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Instituições de Direito

Um ensaio sobre a teoria jurídica

Neil MacCormick

Tradução: Cristiano da Câmara Soares


(março/2018)
Introdução:

Instituições de Direito é uma exposição da teoria institucional do


direito. Esta teoria visa desenvolver uma melhor compreensão do direito do que
outras teorias atualmente ofertadas. Parte de uma definição de direito, a saber:
o direito é uma ordem normativa institucional. Este não é um exercício de
semântica convencional que tenta capturar o significado convencional do termo
"direito" como é usado por outros estudiosos. É o que pode ser chamado de
"definição explicativa "; explicar os elementos da definição é explicar os aspectos
significativos do que os estudiosos atualmente reconhecem como direito. (Isto é,
eles reconhecem como "direito" em um sentido importante do termo. Existem
outros significados que a definição não considera, mas isso será anotado no
devido tempo).
Ao explicar os elementos de definição, é necessário primeiro explicar o
que são "normas", e depois seguir explicando "ordem normativa". Finalmente,
ao discutir a institucionalização da ordem normativa, chega-se a uma definição
do que significa o termo "ordem normativa institucional". No início, ao discutir
‘norma’, a perspectiva adotada é a do usuário, não do criador de normas. Um
dos aspectos fundamentais da natureza humana é, precisamente, o fato de
sermos, todos, usuários de normas, porque é inerente à condição humana a
capacidade de falar uns com os outros e se comunicar por escrito e, por outros
meios, participar da comunicação linguística em qualquer uma das suas formas.
Idiomas tem uma estrutura - gramática, sintaxe e semântica - que depende de
regras altamente complexas que não foram conscientemente criadas por
ninguém. Sua complexidade é tão desafiadora que os especialistas em
gramática e linguística ainda estão lutando para expressar clara e
compreensivamente (ou reconstruir racionalmente) as normas implícitas de cada
uma das numerosas línguas naturais do mundo.
O caso prático da ‘fila’, que é o assunto do primeiro capítulo, nos fornece
um exemplo muito mais simples de padrões, que a maioria de nós usamos todos
os dias sem parar para pensar sobre isso. Um tipo de ordenação que às vezes
podemos observar no comportamento humano, que é apresentado quando as
pessoas seguem regras comuns de comportamento: ficamos parados um atrás
do outro para esperar o ônibus e, quando chega, nós subimos em ordem, sem
empurrar ou passar por cima de ninguém (embora nem sempre!). É esse tipo de
ordem que eu chamo de “ordem normativa”.
Pode acontecer que eventos deste tipo dependam de algum tipo de
orientação preliminar. A principal estação de trem em Edimburgo, por exemplo,
tem um sistema de reserva antecipada que requer que àqueles que queiram
comprar uma passagem, pegue uma senha numerada e aguarde numa área
perto da bilheteria ou, se a numeração é muito longa, vá para um café e depois
retorne. Os números são chamados eletronicamente em sequência e quando o
número é anunciado em um painel, vai até o guichê realiza a reserva.
Isso envolve a "institucionalização" da prática da fila. Neste contexto
particular (como será discutido em mais detalhes no capítulo II), não temos
apenas usuários de normas, mas também fabricantes de normas, que regulam
como a série numerada de posições é formada e como a equipe trata os
compradores de acordo com isso. Também existem implementadores de regras,
caixas nas bilheterias e a pessoa encarregada do local de espera. Aqui as
normas são implementadas ordenadamente e tal como foram estabelecidas.
Isso explica como uma "ordem normativa" leva a forma especial de uma "ordem
normativa institucionalizada". “Regras” é um termo técnico útil por meio do qual
é feita referência às normas e aplicada por pessoas que possuem algum tipo de
autoridade.
De um modo mais ambicioso, a estrutura constitucional do Estado
moderno, em toda a sua variedade de manifestações, pode ser entendida como
um caso especialmente complexo de "institucionalização" de normas. O Capítulo
III explora este tópico no detalhe, discutindo o caráter de Estados e constituições,
e assuntos como a separação de poderes. A institucionalização das regras e sua
aplicação, no entanto, cria um amplo espaço para ambas as controvérsias sobre
sua interpretação, quanto ao ceticismo sobre se as regras oficiais explicam,
verdadeiramente, como as pessoas se comportam na vida real. A questão da
possível diferença entre a regra, tal como é estabelecida, e como de fato é feito,
é o assunto do capítulo IV.
A exploração da definição explicativa “o direito é uma ordem normativa
institucional" é objeto de toda a primeira parte do livro. O direito, tomado neste
sentido, é obviamente uma característica central de cada Estado e, em particular,
de qualquer Estado constitucional ou estado de direito. O direito do Estado é
para muitas pessoas, particularmente para a maioria dos profissionais e
estudantes de Direito, é o que mais importa. Mas não é o único tipo de direito.
Organizações esportivas internacionais, confederações como a União Europeia,
entidades interestatais baseadas em tratados, como o Conselho da Europa, ou
a OTAN, e muitos outros, também exibem ordem normativa institucional à sua
maneira. O mesmo acontece com igrejas e vários tipos de organizações
religiosas e de caridade. Assim a comunidade internacional age como tal,
certamente desde pelo menos o estabelecimento da Corte Permanente de
Justiça Internacional (cujo Estatuto foi adotado pela Assembleia Geral da Liga
das Nações em 1920) e tanto mais desde a fundação das Nações Unidas, a
adoção da Carta das Nações Unidas e a criação da Corte Internacional de
Justiça.
Os termos "direito" e "lei" são frequentemente usados num sentido mais
amplo, também incluindo formas não institucionalizadas de ordem, como a "lei
moral" ou "direito consuetudinário", e até formas não normativas de ordem, como
as "leis da física”. Eu não pretendo nenhum tipo de imperialismo contra esses
outros casos ou usos dos termos "direito" ou "lei", com que a maioria das
pessoas podem dizer ou tratar em suas conversas. Mas eu não acho necessário
justificar-me por dar prioridade à exposição de uma teoria sobre direito e direito
em seus contextos de estado e similares. Este tem sido, muito propriamente, o
foco principal da minha atenção nos trinta e cinco anos que passei como
professor de direito público e direito da natureza e das nações, na Universidade
de Edimburgo.
Na segunda parte do livro, a atenção é voltada para os tipos de relações
que o direito constitui e regula. O direito regula, dito em uma frase muito antiga,
"pessoas, coisas e ações". Então, o que o direito constitui como pessoa e como
ela nos permite interpretar a qualidade da personificação no contexto legal? E
como isso nos permite interpretar o atributo de "personalidade" nessa
configuração legal? Como o direito regula a ação e a atividade por meio de
conceitos como "ilegal" ("infração", “Crime”, etc.) e “dever”? Que tipo de relações
há entre pessoas - "obrigações", "direitos", "liberdades", "poderes",
"imunidades", por exemplo? E como se regula as relações entre pessoas e
coisas - direitos de uso, propriedade e outros relacionados a uma palavra,
"propriedade"?
Muito tem sido escrito e ainda está sendo escrito sobre direitos
subjetivos e conceitos relacionados, mas, surpreendentemente, poucos tentam
integrá-los com uma explicação teórica do direito que dá suporte e fundamento.
O contexto legal, no entanto, não deveria ser tomado como garantido. É uma
virtude específica da segunda parte, que contextualiza adequadamente o direito
nas relações ou posições que surgem em uma ordem normativa institucional e
que são apreciados através da interpretação de situações e leituras específicas,
à luz das regras e princípios gerais.
Não apenas as relações jurídicas devem ser contextualizadas dentro de
uma teoria satisfatória do caráter do direito, mas essa elucidação deve incluir,
além disso, a consideração do direito em seu contexto, dentro do Estado e a
sociedade civil, para a qual é um elemento constituinte essencial. Esta é a tarefa
da terceira parte. Partindo da consideração de certo modo abstrato dos poderes
legais com os quais concluo a parte anterior, o capítulo X discute os poderes em
direito público e o seu caráter distintivo ante ao poder privado, levando a uma
discussão sobre a interface entre direito público e política. É importante manter
a distinção entre política e direito público, mas não de maneira que ignore ou
subestime sua interação mútua crucial. Isto está intimamente ligado à
manutenção do Estado como o estado de direito ("Estado de direito" é usado
aqui para se referir ao estado-sob-o-direito, ou o estado constitucional, em qual
o exercício do poder está sujeito a limitações constitucionais efetivas e o estado
de direito é equivalente ao termo alemão “Rechtsstaat”)1.
Um problema crítico, desde o surgimento dos Estados em sua forma
moderna, tem sido proteger contra os excessos e abusos do poder público,
garantindo ao mesmo tempo a adequação dos poderes das autoridades
governamentais às tarefas apropriadas de governança. Uma das bases para a
solução deste problema tem sido os direitos constitucionalmente garantidos que,
desde 1945, foram apoiados cada vez mais por garantias internacionais de

1
Ver também MacCormick, 1999. P. 9-11.
direitos "fundamentais" ou "humanos" e, claro, de sua institucionalização em
várias formas. Este é o tópico do capítulo XI.
Os Estados podem ser, embora nem sempre tenham sido, cenários para
o desenvolvimento da "sociedade civil", na qual existem relações de civilidade
entre estranhos que trabalham uma forma impessoal de confiança entre si. Os
indivíduos da sociedade civil, mesmo quando são estranhos, não veem outros
como potenciais ameaças à sua segurança pessoal ou segurança de seus bens.
Infelizmente, essa expectativa pode ser frustrada, às vezes com muita facilidade.
O direito, no entanto, e em particular um sistema de justiça penal aplicado
imparcialmente através de um sistema processual criminoso satisfatório, é um
apoio essencial da civilidade, ou paz social, neste sentido. O Capítulo XII
examina o papel do direito penal sob esta luz. O capítulo XIII presta atenção,
finalmente, à inter-relação entre o direito e a economia, centrado nas regras e
instituições do direito privado. Isso novamente pressupõe um alto grau de
civilidade na sociedade civil, para que as instituições de propriedade privada, o
contrato e as outros elementos complementares de uma economia de mercado
possam se desenvolver.
A quarta parte, finalmente, lida com certas questões conceituais
fundamentais sobre direito e moral, e sobre o método da teoria do direito. Uma
parte importante da discussão sobre "direito e moral" pressupõe formas de
realismo ou relativismo moral insuficientemente examinados. O que você tem
que insistir claramente é que qualquer pergunta sobre o link conceitual ou outras
relações que existem entre o direito e moralidade (ou, se preferir, entre "lei do
estado" e "lei moral") é tanto uma questão sobre a verdadeira natureza da
moralidade, quanto a verdadeira natureza do direito. Uma maneira de ver a
obrigação e a experiência moral enfatiza sua natureza essencialmente não-
institucional. Os agentes morais são indivíduos autônomos, cujos compromissos
morais derivam de sua própria apreciação discursiva das demandas de uma vida
boa e decentemente vivida junto com outros agentes morais autônomos em uma
comunidade humana. Para quem tem essa concepção, não há autoridades
morais ou regras institucionalizadas ou relações morais. Nesse caso, como a
presente teoria define o direito por seu caráter institucionalizado, há uma
profunda distinção conceitual entre direito e moral. Ambos envolvem uma ordem
normativa, mas esta diz respeito para um dos indivíduos autônomos, um
institucionalizado, mantido pelo Estado e suas autoridades. O capítulo XIV
desenvolve esta concepção.
O capítulo XV reconhece, no entanto, que fazer essa distinção não fecha
a questão de saber se existe algum elemento moral essencial para o direito. A
solução proposta é que algum nível mínimo de justiça seja essencial. Não há
nada no caráter de ordem normativa institucional que exige que reconheçamos
como práticas de direito ou regras ou decretos, que qualquer posição moral
razoavelmente estável e aceitável para qualquer agente autônomo caracterizaria
como sérias violações de demandas básicas da justiça. Não é problemático
aceitar como limite à validade das normas legais, alguma exigência mínima que
exclua injustiças graves. No mundo contemporâneo, estes limites foram
institucionalizados, em parte, através das convenções dos direitos humanos
discutidas no capítulo XI. Esta conclusão requer reconhecer que a teoria
institucional do direito em sua forma atual, apesar do que foi originalmente
desenvolvido dentro da escola de pensamento conhecida como "positivismo
jurídico", não é agora uma teoria "positivista". Se alguém escolhe ou não
qualificá-la como parte da tradição do "direito natural ", essa teoria é certamente
pós-positivista.
Isto é, em linhas gerais, o tipo de explicação filosófica do direito oferecido
neste livro. Enfrenta o fato de que o direito é um assunto enorme e complexo.
Na contemporaneidade, em face da globalização e de outras mudanças
históricas, se desenvolve adquirindo mais complexidade. Ninguém pode esperar
ser um especialista em mais do que algumas pequenas partes dele. No entanto,
nenhuma parte é totalmente inteligível sem uma compreensão de seu lugar no
todo maior. É por isso que é preciso uma visão geral que explique os elementos
fundamentais e a maneira como eles se encaixam. Este trabalho busca, portanto,
contribuir para o que chamamos de "teoria geral do direito".
Uma explicação deste tipo pressupõe uma abordagem analítica do
assunto. A análise pressupõe que um todo maior e complexo é composto de
elementos mais simples, e que uma explicação desses elementos e a maneira
como eles interagem é necessária para compreendê-los. A análise por si só, no
entanto, é insuficiente. A síntese é o seu complemento necessário. Cada parte
só pode ser totalmente entendida como um elemento do todo e o todo como tal
afeta, portanto, a natureza de seus elementos. Quem procura explicar algo
analiticamente pode começar por identificar seus elementos e as relações entre
eles. Para que essa tarefa seja bem-sucedida, no entanto, deve já ter trabalhado
com uma visão de tudo, e ter usado para reavaliar a natureza das partes. Existe
uma interação interminável entre a reconstrução do todo como um composto de
seus elementos e elementos como partes derivadas de um todo.
Como devem ser abordadas as tarefas de análise e síntese no caso de
um assunto como o direito? Estamos lidando com elementos da consciência e
interação humana, porque, como observado, nos referimos a padrões e à
normativa, considerando-os inicialmente sob a perspectiva do usuário. O objeto
estudado não consiste ou não se ocupa primariamente com processos físicos ou
psicológicos, mas pertence a uma esfera de ação e interação humana
significativa. Isso implica dizer que devemos considerá-lo como algo
essencialmente dotado de significado, mas para assim entendê-lo é necessário
interpretá-lo, o que também significa dizer que a abordagem aqui apresentada é
"hermenêutica" ou “Interpretativa”. O objetivo é explicar o que lhe dá significado
e como os seus sentidos são construídos e, para isso, o ponto de vista adotado
é a de um observador informado.
O direito envolve tanto as atividades de primeira linha como a formulação
de leis, julgamentos, advocacia, aconselhamento, redação e execução, quanto
as atividades de segunda linha que é a observação e o estudo da prática como
um todo. O estudante ou acadêmico de direito, atuando em segunda linha,
preocupado com a exposição jurisprudencial ou doutrinária, tem um certo
distanciamento em contraste com os atores de primeira linha. No entanto, este
ator de segunda linha têm um nível de comprometimento relativamente elevado
em contraste com os observadores puramente externos. Estes últimos (por
exemplo) levam todo o corpus de atividade legal, incluindo a produção de juristas
e teóricos, como objeto de estudo do ponto de vista sociológico ou investigação
antropológica ou de economia ou ciência política.
O presente trabalho preocupa-se com o ramo do estudo humano que
procura elucidar e expor as bases da ordem normativa por meio de uma
racionalidade estruturada do "sistema" estabelecido como um corpo de normas
de conduta humana. Isso às vezes é chamado de "ciência legal", às vezes
"jurisprudência", às vezes "direito acadêmico", às vezes "teoria de estudo legal".
Um dos objetivos deste livro é conseguir uma explicação filosófica satisfatória
dos pressupostos que estão por trás desses estudos. O que temos que supor
para ser verdade a alegação que este estudo nutre um fundamento científico?
Esta questão busca estabelecer as condições que tornam possível as
reivindicações da ciência jurídica tentando estabelecer um corpo de
conhecimento genuíno e significativo, digno de instituições de ensino superior e
pesquisa como nossas grandes universidades. Alternativamente, pode-se olhar
para isto do ponto de vista do estudante, que razoavelmente demanda saber que
ordem e estrutura precisa ser encontrada nesse emaranhado de materiais que
ele confronta como "direito".
De qualquer maneira, o ponto de vista do qual nos aproximamos da
presente tarefa é o de um observador interno e não de ativista. Isso contrasta
com outras abordagens teóricas que sugerem, por exemplo, o ponto de vista de
"Iudex", um juiz representativo no mais alto tribunal nacional para, a partir do
qual, obter uma visão particularmente rica e racional de direito2. Em contraste a
isso, o presente trabalho adota abertamente a perspectiva do professor. Não há
motivo para duvidar que a sistematização do direito, na medida em que veio, tem
sido principalmente uma conquista da ciência jurídica do que da prática legal.
Isso não é negar que as pessoas que ocupam a posição de "Iudex" de Ross, ou
outros em outras formas de prática legal, têm sido extremamente proeminentes
em desenvolver um estudo racional e "científico" do direito. Nem se deve negar
a autoridade especial das reconstruções e interpretações judiciais e o
desenvolvimento da doutrina jurídica nas comunidades políticas
contemporâneas que vivem sob a lei.
No entanto, o papel do expositor é um papel distinto daquele do juiz. No
sentido mínimo, a tarefa do juiz é decidir as controvérsias apresentadas ao
tribunal em conformidade com a lei, aplicando o direito de acordo com o que é
representado como sua interpretação mais apropriada. É apropriado para o juiz
como tal se aventurar em uma exposição do direito apenas quando essa tarefa
exige isso. Em muitas tradições jurídicas, os juízes também desempenharam um
2
Ross, 2001. Ross adverte que é necessário declarar o ponto de vista a partir do qual aproxima a teoria
do direito e enfatiza os aspectos relacionais e sociais do direito estatal nas sociedades contemporâneas,
em particular, a conexão entre as relações socioeconômicas de poder e relações jurídicas.
papel distinto como juristas e autores de escrita doutrinal influente, o mais
influente, na verdade, na medida em que a sua experiência e prestígio apoiaram
seu trabalho expositivo.
É possível discutir se um estudo interpretativo e analítico como este tem
algum valor. Mas parece mais sábio, no entanto, apresentar primeiro uma
explicação do direito de acordo com a teoria institucional e deixar os leitores
julgar por si mesmos se acham que é esclarecedor para seus propósitos, sejam
eles quais forem. No capítulo final, em vez de no início, há uma discussão sobre
as suposições relativas a método e teoria do conhecimento que são
pressupostos nas tentativas de construir compreensão do “direito” conforme é
proposto aqui. O maior teste de qualquer método de inquérito é, no entanto, a
qualidade dos resultados alcançados. A discussão abstrata de metodologia tem
sua própria importância, mas somente em relação aos métodos que produzem
descobertas interessantes e significativas. Cabe ao leitor julgar se ele os
encontrou aqui.

PRIMEIRA PARTE

Norma, Instituição e Ordem

CAPÍTULO I

Ordem Normativa

1.1 – Introdução

O direito é uma ordem normativa institucional e o direito do Estado


Contemporâneo é uma forma de direito. Há outros, como o direito internacional,
a lei do surgimento de novas formas político-legais, como a União Europeia, o
direito canónico, a lei de shari, o direito de organizações esportivas e dos jogos
que eles regulam e, sem dúvida, muitos outros. Todos têm em comum a
aspiração de pedir (no sentido de "ordem", não aquele de "comando"). Um
elaborado conjunto de padrões para a conduta humana são vistos como
vinculantes para todas as pessoas no ambiente ordenado e a ordem prevalece
entre as pessoas endereçadas na medida em que conseguem conduzir aos
padrões estipulados. A possibilidade de ordenação resultante de conformidade
com tais padrões depende, obviamente, do conjunto de padrões para uma
totalidade racionalmente inteligível. Portanto, existe uma qualidade sistemática
sobre os supostos padrões de conduta ou "normas" subjacentes à aspiração de
ordem.

1.2 – Fatos Institucionais

O mundo dos seres humanos é aquele que inclui não apenas realidades
e fatos físicos, mas também fatos institucionais. A título de definição preliminar,
trata-se de fatos que dependem da interpretação de objetos, eventos e ações
singulares por referência a algum quadro normativo. Eu seguro na minha mão
um pedaço de plástico colorido e brilhante que tem algumas marcas peculiares.
Este é um cartão de crédito. Eu uso no meu pulso um disco preso a uma tira com
uma superfície clara em um lado, atrás da qual são visíveis marcas distribuídas
uniformemente ao redor do perímetro de uma superfície branca. Isso é um
relógio. Eu tenho em meu bolso discos metálicos com a efígie de um rosto
humano de um lado, são diferentes em tamanho e cor e nas marcações que eles
carregam. São moedas, e eu as utilizo para comprar jornais e outras coisas.
Estamos lidando aqui com realidades sociais que são "institucionais".
Isto pode ser verificado por referência à definição de trabalho acima, e refletindo
em que outras informações que precisamos além de fatos físicos, a fim de
perceber o plástico como cartão de crédito, o objeto de pulso como um relógio,
as peças de metal como moedas. Em cada caso, pressupõe-se um corpo
formidável de regras legais ou outras, relativas ao crédito e ao consumo, às
normas de medição do tempo ou à definição de dinheiro e curso legal no contexto
de contratos e dívidas. Sem estes, o objeto físico perderia seu significado atual.
Interpretação das coisas e seu uso à luz das regras relevantes é o que faz com
que tais objetos físicos tenham o significado que eles têm. Isso vai, de alguma
forma, no sentido de estabelecer uma ideia de "fatos institucionais" como
elementos onipresentes e inerentes à realidade social. É uma ideia que teve um
impacto poderoso desde que surgiu pela primeira vez em um ensaio de Elizabeth
Anscombe e John Searle, o último dos quais, em particular, fez extensas
contribuições para elucidar conceitos subjacentes ao longo de muitos anos3.
Para àqueles preocupados com o direito no sentido do direito de um
estado contemporâneo, "direito positivo", a ideia de fatos institucionais liga-se
facilmente à ideia que os elementos importantes do direito são formados por
"instituições" como contrato, propriedade, casamento, confiança, fundação
(Stiftung) e similares. Também conecta com a ideia de que o direito é
"institucional" no sentido de ser aplicado através de "Instituições", como
tribunais, legislaturas, Ministério Público, forças policiais e similar. A reflexão
sobre essas ideias lança luz sobre muitas questões que têm ocupado estudiosos
do direito ao longo dos séculos. Explicações importantes do caráter institucional
do direito são encontrados no trabalho de contemporâneos como Ota
Weinberger4 (com quem tenho colaborado na tentativa de um ensaio introdutório
por meio de uma "teoria institucional do direito"5), Dick Ruiter, Joxerramon
Bengoetxea, Eerik Lagerspetz e Massimo La Torre6.
Outro uso jurídico do termo "instituição" merece menção aqui, mesmo
que a título de ressalva sobre sua relevância para a maior parte do que se segue.
Esse uso deriva da palavra latina clássica significando um livro didático, a saber,
"institutio". Este termo ocorre no título de dois dos livros jurídicos mais famosos
da história, o Instituições (ou, às vezes, "Institutos") de Gaio e de Justiniano.
Estes dois livros, o primeiro principalmente através de sua influência sobre a
forma e o último sobre o conteúdo, exercendo ao longo de muitos séculos um
poderoso domínio na imaginação do direito. Eles geraram imitações na forma de
"Instituições” de direito nacional produzida por autores sistematizadores da
doutrina jurídica, especialmente nos séculos XVII e XVIII, quando o surgimento
do Estado moderno conduziu a formulação de exposições sistemáticas de direito
neste ou naquele país.

3
G E M Anscombe, "Em Brute Facts Analysis” 18 (1958) 69-72; J R Searle, atos de fala (Cambridge:
Cambridge University Press, 1969); O trabalho da Searle continua através da expressão e Significado:
Estudos na Teoria dos Atos da Fala (Cambridge: Cambridge University Press, 1979); com Danderveken,
Fundações da Lógica Locucionaria (Cambridge: Cambridge University Press, 1985), e A construção da
realidade social (Harmondsworth: Allen Lane, 1995).
4
See, in particular, O Weinberger, Law, Institution, and Legal Politics: Fundamental Problems of Legal and
Social Philosophy (Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1991).
5
N MacCormick and O Weinberger, Grundlagen des Institutionalistischen Rechtspositivismus (Schriften
zur Rechtstheorie, Heft 113) (Berlin: Duncker und Humblot, 1985); An Institutional Theory of Law
(Dordrecht: D Reidel, 1986); Il Diritto Come Istituzione (trans M La Torre) (Milan: Dott A Giuffré, 1990);
Pour une theorie institutionelle du droit (trans O Not and P Coppens) (Brussels: Story Scientia LGDG,
1992).
6
D W P P Ruiter, Institutional Legal Facts (Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1993); Legal
Instituições (Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2001); J Bengoetxea, O Raciocínio Legal do Tribunal
de Justiça das Comunidades Europeias (Oxford: Clarendon Press, 1993); E Lagerspetz, os espelhos opostos
(Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1995); M A Torre, Norme, Istituzioni, Valore: per una teoria
istituzionalistica del diritto (Roma: Laterza, 1999); B Tamanaha, Jurisprudência Geral do Direito e Society
(Oxford: Oxford University Press, 2001) em 136-146 sugere que o caráter institucionalizado de direito é
um lugar comum entre a maioria dos positivistas contemporâneos. Isso pode ser verdade, mas
desenvolver o insight tem sido um assunto diferente.
O sentido de "instituição", nesse caso, é claramente diferente de outros
sentidos indicados acima (exceto, é claro, na medida em que as práticas
educacionais, e as normas que as envolve, podem ser o que dão origem a
tradições de livros didáticos7 em educação e prática, como em outras
disciplinas). Mas, por um capricho do destino, aconteceu em alguns sistemas
que particularmente distinguiram escritores do início do período moderno que
passaram a ser considerados autoritários, e seus escritos chegaram a ser
considerado uma "fonte de direito" subordinada, juntamente com o direito
estatutário e precedente, embora mais fraco em autoridade. Assim, a ideia de
um "escritor institucional" passou a pertencer entre as instituições de direito em
um sentido mais forte do que isso, atestada pelo mero uso e popularidade (ou
falta dela) de livros didáticos nos currículos e prática de ensino de faculdades de
direito.
Ao procurar esclarecer nossa compreensão do direito de acordo com a
explicação/definição oferecida pela teoria institucional, é desejável esclarecer
três noções: a do "normativo", a da "ordem" e a da "institucionalidade". O direito
pertence ao gênero "ordem normativa", e é dentro desse gênero que
encontramos a espécie particular "Ordem normativa institucional". Para clarificar
isso, vamos considerar o exemplo ilustrativo de uma "fila", como as pessoas às
vezes se formam em algum desses pontos comerciais ou de transporte, como
um ponto de ônibus, ou uma cafeteria, ou um terminal de balsa. Isto é um
exemplo cotidiano, e ganha com isso uma certa familiaridade útil para o propósito
dessa discussão.

1.3 – A Normativa

De pé na fila, ou "formando uma fila", seja em um supermercado ou em


um ponto de ônibus, ou quando estamos parados em um engarrafamento numa
rua movimentada, ou em qualquer outra situação que ocorre com frequência no
dia-a-dia. Isso é espontâneo e sem qualquer intervenção ou direção oficial, às
vezes de forma mais organizada e dirigida. A prática de "enfileirar" ou "ficar em
fila" é certamente uma questão de experiência comum. Na medida em que as
pessoas "tomam a sua vez" em uma fila, há um movimento ordenado, um a um,
até ao limite de vagas disponíveis a bordo no ônibus estacionado no ponto; ou
há uma procissão ordenada de veículos no trânsito, sem atropelos, até que todos
consigam passar. Do ponto de vista de quase todos que ali estão, uma espécie

7
Para duas visões da "tradição do livro didático" na educação jurídica, veja W Twining, "Is Your Textbook
Really Necessary? Jornal da Sociedade de Professores Públicos de Direito (NS) 11 (1970) 81-89; T B Smith,
Jornal "Autores e Autoridade" da Sociedade de Professores Públicos de Direito (NS) 12(1972–3) 3–21;
Twining, ‘Treatises e textbooks: A Reply to T B Smith’ Journal of the Society of Professores de Direito
Público (NS) 12 (1972–3) 267–274.
de justiça e eficiência prevalece. Isso não precisa funcionar perfeitamente para
ser satisfatório. Sempre pode haver alguém com ‘cara-de-pau’ o suficiente para
pular a fila, ou acelerar na pista engarrafada ao ponto de provocar uma colisão,
efetivamente desafiando outros condutores.
A maioria das pessoas reconhece que às vezes é preciso acelerar em
meio a um engarrafamento, sem aguardar pacientemente a sua vez (você pode
estar em uma emergência médica ou saiu correndo para o supermercado em
busca de suprimentos urgentes; você está desesperado para chegar à faculdade
na hora de fazer sua prova; você é um médico correndo para atender um
paciente gravemente doente). Isso é diferente da auto preferência injustificada
de pessoas que sempre ou muitas vezes tentam furar uma fila sem justificativa,
embora talvez haja poucas pessoas que são completamente imunes a ocasiões
de auto preferência injustificada desta forma. Pode de fato, como a experiência
testemunha, ser uma prática bem-sucedida, até mesmo uma espécie de
instituição sócio moral, filas ou espera na fila, apesar da ausência de perfeita
conformidade com a prática. Mas existe também algum limite mínimo de
conformidade abaixo do qual a prática seria insustentável. Seria literalmente
impossível ser a única pessoa que "toma sua vez" porque esse movimento exige
uma prática coordenada de dois ou mais. Quando uma maioria substancial de
potenciais concorrentes para uma certa oportunidade não reconhece a vez do
outro, isso equivale a auto apropriação inútil se um ou alguns agem como se a
maioria estivesse pronta para ficar em seu lugar.
A organização em filas é então normativa. Sempre que houver filas para
algo que você quer, você deve aguardar a sua vez, e as pessoas que lhe
sucedem, o fazem porque na opinião deles é o que se deve fazer - isto é, este é
o contexto dado. Esta orientação de ação "deve" nos alertar para a presença de
algum tipo de norma, e ao caráter normativo das opiniões que as pessoas
mantêm em tal cenário. Curiosamente, tal prática normativa e tal opinião
normativa pode existir e ser bastante viável mesmo na ausência de uma única
regra canonicamente formulada, ou formulável, que todos poderiam citar como
regra sobre filas. As pessoas sabem como fazer filas, e podem acusar casos de
furo de fila, e protestar contra isso, mesmo que nunca tenham articulado
exatamente que norma é essa. Isso não significa que não possamos refletir
sobre como tornar explícito uma norma implícita de conduta para a situação ou
o tipo de caso.
Talvez o a seguir seja uma tentativa razoável: nos casos em que as
pessoas procuram um serviço ou oportunidade que não pode ser fornecido a
todos simultaneamente, cada um deve tomar o seu lugar na fila depois de
qualquer um que chegou mais cedo no ponto de serviço ou local de
oportunidade, e cada um tem o direito de ir à frente de qualquer um que chegou
mais tarde, e tem o direito de esperar que outros observem isso, e responder
criticamente ou mesmo obstrutivamente para as pessoas que furam a fila.
Está pelo menos aberto à discussão se esta é ou não uma boa
explicação, ainda que de maneira abstrata, da ideia normativa de ordem, e que
poderia ser reformulada de maneira mais concreta em relação a um serviço ou
oportunidade. Mas a viabilidade da prática obviamente não depende da precisão
desta ou qualquer outra tentativa particular de colocar em termos explícitos a
implícita norma de conduta para filas.
Mesmo se você e eu travássemos uma discussão cuidadosa e
formulássemos uma explicação dessa regra que fosse acessível para nós dois,
nada garante que isso pareça igualmente acessível para uma terceira pessoa,
ou outra em quarto lugar, muito menos todos quanto estiverem ordenados numa
fila qualquer. Isso significa uma verdade importante: o enfileiramento é
socialmente localizado e é essencialmente uma atividade interpessoal, orientada
para uma opinião normativa comum. Mas a opinião comum não pressupõe
nenhuma pré-articulação comum da norma no cerne da opinião normativa. Onde
quer que haja uma fila, todos os envolvidos têm um objetivo semelhante de obter
um determinado serviço ou oportunidade e reconhecem que os outros estão
buscando a mesma coisa ao mesmo tempo. Se as pessoas formam uma fila,
isso as ajuda a alcançar suas várias sobreposições e visa a civilidade mútua, em
detrimento de um conflito aberto. E tem que haver, necessariamente,
compreensão mútua desse processo.
O enfileiramento é, portanto, uma prática "interpretativa", e o conceito de
"fila" parece cair na classe do que Ronald Dworkin chama de "conceitos
interpretativos". Cumpre aqui esclarecer que essa prática não pode ser imputada
a uma identidade à priori de compreensão ou de articulação ou conceituação
explícita. Mas pode haver um consenso adequado dessa prática para engendrar
uma medida de ordem. Esta ordem parece explicável por referência a uma
norma implícita de filas, onde articular essa compreensão seria uma questão de
debate interpretativo entre aqueles que reconhecem a prática como
essencialmente compartilhada ou comum e tentam ser justos dentro dela,
satisfazendo adequadamente as expectativas de cada um.

1.4 – Ordem Normativa

Se colocar em fila também fornece um exemplo de "ordem" em seu


sentido material. O posicionamento das pessoas em uma fila é ordenado, não
aleatório. A ordem aqui não é apenas um padrão real e previsível que poderia
ser estudado "externamente" e relatado estatisticamente8. É uma "ordem
normativa" porque, ou na medida em que, pode-se explicar por referência ao fato

8
Esta ideia de observação "externa" da conduta deriva do Conceito de Lei de H L A Hart (Oxford: Clarendon
Press, 2a ed., 1994) 55-60, amplamente discutido em N MacCormick, Raciocínio Legal e Teoria Jurídica
(Oxford: Clarendon Press, 1978, revisado edn, 1994) 275-292; para mais discussão, veja o capítulo 4
abaixo.
de que os atores estão orientando o que fazem por referência a uma opinião
sobre o que eles e outros deveriam fazer. Nós podemos seguir a ordem
externamente observável em um caso deste tipo, imputando-a a ações de
indivíduos que possuem uma certa consciência mútua, juntamente com
expectativas recíprocas. O resultado é um tipo de ação comum e consciente dos
participantes. Cada um age sobre o entendimento (ou a suposição, não
necessariamente articulada) que outros estão orientados para a mesma opinião,
no que diz respeito ao que todos devem fazer. Esta opinião sobre o que as
pessoas devem fazer, a partir do que Erik Lagerspetz caracterizou como
"crenças mútuas "9, equivale a uma norma implícita que pode ser feita de
maneira explícita, conforme sugerido acima.
Obviamente isso está, no entanto, sujeito à ressalva de que é uma
interpretação potencialmente contestável da ideia de norma. Existe um sentido
compartilhado de ser "a coisa certa a fazer", mas isso não depende de que haja
um única regra oficialmente formulada que cada pessoa pode recitar ou aprender
de cor. Pois, de fato, a prática é interpretativa, na qual cada parte "lê" a situação
como acha que os outros a estão lendo, e forma uma opinião a respeito da
opinião que ele acha que os outros têm, embora isso não seja necessariamente
qualquer tipo de deliberação reflexiva sobre as opiniões alheias.
Assumindo, então, que uma prática de enfileiramento é viável em um
dado contexto, na ausência de qualquer acordo explícito sobre o seu significado
ou a sua norma, parece razoável sugerir que deve haver um consenso profundo
de ideias subjacentes, ou alguma ideia orientadora comum, que torna a prática
inteligível. No mundo contemporâneo, há uma prática de que cada um tem a sua
vez. Talvez isso tenha seus fundamentos em um igualitarismo contemporâneo.
Isso apoia a ideia que a prestação de um serviço ou oportunidade que tem de
ser realizada de uma só vez deve ser feito com base numa sequência que seja
universalista e não discriminatória. Mesmo a arbitrariedade de priorizar depende
da ordem temporal de chegada ao ponto de serviço ou de oportunidade, o que é
geralmente satisfatório deste ponto de vista. Em muitas sociedades hierárquicas
ou contextos sociais, a prioridade de acordo com a hierarquia talvez prevalece,
com "primeiro a chegar, primeiro a ser servido", aplicando-se apenas entre pares
dentro de uma hierarquia. Mesmo em tempos relativamente igualitários, há mais
do que algumas observáveis situações em que as ordens hierárquicas de
precedência ainda têm alguma exceção, embora também seja aceito como
correto10.

9
E Lagerspetz, Os Espelhos Opostos (Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1996) 30-50; DW P Ruiter,
Instituições Jurídicas (Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2001) em 22-23 sugere uma possível
correção para a versão Lagerspetz de crenças mútuas com base em sua tentativa de reduzir
intencionalidade coletiva a uma agregação de estados de mentes individuais.
10
Vale a pena observar, com o reconhecimento do endividamento à WT Wining, que a exigência de
esperar na fila é muitas vezes imposto, por exemplo, quando adultos em autoridade, como professores,
dirija as crianças a seu lugar para se alinharem para algum tratamento ou serviço de algum tipo ou mesmo,
de fato, aguardar uma punição. Pode ser que, como indivíduos, internalizemos as normas sobre filas em
tais situações hierárquicas, onde a igualdade dos que estão na fila é apenas uma igualdade de igualdade
de sujeição. O enfileiramento sob autoridade pertence a um ponto posterior na ordem atual de
Certamente, o enfileiramento é uma prática genérica com muitas
variantes, não uma única invariante. Uma fila de supermercado no Texas não é
exatamente como uma fila para pegar o trem na Itália, ou um engarrafamento
numa rodovia na Inglaterra, ou uma fila para táxis no aeroporto de Toronto, ou
fila para comprar selos em um correio sueco, ou uma fila para almoçar em um
restaurante na Holanda. Todos nós tentamos não perder o lugar enquanto nos
movemos, e tentativas de tornar explícita uma norma implícita seria
consideravelmente complicada à necessidade de relativizar a articulação com o
tipo de fila e com a cultura em relevante contexto.
Podemos estar seguros de que a máxima "primeiro a chegar, primeiro a
ser servido" tem muitas diferenças de sentido e detalhes, ou tem exceções
("crianças em primeiro lugar", 'Crianças depois de adultos', 'consideração
especial para pessoas muito idosas', 'consideração especial para pessoas com
deficiência, por exemplo) em diferentes lugares, diferentes meios culturais,
diferentes tipos de serviços ou oportunidades, diferentes provedores de serviços,
e assim por diante. Diferentes pessoas tentando articular uma versão mais
concreta da ideia subjacente para um determinado contexto viria com diferentes
formulações, tudo bastante razoável. Pois as suposições feitas aqui são de que
não precisa haver formulação normativa única que atrai a concordância
universal, e não há razão especial para supor que entre uma série de
interpretações razoáveis apenas uma tem que ser o caminho correto. A razão
pela qual não tem que haver um único direito é que, para que uma prática que
funcione satisfatoriamente, só tem que haver consenso, ou ampla comunhão de
atitude entre os participantes. Respostas conceitualmente exatas a perguntas
empíricas vagas podem ser esclarecedoras, útil, razoável e pode ter qualquer
uma dessas virtudes; mas não significa, entretanto, estar excepcionalmente
correto11.
Refletindo sobre as filas como base para generalização, podemos
sugerir com razoável confiança que existe uma possibilidade de ordem natural
entre os humanos, algumas vezes, em alguns lugares sobre alguns assuntos.
Há ordem onde quer que as pessoas se comportem em relação aos outros com
base em uma opinião sobre a coisa certa a fazer, que eles supõem ser uma
opinião mútua, desde que haja comunhão suficiente (não perfeita identidade) de
opiniões detidas e postas em prática. Eu ajo como acho certo fazer, sujeito a
pensar que você também pense e aja reciprocamente em sua opinião, e assim
por diante. Nós temos crenças mútuas que são normativas no conteúdo, e as

apresentação, no início de ch 2. A ordem de apresentação aqui serve para um propósito analítico, e não
deve ser considerado como um relato do modo como alguém ou todo mundo inicialmente adquire um
sentido ou uma disposição em direção à prática de filas como prática normativa. É uma verdade geral que
a heteronomia precede a autonomia, e visões ou práticas que passamos a endossar automaticamente
geralmente surgem através de processos de socialização (cf. cap. 14 abaixo). No entanto, as pessoas
podem ter percebido ser correto aguardar a sua vez, parece que muitos estão dispostos a agir sem
intervenção de qualquer autoridade supervisora, contanto que outros pareçam prontos para fazê-lo
também, em uma situação ostensivamente de crenças mútuas.
11
Tüng, Intuição e Construção: A Fundação da Teoria Normativa (New Haven, Conn: Yale University Press,
1993) 33-37. Cf B Bix, Lei, Linguagem e Determinação Legal (Oxford: Oxford University Press, 1993) 63-67.
pessoas agem sob essas crenças para que, seja o caso, crenças mútuas sejam
normalmente satisfeitas, e que os casos detectados de não-conformidade sejam
tratados como errados na mesma medida. Normalmente, as reações evidentes
de pessoas que eles tratam como erradas em sua conduta, estão em alguma
medida em desagrado para aqueles a quem são dirigidos, e isso pode de fato
despertar reações bastante severas, mesmo que não envolva qualquer sanção.
Não precisa haver articulação explícita de uma regra ou conjunto de regras que
constitui a prática em questão, uma vez que interpretações mútuas de crenças
normativas serão suficientes. Mas isso só será inteligível na medida em que nós
podemos entender referir-se a alguma ideia subjacente que é normativa e
carregada de caráter e valores.
Para concluir: pode haver ordem normativa sem formulação explícita.
Isso acontece sempre que as normas implícitas são de fato amplamente
observadas, difundidas e respeitadas, sem qualquer outro elemento de
supervisão, direção ou execução além aquele constituído por uma pressão de
comum (não necessariamente universal ou expressamente expressa) opinião
normativa entre aqueles que interagem com os outros. Um exemplo é fornecido
pelo caso daqueles que chegaram ao mesmo tempo, no mesmo ponto de
oportunidade ou serviço, e formaram uma fila e aguardam em ordem, tomando
como certo e adequado.

1.5 – Convenções: práticas informais

A reflexão sobre a experiência comum torna óbvio que o enfileiramento


pode, muitas vezes, acontecer de maneira totalmente informal e desregulada,
sem intervenção de qualquer tipo de pessoa ou organismo que detém autoridade
sobre aqueles que fazem fila e regula ou gerencia a fila de alguma forma. Para
ter certeza, isso é, em alguma medida, culturalmente relativo. Costuma-se dizer
que os ingleses na verdade, o distinto "britânico", tem um gênio especial para
filas. Foi também o caso em que a escassez tornou as filas uma característica
endêmica da vida das pessoas comuns no antigo bloco soviético - houve uma
piada recorrente na Polônia sobre uma pessoa descendo a rua, observando o
fim de uma fila e juntando-se a ela. Perguntado ao último, a que se destinava a
fila, este confessou não saber, mas teria se juntado na suposição de que
qualquer que seja a fila, seria por alguma necessidade escassa ou luxo
desejado. A oportunidade de obter qualquer coisa (seja lá o que fosse) não
deveria ser desperdiçada, ele observou.
No entanto, pode ser que essa relatividade cultural pareça razoável,
concluindo que a ordem normativa pode existir em alguns contextos culturais e
sociais simplesmente por crença mútua e normas inexplicáveis com
sobreposição de mútua compreensão e interpretação do tipo descrito aqui. O
nome que será atribuído a tais práticas é "práticas normativas informais", e o tipo
de ordem que constituem é "ordem normativa informal". A ideia dos advogados
constitucionais de uma "convenção de normas" deve ser revista a esta luz,
juntamente com a reflexão sobre outros tipos e contextos de conduta que é
convencional e não impositivo12. Alfândegas, por exemplo, que são consideradas
estreitamente normativas, seja no direito de relações internacionais ou em outras
configurações, incluem convenções no presente sentido13. São precisamente
essas normas implícitas de orientação para a qual é constitutivo de ordem
normativa informal, que nós mais naturalmente chamamos de "convencional" ou
"convenções". Embora em muitos casos importantes, estudiosos se dedicam em
dar forma às normas implícitas tentando torná-las o mais explícito possível. Cada
tentativa, tanto quanto é meramente interpretativa, é intrinsecamente
contestável, na medida em que uma formulação está sujeita à autoridade
atribuída como um precedente ou uma formulação institucionalmente autoritária;
o ato de formular a norma implícita tem, inequivocamente, um efeito
transformador. Pois a formulação pronunciada se torna, nesse mesmo ato de
formulação, algum tipo de uma regra máxima, autoritária ou impositiva. Para
além dos casos de constitucionalidade, convenções e direito consuetudinário
(internacional ou municipal), uma grande parte de nossas ideias sobre etiqueta
e boas maneiras, e muitos outros elementos importantes de uso social, bem
como as normas gramaticais e semânticas das línguas naturais, são convenções
nesse sentido.
Este é um sentido que deve ser cuidadosamente distinguido do uso de
"Convenção" como significando um acordo solenemente formulado ou tratado
entre estados, tais como as Convenções de Genebra sobre refugiados ou
prisioneiros de guerra e outras pesadas fontes do direito internacional
"convencional" (distinto do "costumeiro"). É uma característica infeliz da
evolução linguística que temos em Inglês dois usos legais dos termos
"convenção" e "convencional". Estes estão fortemente em desacordo, e são
mutuamente contraditórios - o ponto sobre os elementos convencionalmente
convencionais do direito constitucional se assenta no fato de eles serem
essencialmente costumeiros, enquanto o direito internacional é a parte que
depende solenemente dos tratados multilaterais adotados e, portanto, deve ser
claramente distinguido da parte costumeira da lei internacional.

12
Cf G Marshall, Convenções Constitucionais: as Regras e Formas de Responsabilidade Política (Oxford:
Clarendon Press, 1984). Vale a pena ressaltar que as convenções constitucionais, embora normas
implícitas e informais no sentido de falta de uma única formulação autoritária, não obstante, regulam a
conduta de oficiais e agências de estado que, na maior parte, são definidos de forma altamente
formalizada e institucionalizada. Citando Sir K Wheare, Marshall refere-se a convenções como “regras
vinculativas” (p. 7), mas num contexto (p. 7–13) em que é claro que estas são normas que carecem de
uma formulação autoritária única, portanto, não contam como "regras" na terminologia usada aqui. Mais
geralmente, veja D Lewis, Convenção: um estudo filosófico (Oxford: Basil Blackwell, 1986).
13
Ver Ruiter, Legal Institutions 122–127, para um relato claro do caráter personalizado do direito
internacional.
1.6 – Conclusão

É importante entender a ideia de normativo - a ideia é de termos


maneiras de diferenciar o certo do errado no que fazemos, de ter uma
sobreposição comum ou concepções do que se deve fazer em várias situações
recorrentes. As respostas das pessoas a tais concepções de certo e errado
podem se combinar de maneira recíproca, mesmo em ambientes bastante
informais, de modo que há um tipo de ordem em seu comportamento.
Concentrar-se nisso e compreendê-lo é compreender a ideia básica de ordem
normativa. Já descobrimos uma suposição fundamental sobre o ser humano: os
seres humanos são usuários de normas, cujas interações entre si dependem de
padrões mutuamente reconhecíveis que podem ser articulados em termos de
conduta errada, ou do que se deve fazer em um determinado ambiente. Esta
compreensão de uso de normas precede a compreensão de qualquer
possibilidade de criar deliberadamente normas relevantes que se tornarão
padrões de comportamento. No entanto, a criação deliberada de normas
também ocorre. O uso de normas pode adquirir mais o caráter formal, na
verdade, pode se tornar "institucionalizado". Entender isso é entender a transição
para a ordem normativa institucional e, portanto, o direito.
CAPÍTULO II

Ordem Institucional

2.1 – Introdução

Convenção não é tudo. Enfileirar-se nem sempre é uma questão


puramente informal. Pode ser uma ordem normativa fundamentada nas
convenções sociais da vida cotidiana e isto é muitas vezes organizado sob um
tipo ou outro de autoridade. Nos aeroportos existem filas no check-in, filas
diferentes para classe econômica, classe executiva e passageiros de primeira
classe. Há novamente uma fila no portão de embarque, às vezes sub-regulada
em termos de números dos assentos dos passageiros, às vezes não.
Supermercados e agências de viagem, correios e lojas estatais de monopólios
de bebidas nos países onde elas existem, pode haver bilhetes numerados em
rolos de papel que determinam o seu lugar na fila. Bancos e estações ferroviárias
têm filas organizadas por cordas que orientam a pessoa da frente até o ponto de
atendimento. Estações e aeroportos, possuem filas externas para pegar o táxi
de forma rápida e justa para cada passageiro e para garantir a rápida saída dos
veículos no engarrafamento que normalmente se forma no ponto de partida, nos
horários de maior movimento. Às vezes (especialmente em lugares frios) o ponto
de táxi utiliza senhas para que os passageiros aguardem a sua vez num
ambiente quente, em vez de enfrentar baixas temperaturas na calçada. Nas
escolas, os professores exigem que os alunos façam fila para ingressar na sala-
de-aula ou façam filas para o lanche e insistem cobrar dos alunos um
comportamento ordenado. Na dura penitenciária norte-americana de ficção
cinematográfica e, sem dúvida, de assustadora realidade, prisioneiros perigosos
são mantidos ordenados em fila para a refeição e saída para qualquer atividade,
sob o olhar cauteloso e atento de guardas armados.
Todas essas situações comuns nos lembram que existem muitos
contextos em qual a prática do enfileiramento ocorre sob a supervisão de
alguém, de alguma autoridade. São exemplos de que a fila é incondicional para
tomar determinados tipos de serviços, como nos casos ilustrados. Para receber
o serviço oferecido, é obrigatório observar essa norma que é estabelecida pelo
prestador do serviço e este age geralmente sob a autoridade de algum superior
naquela organização. As normas para as quais as pessoas alinhadas devem
estar orientadas não são meramente convencionais ou implícitas, não dependem
simplesmente (ou de todo, talvez) de crenças e expectativas mútuas. São
normas explicitamente estabelecidas pelos encarregados de fornecer este
serviço.

2.2 – Além da Informalidade

Em uma prática normativa informal de enfileiramento, o lugar na fila pode


ser uma questão relativamente vaga para se ter certeza de quando esta fila foi
formada, quem está nela, em que ordem exata, e quem pode ocupar o lugar de
alguém que saiu desta fila para ir ao banheiro, por exemplo. Mas quando a
prática é transposta para uma definição institucional, pode ser delegado a
alguém a tarefa de decidir essas coisas, e um sistema, como o bilhete numerado,
pode ser instituído para tornar preciso o que na informal definição é vago. O
funcionário responsável pelo atendimento, geralmente tem ou assume
autoridade para resolver problemas controversos ou imprecisos ou imprevistos
que podem ocorrer no dia-a-dia. Isto ocorre em uma situação em que alguma
forma de autoridade permanente ou o poder é detido por uma pessoa (ou um
grupo) sobre os outros, e onde esse poder é usado para direcionar o grupo, de
forma alinhada, para as refeições, ou para entrada de um turno de trabalho, ou
o que for. Professores de escola ou outros adultos em relação a crianças em
idade escolar, ou guardas prisionais em relação a prisioneiros, ou oficiais das
forças armadas em relação aos seus subordinados, ou gerentes em relação a
outros membros do pessoal nos locais de trabalho, são todos exemplos bastante
óbvios disso.
É importante reconhecer que tais situações existem e que elas mostram
como as atitudes em relação às filas podem estar muito distantes daquela
cooperação voluntária, embora talvez nunca excluam todos os vestígios disso.
Considerar tais casos de filas gerenciadas é considerar a possibilidade de uma
transição de uma prática puramente informal para uma mais formal ou
formalizada. Não é mais do que uma questão de negociar interpretações
diferentes de convenções vagas, mas é uma questão de decisão, quando surge
alguma dúvida sobre prioridade em uma fila. No caso de filas com senhas, existe
uma possível dificuldade em pessoas que estão ausentes ou desatentas quando
o seu número é chamado ou exibido em um painel. Se o número cinquenta for
chamado e ninguém aparecer depois de uma breve pausa, o cinquenta e um é
chamado e, em seguida, se ninguém aparecer, o cinquenta e dois - e assim por
diante. Mas o que acontece se, quando o cinquenta e quatro é chamado, o titular
da senha número cinquenta aparece e pede para ser atendido? O atendente do
balcão aceita que cinquenta é o menor número presente e o atende, antes de
atender o outro número chamado? Ou a resposta correta é que o "cinquenta" é
agora uma senha expirada e o titular deve voltar ao final da fila, com uma nova
senha? Nesta situação não há o que se fazer, senão uma decisão imediata do
atendente do balcão. Mas se o problema é potencialmente recorrente, pode
gerar transtornos aos clientes. Então, é muito provável que o gerente da loja faça
uma regra geral e a emita expressamente por escrito ou de forma oral para todo
o pessoal do balcão. Pode até ser aconselhável criar um aviso no painel
eletrônico explicando qual é a regra, para evitar confusão ou qualquer sentimento
de injustiça por parte dos clientes.
Onde quer que haja autoridade decisória, existe em princípio a
possibilidade de tomar decisões explícitas sobre a prioridade em determinados
casos. Onde os problemas são recorrentes e a consistência do tratamento é, por
algum motivo, importante, decisões podem ser tomadas de forma explícita ou
implícita, de modo a estabelecer regras gerais destinadas a lidar com esses
problemas recorrentes. Ao contrário das normas ou convenções informais, as
normas quando são colocadas de forma explícita possuem um texto
expressamente elaborado. Interpretação de normas sob a forma de regras
explícitas envolve, necessariamente, observar o que está sendo dito pelo criador
da regra sem incorrer em suposições subjacentes – palavras pouco claras levam
a resultados que na prática parecem estranhos. Em contraste, as normas
informais emergem de práticas baseadas em expectativas e crenças mútuas, e
qualquer tentativa de formular em termos expressos a norma implícita, depende
da interpretação prática e também de seu ponto de vista. Aqui, a interpretação
precede a formulação. Mas no caso de regras explicitamente emitidas, a
interpretação sucede a formulação.
Um uso comum e compreensível aplica o termo "regra" particularmente
ao caso da norma formalmente enunciada, emitida por alguém com poder de
decisão. Dizer "há uma regra sobre isso", em um contexto prático de possível
disputa ou conflito interpessoal, é um convite a refletir sobre o texto da regra,
constatando quem a emitiu e com qual autoridade para fazê-lo. Onde há uma
regra nesse sentido do termo, há um texto fixo, que foi emitido por uma pessoa
que tenha algum tipo de autoridade para fazê-lo. Isso implica a existência de
uma prática normativa de dois (ou mais de dois) níveis. Em termos do nosso
exemplo que está em questão, da fila, há tanto uma prática de enfileiramento
quanto uma prática de autorizar indivíduos para gerenciar filas de pessoas
esperando por qualquer serviço ou oportunidade. A fila continua a ser uma
prática normativa, estável em termos de normas sobre o que deve ser feito, qual
é a coisa certa a fazer, quem tem o direito de ser servido em seguida e assim
por diante. Além disso, no entanto, existe uma prática normativa autorizando
uma pessoa a monitorar a fila, para garantir que cada pessoa que chega seja
atendida na ordem certa, e que ninguém quebre a ordem saltando à frente ou
sofra uma perda de direito por alguém ter lhe tomado a vez. Igualmente
normativo, será o processo necessário de tomada de decisão sobre a perda de
vez se uma pessoa não aparecer quando for apropriadamente chamada, e assim
por diante. Há agora, podemos dizer, normas de decisão sobre as filas, assim
como as próprias normas de filas.
Neste ambiente estruturado em mais de um nível, há autoridade de
primeiro nível para emitir normas de enfileiramento. O que o supervisor diz
determina o que é a regra de prioridade operacional quando surge um problema
sobre quem está propriamente a ser considerado o primeiro da fila, e assim por
diante. E a gerência pode, a um grau considerável, esclarecer as questões,
fazendo uma provisão de como o arranjo deve funcionar, se acontecer
dificuldades de interpretação que estão (por exemplo) causando aborrecimento
aos clientes, que podem, perfeitamente, desistir do atendimento e buscar o
mesmo serviço em outros lugares.
A característica definidora desse tipo de ordem normativa é a
possibilidade que se abre para evitar a dependência exclusiva de normas
implícitas um tanto vagas. Problemas de um tipo aparentemente endêmico em
ordens informais podem ser evitados recorrendo a emissão de normas
expressamente articuladas, explicitando o que deve ser feito ou decidido em
circunstâncias expressamente previstas, o próprio efeito da explicitação
contribuindo para diminuir a imprecisão. Imagine este exemplo:
Se o número de uma pessoa for chamado e o portador da senha com esse
número não estiver presente, o supervisor deve fazer mais duas chamadas
em voz alta e clara, e fazer uma verificação visual rápida da área de espera
para verificar se há pessoas aparentemente surdas ou pessoas fisicamente
deficientes com certa dificuldade de ir à frente; se ninguém se acusar, o
próximo número da ordem deve ser chamado e assim por diante.
Se as coisas chegaram a este ponto de clareza, parece fácil entender a
necessidade de que se estabeleça uma nova regra por alguém,
preferencialmente um supervisor, sobre como tratar este tipo de caso onde
o portador da senha não comparece quando seu número é chamado. Essa
pessoa deve ser colocada novamente na fila, agora na frente de todos, pois
possui o menor número, ou deverá pegar uma nova senha e se dirigir ao
fim da fila para começar novamente. Neste último caso, o atendente que
supervisiona a fila tem algum poder para renunciar a regra estrita e tratar
esse caso em especial?
Um problema deste tipo está fadado a ocorrer se faltar uma disposição
clara sobre o que é um caso de não comparecimento ao chamado. O dilema
agora é como tratar esses casos, de alguém que está voltando do banheiro, ou
alguém que teria ido buscar um café ou até mesmo alguém que, por ventura,
estivesse distraído. Só pode haver duas hipóteses: pura discrição por parte do
atendente14, sem aplicar a regra fixa, ou a expressa orientação de retornar ao
final da fila, salvo em casos muito especiais. (Niklas Luhmann ressalta que cada
tentativa de reduzir a complexidade, articulando uma disposição explícita deste
tipo, é apta a gerar uma nova complexidade à medida que os dilemas aparecem

14
Referente à discricionariedade.
em relação às novas disposições, exigindo uma nova provisão explícita, e assim
por diante)15.

2.3 – Normas Expressamente Articuladas – “Regras”

Chegamos à ideia de uma regra, isto é, uma norma explicitamente


articulada (não mais algo puramente implícito). O caso aqui é aquele em que a
articulação explícita é feita por uma pessoa que tem uma posição de autoridade.
Isso pode ser autoridade para decidir como aplicar normas de primeiro nível,
implícitas e explícitas, ou autoridade para estabelecer normas explícitas que
clarifiquem ou variem o que era anteriormente implícito e, portanto, também
vago. Para uma determinada esfera de atividade limitada, se atribui uma
autoridade especial a uma determinada articulação de norma relativa àquela
atividade, ou parte dela. A articulação em questão tem dois elementos
essenciais: o primeiro especifica um tipo de situação que pode surgir, e o
segundo estabelece o que tem que ser feito, ou acontecer, ou ser considerado o
caso, sempre que surgir essa situação. Deixe-nos chamar a situação
especificada de "fatos operativos" ou "FO", e vamos chamar o que tem que ser
feito, ou para acontecer, ou para ser considerado o caso, de “consequência
normativa” "CN". Assim, o tipo de norma explicitamente articulada que estamos
considerando tem esta forma geral:
Sempre que ocorrer FO, então ocorrerá CN.
O termo REGRA é usado comumente para se referir à normas
explicitamente articuladas que se apresentam, ou que podem ser reformuladas,
desta forma. Uma outra característica essencial é que algum tipo de autoridade
pode ser atribuído ao processo pelo qual e / ou a maneira pela qual a articulação
explícita foi construída. A palavra "regra" tem muitos usos e nuances, mas eu
acredito que é mais comumente usada para denotar uma norma com estas
características de estrutura e de origem identificadas aqui. Como estipulado
aqui, para fins da teoria institucional do direito que estou apresentando, eu não
restringi o uso do termo "regra" para tais normas.
Como estamos considerando a fila como um exemplo em execução,
podemos considerar possíveis regras que poderiam ser observadas em filas
formalmente gerenciadas. Se estabelecidas por uma autoridade apropriada,
estes seriam exemplos de regras válidas:

15
N Luhmann, uma teoria sociológica do direito (trans E King, ed M Albrow) (Londres: Routledge e
Kegan Paul, 1985) 193-199.
• Sempre que um atendimento for concluído, o atendente deve verificar
qual é a próxima senha que está aguardando, e chamar o titular dessa
senha;
• Sempre que o portador da senha não se apresentar depois de três
chamadas e após verificado que não se trata de pessoa surda ou
deficiente físico, este número deverá ser cancelado, e a próxima senha
deve ser chamada;
• Sempre que uma senha for cancelada, o portador deverá retirar
novamente uma senha e aguardar ao chamado na devida ordem.

Aqui é a ideia de uma "regra implícita" de algum valor, ou devemos


restringir o termo "regra" apenas para as formulações explícitas? Parece
importante permitir uma categoria de "regras implícitas". Um aspecto da
autoridade na situação que estamos discutindo é simplesmente autoridade para
dirigir e regular a fila, guiada por regras relevantes como interpretá-las e aplicá-
las. Muitas vezes isso será feito por simples decisão, como:
"Não é a sua vez, você terá que esperar".
Mas onde uma explicação é anexada a tal decisão, isso pode equivaler
a um tipo de decisão parcialmente explícita sobre um ponto de dúvida na
interpretação das regras. Por exemplo: ‘Sinto muito, já que você não estava aqui
quando seu número foi chamado, você terá que obter uma nova senha e ir para
o final da fila'. Aqui, mesmo que tal regra não tenha sido articulada até agora, a
ocasião requer uma decisão implícita dizendo que sempre que um número for
chamado sem sucesso, a senha é cancelada. Nós devemos usar o termo "regra
implícita" para se referir à norma que pode ser derivada de uma decisão desse
tipo. (A regra implícita é então derivável, como será visto, na medida em que
segure tais decisões para ser universalizável. A instância clássica de regras
implícitas deste tipo está em uma doutrina de precedente, onde a indescritível
"ratio decidendi" de um caso, é a regra implícita estabelecida pelo tribunal cuja
decisão num caso particular constitui um precedente geralmente aplicável16. Isso
depende da estrutura institucional das relações entre juízes e tribunais, e em
uma atitude para a constância da decisão em diferentes ocasiões no tempo, bem
como na ideia de universalização).

16
Para uma discussão extensa destes pontos no quadro da presente teoria institucional, ver
N MacCormick, Retórica e o Estado de Direito (Oxford: Oxford University Press, 2005), caps. 5 e 8.
2.4 – A Força Prática das Regras: "Exclusão" ou "Reforço"?

Isso parece bastante simples, mas ainda existe um problema com regras
que nós precisamos confrontar. Qual é a sua força prática? Algumas pessoas
têm a noção de que se você tiver uma regra articulada na forma "FO, é
necessário, CN", então deve se dar uma aplicação absoluta e invariável, ou ser
condenado por mera pretensão e hipocrisia. Algumas pessoas acham que você
pode adotar uma abordagem muito mais flexível sem deixar de ter uma regra
bastante genuína. Em qualquer opinião, a ligação entre fatos operativos e
consequência normativa, é de fato a normativa, guiando o julgamento e ação da
maneira que observamos. Mas parece que pode haver discordância sobre a
força prática que se liga a este nexo normativo. Isso não deve ser interpretado
como um desacordo conceitual em que alguém está correto e alguém está
errado. A verdade é que estamos diante de uma questão prática: que força
prática se deve atribuir às regras? Deixe-me sugerir um esquema para analisar
isso, envolvendo uma das três possibilidades.
As regras podem ter força prática variável, pois podem ser tratadas como
regras de aplicação absoluta, como sendo regras de aplicação estrita, ou como
sendo regras de aplicação discricionária.
• Uma regra é de aplicação absoluta se for para ser entendida e aplicada
no fundamento de que toda e qualquer ocasião de ocorrência de FO
deve ser frequentada de forma infalível pela CN, e a CN pode não ser
realizada, exceto quando FO ocorrem ou quando se verifica a presença
de alguma outra regra independentemente fornecendo CN de maneira
independente. Exemplos típicos de regras de aplicação absoluta são as
essencialmente matemáticas ou regras de jogos fechados como o
xadrez17.
• Uma regra é de aplicação estrita se for entendida e aplicada nos
termos, em que as circunstâncias que se baseiam nos valores por ela
garantidos de uma maneira tal que esses valores se veriam
consideravelmente afetados, se for invocado CN apenas por causa da
presença de FO. Por seu espírito, a regra não deve ser aplicada, mas
por sua letra deveria. À pessoa encarregada de aplicar a regra e
administrar a atividade dentro da qual a regra tem aplicação, é dado
algum grau de discrição orientada para fazer exceções, ou para substituir
a própria regra, em casos especiais ou muito especiais.
• Uma regra é de aplicação discricionária quando se espera que o
tomador de decisão considere todos os casos à luz de todos os fatores
que parecem relevantes, dados os valores e finalidades da atividade ou
empresa, e que decida com o claro equilíbrio de fatores. Mas quando

17
Cf F Atria, Sobre Lei e Raciocínio Legal (Oxford: Hart Publishing, 2002) em 15, 25-26, 45-47, fazendo
um ponto similar em terminologia diferente; em sua forma anterior como uma Tese de doutorado, este
trabalho teve uma influência decisiva no presente texto.
todas as coisas são iguais ou quando o equilíbrio de fatores é bastante
difícil de avaliar, se espera que quem decide recorra à regra como uma
forma alternativa de decidir o caso.
Será visto que as regras de aplicação absoluta estão em uma
extremidade de um espectro, cujas regras de aplicação discricionária se
encontram no extremo oposto. Entre estes se encontram as regras de aplicação
estrita, representando uma quantidade variável na medida em que pode haver
diferentes graus de rigidez18.
O que então determina a qual classe, ou qual espectro, uma determinada
regra ou conjunto de regras pertence? Desde que foi estipulado que,
explicitamente, todas as regras têm a mesma forma canônica, a diferença que
buscamos não é encontrada no conteúdo das próprias regras. Onde então? A
resposta é óbvia – não depende do conteúdo das regras de primeiro nível sobre
uma prática, mas das normas de segundo nível estabelecendo os termos da
autoridade ou do poder de quem decide. ‘Aqui estão as regras que você deve
aplicar; você deve tratá-los como sendo de aplicação absoluta / aplicação estrita/
de aplicação discricionária’.
Quando as regras são de aplicação estrita, que deixam a quem decide
uma discricionariedade limitada a casos especiais, deve haver algum esforço
para garantir que o tomador de decisão tenha uma compreensão adequada dos
fatores ou tipos de consideração que são apropriados para orientar o exercício
da discrição.
Onde as regras são de aplicação absoluta ou de aplicação estrita, elas
pertencem à categoria chamada por Joseph Raz "razões excludentes" ou (em
trabalho mais recente) "razões protegidas"19. Ainda, mais apropriadamente,
Frederick Schauer usou o conceito semelhante de "generalizações
reforçadas"20. O que "fortalece" uma regra no sentido relevante, de acordo com
a presente tese, são os termos em que se há conferido autoridade a quem
decide. O que determina seu caráter excludente é o caráter absoluto ou estrito
de sua aplicação, exigido pelos termos de autoridade conferida. Se uma regra é
de absoluta aplicação, o único problema que surge para a pessoa obrigada a
aplicá-la desta forma é se FO ocorreram ou não. Outros fatores que normalmente
podem ser considerados para determinar se a CN é apropriada para o presente
caso, não devem ser levados em conta por quem decide no momento de tomar
a decisão. Para todas as coisas não devem ser consideradas, por quem decide,
ou toma a decisão, de qualquer maneira. Se uma regra é de aplicação estrita,
permanece muito importante decidir se ocorrem FO ou não. Todas essas
questões ainda não podem ser consideradas de uma forma completamente
aberta. Mas há certos fatores que também devem ser considerados se estiverem
18
F Schauer faz um ponto um pouco semelhante em Playing by the Rules: um exame filosófico
Tomada de Decisão Baseada em Regras em Direito e Vida (Oxford: Clarendon Press, 1991), em seu
capítulo 6 sobre "A força das regras", mas a conta presente, embora lucrando com sua proposta, difere
um pouco a partir dele.
19
Veja J Raz, Razão e Normas Práticas (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1990). 193-199.
20
F Schauer, Playing by the Rules (Oxford: Clarendon Press, 1991) 38–52.
presentes, e devem ser avaliados com alguns cuidados para ver se existe um
caso especial ou muito especial, justificando a implementação da CN, embora
FO não sejam totalmente satisfeitos, ou não implementados, ou qualificados ou
de implementação incompleta e de CN mesmo estando plenamente satisfeitos.
Uma regra de aplicação discricionária não é em si mesma excludente ou
reforçada, mas é um desempate, onde os outros fatores relevantes não dão uma
orientação clara ou conclusiva. Portanto, não seria correto dizer que as regras
de força discricionária não contam para nada ou são apenas um fingimento ou
fachada.

2.5 Discrição: Valores e Princípios

No entanto, seria bom falar um pouco sobre discrição e sobre a ideia do


que pode ser uma discrição "guiada". Discrição implica apelar para o julgamento
de uma pessoa de uma forma que não faça a mera aplicação de uma regra, dada
a ocorrência de seus fatos operacionais21. Se em uma situação de decisão, eu
me pergunto o que é o mais sábio, mais justo ou o mais razoável, ou a coisa
mais eficiente a ser feita, pode haver muitos aspectos dessa situação que
mereçam ser levados em conta. Se eu estiver encarregado da organização e da
vigilância dos pontos de táxi, e vejo meu trabalho como se eu devesse garantir,
ou minhas instruções são para garantir, que as filas de táxi avancem da maneira
mais eficiente possível, eu vou me concentrar no que tende a maximizar a
velocidade com que os táxis identificam os passageiros, façam o embarque, e a
velocidade que conseguem deixar livre o espaço no ponto de partida para o
próximo táxi entrar. Isso me levaria a pensar que não deveria haver muito atraso
depois de ter chamado o número da senha do próximo passageiro. Além disso,
evitaria confusão e desatenção por parte daqueles que esperam por um táxi.
Deste ponto de vista, parece mais ideal tratar um número como cancelado, se
este não atender imediatamente ao chamado. Isso também poderia ser
considerado mais justo com aqueles que esperam atentamente, do que se eu
permitisse que alguém aparecesse mais tarde requerendo o embarque. Além
disso, as circunstâncias militam contra a minha participação em discussões
elaboradas com pessoas que se sintam, por ventura, prejudicadas por minhas
decisões. Desta forma, considerações de equidade estão em segundo plano no
que diz respeito a considerações de eficiência, se fosse o caso.
Se não é a eficiência, mas a justiça que um decisor tem de considerar
principalmente, diferentes fatores predominarão no momento em que for
ponderar o que fazer. Então é preciso que se pondere os interesses e
expectativas de todos os afetados, e considerar o impacto que uma ou outra

21
Cf R Dworkin, Taking Rights Seriously (Londres: Duckworth, 1977) 31-32, 68-71.
maneira de tratar o problema terá ao longo do tempo. E se a tarefa é decidir
"razoavelmente", a tarefa de equilíbrio que se tem que enfrentar se tornaria ainda
mais complicada, pois aqui é preciso considerar as demandas relativas de
eficiência e justiça, e talvez outros valores importantes, e aplicar o senso comum
para elaborar um curso de ação satisfatório.
Como é bom ser justo, sábio, ser eficiente e é bom ser razoável,
podemos reconhecer esses conceitos como nomeando "valores". Eles são
diferentes valores, e, portanto, um julgamento fundamentado principalmente em
um, é diferente de um julgamento baseado principalmente em outro. Sendo
valores, eles permitem a satisfação de um maior ou menor grau; pode ser melhor
ou pior, não simplesmente certo ou errado em termos de um determinado valor.
Este aspecto de tais conceitos por vezes refere-se a eles como 'padrões', ao
aplicar qualquer um deles, um tomador de decisão é visto como quem está
seguro, pelo menos até um certo ponto, ou para um padrão adequado.
Ao contrário das regras, cujos fatos operativos delineiam circunstâncias
específicas de aplicação, os valores são difusos. Não é apenas bom ser justo na
gestão de uma fila, é bom ser justo em quase todas as circunstâncias da vida, e
igualmente com eficiência, sabedoria (prudência), razoabilidade e racionalidade,
bondade e humanidade. A lista desses valores é bastante longa, embora haja
aqueles que acreditam que podem ser agrupados em algumas categorias gerais.
Em volta de cada um podem ser agrupadas algumas generalizações normativas
cuja observância ajuda a assegurar o valor em questão. "Deve-se ouvir os dois
lados de uma história em qualquer caso de disputa", "não se deve perturbar as
expectativas razoáveis de uma pessoa", "deve-se considerar o impacto de uma
decisão sobre o bem-estar de todos com um interesse legítimo na matéria”, são
exemplos relevantes para a justiça. Dado que estes são, como os valores em
questão, de tamanha relevância, geralmente não é útil construí-los de acordo
com a fórmula ‘se ocorrer FO, então ocorrerá CN’. Estas são normas que se
aplicam na tomada de decisão em quase todas as circunstâncias, por isso não
há sentido em destacar circunstâncias particulares de aplicação. Eles são o que
comumente chamamos de "princípios", ou, na verdade, "princípios gerais".
Princípios podem ser excluídos da consideração de quem tem que decidir
utilizando regras de aplicação absoluta. Ou de forma limitada, em maior ou
menor grau, no caso de regras de aplicação estrita, mas isso não nos impede de
adicionar qualificações aos princípios com alguma fórmula como: "Exceto
quando este princípio é excluído, deve-se. . .” Que simplesmente é entendido
sem necessidade de ser dito. Quando, cautelosamente, você diz "em princípio,
o que você deve fazer, provavelmente, é isso ...” Chamamos a atenção para a
possibilidade de haver alguma regra que exclua a resposta derivada de
princípios gerais.
2.6 Padrões em Regras

É possível que as próprias regras, explicitamente formuladas,


incorporem padrões em seus fatos operativos (FO) ou em suas consequências
normativas (CN). Isso é muito comum em muitas áreas do direito, especialmente
no direito privado e comercial, e nos ramos do direito público, diferentes do direito
penal. O Código Comercial Uniforme nos EUA (como a Lei de Venda e
Fornecimento de Mercadorias de 1994 no Reino Unido) está repleto de
ilustrações; aqui está um exemplo:
(1) Quando qualquer proposta ou entrega do vendedor for rejeitada por
não-conformidade e o tempo de execução ainda não expirou, o vendedor
pode notificar o comprador de sua intenção de corrigir o pedido e pode,
em seguida, dentro do tempo do contrato, fazer uma nova remessa;
(2) Quando o comprador rejeita uma proposta não conforme que o
vendedor tenha razoável motivos para aceitá-la, com ou sem
pagamento, o vendedor pode, se ele notificar o comprador, ter mais um
tempo razoável para substituir o pedido.

Aqui, quem tem que tomar uma decisão, incluindo o gerente que tem
que decidir o que fazer, ou um advogado decidir o que aconselhar, ou um tribunal
decidir sobre uma disputa litigiosa por uma venda em relação à qual os outros
fatos operacionais parecem estar satisfeitos, deve avaliar a situação - oportuno
ou não? Razoável ou não? Isso envolve julgamento de um tipo limitado, pois o
que está em questão é apenas o razoável ou razoável em um contexto bastante
específico de uma venda de mercadorias por descrição ou por amostra, onde
provavelmente são conhecidas as formas de transporte nesse tipo de comércio.
A vantagem de articular regras com esses padrões é que a regra em
questão pode, então, ser tratada como uma regra de aplicação estrita ou mesmo
uma aplicação absoluta, sem o risco de tomar decisões muito longe daquelas
que seriam minimamente satisfatórias para uma pessoa de bom senso. Isso
requer, é claro, que aqueles que exercem a discrição sejam, eles próprios,
pessoas de bom senso e discrição. E a medida que eles são, um compromisso
é obtido entre os méritos de clareza e previsibilidade que derivam de um uso
estrito ou absoluto de regras para regular uma situação, e os méritos de
flexibilidade e senso comum que se fundem quando se pode julgar livremente
em termos dos princípios relevantes, sem o constrangimento imposto pelo efeito
exclusivo de tais regras.
Do ponto de vista da presente tentativa de fornecer um quadro analítico
para a discussão a seguir, não precisamos entrar com mais detalhes na questão
das vantagens e desvantagens de diferentes abordagens para a formulação de
regras e o uso de padrões, e quanto ao grau de discrição que pode ter quem
decide em um ou outro contexto. Basta notar que quando regras são articuladas
de modo a incorporar padrões, seus fatos operativos incluem o que podemos
chamar de "valores operativos" também22.

2.7 Instituição e Ordem

De qualquer forma, é de grande importância compreender a diferença


que há entre normas convencionais, por um lado, e por outro lado, as normas
explícitas ou regras implícitas que podem ser introduzidas e estabelecidas ou
desenvolvidas e reconhecidas, por pessoas detentoras de alguma posição de
autoridade. Nesse sentido, evitar uma regressão ao infinito requer, em última
análise, que algumas normas que conferem autoridade sejam consideradas
convencionais e não institucionais. Até que ponto um tipo de quase-convenção
pode ser mantida, mesmo que temporariamente, através da força e do medo, ou
mesmo através de terrorismos, é uma questão em aberto. No caso da fila,
podemos nos lembrar que muitos casos de formação de filas surgem em
ambientes bastante informais, sem que ninguém os dirija ou administre de
acordo com os termos de um sistema pré-estabelecido, de onde vem uma
autoridade de um diretor ou administrador para decidir. As filas são
frequentemente formadas como uma questão de ordem normativa informal. Isso
tem uma influência interessante sobre o tipo de informação que podemos colher
dessa observação. Eu não vejo apenas uma dúzia de pessoas de pé dividindo o
mesmo espaço, digamos à beira de um pequeno lago por exemplo, embora seja
isso que eu realmente esteja vendo. O que eu deduzo é uma fila de pessoas
esperando por um barco para transportá-las para o outro lado. Minha informação
factual é infundida num entendimento normativo. Suponho que eles estejam
fazendo algo que cada um deles, de maneira recíproca, entenda como orientado
por regras, mesmo que seja uma norma cuja existência é tida como certa e está
completamente implícita. Independentemente do grau de presença de algum tipo
de força ou coerção, nosso entendimento se concentrará mais em interpretar a
interpretação que os participantes têm sobre as ameaças e o comportamento
necessário para evitá-las, entre aqueles que exercem a força e aqueles que a
experimentam.
De acordo com o uso institucionalista (de qualquer forma, o uso que aqui
se propõe), pode-se dizer que a existência de uma fila é uma questão de "fato
institucional", não simplesmente um "fato físico". Nosso julgamento do estado do
mundo não é simplesmente em termos de fatos físicos puros e suas relações,
mas em termos de uma compreensão de tais fatos e relações como
humanamente significativos porque são atribuídas à normas humanas de
conduta compartilhada. Isso realmente depende das crenças de um observador

22
See also N MacCormick, Rhetoric and the Rule of Law at 73–75, and ch 9 passim.
sobre a interpretação que as pessoas têm da situação à luz do que elas
entendem ser uma norma social comum, mesmo que suas concepções e
interpretações sejam sobrepostas e inexatas, em vez de compartilhadas em
termos comuns explícitos, como aqueles que a institucionalização torna possível.
Nós sabemos porque isso é assim. Os humanos são usuários de normas. A
consideração pelas normas leva as pessoas a padrões de comportamento.
Nossos próprios interesses como humanos nos levam a buscar um tipo de
padrão de comportamento que se conectam às expectativas e julgamentos de
nossos companheiros humanos, em vez de outros tipos, quando estamos nos
engajando na vida prática comum, em vez de investigações científicas abstratas
sobre isso. Nós não apenas observamos, mas participamos - por exemplo,
quando esperamos para atravessar o lago.
Exemplos recorrentes de práticas ordenadas imputáveis ao si mesmas
ou à normas genericamente semelhantes trazem nomes, como "ficar na fila",
"enfileirar", ou novamente, "prometer", ou "liderar uma congregação em oração",
ou "correr uma corrida" (em vez de simplesmente "correr”), ou "dança de salão",
ou "dando uma palestra", ou. . . a lista é infinita. De acordo com um uso comum,
que será adotado aqui, todas podem ser consideradas "instituições", assim como
julgamentos sobre elas são julgamentos de fatos institucionais. Claro, eles
podem ser instituições muito informais, apenas como práticas normativas podem
ser totalmente informais e dependentes de convenções em vez de qualquer
regra articulada.
Mas a ordem pode se tornar formalizada. Podemos até dizer que pode
ser institucionalizada. Já vimos como isso pode acontecer, como quando há um
funcionário que organiza e controla a fila do táxi, ou um gerente que administra
as filas nas agências de correios. A existência de um segundo nível conduz ou
é acompanhada por uma articulação explícita progressiva do primeiro nível de
prática. Tem regras explícitas, não meras convenções. A posição ocupada pelo
funcionário ou gerente é quase, certamente em si, um trabalho expressamente
criado dentro de uma organização, com uma estrutura bastante elaborada,
funções ou empregos com oficiais ou funcionários designados para realizá-las à
cabo. Em tal contexto há claramente o que podemos chamar de "ordem
normativa institucional", não ordem normativa meramente informal, com
instituições informais.
Uma característica consequencial da instituição formalizada que é digna
de menção. Onde a formação de uma fila não é simplesmente uma resposta de
determinadas pessoas, espontaneamente a um problema de coordenação, mas
é organizado no contexto da espera do táxi no aeroporto ou nos correios ou no
balcão de passagem ferroviária ou no caixa do supermercado, evitando a fila ou
pulando, tornaria esses eventos muito mais difíceis, quase impossíveis. Para
aqueles encarregados do serviço é mais provável simplesmente recusar atender
a alguém que não tenha esperado a sua vez de acordo com as regras que foram
estabelecidas. Vamos imaginar uma pessoa com status importante (embora não
reconhecido pelos prestadores de serviços), tão exaltado que pessoas comuns
devem ceder o lugar a ela. Mesmo a tal, que se recusa a reconhecer a
legitimidade ou a equidade ou mesmo a existência da regra das filas em relação
a si mesmo, se depara com um fato desagradável. Ele ou ela não pode obter o
serviço procurado, se não agir de acordo com essa mesma regra. Isto é, ele ou
ela não pode fazê-lo, a menos que esteja disposto a tomar algum tipo de ação
violenta que vá ao extremo de quebrar a paz, ou mesmo roubar ou agredir ou,
ao extremo, matar. Muitos daqueles que sem escrúpulos pulam as filas,
estabelecem o limite antes de atingir esses ilícitos relativamente sérios, de modo
que são interpretados por regras que de outra forma seriam desprezadas. Desta
forma, os fatos institucionais se tornam realidades, fatos que nos constrangem,
não meramente normas que guiam nosso julgamento autônomo.

2.8 Instituições do Direito Positivo: Observações Preliminares

A fila enquanto uma instituição social organizada é replicada ainda mais


claramente no caso, ainda mais formalizado, de instituições que pertencem ao
marco do direito positivo público e do estado. No caso da bilheteira ferroviária, a
fila organizada pelo gerente local é, naturalmente, uma fila para bilhetes de trem.
Por trás disso está a lei de algum estado. Comprando uma passagem de trem,
estará de fato, celebrando um contrato de transporte, regido não só pela lei geral
dos contratos, mas por um volume considerável de regulamentos especiais
sobre o transporte de pessoas por linha férrea. Pode-se dizer o mesmo em
relação ao transporte aéreo ou marítimo, e o mesmo, novamente, do contrato
para seguro de viagem adquirido pela pessoa prudente antes de embarcar em
uma jornada com a presença de riscos maiores ou diferentes daqueles que
afetam a sua a vida cotidiana.
No que diz respeito à normatividade do direito estatal, tudo isso cai no
reino do "dever ser". Você deve adquirir um bilhete para obter o direito a um
assento no trem ou no avião. Se você é um legítimo detentor da passagem, a
empresa ferroviária ou companhia aérea tem o dever de levá-lo de acordo com
todas as condições de transporte para o qual você e ele concordaram no contrato
celebrado com a compra da passagem. A empresa também deve, de acordo com
as leis do estado, cumprir com todas as obrigações regulamentares que regem
o modo de transporte de que se trata. Penalidades podem ser cobradas
mediante prova de violação de tais regulamentos.
Por outro lado, é totalmente impossível de realizar a entrada em um voo
de serviço regular executado por uma companhia aérea comercial se você não
tiver um bilhete de passagem, ter feito o check-in, e ter passado por todo o ritual
institucional tão familiar aos viajantes contemporâneos. A viagem de trem difere
apenas em grau. De fato, viagens em muitas linhas ferroviárias em muitos países
é agora controlada por torniquetes que será aberto apenas na inserção de um
ticket válido. É fisicamente impossível (ou pelo menos difícil) obter acesso ao
serviço sem satisfazer as regras da instituição. As formas normativas acabam
sendo restrições práticas impenetráveis, exceto por sequestrador violento ou um
clandestino astuto e desesperado.
A propriedade também é profundamente dependente de normas, na
verdade, em regras formalmente articuladas, muitas vezes de complexidade
aparentemente labiríntica. Ter direito de propriedade sobre algum objeto físico,
ou sobre algumas (normativamente demarcados) porções de terras implica ser
protegido por regras que exigem que outros o deixem desimpedido na posse e
uso da coisa ou do terreno (algo mais profundamente discutido no capítulo 8).
Pressupõe que você adquiriu os direitos por formas normativamente
regulamentadas: por doação, compra, herança ou ocupação. Tudo isso é
ordinariamente ofuscado pelo simples fato social do controle físico sobre a coisa
ou terra e acesso a ela, pelo senso de segurança psicológica e fácil familiaridade,
pela aceitação irrefletida por outros, de qualquer forma, outros que também têm
algumas coisas para chamar de próprias, que isso é seu e é você quem decide
sobre o que acontece aqui, como este carro ou este computador será usado e
por quem.
Nossa percepção do espaço ao nosso redor é de terras parceladas, com
casas ou lojas ou campos agrícolas e pastagens de colinas, intercaladas com
parques e assim por diante. Na terra há coisas que pertencem às pessoas.
Pessoas abastadas possuem ações e outros ativos intangíveis, o que pressupõe
um conjunto normativo de leis que regulam as dívidas do Estado e uma estrutura
de regras sobre as participações no capital de empresas privadas. Normalmente,
no entanto, estas entidades abstratas (como geralmente é feito através de
pedaços de papel especialmente impressos) são vistas simplesmente como
"coisas” que podem ser objeto de propriedade. A colheita de aveia do próximo
ano, ainda não semeada, pode "mudar de mãos”, da mesma forma que um saco
de farinha de aveia do ano passado agora é colhido. Os direitos de propriedade
sobre sacos de farinha não estão em termos legais mais tangíveis nem menos
do que os direitos sobre frutos futuros, ou sobre opções de ações, ou qualquer
outra das estranhas entidades imaginárias como essas que fazem ou perdem
fortunas. Uma fortuna que se ganha ou que se perca é composta de dinheiro. E
o dinheiro é simplesmente um meio de troca, que só existe graças à fé que os
seres humanos têm nas normas, nos meios legais de pagamento, bem como o
direito de cunhar moedas ou imprimir e emitir papel moeda. Recentemente, com
a chegada de uma moeda comum em toda a Europa, o euro, vemos um corpo
de lei que é de caráter supra estatal.
2.9 Agências Institucionais

Para concluir este capítulo, são necessárias algumas palavras sobre


agências institucionais e seu papel na institucionalização da ordem. Nós vimos
a possibilidade de uma prática de dois ou mais níveis, por exemplo, em relação
à fila. De uma maneira que não é de todo surpreendente para os advogados,
descobrimos que há dois elementos distinguíveis neste caso: o elemento de
formulação de regras e o elemento de administração de regras. O primeiro é
bastante óbvio e direto. O último é divisível em dois ou três outros elementos.
Um diz respeito a decidir sobre como aplicar as regras em casos de litígios, a
outra diz respeito à forma adequada de controle, como torniquetes ou rolos de
senhas numeradas. Também pode incluir a preocupação pela imposição de
decisões e, geralmente, agindo para garantir a conformidade com a prática
correta. Não há razão, é claro, para supor que pessoas diferentes sempre
tenham que ser responsabilizadas, ou assumir responsabilidades, por esses
vários elementos. É, no entanto, possível que as funções sejam divididas entre
diferentes pessoas ou equipes, de modo que haveria decisores, criadores de
normas, administradores de instalações e agências de fiscalização.
Sob a lei de um estado constitucional moderno, dificilmente deve ser dito
que as funções de legislação, adjudicação, execução e administração e
aplicação de leis são divididos em agências substancialmente diferenciadas,
embora não sempre sem alguma sobreposição entre eles. O princípio da
separação dos poderes, que muitos consideram essencial para a existência de
uma sociedade livre, que não esteja submetia a um poder autoritário, evita
sobreposições indevidas. É claro, é preciso acrescentar que nem todos os casos
de ordem normativa institucional, isto é, de direito, tenha respeitado ou mesmo
reconhecido o princípio de separação de poderes. Impérios e as cidades-estados
da antiguidade, monarquias feudais medievais e os despotismos iluministas,
bem como (mais questionável) os estados socialistas e os regimes de um partido
único, que tiveram seu próprio tipo de direito, sem separação de poderes, pelo
menos nas formas que agora assume nos estados constitucionais
contemporâneos.
O foco principal do presente trabalho está no direito, tal como ele se
manifesta em Rechtsstaat, ou "Estado de direito" ao que me refiri até agora como
o "Estado Constitucional Moderno"23. O ponto aqui é notar que existem
instituições públicas distintas – que denominaremos de “agências institucionais”
- encarregadas das funções legislativas, adjudicativas, com funções executivo-
administrativas, e com funções policiais. Crucial para a unidade coerente do
Estado para a qual estas instituições pertencem, é a sua coordenação eficaz e
o equilíbrio na interação e no desempenho de suas funções. Esta coordenação
e equilíbrio é em si uma característica da ordem normativa do estado, e o corpo
de legal com o qual nos envolveremos na compreensão deste elemento, a ordem

23
Sobre o conceito de Estado de Direito ou estado constitucional, ver MacCormick, Questioning
Soberania ch 2; a questão é totalmente retomada no cap. 3 abaixo.
normativa institucional é, evidentemente, o direito constitucional. O próximo
capítulo considerará isso.
Por ora se deve destacar, simplesmente, que no jargão estabelecido
pelos advogados as "Instituições" são notavelmente diversas em espécie.
Parlamentos, tribunais, gabinetes e departamentos governamentais, forças
policiais e outras agências de fiscalização são tipo de instituição - podemos
chamá-los de agências institucionais, porque seu sentido e função é agir de
várias maneiras características. Empresas ou corporações que com
personalidade jurídica, por assim terem sido constituídas, também são agências
institucionais. Contratos, trusts, a propriedade, o casamento e a família e outras
instituições semelhantes não são eles próprios agências, mas arranjos que
resultam de atos de pessoas e / ou agências24. Aqui, eles serão referidos como
figuras institucionais, quando houver qualquer risco de ambiguidade. Há também
"coisas institucionais", sob a forma incorpórea, isto é, objetos invisíveis, não
tangíveis, existentes em virtude de disposições legais, tais como ações de
empresas, direitos autorais, patentes e "propriedades intelectuais", dos quais
falaremos em capítulos posteriores.
No caso dos três tipos, isto é, ‘agências institucionais’, ‘arranjos
institucionais’, e ‘coisas institucionais’, uma estrutura particular de regras que
governam pode ser discernido. O primeiro conjunto, aqui chamado "regras
institutivas", determina em quais atos e procedimentos pode-se criar uma
agência (por exemplo, regras que estabelecem uma nova legislação, ou sobre a
incorporação de uma empresa), ou um acordo (por exemplo, regras sobre a
formação de contratos) ou uma coisa (por exemplo, regras sobre uma patente).
O segundo conjunto determina quais são as consequências normativas de sua
existência - um parlamento pode promulgar leis e fazer outras coisas legalmente
significativas, um contrato regula o que as partes devem fazer para mantê-lo, e
um motivo de patente reivindica exclusividade nos processos que especifica? O
terceiro conjunto tem a ver com a dissolução de uma agência, acordo ou coisa.
Esta apresentação triádica "regras institucionais, consequenciais e distrato"
corresponde a uma estratégia expositiva comumente usada nas obras
doutrinárias, até certo ponto refletido nos usos práticos de advogados e tribunais.
Em cada caso é necessário ter alguma compreensão do ponto principal da
instituição em questão. Legislaturas são para fazer ou reformar leis. Contratos
são formas de fazer acordos vinculativos entre as pessoas. Trusts são formas
de dedicar propriedade a usos particulares ou para o benefício de determinadas
pessoas ou bens públicos. Patentes são formas de garantir direitos exclusivos
de exploração de invenções, com vista a incentivar à inovação e cobrir os custos
de pesquisa e desenvolvimento, e assim por diante. Podemos dizer que uma
explicação de qualquer instituição requer um relato das regras pertinentes
estabelecidas à luz de seu sentido. Esta ideia de que as coisas têm um sentido
pode ser comparado com a ideia aristotélica de que muitas entidades precisam

24
N MacCormick, "Institutions, Arrangements and Practical Information" Ratio Juris 1 (1988)
73–82.
ser explicadas em termos de sua "causa final"25. Que uma semente se
desenvolve em uma planta que por sua vez, se fertilizada, produzirá mais
sementes. Ainda mais no caso das instituições sociais, podemos explica-las
somente se soubermos a que fim devem funcionar. Contratos são obrigações de
empresas, clubes de futebol para a organização de equipes de futebol e jogos
de futebol e assim por diante. Isso não significa que eles não possam ser usados
- legitimamente usados em muitos casos - para todas as variedades de
propósitos humanos aos quais arranjos desse tipo podem ser adaptados. Mas é
a instituição que normalmente funciona para um determinado fim amplamente
definido - "causa final" - que é adaptável. Esse sentido é retomado com mais
detalhes no capítulo 16 do presente livro. É suficiente aqui observar que o
contraste de John Searle entre "constitutivo" e Regras "reguladoras" das
instituições, mesmo na forma em que foram elaboradas por Dick Ruiter, parece-
me menos satisfatório que a apresentação triádica sugerida aqui, quando este é
complementado por referência à causa ou sentido principal de uma instituição26.

25
Compare com Aristóteles, 1912: 1252b-1253a. "Cada ser em seu estado mais perfeito, que é
certamente a natureza de tal ser, seja um homem, um cavalo ou uma casa: além disso, o que quer que
produza a causa final e o fim que desejamos, deve ser o melhor; mas um governo completo em si é uma
causa final e o que é melhor ".
26
Um argumento completo para essa visão é dado em N MacCormick, "Normas, Instituições e
Institucional". Facts 'Law and Philosophy 17 (1998) 1–45, pp. 36–44. Searle (Speech Acts, 34–51)
defende a existência de "regras constitutivas" que podem ser lançadas na forma "x conta como y nas
circunstâncias c". este parece inútil demais, pois quase tudo pode contar como quase qualquer outra
coisa em circunstâncias adequadas. Uma garrafa pode contar como uma arma em uma briga de pub
sem que nenhum desses conceitos tenha que ser considerada como uma instituição social, ou uma
instituição legal, ou cultural. Por outro lado, é verdade que um vaso de vidro com um gargalo estreito
usado para armazenar líquidos conta como uma garrafa. Isso pode de fato, me diga algo sobre o
substantivo "garrafa" ou até mesmo o conceito "garrafa" dentro do inglês língua. Se há algo que
deveríamos chamar de um elemento institucional aqui, isso se relacionaria sentido em que substantivos
ou conceitos podem ser caracterizados como instituições dentro das línguas; mas isso
não daria informações úteis sobre instituições no sentido prático mais amplo com o qual o
teoria institucional do direito está em causa. Para uma declaração elaborada da opinião contrária por
D Ruiter, veja suas Instituições Legais, cap 4.

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