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PONTOS INTRODUTÓRIOS

Conferir: Catecismo da Igreja Católica (CIC) n. 27

 Introdução
1. O homem é capaz de Deus (capax Dei). Toda a verdade: que Deus o criou à sua imagem e
semelhança e, de tantos modos, manifestou-lhe seu desejo de salvação e vida plena.
2. Deus se revela para CRIAR (Gn 1,26), para ABENÇOAR (Gn 12,2) para LIBERTAR (Ex 3,7),
para RESGATAR (Is 1,19-20), para SALVAR (Jo 3,17).
3. O meio pelo qual Deus se revela é a fé. Somente nela, o homem pode ascender a Deus.
 O problema da revelação

(DULLES, Avery. Modelli della rivelazione. Città del Vaticano: Lateran University Press, 2010)

1. As grandes religiões ocidentais (hebraísmo, cristianismo e islamismo) se


fundamentam na convicção que a existência do mundo, o significado e o valor final de todas as
coisas dependem, em última instância, de um Deus pessoal, absoluto em realidade, bondade e poder.
Estas religiões contam com o próprio testemunho de Deus, de uma revelação divina dada de forma
histórica.
2. A categoria “revelação” ganhou destaque a partir do século XVI, quando a
teologia carece de justificar-se. Seu desenvolvimento coincide com a oposição dos deístas, os quais
sustentavam que a razão humana podia adquirir por ela mesma a verdade essencial das religiões. No
século XIX, a noção apologética de revelação é defendida mediante os ataques evolucionistas e
positivistas, os quais declaravam que toda verdade religiosa era fruto meramente da indagação
humana e que a mente não é capaz de um conhecimento divino.
3. Não há fé sem a revelação de Deus. O edifício da existência cristã e a teologia
não se sustentam sem este fundamento. A revelação é ainda o próprio conteúdo da verdade recebida
pela Igreja. Por isto, São Tomás de Aquino chamou a teologia de “sagrada doutrina” e, mais tarde,
Karl Rahner a definiu como “doutrina sobre Deus segundo a revelação divina”. A teologia é a
ciência da fé, a ciência do conhecimento da revelação de Deus. É a explicação consciente e
metódica da revelação divina recebida e cultivada na fé. Sendo assim, cabe à teologia:
 Servir a Igreja e os seus membros, examinando a doutrina e sua práxis à
luz da revelação divina;
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 Colocar em evidência os erros da interpretação de seus princípios;


 Fornecer uma explicação inteligível dos conteúdos e dos significados da
revelação.

4. Dificuldades contemporâneas contra a revelação:


 O agnosticismo filosófico: a revelação é considerada um mito ou uma
metáfora, a qual não pode ser levada a sério;
 A análise linguística: reivindica o caráter paradoxal e simbólico de Deus como
discurso. Muitos filósofos perguntam se a linguagem sobre o divino pode ter um conteúdo
cognitivo;
 A epistemologia moderna: critica a ideia de que a mente humana poderia
receber passivamente as informações da mente divina. Não admite um conhecimento revelado, mas
apenas adquirido. Coloca um interrogativo sobre a autoridade divina da revelação.
 A psicologia empírica: compreende que a revelação, em tempos de um
pensamento racional, não deixa de ser um resíduo do pensamento primitivo, regido pelas ideias
subconscientes da psique;
 O criticismo bíblico: apresenta que as formas oraculares da bíblia não passam
de uma convenção literária. A revelação não pode historicamente se fundamentar sobre estes
acontecimentos;
 A história da doutrina cristã: surge como questionamento à doutrina que se
estabelece como revelação divina (como a concepção virginal de Jesus, a encarnação e a
ressurreição), se não seria, com o passar do tempo, tida como mitológica;
 A religião comparativa: exige que o Cristianismo se relacione igualmente com
as demais religiões, as quais têm ou nada têm de uma teologia da revelação;
 A sociologia: critica o sistema ideológico que caracteriza a fé. Em muitos
casos, o recurso da autoridade divina pode ser um modo escondido de conseguir a conformidade e
de eliminar a dúvida.

Para Karl Jaspers (1883-1969) a revelação é uma realidade efetivamente danosa


para a liberdade humana. Para ele, a revelação pode ser uma manifestação pessoal
de Deus controlada pela autoridade eclesiástica. Deus não é um ser pessoal, mas
uma mera cifra para a transcendência. Não se pode dizer de uma ação divina na
história, a não ser no sentido mitológico. A encarnação é uma impossibilidade
filosófica.

5. Métodos e critérios

A teologia da revelação não é dogmática ou doutrinal, mas se propõe como


exercício crítico de averiguação da própria fé. Portanto, ela possui os seguintes
critérios metodológicos:
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 Fidelidade à bíblia e à tradição cristã: reconhecimento do que se tornou a fé ao


longo da história dos fiéis;
 Coerência interna: deve evitar toda contradição e, conceitualmente, ser
formulada de forma inteligível e clara;
 Plausibilidade: sua atuação é no campo da vida como algo a oferecer sentido;
 Adequação à experiência: uma teoria aceitável ilumina as dimensões mais
profundas da experiência leiga e religiosa;
 Fecundidade prática: seu estabelecimento sustenta a moral, o empenho cristão,
melhora a qualidade da vida comunitária e a missão das Igrejas;
 Fecundidade teórica: seu empenho é para contribuir à pesquisa teológica em
todos os campos de seu saber;
 Diálogo: sua relevância se dá como teoria capaz de entrar em contato com
cristãos de variadas de diferentes tradições, com os membros de outras religiões e com os aderentes
de uma fé secular.
 O homem e Deus: a fé
A fé De Santo Agostinho temos uma clássica tríade teológica da fé: - Credere Deum: Deus como conteúdo de fé; - Credere Deo: Deus como motivo da fé ou como
autoridade testemunhal a si mesmo; - Credere in Deum: Deus como fim (finalidade) da fé. A teologia faz ainda a seguinte distinção: - fides qua = o ato com o qual se crê (o
ato de crer); - fides quae: o conteúdo de fé

1. O homem deseja a Deus: “Senhor, é vossa face que eu procuro; não me


escondais a vossa face!” (Sl 26). “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto
enquanto não descansar em ti” (Santo Agostinho). Deste modo, o homem é um cor inquietum
(coração desejo ardente de comunhão). Diz Santo Agostinho1: “Deus é mais íntimo a mim mesmo
de quanto o seja eu próprio”.
2. Pela inteligência, o coração que ama a Deus dá razões ao seu crer. A fé é a
recepção do amor a Deus através da razão. O coração compreende a Deus crendo. A Teologia é a
investigação, com métodos da razão científica, da fé. Deste modo, ela raciocina o amor de Deus. A
fé não é uma recepção passiva no homem. Deus a oferta. O homem a acolhe e a perscruta, pela
inteligência, de forma dinâmica. Investigar o que se crê é um caminho de aproximação ao mistério.
Fides quaerens intellectum.

“A Igreja Católica professa que esta fé, que é o princípio da salvação do homem, é uma virtude
sobrenatural, com a qual, sob a inspiração e graça de Deus, cremos que as coisas reveladas por Ele
são verdadeiras, não por sua verdade intrínseca com a luz natural da razão, mas pela autoridade do
próprio Deus revelador, que não pode ser enganado, nem pode enganar. A fé é, segundo o
testemunho do Apóstolo, a substância das coisas que se esperam, a realidade não aparente (Hb 11,
1).” (Constituição Dogmática “Dei Filius”, cap.3, do Concílio Vaticano I, Papa Pio IX)

Etimologia de escutar Auditus provém do hebraico semû’ah, que significa escutar.


Shemà Israel Escuta, Israel! Máxima do Povo de Deus, como vemos em: Dt 4,1; 5,1; 6,4; 9,1;
20,3; 27,9

Rm 10,08-11: Mas, afinal, o que diz a Escritura? «A palavra está perto de


você, em sua boca e em seu coração.» Isto é: a palavra da fé que nós pregamos. Pois se você
confessa com a sua boca que Jesus é o Senhor, e acredita com seu coração que Deus o ressuscitou
dos mortos, você será salvo.
É acreditando de coração que se obtém a justiça, e é confessando com a boca que se chega à
salvação. De fato, a Escritura diz: «Todo aquele que acredita
nele, não será confundido.»

3. O acesso do homem à revelação se realiza por meio da fé, dom de Deus e resposta do homem.
O homem é capaz de fides ex auditu (capaz de crer e escutar). A fé chega ao homem pela escuta (Cf.
Gn 222,1; Rm 10,14).
4. Trinômio da fé: Fé + Escuta (Acolhida) + Obediência = Revelação
5. O homem tem desiderium naturale vivendi Deum. Este desejo natural por Deus o faz viver na
receptividade divina. A sua escuta por Deus não é apenas exterior, mas interior. A fé é, assim sendo,
penetrar e compreender Deus.
1 Conferir: Ct 1,8; Dt 4,9. 6,3. 8,11. 15,9. 24,28.

Mt 13,1-9: Parábola do Semeador A fé é a semente dada por Deus ao homem. O coração humano é
a terra. Quanto mais profundidade atinge a semente, mais próxima ela está do coração e mais
frutuosa será o florescimento de quem crê.

Conhece-te a ti mesmo
1. O homem se autoidentifica na imagem e semelhança de Deus. São Basílio
diz: “Atende a ti mesmo para poder atender a Deus.” O homem se autoentende na medida que
compreende Deus. Também Santo
Agostinho diz: “eu me conhecerei, eu te conhecerei.” A verdade habita no
íntimo do homem. Deus é o que está por detrás das entranhas do próprio homem. Por isto, a
interioridade é uma fonte de conhecimento. Santo
Agostinho novamente afirma que é preciso “entrar na interioridade de sua mente para encontrar a si
mesmo e, simultaneamente, encontrar
Deus.”
REVELAÇÃO
Deus dá-se a conhecer

O Filho revela o Pai  O Filho revela o homem

No Filho conhecemos o Pai e nos conhecemos

2. Duas fases do conhecimento:


 Descer em si mesmo, conhecer a própria fragilidade;
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 Ir ao mais profundo de si e conhecer-se na imagem e semelhança de Deus.


 Somente da interioridade do “eu” que é possível conhecer a verdade de si e a grandeza de Deus.

 Revisão de conteúdo

Hb 1,1-4: Nos tempos antigos, muitas vezes e de muitos modos Deus falou aos antepassados por
meio dos profetas. No período final em que estamos, falou a nós por meio do Filho. Deus o
constituiu herdeiro de todas as coisas e, por meio dele, também criou os mundos. O Filho é a
irradiação da sua glória e nele Deus se expressou tal como é em si mesmo. O Filho, por sua
palavra poderosa, é aquele que mantém o universo. Depois de realizar a purificação dos pecados,
sentou-se à direita da Majestade de Deus nas alturas. Ele está acima dos anjos, da mesma forma
que herdou um nome muito superior ao deles.

A fé em Jesus e a fé de Jesus
São duas expressões distintas: Ter a fé em Jesus para ter
a fé de Jesus; ou ter a fé de Jesus para ter a fé em Jesus. A questão principal é: ter a fé de Jesus. O
NT não fala propriamente da fé de Jesus, mas da obediência de Jesus (cf. Fl 2,8; Hb 5,8). Quando se
fala da fé de Jesus, diz-se que ele é “o autor da fé e consumador da fé” (Hb 12,2).

Deus quis, em sua bondade e sabedoria, revelar-se! A revelação de Deus é para salvar a
humanidade: “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra
seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos
egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e
mel” (Ex 3,7-9);
 Por meio de Cristo, plenitude da revelação, os homens têm acesso, no Espírito Santo, ao Pai e se
tornam participantes da natureza divina (Dei Verbum 1);
 A Revelação é dialógica: Deus fala aos homens como a amigos e os convida à sua comunhão;
 Cristo é o mediador e a plenitude da Revelação;
 Da parte dos homens, o acesso à Revelação divina se dá através da inteligência da fé;
 O homem tem uma capacidade receptiva de Deus, tem um desejo natural por Ele. Pela fé, o
homem o escuta.
 Fé e razão
1. Carta Encíclica Fides et Ratio
“A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se
eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de
conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O,
possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 18; Sal 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo
14, 8; 1 Jo 3, 2).”

O homem é abertura ao transcendente (FR 15).


 Inquietude diante do mal

1. O homem é inquieto diante do mal: quia malum est, Deus est (assim como existe o mal, Deus
existe). Podemos filosoficamente afirmar que Deus é acima da existência. Se existir pressupõe
“duração do ser”, finitude, logo Deus transpõe esta categoria. Então, Deus se manifesta na
existência como “Aquele que é” para sanar ao mal (Ex 3,7; Jo 3,16-17).
2. Qual o sentido do mal? Há sentido? Deus dá um valor positivo ao mal (transcendendo-o). Com
o pecado de Adão e Eva, o mal fica sem sentido, sem explicação. Com a cruz, o mal tem
resposta e ganha um significado de fé.

São Tomás de Aquino: “Nada é tão contingente para não ter em si nenhuma necessidade,
nenhum sentido.”

 Inquietude pela verdade

1. Santo Agostinho: “No interior do homem habita a verdade.” Tanto quanto procura a verdade,
o homem procura a Deus. A procura por Deus é uma busca de conhecimento, de entendimento do
sentido da vida.
2. Segundo São Rufino, o homem é capaz de Deus. E Adão ganhou primeiramente esta
capacidade, podendo participar da natureza divina, como “imagem e semelhança” Dele. Uma
vez capaz de Deus, a Ele é configurado.
3. São Tomás de Aquino diz que “a alma é capaz de Deus porque é sua imagem”. O homem é,
portanto, uma imagem trinitária. Em Cristo, o homem é novamente criado (Gn 11,27; Ef 4,23; Rm
8,10.29).
4. Na Revelação, o homem é:

Karl Rahner
Vocacionado à escuta da Palavra de Deus (Karl Rahner); Absoluta abertura ao ser, porque vai
sempre além do que conhece; É uma experiência transcendental;
É um ouvinte livre de Deus;
É uma história aberta à própria revelação.
 Vocacionado ao amor: uma decisão de fé
1. O teólogo Hans Urs von Balthasar diz que o cor inquietum não compreende a si
mesmo se antes não percebe o amor. O amor é uma compreensão prévia para a revelação cristã. Só
o amor é digno de fé. Ele é a apologia da fé cristã.
2. Não basta “conhecer a si mesmo”, mas “fazer a si mesmo”. O homem só encontra o sentido de
sua vida no ato de conhecimento-decisão-ação amorosa.7

3. Em revelação, o homem crê e ama. Este é o binômio fundamental da vida cristã (amar a Deus
sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo). Com isto, ele responde aman = he´min,
que significa ser estável e seguro, próprio da essência de Deus. A fé é uma adesão total – o amém –
do homem à Palavra definitiva e salvífica de Deus.
4. Pilares da Fé:

1 Pd 3,15: “Reconheçam de coração o Cristo como Senhor, estando sempre prontos a dar a razão
de sua esperança a todo aquele que a pede a vocês”.
† A fé é conhecimento e confissão;
† A fé é Confiança e submissão à Palavra; † A fé é comunhão de vida com Deus.
5. Ao cristão, cabe dar Resposta, Razão (inteligência) e Esperança de sua fé.
Απολογία: do grego, significa dar resposta, fazer defesa. Crer é responder com cordialidade.
Do latim credere, significa confiar-se a alguém, sendo seu fiador, testemunhando como
verdade sua afirmação. Crer é o comportamento confiante do cristão à revelação de Deus. É uma
convicção, com um conteúdo elaborado, sendo este a profissão e confissão de fé. Com isto, a fé
carece de inteligibilidade (através da Teologia e da Doutrina), para ser justificada e certificada.
Deste modo, a adesão à fé exige o reconhecimento de sua autoridade e o conhecimento de seu
conteúdo. Daí que a catolicidade da Igreja necessita da universalidade do Símbolo da fé, como sua
identidade e fundamento.
Leia o texto completo de Hb 11,1-40
6. A fé é Fundamento, Esperança e Prova de realidade ainda não vista. “A fé é um modo de já
possuir aquilo que se espera, é um meio
de conhecer realidades que não se veem” (Hb 11, 1).

 A Revelação no Magistério da Igreja (documentos principais)

1. Concílio de Trento (1545 a 1563 – Paulo III): De Fide


Em um momento de profundo racionalismo e crise de fé, no sentido da catolicidade dela
mesma, mediante o protestantismo, a Igreja afirmou:

 A fé é o princípio da salvação humana;

 A fé é o fundamento de toda justificativa, sem a qual não é possível amar a Deus.

2. Concílio Vaticano I (8 de Dezembro de 1869 a 18 de Dezembro de 1870 - Pio IX): Dei Filius
 A inteligência deve ser submissa à vontade de Deus revelado;  Os sinais da Revelação são os
milagres e a profecia;
 A graça interna é sempre presente no homem, como fé natural, dependendo de sua
resposta.

3. Vaticano II (1962 / Papa João XXIII – 1965 / Papa Paulo VI): Constituição Dogmática
Dei Verbum sobre a Revelação Divina8

 Esta Constituição foi um dos últimos documentos a serem aprovados, e a terceira Constituição
promulgada pelo Concílio Vaticano II, assinada pelo Papa Paulo VI e pelos Bispos Conciliares a 18
de novembro de 1965. É o mais breve documento, porém o que foi mais longamente discutido;
 Mostra-nos que o grande primado da Revelação é Jesus Cristo;
 É constituída de ‘um Proêmio e seis capítulos’: I - A Revelação; II - A Transmissão da
Revelação Divina; III - A Inspiração Divina e a Interpretação da Sagrada Escritura; IV -
O Antigo Testamento; V - O Novo Testamento; e VI – A Sagrada Escritura na vida da Igreja;
 Pode-se afirmar que a DV trata da relação entre Revelação, Tradição e Escritura, isto é, a forma
como historicamente a comunidade eclesial percebeu a Revelação de Deus e a perpetuou;
 A bússola que orienta a Igreja é a Palavra de Deus, o Verbo de Deus, Aquele que pela
Encarnação traduz, revela o Pai e se faz Deus-conosco. De fato, a Igreja funda-se sobre a Palavra
de Deus, nasce e vive dela;  Para o cristianismo, Jesus Cristo é a Revelação, o rosto e a palavra de
Deus, cheio de graça e de verdade que continua a se revelar no tempo presente. É Ele a
Revelação!
 Através da DV, o Concílio deseja que as palavras de Jesus Cristo ressoem, assim como
ressoou nos apóstolos, em todas as pessoas de boa vontade, ou seja, a Igreja entende que tem
como missão tornar esta mensagem compreensível ao homem moderno (DV1). Dá-se uma
importância maior à leitura e estudo da Palavra de Deus na vida das comunidades;
 A Revelação divina não é estática, mas dinâmica. Deus invisível fala aos seus filhos, conversa
com os homens como amigos e convive com eles; mostra seu coração amoroso no anseio de
conduzi-los à vida eterna; e revela-se como o Deus da História, conhecido pela Palavra que se torna
acessível e real na prática visível do Amor, nas obras, sinais e milagres revelados pelo Seu Filho
(DV2).

4. Exortação Apostólica Pós-sinodal Verbum Domini, Papa Bento XVI: “A Palavra de


Deus na vida e na missão da Igreja", apresentada no dia 30 de setembro de 2010, festa de São
Jerônimo, e tornada pública no dia 11 de novembro
 Consiste em uma introdução (nn. 1-5), três seções principais (nn. 6-120), e uma breve conclusão
(nn. 121-124);
 A primeira parte, Verbum Dei, ou "O Deus que fala" (nn. 6-49), começa com a
observação de que "a novidade da revelação bíblica consiste no fato de Deus Se dar a
conhecer no diálogo, que deseja ter conosco" (n. 6). Os tópicos abordados incluem a natureza
de Deus, a dimensão cósmica da sua palavra, a cristologia da palavra, Tradição, Escritura, a
resposta do homem à Palavra de Deus, fé e razão, a Escritura como a alma da sagrada teologia, o
estado dos estudos bíblicos e da9

interpretação, a unidade da Escritura, as falsas interpretações da Escritura, a Bíblia e o


ecumenismo, e os santos e a interpretação da Escritura;
 A segunda parte é Verbum in Ecclesia, ou "A Palavra de Deus e a Igreja" (nn. 50-89) tem
como foco principal "a relação entre Cristo, Palavra do Pai, e a Igreja", que é "uma relação
vital na qual cada fiel, pessoalmente, é chamado a entrar" (n. 51). Temas importantes discutidos
são a presença de Cristo na Igreja, a Palavra de Deus na liturgia, a Palavra de Deus e a Eucaristia,
o lecionário, o ministério dos leitores nas celebrações litúrgicas, a importância das homilias,
os sacramentos da reconciliação e da unção dos enfermos, a liturgia das horas, a
importância do silêncio, a música litúrgica, a catequese, as vocações, o papel dos leigos, o
casamento e a vida familiar, a lectio divina e a oração mariana;
 A seção final é intitulada Verbum Mundo, ou "A Missão da Igreja" (nn. 90-120). Considerando
que a segunda seção discutiu a Palavra de Deus na Igreja, esta seção se concentra no trabalho
missionário da Igreja e sua proclamação da Palavra de Deus no mundo. Os tópicos incluem a
responsabilidade do batizado de proclamar a Palavra de Deus, a necessidade do alcance
missionário, a nova evangelização, a natureza do testemunho cristão, o serviço cristão, o
compromisso com a justiça, a reconciliação e a paz entre os povos, a caridade prática, os
migrantes, os doentes, os pobres, a defesa da criação, o valor da cultura, da educação, da arte, da
comunicação social, a inculturação, a tradução da Bíblia, o diálogo inter-religioso e a liberdade
religiosa.

 Bibliografia básica:
LATOURELLE, R.; FISICHELLA, R. Dicionário: Teologia
Fundamental. Petrópolis: Vozes, 1994.

LATOURELLE, R.; O’COLLINS, Gerald (orgs.). Problemas e


Perspectivas de Teologia Fundamental. São Paulo: Loyola, 1993.

LIBANIO, J. B. Teologia da Revelação a partir da Modernidade; São Paulo: Loyola, 1992.

RAHNER, K. Curso fundamental da fé; São Paulo: Paulinas, 1989.


TERTULIANO (160-220 d.C)

Características:
• O cristo fundara uma religião para levar os homens ao conhecimento da verdade.
• Rejeita a aproximação entre filosofia e fé. Para ele, tal aproximação rebaixaria a fé.
• Dois meios naturais para o conhecimento de Deus: a argumentação a partir da criação e o
testemunho espontâneo da alma; a natureza das obras de Deus e o testemunho dado pela
pregação.
• A verdade nos vem:
- Do Cristo, que é fonte da revelação
- Pelos apóstolos, mediadores privilegiados da economia da revelação
• Com os apóstolos termina a revelação. A Igreja conserva o depósito que lhe foi confiado.
• Este depósito é: A doutrina única ensinada pelo Cristo; a aceitação dada pela fé; a regra
dada pelo Cristo; a Regra da Verdade; a Regra de fé; a Disciplina de Cristo
• Cristo transmite a Verdade (fonte)
• Os apóstolos transmitem-na (mediadores)
• A Igreja conserva-a (depósito)
• Doutrina e Escrituras constituem-se o mesmo conteúdo. Porém, não apenas a posse
material das Escrituras já é sua conservação. É preciso ler e ensinar as Escrituras na Igreja.

• Conferir: Gn 12,1; Ex 33,11; 33,21-23

CIPRIANO (210-258 d.C)


Características:
• Na origem do Cristianismo encontramos a Tradição de Deus, do Cristo e dos Apóstolos.
• Guardamos e conservamos o que o Senhor nos ensinou pela fé, através da Igreja.
• Uma tradição só tem valor se está apoiada na Tradição evangélica e dos apóstolos.
• Se ocorre algum desvio da fé, devemos retornar à sua origem, que é a Tradição dos
Apóstolos. E a Tradição está consignada nas Escrituras, através da Igreja.
• Se Deus é Pai, a Igreja é a Mãe que nos dá a fé verdadeira.

AGOSTINHO (354-430 d.C)


Características:
• O centro de sua pregação é Cristo como caminho e mediador de Deus.
• A Revelação nos é dada no tempo, é histórica, não é verdade abstrata. Foi anunciada no A.T
e realizada no N.T.
• A Revelação é atração. Ninguém adere à fé se não for por ela atraído.
• A Revelação tem dupla dimensão: interior e exterior. Seu acesso é pura graça do Cristo (De
Gratia Christi). O Filho falava e o Pai ensinava.
• Quem ouve o Verbo é ensinado pelo Pai e por Ele atraído.
• O Pai é quem atrai ao Filho para escutar sua Palavra. Acolhê-la, ouvir interiormente e crer são
a mesma coisa. Tudo isto se dá por um processo de inspiração e iluminação.
• Cristo é: profeta; mestre interior – origem do Conhecimento; meta e caminho (A Revelação
e o Revelado);
• O acesso à Revelação se dá pela fé. Na caridade, ela se expande. E através dela se dá a
inteligência e no seu cume está a visão.

2.1 Paradoxos introdutórios


Deus na Sagrada Escritura falou por meio dos
homens e à maneira humana. (DV 12)

A Revelação no A.T (P.T) caracteriza-se pela “intervenção de Deus na história.


Intervenção que supõe encontro pessoal para uma livre decisão. A revelação é
constituída pela autocomunicação de Deus e pela escuta e resposta do homem,
através da fé. Esta
relação é o conteúdo da própria revelação.

"Moisés e os Dez Mandamentos", Philippe de Champaigne - Pintor barroco francês 91602-1674)

A autoridade de Deus não é impositiva. Seu instrumento é sempre a Palavra. Pela


Palavra, na escuta humana, o Povo recebe um plano, sendo ele
salvífico. A Palavra do Senhor é a expressão mais apropriada do A.T para identificar o que
chamamos de Revelação. Nas teofanias, o mais importante é o ouvir, antes mesmo que o
ver. Mesmo as visões são expressões da Palavra de Deus.

A Palavra no A.T é a própria narrativa histórica de Deus. É “aquele que falou aos
pais”. Deus é conhecido como Aquele que fala, que comunica. Do Gênesis ao prólogo de
João, a Palavra de Deus é aquela que cria. Deste modo, a Revelação é a história de Deus-
Palavra.

A categoria “Povo” é muito importante para a


Revelação. Se Deus é Palavra, seus ouvintes se constituem como Povo. A Revelação é a
história da Palavra-Povo. Tal história é nomeada como “aliança”. A experiência de fé
do Povo é de cunho interpretativo dos sinais, acontecimentos, práticas, gestos. Dá-se, deste
modo, uma tradição de fé, enquanto leitura experiencial da presença de Deus em sua
história. Do conteúdo revelado por Deus e da escuta interpretativa do Povo nasce o livro, a
Lei.

Conferir as narrativas da Criação e observar a diferença entre Palavra e experiência. Também: Jo 1,14; 1
Jo 1,1.

A compreensão da Revelação como “experiência” é recente na história da teologia. A


teologia escolástica elaborava uma conceituação abstrata, de tipo apriorística. A modernidade
pergunta pela origem da Revelação, pelo modo como uma comunidade chegou à consciência de
destinatária de uma mensagem divina. Assim sendo, os teólogos do século passado fizeram
uma volta às fontes das Sagradas Escrituras e da Patrística. Nelas é que se encontra o conceito
de experiência, capaz de responder à demanda da origem da narrativa de Deus. É neste sentido
que a teologia se descoloca dos conceitos abstratos de Deus e parte para a sua experiência. A
Palavra é o referencial interpretativo para a Revelação. Ela congrega a tensão entre
acontecimento e conceito, teologia e experiência.
2.2 Deus se revelou (Hb 1,1-2) e a escritura é expressão verbal da revelação

No estudo da revelação bíblica, dois movimentos se contrastam. Um refere-se à


ordem natural da escrita, ao acontecimento em si, que é a “Ordem genética”, o outro é a
“Ordem epistemológica”, o qual aborda o conhecimento que se dá daquele mesmo
fato1.

No primeiro movimento, “a ordem genética”, nota-se a constituição histórica do


povo de Israel, cujo centro é a luta por uma terra. Nesta história fundante contrastam-se
períodos de liberdade e de escravidão. A religião é chave de leitura para compreender seus
acontecimentos, sua estrutura. Neste momento, variados grupos se identificam, advindos
de um grande patrimônio religioso-cultural do Antigo Oriente, como a Mesopotâmia, o
Egito.

Depois de toda oralidade pela qual Israel se comunica como Povo, vem o momento
da escrita e do livro. Interessante observar que a necessidade de um texto é de sentido
interpretativo. Ou seja, o livro surge não somente para sistematizar as experiências
passadas, como também para interpretar as adversidades presentes. Deste modo, a
compreensão do momento no qual o texto foi produzido é muito importante para o
entendimento do acontecimento narrado. O livro surge para iluminar o presente e o futuro
da comunidade. O escritor sagrado faz uma autêntica leitura de fé da história do povo. A
sua profunda consciência o faz tomar cada fato como um evento de Deus, tornando sua
escrita “Palavra do Senhor”. Assim sendo, o livro é Palavra de Deus e escuta
humana.

É a inspiração dada ao escritor que lhe garante a verdade e a inerrância dos textos. Contudo,
é a comunidade mesma que os acolhe como inspirados. Portanto, o próprio povo, com sua
leitura, constitui-se o cânon da escritura. É ele quem reconhece e estabelece critérios para a
inspiração. O reconhecimento das S.Es é a chave hermenêutica para toda a
história da revelação.

O segundo movimento é o da “ordem de acesso cognitivo”. A partir dos textos


sagrados é possível ter acesso à experiência e ao conteúdo revelador. Neste sentido, Deus
revelou-se e as S.Es atestam esta verdade. Este é o dado primeiro do conhecimento na fé. O
estudioso da revelação procurará na experiência do Povo de Deus a Palavra do Senhor. Não
é possível edificar a teologia sem esta relação primeira, de um povo que escuta o seu Deus.
Para tanto, faz-se preciso: ter uma ideia da história da redação de tais livros; utilizar da
razão teológica para averiguar o caráter inspirador e verdadeiro das S.Es; compreender
como se deu a aceitação dos livros sagrados pela comunidade e seu processo canônico.

Por isto mesmo, estudar Teologia da Revelação é compreender os


antecedentes históricos do livro sagrado, a relação e a experiência de fé feitas
pelo Povo de Israel.

2.3 As grandes etapas da revelação bíblica2

A primeira etapa refere-se aos fatos teofânicos e às manifestações


oraculares. Geralmente este tipo de revelação se dava por visões, antropomorfismos,
como em Gn 17, 1; 18, 1; 26, 2; 32, 25-31; 35, 9. Era comum no Antigo Oriente o uso de
sonhos, adivinhações e oráculos para a manifestação divina. Não será diferente com Israel
(1 Sm 9, 1-10; 14, 36; Lv 19, 26; Ex 28, 30; Gn 20, 3; 44, 2, 5). Aos poucos, estas
manifestações de Deus se dão exclusivamente através dos sacerdotes ou dos adivinhos
profissionais.
A segunda etapa é a da Aliança do Sinai, a qual determina toda a história da
salvação. O senhor, ao libertar o povo das amarras do Egito, faz com ele uma aliança,
tornando-se seu chefe supremo. A lei (e seu código) será a condição para que tal união se
mantenha (Ex 20,1-17; 34,28). As palavras da aliança revelam a vontade divina. A aliança
transforma um grupo de tribos em nação, dando-lhe consciência religiosa. Todo seu
destino depende deste grande acontecimento. A lei é canonizada como vontade de Deus.

Na etapa dos profetas, a Palavra do Senhor impõe-se com poder decisivo para
expressar sua vontade. Os profetas anteriores ao exílio (Amós, Oséias, Miquéias e Isaías)
guardam a lei moral da aliança. Eles são porta-vozes das grandes admoestações divinas,
como em Am 4, 1; 5, 1; 7, 10-11; Os 8, 7-14; Mq 6-7; Is 1, 10-20; 55, 10-11. A Palavra aparece
aqui como movimento dinâmico, ela não deixa de cumprir o motivo pelo qual chegou ao
homem.

Jeremias apresenta critérios para a autêntica Palavra de Deus:


a realização da palavra do profeta (Jr 28,9; 32,6-8; Dt 18,21-22), a fidelidade a Javé e à religião
tradicional (Jr 23, 13-32); o testemunho enfim, tantas vezes heroico, do próprio profeta sobre a
sua vocação (Jr 1, 4-6; 26,12-15). Jeremias foi consagrado profeta como que num rito: colocou-
lhe Deus na boca sua Palavra como um objeto material (Jr 1,9). Alimento saboroso (Jr 15, 16),
ou fonte de tormentos (Jr 20, 9.14), a Palavra de Deus escraviza-o e coage-o como uma
realidade objetiva e superior. Jeremias é o defensor da Lei e da Aliança. Como os outros
profetas, exorta, promete, ameaça (Jr 2, 4; 7, 2: 17, 20, 22, 2. 19; 34, 4; 22, 5; 26, 12-13; 19, 2;
20, 1). Também apresenta a Palavra como uma entidade independente, de dinamismo
irresistível (Jr 5, 14; 23, 29; 25, 13; 26, 12).

O Deuteronômio é a próxima etapa. Originário dos ambientes do norte,


encontra-se na confluência de duas correntes: a legalista, expressão do sacerdócio, e a
profética. Aprofunda-se, sob essa dupla influência, a teologia da Lei. O Deuteronômio,
procurando corrigir o presente à luz do passado, relaciona mais do que nunca
a Lei ao tema da Aliança. As desgraças de Israel são a consequência lógica duma
infidelidade constante e renovada. Javé, revelando sua vontade prometera sua bênção à
obediência. Israel, pois, se quiser viver, deve pôr em prática todas as palavras da Lei (Dt
29,28) que, saída da boca de Javé, é fonte de vida (Dt 32,47). As "dez palavras" (Dt 4,13;
10.4) constituem a designação de toda a Lei mosaica (Dt 28,69). Depois, interioriza-se a
palavra da Lei. Os "mandamentos e as leis" que Javé prescrevera (Dt 27,10) já não se
concebem como simples imperativos, mas como uma realidade íntima no coração do
homem: "A Palavra está perto de ti, tu a tens em tua boca e no coração, para poder cumpri-
la" (Dt 30,11-14). Consiste a Lei em amar a Deus de todo o coração e de toda a alma (Dt
4,29) 1?

A literatura histórica (Juízes, Samuel, Reis) é uma história da salvação e


uma teologia da história. Nas desgraças e nos sucessos de Israel, o livro dos Juízes vê uma
ilustração do regime da Aliança. Principalmente no livro dos Reis desenvolve-se a concepção
do dabar divino presente na história para dirigi-la. A Aliança concluída por Javé e as condições
por ele impostas, supõem que o curso dos acontecimentos é regulado pela vontade divina,
levadas em conta as atitudes do povo eleito. É a Palavra de Deus que faz a história e a
torna compreensível. Ao longo
de toda a história dos Reis, as palavras de Javé vão manifestando seu sentido religioso (1Rs
2.4: 3.11-14; 6,11-13; 8,46-52; 9,3-9; 11,31-39; 12,15; 14,6-16; 15,29-30; 16,1-4; 2Rs 9,7-10;
21,10-15; 22,16-20; 24,2-4).

Importante nessa literatura histórica é o texto da profecia de Natan (2Sam 7) que dá


à Aliança conexões com a realeza e inicia o messianismo real. Com essa profecia a dinastia
de Davi torna-se para sempre a aliada direta de Javé (2 Sm 7,16; 23,5), ponto central na
história da salvação. De agora em diante, repousa sobre o rei a esperança de
Israel: primeiro o rei presente, depois um rei futuro, escatológico, à medida que
as infidelidades dos reis históricos tomam mais remota a esperança de um rei conforme ao
ideal davídico. Essa profecia é o início de uma teologia, elaborada pelos profetas. Teologia
eminentemente de promessa, voltada sempre para o futuro, mais que a
teologia da Aliança do Sinai, cujas exigências são principalmente cotidianas.

No tempo do exílio, a palavra profética torna-se sempre mais uma palavra


escrita. Significativo que a palavra confiada a Ezequiel está escrita num rolo que o profeta
deve comer para depois anunciar seu conteúdo (Ez 3,1ss). Suas mensagens ganharão, escritas,
a estabilidade dos decretos divinos. Ezequiel é o ministro duma palavra irrevogável, que
anuncia os acontecimentos dando-lhes um desenrolar infalível (Ez 12,25-28;24,14). Uma
primeira característica da profecia de Ezequiel é o número e a amplitude das visões (Ez 1; 2,8-
3,9; 8-11; 37; 40,1-48,35). Uma segunda característica é o tom pastoral da palavra de Ezequiel.
Após a queda de Jerusalém (Ez 33,1-21), já não existe Israel como nação. Torna-se então a
palavra de Javé uma palavra de conforto esperança para os exilados abatidos.
Ezequiel começa a formar o novo Israel, como o faria um diretor espiritual (Ez 33, 1-9).
Ezequiel, contudo, preocupa-se que não haja engano quanto a sua natureza e exigências: não
basta ouvir a Palavra, é preciso dela viver (Ez 33,31).

Para o Deutero-Isaías, manifesta-se a transcendência de Javé


primeiramente na natureza. O exército dos céus obedece ao Criador: Javé chama pelo
nome os astros, os quais obedecem (Is 40,26; 45,12; 48,13). Sua absoluta soberania sobre a
criação é o fundamento e a garantia de sua ação onipotente na história: porque Javé, pela
sua palavra, fez do nada tudo surgir, por isso é o senhor das nações como das forças da
natureza. A palavra domina a história e de antemão lhe revela o curso (Is 45,19;
48,16). Está no início e no termo dos acontecimentos: ela que os prediz, suscita, realiza. Em
Is 48,3-8, a realização das profecias anteriores aparece como garantia das coisas futuras
também anunciadas: da libertação, da volta, da restauração, do universalismo escatológico.
Finalmente, em Is 55, o autor canta a eficácia infalível da palavra que executa as vontades
divinas com a mesma fidelidade dos elementos da natureza: "Assim como a chuva e a neve
do céu descem e não voltam para lá sem terem antes irrigado a terra e a terem fecundado e
feito germinar... assim será da palavra que sair da minha boca: não voltará a mim vazia,
mas, antes, operará tudo o que me agrada, e obterá o escopo para o qual a mandei" (Is
55,10-12). Audaciosa personificação, que apresenta a palavra como realidade
dinâmica, criadora da história.
Ainda que a literatura sapiencial do Antigo Testamento pertença a uma corrente de
pensamento internacional (Grécia, Egito, Babilônia, Fenícia) presente desde o segundo
milênio, contudo, em Israel essa corrente transformou-se bem cedo num instrumento de
revelação. O mesmo Deus, que ilumina os profetas, usou a experiência humana para dar o
homem a conhecer-se a si mesmo (Pr 2,6,20,27). Inicialmente essa sabedoria é simples
reflexão, positiva e realista, sobre o homem e seu comportamento, para ajudá-lo a se orientar
na vida com prudência e discrição (Pr 1,1-6). Na Grécia essa reflexão será mais especulativa e se
transformará em filosofia. Em Israel, muito cedo o tesouro de experiência dos sábios
foi vivificado pelo sopro da religião de Javé. Assumindo a experiência humana,
Israel interpreta-a e aprofunda-a à luz de sua fé em Javé, senhor dos homens e da
vida. E até mais: muitas vezes pertencem à revelação os dados sob os quais se inclina a
reflexão sapiencial: a criação (Eclo 43), a história que torna

patentes os caminhos de Deus (Eclo 44.50), os livros históricos, a Lei e os profetas (Eclo
39,1ss). Sob a influência dessa fé em Javé, a antítese sabedoria-loucura torna-se
progressivamente uma oposição entre justiça e iniquidade, piedade e impiedade. Sábio é quem
cumpre a lei de Deus (Eclo 15,1,19,20; 24,23; Eclo 12,13), pois toda sabedoria provém de Deus
(Pr 2,6). Somente ele a possui plenamente; manifesta-a em suas obras e comunica-a aos que o
amam (Eclo 1,8-10; Sb 9,4; Jó 28,12-27).

A sabedoria, como a palavra, saiu da boca do Altíssimo; agia nas origens da criação e
veio estabelecer-se em Israel (Eclo 24,3-31). Assim a sabedoria se identifica
finalmente com a Palavra de Deus, criadora e reveladora (Sb 7-9).

O saltério, formado aos poucos, ao longo de toda uma história, é


principalmente uma resposta à revelação; mas é também revelação, pois a oração
dos homens, pelos sentimentos que manifesta, dá à revelação toda a sua
dimensão. A grandeza, a majestade, a potência, a fidelidade, a santidade de Javé reveladas
pelos profetas, refletem-se nas atitudes do crente e na intensidade de sua oração. Espelhos da
revelação, os salmos são também sua reatualização cotidiana no culto do templo.
Não nos admiremos, pois, se ali reencontrarmos os diferentes aspectos da Palavra já indicados.
Muitas vezes a Palavra de Javé indica os preceitos impostos por Deus a seu povo (SI
17,4;107,11). O salmo 119 amplia essa visão celebrando a Torá como encarnação de toda a
revelação divina, que às vezes ordena, ameaça às vezes ou faz promessas. Há também no
saltério oráculos que são recordação dos compromissos anteriormente assumidos por Javé (Sl
99,7; 85,9; 89,20; 12,6; 62,12; 60,8; 105,11; 68,23). O salmista põe ainda em evidência a
veracidade, a fidelidade da Palavra de Javé, segura e sem mescla. Mesmo quando o dabar não é
proferido em forma oracular, tem muitas vezes o valor de uma promessa. Assim, no salmo 56,
põe o fiel sua esperança na Palavra de Javé cuja veracidade jamais falha. Finalmente, muitos
salmos celebram a palavra criadora de Javé: o mundo surge do nada ao som da palavra que
produz, organiza e governa (Sl 33.6.9). Os elementos naturais, mesmo o tufão, obedecem às
ordens de Deus (SI 147,15-18; 107,25; 148,8). Em resumo: para os salmistas a Palavra de
Deus é ao mesmo tempo promessa e potência que se exerce em e na história.

Concluindo este esboço, ponhamos em evidência o papel da escritura na


história da revelação. O processo que levou a fixação da Palavra foi inicialmente muito
lento. Até ao fim da época dos reis, foi principalmente de forma ocasional que se escreveram as
antigas tradições e os
oráculos proféticos. Nem parece que pretendesse formar um cânon. Após o exílio somente é
que se constituíram essas grandes compilações, redigidas em camadas sucessivas, com dados
muito antigos, chamadas código deuterocanônico e código sacerdotal. Assim fixada, foi
possível ler e meditar a Palavra de Deus e contemplar a fiel realização de suas promessas.
Reveste-se a Palavra de Deus de caráter duradouro de eternidade: ela permanece
irrevogável e infalível. Por outro lado, fixando-se, corre o risco de perder um
tanto do dinamismo que tivera nos profetas; será preciso também atualizá-la
sempre, aplicando-a às novas situações históricas, numa releitura constante que
por si mesma um aprofundamento.

2.4 Duas dimensões da Palavra

Trabalhemos aqui duas características centrais da revelação da Palavra no AT: ela é


criadora e histórica. Como criadora, pode-se dizer que só tardiamente a reflexão
teológica de Israel se ocupa com esta palavra (se bem que a ideia da criação possa ter
surgido e circulado muito antes de aparecer nos textos sagrados). Mas é através da história
que Israel conheceu Javé, quando no Egito experimentou seu poder libertador. Meditando
continuamente sobre esse poder ilimitado de Javé, que utilizava os elementos naturais na
salvação de seu povo (pragas do Egito, travessia do mar, teofania do Sinai), chegou à crença
na criação, após maturação orgânica e homogênea. Compreendeu Israel que o mesmo Deus
que o suscitara do nada da escravidão, também do nada fizera surgir o cosmos. Sua
soberania é universal. Gn 1 afirma que Deus tudo criou por sua palavra: dá nome aos seres,
e a seu chamado eles surgem do nada; a Palavra de Deus dá-lhes existência e subsistência.
O salmo 33 é ainda mais expressivo: "Uma palavra do Senhor criou os céus, e um alento de
sua boca a todos ornou, porque ele diz, e é criado, ele ordena e tudo existe" (SI 33,6.9).

Uma vez que a criação é o que foi dito por Deus, ela é também revelação. Os seres são
um eco da palavra daquele que os nomeou, manifestam sua presença, sua majestade, sua
sabedoria (Sb 19,2-5; Jó 25,7-14; Pr 8,22-31; Eclo 42,15-43, 33; Sab 13,1-9). Deus aparece como
que velado numa nuvem (Ex 13,21), abrasador como fogo ardente (Ex 3,2; Gn 15,17), atroante
na tempestade (Ex 19,16; SI 29,288), suave como a brisa leve
(1Rs 19,12ss)”. E ainda mais: a fonte sacerdotal, que representa a criação em termos
litúrgicos, vê o universo como a expressão da vontade de Deus que, pelos astros e estações,
regula os tempos litúrgicos, os sábados e as festas (Gn 2,2-3). Também por sua palavra
governa Deus os fenômenos da natureza: a neve, a geada, os ventos (SI 107,25;147,15-
18;148,8; Jó 37,5-13), as águas do abismo (Is 44,27;50,2). Ás suas ordens astros e
elementos combatem por Israel (SI 46,7;106,9-12; 107,25).

A revelação histórica (para distingui-la da cósmica) começa com Abraão, Moisés e os


profetas. Torna-se então a palavra plenamente inteligível. Dirige-se Deus ao homem, interpela-
o, torna-o participante de seu desígnio, fala-lhe. Torna-se a revelação mistério de um encontro
pessoal entre o Deus vivo e o homem. A Lei e a palavra profética são as formas privilegiadas
dessa revelação. A palavra, quando se impõe às coisas, é criadora; quando se impõe aos
homens, torna-se lei. As dez palavras do Sinai (Ex 34,28; Dt 4,13;10,4), pronunciadas por Javé
sobre a montanha, por entre fogo, constituem uma revelação da vontade do Deus da Aliança;
Javé afirma-se então como o Senhor. O termo palavra aplicada aos costumes do Código da
Aliança (Ex 20,22-23,19), significa que tudo na vida cotidiana dos hebreus está submetido à
vontade de Javé e se passa na sua presença. O
Deuteronômio aplica o termo palavra a todas as prescrições da Aliança, de tal modo que a
palavra serve para designar toda a Lei mosaica (Dt 28,69). Por fim, o conjunto dos livros
sagrados, principalmente a Lei, serão considerados como Palavra de Deus.

2.5 Características gerais da revelação no AT e as diversas imagens de Deus na


experiência de Israel

A revelação veterotestamentária tem traços específicos que a distinguem de


qualquer outro tipo de conhecimento:

1. A revelação é essencialmente interpessoal. Antes que manifestação de alguma


coisa é manifestação de alguém a alguém. E Javé ao mesmo tempo sujeito e objeto da
revelação, Deus que revela e Deus revelado, Deus que se dá a conhecer e se faz conhecer.
Javé, o Deus vivo, estabelece com o homem relações de pessoa a pessoa. Alia-se como um
Senhor com seu servo; depois, progressivamente, como um Pai com seu filho, amigo com
amigo, esposo com esposa. A Palavra de Deus introduz o homem numa κοινωνία, numa
comunhão com Deus, para a salvação.

2. A revelação bíblica é uma iniciativa divina. Não é o homem que descobre a Deus:
é Javé que, antes, se manifesta, quando quer, a quem ele quer. Javé é liberdade absoluta.
Foi ele quem primeiro escolheu, prometeu, fez Aliança. Sua palavra que contradiz a
maneira humana e carnal de Israel julgar, faz brilhar ainda mais a liberdade e continuidade
de seu desígnio. Manifesta-se ainda a liberdade divina na variedade de meios escolhidos
para a revelação: a natureza, a existência humana, a história; na variedade das pessoas
escolhidas (sacerdotes, sábios, profetas, reis, aristocratas ou camponeses e pastores); na
diversidade dos modos de comunicação (teofanias, sonhos, consultas, visões, êxtases,
arrebatamentos); na diversidade dos modos de expressão ou de gêneros literários
(oráculos, exortações, autobiografias, descrições, hinos, reflexões sapienciais).

3. É a Palavra que dá unidade à economia da revelação. Essa primazia da palavra


não é um postulado da fé, mas um fato perceptível pelo simples conhecimento histórico. As
filosofias gregas e as religiões do período helênico procuram a visão da divindade. A
religião do Antigo Testamento, pelo contrário, é a religião da palavra ouvida. Deus revela e
se revela pela sua palavra. Essa prevalência do ouvir sobre o ver é uma das características
essenciais da revelação bíblica. Após o pecado, é pela fé na palavra que Deus traz a
humanidade de volta à visão. Fala Deus ao profeta e envia-o para falar. O profeta comunica
os desígnios e as vontades de Deus e o homem é convidado à obediência da fé.

4. Pela revelação o homem é posto em confronto com a palavra, uma palavra que
exige fé e execução. O pecado, desde logo, será recusar-se a escutar, não responder aos
apelos do Senhor, endurecer-se na resistência (Jr 7,13; Os 9,17). Conforme for aceita ou
recusada, a ação será para o homem graça ou condenação, morte ou vida (Is 1,20). A sorte
do homem dependerá da opção decisiva a favor ou contra a palavra. O objetivo, porém, da
revelação é a vida e a salvação do homem, sua comunhão com Deus (Is 55,2).
5. A revelação é toda orientada para a esperança de uma salvação que há de vir.
Toma impulso a partir da promessa feita a Abraão e tende para sua realização. Para o profeta o
presente é apenas a realização parcial do futuro anunciado, esperado, preparado e prometido,
mas ainda oculto. O presente não tem sentido pleno a não ser pela promessa, feita no passado,
daquilo que será o futuro. Cada revelação profética marca uma realização da palavra, mas
deixa, ao mesmo tempo, lugar para a esperança de uma realização ainda mais decisiva. O
tempo bíblico não é, pois, tempo
cíclico, mas linear: algo de novo acontece na história sob a direção de Deus. A história
tende para a plenitude dos tempos, que será a realização dos desígnios de Deus no Cristo e
pelo Cristo.

2.6 A Revelação no Novo Testamento

2.6.1 Sinóticos

A noção de revelação apresenta, no Novo Testamento, maior complexidade e


diversidade de tons que no Antigo Testamento. Entre ambas as Alianças deu-se um
acontecimento de capital importância: "Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora a
nossos pais, nos profetas; nestes últimos tempos falou a nós no Filho" (Hb 1,1). A Palavra
íntima de Deus, na qual totalmente se exprime e conhece tudo, fez-se homem em Jesus Cristo,
tornou-se Evangelho, palavra de salvação para chamar o homem à salvação. Em Jesus Cristo,
Verbo encarnado, o Filho está presente entre nós. Em termos humanos que podemos
compreender e assimilar, ele fala, prega ensina, atesta o que viu e ouviu no seio do Pai. O Cristo
é o cume e a plenitude da revelação. Mistério inesgotável, cujo esplendor desvendam, revelam
os escritores sagrados, cada qual se demorando num aspecto.

A tradição sinótica descreve principalmente a economia da


manifestação histórica do Cristo, ligando sua função de revelador a seu título
de Messias, doutor e pregador. Os Atos apresentam os apóstolos como
testemunhas e arautos do Cristo. São Paulo desenvolve a ideia da revelação a
partir do tema do mistério e do Evangelho. A Epístola aos hebreus
compara a economia de ambas as Alianças, exaltando as excelências da
revelação em Cristo. Para São João, a função reveladora de Cristo radica-se na
sua qualidade de Logos e Filho. As diversas tentativas de penetração no
mistério são como os diversos ângulos de visão de uma só catedral, que
permitem captar toda a realidade na sua unidade e complexidade.

Na tradição sinótica os termos que principalmente descrevem a ação reveladora de


Cristo são: pregar, no sentido de proclamar, pregar o Evangelho, evangelizar, ensinar, revelar.
O Cristo é o Rabbi, o Doutor, que interpreta as Escrituras com a autoridade de um mestre de
Israel. Títulos que atestam o respeito dos discípulos e do povo pela palavra sapientíssima de
Jesus. Para o povo, Jesus
é também um profeta, repleto do Espírito, em cuja boca estão as palavras de Deus. Como os
profetas ele prega e apresenta sinais. Cristo não recusa esses títulos, mas nem tampouco os
reivindica. Pois
é mais que um profeta e rabbi: é o Filho que partilha dos segredos do Pai. À luz dos
acontecimentos paixão-ressurreição que desvendaram sua verdadeira identidade, os títulos de
Rabbi, Doutor, Profeta, foram abandonados por inadequados e substituídos pelos de Cristo,
Senhor e Filho de Deus. Que os sinóticos os tenham conservados apesar de seu arcaísmo, é um
testemunho de sua fidelidade histórica! Habitualmente os sinóticos apresentam a Cristo
pregando e ensinando. “E Jesus percorria toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas,
pregando a Boa-nova do reino (Mt 4,23;11,1; Lc 20,1). Aparecem novamente juntos em diversos
textos dos Atos (At 4,2;5,42;15,35;28,31). Marcos diz que o Cristo ensina (Mc 1,22) ou prega
(Mc 1,39), percorre as aldeias ensinando (Mc 6,6) ou pregando (Mc 1,38). Segundo Lucas,
Cristo ensina ou anuncia a Boa-nova no templo (Lc 19,47:20,1), ele prega
ou ensina nas cidades e aldeias, pelos caminhos e por toda a região (Lc 13,22,23,5). Pode-
se, contudo, perceber matizes diversos com ambos os termos.

Κηρύσσειν significa proclamar (de um modo ainda global) a novidade inaudita do


Reino de Deus realizado em Jesus Cristo, enquanto διδάσκειν significa instruir
detalhadamente nos mistérios da fé e preceitos morais. Ao passo que o querigma
corresponde principalmente ao aspecto dinâmico da palavra, a διδάχή evidencia antes seu
aspecto noético. O ensinamento acompanha normalmente o choque do primeiro anúncio
da salvação.

Na tradição sinótica, portanto, Cristo é o Revelador enquanto proclama a Boa-nova


do Reino dos céus e ensina com autoridade a Palavra de Deus. Afinal, se ele revela, é por
ser o Filho que conhece os segredos todos do Pai. Quando Cristo tiver terminado sua obra,
os apóstolos deverão, por sua vez, revelar o que o Mestre lhes confiou; em outras palavras,
deverão pregar o Evangelho da salvação, ensinar, convidar os homens à fé. A fé, dom de
Deus, revelação do Pai, é a resposta do homem à pregação do Evangelho. O conteúdo
essencial da revelação é a salvação oferecida à humanidade sob a imagem do Reino de
Deus, anunciado e instaurado por Cristo. Chegou o tempo à sua plenitude: em Jesus Cristo
está presente e atuante o Reino de Deus. O Cristo é, ao mesmo tempo, quem anuncia o
Reino e aquele em quem o Reino se realiza.

2.6.2 Atos dos Apóstolos

Os Atos refletem a linguagem da Igreja primitiva e sua nova fé. Pouco a pouco vai-se
tornando mais preciso o vocabulário do Novo Testamento, a partir das expressões de Jesus
e do uso dos LXX. Cristo dera a seus apóstolos a missão de proclamar Boa-nova (κηρύσσειν
το ευανγγέλιον) no mundo inteiro (Mc 16,15), "fazer discípulos" (Mt 28,19), e de "ensinar”
(διδάσκειν) tudo quanto prescrevera (Mt 28,20). Por ocasião de sua ascensão prometera-
lhes seu Espírito: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia
e Samaria, e até às extremidades da terra” (At 1,8). Diante de Cornélio, declara Pedro que o
Cristo lhes impôs pregar ao povo e atestar que ele é o juiz dos vivos e mortos (At 10,42).

Testemunhar, proclamar o Evangelho, ensinar, pertencem à


função apostólica. Dóceis à palavra do Senhor, os apóstolos saíram, de fato, "pregando” (Mc
16,20), "ensinando" (At 2,42;4,2.18;5,25.42;11,26;17,19,18,11;21,21), "atestando"
(1,22;2,32;3,15;5,30-32;10,39:13,31). Os Atos descrevem a atividade apostólica como
uma continuação da obra de Cristo. Os apóstolos ouviram-no falar, pregar,
ensinar, revelar (tradição sinótica). Dele receberam a missão de atestar sua
ressurreição e sua obra, pregar, ensinar o que ele prescrevera e ensinara. Fiéis à
sua missão, apresentaram-se como testemunhas do Cristo ressuscitado, Messias
e Senhor; pregaram o Evangelho da salvação, anunciaram a Boa-nova, ensinaram
a doutrina do Mestre. Sua função era a de testemunhas e arautos. Seu
depoimento constitui o objeto de nossa fé. A revelação confiada à Igreja ć esse
testemunho apostólico que nos convida a crer o que Cristo disse e fez. A fé,
resposta a essa pregação, é obra divina, despertada pelo Espírito que
interiormente age e fecunda a palavra externamente ouvida.
2.6.3 São Paulo

Para penetrar no âmago da ideia de revelação, São Paulo usa as categorias de


mistério e de Evangelho. Ele é apóstolo para anunciar a Boa-nova do mistério revelado por
Deus.

A simples justaposição dos vocábulos usados já indica movimento de seu pensamento


sobre a revelação. Deus revela, torna manifesto, dá a conhecer, ilumina. Os apóstolos falam,
pregam, ensinam, anunciam a Boa-nova, testemunham, comunicando assim a palavra, a
pregação (κήρυγμα), o testemunho (μαρτύρισν), O mistério (μυστήρισν), o Evangelho
(Ευαγγέλιο). A doxologia que finaliza a Epístola aos romanos ilustra perfeitamente essa
diversidade e riqueza da economia da revelação: “Aquele que tem poder para confirmar-vos
segundo o meu Evangelho e a mensagem de Jesus Cristo, e segundo a revelação do arcano, por
tantos séculos mantido em silêncio, mas agora manifestado e, por ordem do Deus eterno,
dado a conhecer, por meio dos escritos dos profetas, a todas as rações, para que elas se
submetam à fé... a ele seja a glória” (Rm 16,25-26). Em Jesus Cristo, pois, um
mistério antes oculto e guardado como um segredo, é agora desvendado,
revelado e manifesto; é levado ao conhecimento dos povos pelo Evangelho e
pela pregação para levá-los à fé e à obediência.

Na Epístola aos colossenses encontramos a mesma maneira de falar: “Dela [da


Igreja] eu me tornei ministro, em virtude do encargo que Deus me conferiu para convosco,
de anunciar com plenitude a Palavra de Deus, esse arcano oculto por tantos séculos às
gerações passadas, mas que agora Deus revelou a seus santos" (Cl 1,25-26).

Segundo são Paulo, podemos pois definir a revelação como a ação livre e gratuita de
Deus que, no Cristo e pelo Cristo, manifesta ao mundo a economia da salvação, isto é: seu
eterno desígnio de reunir tudo no Cristo, Salvador e Cabeça da nova criação. A
comunicação desse desígnio se faz pela pregação do Evangelho, confiada aos apóstolos e
profetas do Novo Testamento. A obediência da fé é a resposta do homem à pregação
evangélica, sob a iluminação do Espírito Santo; não é uma exigência tirânica de Deus, mas
uma adesão amorosa ao plano de sua infinita sabedoria e caridade. A fé dá começo a um
processo de crescimento contínuo no conhecimento do mistério que só atingirá seu termo
na revelação definitiva.

2.6.4 Epístola aos Hebreus


Dirige-se aos judeu-cristãos a Epístola aos hebreus. Quer demonstrar a excelência
de Cristo como Mediador e a superioridade de seu sacerdócio sobre o da Antiga
Aliança. A demonstração apoia-se num jogo de contrastes ou de oposições entre ambas as
economias. O próprio tema da revelação participa desse clima e apresenta-se como um paralelo
entre a revelação da Antiga e a da Nova Aliança. Os judeu-cristãos, aos quais se dirige o autor,
passam por uma crise
de fé e sentem-se tentados a voltar ao culto e à liturgia da Antiga Aliança. Por isso as
insistentes exortações à fé, à docilidade, à obediência, à paciência perseverante. Para a
história da noção de revelação a Epístola aos hebreus traz duas novidades: comparação
entre a revelação da Nova Aliança e a da Antiga, grandeza e exigências da Palavra de Deus.

Portanto, na Epístola aos hebreus, o termo mais usado para designar a


revelação é palavra. Numa comparação entre ambas as fases da economia da
salvação, a Epístola põe em evidência a continuidade entre as revelações, ao
mesmo tempo que a excelência da nova revelação, inaugurada pela palavra de
salvação do Filho. Palavra que, recolhida e transmitida pelas testemunhas do Senhor, é
confirmada também pelo testemunho de Deus, mediante sinais e carismas. Essa excelência
exige dos cristãos uma fidelidade, uma obediência, proporcionadas à sua origem e à
superioridade do Mediador.

2.6.5 São João

Nos Sinóticos, nos Atos dos Apóstolos e nas epístolas de São Paulo, Palavra de Deus é a
designação que se dá à mensagem evangélica. A grande novidade de são João é a equação que
estabelece entre o Cristo, Filho do Pai, e o Logos. O Cristo é a Palavra eterna, subsistente,
pessoal; realiza-se a revelação porque essa Palavra se fez carne para nos falar do Pai.

Apresenta-se o prólogo do Evangelho de são João como a Gesta do Logos, um resumo


da história das manifestações de Deus por sua Palavra. Podemos distinguir três etapas nessa
economia. A primeira manifestação de Deus é a criança. “Tudo criaste com tua palavra” (Sb
9,1), escreveu o autor de Sabedoria. São Paulo, por sua vez, afirma: “nele foi criado tudo que
há...
tudo foi criado por ele e para ele" (Cl 1,15-16). Em são João encontramos o eco: "Todas as
coisas foram feitas por ele, e, sem ele, coisa alguma foi feita” (Jo 1,3). Porque o mundo criado
pelo Logos (e no Logos, pois Deus vê e concebe tudo em seu Logos
que é a Sabedoria de Deus), a Palavra está no mundo com seu poder e sua sabedoria. Sendo o
mundo o que foi proferido por Deus, manifesta a presença e as perfeições invisíveis do Deus
que fala. Deveriam, portanto, os homens reconhecer e glorificar o autor e artífice do mundo (Sb
13,1-9; Rm 1,18-23). Mas, de fato, o homem permaneceu surdo à mensagem da criação. Essa
primeira manifestação de Deus foi um fracasso: "O Logos estava no mundo, e o mundo por ele
foi feito, mas o mundo não o conheceu” (Jo 1,10) 54. Por isso Deus escolheu um povo e se lhe
manifestou pela Lei e pelos profetas; mas essa revelação, como a primeira, malogrou: "O Logos
veio para sua casa e os seus não o receberam” (Jo 1,11). Finalmente, depois de ter falado pelos
profetas, fala-nos Deus por seu Filho (Hb 1,1): "O Verbo se fez carne e armou sua tenda entre
nós" (Jo 1,14). "A Deus ninguém jamais o viu; manifestou-no-lo o Unigênito de Deus, que está
no seio do Pai” (Jo 1,18). Jesus Cristo
é a Palavra substancial de Deus, o Filho único do Pai. Realiza-se a revelação porque a
Palavra se fez carne e assim se tornou mensagem divina, contando-nos em termos e
proposições humanas os segredos do Pai, principalmente o mistério de seu amor por seus
filhos.

Três elementos fazem de Cristo o perfeito Revelador do Pai: sua


preexistência como Logos de Deus (Jo 1,1-2), a encarnação do Logos (Jo 1,14),
a intimidade de vida
permanente do Filho com o Pai, antes e depois da encarnação (Jo 1,18). João
dá à revelação o máximo de extensão e de significação, justamente porque vê
no Cristo a Palavra encarnada, o Filho que vive no seio do Pai. O Cristo está
ontologicamente qualificado como o único revelador perfeito: sua missão de
revelação baseia-se na sua própria vida no seio da Trindade. Aquele que, no seio
da Trindade, já é a Palavra e a Sabedoria de Deus, torna-se, na economia concreta da
encarnação, fonte de luz e de verdade para os homens. Dá-nos assim São João a última
palavra sobre a função de Cristo como revelador.

João entende a revelação como a Palavra de Deus feita carne, e por essa carne,
palavra e testemunho formulados humanamente, dirigida imediatamente aos apóstolos e
por eles a toda a humanidade, para atestar a caridade do Pai, que envia seu Filho entre os
homens, para que, acreditando nele, tenham a vida eterna. A fé é resposta ao testemunho
exterior do Cristo e, ao mesmo tempo, a atração interior do Pai e ao testemunho do
Espírito. Dimensão dupla da única palavra do amor de Deus.

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