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Introdução à Teologia1
Minha intenção, Senhor, não é penetrar em tua profundidade, porque de forma alguma
“ posso compará-la à minha inteligência; porém desejo compreender a tua verdade, ainda
que imperfeitamente, essa verdade em que meu coração crê e que ele ama. Porque não
procuro compreender para crer, mas creio para vir a compreender. Na verdade, creio
porque se não cresse não viria a compreender.” Anselmo de Cantuária
1- O que é teologia?
1
Esse material foi escrito originalmente para a EPOS. Um curso livre em Teologia oferecido pela
Assembleia de Deus Joinville.
2 RITO, Frei H. Introdução à teologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. p. 28.
3 LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. 7 E.d São
Paulo: Loyola, 2010. p. 64.
4 RITO, 1998, p. 35.
Aurélio Agostinho, Bispo de Hipona e doutor da Igreja Antiga, que viveu
em fins do séc. IV e início do séc. V, gostava de argumentar, com muita
propriedade, que o cristão genuíno une contemplação e ação, entendimento
e amor (num sentido prático – amor/atitude), fé e entendimento – conforme
a expressão: crede ut intelligas, intellige ut credas (do lat. = creia para
entender, entenda para crer). Na verdade, o problema do conhecimento,
ainda que não seja a única prioridade no processo redentivo, está na raiz de
nossa relação com Deus. Jesus disse: “Se alguém quiser fazer a vontade de
dele [Deus], conhecerá a respeito da doutrina...” (Jo 7.17).
Apesar de ganhar contornos diferentes ao logo da história ocidental, a
definição de teologia para nós, hoje, continua semelhante ao significado que
teve no seu começo: o discurso concernente a Deus; a ciência do
sobrenatural; o estudo sobre Deus. De forma mais elaborada, podemos
definir teologia como “a ciência de Deus segundo Ele se revelou em sua
palavra”.5 Teologia é então, grosso modo, o esforço do ser humano em
entender a revelação de Deus por meio da sua palavra e do seu agir na
história.
Sendo assim, fica evidente que todo aquele que discursa sobre Deus e
sua obra no mundo está praticando teologia. O que acontece é que,
geralmente, quando se “ataca” o fazer teológico, se diz que a teologia é fria,
que é o estudo desnecessário de teorias sem fim, etc. É verdade que não
basta apenas ter conhecimento das doutrinas bíblicas, e, nesse sentido,
conforme estamos definindo teologia, até um ateu pode ser teólogo e
conhecedor dos dogmas cristãos. Por isso, ter uma vida espiritual saudável é
fundamental.
Aqui, temos dois opostos. De um lado, aqueles que se debruçam sobre
a teologia e a praticam isoladamente da vida da comunidade, numa torre de
marfim, presos em seus muitos conceitos. Do outro, aqueles que a negam
Palavra dura essa que lemos acima, mas ela reflete uma verdade
incontestável: sem teologia, perderemos nossa identidade como povo de
Deus. Portanto, teologia não é função de alguns especialistas na
congregação, mas dever de todo fiel. Obviamente, alguns nessa comunidade
são chamados a serem mestres (Ef 4.11-12), a se aprofundarem nas
Escrituras e em seu desenvolvimento histórico, contudo, mesmo esses,
devem servir a todos, pois a teologia é comunitária. Mas, o fato de termos os
mestres não nos isenta do conhecimento bíblico-teológico que cada um de
nós deve ter a fim de responder com sabedoria a razão da nossa fé (1Pe
3.15).
Outro ponto fundamental que devemos considerar é que a nossa
crença determina nosso comportamento, ou seja, má teologia gera mau
testemunho. Na história do cristianismo, temos muitos exemplos disso. Basta
olharmos para a igreja medieval, que, por estar firmada numa teologia
equivocada, cometeu muitas barbaridades. Atualmente, também vemos
igrejas praticando, de forma deliberada, a teologia da prosperidade e outros
desvios bíblicos. A cura para esse mal é a teologia bíblica, estudada com
seriedade! Nos alerta Hodge:
7 Deixamos bem claro que não achamos toda a tradição ruim. O bom teólogo conhece a
tradição cristã e a estuda, pois ela é a fé viva dos que morreram. Ele rejeita o tradicionalismo,
que é a fé morta dos que vivem.
8 SMART apud ROLDAN, 2000, p. 24.
9
HODGE, D. C. apud PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. São Paulo:Vida,
1970, p. 14
Deus nos confiou sua revelação, em toda a sua riqueza e inteireza
muiltiforme, mas não nos deu uma teologia. Ele se revelou por meio
de suas obras e palavras na história humana, em seus encontros com
indivíduos em várias épocas e lugares. Ele se revelou de modo mais
completo na pessoa e na obra de Jesus Cristo, mas essa revelação
está em forma de narrativa, como história. Nossa tarefa é organizar
o material e fazer dele um todo coerente, de modo que sejamos
capazes de compreender mais plenamente quem é Deus e o que Ele
tem feito.10
Não é tarefa fácil definir ciência, mas, grosso modo, nós a entendemos
como o conhecimento que produz, por meio de métodos e linguagem
apropriada, leis e teses sobre como funcionam os fenômenos, sejam eles
naturais ou sociais. O conhecimento científico segue critérios, como:
(1) Um objeto definido de estudo;
(2) Um método para investigar o objeto em questão e para verificar
suas declarações;
(3) Objetividade e acessibilidade, isto é, outros podem pesquisar o
mesmo objeto;
(4) Coerência e conexão nas proposições que formem um corpo
definido de conhecimento.
4 – As divisões da teologia13
Primeiro Andar
O primeiro andar desse edifício é a teologia bíblica. Sua preocupação
é com a revelação de Deus contida nas Escrituras e seu desenvolvimento
histórico. Ela expõe as diferentes perspectivas teológicas encontradas na
Bíblia, por isso podemos falar em Teologia do Antigo Testamento e Teologia
do Novo Testamento, ou ainda, Teologia do Pentateuco, do Pós-exílio,
Teologia Profética, etc. No NT, é possível falar em teologia dos Sinóticos,
teologia de Paulo, entre outras. Nesse sentido, também podemos estudar um
tema sob perspectiva da teologia bíblica, por exemplo, justificação em Paulo
a partir do capítulo 3.19-31 da carta aos romanos. Depois de analisar o texto
específico, procura-se pelo contexto do texto. Em seguida, vamos atrás do
tema dentro de toda a carta. Daí partimos para a teologia de Paulo e para o
Segundo Andar
No segundo andar, vamos encontrar a Teologia Sistemática. Nela,
temos o desenvolvimento das doutrinas bíblicas não só no texto sagrado, mas
no desenrolar da história. Por exemplo, além de analisar a visão bíblica de
justificação, ela estuda como essa doutrina foi compreendida ao longo da
história pela igreja.
É nesse andar que a teologia dialoga com outras ciências e se
contextualiza. Ao estudarmos a história da teologia, podemos perceber como
ela se relacionou, influenciou e foi influenciada pela filosofia, psicologia,
sociologia, só para citar alguns exemplos.
Então, na teologia sistemática, encontramos disciplinas como
soteriologia (estudo da salvação); antropologia (estudo do homem);
bibliologia (estudo da Bíblia); e outras, que você estudará nesse curso da
EPOS.
Paralelo à teologia sistemática, temos a teologia histórica, que se
propõem a contar e refletir a história igreja, das doutrinas e das missões.
Terceiro Andar
Nesse piso, é que a teoria vira prática. Se a função da teologia é servir
a vida e manifestar o Criador à criação, é com a Teologia Prática que isso
acontece. Ela parte do princípio de que não adianta conhecer as
profundidades bíblico-teológicas se elas não servirem à comunidade.
Para o pensador cristão Júlio Zabatiero, “prática é o modo de ser da
teologia”. Com isso, ele quer dizer que o objetivo de toda reflexão e
construção teológica não é a especulação, mas a prática.15
Em Jesus Cristo, temos o exemplo perfeito do ser teólogo. Ele foi
profundo conhecedor das escrituras e usou todo esse conhecimento no
serviço ao próximo. Assim, também a igreja é convidada a ser sinal histórico
do reino dos céus, revelando, em seu pensar e seu agir, o caráter e o amor
de Deus. Em outras palavras:
Por ser reflexão cristã no mundo, a teologia prática será discurso de
missão, evangelizador, alimentador e nutridor da prática missionária
da igreja. Discurso que coloca a igreja e a sua teologia no cenário
15
ZABATIERO, J. Fundamentos da teologia prática. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p.
25.
público das ações e discussões visando ao bem-estar da sociedade
em que vivemos.16
Nível popular
Aqui, temos a teologia do cotidiano, aquela que cada um faz quando lê
um texto bíblico e o confronta com a própria vida ou, quando diante de uma
situação, se pergunta sobre Deus e o sentido da vida. Teologia que nasce do
dia a dia, ao ouvir uma música, ver um filme ou mesmo naquela conversa
informal no final do culto. Inclusive, é no seio da comunidade cristã que a
teologia popular tem o seu lugar de produção, nos estudos bíblicos, cultos de
jovens, retiros e congressos, isto é:
Ela está diluída em tudo o que a igreja faz, anuncia e celebra. Assim,
a visão a respeito do uso da Bíblia, de Deus, de Jesus, do ser humano,
de sua salvação não aparece claramente, mas está presente e
atuante.19
Onde houver um cristão refletindo sobre a sua relação com Deus e com
a criação a luz da fé, ali terá teologia popular. É nela que o fiel pensa a sua
fé e mantém seu cristianismo.
A casa da teologia: introdução ecumênica a ciência da fé. São Paulo: Paulinas: São Leopoldo:
Sinodal, 2010. p. 140-148.
19 MURAD, 2010, p. 141.
Nível pastoral
Obviamente, alguém que assume um cargo de liderança, não pode se
alimentar só da teologia popular; ela é elementar demais para alguém com
muitas demandas ministeriais.
A teologia pastoral se situa entre a teologia popular e a teologia
acadêmica, que veremos a seguir, pois, nela, já se encontra uma teologia
mais orgânica e elaborada. Os agentes desse nível são os obreiros
eclesiásticos, sejam pastores, missionários, professores de escola bíblica ou
líderes em geral, que almejam ter um conhecimento mais profundo e amplo
no afã de servir melhor à igreja. Por isso, se dedicam ao estudo das
escrituras, fazem cursos de teologia, participam de seminários, leem livros
específicos e se atualizam constantemente.
Por ser teologia pastoral, busca o cuidado e o atendimento das
necessidades do povo, logo a teologia pastoral “apoia-se na teologia popular,
acolhe suas demandas e oferece respostas”.20 É a teologia pastoral que não
permite à teologia popular virar crendice e ser superficial.
Nível acadêmico
A teologia acadêmica é o estudo formal da teologia. Portanto, é feita
somente em seminários, faculdades e institutos de ensino, seguindo métodos
específicos e dividida em graus: bacharelado, mestrado, doutorado e pós-
doutorado. Ao tornar-se bacharel, o aluno deve estar apto a sintetizar os
elementos centrais da fé cristã e, quando ouvir nova reflexão, saber situá-la
no edifício da teologia. Já no mestrado e doutorado, esses conhecimentos são
ampliados, e o aluno, levado a penetrar no interior das regras do discurso
teológico. Ao findar o curso, o estudante deverá estar pronto para ensinar e
fazer teologia no nível acadêmico.
Podemos entender a teologia acadêmica como a reflexão crítica e
sistemática da interpretação da fé. A partir das ferramentas basilares da
teologia (Bíblia e tradição21), o acadêmico constrói um pensamento sólido
sobre a fé, estabelecendo um diálogo d ela com outras ciências e demandas
do seu tempo.
20
MURAD, 2010, p. 143.
21 Entenda tradição aqui como o arcabouço doutrinário da Igreja ao longo dos séculos.
Nesse sentido, as faculdades de teologia desempenham um papel
importantíssimo quando oferecem à comunidade seminários com temas
relevantes e treinamento constante para seus líderes.
22
Tópicos elaborados a partir de ROLDAN, 2000, p. 65-73.
23 ROLDAN, 2000, p. 67-70.
hoje, somos desafiados a nos posicionarmos de maneira cristã diante das
circunstâncias e situações do nosso tempo.
24
MACARTHUR, J. Ministério pastoral. Rio de Janeiro: CPAD, 1998. p. 254-255.
25 ROLDAN, 2000, p. 77.
compositores terem embasamento bíblico-teológico ao comporem suas
músicas e de a comunidade ter conhecimento suficiente para escolher os
hinos que comporão a liturgia do culto.
1– Introdução
2- DOGMA
26 GONZÁLEZ, J. L.; PÉREZ, Z.M. Introdução à teologia cristã. São Paulo: Hagnos, 2008.
p. 23.
27 Dokeo pensar, crer, supor, considerar, conforme podemos observar nos seguintes textos:
Mt 3.9; Lc 24.37; 1 Co 3.18; Hb 10.29. O termo pode significar “parece-me melhor, eu resolvo
ou decido” (Lc 1.3). GINGRICH, F. Wilburt; DANKER, Frederick W. Léxico do N. T:
grego/português. São Paulo: Vida Nova, 1984, p.58. “Dokeo” significa não só “parece-me ou
agradei-me”, mas também “determinei algo de modo que para mim é fato estabelecido”.
Segundo Berkhof “A Bíblia usa o vocábulo como designação de decretos governamentais na
Septuaginta (Et 3.9; Dn 2.13; 6.8; Lc 2.1), de ordenanças do Antigo Testamento (Ef 2.15; Cl
2.14) e das decisões da assembleia de Jerusalém (At 16.4). Contudo, convém dizer que não
foi o uso bíblico do termo, e, sim, o uso filosófico que originou seu significado posterior na
teologia. Cf. BERKHOF, Louis. A História das Doutrinas Cristãs. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas. 1992, p.17.
doutrinárias que expressavam o ponto de vista oficial de um mestre ou escola
filosófica em particular.”28
Um dogma religioso é uma verdade bíblica baseada sobre a autoridade,
oficialmente formulada por qualquer assembleia eclesiástica.
A primeira vez em que a igreja aprovou declarações “dogmáticas” foi
no Concílio de Nicéia, em 325 , ocasião em que a consubstancialidade (ou
seja, da mesma substância) do Filho com o Pai foi declarada como uma
confissão de fé.29
Na Idade Média, a Igreja Católica Romana desenvolveu o conceito do
depositum fidei (“depósito de fé”), conceito que sustentava que à igreja era
confiado um certo depósito de verdades cujas ramificações podiam ser
licitamente desenvolvidas pela igreja. Finalmente, por meio do Concílio de
Trento (1545-63) e do Primeiro Concílio do Vaticano (1870), os
pronunciamentos dogmáticos da igreja (católica) passaram a ser
considerados infalíveis. Então, o dogma era visto, no catolicismo romano, até
mesmo antes da Reforma, como uma verdade cujo conteúdo objetivo é
revelado por Deus e definido pela igreja.30
Os reformadores se posicionaram contrariamente a essa visão católica
e sustentavam que todos os dogmas devem ser confrontados com a revelação
de Deus nas Sagradas Escrituras. Karl Barth disse em verdade: “A Palavra de
Deus está tão acima do dogma quanto os céus estão acima da terra.”31
Para os reformadores, a fé é confiança pessoal em Deus e
relacionamento com Ele mediante Jesus Cristo, e não, necessariamente, o
assentimento àquilo que a igreja ordena que seja crido.32
“ Nesse sentido, dogma veio a significar uma sentença de verdade doutrinária. Este,
por sua vez, foi reconhecido como sendo de alto valor eclesiástico, sem, contudo,
quaisquer reivindicações à infalibilidade.
28 CHAMPLIN, R.N.; BENTES, J.M. Enciclopédia de bíblia teologia e filosofia. São Paulo:
Candeia, 1997. v. 1 (D-C), p. 208-209.
29 MCKIM, D. K. in ELWELL, Walter A. (ed.) Enciclopédia histórico-teológica da igreja
cristã. Sua tarefa especial é a interpretação crítica das doutrinas da fé da igreja à luz de nosso
conhecimento a respeito das origens do cristianismo e do desafio representado pela situação
contemporânea. Cf. BRAATEN Carl E.; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. São Leopoldo:
Sinodal, 1990, p. 29.
indispensáveis para a teologia cristã. “O credo dogmático determinado pela
sã doutrina é um fundamento indiscutível da teologia cristã.34
3– DOUTRINA
34 Os credos são fontes importantes da teologia. Os três grandes credos ecumênicos da igreja
primitiva (o Credo Apostólico, o Credo Niceno e o Credo Atanasiano) antes da sua divisão são
de particular valor em revelar a substância da crença da igreja cristã daqueles dias. Cf. WILEY,
H. Orton; CULBERTSON, Paul T., Introdução à Teologia Cristã. São Paulo: Casa Nazarena
de Publicações, 1990, p. 36-38.
35 Didasko, ensinar; nos textos de Mc 1.21; At 15.35; 1 Co 11.14. O termo possui a mesma
raiz de didakhê, “ensino como uma atividade, instrução”. Em sentido passivo, significa “o que
é ensinado”, “ensino”, “instrução”. Deste termo é formado didaskalos, “mestre” ou “professor”
(Rm 2.10; Hb 5.12); didaktos, “ensinado” ou “instruído”; didaktos Theou, isto é, “ensinado
por Deus” (Jo 6.45). Cf. GINGRICH, 1984, p. 56.
36
. PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. São Paulo:Vida, 1970, p. 13
DOGMA37 DOUTRINA
É a declaração do homem acerca É a revelação da verdade sobre um
da verdade apresentada em um tema teológico em particular, como
credo38: se encontra nas Escrituras39:
a) Pode ser humana ou de a) É divina (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.19-
influência demoníaca (1 Tm 4.1; Cl 21).
2.22).
b) Seus assuntos podem se b) É coerente nos assuntos (Jo
contrapor. 10.35).
c) Quando não enganosa, é c) É verdadeira (Sl 119.86; Jo
suscetível ao erro. 17.17).
d) Alguns dogmas se baseiam- em d) Existe a aprovação das Escrituras
interpretações equivocadas dos e do Espírito Santo (1 Co 2.4-10).
textos das Escrituras, sendo,
muitas vezes, desprovidos do aval
delas. (2 Pe 1.20).
e) É a declaração do homem acerca e) É a revelação de Deus e seu
da verdade. relacionamento com suas criaturas
expostas nas Escrituras.
4 – COSTUME
O termo costume, como o conhecemos, deriva de dois verbetes latinos:
“com”, que significa totalmente; e “suescere”, que significa acostumar-se
com. Logo, temos a definição “algo com que alguém fica acostumado”. O
correspondente em grego é “ethos”, de onde deriva a palavra ética, que
significa a conduta costumeira de um povo.40
A partir dessas definições etimológicas, podemos concluir que
“costume” é tudo aquilo que um grupo, a partir de uma evolução histórico-
cultural, acredita e afirma ser a melhor forma de conduta e comportamento
para o coletivo, regendo, assim, a vida disciplinar diária daquela sociedade.
37 Na ortodoxia oriental, dogmas são ensinos oficialmente aceitos pela igreja e não meras
teorias desse ou daquele teólogo. Cf. GRENZ, J. Stanley; GURETZKI, David. Dicionário de
teologia: mais de 300 conceitos teológicos definidos de forma clara e concisa. São Paulo:
Vida, 2000, p. 42.
38 Credo: termo oriundo da palavra latina credo (creio), trata-se de uma declaração resumida
da fé e da crença cristã. Primordialmente, o propósito dos credos era apresentar uma súmula
da doutrina cristã. Posteriormente, os credos se tornaram ferramentas para instruir os novos
convertidos, para rebater as heresias e até mesmo para serem usadas no culto. Há três
famosos credos que foram estabelecidos durante os cinco primeiros séculos da história
eclesiástica, quais sejam: o Credo Apostólico, o Credo Niceno e o Credo de Atanásio. Cf.
GRENZ, Vida, 2000, p. 32.
39 Idealmente, a doutrina é formada com o intuito de ser fiel às Escrituras e, ao mesmo tempo,
É certo que a doutrina bíblica gera bons costumes, mas bons costumes
não geram doutrina bíblica. Há igrejas que têm um somatório imenso de bons
costumes, mas são rasas nas doutrinas. O prejuízo desse comportamento é
COSTUME DOUTRINA
Seus assuntos se contrapõem. É coerente em assuntos (Jo 10.35).
Quando não enganoso, é suscetível ao É verdadeira (Sl 119.86; Jo 17.17).
erro.
Baseia-se em interpretações Existe a aprovação das Escrituras e do
particulares, sendo desprovido do aval Espírito Santo (1 Co 2.4-10).
das Escrituras (2 Pe 1.20).
É a declaração do homem acerca doÉ a revelação de Deus e seu
que julga ser verdade. relacionamento com suas criaturas
expostas nas Escrituras.
Pode ser humana ou de influência É divina (2 Tm 3.16; 2 Pe 1.19-21).
demoníaca (1 Tm 4.1; Cl 2.22).
5– RELIGIÃO
Cícero, ela vem do latim religio e deriva-se do verbo relegare – ou seja, reler, que significa
cuidadosa reconsideração e profunda concentração da mente em estudo que reclama respeito
e reverência. No Novo Testamento, religião, no sentido objetivo ou de culto externo, chama-
se latreia – culto (ver Rm 12.1) – e Thrēskeia – religião (Tg 1.27) –, no sentido subjetivo,
chama-se pistis – fé, enquanto eusebeia – piedade (1 Tm 4.7,8) inclui o sentido dos dois
grupos de palavras. Thrēskeia pode significar religião real, mas refere-se mais à organização
exterior, enquanto eusebeia indica uma relação pessoal e real com Deus e só se refere a uma
comunidade quando ela é composta de verdadeiros adoradores. Cf. TEIXEIRA, Alfredo B..
Dogmática evangélica. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Pendão Real, 1976, p. 43.
Teologia é o conhecimento acerca de Deus, enquanto religião é a
prática que formalizou esse conhecimento. Religião e teologia devem coexistir
na verdadeira experiência cristã; todavia, na prática, às vezes, acham-se
distanciadas de tal maneira que é possível ser teólogo sem ser
verdadeiramente religioso e, por outro lado, ser verdadeiramente religioso
sem possuir um conhecimento sistemático doutrinário.
“Se conheces estas coisas, feliz serás se as observas” é a mensagem
de Deus aos que lidam com teologia. “Procura apresentar-te a Deus
aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja
bem a palavra da verdade” (2 Tm 2.15) é a mensagem de Deus ao homem
espiritual.
45 ALLEN, Clifton J. Artigo: “O Livro da Fé Cristã”. Em: Comentário Bíblico Broadman, Vol. 1.
Rio de Janeiro (RJ): JUERP, 1986, p. 21.
46 LANGSTON, Alvah B. Esboço de Teologia Sistemática. Rio de Janeiro (RJ): JUERP, 1994, p.
15.
47 BROWN, Colin. Em: Fundamentos da Teologia Cristã. São Paulo (SP): Vida, 2000, p. 13.
48 LANGSTON, Alvah B. Esboço de Teologia Sistemática. Rio de Janeiro (RJ): JUERP, 1994, p.
15.
49 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 62.
a) Revelação pessoal – direta e individualmente às pessoas por
meio da experiência espiritual/religiosa, pela mediação da fé (Gn 5.22-
24; 6.6-22; 12.1-3; 28.10-22; Êx 3; 1 Sm 3.1-14; Mt 1.18-24; Jo
1.14; At 9.1-22; Hb 1.1-2).
b) Revelação natural ou geral – por meio do mundo natural, da
história e da humanidade em geral, ela nos alcança instrumentalmente
a partir do universo conhecido, da história e da ciência humana (Sl
19.1; Rm 1.19-20). Essa forma é geral porque sua disponibilidade é
geral (universalmente distribuída e acessível a todos em todos os
tempos, sem privilegiar pessoas, grupos ou conjunturas) e porque seu
conteúdo é genérico (não é particularizado, nem detalhado, nem
clarificado).
c) Revelação bíblica ou especial – por meio da Bíblia, pela
instrumentalidade do suficiente e eficiente registro dos atos divinos
ocorridos na história (Sl 119.105; 2 Tm 3.15-17; Hb 1.1-3; 4.12; 2 Pe
1.20,21). Essa forma é realmente especial porque seu modus operandi
(modo de operação, de acontecer) é especial (Deus a dá voluntaria e
diretamente), seu conteúdo é especial (informações que não
poderíamos descobrir sozinhos) e suas implicações são especiais
(visam ao relacionamento com Deus e redenção pessoal). Erickson
comentou: “Entendemos por revelação especial a automanifestação de
Deus para certas pessoas em tempos e lugares definidos, permitindo
que elas entrem num relacionamento redentivo com ele”.50
50
ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 55.
51 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 57.
é principalmente a si mesmo, como pessoa e, em especial, suas dimensões
mais significativas para a fé”.52 Também Langston nos adverte que: “Já de
tal forma nos habituamos a pensar que a revelação de Deus só se pode achar
nas Escrituras, que chegamos até a julgar que não havia revelação antes de
serem elas escritas. Porém, não é assim. A revelação fez-se, principalmente,
na vida dos seus servos, os profetas; na de Jesus Cristo, seu filho; e na dos
apóstolos”.53 Jesus encarnou para levar essa “pessoalidade” da revelação ao
seu ápice (Mt 1.22-23; Jo 1.1-4,14-18; 12.44-45; 14.8-9; Cl 1.15,19; 2.9;
Hb 1.3).
2.2 A REVELAÇÃO ESPECIAL É RELACIONAL. O objetivo da
revelação especial é promover um relacionamento entre o homem e Deus. O
conhecimento sobre Deus visa ao conhecimento de Deus em si, o que implica
uma demanda por relacionamento. Erickson, sobre isso, comenta: “A
informação devia conduzir à familiaridade” e à vida (Dt 32.47; 1 Sm 3.819).
Interessante que a Bíblia é seletiva naquilo que informa, justamente porque
seu propósito não é satisfazer curiosidades genéricas, mas apresentar a
pessoa divina e a sua vontade, com tudo o que isso implica, à pessoa
humana.
2.3 A REVELAÇÃO ESPECIAL É ANTROPOMÓRFICA. O Deus da
Bíblia é um ser transcendental. Assim, a revelação é dada em linguagem
humana e em categorias humanas de pensamento e ação para que possa ser
compreendida. A revelação foi “encarnada” e “humanizada” em Jesus e
radicalmente aproximada do homem. Como bem disse Erickson, isso implica
que “Deus tomou a iniciativa, fazendo-se conhecer a nós de uma forma mais
completa do que na revelação geral e que o fez de um modo apropriado para
o nosso entendimento”54.
2.4 A REVELAÇÃO ESPECIAL É HISTÓRICA. A história é o cenário
onde o homem vive. Deus deseja redimir o homem, e revelação é a forma
pela qual Deus desencadeará isso. Portanto, a revelação e a redenção do
homem se darão na história. Deus se revela historicamente para redimir os
homens. “A revelação ocorreu nos eventos únicos da história redentora”
(LADD, Teologia do Novo Testamento, 1997, p.30). É na história que Deus
consuma seus atos revelatórios e seus oráculos (At 3.12-26; 7.2-53). Eventos
revelatórios não são produzidos pela história, mas Deus, que é o Senhor dela
e está acima e transcendente em relação a ela, age dentro da história, para
a redenção das criaturas históricas (At 7.2-53; Gl 4.4; Hb 11-2). Um fato
puro e simples é que a Palavra de Deus é o seu ato, e o seu ato é a sua
Palavra. Todos os atos de Deus na história constituem também a sua Palavra.
Devemos ter em mente ainda que os atos de Deus na história foram, em
grande parte, acompanhados de “palavras”. Mas, não pode haver história
sem uma forma de preservação dos eventos para a posteridade – registros
52ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 65.
53 LANGSTON, Alvah B. Esboço de Teologia Sistemática. Rio de Janeiro (RJ): JUERP, 1994, p.
21.
54 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 65.
documentais e artefatos culturais. Desse modo, não poderia existir
preservação dos atos e palavras de Deus sem a revelação especial. Ela
preserva, por seu formato escrito, documental, a história essencial da
revelação divina.
2.5 A REVELAÇÃO ESPECIAL É DINÂMICA. O ato divino da
revelação é dinâmico no tempo e no espaço (Gl 4.4; Hb 1.1-2). Deus se
revelou, se revela e continuará se revelando pela eternidade, pois nós não
podemos aprender tudo o que há para ser revelado de uma só vez (Dt 29.29;
1Co 13.9-12). Por isso mesmo, o Senhor continuará se revelando de modo
pessoal por meio da natureza ou da Bíblia. Entretanto, por questão de
segurança, devemos considerar que a revelação natural ou a revelação
pessoal sempre deverão estar em harmonia com a revelação especial,
enquanto referencial paradigmático dos atos divinos.
2.6 A REVELAÇÃO ESPECIAL É PROGRESSIVA. A dinâmica da
revelação inclui processo, evolução. O conteúdo da revelação especial é fixo,
mas não foi sempre assim; expandiu-se no processo e na dinâmica de seu
desenrolar histórico. A revelação especial evoluiu no seu conteúdo até
finalizar-se e definir-se (Hb 1.1-3). É um processo que avançou
historicamente para uma forma e um conteúdo sempre mais completos até
culminar em Cristo e nas palavras dos apóstolos (Ef 2.11-22; Hb 1.1-3). Por
outro lado, na nossa vida pessoal, entretanto, a progressão da revelação é
uma constante, pois, em toda nossa vida, expandiremos em volume e em
profundidade nossa própria experiência com a revelação divina (1Co 13.9-
12). Como esclarece Erickson: “a revelação posterior desenvolve-se a partir
da anterior. Ela é complementar e suplementar, não contraditória”.55
2.7 A REVELAÇÃO ESPECIAL POSSUI UM CONTEÚDO DEFINIDO.
Esta afirmação tem conexão estreita com a doutrina da “inspiração, e significa
que o conteúdo da Bíblia, enquanto revelação especial, está finalizado,
acabado, pronto, concluído e definido em termos da sua finalidade, não
devendo mais ser alterado nem por acréscimo, nem por decréscimo (Dt 4.2;
Ap 22.18-19 – referências de perspectiva). Essa característica possui quatro
implicações notáveis:
a) A revelação enquanto ato divino não é redutível à Bíblia.
Por um lado, a rigor, não podemos reduzir a revelação às escrituras hebraico-
cristãs, pois a Bíblia é um seguimento especial dentro de uma atividade divina
maior de revelação. Mas, por outro lado, devemos crer que a plenitude do
conhecimento de Deus, conforme Ele o quer revelar, também já está definido
na mente de Deus e não pode ser contraditório e desarmônico. Deve também
ser dito que é esse mesmo conteúdo essencial que Deus continuará revelando
em termos de riqueza de nuances e implicações, segundo seu peculiar
dinamismo revelativo e redentivo.
b) A Bíblia é um elo objetivo, material e referencial entre a
atividade de Deus na história e o conteúdo da revelação. A Bíblia torna
55 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 58.
concreto, palpável, acessível e útil, pela via escrita, o conteúdo que Deus
pretendia revelar. Ao menos em termos da necessidade humana atual, o
conteúdo da revelação especial (isto é, da Bíblia) é acabado, não se altera,
porque tudo o que Deus se propôs revelar ao homem essencial, fundamental
e formalmente não pode ser, como sugerimos, um conteúdo indefinido. Isso
o tornaria passível de equívocos e distorções de toda ordem. Não parece
consistente acreditar que a Bíblia acolha interpretações religiosas
contraditórias e mutuamente excludentes ou que possamos escolher os
escritos autoritativos da fé cristã autocrática, aleatória e/ou indefinidamente.
Na verdade, como bem disse Ladd: “A história, por definição, envolve a
relatividade, a particularidade, o capricho e a arbitrariedade, ao passo que a
revelação deve comunicar o elemento universal, absoluto, último” (LADD,
Teologia do Novo Testamento, 1997, p.27). A revelação é histórica, mas é a
Bíblia, a revelação rspecial, que atesta sua ocorrência e continuidade na
história, bem como é o meio de referência quanto à sua natureza e ao seu
conteúdo.
c) O conteúdo bíblico é “verbal” porque usa a linguagem
humana e é “proposicional” na medida que faz afirmações
(proposições) específicas dos conteúdos da fé. Deus se apresenta e, no
processo, também comunica (informa) algo acerca de si mesmo e de sua
vontade para o conhecimento do homem (Sl 119.105). Completando seu
argumento sobre o caráter pessoal da revelação, Langston pontua: “As
Escrituras, embora sejam o resultado da revelação de Deus a seus servos,
são também revelações de Deus a nós”.56 Erickson é de igual parecer: “A
revelação não é pessoal ou proposicional, é uma e outra. O que Deus faz em
primeiro lugar é revelar a si mesmo, mas o faz, pelo menos em parte,
dizendo-nos algo acerca de si”.57 E todo esse conteúdo dos pronunciamentos
divinos, na Bíblia, são reduzidos à forma verbal escrita.
d) Existe uma relação de mútua subordinação e de
interdependência entre cada tipo de revelação, porém também há
uma hierarquia, na qual a revelação especial, geralmente,
prepondera referencial e magistralmente sobre as demais. Ela é
referencial no sentido de ser a nossa referência suprema. Esse caráter
referencial de preponderância é absoluto. Em certos aspectos e em certa
medida, tal preponderância referencial atinge um caráter claramente
magistral. Essa preponderância magistral significa que ela julga outras
referências (ou fontes) em suas intenções, afirmações e implicações. A Bíblia
não registra simplesmente atos e palavras de Deus, mas também
interpretações deles, que adquirem um caráter normativo. Nem sempre
podemos considerar tal preponderância magistral como absoluta, dado ao
próprio caráter dinâmico e progressivo da revelação. Contudo, geralmente,
devemos valorizar prioritariamente a autoridade da Escritura como meio e
referência da revelação. Ainda que esse conteúdo da revelação especial
56
ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 58.
57 ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo (SP): Vida Nova, 1997, p. 64.
esteja acabado e que a plenitude de implicações e nuances do conteúdo final
da revelação também estejam definidos na mente de Deus, o homem recebe
a revelação em doses e, especialmente nisso, consistem a historicidade, o
dinamismo e a progressão da revelação, cujo propósito é imutável.
Revelações posteriores elucidam e normatizam revelações anteriores.
Todavia, não parece sensato pensar que tal dinamismo e progressão da
revelação, bem como a sua interpretação, se deem sem critérios e sem uma
referência quanto à sua natureza e ao seu conteúdo.