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Material exclusivo para os alunos da Escola Bibotalk de Teologia

Professor: Me. Rodrigo Bibo de Aquino

escolabibotalk.com.br
Introdução à Teologia1

Quando homens e mulheres começaram a interpretar as ações e


palavras divinas, surgiu, assim, a teologia e, com ela, a Bíblia. Por Deus ser
ativo na história, até hoje nos encantamos com sua ação e refletimos sobre
ela. Por isso, teologia nunca sairá de moda: será sempre uma tarefa da igreja
que quer entender melhor o Deus a que serve.

Minha intenção, Senhor, não é penetrar em tua profundidade, porque de forma alguma

“ posso compará-la à minha inteligência; porém desejo compreender a tua verdade, ainda
que imperfeitamente, essa verdade em que meu coração crê e que ele ama. Porque não
procuro compreender para crer, mas creio para vir a compreender. Na verdade, creio
porque se não cresse não viria a compreender.” Anselmo de Cantuária

1- O que é teologia?

O termo teologia, que é a junção de duas palavras gregas – theos


(Deus) e logos (discurso) – foi usado pela primeira vez pelos filósofos para
designar o discurso que os poetas faziam sobre os deuses. O primeiro registro
do termo é nas obras de Platão, que criticava a mitologia popular. Com outro
filósofo grego, Aristóteles, a palavra teologia ganha uma conotação mais
profunda e passa a significar o ato filosófico que indaga sobre o ser divino.
Ou seja, deixa de ser somente uma crítica ao pensamento popular sobre as
divindades e passa a representar o exercício filosófico do pensar sobre o
tema.2
O Novo Testamento não utiliza, em nenhum momento, o termo
teologia e seus derivados para nomear a reflexão que se faz de Deus ali.
Contudo:
Sem conhecer o termo, a primeira epístola de S. Pedro exorta o cristão, sobretudo
aquele que vai aparecer diante do tribunal, que saiba justificar a sua fé (1Pe 3.15).
Essa tarefa implica certo nível de reflexão teórica sobre a própria fé, próprio da
teologia. [...] Jesus pergunta aos discípulos: “E vós que dizeis que eu sou?” (Mt
16.13). No fundo, a comunidade se faz a pergunta teológica sobre Jesus Cristo.3

Os Pais Apostólicos, isto é, líderes cristãos posteriores aos apóstolos,


também não faziam uso do termo; chamavam a reflexão sobre Deus de
“verdadeira filosofia”. Ou seja, tanto o NT quanto os primeiros cristãos faziam
teologia só que chamavam de outra forma. Foi somente com os Pais da
Igreja, a partir do século III, que a igreja começou a usar o temo teologia
para a reflexão cristã sobre Deus.4

1
Esse material foi escrito originalmente para a EPOS. Um curso livre em Teologia oferecido pela
Assembleia de Deus Joinville.
2 RITO, Frei H. Introdução à teologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. p. 28.
3 LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. 7 E.d São
Paulo: Loyola, 2010. p. 64.
4 RITO, 1998, p. 35.
Aurélio Agostinho, Bispo de Hipona e doutor da Igreja Antiga, que viveu
em fins do séc. IV e início do séc. V, gostava de argumentar, com muita
propriedade, que o cristão genuíno une contemplação e ação, entendimento
e amor (num sentido prático – amor/atitude), fé e entendimento – conforme
a expressão: crede ut intelligas, intellige ut credas (do lat. = creia para
entender, entenda para crer). Na verdade, o problema do conhecimento,
ainda que não seja a única prioridade no processo redentivo, está na raiz de
nossa relação com Deus. Jesus disse: “Se alguém quiser fazer a vontade de
dele [Deus], conhecerá a respeito da doutrina...” (Jo 7.17).
Apesar de ganhar contornos diferentes ao logo da história ocidental, a
definição de teologia para nós, hoje, continua semelhante ao significado que
teve no seu começo: o discurso concernente a Deus; a ciência do
sobrenatural; o estudo sobre Deus. De forma mais elaborada, podemos
definir teologia como “a ciência de Deus segundo Ele se revelou em sua
palavra”.5 Teologia é então, grosso modo, o esforço do ser humano em
entender a revelação de Deus por meio da sua palavra e do seu agir na
história.

2 – Quem precisa de teologia?

A pergunta do título poderia ser também: “Por que estudar teologia?”.


Infelizmente, muitos cristãos ainda se perguntam sobre a importância da
teologia. Não se dão conta de que eles mesmos são teólogos. Então, a
pergunta certa não é se devo estudar teologia, mas que tipo de teólogo eu
sou. Nas palavras de Sawyer:

“Toda vez que pensamos em Deus, envolvemo-nos com teologia. A


pergunta, portanto, não é se seremos teólogos - não temos escolha
quanto a isso. Pelo contrário, a questão é que tipo de teólogo seremos
- bons ou maus, responsáveis ou irresponsáveis.6”

Sendo assim, fica evidente que todo aquele que discursa sobre Deus e
sua obra no mundo está praticando teologia. O que acontece é que,
geralmente, quando se “ataca” o fazer teológico, se diz que a teologia é fria,
que é o estudo desnecessário de teorias sem fim, etc. É verdade que não
basta apenas ter conhecimento das doutrinas bíblicas, e, nesse sentido,
conforme estamos definindo teologia, até um ateu pode ser teólogo e
conhecedor dos dogmas cristãos. Por isso, ter uma vida espiritual saudável é
fundamental.
Aqui, temos dois opostos. De um lado, aqueles que se debruçam sobre
a teologia e a praticam isoladamente da vida da comunidade, numa torre de
marfim, presos em seus muitos conceitos. Do outro, aqueles que a negam

5 ROLDAN, A. F. Para que serve a teologia?: método história pós-modernidade. Curitiba:


Descoberta, 2000. p. 24.
6
SAWYER, M. J. Uma introdução à teologia: das questões preliminares, da vocação e do
labor teológico. São Paulo: Vida, 2009. p. 17.
por completo (pelo menos é o que pensam) e vivem uma vida cristã
estruturada em “achismos”, pseudo-revelações e tradicionalismos7. Ambos
erram em seus exageros.
Se, como já dito acima, não temos escolha e, se somos cristãos, somos
teólogos, vamos entender essa vocação e glorificar a Deus com ela.

A teologia é simplesmente a igreja levando muito a sério o problema


da sua própria existência e averiguando detidamente em que pontos
está deixando de ser a igreja de Deus.8

Palavra dura essa que lemos acima, mas ela reflete uma verdade
incontestável: sem teologia, perderemos nossa identidade como povo de
Deus. Portanto, teologia não é função de alguns especialistas na
congregação, mas dever de todo fiel. Obviamente, alguns nessa comunidade
são chamados a serem mestres (Ef 4.11-12), a se aprofundarem nas
Escrituras e em seu desenvolvimento histórico, contudo, mesmo esses,
devem servir a todos, pois a teologia é comunitária. Mas, o fato de termos os
mestres não nos isenta do conhecimento bíblico-teológico que cada um de
nós deve ter a fim de responder com sabedoria a razão da nossa fé (1Pe
3.15).
Outro ponto fundamental que devemos considerar é que a nossa
crença determina nosso comportamento, ou seja, má teologia gera mau
testemunho. Na história do cristianismo, temos muitos exemplos disso. Basta
olharmos para a igreja medieval, que, por estar firmada numa teologia
equivocada, cometeu muitas barbaridades. Atualmente, também vemos
igrejas praticando, de forma deliberada, a teologia da prosperidade e outros
desvios bíblicos. A cura para esse mal é a teologia bíblica, estudada com
seriedade! Nos alerta Hodge:

“Que ninguém creia que erro doutrinário seja um mal de pouca


importância (...) nenhum caminho para a perdição jamais se encheu
de tanta gente como a falsa doutrina. O erro é uma capa da
consciência, e uma venda para os olhos.9”

Precisamos entender que não basta amarmos a Jesus e sermos gratos


pelo seu sacrifício. Isso é fundamental, é verdade, mas não é o bastante para
a missão da igreja no mundo. Por isso, enfatizamos a necessidade de que
cada cristão tem de ser um bom teólogo.
A teologia não deve ser encarada como a obrigação de assimilar
conteúdos, mas como um ato de adoração.

7 Deixamos bem claro que não achamos toda a tradição ruim. O bom teólogo conhece a
tradição cristã e a estuda, pois ela é a fé viva dos que morreram. Ele rejeita o tradicionalismo,
que é a fé morta dos que vivem.
8 SMART apud ROLDAN, 2000, p. 24.
9
HODGE, D. C. apud PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. São Paulo:Vida,
1970, p. 14
Deus nos confiou sua revelação, em toda a sua riqueza e inteireza
muiltiforme, mas não nos deu uma teologia. Ele se revelou por meio
de suas obras e palavras na história humana, em seus encontros com
indivíduos em várias épocas e lugares. Ele se revelou de modo mais
completo na pessoa e na obra de Jesus Cristo, mas essa revelação
está em forma de narrativa, como história. Nossa tarefa é organizar
o material e fazer dele um todo coerente, de modo que sejamos
capazes de compreender mais plenamente quem é Deus e o que Ele
tem feito.10

Com certeza, a maturidade espiritual é composta de várias etapas. Não


temos dúvidas de que o conhecimento teológico é uma delas. Jesus orienta
seus discípulos a amarem o Senhor “de todo o seu coração, de toda a sua
alma e de todo o seu entendimento” (Mt 22.37). Esse desejo de Jesus não
pode ser cumprido sem a teologia.

3 – Teologia como ciência

Não é tarefa fácil definir ciência, mas, grosso modo, nós a entendemos
como o conhecimento que produz, por meio de métodos e linguagem
apropriada, leis e teses sobre como funcionam os fenômenos, sejam eles
naturais ou sociais. O conhecimento científico segue critérios, como:
(1) Um objeto definido de estudo;
(2) Um método para investigar o objeto em questão e para verificar
suas declarações;
(3) Objetividade e acessibilidade, isto é, outros podem pesquisar o
mesmo objeto;
(4) Coerência e conexão nas proposições que formem um corpo
definido de conhecimento.

O estudo teológico preenche de certa forma esses requisitos:


(1) Ela aceita as mesmas regras da lógica que as outras disciplinas;
(2) Ela é comunicável;
(3) Até certo ponto, ela emprega os mesmos métodos de outras
ciências, como filosofia, história, antropologia e sociologia;
(4) Ela partilha alguns objetos de estudo com outras disciplinas, por
isso existe a possibilidade de pelo menos algumas de suas
proposições serem confirmadas ou refutadas por outras
disciplinas.11

Apesar de apresentar as características necessárias para ser


considerada uma ciência (dentro do campo de Humanas), a teologia possui
um diferencial. Um de seus tópicos de estudos é o próprio Deus, e nisso está

10SAWYER, 2009, p. 21.


11
Esses pontos foram adaptados de ERICKSON, M. J. Introdução à teologia sistemática.
São Paulo: Vida Nova, 1997. p. 18.
a beleza e o limite da teologia, visto que Deus está para além de toda e
qualquer verificação investigativa. Porém, Ele criou, se revelou e continua
atuando na história, e é sobre esses aspectos que a teologia se debruça.
Outro diferencial da teologia é que, ainda que pesquise objetos comuns
a outras ciências, como o ser humano, ela o faz sob a ótica do relacionamento
desse objeto com Deus.12

4 – As divisões da teologia13

O estudo da Bíblia é empreendido, em grande medida, para produzir


teologia. Esta palavra, teologia, pode esconder um universo de complexidade
se intentarmos dissecar seus significados exaustivamente. Entretanto, “a
Teologia, definida com simplicidade, é o estudo de Deus e do seu
relacionamento com tudo quanto Ele criou”.14 A teologia cristã é, na aceitação
geral, uma ocupação racional de metodologia própria que estuda a pessoa
divina e seu plano, conforme aparece revelado na Bíblia, Antigo e Novo
Testamentos. Ela deve ser compreendida como todo esforço humano
empreendido com a finalidade de construir um conhecimento de Deus e de
seu plano para o universo criado. Podemos dizer que a teologia é “SAPIENTIA
FIDEI” (do lat. = Sabedoria da Fé).
Se visualizarmos a teologia como um edifício, enxergaremos pelo
menos três grandes pisos, que abarcam dentro de si muitas salas e divisões.
Por ser teologia cristã, ela tem como fundação a Palavra de Deus; seja
teologia bíblica ou sistemática, teologia só é cristã se partir das Escrituras. É
importante conhecermos as divisões na teologia a fim de entendermos como
ela é feita.

Primeiro Andar
O primeiro andar desse edifício é a teologia bíblica. Sua preocupação
é com a revelação de Deus contida nas Escrituras e seu desenvolvimento
histórico. Ela expõe as diferentes perspectivas teológicas encontradas na
Bíblia, por isso podemos falar em Teologia do Antigo Testamento e Teologia
do Novo Testamento, ou ainda, Teologia do Pentateuco, do Pós-exílio,
Teologia Profética, etc. No NT, é possível falar em teologia dos Sinóticos,
teologia de Paulo, entre outras. Nesse sentido, também podemos estudar um
tema sob perspectiva da teologia bíblica, por exemplo, justificação em Paulo
a partir do capítulo 3.19-31 da carta aos romanos. Depois de analisar o texto
específico, procura-se pelo contexto do texto. Em seguida, vamos atrás do
tema dentro de toda a carta. Daí partimos para a teologia de Paulo e para o

12 ERICKSON, 1997, p. 18-19.


13 Adaptado de ROLDAN, 2000, p. 43-56.
14
RAILEY, J. H. & AKER, B. C. Em: Teologia Sistemática – Uma Perspectiva Pentecostal. Rio
de Janeiro (RJ): CPAD, 1996, p. 50.
tema no NT e no AT. Seguindo cada passo, teremos uma visão ampla do
assunto justificação na cosmovisão paulina, bem como um panorama bíblico.
A exegese é ferramenta indispensável na elaboração da teologia
bíblica. Ela se ocupa com o resgate do sentido original do texto, o que ele
significou para os primeiros destinatários. Para isso, estuda os originais da
Bíblia, o contexto histórico, político, geográfico, social e religioso de um livro
ou trecho bíblico. Somam-se a isso as técnicas da hermenêutica, que procura
a correta interpretação desse texto e sua aplicabilidade prática.

Segundo Andar
No segundo andar, vamos encontrar a Teologia Sistemática. Nela,
temos o desenvolvimento das doutrinas bíblicas não só no texto sagrado, mas
no desenrolar da história. Por exemplo, além de analisar a visão bíblica de
justificação, ela estuda como essa doutrina foi compreendida ao longo da
história pela igreja.
É nesse andar que a teologia dialoga com outras ciências e se
contextualiza. Ao estudarmos a história da teologia, podemos perceber como
ela se relacionou, influenciou e foi influenciada pela filosofia, psicologia,
sociologia, só para citar alguns exemplos.
Então, na teologia sistemática, encontramos disciplinas como
soteriologia (estudo da salvação); antropologia (estudo do homem);
bibliologia (estudo da Bíblia); e outras, que você estudará nesse curso da
EPOS.
Paralelo à teologia sistemática, temos a teologia histórica, que se
propõem a contar e refletir a história igreja, das doutrinas e das missões.

Terceiro Andar
Nesse piso, é que a teoria vira prática. Se a função da teologia é servir
a vida e manifestar o Criador à criação, é com a Teologia Prática que isso
acontece. Ela parte do princípio de que não adianta conhecer as
profundidades bíblico-teológicas se elas não servirem à comunidade.
Para o pensador cristão Júlio Zabatiero, “prática é o modo de ser da
teologia”. Com isso, ele quer dizer que o objetivo de toda reflexão e
construção teológica não é a especulação, mas a prática.15
Em Jesus Cristo, temos o exemplo perfeito do ser teólogo. Ele foi
profundo conhecedor das escrituras e usou todo esse conhecimento no
serviço ao próximo. Assim, também a igreja é convidada a ser sinal histórico
do reino dos céus, revelando, em seu pensar e seu agir, o caráter e o amor
de Deus. Em outras palavras:
Por ser reflexão cristã no mundo, a teologia prática será discurso de
missão, evangelizador, alimentador e nutridor da prática missionária
da igreja. Discurso que coloca a igreja e a sua teologia no cenário

15
ZABATIERO, J. Fundamentos da teologia prática. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p.
25.
público das ações e discussões visando ao bem-estar da sociedade
em que vivemos.16

Nesse andar, encontramos disciplinas como diaconia, teologia pastoral,


liturgia, homilética e aconselhamento cristão, entre outras.
Essa ideia de compara a teologia a um prédio nos ajuda a entender a
dimensão do labor teológico, e, assim, podemos perceber como essa
disciplina é rica, abrangente e transformadora.
O fato é que, para considerarmos uma teologia como bíblica, ela
precisa atender a alguns pressupostos imprescindíveis:
1º) A Bíblia é verdadeira e é nossa referência da verdade da fé;
2º) O Deus da Bíblia existe, e, até onde ela o revela, Deus é como a
bíblia o revela. “A mais imprescindível pressuposição da teologia é a
existência de Deus”17 (Gn 1.1; Hb 11.6). Em última análise, o cristão
aceita a existência de Deus pela fé.

5 – Níveis do fazer teológico18

Como dito acima, todo membro do corpo de Cristo é convidado a fazer


teologia, e é condição do ser cristão pensar e falar teologicamente. Mesmo
assim, existem níveis diferentes no ser teólogo. Nem todo cristão é chamado
a estudar academicamente teologia ou a estudar todas as disciplinas
teológicas. Vamos entender um pouco melhor, dividindo o fazer teológico em
três níveis.

Nível popular
Aqui, temos a teologia do cotidiano, aquela que cada um faz quando lê
um texto bíblico e o confronta com a própria vida ou, quando diante de uma
situação, se pergunta sobre Deus e o sentido da vida. Teologia que nasce do
dia a dia, ao ouvir uma música, ver um filme ou mesmo naquela conversa
informal no final do culto. Inclusive, é no seio da comunidade cristã que a
teologia popular tem o seu lugar de produção, nos estudos bíblicos, cultos de
jovens, retiros e congressos, isto é:
Ela está diluída em tudo o que a igreja faz, anuncia e celebra. Assim,
a visão a respeito do uso da Bíblia, de Deus, de Jesus, do ser humano,
de sua salvação não aparece claramente, mas está presente e
atuante.19

Onde houver um cristão refletindo sobre a sua relação com Deus e com
a criação a luz da fé, ali terá teologia popular. É nela que o fiel pensa a sua
fé e mantém seu cristianismo.

16 ZABATIERO, 2005, p. 31.


17
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Cultura Cristã, 1990, p. 20.
18 Tópico feito a partir de LIBANIO, 2010, p. 199-206 e MURAD, A; GOMES, P.R.; RIBEIRO, S.

A casa da teologia: introdução ecumênica a ciência da fé. São Paulo: Paulinas: São Leopoldo:
Sinodal, 2010. p. 140-148.
19 MURAD, 2010, p. 141.
Nível pastoral
Obviamente, alguém que assume um cargo de liderança, não pode se
alimentar só da teologia popular; ela é elementar demais para alguém com
muitas demandas ministeriais.
A teologia pastoral se situa entre a teologia popular e a teologia
acadêmica, que veremos a seguir, pois, nela, já se encontra uma teologia
mais orgânica e elaborada. Os agentes desse nível são os obreiros
eclesiásticos, sejam pastores, missionários, professores de escola bíblica ou
líderes em geral, que almejam ter um conhecimento mais profundo e amplo
no afã de servir melhor à igreja. Por isso, se dedicam ao estudo das
escrituras, fazem cursos de teologia, participam de seminários, leem livros
específicos e se atualizam constantemente.
Por ser teologia pastoral, busca o cuidado e o atendimento das
necessidades do povo, logo a teologia pastoral “apoia-se na teologia popular,
acolhe suas demandas e oferece respostas”.20 É a teologia pastoral que não
permite à teologia popular virar crendice e ser superficial.

Nível acadêmico
A teologia acadêmica é o estudo formal da teologia. Portanto, é feita
somente em seminários, faculdades e institutos de ensino, seguindo métodos
específicos e dividida em graus: bacharelado, mestrado, doutorado e pós-
doutorado. Ao tornar-se bacharel, o aluno deve estar apto a sintetizar os
elementos centrais da fé cristã e, quando ouvir nova reflexão, saber situá-la
no edifício da teologia. Já no mestrado e doutorado, esses conhecimentos são
ampliados, e o aluno, levado a penetrar no interior das regras do discurso
teológico. Ao findar o curso, o estudante deverá estar pronto para ensinar e
fazer teologia no nível acadêmico.
Podemos entender a teologia acadêmica como a reflexão crítica e
sistemática da interpretação da fé. A partir das ferramentas basilares da
teologia (Bíblia e tradição21), o acadêmico constrói um pensamento sólido
sobre a fé, estabelecendo um diálogo d ela com outras ciências e demandas
do seu tempo.

A relação entre os níveis


É muito importante entendermos que nenhum nível é superior ao
outro, pois todos têm como objetivo comum servir ao Reino de Deus. Só
falamos em níveis para tornar mais didático a especificidade de cada maneira
de se fazer teologia.
Por isso, esses graus precisam se relacionar de maneira harmoniosa,
respeitando as características de cada um. O povo não pode desconsiderar a
teologia acadêmica só porque pensam que ela parece fria e discute temas
difíceis e irrelevantes. Isso é um erro. Assim como é um erro o teólogo
acadêmico não fazer teologia a partir do povo e para o povo.

20
MURAD, 2010, p. 143.
21 Entenda tradição aqui como o arcabouço doutrinário da Igreja ao longo dos séculos.
Nesse sentido, as faculdades de teologia desempenham um papel
importantíssimo quando oferecem à comunidade seminários com temas
relevantes e treinamento constante para seus líderes.

A teologia como serva da igreja22

A teologia cristã nasce no seio da igreja e serve a ela. Nas mais


variadas tarefas da igreja no mundo, encontramos teologia. Quando não
encontramos, é a heresia que toma conta, e heresia é teologia que não condiz
com a Bíblia. Como serva do corpo do Cristo, a teologia presta os mais
variados serviços à comunidade cristã.

A teologia serve à missão


Fazer missão implica uma reflexão teológica. Detrás de cada
argumento evangelístico, existe teologia, e aí voltamos à ideia apresentada
lá em cima: teologia boa ou teologia ruim, eis a questão.23
Para percebermos a importância da teologia na missão, vejamos o
corriqueiro plano da salvação, esquema apresentado em qualquer curso
básico de evangelismo. Quando falamos que Deus ama o pecador e que, em
Jesus Cristo, pagou o preço do nosso resgate, por isso somos regenerados
pelo Espírito Santo e convidados a sermos filhos do Pai, vivendo uma nova
vida e assim por diante, abordamos diversos conceitos bíblico-teológicos. Só
nessa pequena frase temos antropologia (estudo do homem), hamartiologia
(estudo do pecado), cristologia e soteriologia (estudo da salvação).
Sem boa teologia, a evangelização deixa de ser bíblica, ainda que
queira ser. Vejamos o seguinte apelo evangelístico: venha para Cristo que
todos os seus problemas serão resolvidos, e você terá uma vida próspera e
bens materiais garantidos. Infelizmente, ainda hoje, ouvimos apelos dessa
natureza; eles nascem de má teologia e apresentam um Cristo falso.
Não é possível falar de Deus segundo a bíblia sem orientação teológica
adequada, pois não basta só anunciar a salvação corretamente. O caminho
cristão também deve ser apresentado com clareza. Ligado ao evangelismo,
está o discipulado.

A teologia serve à apologética


A fé cristã sempre precisou ser defendida. Tanto os autores do NT
quanto os primeiros pais da igreja precisaram dar a razão da sua fé. Explicar
a Trindade, as duas naturezas de Cristo, a divindade do Espírito Santo entre
outras doutrinas bíblicas nasceu da tarefa apologética. O próprio cânon
sagrado foi elaborado a partir de reflexões teológicas para defender a fé de
desvios doutrinários. De lá para cá, pouca coisa mudou nesse sentido. Ainda

22
Tópicos elaborados a partir de ROLDAN, 2000, p. 65-73.
23 ROLDAN, 2000, p. 67-70.
hoje, somos desafiados a nos posicionarmos de maneira cristã diante das
circunstâncias e situações do nosso tempo.

A teologia serve ao trabalho pastoral


Quando falamos do nível pastoral, já abordamos essa questão de certa
forma. Mas, de maneira rápida, convém ressaltar que o trabalho, se não for
permeado por boa teologia, pode fazer toda uma comunidade se embrenhar
por desvios bíblicos. A teologia é ferramenta indispensável para quem prega,
aconselha, ensina, administra e lidera.
A leitura e o estudo trarão ao pastor mais dinâmica no ensino, seja por
meio da pregação ou da escola bíblica. Outro ponto importante é no
aconselhamento: sem os conhecimentos teológicos necessários, o
conselheiro pode tornar o fardo de uma pessoa ainda mais pesado. John
MacArthur afirma, em seu livro “Teologia Pastoral”, que o ensino bíblico que
conduz à maturidade se constitui uma das principais tarefas do
aconselhamento pastoral. Segundo ele, Paulo e seus companheiros tinham
como prioridade básica o ensino da palavra, ou seja, toda ação diaconal deles
era importante, porém, secundária24.

A teologia serve à ética


Vivemos tempos em que referenciais positivos estão escassos. Daí
surge a pergunta: onde estão os filhos de Deus? Aqueles que foram chamados
a brilharem como luzeiros neste mundo? O estudo da teologia desperta o
crente para seu real papel dentro da criação, ou seja, quando aprendemos
de Deus, queremos agir como Deus, no sentido de manifestar o seu caráter
e o seu amor. Não entraremos em detalhes, pois esse curso também contém
a disciplina de ética cristã.

A teologia serve à teologia


“A teologia deve ser um pensamento crítico de si mesma, de seus
próprios fundamentos”.25 Como não é algo que veio pronto do céu, a teologia
está sempre sendo forjada na história. Ela precisa constantemente se
autoanalisar para ser atual sem perder o compromisso com o evangelho.

A teologia serve ao louvor


A hinologia evangélica nunca esteve tão pobre. As canções são criadas
para entreter e alimentar o nosso ego. Uma rápida olhada no que se canta
hoje é suficiente para percebermos as heresias e distorções. Vemos canções
que exaltam anjos, que afirmam que quem tem promessa não morre ou
outras que só falam em vitórias e bênçãos e transformam Deus em servo do
homem. Infelizmente, poderíamos citar muitos outros exemplos, mas esses
já revelam que, ao abandonarem a teologia, o louvor e a adoração, embaçam
a visão cristã sobre Deus. Percebemos, assim, a necessidade de os

24
MACARTHUR, J. Ministério pastoral. Rio de Janeiro: CPAD, 1998. p. 254-255.
25 ROLDAN, 2000, p. 77.
compositores terem embasamento bíblico-teológico ao comporem suas
músicas e de a comunidade ter conhecimento suficiente para escolher os
hinos que comporão a liturgia do culto.

A teologia serve à igreja


Obviamente, tudo o que foi dito acima quer enfatizar o serviço da
teologia à igreja. Sem teologia, a igreja perde o rumo. Sem o exame que a
teologia faz da vida da igreja, ela adoece. A função da teologia é guiar a igreja
no caminho do evangelho.
Todas as atividades da igreja devem se fazer essa pergunta: “Como
isso reflete o evangelho de Jesus Cristo?”. No responder a essa pergunta, ela
encontra seu eixo.26

DIFERENÇA ENTRE DOGMA, DOUTRINA, COSTUME E


RELIGIÃO

1– Introdução

O ponto fundamental de qualquer religião é o seu conceito acerca de


Deus. A teologia define, conceitua e organiza as revelações de Deus contidas
nas Escrituras. Os dogmas, as doutrinas e a religião estão interligados de
modo recíproco, de tal forma que é impossível ter um conjunto de doutrinas
não dogmatizadas. Esses termos, ainda que correspondentes, não são
idênticos. Por isso, se faz necessário observarmos a diferença e até mesmo
a possível relação entre dogma, doutrina, costume e religião.

2- DOGMA

A palavra “dogma” deriva do grego “dokeo”27, sendo usada, no Novo


Testamento, com o sentido de “mandamento, decreto, ordenança” (Lc 2.1;
At 16.4, 17.7; Ef 2.15; Cl 2.14). Em Lucas 24.37, o verbo “dokeo” significa
“pensar, crer, supor”. No aspecto filosófico, dogma refere-se às “afirmações

26 GONZÁLEZ, J. L.; PÉREZ, Z.M. Introdução à teologia cristã. São Paulo: Hagnos, 2008.
p. 23.
27 Dokeo pensar, crer, supor, considerar, conforme podemos observar nos seguintes textos:

Mt 3.9; Lc 24.37; 1 Co 3.18; Hb 10.29. O termo pode significar “parece-me melhor, eu resolvo
ou decido” (Lc 1.3). GINGRICH, F. Wilburt; DANKER, Frederick W. Léxico do N. T:
grego/português. São Paulo: Vida Nova, 1984, p.58. “Dokeo” significa não só “parece-me ou
agradei-me”, mas também “determinei algo de modo que para mim é fato estabelecido”.
Segundo Berkhof “A Bíblia usa o vocábulo como designação de decretos governamentais na
Septuaginta (Et 3.9; Dn 2.13; 6.8; Lc 2.1), de ordenanças do Antigo Testamento (Ef 2.15; Cl
2.14) e das decisões da assembleia de Jerusalém (At 16.4). Contudo, convém dizer que não
foi o uso bíblico do termo, e, sim, o uso filosófico que originou seu significado posterior na
teologia. Cf. BERKHOF, Louis. A História das Doutrinas Cristãs. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas. 1992, p.17.
doutrinárias que expressavam o ponto de vista oficial de um mestre ou escola
filosófica em particular.”28
Um dogma religioso é uma verdade bíblica baseada sobre a autoridade,
oficialmente formulada por qualquer assembleia eclesiástica.
A primeira vez em que a igreja aprovou declarações “dogmáticas” foi
no Concílio de Nicéia, em 325 , ocasião em que a consubstancialidade (ou
seja, da mesma substância) do Filho com o Pai foi declarada como uma
confissão de fé.29
Na Idade Média, a Igreja Católica Romana desenvolveu o conceito do
depositum fidei (“depósito de fé”), conceito que sustentava que à igreja era
confiado um certo depósito de verdades cujas ramificações podiam ser
licitamente desenvolvidas pela igreja. Finalmente, por meio do Concílio de
Trento (1545-63) e do Primeiro Concílio do Vaticano (1870), os
pronunciamentos dogmáticos da igreja (católica) passaram a ser
considerados infalíveis. Então, o dogma era visto, no catolicismo romano, até
mesmo antes da Reforma, como uma verdade cujo conteúdo objetivo é
revelado por Deus e definido pela igreja.30
Os reformadores se posicionaram contrariamente a essa visão católica
e sustentavam que todos os dogmas devem ser confrontados com a revelação
de Deus nas Sagradas Escrituras. Karl Barth disse em verdade: “A Palavra de
Deus está tão acima do dogma quanto os céus estão acima da terra.”31
Para os reformadores, a fé é confiança pessoal em Deus e
relacionamento com Ele mediante Jesus Cristo, e não, necessariamente, o
assentimento àquilo que a igreja ordena que seja crido.32

“ Nesse sentido, dogma veio a significar uma sentença de verdade doutrinária. Este,
por sua vez, foi reconhecido como sendo de alto valor eclesiástico, sem, contudo,
quaisquer reivindicações à infalibilidade.

Assim, temos o credo dogmático33, que é uma declaração da doutrina


tal como dizem as Escrituras. Os quatro primeiros concílios ecumênicos
aceitos pela igreja protestante e evangélicos, que começam com Nicéia, em
325, e terminam em Calcedônia, em 431, possuem credos dogmáticos

28 CHAMPLIN, R.N.; BENTES, J.M. Enciclopédia de bíblia teologia e filosofia. São Paulo:
Candeia, 1997. v. 1 (D-C), p. 208-209.
29 MCKIM, D. K. in ELWELL, Walter A. (ed.) Enciclopédia histórico-teológica da igreja

cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988, v. 1 (A-C), p. 490.


30 MCKIM, 1988, v. 1 (A-C), p. 490.
31 MCKIM, 1988, p. 490.
32 MCKIM, 1988, p. 490.
33 A dogmática, como disciplina da teologia, é uma das mais tradicionais disciplinas da teologia

cristã. Sua tarefa especial é a interpretação crítica das doutrinas da fé da igreja à luz de nosso
conhecimento a respeito das origens do cristianismo e do desafio representado pela situação
contemporânea. Cf. BRAATEN Carl E.; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. São Leopoldo:
Sinodal, 1990, p. 29.
indispensáveis para a teologia cristã. “O credo dogmático determinado pela
sã doutrina é um fundamento indiscutível da teologia cristã.34

3– DOUTRINA

A palavra “doutrina” procede do grego “didasko”35 e significa “ensino


ou instrução”. O Novo Testamento usa o termo de forma genérica para
referir-se a qualquer tipo de ensino ou instrução. Exemplo:
a) - Doutrina dos fariseus (Mt 16.12);
b) - Doutrinas de homens (Mc 7.7);
c) - Doutrina dos apóstolos (At 2.42);
d) - Doutrinas de demônios (1 Tm 4.1);
e) - Doutrina de Deus (Tt 2.10);
f) - Doutrina de Cristo (2 Jo 9).

Entretanto, há um padrão doutrinário estabelecido pelos apóstolos,


conhecido como “sã doutrina” (1 Tm 1.10), “boa doutrina” (1 Tm 4.6),
“doutrina de Cristo” (2 Jo 9). Mas, somente em Hebreus 6.1-2 é que
entendemos tratar-se de uma forma universal e sistemática das doutrinas de
Cristo.

Doutrinas são verdades fundamentais da Bíblia, dispostas em forma sistemática. São

“ revelações da verdade como se encontra nas Escrituras36

34 Os credos são fontes importantes da teologia. Os três grandes credos ecumênicos da igreja
primitiva (o Credo Apostólico, o Credo Niceno e o Credo Atanasiano) antes da sua divisão são
de particular valor em revelar a substância da crença da igreja cristã daqueles dias. Cf. WILEY,
H. Orton; CULBERTSON, Paul T., Introdução à Teologia Cristã. São Paulo: Casa Nazarena
de Publicações, 1990, p. 36-38.
35 Didasko, ensinar; nos textos de Mc 1.21; At 15.35; 1 Co 11.14. O termo possui a mesma

raiz de didakhê, “ensino como uma atividade, instrução”. Em sentido passivo, significa “o que
é ensinado”, “ensino”, “instrução”. Deste termo é formado didaskalos, “mestre” ou “professor”
(Rm 2.10; Hb 5.12); didaktos, “ensinado” ou “instruído”; didaktos Theou, isto é, “ensinado
por Deus” (Jo 6.45). Cf. GINGRICH, 1984, p. 56.
36
. PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. São Paulo:Vida, 1970, p. 13
DOGMA37 DOUTRINA
É a declaração do homem acerca É a revelação da verdade sobre um
da verdade apresentada em um tema teológico em particular, como
credo38: se encontra nas Escrituras39:
a) Pode ser humana ou de a) É divina (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.19-
influência demoníaca (1 Tm 4.1; Cl 21).
2.22).
b) Seus assuntos podem se b) É coerente nos assuntos (Jo
contrapor. 10.35).
c) Quando não enganosa, é c) É verdadeira (Sl 119.86; Jo
suscetível ao erro. 17.17).
d) Alguns dogmas se baseiam- em d) Existe a aprovação das Escrituras
interpretações equivocadas dos e do Espírito Santo (1 Co 2.4-10).
textos das Escrituras, sendo,
muitas vezes, desprovidos do aval
delas. (2 Pe 1.20).
e) É a declaração do homem acerca e) É a revelação de Deus e seu
da verdade. relacionamento com suas criaturas
expostas nas Escrituras.

4 – COSTUME
O termo costume, como o conhecemos, deriva de dois verbetes latinos:
“com”, que significa totalmente; e “suescere”, que significa acostumar-se
com. Logo, temos a definição “algo com que alguém fica acostumado”. O
correspondente em grego é “ethos”, de onde deriva a palavra ética, que
significa a conduta costumeira de um povo.40
A partir dessas definições etimológicas, podemos concluir que
“costume” é tudo aquilo que um grupo, a partir de uma evolução histórico-
cultural, acredita e afirma ser a melhor forma de conduta e comportamento
para o coletivo, regendo, assim, a vida disciplinar diária daquela sociedade.

37 Na ortodoxia oriental, dogmas são ensinos oficialmente aceitos pela igreja e não meras
teorias desse ou daquele teólogo. Cf. GRENZ, J. Stanley; GURETZKI, David. Dicionário de
teologia: mais de 300 conceitos teológicos definidos de forma clara e concisa. São Paulo:
Vida, 2000, p. 42.
38 Credo: termo oriundo da palavra latina credo (creio), trata-se de uma declaração resumida

da fé e da crença cristã. Primordialmente, o propósito dos credos era apresentar uma súmula
da doutrina cristã. Posteriormente, os credos se tornaram ferramentas para instruir os novos
convertidos, para rebater as heresias e até mesmo para serem usadas no culto. Há três
famosos credos que foram estabelecidos durante os cinco primeiros séculos da história
eclesiástica, quais sejam: o Credo Apostólico, o Credo Niceno e o Credo de Atanásio. Cf.
GRENZ, Vida, 2000, p. 32.
39 Idealmente, a doutrina é formada com o intuito de ser fiel às Escrituras e, ao mesmo tempo,

dar atenção às tradições da igreja. Cf. GRENZ, 2000, p. 42.


40 Cf. CHAMPLIM, 1991, v. 1 (A-C), p. 944. Seguindo uma definição dicionarista, os costumes,

numa sociedade específica, são práticas de comportamentos prescritos do ponto de vista


moral. Atitude ou valor social consagrado e que se impõe aos indivíduos do grupo e que se
transmite de geração em geração. Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo
dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 492.
Podemos ainda pensar a partir da análise de Champlin41:

 Na religião: O costume é uma questão meramente humana embora


possa estar apoiado nas leis naturais e nos impulsos da consciência, ficando,
assim, em harmonia com a vontade de Deus. Por outro lado, os costumes
podem ser totalmente perversos, acompanhando a natureza pecaminosa do
homem. Um dito popular que peca pela raiz, por conseguinte, é aquele que
diz: “A voz do povo é a voz de Deus”. Na verdade, em face da natureza
pecaminosa e rebelde do homem, dificilmente a voz do povo corresponde à
de Deus; antes, geralmente, contraria a vontade revelada de Deus. É
precisamente por isso que o evangelho é pregado no mundo inteiro,
conclamando os homens ao arrependimento, ou seja, à mudança de atitude
mental.
A ética alicerça-se sobre leis naturais e sobre a revelação divina, mas
jamais sobre os costumes sociais, partam eles de onde partirem.

Podemos então perceber que um costume geralmente é um conceito


que parte do senso comum, mas isso não significa que seja a verdade
absoluta.
De forma alguma estamos sugerindo que o costume gire sempre em
torno do erro. O que pretendemos afirmar é que o costume jamais estará
acima da verdade das escrituras; ele apenas é básico para elaboração de um
sistema ético.
Se assim não for, os costumes tornam-se dogmas, fazendo, assim, os
conceitos serem obrigatórios, autoritários. A verdade é sempre maior do que
qualquer costume.
No entanto, não são todos que compreendem este fato e acabam por
tornar os seus costumes como sendo “a verdade”, passando a fazer com que
eles sejam a tradição de determinado grupo. A questão da tradição vem à
tona na presente discussão, porque todas as denominações são, na verdade,
resultantes das tradições que professam.
O teólogo pentecostal Antônio Gilberto, com maestria, nos aponta pelo
menos “três diferenças básicas entre doutrina bíblica e costume meramente
humano:

Quanto à origem: a doutrina é divina; o costume é humano.


Quanto ao alcance: a doutrina é geral; o costume é local.
Quanto ao tempo: a doutrina é imutável; o costume é temporário.42

É certo que a doutrina bíblica gera bons costumes, mas bons costumes
não geram doutrina bíblica. Há igrejas que têm um somatório imenso de bons
costumes, mas são rasas nas doutrinas. O prejuízo desse comportamento é

41 Esta análise segue a lógica de CHAMPLIM, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia,


teologia e filosofia. São Paulo: Candeia, 1991, v. 1 (A-C), p. 944.
42 GILBERTO, Antônio. Manual da escola dominical. Rio de Janeiro: CPAD, 1995, p. 81
que seus membros naufragam com facilidade no mar das heresias,
justamente por não terem o lastro espiritual da palavra”.

Ainda podemos fazer as seguintes distinções entre costume e doutrina:

COSTUME DOUTRINA
Seus assuntos se contrapõem. É coerente em assuntos (Jo 10.35).
Quando não enganoso, é suscetível ao É verdadeira (Sl 119.86; Jo 17.17).
erro.
Baseia-se em interpretações Existe a aprovação das Escrituras e do
particulares, sendo desprovido do aval Espírito Santo (1 Co 2.4-10).
das Escrituras (2 Pe 1.20).
É a declaração do homem acerca doÉ a revelação de Deus e seu
que julga ser verdade. relacionamento com suas criaturas
expostas nas Escrituras.
Pode ser humana ou de influência É divina (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.19-21).
demoníaca (1 Tm 4.1; Cl 2.22).

5– RELIGIÃO

No grego do Novo Testamento, o vocábulo “threskeía”43 é traduzido


por “religião” (At 26.5) e “culto” (Cl 2.18). Lactâncio, antigo escritor cristão,
afirmou que a palavra “religião” era procedente do verbo latino “religare”,
que significa “tornar a ligar” e traduz a ideia de um “religamento das relações
rompidas pelo pecado entre Deus e o homem”. Entretanto, essa afirmação
tem sido contestada, pois, segundo Teixeira, o particípio de “religare” dá um
sentido de “pessoas piedosas, prestando culto e reverência a deuses”, o que
está correlacionado com o significado do original grego.44
Isto posto, religião relaciona-se às atividades que ligam o homem a
Deus numa determinada relação (At 25.19; 18.15; 26.3,5; Tg 1.26-27).

5.1 – Relação Entre Teologia e Religião

43 Thrēskeia religião ou culto; em Atos 26.5; Cl 2.18 e Tg 1.26. Cf GINGRICH, F. Wilbur;


DANKER, Frederick W. Léxico do N. T: grego/português. São Paulo: Vida Nova, 1984, p.
98. Thrēskeia é o termo empregado para classificar ritos e leis que regem uma sociedade
religiosa (At 15.19; 18.15; 26.3); ocupação na adoração e na disciplina religiosa (At 26.5) e
atos filantrópicos (Tg 1.26,27). CF. ESCOLA PREPARATÓRIA DE OBREIROS SILOÉ – EPOS.
Heresiologia. Joinville: Equipe de Pesquisas, 2002, p.11.
44 Deve-se observar que a etimologia latina dessa palavra difere de autor para autor. Para

Cícero, ela vem do latim religio e deriva-se do verbo relegare – ou seja, reler, que significa
cuidadosa reconsideração e profunda concentração da mente em estudo que reclama respeito
e reverência. No Novo Testamento, religião, no sentido objetivo ou de culto externo, chama-
se latreia – culto (ver Rm 12.1) – e Thrēskeia – religião (Tg 1.27) –, no sentido subjetivo,
chama-se pistis – fé, enquanto eusebeia – piedade (1 Tm 4.7,8) inclui o sentido dos dois
grupos de palavras. Thrēskeia pode significar religião real, mas refere-se mais à organização
exterior, enquanto eusebeia indica uma relação pessoal e real com Deus e só se refere a uma
comunidade quando ela é composta de verdadeiros adoradores. Cf. TEIXEIRA, Alfredo B..
Dogmática evangélica. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Pendão Real, 1976, p. 43.
Teologia é o conhecimento acerca de Deus, enquanto religião é a
prática que formalizou esse conhecimento. Religião e teologia devem coexistir
na verdadeira experiência cristã; todavia, na prática, às vezes, acham-se
distanciadas de tal maneira que é possível ser teólogo sem ser
verdadeiramente religioso e, por outro lado, ser verdadeiramente religioso
sem possuir um conhecimento sistemático doutrinário.
“Se conheces estas coisas, feliz serás se as observas” é a mensagem
de Deus aos que lidam com teologia. “Procura apresentar-te a Deus
aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja
bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15) é a mensagem de Deus ao homem
espiritual.

A IMPORTÂNCIA DA REVELAÇÃO PARA A TEOLOGIA

A Bíblia é uma “revelação” divina. “Revelação é a verdade que nos veio


de Deus”45, afirma Allen. Langston diz que “revelação é a manifestação que
Deus faz de Si mesmo...”46 (Sl 103.7). É o ato de Deus mostrar-se,
desnudar-se, manifestar-se ou dar-se a conhecer ao homem. Revelar
é “tirar o véu” de algo (isto é, des–velar). É um ato exclusivo de Deus,
pois só Deus revela Deus (cf. Dt 29.29; Hb 1.1,2). Brown diz que revelação
“refere-se a Deus apresentando verdades que de outro modo não seriam
conhecidas”.47 Deus é o autor, o assunto e o principal mensageiro da
revelação. Enfim, “revelação é a manifestação pessoal de Deus às suas
criaturas racionais”, conforme Packer. “Na revelação, Deus faz-se conhecido
dos homens na sua personalidade e nas suas relações”48. Jesus, tomado em
si mesmo, representa o ápice da revelação de Deus (Jo 1.1-18; Cl 2.9; Hb
1.1-3). Como bem disse Erickson: “o meio mais completo da revelação é a
encarnação”.49
Todos os outros cânones aqui apresentados são desdobramentos do
conceito de “revelação”, mas não devem ser confundidos com ela. Dessa
forma, alguns esclarecimentos sobre a revelação são imprescindíveis:

1. CARACTERÍSTICAS GENÉRICAS DA REVELAÇÃO

1.1. A REVELAÇÃO É MULTIFORME – ela se dá de multivariadas


formas e maneiras e inclui:

45 ALLEN, Clifton J. Artigo: “O Livro da Fé Cristã”. Em: Comentário Bíblico Broadman, Vol. 1.
Rio de Janeiro (RJ): JUERP, 1986, p. 21.
46 LANGSTON, Alvah B. Esboço de Teologia Sistemática. Rio de Janeiro (RJ): JUERP, 1994, p.

15.
47 BROWN, Colin. Em: Fundamentos da Teologia Cristã. São Paulo (SP): Vida, 2000, p. 13.
48 LANGSTON, Alvah B. Esboço de Teologia Sistemática. Rio de Janeiro (RJ): JUERP, 1994, p.

15.
49 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 62.
a) Revelação pessoal – direta e individualmente às pessoas por
meio da experiência espiritual/religiosa, pela mediação da fé (Gn 5.22-
24; 6.6-22; 12.1-3; 28.10-22; Êx 3; 1 Sm 3.1-14; Mt 1.18-24; Jo
1.14; At 9.1-22; Hb 1.1-2).
b) Revelação natural ou geral – por meio do mundo natural, da
história e da humanidade em geral, ela nos alcança instrumentalmente
a partir do universo conhecido, da história e da ciência humana (Sl
19.1; Rm 1.19-20). Essa forma é geral porque sua disponibilidade é
geral (universalmente distribuída e acessível a todos em todos os
tempos, sem privilegiar pessoas, grupos ou conjunturas) e porque seu
conteúdo é genérico (não é particularizado, nem detalhado, nem
clarificado).
c) Revelação bíblica ou especial – por meio da Bíblia, pela
instrumentalidade do suficiente e eficiente registro dos atos divinos
ocorridos na história (Sl 119.105; 2 Tm 3.15-17; Hb 1.1-3; 4.12; 2 Pe
1.20,21). Essa forma é realmente especial porque seu modus operandi
(modo de operação, de acontecer) é especial (Deus a dá voluntaria e
diretamente), seu conteúdo é especial (informações que não
poderíamos descobrir sozinhos) e suas implicações são especiais
(visam ao relacionamento com Deus e redenção pessoal). Erickson
comentou: “Entendemos por revelação especial a automanifestação de
Deus para certas pessoas em tempos e lugares definidos, permitindo
que elas entrem num relacionamento redentivo com ele”.50

1.2 A REVELAÇÃO POSSUI UM PROPÓSITO REDENTIVO – a


finalidade da revelação é nos conduzir à redenção, à salvação. Como já
dissemos, Deus toma a iniciativa da revelação. Portanto, tal iniciativa possui
uma intenção, que é a disponibilização de um conhecimento para levar à
redenção, um conhecimento redentivo, soteriológico (Dt 29.29; Jo 3.16;
5.39; 20.30-31; At 7.38; Rm 3.23; 5.8; 6.23; Ef 2:8-10).

1.3 HÁ INTERDEPENDÊNCIA ENTRE A REVELAÇÃO GERAL E A


ESPECIAL – por um lado, a existência de uma revelação especial pressupõe
a insuficiência da revelação geral. Por outro lado, a revelação especial
também exige a revelação geral para que seja possível vincular elementos de
inteligibilidade racional às proposições divinas especiais. Erickson ensina: “A
revelação especial constrói sobre a revelação geral”.51

2. CARACTERÍSTICAS EXCLUSIVAS DA REVELAÇÃO ESPECIAL

2.1 A REVELAÇÃO ESPECIAL É PESSOAL. Na conformidade da


revelação, Deus é uma pessoa. Um Deus pessoal apresenta-se a pessoas (Êx
3.14; Sl 103.7; 1 Sm 3.8-9; Fp 3.10). Erickson comenta: “O que Deus revela

50
ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 55.
51 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 57.
é principalmente a si mesmo, como pessoa e, em especial, suas dimensões
mais significativas para a fé”.52 Também Langston nos adverte que: “Já de
tal forma nos habituamos a pensar que a revelação de Deus só se pode achar
nas Escrituras, que chegamos até a julgar que não havia revelação antes de
serem elas escritas. Porém, não é assim. A revelação fez-se, principalmente,
na vida dos seus servos, os profetas; na de Jesus Cristo, seu filho; e na dos
apóstolos”.53 Jesus encarnou para levar essa “pessoalidade” da revelação ao
seu ápice (Mt 1.22-23; Jo 1.1-4,14-18; 12.44-45; 14.8-9; Cl 1.15,19; 2.9;
Hb 1.3).
2.2 A REVELAÇÃO ESPECIAL É RELACIONAL. O objetivo da
revelação especial é promover um relacionamento entre o homem e Deus. O
conhecimento sobre Deus visa ao conhecimento de Deus em si, o que implica
uma demanda por relacionamento. Erickson, sobre isso, comenta: “A
informação devia conduzir à familiaridade” e à vida (Dt 32.47; 1 Sm 3.819).
Interessante que a Bíblia é seletiva naquilo que informa, justamente porque
seu propósito não é satisfazer curiosidades genéricas, mas apresentar a
pessoa divina e a sua vontade, com tudo o que isso implica, à pessoa
humana.
2.3 A REVELAÇÃO ESPECIAL É ANTROPOMÓRFICA. O Deus da
Bíblia é um ser transcendental. Assim, a revelação é dada em linguagem
humana e em categorias humanas de pensamento e ação para que possa ser
compreendida. A revelação foi “encarnada” e “humanizada” em Jesus e
radicalmente aproximada do homem. Como bem disse Erickson, isso implica
que “Deus tomou a iniciativa, fazendo-se conhecer a nós de uma forma mais
completa do que na revelação geral e que o fez de um modo apropriado para
o nosso entendimento”54.
2.4 A REVELAÇÃO ESPECIAL É HISTÓRICA. A história é o cenário
onde o homem vive. Deus deseja redimir o homem, e revelação é a forma
pela qual Deus desencadeará isso. Portanto, a revelação e a redenção do
homem se darão na história. Deus se revela historicamente para redimir os
homens. “A revelação ocorreu nos eventos únicos da história redentora”
(LADD, Teologia do Novo Testamento, 1997, p.30). É na história que Deus
consuma seus atos revelatórios e seus oráculos (At 3.12-26; 7.2-53). Eventos
revelatórios não são produzidos pela história, mas Deus, que é o Senhor dela
e está acima e transcendente em relação a ela, age dentro da história, para
a redenção das criaturas históricas (At 7.2-53; Gl 4.4; Hb 11-2). Um fato
puro e simples é que a Palavra de Deus é o seu ato, e o seu ato é a sua
Palavra. Todos os atos de Deus na história constituem também a sua Palavra.
Devemos ter em mente ainda que os atos de Deus na história foram, em
grande parte, acompanhados de “palavras”. Mas, não pode haver história
sem uma forma de preservação dos eventos para a posteridade – registros

52ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 65.
53 LANGSTON, Alvah B. Esboço de Teologia Sistemática. Rio de Janeiro (RJ): JUERP, 1994, p.
21.
54 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 65.
documentais e artefatos culturais. Desse modo, não poderia existir
preservação dos atos e palavras de Deus sem a revelação especial. Ela
preserva, por seu formato escrito, documental, a história essencial da
revelação divina.
2.5 A REVELAÇÃO ESPECIAL É DINÂMICA. O ato divino da
revelação é dinâmico no tempo e no espaço (Gl 4.4; Hb 1.1-2). Deus se
revelou, se revela e continuará se revelando pela eternidade, pois nós não
podemos aprender tudo o que há para ser revelado de uma só vez (Dt 29.29;
1Co 13.9-12). Por isso mesmo, o Senhor continuará se revelando de modo
pessoal por meio da natureza ou da Bíblia. Entretanto, por questão de
segurança, devemos considerar que a revelação natural ou a revelação
pessoal sempre deverão estar em harmonia com a revelação especial,
enquanto referencial paradigmático dos atos divinos.
2.6 A REVELAÇÃO ESPECIAL É PROGRESSIVA. A dinâmica da
revelação inclui processo, evolução. O conteúdo da revelação especial é fixo,
mas não foi sempre assim; expandiu-se no processo e na dinâmica de seu
desenrolar histórico. A revelação especial evoluiu no seu conteúdo até
finalizar-se e definir-se (Hb 1.1-3). É um processo que avançou
historicamente para uma forma e um conteúdo sempre mais completos até
culminar em Cristo e nas palavras dos apóstolos (Ef 2.11-22; Hb 1.1-3). Por
outro lado, na nossa vida pessoal, entretanto, a progressão da revelação é
uma constante, pois, em toda nossa vida, expandiremos em volume e em
profundidade nossa própria experiência com a revelação divina (1Co 13.9-
12). Como esclarece Erickson: “a revelação posterior desenvolve-se a partir
da anterior. Ela é complementar e suplementar, não contraditória”.55
2.7 A REVELAÇÃO ESPECIAL POSSUI UM CONTEÚDO DEFINIDO.
Esta afirmação tem conexão estreita com a doutrina da “inspiração, e significa
que o conteúdo da Bíblia, enquanto revelação especial, está finalizado,
acabado, pronto, concluído e definido em termos da sua finalidade, não
devendo mais ser alterado nem por acréscimo, nem por decréscimo (Dt 4.2;
Ap 22.18-19 – referências de perspectiva). Essa característica possui quatro
implicações notáveis:
a) A revelação enquanto ato divino não é redutível à Bíblia.
Por um lado, a rigor, não podemos reduzir a revelação às escrituras hebraico-
cristãs, pois a Bíblia é um seguimento especial dentro de uma atividade divina
maior de revelação. Mas, por outro lado, devemos crer que a plenitude do
conhecimento de Deus, conforme Ele o quer revelar, também já está definido
na mente de Deus e não pode ser contraditório e desarmônico. Deve também
ser dito que é esse mesmo conteúdo essencial que Deus continuará revelando
em termos de riqueza de nuances e implicações, segundo seu peculiar
dinamismo revelativo e redentivo.
b) A Bíblia é um elo objetivo, material e referencial entre a
atividade de Deus na história e o conteúdo da revelação. A Bíblia torna

55 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 58.
concreto, palpável, acessível e útil, pela via escrita, o conteúdo que Deus
pretendia revelar. Ao menos em termos da necessidade humana atual, o
conteúdo da revelação especial (isto é, da Bíblia) é acabado, não se altera,
porque tudo o que Deus se propôs revelar ao homem essencial, fundamental
e formalmente não pode ser, como sugerimos, um conteúdo indefinido. Isso
o tornaria passível de equívocos e distorções de toda ordem. Não parece
consistente acreditar que a Bíblia acolha interpretações religiosas
contraditórias e mutuamente excludentes ou que possamos escolher os
escritos autoritativos da fé cristã autocrática, aleatória e/ou indefinidamente.
Na verdade, como bem disse Ladd: “A história, por definição, envolve a
relatividade, a particularidade, o capricho e a arbitrariedade, ao passo que a
revelação deve comunicar o elemento universal, absoluto, último” (LADD,
Teologia do Novo Testamento, 1997, p.27). A revelação é histórica, mas é a
Bíblia, a revelação rspecial, que atesta sua ocorrência e continuidade na
história, bem como é o meio de referência quanto à sua natureza e ao seu
conteúdo.
c) O conteúdo bíblico é “verbal” porque usa a linguagem
humana e é “proposicional” na medida que faz afirmações
(proposições) específicas dos conteúdos da fé. Deus se apresenta e, no
processo, também comunica (informa) algo acerca de si mesmo e de sua
vontade para o conhecimento do homem (Sl 119.105). Completando seu
argumento sobre o caráter pessoal da revelação, Langston pontua: “As
Escrituras, embora sejam o resultado da revelação de Deus a seus servos,
são também revelações de Deus a nós”.56 Erickson é de igual parecer: “A
revelação não é pessoal ou proposicional, é uma e outra. O que Deus faz em
primeiro lugar é revelar a si mesmo, mas o faz, pelo menos em parte,
dizendo-nos algo acerca de si”.57 E todo esse conteúdo dos pronunciamentos
divinos, na Bíblia, são reduzidos à forma verbal escrita.
d) Existe uma relação de mútua subordinação e de
interdependência entre cada tipo de revelação, porém também há
uma hierarquia, na qual a revelação especial, geralmente,
prepondera referencial e magistralmente sobre as demais. Ela é
referencial no sentido de ser a nossa referência suprema. Esse caráter
referencial de preponderância é absoluto. Em certos aspectos e em certa
medida, tal preponderância referencial atinge um caráter claramente
magistral. Essa preponderância magistral significa que ela julga outras
referências (ou fontes) em suas intenções, afirmações e implicações. A Bíblia
não registra simplesmente atos e palavras de Deus, mas também
interpretações deles, que adquirem um caráter normativo. Nem sempre
podemos considerar tal preponderância magistral como absoluta, dado ao
próprio caráter dinâmico e progressivo da revelação. Contudo, geralmente,
devemos valorizar prioritariamente a autoridade da Escritura como meio e
referência da revelação. Ainda que esse conteúdo da revelação especial

56
ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 58.
57 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 64.
esteja acabado e que a plenitude de implicações e nuances do conteúdo final
da revelação também estejam definidos na mente de Deus, o homem recebe
a revelação em doses e, especialmente nisso, consistem a historicidade, o
dinamismo e a progressão da revelação, cujo propósito é imutável.
Revelações posteriores elucidam e normatizam revelações anteriores.
Todavia, não parece sensato pensar que tal dinamismo e progressão da
revelação, bem como a sua interpretação, se deem sem critérios e sem uma
referência quanto à sua natureza e ao seu conteúdo.

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