização de Sartre. O homem não tem liberdade, é liberdade, é condenado a ser livre. Por
sua liberdade, o homem se “autocria” já que não tem a natureza definida.

2.2. Espontaneidade e liberdade como livre querer

Liberdade de ação (espontaneidade/ liberdade de) é a liberdade totalmente externa. É


certo que é importante, mas nem todos os possíveis atos de liberdade devem ser liberados.
Um ato, porém, deve ser chama livre quando está isento de toda coerção externa. Esta
liberdade recebe o nome de livre coação, o negativo formula: “não estou coagido
exteriormente”; mas atrai à noção positiva: movimento natural que é liberdade de
espontaneidade. Possibilidade para agir de acordo com as próprias inclinações sem nenhum
obstáculo. É a capacidade física (natural) não impedida. No escolástico, um espontâneo é
aquele que age por um princípio interior; um determinismo externo é excluído (espontâneo =
não coagido externamente). Liberdades físicas: civil, política, moral.

A liberdade de querer (vontade livre/ liberdade para consiste em estar isento da


inclinação necessária por um ato para fazer eleição semelhante, fazer coisas do modo da
decisão. O ato livre não é predeterminado. Ele é determinado pela vontade, ele é o dono de
seu ato, o é seu arbítrio. Daí o seu nome vontade livre (ou também liberdade da eleição ou
livre para fazer o necessário). Eis as duas formas:

a) O escolher entre agir ou não agir (liberdade do exercício);

b) O escolher entre fazer isto ou aquilo (liberdade da especificação). Ser livre significa
capacidade de eleição.

2.3. Condição da vontade livre

A liberdade é deliberação de razoes (inteligir a realidade, ser localizado diante dela


para responder, para refletir, escolher e agir). A espontaneidade de um ser inteligente. Na
realidade se define que ser livre é ser causa de si mesmo. Na dinâmica do ato deliberativo
intervêm duas habilidades: a intelig6encia e a vontade. Cada um move o outro à sua própria
maneira. Elas formam um tipo de “circulação”: eu só quero esta coisa se eu penso nela, mas eu
só penso nela seu eu a quero.
2.4. Querer livre e determinismo

O determinismo deriva do princípio que tudo aquilo que passa no universo é o


resultado necessário do estado antecedente do universo. Ao explicar este princípio, afirma que
todo ato humano volitivo é o resultado necessário das condições somáticas e orgânicas do
corpo humano. Mas o homem não é só matéria, é também espírito.

Determinismos:

1) Físico (forças cósmicas);

2) Fisiológico (estrutura genética, glândulas);

3) Psicológico (para Freud, agir é o resultado dos impulsos e das tendências que vêm
do inconsciente);

4) Sociológico (o humano foi suprimido pela atmosfera, educação, o hábito);

5) Teológico (a presença divina e a competição divina).

Defesa da vontade livre.

Quando nós falamos de determinismo, ou quando o homem se sente certo, é porque


uma experiência de vida de liberdade, mas, não pôde experimentar este determinismo.

Demonstração fenomenológica: no momento da decisão eu vejo que depende de mim.


Este é um ato de consciência inegável.

Demonstração moral: a existência de leis morais pressupõe o fato da liberdade. Com


que objeto seriam dadas as leis morais, se o homem fosse determinado exatamente já por
outro tipos de leis? O fato das promessas e os compromissos também seriam absurdos se não
houvesse liberdade.

Demonstração metafísica: a vontade é livre para escolher e a determina um bem ou


outro. Se a vontade encontra o absoluto que seria definitivamente certo tenderia a ele. Mas na
vida ordinária o homem se encontra com gêneros relativos, contingentes, limitado a matéria.

Para Buber, não há nenhuma contradição entre a liberdade e o destino, senão


complementaridade: a liberdade autentica, de fato, consiste em responder ao próprio destino.

O homem é livre, de fato, diante de seus determinismos e condicionamentos, as


pombas que ao voar (ato de liberdade) têm necessidades do ar. O determinismo é um
condicionamento da liberdade, e se ele é condicionamento, ele pressupõe a condição de sua
existência. É verdade que os condicionamentos podem suprimir a liberdade.

2.5. Conseqüências das teorias da liberdade e do livre arbítrio com respeito à


concepção do homem

Da concepção de liberdade depende muito nossa concepção de homem. Do livre


arbítrio e da liberdade é que intimamente se pode definir o ser humano. A perfeição humana
não é um fato inicial. Os seres livres devem construí-la e, neste sentido, deve ser feito, pois se
em um modo o homem já é constituído, por outro lado, deve fazer-se por meio da liberdade.

A liberdade não só é um atributo da natureza humana (apresenta-se em todo


humano), mas um ideal, uma aspiração, uma conquista. Não pertence exclusivamente ao “ser”
a ordem, mas também ao “dever para ser”.

2.6. A liberdade como presente: a responsabilidade e a autenticidade

A natureza humana não pode ser concebida como completa e fechada, é algo que está
se fazendo, um processo. A existência não precede totalmente ao ser. É conseqüentemente
verdade que o homem se cria a si mesmo. É verdade que o esse de seguitur de agere. A ação
emana do ser e é criativo de ser. Para Sartre não é o ser homem, deveria ser feito por sua
liberdade. Ortega e Gasset tinha dito que a existência humana é um “para ser feito”: ser livre
quer ser privado de identidade constitutiva, por não possuir um ser determinado, poder ser
diferente ao que é sido, e por não notar nenhum certo. (Ortega e Gasset, História como o
sistema, in Trabalhos Completos, vol. VI, p.34). O homem autentico totalmente é o homem
livre e maduro, o homem que é possesso e determina as linhas da própria existência, ele não
tem pressão bastante mais externa, mas na base das decisões pessoais e livres. Autenticidade
e responsabilidade. O homem autentico é o homem responsável. A responsabilidade nestas
condições é resposta diante da dor, diante da guerra, diante da pobreza de que foi permitido a
interpelar, de quem pôde superar o nível da relação eu-ele, e de quem entrou em uma relação
de interpessoal. Ao viver na relação dialogal, o homem experimenta o seu ser comunal, tanto
com os homens como com o próprio Deus. Aqui liberdade é liberdade com. A autenticidade é
o homem que é ele mesmo, um homem que não este primeiro chão que nenhum guia.

2.7. Visões de liberdade na perspectiva de opção fundamental


a) Jacques Maritain: a opção fundamental coincide com a primeira eleição do bem
como tal; cada um de seus atos particulares subseqüentes não é, em definitiva, mais que uma
confirmação e uma ratificação do começo estabelecido de uma vez por todas. A dinâmica
imanente da práxis moral tem sua origem nesta eleição inicial.

b) Rámon Lucas Lucas: a opção fundamental é a eleição com a qual cada homem
decide explicitamente ou implicitamente o sentido global que dará a sua vida, o tipo de
homem que quer ser. Uma eleição profunda e livre que orienta e dirige sua existência. O
núcleo mais importante da pessoa humana. Uma eleição que está implícita em toda eleição
particular que a fundamenta.

c) Sante Babolin: nossas eleições manifestam em seu conjunto um estilo de vida, certa
linha de conduta. A opção fundamental seria então a eleição livre que está à base de outras
eleições livres menores, cujo objeto ou bem querido intencionalmente constitui em algum
modo o contexto em que se colocam, mais ou menos, os objetos intencionais ou bens
queridos em outros atos volitivos menores, que dela se seguem e nela se inspiram.
Poderíamos fazer uma analogia com a opção fundamental no que Santo Tomás chama
ordinatio ad debitum finem (I-II, 89, 6). Refletindo sobre isto, podemos ver como a opção
fundamental é uma eleição de conjunto do sujeito a respeito de toda a realidade: não é só a
eleição entre o bem e o mal.

d) j. Luiz González Alvarez (Ética Latino-americana, USTA, 1988, PP. 167-169). Entre
todos os objetivos particulares que pretendemos ao longo da vida se encontram determinadas
opções de valor que constituem sua justificação. Trata-se de uma opção que brota do mais
profundo de nossa personalidade e marca o ideal supremo de nossas vidas. A opção
fundamental coroa e define toda a existência. Carecer de opção fundamental equivale a viver
sem projeção definida, sem sentido, à deriva. Por ser esta opção uma decisão de toda a
pessoa, só pode dar-se na juventude, sem dúvida, se gesta desde os primeiros anos da
infância. Uma vida humana responsável se articula sobre uma opção fundamental explicita.
Todos os meus atos como pessoa e todas as minhas atitudes têm plenos sentidos quando
estão orientados para um fim determinado. Os próprios erros e inclusive as debilidades de
cada dia ficam absorvidos nessa boa intenção fundamental que motiva meu existir.

Portanto, entre a opção fundamental e as ações concretas existe uma implicação e


dependência recíprocas. Por um lado a opção fundamental é a infra-estrutura de onde
procedem e em que se sustentam os diversos atos. É como o núcleo de onde recebem sua
unidade. Por outro lado, devemos reconhecer que esses atos concretos ordinariamente são as
mediações necessárias daquela decisão nuclear, o meio através do qual a opção fundamental
se consolida e de modifica. A opção fundamental não pode ser reduzida a uma decisão
concreta, a um comportamento particular ou a um ato empírico. Um comportamento que
envolve o homem inteiro. Enfim, agir livremente é agir sabendo o que se faz e porque se faz; é
dar um sentido à vida e assumir pessoalmente esse sentido.

Quanto à relação da liberdade humana com a providência divina, Santo Tomás diz que
a causalidade, concurso ou providência divina não elimina a liberdade humana, já que na ação
livre do homem se conserva o primado de Deus enquanto causa principal e Deus pode
influenciar sobre a vontade livre do homem sem constrangê-la. Deus opera sempre como
causa primeira, mas não faz violência à liberdade humana. Ele intervém no agir do homem
salvaguardando as estruturas do seu ser. A vontade tem o domínio do próprio ato, porém, não
com a e exclusão da Causa Primeira, visto que esta não age na vontade em modo determiná-la
necessariamente a uma só coisa como determina a natureza. Então, a determinação do ato é
deixada ao poder da razão e da vontade. Deus, porém, pode intervir no agir humano com um
concurso extraordinário e gratuitamente sem constranger a vontade humana, mas
potenciando-a ao objeto.
TEMA X – NATUREZA E CULTURA

1.1.O conceito de cultura

O vocábulo cultura é plurisemântico. Cultura, em sentido abstrato e genérico, fala-se


em relação à natureza: o gênero humano que se aproxima da natureza para modificá-la,
crescer e enriquecer os dons. A definição se refere ao conjunto de atividades e de técnicas que
tendem a tornar a terra mais fecunda, da criação de certos animas ao cultivo.

Com referencia ao homem, cultura indica a aplicação metódica ao desenvolvimento


das próprias faculdades inatas, mediante o estudo das letras, das artes, das ciências, a
observação e a reflexão. Pode-se haver uma cultura da inteligência, do juízo, da sensibilidade,
enquanto por cultura física se entende o adestramento racional a exercícios do corpo. Unida a
um qualificativo pode designar os conhecimentos próprios de uma particular disciplina
filosófica, literária, artística...

Do ponto de vista social, cultura indica hoje o conjunto dos aspectos intelectuais,
morais, materiais, dos sistemas de valores, dos modos de vida, que caracterizam uma
civilização (cultura grego-latina, cultura ocidental).

O termo cultura indica fundamentalmente duas realidades:

a) O processo de educação ou formação da pessoa humana (sentido tradicional,


clássico-humanístico);

b) O conjunto dos produtos e dos valores criados e transmitidos por um grupo, os


quais caracterizam os costumes e a forma de organização social (sentido moderno,
sociológico-antropológico).

1.2.Cultura em sentido clássico-humanístico (subjetivo-ativo)

Entre os primeiros a se ocupar com a etimologia do vocábulo cultura foi Wilhelm


Wundt (19200, fazendo-o derivar de colere, do qual cultus, como em cultus deorum e cultus
agri (locução, esta última, tornou-se em seguida cultura agri). Daqui se desenvolve a expressao
cultura mentis do tardio Medieval (já Cicerone escrevera: “cultura animi philosophia est”) e do
primeiro Renascimento, que é a origem do sentido clássico tradicional assumido pela palavra
cultura quando vem introduzida nas línguas modernas.

Portanto, o primeiro e mais antigo significado do termo cultura indica, segundo Enrico
Chiavacci “a atividade com a qual o homem colit seipsum para ascender à plenitude da sua
humanidade; com essa o homem desenvolve a si mesmo nas próprias capacidades
especificamente humanas, por forte componente espiritual e se realiza como pessoa, pondo-se
assim como elemento de novidade e de originalidade (autonomia) nos confrontos do seu
próximo”. Vinculado predominantemente ao empenho do individuo para institui-ser, formar-
se e inserir-se no próprio ambiente social, este conceito de cultura inclui e põe em primeiro
plano uma conotação:

a) Humanista – enquanto via ao aperfeiçoamento do homem como tal (a paidéia dos


gregos e a humanitas dos latinos), mediante uma educação alicerçada sobre as
“belas artes” adaptadas a realizar plenamente a natureza humana, ao contrário,
quando hoje se privilegiam as disciplinas científicas visando, sobretudo, à
erudição;

b) Subjetiva (ativa ou pedagógica) – já que o desenvolvimento de um individuo é


confiado a uma educação concebida predominantemente (se não exclusivamente)
como exercício das faculdades espirituais do sujeito educando para pô-las em
condição de dar os frutos mais abundantes e melhores consentidos pela sua
natural constituição;

c) Espiritualístico-restritiva – do momento que, centrando sobre o enriquecimento do


espírito humano mais que do homem na sua totalidade – como de conhecimentos
– sustentando uma visão redutiva da sua natureza;

d) Aristocrático-elitista – seja porque normalmente só uma minoria privilegiada chega


a ascender a tal cultura, seja porque o “homem culto”tende a destacar-se com
desprezo do resto da humanidade.

Em última análise, pode-se dizer que no sentido clássico-humanista (aos não


adaptados aos trabalhos) o termo cultura é entendido como erudição (processo de um notável
patrimônio de conhecimento nos diversos campos do saber humano e como educação –
formação e crescimento do individuo, seja físico, seja moral-espiritual).
1.3.Cultura em sentido antropológico-moderno (objetivo-passivo)

Do conceito moderno de cultura, hoje comumente usado nas várias ciências do


homem (sociologia, etnologia, antropologia cultural...) podemos estabelecer a data do seu
nascimento. Foi o antropólogo Edward Burnett Tylor que no famoso ensaio Culturas primitivas
(1871) deu uma definição de cultura que se tornou clássica no seu gênero e permanece o
ponto referencial para todas as sucessivas reelaborações: “A cultura ou civilização, (...) é
aquele complexo conjunto (complex whole), aquela totalidade que compreende o
conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, o costume e qualquer outra capacidade e
hábito adquirido pelo homem enquanto membro de uma sociedade”.

Francesco Donadio sublima que a na nova concepção, “a cultura abraça não só a


esfera intelectual, mas o conjunto dos comportamentos que constituem o costume de um
povo, o conjunto da informação hereditária”. Tudo é cultura, para Tylor.

Esta definição de cultura, em sentido total, é predominantemente enumerativa e


descritiva funcional, ela encarna a cultura do homem e específica nas formas as manifestações
concretas dessa no campo do trabalho de seus pesquisadores. Liberada no invólucro
evolucionista de Tylor, virá freqüentemente remodelada, não tanto para vir modificada
substancialmente, quanto para evidenciar específicos conteúdos ou influxos, ora históricos,
ora normativos ou psicológicos ou estruturais ou genéticos...

Franz Boas diz (1938) que “a simples enumeração destes vários aspectos da vida não
constituem a cultura. Essa é muito mais, porque os seus elementos não são interdependentes,
t6em uma estrutura”.

Richard Niebuhr (1956) teve a preocupação de acentuar a contraposição à natureza:


“a cultura é o ambiente (environment) artificial, secundário que o homem sobrepõe àquele
natural. Esse compreende a linguagem, os hábitos, as ideais, as crenças, os costumes, a
organização social, os fatores hereditários, os procedimentos técnicos, os valores”.

As características sempre mais pontualizadas são específicas da cultura e não se


encontram na natureza, de modo que “do confronto entre natureza e cultura resulta que esta
última é tudo aquilo que o homem com o seu engenho e com o seu empenho adquire ou
produz (...). Em outras palavras, a natureza é o dado originário que é posto à disposição do
homem; todavia, a cultura é aquilo que o homem extrai deste dado originário mediante a sua
iniciativa”. A compreensão e a extensão deste conceito moderno de cultura o qualificam
claramente como:

a) Antropológico, não só porque a esse faz referencia em modo mais ou menos


explícito a maior parte dos estudiosos das ciências antropológicas, mas também
porque o considera o homem na sua integridade e na sua capacidade de dominar a
natureza;

b) Objetivo, enquanto privilegia a forma de organização social e dos costumes que o


individuo encontra em um determinado ambiente;

c) Passivo, porque tais formas do viver humano, recebidas e transmitidas pelo grupo,
são sofridas pelo indivíduo, no sentido que, em certa medida, estas se impõem
como formação coletiva e anônima.

Depois de haver apresentado e confrontado os dois significados predominantes de


cultura, convém fazer as seguintes observações:

a) Observação pleonástica, mas oportuna é remarcar que o conceito antropológico


moderno de cultura excede o conteúdo daquele clássico-humanista, mas o inclui, e
que o primeiro sentido do termo cultura (aquele subjetivo ou ativo) não pode ser
estudado se não ao interno do estudo do segundo sentido (aquele objetivo ou
passivo) visto que o fazer-se de uma pessoa como originalidade não pode advir
que ao interno de – e nos modos previstos e consentidos por – um determinado
ambiente humano organizado;

b) Salvo a explícita precisão, nós nos referimos sempre ao conceito de cultura no


sentido antropológico-moderno, que podemos assim resumir com Chiavacci: “o
complexo de dados (informaçoes) que todo homem recebe do ambiente em que se
encontra inserido e pelo qual é também condicionado (linguagem, estruturas
reprodutivas, métodos educativos, organização da produção, estruturas sócio-
políticas, sistema de valores)”. Ou com Baussola: “O conjunto de todas as formas
do viver humano – operar, transformar, agir, conhecer – socialmente integradas,
em um dado ambiente”.

1.4.Os elementos constitutivos fundamentais da cultura


Os antropólogos têm livremente evitado toda tentativa de classificação formal dos
componentes da cultura. Excepcionalmente White visa um elenco de tipo exaustivo:
“Concretamente especificamente a cultura é constituída de instrumentos, utensílios, hábitos
tradicionais, costumes, sentimentos e ideais”. Emmanuel Anati elenca oito elementos
fundamentais da cultura:

1. A origem dos instrumentos;

2. O controle do fogo;

3. A agregação social;

4. A comunicação e a linguagem;

5. O intelecto e as crenças;

6. A arte;

7. A filosofia;

8. A imaginação e a tecnologia.

Kluckhonhn e Kroeber convergem no constatar e privilegiar uma classificação tripartida


dos componentes da cultura, atualmente bastante usada para fazer pensar que essa possui
uma utilidade: “Os domínios principais da cultura são:

1) A relação do homem com a natureza; os problemas de subsistência, as técnicas, a


cultura material;

2) As inter-relações, mais ou menos estáveis, dos homens, devido às ambições de


status tão presente na cultura social;

3) Os aspectos subjetivos, as idéias, as atitudes e os valores e as ações por causa


desses, a introspecção, a cultura espiritual”.

Melville J. Herdkovits diz que “se seguem às relações que fazem destaque a um objeto,
a um costume, a uma instituição, até alcançar às suas conexões últimas com a cultura da qual
fazem parte, nesta descrição virão compreendidos todos, ou quase todos, os elementos
daquela cultura (...). Estas categorias (os elementos constitutivos fundamentais da cultura)
diferem principalmente pelo seu grau de inclusão ou pelo seu grau de precisão com o qual se
separam os universais da cultura. A série de categorias empregadas na nossa análise move
daquelas partes da cultura que respondem às necessidades físicas do homem, passando por
aquelas que governam as relações sociais e pelas instituições que explicam o universo e que
regulam a conduta individual, para alcançar àquelas que procuram satisfações criativas de
ordem estética. O “esquema de cultura” que emerge desta impostação é o seguinte: a cultura
material e as formas de organização (tecnologia, economia); as instituições sociais
(organização social, educação, estruturas políticas); o homem e o universo (sistemas de
crenças, controles do poder); o domínio estético (artes gráficas e plásticas, folclore, música,
teatro e dança); a linguagem”.

Constatamos que os antropólogos e os sociólogos são mais preocupados pela utilidade


prática ou pela classificação interpretativa. Os filósofos, porém, têm uma inclinação lógica e
fundante: tendem a compreender aquilo que a cultura é em si mesma, a individuar os
elementos fundamentais que constituem essencialmente uma cultura. Batista Mondin
sustenta que os elementos constitutivos essenciais da cultura são quatro: língua, técnicas,
costumes e valores, e talvez se acrescente um quinto elemento: a política (as várias
instituições que governam a sociedade).

Os elementos constitutivos fundamentais de uma cultura se podem logicamente


especificar e ontologicamente fundamentar sobre a clássica distinção da ação humana, a qual,
como notável, é articulada em:

a) Conhecer e comunicar: é a ação humana que tende a tornar-se consciente da


realidade (subjetiva e objetiva) em um indispensável contexto de relações
dialéticas sociais; ora a língua não é só o instrumento principal do comunicar, mas
é sobretudo, lei do próprio pensamento (do conhecer);

b) Fazer: é a ação humana que tem por fim principal aquele de produzir, de dominar
e de organizar uma matéria exterior; é o domínio da técnica; tem o seu objetivo e
o seu valor na eficácia;

c) Agir: é a ação humana que visa formar aquele que age, a modelar o
comportamento em um contexto de formas do viver em comum e socialmente
integradas (normas sociais);

d) Contemplar, refletir: é a atividade humana que indaga sobre os valores para


construir o reino da humanidade e tende à autenticidade. Tal contemplação não é
só obra da inteligência, mas de todo o homem. Seu objetivo é a perfeição e a
universalidade.
Podemos concluir dizendo que o fenômeno cultural em sua globalidade e
peculariedade levando em consideração à crítica filosófica sobre os seguintes fundamentos da
cultura:

a) Língua;

b) A técnica;

c) As normas sociais;

d) Os valores

e) A religião.

Esses fatores são correlatos entre si e constituem uma estrutura, entendida como um
todo orgânico formado de elementos sólidos que cada um depende dos outros e não pode ser
plenamente compreensível se não através da recíproca relação.

1.5.Principais características da cultura

Cada cultura, constituída nos seus elementos fundamentais ou individuais haverá


conteúdos especificamente próprios que a distinguirão uma das outras, porém, como
realidade em si, no seu formar-se e manifestar-se enquanto fenômeno cultura seja a particular
fisionomia que assumirá, cada cultura haverá necessariamente propriedades ou características
que se encontrarão comuns a todas as outras. Elencamos algumas características reconhecidas
pelos antropólogos e sociólogos que são significativas para a nossa análise filosófica:

a) A cultura se aprende e ultrapassa o biológico – produto da criatividade humana e


não da natureza, nenhum dos elementos constitutivos fundamentais da cultura é
dominado pela lei do espontaneísmo e do automatismo. “A cultura não é
instintiva, ou inata, transmitida biologicamente, mas é composta de hábitos, isto é,
de tendências a reagir, aprendidas e adquiridas por cada individuo através das
próprias experiências de vida depois do nascimento”. O processo de
aprendizagem, que distinguem o modo de comportamento dos seres humanos
viventes em agregados organizados, “inclui seja aquelas reações ao
condicionamento a nível inconsciente, mediante o qual à criança em processo de
desenvolvimento são fixados os modelos fundamentais do grupo, sejam aquelas
formas de instrução recebidas mais conscientemente que chamamos de educação.
Este processo de aprendizagem da própria cultura é designado com o termo
inculturação; é a inculturação que nos permite explicar o fato que uma cultura
mantém uma forma reconhecível de geração em geração”. As alusões à
hereditariedade social ou tradição permanecem como todas as coisas que se
referem ao homem e compõem a cultura, vão além do orgânico e do biológico e
também do meramente psicológico. “A cultura pressupõe corpos e
personalidades, assim como pressupõe homens associados em grupos e sobre
esses se fundamenta, mas a cultura é algo a mais que uma soma de ações
características psicossomáticas, enquanto os seus fenômenos não podem ser
entendidos em termos de biologia e de psicologia”. Theodosius Dobzhansky
sustenta que na cultura a tradição se opõe nitidamente à evolução biológica: “A
cultura é completamente adquirida pelos seres humanos através dos outros seres
humanos, e não somente das crianças pelos genitores como ocorre na
hereditariedade biológica. A cultura se adquire por imitação, por adestramento,
por erudição. (...) A hereditariedade biológica não transmite as características
adquiridas pelo individuo humano (macho ou fêmea) durante a sua vida, mas
somente a cultura transmite tais características”.

b) A cultura é social – a cultura se qualifica como fenômeno social, seja porque tudo
aquilo que o homem cria vem herdado através das relações e dos
condicionamentos sociais, seja porque os hábitos de ordem cultural são hábitos de
grupo, isto é, são comuns aos seres humanos que vivem em grupos organizados ou
sociedade e são mantidos relativamente uniformes pela pressão social.
Naturalmente existe uma causalidade circular nas relações existentes entre a
cultura e os indivíduos que fazem parte dela. Cada homem é filho da própria
cultura. “São os indivíduos que produzem ou dão vida a uma cultura, em parte
perpetuando e em parte modificando uma forma de cultura existente que lhe
permanecem aquilo que são. A cultura mais ou menos alterada que esses
produzem, por sua vez, influencia grandemente o conteúdo das personalidades
que derivam; e o processo prossegue assim no tempo”. O homem é gerador da
própria cultura. A cultura é o instrumento mediante o qual os seres humanos se
adaptam ao seu contexto complexo, essa não deve nunca ser considerada como
algo que reduz o indivíduo a uma condição de passividade ou de inércia neste
processo uma vez que o processo de adaptação é circular e sem fim, pois o
processo é a interação entre o individuo e o seu grupo, sobre a base de sua
inculturação aos modelos preexistentes do grupo. Essa adaptação é prosseguida
pela criatividade que lhe permite de exercitar vários modos de expressão de si
mesmo e de estender-se à sua cultura sem infringir as orientações fundamentais
do grupo. Kroeber sustenta que determinados eventos não podem ser verficados
se não existem, na cultura dos que são protagonistas ou atores, as causas ou as
bases para o seu atuar-se. Isto não significa que em cada raça não existam
indivíduos particularmente dotados de inteligência, mas o verificar-se de eventos,
de invenções e de expressões criativas é em relação ao ambiente cultural no qual
vive o homem que a tais manifestações deu vida e no qual as próprias
manifestações devem ser usadas.

c) A cultura é dinâmica – a mudança é outra característica da cultura e pode provir


do interno da própria sociedade (acontecimentos naturais, descobertas e
invenções) ou do externo (processo de confronto, de adoção, de assimilação). Diz
Murdock que a “cultura muda e o processo de mutação resulta ser de tipo
adaptativo, comparável à evolução existente no reino orgânico, mas de ordem
diversa. As culturas tendem, nos vários períodos de tempo, a adaptar-se ao
ambiente geográfico circundante, como têm demonstrado os antropólogos e os
geógrafos, se bem que hoje as influencias ambientais não são mais concebidas
como determinantes aos fins do desenvolvimento cultural. Também as culturas se
adaptam, através da organização dos empréstimos de tratados culturais, ao
ambiente social dos povos vizinhos. As culturas tendem a adaptar-se às
solicitações biológicas do organismo humano: mudando as condições de vida, as
formas tradicionais cessam de fornecer uma margem de satisfação e são
eliminadas; nascem ou se tem novas necessidades para as quais se produzem
novas adaptações culturais”. Toda cultura é percorrida por uma tensão entre
aquilo que era e aquilo que será, isto é, a cultura se constitui de um dinamismo
determinado pela busca de um nível de humanidade sempre mais realizado.
Marie-Dominique Chenu diz que a razão profunda do dinamismo da cultura que o
homem busca “pode reconstruir a completa e única verdade só através dos
pedaços destacados como fragmentos de um espelho quebrado que nos
esforçamos incessantemente de recompor. Os nossos braços são muitos estritos
para restringir o universo com um gesto assim amplo que a uma ou outra de suas
riquezas se encontrem no seu justo lugar. (...) As épocas da humanidade possuem
quase a vocação coletiva de descobrir e de exaltar um ou outro destes valores”.

2. A relação entre natureza e cultura


Iniciaremos a nossa reflexão sobre o binômio natureza-cultura, pleno de tensão
dialética e provocadora pelos próprios conteúdos. Dos dois conceitos em casa precisaremos o
significado de cultura, embora esse seja polivalente, tendo como referencia a transformação
revolucionária que tal noção sofreu na passagem da tradição aristotélica, que prevaleceu por
quase dois milênios, ao desenvolvimento realizado por Galileu, pressuposto filosófico
indiscutido da ciência moderna (de uma concepção qualitativa da natureza se passa a uma
concepção quantitativa). Os historicistas deram grande relevância à cultura, a partir da
modernidade, configurando-a predominantemente como “processo de domínio” da natureza,
entendida como nova acepção de realidade puramente fenomênica. Faremos um esforço de
compreender as implicações de uma relação objetiva entre a natureza e a cultura, sustentando
a tese que diz que a cultura é a ineliminável mediação da natureza humana e que a natureza
contém uma mensagem axiológica para o completo desenvolvimento do “ser cultural”, se
distanciado daquela forma típica do pensamento moderno ocidental redutível aos dois
axiomas: mensuro, ergo sum (cientificismo tecnológico) e do volo, ergo sum (subjetivismo
absoluto).

A cultura comporta necessariamente – potencialmente e de fato – a pluralidade das


culturas porque é diverso o modo com o qual o homem organiza a natureza. Em um horizonte
de inevitáveis confrontos interculturais, é necessário percebermos a relação dialética que
existe entre a ineliminável singularidade das culturas e a exigência para cada cultura a abrir-se
aos valores das outras. Tal discurso exigirá a fundamentação e as conseqüências das seguintes
teses:

a) Toda cultura tende ao universal, porque cada cultura singular é uma realização
mais ou menos proveniente da cultura, é um dos modos possíveis, nunca
exaustivos, de concretizar a natureza humana;

b) A inculturação (a imersão de um indivíduo na cultura que nasce e se desenvolve)


não pode eliminar o condicionamento cultural, mas exige “criticar” a própria
cultura a fim de que essa permaneça portadora de “valores humanos históricos” e
não se torne um (quase) onipotente mecanismo gerador de consenso;

c) A aculturação (conformação a uma cultura diversa) deve se desenvolver em um


clima e uma modalidade de verdadeiro diálogo para evitar o relativismo cultural
sem sufocar a riqueza das legítimas diferenças culturais.

Então, já o mais elementar senso comum adverte que há qualquer relação entre
natureza e cultura, tendo como óbvia que a natureza (física), revestida de um pouco de
“cultura” (a ação coordenadora do homem), cria determinada civilidade ou que a natureza
humana, revestida de um pouco de cultura (o progresso nos conhecimentos e nas técnicas)
traz certa humanização.

2.1.. O “tradicional” conceito de natureza

O significado do termo “natureza” é polivalente como o termo cultura. Lalande diz que
“não é possível dispor em uma série linear, do ponto de vista semântico, os sentidos da palavra
‘natureza’. Esses parecem ser formados para estender-se em diversas direções em torna a uma
idéia primitiva, que será sem duvida aquela do desenvolvimento espontâneo dos seres vivos
segundo um tipo determinado (physis). Ocorre, entretanto, notar que, no fim da antiguidade,
esta palavra apresenta toda uma variedade de significados que conservou nos modernos; e
que, no entanto, a maior parte dos escritores a usa em todas as suas acepções. Não é raro
encontrá-la com dois sentidos diferentes em qualquer distancia e talvez na própria frase”.

A idéia de natureza varia segundo os diversos tipos de saber (filosofia, teologia,


ciências) e ainda varia conforme as diferentes filosofias utilizadas pelas racionalizações
científicas, pelas teorias estéticas, pelas doutrinas morais e jurídicas. “Por natureza, entende-
se seja o complexo daquilo que se torna a essência estável e imutável das coisas, seja o
princípio da vida, seja a racionalidade daquilo que sempre obedece a leis mecânicas, seja
aquilo que é anterior e talvez contraposto à razão, seja aquilo que se identifica com o que é
racional no homem e contraposto ao positivo na sua arbitrariedade e variedade”.

Aristóteles propõe um conceito de natureza com um significado específico em duas


teses:

a) Que as coisas têm uma essência própria constitutiva, e no seu conjunto, um


fundamento e leis imutáveis;

b) Que tal essência, tais fundamentos e tais leis são objetivamente cognoscíveis,
assumindo um caráter normativo para o comportamento humano.

Superando radicalmente o antigo conceito de physis dos pré-socráticos, Aristóteles


com o termo natureza, entende, sobretudo, a natureza sensível, e a interpreta como “princípio
de vida e de movimento de todas as coisas existentes”. Retém que a natureza seja constituída
pela própria forma substancial da coisa, porque “a forma (aristotélica) não é só estrutura
intimamente uma realidade qualificando-a por aquilo que é (causa formal), mas é também na
coisa o princípio ativo que suscita o seu movimento natural (causa eficiente), e determina a
ordem e a direção segundo um plano racional pré-estabelecido (causa final)”. Sobre estes
princípios se fundamenta uma ordem natural teleológica, do momento em que toda a
realidade tende a um fim que é a realização perfeita da própria forma. Tratando-se, pois, de
um processo autônomo do vir-a-ser (à plenitude do ser), “próprio pela sua independência do
homem, assume um valor que o torna digno de respeito por parte deste último, isto é, assume
um caráter ético. Isso se configura como ordem, ordem ao próprio tempo físico e também
moral (kosmos e dike) que o homem deve respeitar, mas pode também não respeitar”.

Segundo o Estagirita, as instituições (família, polis) têm uma natureza que as


impulsiona à plenitude do desenvolvimento, já que o processo do movimento, em que
consiste a natureza, não é simplesmente o início, mas é particularmente o fim (telos), o
cumprimento: “A natureza é fim, isto que cada um é, uma vez realizada a geração, isto
dizemos ser a natureza de cada um, como do cavalo, assim do homem e da família”. Pela
própria humanidade, a natureza não é o estado inicial de desenvolvimento, mas o estado final.
Berti diz que “não existe uma contraposição entre natureza e cultura, como existirá na Idade
Moderna. Quando os filósofos como Hobbes, por exemplo, ou Rosseau, nos falam do estado de
natureza, entendem o estado primitivo (o selvagem é o homem por natureza), isto é, o estado
pré-social, pré-cultural, nos confrontos do qual a cultura se configura como o oposto. Para
Aristóteles é verdadeiro todo o contrário, porque a verdadeira natureza do homem é o viver na
polis: fora da polis vivem somente os animais e os deuses (cf. Pol. I, 2, 1253 a 1 -29). Em termos
modernos, diremos que a natureza do homem é a cultura, é o pleno desenvolvimento das suas
faculdades”.

Ora, o cristianismo não pode aceitar logicamente a idéia grega de natureza como
ordem e concatenação eterna existente em si, mas baseando-se no conceito bíblico de criação,
afirma que a natureza é feita por Deus. De uma parte esta relação criatural revela os limites da
natureza (dessacralizando-a e laicizando-a) e de outra parte fundamenta o valor e a teleologia,
os quais provêm de Deus, são indissoluvelmente vinculados à sua existência. Segundo Santo
Tomás, que concentra a sua atenção sobre o momento da criação, “a natureza significa (...) a
cognoscibilidade e a definibilidade das coisas, realizar o seu desígnio eterno concebido por
Deus na sua mente e realizado depois do ato da criação”. Existe inserida em todas as criaturas
uma lex naturalis (participatio legis aeternae in rationali creatura) que vem conhecida pelo
homem não claramente (não é notada por todos com evidencia), mas em modo característico:
“Omnia illa ad quae homo habet naturam inclinationem, ratio naturaliter apprehendit ut bona,
et per consequens ut poere prosequenda, et contraria eroum ut mala et vitanda”. Comenta
Berti: “O homem tem esta forma de conhecimento por conaturalidade (...), ou por inclinação.
Havendo dentro de si certa inclinação, ele de alguma forma vem a conhecer a lei da qual esta
declinação deriva, mas não possui um conhecimento pleno, perfeito, mas sempre um
conhecimento suscetível de aprofundamento”. Esta concepção tomista da natureza é bem
diversa daquela preferida pelo jusnaturalismo moderno ou por aqueles que a reduz ao puro
dado biológico, instintivo (própria dos seres inferiores, que têm somente uma natureza
corporalis). Para o homem, porém, que tem uma natureza rationalis, as inclinações da
natureza são as indicações da razão. “Isto que diferencia a natureza mais genuína, a natureza
constitutiva do homem, não é isto que é comum aos outros animais, o gênero, mas a diferença
específica, a racionalidade. Por isso, na racionalidade está presente de alguma forma a noção
de lei natural como participação à lei eterna”.

2.2. A cultura como “processo de domínio” da natureza

As interpretações do conceito de natureza na época moderna são variadas e causam


dificuldades sobre a relação natureza e cultura. Parece possível individualizar nestas
diversidades um mínimo denominador comum que permite pôr em evidencia certo fio de
considerações para as nossas orientações críticas. Pode-se, então, constatar como todas
fundamentalmente convergem no designar com o termo natureza a natureza física com as
suas leis, da qual também o homem é parte e pela qual ele permanece fortemente submetido.
Existe outra consonância no reter que o homem, progressivamente no curso do tempo, com as
suas capacidades racionais e técnicas, emerge desta natureza conseguindo impor-se,
inicialmente com intento de sobreviver, depois, pouco a pouco, com o objetivo de dispor mais
copiosamente os bens da terra. Do sujeito passivo o homem torna-se sempre mais sujeito
ativo e a sua dependência inicial se torna domínio. Encontramos, portanto, na relação
natureza-cultura, uma substancial convergência na diversidade: a cultura é considerada por
todos como um “processo de domínio” sobre a natureza. Seguindo este fio condutor comum,
apresentaremos sumariamente as posições mais influentes sobre a formação do recente
pensamento ocidental.

Com a reviravolta realizada por Galileu (1642) se divulga uma nova imagem da
natureza, que constituirá o pressuposto filosófico indiscutido pela ciência moderna: de uma
concepção qualitativa se passa a uma concepção quantitativa. A natureza é concebida como
uma grande máquina criada por um Deus que funciona segundo as leis matemáticas. Através
da observação dos fenômenos, guiada pelo método experimental, o homem pode aprender a
ler a natureza escrita em língua matemática, redescobrindo os cálculos do Criador e esperando
conseguir sobre esta natureza um domínio prático-técnico em oposição a uma longa tradição
fechada em um saber essencialista e abstrato. Interessando-se não mais do “que coisa” é a
natureza, mas “como essa opera”, não mais do “por que” um fenômeno se verifica, mas “quais
relações matemáticas” regulam o comportamento. Galileu não sustenta que a ciência
substitua a filosofia ou que a ciência seja o único tipo de saber e nem tenta construir sobre a
sua ciência uma nova metafísica. Todavia, se com o seu método colhia com certeza um aspecto
da realidade (aspecto quantitativo), deixava, porém, inevitavelmente fora toda uma série de
fenômenos qualitativos abordáveis pelo nosso conhecimento se bem que não compreensíveis
pela razão matemática; exprimindo depois certa propensão a um conhecimento mecanicista
da natureza, progressivamente desacostumará o homem a colher os traços e mensagens de
um plano divino inscrito na natureza.

Descartes (1650) radicalizará metafisicamente essas tendências: a física matematizada


nos diz tudo sobre a natureza, sobre o mundo corpóreo, enquanto a natureza corpórea é
somente a extensão em movimento. “Não só nasce aqui uma fratura entre a visão ingênua e a
visão científica do mundo, mas a interpretação científica do mundo renuncia a ser explicação
da natureza no seu conjunto, porque tal explicação engloba também aquela de percepção
sensível da natureza. Esta renúncia resulta fácil a Descartes, visto que para ele o mundo
científico é verdadeiro. A verdade não é, porém, mais entendida como conformidade ao dado
objetivo. A verdade é a evidencia dos conceitos científicos”. Assim é introduzida “uma visão
mecanicista da natureza, que se difundirá amplamente no iluminismo e será retomada pelo
pensamento positivista. O mecanicismo, também não dará lugar (como no caso de Diderot e
do materialismo 1700) a êxitos explicitamente ateus, tende a apresentar uma natureza física
autônoma e desligada do fenômeno divino”. No dualismo de Descartes – com a sua ruptura da
harmonia entre o mundo corpóreo (a natureza física, reduzida a pura extensão e movimento
passivo) e o mundo espiritual (reduzido a puro pensamento, no qual consiste a essência do
homem) – permanecerá extremamente difícil harmonizar a relação entre o corpo e a alma,
entre a sensação e o pensamento, entre a matéria e o espírito, entre a natureza e a cultura, na
unidade do homem. Com uma lógica interna própria, a fórmula cartesiana “senhores e
possuidores da natureza exprime claramente a dominante cultura, condensada na ciência e na
técnica como fatores de domínio do mundo.

Kant (1804), autor da revolução copernicana, refuta a teoria do conhecimento como


simples apreensão de uma realidade pré-ordenada e formula um pensamento teórico novo
com o desaparecimento do objeto e a soberania do sujeito identificada com uma razão que
“deve limitar a natureza a responder às suas perguntas”. No contexto kantiano, a física não
nos diz tudo aquilo que “é” a natureza: mas nos diz tudo aquilo que o homem pode conhecer.
Kant fundamenta a ciência da natureza remontando à subjetividade transcendental, razão pela
qual retém que “a matemática e a física como ciência é possível, uma metafísica não; em
particular não é possível aquela parte da metafísica tradicional que é a cosmologia. Se as leis
da física newtoniana não justificam mais uma verdadeira ciência, pode-se haver imediato
conhecimento da lei moral, pode-se haver uma fé racional nos postulados da razão prática,
mas não conhecimento demonstrado”. Com tais premissas, Kant admite um dissídio entre o
homem entendido como liberdade racional e a natureza sensível (interna ou externa ao
homem). “Prosseguindo uma via já aberta por Pascal, introduz uma fratura entre tal natureza
e o seu princípio (Deus). Tal é o naturalismo renascentista quando as grandes metafísicas
modernas e o empirismo lockiano haviam admitido a possibilidade de conhecer Deus como
causa da natureza física, haviam admitido uma passagem entre a natureza e Deus; Kant exclui
esta possibilidade (seja limitando o âmbito do conhecimento e reafirmando a validade na
esfera ético-religiosa). Consegue uma imagem da natureza privada, mais ainda que em
Descartes, de uma reconhecida relação com o divino, uma natureza amputada do seu
princípio, uma natureza que, havendo no homem a sua lei, deve inevitavelmente perder o seu
antigo significado de princípio e de fundamento metafísico”.

Outra conseqüência: um reconhecer que se atua como síntese a priori entre um dado
experimental das inalienáveis necessidades justificantes não poderá revelar o noumeno (a
coisa em si) prescindindo do ato cognoscitivo e da natureza se dará uma definição puramente
fenomênica. Para Kant, o acesso à realidade, ao mundo noumenico, é mediado pela razão na
sua função prática (esfera da moralidade), onde a liberdade do homem é postulada como
condição do imperativo categórico. Daqui a oposição entre natureza e liberdade. Então, no
contexto do dualismo espiritualista de Descartes e de Kant, a cultura assume uma dupla face:
de uma parte significa o domínio da natureza e de outra parte, significa a cultura do espírito
como afirmação da própria liberdade. Sem que estes dois aspectos sejam organicamente
unificados, são como se fossem equivalentes. Assim a liberdade do homem se afirma como
uma refutação a receber da natureza as indicações normativas. O que se compreende se a
natureza fosse a natureza mecânica do cartesianismo ou a natureza fenomênica.

A relação entre natureza e cultura foi um tema de grande especulação no Século das
Luzes, embora se falasse mais de civilidade que de cultura. Na proclamada oposição entre o
selvagem e o civilizado, por Rousseau (1778) o confronto se resolvia em detrimento deste
ultimo. Na origem da humanidade se imaginava um hipotético “estado de natureza”, em que o
homem obedecendo somente às ordens da própria natureza havia conduzido uma vida de
simplicidade e de virtude. O desenvolvimento das ciências e das artes, geradoras do luxo,
trouxe os vícios com o seu cortejo de males. Embora, a reação rousseauna seja principalmente
uma reação contra a sociedade urbana, essa implica a idéia da bondade natural do homem,
identificando-a com o natural e espontâneo. Esta convicção está vinculada à infalibilidade da
consciência moral, percebida como faculdade diferente da razão. Diz Cottier: “Escutando a
própria consciência, seguindo os sentimentos do próprio coração, anteriores às argumentações
dos filósofos, o homem escuta a voz da natureza e do Criador. Em tal perspectiva a exigência
de sinceridade se substitui inevitavelmente por aquela verdade. Assim um conflito latente
sinaliza a relação entre a natureza e cultura, enquanto o desenvolvimento das obras da razão,
marcadas por uma crescente artificialidade, é um desvio daquilo que é original e há valor
normativo. O homem deve continuamente operar um retorno contra a corrente, verso à
própria natureza primitiva e originária. A artificialidade é portadora de inautenticidade e de
mentiras”. Na visão de Rousseau, a natureza não se reduz à simples natureza física; essa
designa a natureza humana acolhida na sua espontaneidade nativa, sempre boa e, como tal,
em consonância com a Natureza, única norma da exist6encia. Segundo esta concepção
naturalista do homem, a cultura tem um sentido ambivalente: enquanto a artificialidade
constitui uma ruptura com a natureza original, a verdadeira educação (que é propriamente
uma obra de cultura) consiste no reencontrar esta natureza originária para conformar-se.

Com o evolucionismo de Darwin (1882) desaparece a imagem milenar do homem,


imagem encarnada na teoria fixista que falava de espécies fixas e imutáveis existentes sempre
desde a sua criação. E se com Copérnico a revolução astronômica referiu-se à ordem espacial e
dá a terra e ao home um lugar bem diferente do anterior, com Darwin, em substância, troca a
teoria concernente do homem na natureza. A teoria darwiniana explica a evolução (suposta
como um fato) do mundo vivente por obra das diferenças flutuantes individuais, as quais têm
um impulso à aparição por exigências predominantemente internas dos sujeitos, mas são
depois selecionadas pela natureza (seleção natural) mediante a luta pela existência ou pela
concorrência pela vida. Nessa luta sobrevivem somente aqueles sujeitos cujas variações são
vantajosas quanto ao ambiente sempre mutável. Nesta visão, a natureza – que é estendida
seja como patrimônio biológico, seja como condicionamento físico – ambiental – vem a
encontra-se em uma posição de preeminência nos confrontos da cultura.

O pensamento de Marx (1883), na sua intuição fundamental, é animado por uma


demiúrgica, porque o home, para satisfazer as suas necessidades (originárias e adquiridas),
consegue com o seu trabalho o domínio sobre a natureza, tornando-a humanizada e
submetendo-a ao seu poder. Marx busca explicar porque a repartição do poder é desigual e
injusta, enquanto diversas produções culturais são explicadas tendo em consideração a divisão
em classes, causada pela atividade primária da transformação da natureza. “Portanto o
horizonte cultural é essencialmente material, ainda que a cultura verdadeiramente humana
(não alienada) comporte também, mediante a revolução, o reflexo das estruturas sociais: o
objeto da atividade humana permanece seja a natureza física seja o homem emergido (com a
sua práxis) por esta natureza à qual não cessa de pertencer. No entanto, a lógica do
pensamento de Marx, de uma ruptura entre natureza e cultura, não é priva de ambigüidade”.

Na teoria de Freud (1939) a ruptura entre natureza e cultura tem um marco mais
incisivo. O ensaio freudiano O mal estar da civilização (1929), mais que uma explicação da crise
contemporânea pretende explicar a fragilidade constitutiva de cada cultura. A cultura se
fundamenta, segundo Freud, sobre um processo de repressão, o qual se verifica no contexto
do complexo de Édipo, ao início da vida de todo ser humano: a condição da entrada em
sociedade de uma criança é a desfeita da própria criança, porque a sua tendência à satisfação
ilimitada dos desejos se reprime com a rivalidade do pai onipotente. Tudo isso é expresso por
Freud sustentando que o princípio do prazer, o qual é primário, deve confrontar-se com o
princípio da realidade, representado pelo pai. Tal comprometimento é benéfico (enquanto é a
condição da vida social e da cultura), não impede que a sociedade e os seus valores sejam
realizáveis unicamente graças à repressão das pulsões primordiais do individuo. A cultura, que
para Freud é inegavelmente um lucro, todavia é sempre mortificante; é continuamente
ameaçada. Também a estruturação do individuo que interioriza em si os tabus sociais é o
resultado de comprometimento entre os instintos primordiais e selvagens daquele individuo e
a sociedade da qual procede. Se a natureza é tomada no sentido de espontaneidade, existirá
um conflito latente entre natureza e cultura.

2.3. Implicações de uma relação dialética entre natureza e cultura

Pomo-nos naquele conceito de natureza – hereditariedade da filosofia clássica como


expressão de uma intuição fundamental do pensamento – que colhe do senso comum a idéia
de autonomia, do por si, da causa e radicalidade do próprio comportamento. Natureza de um
ser é aquilo que este ser é, aquilo que o constitui como tal com o dinamismo da sua tendência
verso às próprias finalidades. As criaturas, na sua natureza específica, têm aquilo que são (com
os seus limites e as suas potencialidades) e recebem os seus próprios fins conaturais do
Criador. Trata-se, logicamente, de uma noção analógica, pela qual a razão poderá falar de
naturezas materiais (e de natureza física para indicar o conjunto), de natureza humana e de
natureza de Deus. E se falará tout court da natureza para indicar a totalidade do universo
material e visível, devido o parentesco que une todos os seres do mundo físico a título de sua
materialidade e criaturalidade. Em teologia, com o termo natureza se indicará o conjunto das
criaturas criadas com as qualidades e as capacidades que lhe são próprias enquanto criadas e
radicalmente distintas daquilo que é próprio do Incriado e da sua vida considerada em si
mesma ou enquanto comunicada e se poderá fazer a distinção entre natural e sobrenatural.

2.4. A cultura como mediação da natureza humana

As escolas de pensamento recordadas, na suas próprias soluções divergentes, têm


evidenciado como o homem, para o desenvolvimento da sua natureza, para a programação da
sua própria maturidade pessoal, porta em si até o seu primeiro momento vital um específico
patrimônio genético (código) que será necessariamente e variavelmente modelado pelo
ambiente. A cultura se impõe como uma necessidade para a existência humana do homem,
seja para a sua adaptação ao ambiente complexo, seja para se procurar os meios necessários a
uma expressão criativa (a sociosfera é necessária ao homem como a biosfera). Ainda é
necessário reconhecer que o pobre de instintos a respeito dos animais, o homem não poderia
sobreviver não só se o seu próprio ato biológico não houve um caráter plástico e inventivo,
mas também se a sua relação com a natureza não fosse mediada até pelo nascimento de sua
inserção em uma comunidade que, enquanto tal, não é mais só natural, mas cultural e
histórica. Não existe percepção humana do mundo que não se refira a uma estratificação
cultural, que não seja através de um patrimônio de significados adquiridos. Nenhum ser
humano, nenhum grupo de seres humanos jamais pode conceber com olhos virgens o mundo
em que se move. Todo homem nasce em um mundo definido pelos modelos culturais pré-
existentes. Próprio como um individuo que tenha perdido a memória não é mais normal, assim
é inconcebível a idéia de uma sociedade em qualquer momento da história que possa
emancipar-se de sua cultura passada.

Deste modo o homem, não pela sua capacidade reprodutiva, mas pela sua faculdade
inventiva, entra em contato com um mundo que não é simplesmente dado, mas é produto de
sua atividade simbólica. “O homem não pode jamais se subtrair às condições de existências
que ele mesmo criou, ele deve conformar-se a essas. Não vive mais em um universo somente
físico, mas em um universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião fazem parte
deste universo que constituem a trama da experiência humana. Todo progresso no campo do
pensamento reforça esta rede. O homem não se encontra mais diretamente defronte à
realidade, por assim dizer, ele não pode jamais vê-la face a face. A realidade física parece
retroceder já que a atividade simbólica do homem avança. Em vez de ter o que fazer com as
próprias coisas, em certo modo, o homem está continuamente em colóquio consigo mesmo”.
Interpretando a tese hegeliana segundo a qual a filosofia não é outra coisa que a
tentativa de se tornar consciente da cultura como horizonte que sempre acompanha o
homem, Donadio revela que não só o sujeito não é nuca puramente individual enquanto nasce
já na universalidade de uma linguagem, de um código de significados que lhe antecedem (ao
homem é consentido tornar-se homem só entre homens); mas de fato, ele não se limita a
assumir passivamente o mundo da cultura assim como se lhe dá, porque o reinventa de novos
significados e de novas formas e projetos. E retoma Merleau-Ponty: “Os objetos de uso do
homem e os seus projetos culturais não seriam aquilo que são se a atividade que os faz emergir
não houvesse por sua vez como próprio sentido a sua negação e a sua superação”. A cultura é
a indiscutível mediação da natureza humana. Mas é necessário acrescentar que a cultura deve
ser interpretada dinamicamente, não nos encontramos defronte a um fixismo nem a um
determinismo sem saída. “Se todos os seres orgânicos visam à estabilidade do ambiente que o
circunda, toda a sua mutabilidade não é que aspiração a conservar-se sem mutações de um
modo móvel a respeito de seus interesses; para o homem, porém a modalidade do ambiente é
a condição normal de existir, é a norma para ele, a vida em condições que mudam, o variar do
modo de viver. Do ponto de vista da natureza, não é casual que o homem intervenha como
destruidor. Se não que é próprio a cultura, na sua acepção ampla do termo, a distinguir a
sociedade humana daquelas não humanas. Por conseguinte, o dinamismo não é para a cultura
uma propriedade exterior imposta por um nexo de derivação com causas estranhas à sua
estrutura interna, mas uma propriedade ineliminável”. Tarefa do homem, portanto, não é
tanto aquela de passar do individual ao universal, mas aquela de vivificar com a própria
iniciativa esta universalidade. Existe no homem a exigência de uma constante renovação de
tornar-se outro permanecendo si mesmo.

2.5. A mensagem axiológica da natureza

Mais projeto por realizar que não atuação cumprida de uma essência imutável, o
homem deverá dar-se as determinações com as quais completará a própria humanidade
segundo a sua relação constitutiva ao absoluto, à sua índole social e à sua vocação de gerencia
do universo sensível. Fazer nascer o homem plenamente homem é obra de toda a vida de um
ser humano. “O homem deve tornar-se aquilo que é, porque não é dado tudo de um golpe, do
começo ao fim, na perfeição do seu ser. É óbvio que não se trata somente da lei do
desenvolvimento próprio de todos os viventes existentes no tempo. O homem de realizar-se,
deve construir a sua pessoa; e esta necessidade, inscrita na sua natureza, é também uma
necessidade ética. Não é lógico, porém, proclamar que o homem deve se tornar plenamente a
si próprio aperfeiçoando as tendências inscritas na sua natureza, sem justificar uma
“mensagem axiológica” da própria da natureza. Então, reconhecer nas inclinações
fundamentais da natureza humana uma expressão da vontade do Criador, perceber que as
criaturas são portadoras de um significado sobre a intenção criadora de Deus, não é cair no
naturalismo, no sentido de um abandono do homem ao determinismo da natureza física e das
suas leis. Quem, ao contrário, opõe natureza e liberdade entende a natureza no sentido
unívoco de natureza física, a qual por definição compreende o espírito (liberdade), por não
estar em condição de notificar a tal espírito (posto como o “outro” da natureza) das regras às
quais se referem. O espírito deverá encontra as regras das suas opções em total autonomia,
independentemente de uma natureza a esse estranha. Mas esta é uma concepção dualista que
põe dificuldade sobre a relação entre natureza e cultura.

Diz Cottier que “próprio enquanto a natureza humana é irredutível à natureza dos
seres puramente físicos, e porque, ao oposto do postulado dualista, o corpo humano é um
componente essencial do ser humano, tal corpo é ao homem portador de indicações do projeto
do Criador. Certamente o corpo humano possui em comum com os outros corpos do universo a
corporeidade e a este título faz parte – como o composto humano, sempre mediante o corpo –
do cosmo ao material. Esta pertença, todavia, não pode fundar qualquer reducionismo. Este
corpo enquanto é parte integrante do composto humano e enquanto a sua forma é espiritual,
participa à dignidade do espírito que transcende toda a ordem do universo material; esse
notifica ao espírito, enquanto é seu corpo, das exigências de natureza propriamente ética. Aqui
está em causa a unidade do homem, unidade substancial de corpo e espírito”.

Esta posição, que reconhece no homem um “ser cultural” por natureza, se encontra
nitidamente oposta àquela forma típica do pensamento ocidental sucessivo a Galileu e
redutível aos dois axiomas formulados por Luigi Lombardi Vallauri nos seguintes termos:
mensuro, ergo possum (o axioma do cientificismo tecnológico) e volo, ergo sum (o axioma do
subjetivismo absoluto). Para o cientificismo tecnológico, o ser objeto de verdadeiro
conhecimento é o ser mensurável, produtível e repordutível, equivalente praticamente à soma
de matéria mais energia mais informação. “O cientificismo tecnológico elimina do mundo tudo
aquilo que é essência, significado, norma, portanto, elimina radicalmente a natureza
normativa, porque um mundo que é uma mina de material e uma reserva de energia onde a
informação é uma escritura casual que pode ser reescrita não contém obviamente nada
normativo. O cientificismo tecnológico é depois uma empresa de transformação da natureza
mensurável em utilidade para o homem; diversamente do platonismo, que utilizava o
conhecimento matemático para ascensões contemplativas, aqui a matemática é empregada
com um objetivo prático, que por sua vez é atingido pela organização industrial da produção. O
moderno como cientificismo tecnológico se ressume na idéia da manipulação integral do ser;
ora alguma coisa de integralmente manipulável não é jamais uma natureza normativa, é uma
matéria plástica, é algo ao qual eu posso conceder a forma que quero. Não existem mais
essências normativas, existem só formas contingentes, compreendida também a forma
humana; destas formas se pode fazer aquilo que se quer, e nesta linha, se chega
inevitavelmente aos dois extremos de autotransformação fisicalista do homem, do corpo e da
mente, que são a biotecnologia e a inteligência artificial”.

Para o subjetivismo absoluto o homem não tem mais essência normativa, mas ele é
aquilo que tem vontade de ser ou a própria vontade de ser. “Não existe em mim nada de pré-
dado que eu deva respeitar; tudo aquilo que se encontra em mim sendo disponível científico-
tecnológicamente é disponível também moralmente. Um exemplo típico é a sexualidade: o
corpo sexuado, nesta perspectiva, torna-se uma matéria que contém uma energia preciosa, a
volúpia, energia que pode ser extraída do corpo com todos os meios, aqueles da crueldade
como aqueles da ternura; não existe nada na estrutura do sexo que exija um particular
respeito; o e desfazimento subjetivo abole a estrutura, então, o lugar típico do conceito de
natureza, que era a ordem sexual, vem a ser completamente envolvida e exposta a todas as
manipulações eróticas inimagináveis, nenhuma das quais será jamais nem segundo, nem
contra a natureza”.

Enfim, os conceitos de “natureza” e “cultura” juntos parecem formar uma daquelas


estruturas, cujos elementos são relacionados entre si. Cada um tem as suas próprias raízes e
não é derivado do outro. Cada um atua sobre a própria linha a realização do seu particular
sentido e pode, até certo limite, ser considerado independente do outro. Mas só até certo
limite, pois nenhum dos dois pode ser compreendido e realizado sem a relação do outro. A
cultura não pode ser derivada, mas a autentica cultura começa com um ato que tira
essencialmente à natureza o destaque do imediato mundo ambiente da vida e da
continuidade, em que está o singular ser vivente com tudo o que existe ao seu redor. E a
natureza não pode ser constituída a partir da cultura. Mas a cultura não pode estar em si
somente, pois sempre está sob a natureza como ponto de partida e como possibilidade
vivente, em esperança. Deste modo, a natureza nunca é da dada ao homem como pura, mas
somente na direção da cultura. São, portanto, dois fenômenos parciais, postos em
contraposição de um todo: o mundo humano. A natureza não é só material para a cultura, mas
a sua meta vivente ao pólo oposto, a qual tem em si mesma o seu sentido. Natureza é o fator
primeiro que está antes da consciência, do nascimento, da história. Mas tende a entra na
consciência e na história, Mas a vida deseja crescer e o crescimento é um direcionar-se para a
cultura.

TEMA XI – O ENTE COMO OBJETO DA METAFÍSICA

1. Distinção entre metafísica e ciências

Já desde Platão (doxa e episteme) e Aristóteles (filosofia primeira e filosofia segunda) a


distinção foi feita em diferentes graus do conhecimento humano dando à filosofia primeira
(metafísica) a posição mais eminente no conhecimento da realidade.

a) Com efeito, o conhecimento metafísico ultrapassa a coisa empírica e o fenomênico


que chega além do que é determinado pela experiência. Sua especificidade é
alcançar o ser em sua globalidade total até as suas ultimas causas. O objeto formal
específico é o “ser”;

b) A característica da ciência (conhecimento científico) consiste em explicar as coisas


com as coisas, os seres com os seres. É certo que a ciência pode descer até a coisa
microscópica ou elevar-se até as coisas mais imensas, mas coisa minúscula e a
coisa imensa, o elétron e o universo são sempre uns seres. A ciência não encontra
em nenhuma parte o problema fundamental: o que é o ser?

c) “Compreender - diz Gilbert – é descobrir a causa”. A compreensão última é


determinada pela ciência que se aplica às ultimas causas, a qual é por princípio a
mais ampla e universal. As ciências que não tendem para o conhecimento destas
causas primeiras são particulares; cada uma delas separa por conta própria uma
parte de um ente particular para estudar os seus tratos específicos. Ao contrário, a
causa primeira é em princípio uma, tocando tudo o que é, ela engloba a matéria, a
forma, a eficiência e o fim. Porém, o objeto da ciência primeira, a causa primeira, é
o ente simplesmente ente. Há uma ciência que estudo o ente enquanto ente e as
propriedades que lhe são inerentes por natureza própria, diz Aristóteles, definindo
assim o que depois de Andrônico de Rodes se chamou “Metafísica”. Mas nós
conhecemos o ente por suas causas.

2. É verdade que o nosso conhecimento tem sua origem nos sentidos


Daqui surge o problema: Como é possível que no homem se dêem conhecimentos
universais e necessários (metafísicos) se o que se nos oferece aos sentidos é particular e
contingente?

Aristóteles afirma que o nosso intelecto, antes de conhecer, é como uma “tabula rasa”
na qual são impresso os caracteres procedentes dos dados das experiências sensíveis. Mas
adverte que há uma desproporção entre o conteúdo da experiência e o intelecto. Como algo
corpóreo pode produzir um conhecimento de natureza intelectiva? Para explicá-lo Aristóteles
admite a existência de uma luz intelectiva destinada a iluminar a imagem dos entes corpóreos
presentes na alma (phantasma), da mesma forma que nós temos necessidade de luz para ver
um objeto.

Esta iluminação procede do intelecto agente ou possível (nous poietikós) o que faz é
“abstrair” a natureza universal e inteligível presente em cada ente prescindindo da coisa
material e singular. Então, “abstrair” significa “generalizar” (universalizar), omitindo os
aspectos particulares. Mas o intelecto agente não conhece nada sem o concurso do intelecto
paciente (nous petheitikós). A alma não chega a nenhuma intelecção sem os fantasmas das
coisas. Deste modo, está claro que a “abstração” não é um conhecimento, mas a condição do
conhecimento.

3. A idéia de ente se origina de um “impulso natural”

Tanto por parte do objeto (inteligível) como do sujeito (inteligente). Para Aristóteles, o
“ente” é um conceito universal. Como se obtém? Aristóteles se situa inicialmente no universo
da experiência sensível. Como já vimos, essa é o ponto de partida do nosso conhecimento. E
nela estão alojados também os primeiros objetos do conhecimento intelectual. Entre a
experiência sensível que versa sobre o particular e o conhecimento intelectual, cujo objeto é o
universal, eles acontecem em diferentes graus. A elevação das impressões sensíveis ao grau de
universalidade requerido pela ciência se verifica graças ao processo que Aristóteles chama
indução (epagogué).

O livro III do De anima nos fala de um procedimento de iluminação atuado pelo


intelecto agente sobre as imagens da fantasia. Em um e noutro caso é a abstração o que nos
dá o conceito universal representativo da essência da coisa particular. Deste modo, de fato nós
formamos o conceito universal do ente. A abstração indutiva e iluminadora prescinde daquilo
que os diversifica e considera o que têm em comum para alcançar o universalismo do ente, o
qual é aplicável a todos e a cada um precisamente enquanto ente.
Tomás afirma que o que se apresenta em primeiro lugar à inteligência é o ente. O que
o intelecto concebe inicialmente como a coisa mais conhecida e como aquilo no qual se
resolvem todos os conceitos é o ente. O ser é apreendido “naturalmente”, isto é, por um
esforço de reflexão metafísica? Tomás distingue claramente o ser, objeto forma da inteligência
humana, que é apreendido por cada um de nós de maneira natural e espontânea, e o ser,
objeto formal da metafísica, apreendido por aqueles que fazem o esforço consciente e
voluntário de “abstração metafísica”.

4. O ponto prévio nos põe diante da porta do presente

Quando o pensamento busca elucidar a idéia do ser se encontra logo com uma
dificuldade particular: eu não posso abstrair a idéia do ser como abstraio, por exemplo, a de
vida, de inteligência, ou das diferentes espécies vegetais, minerais ou animais. Em todas estas
noções posso formar uma noção distinta porque posso separá-las das outras e especificá-las
perfeitamente (cf. “animal racional, cada conceito inclui um setor bem definido).

Quando se trata do ser não posso proceder dessa mesma forma. Em sentido estrito eu
não posso obter a idéia do ser partindo dos seres, por via de abstração formal, da mesma
maneira como procedo em uma realidade complexa, por exemplo: mesa de madeira branca.
Neste caso eu compreendo a noção de “mesa”, que exclui de sua compreensão as
determinações de “madeira” e de “branco”. Recordemos que a “idéia abstrata prescinde das
notas individuantes”. Então, a abstração de que temos falado aqui é de tipo especial. Chamá-
la-emos “abstração metafísica”. Poder-se-ia dizer que a sua característica própria é apreender
o ser nos seres como “o que não pode ser abstraído”, como o que o que é imanente a toda as
suas determinações, mas sem confundir-se com nenhuma delas.

5. A fórmula “ente enquanto ente” (ens ut ens).

5.1. A fórmula ente enquanto ente não é reduplicativa em sentido “tautológico”, visto
que se pretende nela sublinhar a consideração formal do ente (lembrar-se do objeto material e
formal, “quo” e “quod” da metafísica). Esta fórmula significa que:

a) O ente é o que ordinariamente se chamam coisas, realidades ou seres. Ente significa o


que é, algo dotado da propriedade de ser. A palavra “ente” vem do verbo “esse” (ser):
em latim “ens” (genitivo entis) é o particípio presente do verbo esse (ser); da mesma
forma que a um homem enquanto ouve é chamado ouvinte, e enquanto escuta, é
chamado estudante, assim enquanto é ou têm ser, ele é chamado ente.

b) Enquanto ente: as outras ciências, que tratam de entes particulares, certamente


consideram o ente, porque todos os objetos das ciências são entes, porém, não
estudam o “ente enquanto ente”, mas senão enquanto é este ente, por exemplo, o
número, a linha, o fogo e coisas semelhantes. O objeto material da metafísica é toda a
realidade, porque todas as coisas são entes, embora de modos diferentes. Mas o seu
objeto formal é o ente enquanto tal, considerado em seu caráter de ente. A metafísica
ainda que trate de todas as coisas, não é a soma das diferentes ciências ou sua síntese
(como afirma o positivismo), mas algo distinto, porque estuda um aspecto próprio e
específico que os outros conhecimentos pressupõem: o ser das coisas.

5.2. A idéia de ente na história da filosofia

Parmênides – “O ente é ‘o que é’”. E o que é presencialidade idêntica (puro presente0,


continuidade homogênea (indivisível), finitude absoluta (concluído, completo em todos os
sentidos), imobilidade rígida (não pode mover-se ao que não é).

Platão – Em sua filosofia investiga o (entes verdadeiros), o ente


entitativamente ente ou realmente real. A característica do é a identidade consigo
mesmo. O ente eterno, que não nasce nem perece, não gerado e incorruptível, situa-se no
eidos divino, imortal, inteligível, forma simples, indissolúvel e possui sempre do mesmo modo
sua identidade consigo mesmo. O ente se localiza nos domínios da verdadeira realidade. Então
o ente platônico está investido dos caracteres do eidos e realizado no cosmo inteligível.

Aristóteles – interroga-se pelo “ente enquanto ente” (É o objeto de sua


filosofia primeira. Ele concebe o ente a modo de conceito universal, elaborado pelo intelecto,
levando-o a um alto grau de abstração, desnudando nos entes existentes toda particularidade.

Existem muitos entes diferentes entre si. Mas cada um deles em sua particularidade e
concretude é uma realidade. Os entes particulares são reais. Em suma, poderíamos mostrar
que na concepção aristotélica do ente, o primeiro passo consiste na afirmação das substâncias
concretas individuais como expressões da entidade. O ente se inscreve – para Aristóteles – no
âmbito da substancialidade (da subsistência). Um segundo momento da analise nos faz deter
sobre o “ato” como expressão da substancialidade. Ser ente é, então, ser em ato ou ser um
ato. Na terceira fase leva a “atualidade” ao âmbito da “forma”, que é mais restrito. E o ente
fica definitivamente identificado com a “essência”. Para cada ente a forma (imanente) é, pois,
a última raiz de sua substancialidade.

A idéia tomista do ente

1) Seguindo Aristóteles, Santo Tomás sustenta que o ente, propriamente dito, tem
de ser localizado no âmbito da substância. Assim, afirma que a “forma” é o
principio do ser, causa do ser (causalidade formal). Sem a forma não há
substância; sem a substância nenhuma coisa pode existir. A forma causa o ser
porque é causa constitutiva da substância, única capaz de existir.

2) Supera-se a doutrina de Aristóteles. Para Santo Tomás, até a própria substância se


chama ente pelo “esse”. Todas as coisas se chamam entes porque são o próprio
ser, porque têm o próprio ser, porque expressam de algum modo o ser. E como o
nome “coisa” expressa a essência do ente, resulta que o vocábulo “ente” significa
a coisa que tem “esse”.

6. A metafísica e a idéia de ente

A metafísica é desenvolvida como um caminho que vai da noção concreta e


espontânea à noção abstrata e refletiva do ser. A tarefa será, pois, explicitar a idéia de ente
seja em razão do ser ou em razão da essência geral.

a) Em razão do ser: as propriedades transcendentais (unidade, bondade, verdade,


beleza).

b) Em razão da essência: categorias, analogia, ato-potência e os diferentes níveis de


causalidade.

7. A transcendentalidade da idéia de ente

4.1. Na filosofia tradicional, “transcendente” significa uma noção que se aplica a todas
as coisas, não só uma determinada classe, gênero ou espécie, senão que “transcende” a todas
e as penetra totalmente. Neste sentido, o ser é transcendente e é necessariamente tal porque
fora do ser só está o não-ser, o “nada”.
Na filosofia moderna, transcendente se diz do que está alem de nossa experiência.
Neste sentido, Deus e o espírito são transcendentes porque nós não os experimentamos, mas
os conhecemos só indiretamente mediante um argumento. Não é desta transcendência de que
falamos agora.

A afirmação da transcendência do ser, no sentido tradicional, é igualmente evidente


que importante, porque deu lugar a um dos principais problemas da filosofia que foi
apresentada na mente dos pensadores mais antigos exatamente no momento em que
terminaram entendendo a transcendência do ser, e reaparece na história da filosofia,
recolocado sob várias formas , como um dos problemas centrais. Realmente o conceito de
ente é transcendente (ou transcendental). A noção de ente tem um caráter transcendental.
Esta denominação característica do conceito de ente significa que o ente não é um conceito
genérico ou específico, como todos os outros conceitos que temos. Assim, por exemplo, o
conceito de vivente é um conceito genérico porque pode ser diferenciado entre racional e
irracional; o conceito de homem é um conceito específico porque pode ser diferenciado por
todas as suas individuações.

Então, enquanto as noções genéricas ou específicas (não se podem atribuir a todas as


coisas, mas só a algumas delas, por outro lado, a noção de ente se pode atribuir a tudo; as
noções genéricas ou específicas não contêm mais que o que é comum a todos os sujeitos ao
quais se estende esse gênero ou essa espécie; a noção de ente não só contêm o que é comum
a todos os entes, mas também o que é característico de cada um), não contêm em ato as
diferenças específicas, e então, em certo sentido, não vão além do próprio gênero, a noção de
ente vai além de todas as noções genéricas, específicas e individualizantes, as transcende
todas, é transcendente. Contêm-nas em ato, não em potencia. Em suma, a noção de ente não
é nenhum gênero, nem mesmo o último gênero ou absolutamente superior, o gênero de todos
os gêneros, mas é uma noção transcendental.

8. A transcendentalidade se fundamenta na “analogia”

A universalidade se fundamenta na “univocidade”. A analogia é, em geral, o modo de


predicabilidade segundo a qual certo predicado se atribui a distintos sujeitos, parte no mesmo
sentido e parte em sentido diverso. Equivale à semelhança, concretamente a semelhança dos
sentidos com que uma mesma palavra se aplica a vários sujeitos; porque a semelhança não é a
completa igualdade (neste caso, o sentido seria sempre o mesmo, único); nem é tampouco a
completa diversidade (neste caso os sentidos seriam totalmente diferentes); mas é o que
coincide em parte e em parte difere.

Um conceito é “universal” quando se pode aplicar da mesma maneira (de unívoco


modo) a todos os seres da mesma espécie. Assim, por exemplo, o “homem” é um conceito
universal que pode ser aplicado a João, Pedro, Luís...

Por outro lado, “ser” não se aplica univocamente, mas analogicamente, seja analogia
de atribuição ou de proporcionalidade própria.

9. A transcendentalidade exclui o dualismo metafísico (ser/não-ser)

Partindo da realidade se afirma que as coisas “são”, e não-ser absoluto seria o nada, o
nada é ininteligível. O importante também é a convertibilidade do ser com as suas
propriedades transcendentais (unidade, verdade, bondade, beleza) a qual permite enunciar os
primeiros princípios da metafísica. A transcendentalidade da idéia do ente nos leva também a
considerar a noção da analogia, não sendo o ser um termo unívoco nem equivoco. A analogia
ocupa um lugar de intermédio entre a “univocidade” (aplicação da mesma palavra a sujeitos
distintos, porém com o mesmo significado) e a “equivocidade” (aplicação da mesma palavra a
sujeitos distintos com significados totalmente diferentes). Por isso se chamam significados
semelhantes (ou análogos) aqueles que coincidem em algo, não em tudo, e também diferem
em algo, não em tudo.

Observações sobre o conceito de “ente” e de “ser”

1. A Idéia de ente

O infinitivo grego equivale ao infinitivo latino esse e é traduzido em português


ser. O particípio presente do mesmo verbo, equivale a ens e é traduzido em português
ente. Em italiano, se usa, respectivamente, ente e essere; em alemão, Seiendes e Sein.

Para alguns filósofos, o problema da possível distinção entre o ser e o ente não é tão
fácil quando se desprende destas considerações terminológicas. Do ponto de vista lingüístico,
é necessário saber que os significados de ser e ente dependem em parte do modo como são
aplicados Ester termos. Não é a mesma coisa dizer “um ente” e dizer “o ente”; não é a mesma
coisa usar “ser” como cópula de um juízo que dizer “o ser”. Devido a estas e outras
dificuldades foi discutido às vezes que a distinção entre ser e ente, pelo menos dentro da
ontologia clássica, é ponto nada menos que artificial ou todo caso insignificante. Os gregos
usaram deste modo, a expressão que foi traduzida para o latim quid est ens e que em
português é “que é o ente”, ou “que é o ser”. Alguns autores insistem em que perguntar pelo
ente e perguntar pelo ser não sema a mesma coisa; o ente é que é, enquanto o ser é o ato de
que todo ente determinado é.

Se o conceito de ente e de ser são a mesma coisa, o que se diz do último vale para o
primeiro. Mas se eles não são exatamente a mesma coisa, é necessário ver que foram
apresentadas distinções ao logo da história.

A palavra latina ens era usada por Quintiliano em Instituciones Oratoriae (VIII, iii, 33).
Muitas palavras novas foram formadas com a ajuda do grego, principalmente por Sérgio
Flávio; algumas delas como ens e essentia, consideradas como “duras”. Quintiliano também
usou o “entia” (plural) como tradução de (Ibd., II, XIV, 2). Nem todas as traduções do
grego são próprias, como não é o intento de pôr vocábulos latinos em forma grega. E esta
translação não é menos dura que a de essentia e entia. O pragmático Prisciano de Cesaréia
afirmou que César utilizou a forma ens. Enquanto os escolásticos latinos e reitores consideram
tal uso um tanto duro (“bárbaro”), ens e entia circularam durante o tempo escolástico como
termos técnicos indispensáveis.

Especialmente no século XVIII se discutiu o que é o ens como o que é, ou, ser que é,
como Para a pergunta quid est ens, correspondente ao respondeu-se que ens est
quod primus intellectus concipit e que illud quod primo cadit sub apprehensione est ens. Nada
se pode dizer do que é ao menos que ao dizer já se encontre situado dentro da primeira e
prévia apreensão do ente. Tomás estudou o ser como ser em sua essência, como o que é
(enquanto é). O ente é o mais comum enquanto sujeito de apreensão. Ao mesmo tempo, é
algo que transcende tudo o que é. Não pode ser definido por nenhum modo especial de ser –
por nenhum ser tal ou qual – e é por isso, um transcendental e como os transcendentais,
convertível em o uno, a coisa, o algo, o verdadeiro e o belo. Foi dito que, além de ser um
transcendental, o ente é um super-transcendental; como transcendental é o que é enquanto
relativo ao real e como um super-transcendental é o que é enquanto relativo não só ao ente
real, mas também ao ente de razão. Até o presente, se considera o conceito de ente enquanto
“o que é”.

Os escolásticos trataram com detalhe a questão do ente. Uma série de problemas foi
pleiteada. Se a noção de ente é comum, o ente é tudo o que é como tal. Por outro lado, se o
ente é real em sua realidade, o ente pode ser aquilo que sustenta ontologicamente todos os
entes. Finalmente, se o ente é tudo o que é ou pode ser, haverá de se especificar os modos
diferentes que se diz de algo que é ente. Por exemplo, o ente pode ser dividido em ente real e
de razão, em ente potencial e ente atual, e este último em essência e existência. Também se
pode estudar de que modo é possível falar do ente: análogo, unívoco, equivocamente. Pode-se
também estudar o ente como objeto material, como objeto formal quod e côo objeto formal
quo. No primeiro caso se trata do ente enquanto ente; no segundo, da ratio do ente; no
terceiro, de um grau altíssimo e extremamente abstrato da materialidade. A doutrina
escolástica do ente culmina possivelmente em Suarez. Ele concebe o ente não só como o que
é, “mas como a condição ou condições que torna possível e inteligível todo ser”.

Com as posições de Suarez, foi afirmado que a doutrina do ente terminou em um puro
formalismo. Mas seria necessário ver até que ponto é certo. Por outro lado, o formalismo
aparece claramente em Wolf, enquanto o ente é definido como tudo aquilo ao qual não
repugna a existência. Nos escolásticos e em Wolf nós encontramos uma mistura complexa de
razões metafísicas com as ontológicas.

Heidegger declarou que a questão do ser e a do ente não são iguais: a primeira é
ontológica, a segunda ôntica. Porque ele supõe que a clássica questão pelo ens ocultou a
pergunta mais originária, a do esse. Segundo Nicolai Hartman, o ser e o ente se distinguem do
mesmo modo como a verdade se distingue do verdadeiro, a realidade do real. O ens, em
sentido tradicional é o objeto da Metafísica, enquanto ser é que o é objeto da
Ontologia. Certo é que é “praticamente impossível se referi ao ser sem investigar o ente”.

A história do conceito de ente é muito complexa. Em síntese, podemos considerar os


seguintes usos:

a) Ao se referir à ontologia clássica e especialmente ao desenvolvido pelos


escolásticos e pelos wolffianos, pode se identificar os conceitos de ente e de ser.

b) Em termos gerais, pode-se dizer que o ser é o modo de se apresentar uma


realidade como tal realidade. Se o ente é definido como “o que é”, seu ser será
então o modo (ou os modos) de se apresentar o que é enquanto é.

c) O conceito de ser terá então um alcance mais geral que o conceito de ente, mas
sua generalidade não significará que há algo que seja o “ser”; para que haja o ser
de algo é necessário que haja algo – real, ideal, atual, possível, etc. – que significa
dizer que é em neste ou naquele modo fundamental (ontológico).
2. A idéia de “ser”

2.1. Nome e conceito

O conceito de ser, que ocupou o lugar central no pensamento de muitos filósofos, tem
aspectos muito diferentes, entre outras razoes pelos modos como se te expressado
linguisticamente. Alguns falam de “ser”, outros de “o ser” (“o Ser”), outros de “é”. Grande
parte das análises e especulações em torno do (conceito) ser, desde a Grécia gira em torno de
usos de “ser” e “é”. Em grego, é o infinitivo do verbo esse, é traduzido em português
“ser”. Os gregos usaram também a substantivação verbal (literalmente “o ser”, “o que
é”) freqüentemente traduzida em português por “ser” ou o “ser”.

Desde cedo se pensou na questão da compreensão de “ser” no sentido da cópula ou


no chamado “sentido existencial”.

a) Se “ser” é compreendido como cópula então requer a menção de alguma


propriedade, qualidade, relação, etc. Na sentença “x é branco”, o é expressa o fato
de que x é branco (como alguns diriam a brancura de x). Não se pode então
simplesmente dizer “é”, porque como se tem advertido, é necessário perguntar
“que é?” – pois se se diz “x é”, deve-se perguntar “que é?” E responder, “é
branco”.

b) Se “é” é compreendido em sentido existencial, então se entende por “é” algo


“existente”. Mas para dizer que x existe não é preciso dizer que é, pode-se dizer
por enquanto que existe, ou dizer que há x, isto é quantificar x existencialmente
(particularmente). Se se parte do sentido existencial de “é”, então parece que é
necessário passar a um sentido existencial de “ser”. É exatamente o que acontece
quando se fala de “o ser” (ou até de “o Ser”), significando assim o que existe, ou
está sendo, ou o “ente”.

Charles H. Kahn expressou a opinião de que linguisticamente falando, é inadmissível a


dicotomia tradicional entre o uso predicativo (o “é” da copila) e existencial de “ser”, do verbo
“ser”, porque ele equivale a uma confusão entre uma distinção sintática legitima (que não
aparece nos gregos) com todo o rigor que hoje se quer demonstrar.

Com a “filosofia primeira” de Aristóteles começou a discussão em torno do problema


do ser. O “ser como ser” aristotélico pode ser interpretado em dois modos. No primeiro, o ser
é o ser mais comum de todos, que é válido para todos os entes e possuindo a extensão
máxima. No segundo, o ser é o ser superior a todos e o princípio de todos.

2.2. Os contrastes do Ser

A noção de ser pode ser estudada mediante o contraste com outras noções. Nós
sublinhamos “contraste”, porque nós buscamos enfrentar a noção de ser com outras e não
simplesmente distingui-la de outras.

O contraste entre o ser e o nada às vezes foi interpretado sobre o contraste entre o ser
e o não-ser. Em tal caso, um é simplesmente a negação do outro. Outras vezes, o nada foi
compreendido como fundamento do ser, razão pela qual a oposição de negação não resulta
tão patente. A primeira destas teorias tem um sentido lógico e é equivalente aos contrastes
entre a afirmação e a negação; a segunda teoria é metafísica e ser está entre outros conceitos,
como o da liberdade e do fundamento.

O contraste entre o ser a aparência exclui em princípio qualquer identificação, cada um


destes elementos o é pela referencia ao outro. Todavia, é possível conceber que não existe ser
escondido atrás da aparência e que esta é todo o ser, concepção que paradoxalmente coincide
com a que afirma que o ser está sempre imediatamente presente por si mesmo e, então, que é
às vezes aparente, isto é, evidente.

O contraste entre o ser e o pensar é de natureza diferente das anteriores.


Freqüentemente é a correlação de dois elementos que são diferentes em tudo, mas podem ser
isomórficos. Especialmente nas metafísicas racionalistas o isomorfismo é como que
indispensável para o conhecimento. Alguns filósofos, como Parmênides, manifestam que é o
mesmo o ser e o pensar, mas este último é compreendido como a reta visão do que é.

O contraste entre o ser e o movimento tem lugar quando este último é concebido
como envoltura, e até uma aparência do ser. O contraste, as vezes, desaparece pela
declaração que o movimento é o ser, em tal caso, se origina uma concepção análoga ao
contraste entre o ser e a aparência.

O contraste entre o ser e o valor pode ser real – quando se concebem os valores como
entes que fundamentalmente não são -, ou pode ser somente conceitual – quando ser e valor
são estimados como pontos de vistas diferentes sobre uma mesma realidade. O primeiro é
próprio de muitas filosofias modernas do valor, o segundo, de muitas filosofias tradicionais
baseadas na noção dos transcendentais.
O contraste entre o ser e o dever equivale ao contraste entre a realidade efetiva e a
realidade que deveria existir segundo certas normas dadas de antemão. Como estas normas
são freqüentemente de caráter moral, trata-se que implica uma separação entre o reino físico
e o reino moral.

O contraste entre o ser e os sentidos apresenta várias dificuldades, que são:

1) Tem o se sentido ou carece dele?

2) Aparece o sentido na dimensão do ser?

3) Pode-se reduzir, em ultimo termo, o ser ao sentido?

Por outro lado, subsiste quando se sustenta que o sentido surge em alguma dimensão
do ser. Ainda assim se pode conceber ente emergente como a conseqüência de uma prévia
potencialidade. Propriamente falando, só neste ultimo caso se pode falar com todo rigor de
um contraste entre o ser e o sentido.

3. Filosofia e Metafísica

A metafísica é a filosofia entendida em seu sentido mais estrito, posto que estuda a
realidade buscando suas causas últimas de um modo absoluto: deseja perguntar-se pelo mais
íntimo de toda a realidade, pelo seu ser, estudando quais são as causas que explicam em
último termo o ser e os diferentes modos de ser dos entes.

O nome “metafísica” (significa em grego “além da física”) é aplicado ao que


Aristóteles chama de “filosofia primeira”. Adrônico de Rodes, ao classificar as obras de
Aristóteles (ano 70 a.C.), chamou “metafísica” aos livros que se colocou depois dos livros da
“física”. Mas esse nome responde adequadamente à natureza desta disciplina, pois busca-se a
explicação última do ser dos entes e para tanto há que se remeter para além do material
sensível até as realidades espirituais.

A metafísica estuda toda a realidade, porque todo o real tem ser: não é limitado a
algum tipo de ente, como as outras partes da filosofia e as ciências particulares. Então, o
objeto material da metafísica é toda a realidade. Como estuda a realidade do ponto de vista de
ser, o objeto formal da metafísica é o ser da realidade, o ser dos entes.

É denominado “ente” tudo “o que é”, algo que tem ser e tem um modo de ser
determinado. Deus não é propriamente um “ente”, pois é seu próprio Ser e não está limitado a
nenhum modo de ser particular ou finito, a metafísica estuda Deus como a Causa Primeira do
ser dos entes.

Os temas próprios da metafísica abarcam as realidades que não dependem em seu ser
da matéria, porque se tratam de realidades espirituais (Deus, a alma humana), ou porque se
trata de aspectos da realidade que podem ser dados nos seres materiais e nos espirituais
(substância e acidentes, ato e potência, causalidade, etc.). Quando se fala da metafísica como
um das disciplinas filosóficas diferentes de outras, indica-se o estudo destes temas.

3.1. Metafísica como ciência do ente enquanto ente

As ciências particulares estudam setores diferentes da realidade (geologia,


astronomia, botânica, etc.) ou determinados aspectos comuns a vários setores (matemáticas,
físicas, etc.). A metafísica, porém, se pergunta pelo constitutivo ultimo e mais radical de toda a
realidade. O mais fundamental das coisas consiste precisamente no que são, visto que sem a
perfeição do ser não seriam nada. Agora então, o que significa ser? Por que as coisas são?
Quais são os modos principais de ser? Eis aqui algumas que têm discutido de uma forma ou de
outra, os filósofos ao longo dos séculos e que constituem o objeto da metafísica.

Normalmente se atribui a Parmênides o primeiro que esboçou os problemas


diretamente da metafísica, ainda que se resolvê-los sabiamente, fez advertência que toda
mudança supõe um passo do não-ser ao ser e que isto implica um problema: como pode surgir
o ser a partir do não-ser?

Platão realizou importantes especulações metafísicas, mas foi o aluno dele, Aristóteles
quem transmitiu à posteridade um estudo sistemático e em boa parte válido sobre a natureza
da metafísica, a substância, os acidentes, a essência, o ato e a potência, as causas, etc.

Os 14 livros da filosofia primeira de Aristóteles seguem uma referencia obrigatória da


metafísica. Tomás de Aquino recolheu suas idéias em uma síntese superior, à luz da doutrina
do ato de ser: a essência (ou modo básico de ser) limita em cada ente ao seu ato de ser,
recebido do Ser que subsiste por si mesmo (Deus). O ato de ser constitutivo de cada ente se
torna assim no centro da metafísica o primeiro princípio que permite entender os entes em
sua constituição, em sua perfeição, em sua atividade e em sua finitude e em sua dependência
de Deus como Causa Primeira de seu ser.

Não basta ao homem alcançar uma descrição cada vez mais completa e detalhada da
realidade por meio das ciências particulares, posto que estas deixam sem resposta algumas
perguntas inevitáveis: por que o universo existe? Qual é o seu sentido e finalidade? Existe uma
Causa Primeira? Todos estes problemas giram em torno ao núcleo central que é o ser das
coisas. Daí resulta que a metafísica pode ser definida como a ciência que se ocupa não de uma
classe ou outra dos seres, mas do ser enquanto tal (dos entes).

Se se chama a ente tudo o que é, a metafísica é a ciência do ente enquanto ente,


enquanto as ciências particulares só estão a carga de pólvora de tipo de fardos de entes, e
enquanto também não sob o ponto de vista de seu ser, mas enquanto possuem alguns
determinados modos de ser.

4. Metafísica do ser

41. As teorias de Maritain, Gilson e Fabro

Maritain – O ser pode ser apreendido intuitivamente. Contudo, este é um privilégio de


alguns estudiosos de Metafísica, que como inesperadamente passam a um nível superior,
aquele do terceiro grau da abstração. Alcançando esta intuição o ser se descobre e se
manifesta como ser sem limites. É então que descobrimos a analogia e os atributos
transcendentais do ser.

Gilson – Gilson recusa a teoria da intuição proposta por Maritain. “O mais vasto dos
conceitos é aquele de ente (ens), como aquele que possui o ser; mas do ser de uma coisa não
se pode abstrair que a noção de ser em geral (esse commune), o conteúdo do qual existe só no
pensamento a título de ens rationis e não como ato de ser do qual estamos realmente
falando... Impossível ter um conhecimento intuitivo do ser de uma coisa, porque este ser
(esse) nos é acessível só na percepção sensível da substância que se realiza através desse. Nós
vemos o ser real só no modo em que esse se expressa no ente que é percebido pelos sentidos
e é conhecido pelo intelecto”.

Fabro – Segundo Fabro, o juízo alcança só a condição da existência, a possibilidade


realizada. O ser como actus essendi não é percebido diretamente pelo intelecto através de
uma intuição (um juízo concernente à existência), mas é obtido em um processo do
pensamento que, com a ajuda da metafísica da participação, penetra mais profundamente
naquilo que é. Seja no juízo seja a cópula remetem à qualidade de um ente, mas segundo
Fabro, esses não alcançam a plena riqueza de conteúdo do ato de ser. Assim, Fabro, aceita que
nós temos um verdadeiro conceito do ser que significa seja a existência seja o fundamento de
toda perfeição, mas pela formação deste conceito, ele não atribui ao juízo que um papel muito
limitado.

Tomás de Aquino – O sujeito da metafísica não é o ens ut nomem, mas o ser em sua
realidade. A perfeição de nosso conhecimento é um retorno, a partir deste conceito geral
(esse) à realidade física, o individuo das coisas. Este “retorno” acontece de dois modos: pela
conexão entre conhecimento sensível e conhecimento intelectual:

a) Pela aplicação de um conceito (ratio intellecta) à realidade concreta de alguma


coisa. Esta aplicação tem lugar na segunda operação do intelecto (juízo).

b) O “retorno” (juízo) sublinhado é que pressupõe o vínculo e o contato expressos.


Sem este último não seria possível alguma afirmação referente à realidade.

COROLÁRIOS ALUSIVOS AO PRESENTE TEMA

1. O que é o Ser?

Nós respondemos (por via negativa) com Joseph de Finance: “O ser não é um dado que
se pode examinar pelos sentidos ou pela experiência interna. O ser não é físico nem
psicológico. Não é nem a coisa, nem um estado de ânimo. A experiência, qualquer que seja ela,
não o apreende, senão as suas determinações”.

“O ser não é um gênero e por isso a sua idéia não pode ser tratada como “Idéia geral” -
unívoca, universal e ordinária”.

“O ser não é nem uma coisa exterior nem uma “Idéia” posta de frente ao espírito. O ser
é o que, nos objetos e no sujeito que os pensa, faz com eles sejam”.

“O espírito encontra em si mesmo o ‘Ser’ por duas razoes: a) enquanto ele mesmo é o
seu ser; b) enquanto que, sendo espírito, é relação vivente ao ser e abertura ao ser”.

Então, o “objeto formal”, quod da metafísica é o ente enquanto ente. Ente é “o que é”.
Esta não é uma definição. O primeiro que advertimos é que as coisas são; ente é a primeira
noção e as primeiras noções não se definem nem se demonstram. Com o máximo de
simplicidade se mostram as noções.

2. Qual é o conceito de Ser?


Paul Dezza diz: “O conceito de ser ou ente ou coisa é o primeiro que surge na mente do
homem, por isso, todo homem possui. Então, é vão procurar uma definição por meio do gênero
e da diferença específica (como definimos o homem: animal racional), porque a noção é a
suprema e a mais universal de todas e não há nenhum gênero nem diferença. Tampouco é
possível uma verdadeira “declaração” porque esta deveria fazer-se por meio de conceitos mais
claros e conhecidos, porém, o que há mais claro e conhecido do que o conceito de ser?”

O conceito de ser é o primeiro e mais simples por meio do qual explicamos os outros
mais complexos. Uma criança quando pede explicações, pergunta “que é isso” ou aquele
objeto, porém nunca pergunta o que a pessoa é.

Procurando analisar este conceito de ser ou ente ou coisa (esse, ens, res) vemos que
esse conceito se refere essencialmente à ordem da existência e significa “o que existe”. Por
isso, é um conceito universal que convém a todas as coisas. Deus e o mundo, os minerais e as
plantas, os animais e o homem, os corpos e os espíritos, as substâncias e os acidentes, etc.
tudo são seres. Por este caráter de universalidade, o “ser” na filosofia tradicional é chamado
transcendente.

3. Que relação há entre “ente”, “ser” e “existir”?

Rafael Gomes Pérez responde:

Ente é aquilo que é, id quod est. Se vivente é o princípio presente de viver, ente é o
particípio presente do verbo ser (esse). O termo central em metafísica não é “ente”, mas “ser”.
Se se usa “ser” para dizer algo de algo, o que uso para dizer que é? Por isso, a metafísica como
o intelecto tem como ponto de partida o ente. Ente é o que é ( Ens est id quod est – In IV
Metaf. 1, n. 535). Neste juízo se advertem duas coisas: a) um algo; b) ao qual lhe ocorre algo:
nada menos que ser. O ente é aquele que participa (não se esqueça de que é um particípio
presente) do ser. Ser é verbo, ato: não o usamos como nome (os seres do universo). Em outros
termos se diz que o ente é composto de essência e ato de ser. Essência é aquilo pelo qual uma
coisa é o que é (id quo res est quod est). Um bom conselho... Não confundir nunca ser e existir.
Não são sinônimos. Em metafísica, existir indica o ato de ser. Existir é um ato, um resultado.
Resultado do ato de ser (actus essendi).

Este sentido de existir como “resultado” está indicado na etimologia latina: existere.
Vem de ex- sistere que poderia ser traduzido como “sistere” (estar), “ex” (extra causa): “fora
da causa” que faz “ato”. Existir é o resultado da ação de uma causa. Desta forma, de Deus não
se pode dizer que “existe”, mas que “é”.

A noção de ser é a do ato sem mais ou sem restrição nenhuma. Realmente, não se
trata de atualidade da essência, que faz que uma coisa seja o que é e se distinga das outras
coisas. O ser não faz que uma coisa seja assim ou de outro modo, que seja tal ou qual coisa.
Faz simplesmente que a coisa em questão seja, exista, seja dada na realidade. Não é, pois,
determinação ou forma alguma; não é um ato determinante, mas puramente “atualizante”.

TEMA XII – AS PROPRIEDADES TRANSCENDENTAIS

No princípio “todo ente é verdadeiro”, o pensamento ocidental sempre viu não só uma
declaração da realidade total, mas também uma declaração sobre a essência do homem. O
princípio que trata da verdade ontológica ou transcendental tem um aspecto teológico: afirma
que todo ente desprende sua verdade enquanto participa da Inteligência Divina, que é causa
exemplar de todo criado. Mas os entes criados têm uma relação com o intelecto finito (o
homem). Este intelecto particular se situa entre o divino e todas as criaturas. Então, a verdade
ontológica deste último não só pode ser considerada a partir de um ponto de vista divino, mas
também do ponto de vista antropológico.

Relativo ao valor antropológico da verdade ontológica, nós podemos mostrar os


seguintes aspectos:

1. A inteligibilidade das coisas por parte do intelecto humano tem sua fundação no
intelecto divino do qual são participação e se constituem como a cópia do
arquétipo. A verdade das coisas consiste no ato de ser conhecidas por Deus; este
conhecimento em ato origina a inteligibilidade das coisas por parte de nosso
intelecto. Por isso, o conhecimento humano não produz, porém, recebe a verdade
das coisas.

2. A verdade das coisas não é extrínseca a elas, mas interna; constitui sua forma, sua
essência. Todas as coisas são inteligíveis para o intelecto.
3. A inteligibilidade das coisas não significa conhecimento de fato pela inteligência
humana. O intelecto humano é condicionado por numerosas circunstancias que
não lhe permitem abarcar o conhecimento de todas as coisas.

4. Como as coisas, antes de serem conhecidas têm a capacidade de serem conhecidas


em razão da própria verdade, assim a essência do intelecto consiste em poder
captar a verdade das coisas. Toda sua natureza está em função da apreensão do
ser.

5. Destes pressupostos de caráter metafísico surge a primeira conseqüência de


caráter antropológico: como a transcendentalidade da verdade significa relação de
todos (cada um) os seres com a interioridade do espírito humano, o espírito
humano, enquanto espiritual por seu objeto formal, é relação com toda a
realidade (por isso, se pode dizer com Santo Tomás e Aristóteles “a alma é, de
certo modo todas as coisas”).

6. Esta possessão do mundo realizada pelo espírito se efetiva interiormente por uma
operação imanente do eu. O mundo como exterioridade supõe a interioridade do
eu, que tem como campo de trabalho o mundo. A essência do espírito consiste em
dois elementos: a capacidade do todo e abertura ao outro e a interioridade. Estas
duas características constituem a “pessoa”.

7. Isto põe em evidência a diferença radical entre o homem e a natureza física:


enquanto toda entidade física se encontra fechada em seu próprio ambiente, o
homem – enquanto possui o espírito – pode apreender a totalidade do real, as
essências como universal. Transcendendo a natureza possui o mundo e não é
possuído por ele.

8. Mas o homem não é puro espírito, possui um corpo. Se com o espírito domina o
mundo, com o seu corpo se realiza em um ambiente que lhe põe as suas condições
e exigências a fim que seja verdadeiramente humano.

9. Destes antecedentes metafísicos e antropológicos se derivam conseqüências


importantes tal como para se conhecer o fim do homem e a respeito dos meios
que deve usar em atenção ao fim que busca alcançar. Trata-se de um discurso
sobre a vida ética do homem. O fim último do homem deve ser colocado no Ser
eterno que, sendo a totalidade das perfeições, pode ser objeto apropriado do
espírito enquanto capacidade da totalidade, Deus.
10. A relação do homem com a verdade implica uma resposta ao problema dos meios
capazes para alcançar o fim ético. Considerando que a perfeição humana é
adaptação da essência humana à realidade, a virtude principal que guia as outras é
a prudência como a capacidade de aperfeiçoar o homem adequando-o à situação
concreta em que se encontra.

Tomismo, Verdade e Modernidade

Na filosofia de Pieper o problema do homem ocupa um lugar central. As linhas


principais que nos oferece as suas reflexões são:

a) O homem deve fazer um esforço para viver como homem;

b) O homem deve (adaptar-se) ser confrontado e ser medido com o real. O homem
não é a medida do ser, mas o ser é a medida do homem.

c) O homem tem como fim supremo a Deus. O homem será perfeitamente homem
na medida em que participa de Deus, conhecido mediante o amor. Isto não
significa evadir-se da história, mas para o cristão consiste em ser inserido em uma
tradição viva.

A relação que se descobre entre tomismo e modernidade, no pensamento de Pieper é


a seguinte: para Pieper a atualidade de uma doutrina não consiste só no que uma época quer,
mas precisamente naquilo de que tal tempo tem necessidade como resposta aos seus
problemas, não importa a qual momento histórico pertence. Assim, tem-se valorizado a
doutrina tomista por sua capacidade de responder validamente aos problemas antropológicos
contemporâneos:

a) O tomismo é entendido como uma atitude de abertura a todo o real,


compreendida a tradição, mas sem vincular-ser completamente a uma parte dela
(Tomás não só é aristotélico, mas assume a elementos platônicos, neoplatônicos e
agostinianos). Permanecer em só algumas teses tomista seria o mais antitomista
que se poderia ser.

b) O tomismo não deveria ser entendido como um sistema filosófico fechado, mesmo
que Tomás considera que é impossível chegar a uma conclusão definitiva da
realidade que é misteriosa enquanto origem (Deus). A criaturalidade e as coisas
fundamentam a sua inteligibilidade, mas também sua incompreensibilidade. O
tomismo entendido assim contra toda tendência racionalista se coloca na linha das
filosofias contemporâneas que negam a possibilidade de uma filosofia sistemática.

c) O tomismo também une os valores transcendentais e os princípios metafísicos


conexos à tese da realidade do limite e da receptividade do conhecimento. O
reconhecimento da transcendência do espírito (capaz de conhecer todas as coisas
e os princípios metafísicos) situa-se acima do relativismo e do historicismo; mas a
aceitação dos limites do conhecimento – unido às condições espaço-temporal –
exclui a posição de uma filosofia como a hegeliana ou a marxista que pretendem a
solução de todos os problemas na história.

d) Raízes ou fundamentos do agnosticismo: a certeza de que o mundo não é uma


realidade por si mesma boa, porque foi criada por Deus, mas, ao contrário, se
encontra imersa no mal, um mal radical da qual deve ser livre; a convicção de que
o agnóstico, o eleito que possui a luz e a força da verdade, tem a capacidade para
salvar o mundo; a fé que usando os meios exclusivamente naturais (cultura,
revolução, técnica) e eliminando como fábulas o mistério e o sobrenatural (o
conteúdo da fé cristã revelada) o homem pode e deve lutar e triunfar contra os
males da história.

1. Os transcendentais na perspectiva tomista

RES – O significado abraça a ordem das coisas: patrimônio, ação judicial, história,
coletividade, estado, objeto, coisa. Nada existe verdadeiramente que não seja res. Em Tomás
res significa precisamente o que tem o ser. Enquanto ente designa o particípio do ato de ser,
res designa precisamente o sujeito do dito ato.

UNUM – Cada coisa é una ou única. Tomás entende a indivisibilidade do ente. O ser de
cada coisa se apóia sobre a sua indivisibilidade.

ALIQUID – O sentido da proposição “todo ente é algo” não é precisamente claro. Seria
“todo ente é algo diferente de outro”. Tudo aquilo que existe tem um limite que considera
aquilo que é diferente de si, relativo ao que é outro, e do qual está separado. Deste
transcendental se ilumina uma vertente importante da realidade: todo ente é forma, figura;
toda a forma tem existência em virtude de seu próprio limite. Embora os transcendentais ens,
res, unum se refiram ao ente em si mesmo, a noção de aliquid introduz uma relação do ente
que considera outro ente, a qual se une com as noções de bonum e de verum. Este é o sentido
da verdade e da bondade de todas as coisas existentes: todo ente é relacionado ao espírito
que conhece e ama, ao intelecto e à vontade.

As propriedades que contêm o ser são consideradas antecedentes e transcendentes a


toda a divisão do mesmo em categorias, pois se encontram em todos os modos especiais que
pode revestir o próprio ser. Por isso recebem o nome de propriedades transcendentais.

A gênese das noções transcendentais pode ser esquematizada do seguinte modo:


“todo o ser é considerado um bem”, se tal consideração se realiza de um modo absoluto ou
relativo surgem diversas especificações:

a) Se é considerado em si mesmo, de um modo afirmativo, designa-se uma coisa ou


uma essência, res;

b) Se é considerado em si mesmo, mas de um modo negativo, surge a característica


de “não dividido em si mesmo”, então, o ser é considerado como uno;

c) Sendo considerado em sua relação com outro, se nos apresenta como diferente de
uma coisa, algo, aliquid;

d) Sempre com relação a outro, mas como conveniente ao conhecimento, surge a


noção de verum, mas se tal conveniência é verificada com o apetite ou com uma
tendência, temos a noção de bonum.

Então, nós podemos individuar cinco noções transcendentais, que são: res (coisa),
unum (uno), aliquid (algo), verum (verdadeiro) e bonum (bom).

A noção de res, que mostra a essência que é, corretamente, assimilada ao ente tem
uma conotação mais marcada ao aspecto existencial, visto que ambos designam uma essência.
A noção de belo não é considerado um transcendental, embora possua certa
transcendentalidade. Ela se deduz não imediatamente do ser, mas das noções de verdade e de
bem, enquanto designa certa indulgencia nas habilidades cognitivas. A noção de algo deve
manter-se como irredutível às outras, em virtude de que por ela, uma distinção é designada
em relação a outros. Esta noção não é totalmente afirmada pelo uno, visto que este designa a
indivisibilidade ao interno do próprio ser.

2. As noções de transcendentais e os predicamentos


A noção de ente se encontra em todos nossos conhecimentos. Por conseguinte,
nenhuma perfeição que seja alheia ao ente pode ser conhecida. Por isso, nada se acrescenta
ao ente e daí resulta que as outras noções não significam algo alheio ao ente, mas significam
um modo de ser peculiar ou uma propriedade (o gato é um ente, mas ao nomeá-lo aludimos a
algo que nossa idéia de ente não exclui de uma expressão). O avanço em nosso conhecimento
do ente pode realizar-se de duas maneiras:

a) Pelas noções de predicamentos. Os predicamentos são aquelas idéias que


expressam um modo peculiar de ser. Estas noções são a substância (ser em si) e os
nove acidentes (ser em outro). Por conseguinte, enquanto ente se predica de tudo
o que é, os predicamentos só se referem a um gênero de coisas que excluem
outros que também são entes.

b) Pelos conceitos transcendentais. Os transcendentais designam aspectos que


pertencem ao ente enquanto tal. Estes designam um modo de ser que se deriva da
consideração geral do ente, algo que convém a todas as coisas: unidade, a
bondade, a verdade e a beleza. Predica-se de todas as coisas que se podem
chamar ente, e então esses têm a mesma extensão universal que esta noção. E os
chamamos transcendentais porque eles transcendem o âmbito dos
predicamentos.

3. Dedução metafísica dos transcendentais

A consideração de ente a respeito de si mesmo e relativo ao outro nos levará à


dedução dos transcendentais.

3.1. Considerado em si mesmo

Positivamente, conferimos que o que convém a tudo o que existe é ter uma essência
(no ente abstrato não se dá, mas são determinados os homem, cachorros, árvores...). A
contração de um ente a um modo determinado de ser é que é denominada coisa (res).

Negativamente, se nós rejeitamos a divisão interior, corresponde a todo ente a


unidade (unum). Se o ente que tem unidade a perde ao dividir-se deixa de ser esse ente para
originar dois entes ou mais.

3.2. Considerado em relação aos outros

Atentos à distinção dos entes entre si, podemos afirmar que cada um deles é algo
(aliquid). Os últimos três transcendentais são possíveis porque a alam é o único ente capaz de
convir à todas as coisas. Assim, surge o verdadeiro (verum), o bom (bonum) e o belo
(pulchrum). Por sua conveniência ao intelecto, nos chamamos ao ente verdadeiro; por sua
relação com a vontade, lhe chamamos bom; e por ultimo, por conveniência do ente à alma
mediante certa conjunção do intelecto e do apetite, nós o chamamos belo.

4. Resolução das propriedades no ente

4.1. Os transcendentais como aspectos do ente

Se nós desejamos saber se os transcendentais são realidades ou noções, nós teremos


que concluir que são ambas as coisas. Considerados como realidades, os transcendentais se
identificam totalmente com o ente e, então, não são realidades diferentes dele, mas aspectos
ou propriedades do ser. Por isso, quando nós dizemos que o ente é bom, uno, algo... nós não
lhe acrescentamos nenhuma realidade, isto se expressa dizendo que o ente, a verdade, a
beleza se tornam equivalentes.

4.2. Os transcendentais como noções diferentes da noção de ente

Não obstante, as noções transcendentais não são sinônimas do ente, visto que
explicitam aspectos não significados por esta noção. Por isso, nós afirmamos que são noções
diferentes, mas idênticas enquanto realidades. Os transcendentais acrescentam ao nosso
conhecimento:

a) Uno e aliquid – acrescentam uma negação à noção de ente. A unidade nega a


divisão interior do ente e o algo nega a identidade de uma coisa com as outras.

b) A verdade, a bondade e a beleza acrescentam à nossa noção de ente uma relação


de razão, que tampouco é real.

c) Res, igual às anteriores, não acrescenta nada real. “Coisa” se refere unicamente ao
ente criado e designa-o enquanto tem uma essência.

5. A analogia do ente e de suas propriedades

Ao ente lhe convém uma predicação análoga. Um termo se predica por duas
realidades quando se atribui a cada uma delas em parte igual e em parte diferente. E isso é o
que acontece com o ente. Por isso, ente se atribui a Deus e às criaturas de modo análogo. A
semelhança reside em que Deus e as criaturas “são”; e a dessemelhança reside em que Deus é
por essência e as criaturas são por participação.
A predicação análoga do ente se fundamenta no ato de ser porque só é ente na
medida em que tem ser (esse). O “ser” se possui por essência ou por participação, que é o
modo em que o possuem as criaturas. A analogia também se refere aos transcendentais, pois
se identificam com o ente e têm como base o ato de ser.

5.1. A unidade transcendental

A indivisibilidade do ente não ente não é outra coisa que a unidade transcendental.
Como nós dissemos anteriormente, a unidade não acrescenta nada às coisas, mas nega a
divisão interior. Porém, para um modo de compreensão, a idéia de uno se manifesta como
uma explicitação do ente, como a ausência de divisão interna. Por conseguinte, a apreensão
do ente é anterior à unidade (primeiro conheço o gato como ente e logo o capto como uno).

Não obstante, o ente e o uno se identificam na realidade, por isso a unidade se


fundamenta no ser igual ao ente. Por conseguinte, tanto mais perfeita é a coisa, quanto maior
unidade terá o ente. Por isso, Deus, ser perfeitíssimo, é o maximamente uno, e o mesmo
acontece no âmbito do criado. As criaturas mais perfeitas possuem maior unidade, então, os
espíritos puros são mais unos que os homens e todos os demais criados.

5.2. A multiplicidade

Unidade não é o mesmo que unicidade; por isso, a multiplicidade de entes que são na
realidade se opõe a unicidade. Mas cada um dos entes dessa multiplicidade conserva sua
unidade interna. Portanto, os entes enquanto diferentes uns dos outros, são múltiplos (este
ente não é aquele ente, porém, são unos.

O múltiplo é o que está constituído por muitos unos. Por isso multiplicidade de coisas
se refere a que não é uma só, que não há unidade perfeita. Então, nós concluímos que a noção
de múltiplo depende da unidade, e não ao contrário, pois uno significa a negação de divisão,
porém, não de multiplicidade.

6. Aliquid

Aliquid equivale a outro que se refere ao ente enquanto é uma coisa distinta das
demais (esta árvore é outra em relação a aquela). Se nós dizemos que este homem é algo, nós
fazemos referencia à unidade dele, e nós o pomos em relação às outras coisas, na medida em
que a unidade implica a indivisibilidade intrínseca e a separação com referencia a outras
unidades. O aliquid é também oposto ao “não ente”, ao nada. Assim, na linguagem ordinária
dizemos “tenho algo” como oposto ao “não tenho nada”.
7. A verdade

7.1. O ente e a verdade

Como se vê na lógica, a verdade faz referencia aos juízos do intelecto. Portanto, a


verdade pertence aos atos do intelecto que se conformam à realidade. Não obstante, a
verdade do intelecto (a verdade lógica) depende do “ser”, pois, não seria verdadeiro o juízo do
intelecto se as coisas da realidade não tivessem em si mesmas a verdade – a verdade do ente
ou verdade ontológica. Por isso a verdade se fundamenta no ente, no que as coisas são.

7.2. A verdade, propriedade do ente

O fundamento da verdade lógica é a verdade ontológica. Por isso a verdade se


identifica com o ente, mas acrescenta uma relação de conveniência a um intelecto que pode
compreendê-lo. Nós dizemos que o ente é verdadeiro porque é inteligível e pode ser captando
com uma intelecção verdadeira, o ente possui inteligibilidade enquanto tem ser. Concluímos
que o ente e a verdade são equivalentes. E também sustentamos que os entes mais perfeitos
são os mais inteligíveis. Contudo, Deus, que é o ser mais inteligível, é o mais difícil de
compreensão para a imperfeição do intelecto humano.

Podemos acrescentar que os entes são verdadeiros em um duplo sentido: enquanto se


relacionam com o intelecto de Deus e enquanto se relacionam com o intelecto humano.
Referente ao intelecto divino os entes são verdadeiros enquanto cumprem aquilo que foi
determinado pela inteligência de Deus. Quanto ao intelecto humano, são verdadeiros quando
têm a capacidade de originar uma estimativa (avaliação) verdadeira.

8. O bem

Cada um dos entes que existe na realidade, seu bem próprios consiste em “ser”
segundo sua natureza. Logo, nós chamamos “males” às privações do ser natural (são males: a
enfermidade, a morte e o pecado...). Conseqüentemente, podemos afirmar que ente e bem
são equivalentes. Dizemos que o bem não é algo diferente do ser dos entes: tudo aquilo que é,
é bom; são bons enquanto são, enquanto possuem ser.

Se nós desejamos saber o que é que a bondade acrescenta ao ser, porque se não
fossem noções idênticas, poderíamos afirmar que a bondade acrescenta ao ente a
conveniência a um apetite, a bondade expressa que as coisas são apetecíveis. Assim, como
dissemos que o ente era verdadeiro enquanto fosse inteligível, podemos afirmar que o ente é
bom enquanto for apetecível. O bem só acrescenta ao ente uma razão de apetibilidade que
não se expressa na noção de ente. Convém esclarecer que a bondade não é o desejo que surge
em nós, mas a perfeição que a provoca. Nós afirmamos que as coisas não são boas porque nós
as queremos, mas que nós as queremos porque são boas. Por conseguinte, as realidades mais
nobres (Deus) desencadeiam um amor maior ao conhecido. O bem é algo objetivo porque não
depende do querer da maioria, pois, se o bem é o que todos desejam não é realmente bom
pelo fato de que todos os querem, mas é desejado enquanto é perfeito o ente. Finalmente, o
bem transcendental é o bem que possui uma realidade enquanto é segundo a sua constituição
ontológica. Qualquer ente, por ser, tem ato, é bom.

9. A beleza

Nós dissemos que um ente é bom por sua relação com o apetite e verdadeiro por sua
ordenação à inteligência. Existe também, uma terceira conveniência do ente com a alma, que
se produz quando a verdade e a bondade das coisas ao serem conhecidas causam prazer a
quem as contempla, e a isso é que chamamos beleza. Tomás a define afirmando “belo” é
aquilo cuja contemplação agrada. E neste sentido, nós falaremos de beleza como
transcendental.

Nós podemos dividir a beleza em vários tipos: beleza inteligível, que é a característica
da vida espiritual, e a beleza sensível, que é de alcance inferior. A primeira tem relação estreita
com a bondade moral e a verdade, e então, a feiúra é característica do erro, da ignorância e
dos pecados. Também existe a beleza natural que procede das naturezas das coisas, e uma
beleza artificial, nas realizações do homem que tenta plasmar o belo. Por isso o objeto da arte
é fazer coisas belas.

Nós percebemos a beleza das coisas com os poderes cognitivos, seja com a
sensibilidade, seja com a inteligência ou com ambos. E a captação da coisa bela só acrescenta
unicamente ao conhecimento o prazer que resulta dele.

Por conseguinte, podemos dizer que a beleza é um tipo peculiar de bondade, que
sossega o apetite ao contemplar o belo. É um bem diferente dos outros, porque embora todos
os bens produzam a alegria quando são alcançados, as coisas belas geram um prazer especial
pelo mero fato de conhecê-las (uma pessoa vê um diamante, ela tem interesse para possuí-lo
e ela não descansa até comprá-lo. Por outro lado, outra pessoa vê o mesmo diamante e ela
simplesmente gosta de contemplá-lo, ela descansa ao observá-lo). O fundamento da beleza
não está na vontade de quem a contempla, mas na perfeição do sujeito desejado. Por isso a
beleza não é o prazer que produz em um sujeito, mas as propriedades que fazem agradável a
sua contemplação. Enfim, o que faz com que algo seja belo surge do ser de cada ente.

10. Comentário sobre os transcendentais

10.1. O Uno

Todo ente é uno. O labirinto do continuo sugestionou a Leibniz a idéia de que a


pluralidade de entes só pode dar-se, em definitiva, se cada ente constitui uma verdadeira
unidade, um átomo formal, uma mônada. A pluralidade supõe a unidade. Unidade no primeiro
e em sentido próprio é, pois a substancia como o “ente em si”. Freqüentemente se expressa a
natureza unitária da substancia com a fórmula de que a substância se comunica em si ou se
reflete em si. Que tudo aquilo que se dá no verdadeiro ente da parte da pluralidade e
diversidade, está de tal modo que o ente envolve a si mesmo. Isto se pode ver muito
especialmente na substância viva.

Em síntese, é o próprio ser, o ato de ser, o que constitui o fundamento de toda


unidade do ente. O ser é o unificador em qualquer ente e envolve a si mesmo da diversidade, a
forma substancial. Por isso, um ente é um tanto mais uno e perfeito, quanto mais lhe compete
o ser. Assim, nos animais é possível uma unidade mais perfeita que nas plantas, enquanto no
homem é em princípio uma nova e superior forma de unidade e de individualidade. Por isso, a
metafísica sempre procura o absoluto divino concebendo-o como unidade e simplicidade
absolutas. Para Hegel, toda a filosofia não é mais que o estudo das determinações da unidade.

10.2. O Verdadeiro

O ente é denominado verdadeiro quando se pensa com relação a um sujeito de


conhecimento. Heidegger expressou de modo penetrante a origem etimológica da palavra
aletheia (verdade), que realmente equivale ao “não-ocultamento”, descobrimento. Em nosso
experimental ser-no-mundo estamos sempre no ente e já o temos descoberto. O ser é de tal
modo que permite ser descoberto. Mostra-se no aparecimento da manifestação. Os
escolásticos designaram o ente como verdadeiro contanto que inteligível, isto é, algo que o
intelecto pode investigar. Que o ente é cognoscível é um fato da experiência do qual parte a
filosofia.
O ente é cognoscível contanto que esteja em atualidade e positividade. São
cognoscíveis diante de todas as determinações acidentais manifestativas, nas quais se podem
distinguir determinações acessórias e casuais das propriedades. Nas propriedades se expõe a
própria substância. Mostra-se nelas. Não cognoscível e manifestável só como conceito-limite é
o meramente passivo-potencial, como a matéria enquanto tal e a individualidade que se
fundamenta nela. O individual como tal não é exprimível, é algo inefável.

Eu posso certamente proporcionar muitas determinações (de Maria, por exemplo) e


caracterizá-la assim. Cada uma dessas determinações como tais, porém, geralmente se
fundamentam em certos acidentes. Mas a individualidade de Maria é algo muito diferente da
soma de tais determinações. É certo que individualidade se manifesta de certo modo sensível
e visível, mas enquanto tal não se deixa compreender.

10.3. O Bem

Quando cada ente é designado como bom, é que o bem se entende em sentido
ontológico. E em tal sentido, o bem equivale a perfeição. Na medida em que o ser é perfeição
de perfeições, cada ente, que contanto seja, possui determinado grau de perfeição. Aquele
grau de perfeição aponta para a forma substancial e a determinação acidental do ente. Na
mesma medida em que o ente é atual é também perfeito. Perfeição se entende pois, não
como um valor moral, mas em sentido ontológico.

10.4. A Beleza

Quando se fala ontologicamente da “beleza” transcendental, trata-se antes de tudo,


da beleza natural, e como em todos os transcendentais, principalmente da substância. Se todo
ente, pelo fato de ser chamado belo, está claro que é principalmente a substância em sua
manifestação, em sua presença sensível é belo no ente contanto que sua manifestação, seu
aspecto expresse de modo perfeito sua essência e sua forma substancial. Enquanto a beleza da
arte é o espírito humano que busca uma expressão perfeita mediante a sensibilidade, na
beleza natural é o ser natural o que se apresenta com a manifestação sensível que lhe é
adequada. Aqui não se trata de um processo cognitivo nem de um desejo, mas de um prazer
contemplativo.

11. Santo Tomás: res, unum, aliquid, bonum e verum


Como nas proposições demonstráveis há a necessidade de operar a redução a algum
princípio por si evidente ao intelecto, assim necessita fazer quando se pesquisa que coisa é
uma coisa a fim de evitar a busca infinita para possibilitar o conhecimento das coisas, a ciência.
Por isso, o intelecto concebe como a coisa mais evidente de todas as que se referem todos os
conceitos é o ente (res). Ao ente não se pode acrescentar nada de estranho, ao modo em que
a diferença se acrescenta ao gênero ou o acidente ao sujeito, porque cada natureza é
essencialmente ente. Todavia, alguma coisa se acrescenta ao ente enquanto expressa um
modo do próprio ente que não é expresso pelo nome ente. Há uma dupla maneira:

a) Quando o modo expresso é um modo especial do ente; existem diversos graus de


entidade que dependem dos diversos modos de ser e dos diversos gêneros das
coisas. A substância não acrescenta ao ente nenhuma diferença, mas com o nome
substância se exprime certo modo especial de ser, isto é, o ente por si.

b) Quando o modo expresso é um modo geral que se refere a todo ente, e este modo
pode ser duplo: 1) Qualquer coisa vem expressa no ente afirmativa ou
negativamente, nada se encontra no ente que possa ser dito afirmativamente de
modo absoluto a respeito de cada ente fora de sua essência, segundo a qual se diz
que isso é, e assim se impõe o nome “coisa” (res), o qual se diferencia do ente pelo
fato de que “ente” provém do ato de ser, enquanto coisa exprime a quididade ou a
essência do ente; 2) A negação que se refere a todo ente de modo absoluto é a
indivisibilidade, a qual é expressa pelo nome “uno” (unum), pois o uno é o ente
indiviso. Quando o ente é visto em ordem a outro, se há divisão (distinção) de uma
coisa da outra isto é expresso pelo nome “algo” (aliquid), pois se diz aliquid, no
sentido de aliu quid, “outra coisa”. Então, como o ente se diz uno enquanto é
indiviso em si, assim se diz “algo” enquanto é diviso, distinto dos outros.

A conveniência de outro é possível à medida que a alma, por sua própria natureza,
convém a todos os entes, a qual “em certo modo é todas as coisas”. Na alma existem a
potência cognoscitiva e a potência apetitiva. A conveniência do ente com o apetite é expressa
pela palavra “bom” (bonum), o bem é aquilo a que todas as coisas tendem, enquanto a
conveniência do ente com o intelecto é expressa pelo nome “verdadeiro” (verum).

Todo conhecimento se realiza através da assimilação do cognoscente à coisa


conhecida, assim a assimilação é dita causa do conhecimento. O ente concorde com o
intelecto, cuja concordância é adequação da coisa e do intelecto, e nisto se realiza
formalmente a definição de “verdadeiro”. A conformidade ou adequação da coisa e do
intelecto é o conhecimento da coisa. Assim, a entidade da coisa precede a noção da verdade,
mas o conhecimento é certo efeito da verdade. O “verdadeiro” é, então, a “indivisibilidade do
ser daquilo que é”. Isaac diz que “a verdade é a adequação da coisa e do intelecto”. Anselmo
diz que “a verdade é a retidão perceptível só pela mente”. O Filósofo diz que “o verdadeiro é
aquilo que é ou não é aquilo que não é”. Hilário diz que “o verdadeiro é declarativo e
manifestativo do ser”. Agostinho diz que “a verdade é aquilo mediante o qual se mostra aquilo
que é, ou a verdade é aquilo em base à qual julgamos os inferiores (Questioni Disputate 1,1).

Uma coisa pode ser acrescentada a outra em três modos:

a) Acrescentando um elemento que esteja fora da essência do ser a que se


acrescenta (ex.: o branco acrescenta algo ao corpo);

b) Uma coisa acrescenta a outra contraindo ou determinando (ex.: o homem


acrescenta algo ao animal, pois o animal é contraído no homem, em modo
determinado e a atual; homem = animal racional, o racional o determina);

c) Uma coisa acrescenta a outra somente conceitualmente, quando esta coisa não
existe na realidade, mas só na razão, porque é essencial a uma coisa, mas não a
outra (ex.: o cego acrescenta alguma coisa ao homem, embora a cegueira não
exista na realidade, mas somente como ente de razão).

Portanto, não é possível acrescentar alguma coisa ao ente universal no primeiro modo,
embora se possa acrescentar algo nesse modo ao ente particular. Não existe nenhuma
realidade que esteja fora da essência do ente universal, no entanto algumas coisas estejam
fora da essência do ente particular. No segundo modo, algumas coisas se acrescentam ao ente,
visto que o ente vem determinado pelas dez categorias (gêneros supremos), cada uma
acrescenta algo ao ente, não qualquer acidente ou diferença que esteja fora da essência do
ente, mas um determinado modo de ser que se fundamenta na própria existência da coisa.

É necessário que o bem, pelo fato de não contrair o ente, acrescente ao ente algo que
seja somente de razão. Aquilo que é somente de razão pode ser de dois modos: uma negação
ou uma relação. Toda positividade absoluta significa algo de existente na realidade. Ao ente,
que é o primeiro conceito do intelecto, o uno acrescenta aquilo que é somente de razão, isto
é, uma negação, já que o uno diz que o ente é indivisível. O verdadeiro e o bem se dizem
positivamente, por isso só podem acrescentar uma relação que seja somente de razão. A
relação é somente de razão quando em base a essa, um dos dois termos se diz relacionado ao
outro sem depender dele, mas não vice-versa, visto que a própria relação é certa dependência
(ex.: a relação do homem com Deus é real, mas a relação de Deus com o homem é somente de
razão). Um ente pode ser perfectivo em dois modos:

a) Segundo somente o caráter da espécie e assim o ente aperfeiçoa o intelecto que


percebe a noção de ente; esse aperfeiçoamento o acrescenta ao ente verdadeiro –
o verdadeiro está na mente, pois todo ente é verdadeiro enquanto conformado ao
intelecto;

b) Um ente é perfectivo de outro segundo o ser que há na realidade, e nesse modo é


perfectivo o bem – o bem está nas coisas. Mas enquanto um ente segundo o seu
ser é perfectivo e consumativo de outro, há razão de fim a respeito daquele ente
que vem por ele aperfeiçoado. O bem está relacionado com o fim. O bem é
perfectivo de outro modo a fim ou o bem é algo que conduz ao fim.

Tanto o verdadeiro quanto o bem tem razão de perfectivos ou de perfeições. A ordem


entre certas perfeições pode ser considerada em dois modos: a) um modo pela parte das
próprias perfeições; b) outro modo pela parte dos perfectíveis. Então, considerando o
verdadeiro e o bem em si mesmos, o verdadeiro é antes do bem segundo a razão, visto que o
verdadeiro é perfectivo de algo segundo o caráter da espécie, enquanto o bem não só segundo
a espécie, mas também segundo o ser que há na realidade, por isso o bem pressupõe o
verdadeiro, enquanto o verdadeiro pressupõe o uno, já que o caráter do verdadeiro se realiza
graças à apreensão do intelecto e cada coisa da outra parte é inteligente enquanto uma. A
ordem dos transcendentais em si mesmos é: ens, unum, verum et bonum.

A perfeição do bem se estende a mais realidades do que a perfeição do verdadeiro.


São aperfeiçoadas pelo verdadeiro, somente aquelas realidade que podem receber um ente
em si mesmas ou em si mesmas segundo o seu caráter formal: aquelas realidades que
recebem algo imaterialmente e são cognoscitivas (pedra na alma). Todavia, pelo bem podem
ser naturalmente aperfeiçoadas também aquelas realidades que recebem algo segundo o ser
material, visto que o caráter do bem consiste no fato de alguma coisa seja perfectiva tanto
segundo o caráter formal quanto também segundo o ser. Portanto, todas as coisas tendem ao
bem, mas nem todas conhecem o verdadeiro: em ambos os casos, manifesta-se a relação
entre o perfectível e a perfeição – no apetite do bem e no conhecimento do verdadeiro. E
aquelas coisas que por natureza são aperfeiçoadas pelo bem e pelo verdadeiro, são
aperfeiçoadas primeiro pelo bem e depois pelo verdadeiro porque participam do ser. O
conhecimento é posterior ao ser, por isso da parte dos perfectíveis o bem precede o
verdadeiro.

Deus é o princípio eficiente de todas as coisas, já que é necessário que todos os entes
fluam de um único princípio. A causa eficiente não se identifica com a causa material. Toda
coisa é agente enquanto está em ato, enquanto o caráter da matéria é o de ser potência; o
eficiente e a forma do efeito se identificam enquanto todo agente produz algo de símile a si,
mas não numericamente, porque aquele que faz e aquilo que é feito não podem ser a mesma
realidade. Do bem em si ou da idéia do bem participam todas as coisas que se dizem boas. A
quididade e as formas das coisas se encontram dentro das realidades particulares e não são
separadas delas. O bem não vem dito univocamente das coisas boas. Todo agente resulta
produzir um efeito símile a si, se a primeira bondade é produzida por todos os bens, é
necessário que imprima a própria semelhança nas coisas produzidas e assim, cada coisa é boa
pela forma inerente à semelhança do Sumo Bem nela impressa e é ulterior à primeira bondade
enquanto causa exemplar e eficiente de cada bondade criada. Todas as coisas são boas
formalmente de uma bondade criada em qualidade de forma inerente, da bondade incriada
em qualidade de forma exemplar (Ibid, 21, 1. 3-4).

12. Rovighi: o significado clássico e moderno de transcendental

Kant diz que o termo transcendental “não significa algo que ultrapassa a experiência,
mas algo que a precede (a priori) e não é determinado por mais nada que possa tornar possível
o conhecimento da experiência”. Transcendental significa, na terminologia escolástica, aquilo
que transcende as categorias. Transcendentais são aqueles aspectos universais do real, que
são implícitos em cada predicado que se atribui ao real, portanto, são mais amplos do que os
predicados, também dos supremos predicados do real, que aristotelicamente, são as
categorias. Transcendental, no significado escolástico, é o Ser, porque o Ser é implícito em
cada gênero da realidade, e o conceito de Ser é mais amplo que qualquer gênero da realidade,
que qualquer categoria da realidade. Mas amplo do que a substância, porque também a
qualidade e as outras determinações (acidentais) da substância são Ser. Transcendental é,
portanto, aquilo que há uma amplitude própria do ser; transcendentais são aqueles predicados
que se encontram no Ser. Transcendental, no sentido escolástico, é o Ser e tudo aquilo que
compete ao Ser enquanto tal (ens et ea quae consequuntur per se ens). Assim como o conceito
de ser está implícito em cada conceito, está implícito no conceito de qualquer objeto o Ser e os
predicados transcendentais que são condições da “pensabilidade” de cada objeto, porque não
se pode pensar nada sem pensá-lo implicitamente como ente.

Na filosofia pré-kantiana (Wolf), chama-se filosofia transcendental a metafísica geral


ou a ontologia: aquela que estuda o ser e as suas propriedades transcendentais e neste
sentido, o termo filosofia transcendental é assumido por Kant na Monadologia Physica, onde
Kant usa os termos metaphysica e philosophia transcendentalis como sinônimos. O
racionalismo pré-kantiano de Descartes diz que a metafísica não pode ser fundamentada sobre
noções abstratas da experiência, mas deve ser fundamentada sobre conceitos que o intelecto
possui independentemente da experiência, isto é, a priori. A metafísica é a sua parte geral e a
ontologia é a filosofia transcendental que deve ser fundada sobre “os conceitos puros”, como
entendia Kant na Dissertação (1870) – “Philosophia autem prima continens principia usus
intellectus puri est Metaphysica”.

Na carta a Herz, em 1772, Kant diz que “a filosofia transcendental estuda todos os
conceitos da razão pura”. A mutação do significado de transcendental segue a mutação da
teoria dos conceitos puros:

a) Conceitos puros são representações das res sicut sunt – Dissertação (1770) – a
filosofia transcendental era a metafísica em sentido tradicional (doutrina das
coisas em si);

b) Conceitos puros são formas capazes de representar um objeto somente pela


condição de unificar um material de intuições sensíveis – representar apenas as
coisas como aparecem – a filosofia transcendental torna a teoria do modo em que
nos aparecem os objetos: “Chamo transcendental todo conhecimento que se
refere não a objetos, mas ao nosso modo de conhecer os objetos enquanto deve
ser possível a priori”.

Na primeira edição da Crítica, Kant diz: “Chamo transcendental todo conhecimento


que se refere não a objetos, mas aos nossos conceitos a priori dos objetos em geral”. Em Kant,
a priori significa necessário e universal. Deve-se chamar transcendental a possibilidade do
conhecimento ou do uso do conhecimento a priori. Então, podemos distinguis três significados
do termo transcendental:

a) Significado antigo e pré-crítico, transcendental é aquilo que pertnece à coisa em si.


Filosofia transcendental é a metafísica e mais precisamente, a ontologia;
b) Significado crítico, transcendental é a indagação daquilo que, da parte do sujeito,
torna possível o conhecimento de um objeto. A filosofia transcendental torna
possível a indagação do ser do objeto, no entanto, na concepção crítica o ser do
objeto consiste no seu aparecer (fenômeno). A filosofia transcendental se torna
investigação das condições pelas quais aparece ao homem um objeto, indaga o
nosso modo de conhecer, porém, não do nosso modo de conhecer considerado
como um fato psicológico, mas como um evento do nosso espírito, o nosso modo
de conhecer enquanto constitui o próprio objeto – enquanto garante ao objeto o
conceito de objetividade e fundamenta o conhecimento a priori. Por isso, o termo
transcendental, ora significa a indagação sobre as condições que constituem o
conceito de objetividade do objeto, ora significa as próprias condições (ex.:
quando Kant fala da “unidade transcendental da percepção”);

c) O transcendental constitui a objetividade do objeto – o aspecto comum ao


primeiro e segundo significado – transcendental significa a condição da
possibilidade do objeto enquanto tal – e de sua pensabilidade. Na concepção
antiga, aquilo pelo qual o objeto é cognoscível – isto é, o ser – reflete em modo
inadequado as estruturas da realidade; enquanto na concepção crítica, aquilo pelo
qual o objeto é objeto é o complexo das formas que tornam inteligíveis uma
“matéria” caótica de impressões subjetivas. Portanto, tanto na primeira, quanto na
segunda concepção, o transcendental é a condição da possibilidade do objeto.

A filosofia transcendental estuda o intelecto e a razão no sistema de todos os


conceitos e de todos os princípios concernentes a objetos em geral, sem assumir objetos que
devam ser dados. Ela estuda as condições de possibilidade da experiência.

13. Lotz – sentido clássico e moderno de transcendental

Segundo Lotz, o termo transcendental tem um duplo significado;

a) No sentido clássico, transcendental equivale a “onni-compreensivo” (onisciência).


Ultrapassando os limites de todas as ordens particulares, o transcendental não se
limita a nenhuma delas, mas compreende todas, recorre em todas. Deste modo, o
transcendental se distingue do categorial, que enquanto tal é limitado a uma
ordem particular e exclui as outras ordens. Portanto, o categorial é essencialmente
finito e não se refere ao infinito, enquanto o transcendental se estende também
ao infinito, fazendo-se presente nele. O transcendental não compreende somente
todas as ordens particulares, mas também o âmbito do infinito. Transcendental é o
ser unido às determinações que necessariamente o acompanham e que competem
a todo o real no modo e na medida em que o real ou participa do ser enquanto
ente finito ou o próprio ser enquanto subsistente infinito. O ser, em particular,
implica já a unidade, a verdade, a bondade e a beleza. Estas determinações se
compenetram assim necessariamente com o ser e as une com as outras que se
apresentam sempre unidas e não podem vir separadas, sendo o ser que se explica.
A sua identidade com o ser, e aquela de uma com as outras se fundamenta no fato
de que na sua mais íntima profundidade denotam infinidade, se bem que, como o
próprio ser, podem se realizar em modo finito. Contudo, as categorias, por causa
de sua finitude e por se unirem na constituição de um mesmo ente, não são nunca
as mesmas e nem idênticas uma com as outros; assim, no homem, as suas
atividades se unem, enquanto acidentes, à substância, sem coincidir com esta.

b) No sentido moderno, transcendental significa, para Kant, todo conhecimento que


se ocupa, em geral, não tanto de objetos quanto do nosso modo de conhecer os
objetos na medida em que este deve ser possível a priori. A matemática e a física
são ciências válidas porque são justificadas por juízos sintéticos a priori, juízos que
de uma parte ampliam o conhecimento e de outra têm um valor universal e
necessário. Segundo o pressuposto tradicional, todo nosso conhecimento deve ser
regulado sobre os objetos; enquanto o pressuposto moderno afirma que os
objetos devem ser regulados pelo nosso conhecimento. A questão transcendental
nos conduz a ultrapassar o nosso conhecimento necessário à busca das suas
condições de possibilidade, que se encontram a priori no sujeito (anterior a toda
recepção de impressão a posteriori) e assim pertencem à prerrogativa originaria do
sujeito humano. Nós tanto conhecemos a priori as coisas quanto nós mesmos as
colocamos. Nós conhecemos as coisas unicamente como nos aparecem formadas
pelas nossas condições a priori, mas não como elas são em si. Mediante a
sensibilidade, com as duas intuições puras de espaço e tempo (possibilidade da
matemática), chegamos ao intelecto com os doze conceitos puros ou categorias
(possibilidade da física) e, finalmente à razão com as três idéias de mundo, alma e
Deus (impossibilidade da metafísica como ciência); esta impossibilidade se explica
pelo fato de que as idéias têm um significado regulador para os conhecimentos do
intelecto, mas não um significado constitutivo para os objetos correspondentes.
O transcendental clássico implica certamente o realismo, todavia, sem a
fundamentação reflexa que somente o método transcendental tem condição de oferecer. Por
isso, há a necessidade de se perguntar como é possível o realismo no conhecimento humano
ou mais precisamente se trata de buscar as condições que permitem ao homem de conhecer
as coisas como são em si. Não basta dizer que as coisas, como objetos em si, competem ao ser.
O homem, pois, como sujeito, e especialmente a sua razão, deve possuir a orientação do ser.
Esta orientação é própria, segundo a concepção clássica, da constituição da razão e vem fixado
como o seu objeto formal que é inscrito nela a priori. Então, somente o homem é capaz de
descobrir as coisas como são em si através deste objeto formal, esse, pode ser definido
transcendental no sentido da concepção kantiana. Deste modo, o objeto formal é a condição a
priori que torna possível o conhecimento das coisas como elas são em si. O realismo encontra
assim a sua fundamentação reflexa e somente desse modo resulta fundamentado
cientificamente. O transcendental kantiano torna assim possível não só o idealismo limitado ao
mundo fenomênico, mas também o realismo que descobre o em si. O transcendental clássico
vem conduzido à condição a prior do conhecer, tornando possível em qualquer modo não só o
realismo, mas também as sua fundamentação reflexa, com a qual é dado o realismo
transcendental em sentido moderno. Sendo assim, o transcendental em sentido clássico é
compatível com o transcendental em sentido moderno.

Portanto, para Aristóteles as categorias são leis entis, enquanto para Kant as categorias
são leis mentis. De modos do ser essas se tornam modos de funcionamento do pensamento.

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