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O Evangelho de Marcos
Um roteiro de viagem tendo
Jesus como guia

Uma chave de leitura para o Evangelho de Marcos

Sete círculos bíblicos

Carlos Mesters
Francisco Orofino

São Leopoldo/RS

2012
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Série: A Palavra na Vida – Nº 290 – 2012


Título: O Evangelho de Marcos: Um roteiro de viagem tendo
Jesus como guia
Autores: Carlos Mesters e Francisco Orofino
Capa: Luís Henrique Alves Pinto
Editoração: Rafael Tarcísio Forneck
ISBN: 978-85-7733-160-4

CARLOS MESTERS é frade carmelita desde 1951. Estudou a Bíblia em Roma e


em Jerusalém, de 1954 a 1963. Foi professor de Bíblia no seminário em São Pau-
lo e Belo Horizonte de 1963 até 1973. A partir de 1973, trabalha com a Bíblia nas
Comunidades Eclesiais de Base. Participa do CEBI desde o seu início até hoje.
FRANCISCO OROFINO é leigo católico, professor de Teologia Bíblica em Nova
Iguaçu (RJ) e assessor do CEBI e do ISER Assessoria.
Sumário

1ª Parte
Uma chave de leitura para o Evangelho de Marcos................ 6
Os problemas das comunidades que Marcos quer iluminar... 6
A mensagem central que Marcos quer comunicar ................. 8
A dinâmica que Marcos usa para comunicar sua mensagem 11
Um esquema para perceber o rumo do Espírito no Evangelho de
Marcos .................................................................................... 13

2ª Parte
Os sete círculos: Caminhamos na estrada de Jesus ............... 16
1º Círculo: O entusiasmo do primeiro amor: Surge a
boa-nova → Aparece o conflito ........................................... 18
2º Círculo: Dúvidas e desencontros: Cresce o conflito →
Aparece o mistério ................................................................. 23
3º Círculo: Ameaça de ruptura: Cresce o mistério →
Aparece o não entender .......................................................... 28
4º Círculo: A cruz no horizonte: Cresce o não entender →
Aparece a cruz........................................................................ 33
5º Círculo: Romper com os grandes: Cresce a luz escura da
cruz → Aparece a morte....................................................... 38
6º Círculo: Morte na chegada: Crescem a ruptura e a morte
→ Aparece a vitória sobre a morte ....................................... 43
7º Círculo: As surpresas de Deus: Cresce a vitória sobre a
morte → Reaparece a boa-nova... .......................................... 49
Celebração final: “Coragem! Levanta-te! Jesus te chama.”... 54
O Evangelho de Marcos
Um roteiro de viagem tendo Jesus como guia

O Livro do Mês da Bíblia deste ano de 2012 é o Evangelho de


Marcos.
O Tema é: “Discípulos missionários a partir do Evangelho de
Marcos”.
O Lema é: “Coragem! Levanta-te! Ele te chama” (Mc 10,49).
Este livro oferece um subsídio para as comunidades poderem
fazer uma leitura orante do Evangelho de Marcos e aprender com ele
como ser discípulos e discípulas de Jesus que assumam a missão
como o rumo central de sua vida.

1ª PARTE: Uma chave de leitura para o Evangelho de Marcos

Os problemas das comunidades que Marcos quer iluminar


A mensagem central que Marcos quer comunicar
A dinâmica que Marcos usa para comunicar sua mensagem
Um esquema para perceber o rumo do Espírito no Evangelho de Marcos

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2ª PARTE: Os sete círculos: caminhamos na estrada de Jesus

1º Círculo: O entusiasmo do primeiro amor: Surge a boa-nova →


Aparece o conflito

2º Círculo: Dúvidas e desencontros: Cresce o conflito → Aparece o


mistério

3º Círculo: Ameaça de ruptura: Cresce o mistério → Aparece o não


entender

4º Círculo: A cruz no horizonte: Cresce o não entender → Aparece a


cruz

5º Círculo: Romper com os grandes: Cresce a luz escura da cruz →


Aparece a morte

6º Círculo: Morte na chegada: Crescem a ruptura e a morte →


Aparece a vitória sobre a morte

7º Círculo: As surpresas de Deus: Cresce a vitória sobre a morte →


Reaparece a boa-nova...
Celebração final: “Coragem! Levanta-te! Jesus te chama.”

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1ª PARTE

Uma chave de leitura para o Evangelho de Marcos

Um evangelho é como a pintura que alguém faz de seu amigo.


O evangelista expressa a experiência libertadora que ele teve do ami-
go Jesus. Mas ele escreve pensando nas comunidades e seus proble-
mas. Escreve para ajudá-las e dar-lhes a boa-notícia de Deus que
Jesus nos trouxe.
Temos quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Ha-
via bem mais. Pois muita gente tentou reunir tudo que se contava nas
comunidades sobre Jesus (cf. Lc 1,1-3). Mas de todos eles só quatro
foram conservados no Novo Testamento. Um desses quatro é Mar-
cos. Qual a boa-notícia que Marcos quer comunicar? Quais os pro-
blemas das comunidades que ele quer iluminar?

Os problemas das comunidades


que Marcos quer iluminar

Jesus morreu em torno do ano 33. Marcos escreve quarenta


anos depois em torno do ano 70. As comunidades já viviam espalha-
das pelo Império Romano. Alguns acham que ele escreveu para as
comunidades da Itália. Outros dizem que foi para as da Síria. Difícil
saber o certo. De qualquer maneira, uma coisa é certa: não faltavam
problemas! Eis alguns:

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1 Perseguição dos cristãos por parte do Império Romano

A ameaça de perseguição era constante. Havia o medo. Seis


anos antes, em 64, no tempo de Nero, os cristãos tiveram a primeira
grande perseguição. Foi uma tempestade na vida das comunidades
(Mc 4,36). Muitos discípulos e muitas discípulas tinham morrido.
Alguns tinham negado a fé (Mc 14,71), tinham traído (Mc 14,10.45)
ou fugido (Mc 14,50) e se dispersaram (Mc 14,27). Outros tinham caí-
do do primeiro fervor (Ap 2,4). A rotina estava tomando conta da
vida deles. Muita gente estava desanimada. Marcos quer animá-los.

2 Rebelião dos judeus da Palestina contra a invasão romana

Naqueles mesmos anos, entre 67 e 70, os judeus da Palestina


tinham se rebelado contra a invasão romana. Jerusalém, a capital,
estava cercada pelo exército romano, ameaçada de destruição total
(Mc 13,14). Muitos cristãos – a maioria – eram judeus. Eles não sa-
biam se deviam ou não entrar na rebelião contra o Império Romano.
Havia divisão entre os próprios judeus. Este problema político causa-
va muitas tensões nas comunidades. O horizonte não estava claro.
Marcos quer clarear horizonte.

3 Problemas internos de liderança

Ha via os pro ble mas in ter nos de li de ran ça. A ma i or par te


dos após to los já ti nha morri do. Uma nova ge ra ção de lí de res es -
ta va as su min do a co or de na ção. Isto ca u sa va ten sões, ci ú mes e
bri gas (Mc 9,34.37; 10,41). Não era claro como se devia coordenar
uma comunidade cristã. Marcos procura dar alguns conselhos.

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4 Será que existe perdão para quem renegou a fé durante a
perseguição de Nero?

A perseguição foi em 64. Passaram-se cinco ou seis anos. O pe-


rigo maior parecia ter passado. Alguns dos que tinham negado a fé
queriam voltar e participar de novo da vida da comunidade (Mc
14,30-31.72). Como Bartimeu, queriam “ver de novo” (Mc 10,51).
Era possível voltar? Podiam ser acolhidos novamente? A ruptura po-
dia ser desfeita? Alguns achavam que não poderiam ser acolhidos.
Copo quebrado, mesmo você querendo, não tem conserto. Outros
achavam que o perdão devia ser possível. O que fazer? Marcos traz
uma luz.

5 Quem é Jesus? Como entender a sua cruz?

Os judeus não cristãos diziam que Jesus não podia ser o mes-
sias, pois, segundo a Bíblia, um condenado à morte na cruz devia ser
considerado como um “maldito de Deus” (Dt 21,23). Como é que um
maldito de Deus poderia ser o messias? (cf. Mc 8,32). A cruz era um
impedimento para crer em Jesus, “um escândalo!”, assim diziam
(1Cor 1,23). Por isso, muita gente se perguntava: Afinal, quem é Je-
sus? (Mc 4,41). Será que ele é realmente o messias, o Filho de Deus?
(Mc 1,1; 14,61; 15,39). Marcos oferece uma resposta.

A mensagem central que Marcos quer comunicar

Apesar de muitos, os problemas não foram capazes de desviar


os cristãos da fidelidade ao compromisso fundamental da sua fé: se-
guir Jesus. No meio de tantas preocupações, a preocupação maior
continuava sendo: como ser discípulo de Jesus. Esta ainda é a preocu-
pação que, até hoje, em toda parte, suscita comunidades em torno da
Palavra de Deus e que, neste Mês da Bíblia, nos leva a abrir o Evan-

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gelho de Marcos para saber como seguir Jesus neste nosso Brasil, no
começo deste novo milênio.
Marcos pensa nestes problemas todos quando relata os gestos e
as palavras de Jesus. Ele quer ajudar as comunidades a encontrar o
caminho certo do seguimento de Jesus. Os ensinamentos de Jesus
que ele relata já eram conhecidos. É como hoje. Quando nos domin-
gos ouvimos a leitura do Evangelho, a gente já conhece o texto. O
que é novo é o sermão do padre ou a explicação da ministra da pala-
vra. As comunidades para as quais Marcos escreve já conheciam as
histórias da vida de Jesus. Havia quase trinta anos que elas medita-
vam sobre as histórias em suas reuniões semanais. O novo de Marcos
é o seu jeito de contar os fatos e de transmitir os ensinamentos. Ele
transforma as histórias de Jesus em espelho, para que as comunida-
des descubram nelas como ser discípulo de Jesus. É por isso que o seu
evangelho dá um destaque tão grande aos discípulos.
De fato, no Evan ge lho de Mar cos, os dis cí pu los são o xodó
de Je sus. A pri me i ra co i sa que Je sus faz é cha mar dis cí pu los
(Mc 1,16-20) e a última que faz é chamar discípulos (Mc 16,7.15).
Ele os leva consigo, do começo ao fim, em todo canto, e chega a di-
zer: “São meus irmãos, minhas irmãs, minha mãe!” (Mc 3,34). Quan-
do não entendem algo, eles perguntam e Jesus, em casa, explica tudo
dizendo: “A vocês é dado o mistério do Reino, mas aos de fora tudo
acontece em parábolas” (Mc 4,11; cf. 4,34). O evangelista faz isto
para que as comunidades e todos nós, seus discípulos e suas discípu-
las, saibamos e sintamos que, apesar dos nossos muitos problemas e
defeitos, somos o xodó de Jesus.
E não é só isto. Marcos quer dizer algo mais. A maneira de ele
falar dos discípulos causa uma certa estranheza. No começo, os discí-
pulos parecem um grupo privilegiado, uma comunidade modelo.
Mas, quase que de repente, tudo desanda. A gente fica impressionada
quando olha de perto o comportamento deles. Eles, a quem tinha sido
dado o Mistério do Reino (Mc 4,11), de repente começam a dar sinais

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de não entenderem mais nada e de serem tudo me nos discí pulos
de Je sus. Não compre en dem as pará bolas (Mc 4,13; 7,18). Não
têm fé em Je sus (Mc 4,40). Não enten dem a mul ti pli ca ção dos
pães (Mc 6,52; 8,20-21). Não sabem quem é Jesus, apesar de con-
viverem com ele (Mc 4,41). Antes conseguiam expulsar os demônios
(Mc 6,13), mas agora já não conseguem mais (Mc 9,18). Brigam en-
tre si pelo poder (Mc 9,34; 10,35-36.41). Querem ter o monopólio de
Jesus (Mc 9,38). Levam susto quando Jesus fala da cruz (Mc 8,32;
9,32; 10,32-34). Querem desviar Jesus do caminho do Pai (Mc 8,32).
Afastam as crianças (Mc 10,13). Judas resolve traí-lo (Mc 14,10.44).
Pedro chega a negá-lo (Mc 14,71-72). Na hora em que Jesus mais
precisa deles, eles dormem (Mc 14,37.40). E, no fim, no momento da
prisão, todos fogem e Jesus fica só (Mc 14,50).
O que será que Marcos queria dizer às comunidades (e a nós)
com esta lista tão impressionante de defeitos dos discípulos? Será
que queria meter medo e afastá-las de Jesus? Certamente que não! É
que um evangelho não vale só pelas informações que oferece sobre
Jesus. Quem lê o evangelho só para obter informações sobre o que
aconteceu no passado no tempo de Jesus pode até chegar a conclu-
sões erradas. Quem vê de longe um carro fazendo muita curva na es-
trada pode concluir: “Deve ter muito buraco e curva naquela estra-
da”. Mas não era nada disso. Aquele motorista balançava o carro,
porque queria acordar o companheiro surdo que dormia no banco tra-
seiro! Assim é com o Evangelho de Marcos. Alguns, vendo Marcos
insistir tanto nos defeitos dos discípulos, concluem: “Aqueles pri-
meiros discípulos não prestavam mesmo!”. E não era nada disso.
Marcos insiste nos defeitos dos primeiros discípulos, para que as co-
munidades do seu tempo (e do nosso tempo), olhando no espelho do
evangelho, não desanimassem diante dos seus defeitos e problemas.
Jesus não chamou gente santa, mas, sim, gente comum e bem humana
como todos nós, com suas falhas e defeitos. Marcos faz saber que o
amor de Jesus é sempre maior do que nossos defeitos e nossas faltas.
Os discípulos negaram, traíram e abandonaram Jesus. Mesmo assim,

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Jesus não os abandonou, mas continuou sendo o amigo que mandou
chamá-los e os acolhia de novo como seus irmãos (Mc 14,27-28;
16,6-7). Nós podemos romper com Jesus. Somos fracos. Jesus nunca
rompe conosco! Tem esperança!

A dinâmica que Marcos usa


para comunicar sua mensagem

O Evangelho de Marcos é como um bom romance. Lendo o ro-


mance, você se identifica com as pessoas que aparecem na história e
começa a envolver-se com os problemas que elas estão vivendo. O
mesmo acontece com as novelas da televisão. Você se envolve com
as personagens da novela. O Evangelho de Marcos faz o mesmo. Não
só informa sobre aquilo que Jesus fez e ensinou no passado, mas leva
a gente a se envolver com a longa caminhada dos discípulos e das
discípulas, desde a Galileia até Jerusalém.
Marcos começa dizendo: “Princípio da boa-nova de Jesus Cris-
to, Filho de Deus!” (Mc 1,1). E no fim, na hora em que Jesus morre,
ele afirma de novo: “Verdadeiramente, este homem era Filho de
Deus” (Mc 15,39). No começo e no fim, está a afirmação de que Je-
sus é o Filho de Deus. Entre estes dois pontos, isto é, entre o lago na
Galileia e o calvário em Jerusalém, corre a Estrada de Jesus! Corre a
caminhada difícil dos primeiros discípulos e discípulas. Em algum
lugar, entre estes mesmos dois pontos, caminhavam as comunidades
dos anos 70 na Itália ou na Síria, procurando acertar o rumo. Cami-
nhamos também nós, uns já um pouco mais adiantados e outros ainda
bem no comecinho, mas todos buscando acertar o caminho, querendo
ser discípulo e discípula de Jesus.
Nos sete Círculos Bíblicos que seguem neste livrinho, iremos
caminhar na estrada de Jesus, tendo Marcos como guia. Vamos olhar
no espelho que ele coloca diante de nós para descobrir nele nosso ros-

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to e assumir melhor nosso compromisso como “discípulos e missio-
nários de Jesus, para que nele nossos povos tenham vida”.
Assim, iniciando a leitura do Evangelho de Marcos, vamos
sentir o entusiasmo dos discípulos, desde a primeira chamada à beira
do lago (Mc 1,16). Vamos nos envolver com eles e com Jesus, cres-
cendo em entusiasmo até recebermos o envio definitivo para a
missão (Mc 6,13).
Ao mesmo tempo, vamos sentir o desencontro que vai apare-
cendo entre Jesus e os discípulos. Vamos viver a crise que eles vive-
ram. Este desencontro entre Jesus e os discípulos já aparece bem no
começo da caminhada (Mc 1,35-38) e, no fim, chega a uma quase
ruptura (Mc 8,14-21).
Andando no caminho que os primeiros discípulos percorreram
junto com Jesus, experimentaremos também nós a bondade de Jesus
que não desiste em ajudar os discípulos, apesar dos seus muitos de-
feitos. Junto com os discípulos, vamos receber a longa instrução
(Mc 8,22 até 13,37) para descobrir e eliminar de dentro de nós “o fer-
mento dos fariseus e dos herodianos” (Mc 8,15).
No fim, o acolhimento e o amor maior de Jesus diante do fra-
casso dos discípulos tornam-se também para nós um apelo renovado
para continuar caminhando na estrada de Jesus. Vamos descobrir que
o mesmo Jesus continua no nosso meio, sempre pronto para aco-
lher-nos e chamar-nos de novo! Não existe incentivo maior para
quem tem boa vontade, mas sente sua fraqueza e seus limites. Repeti-
mos: Nós podemos romper com Jesus. Somos fracos. Jesus nunca
rompe conosco.

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Um esquema para perceber o rumo do
Espírito no Evangelho de Marcos

Para perceber o rumo do Espírito de Jesus que percorre o Evan-


gelho de Marcos de ponta a ponta, é bom ter uma visão global das
suas principais divisões. Para isso, é importante ter presente estas
duas coisas:
Em primeiro lugar, o Evangelho de Marcos não é um tratado,
mas, sim, uma narração. Um tratado tem divisões bem claras. Uma
narração é como um rio. Percorrendo o rio de barco, você não perce-
be divisões dentro da água. O rio não tem divisão. É um fluxo só, do
começo ao fim. Num rio, as divisões, você as faz a partir da margem.
Por exemplo, você diz: “Aquele trecho bonito que vai daquela casa
na curva até a palmeira, três curvas depois”. Mas dentro da água você
não percebe divisão nenhuma. A narração de Marcos flui como um
rio. Tem muitas curvas, mas as suas divisões não são muito precisas.
Os ouvintes as encontram na margem, isto é, nos lugares por onde Je-
sus passa, nas pessoas que ele encontra, nas estradas que percorre. O
quadro geográfico ajuda o leitor e a leitora a não se perderem no meio
da narração, a se situarem na estrada de Jesus e a caminharem com
ele, passo a passo, desde a Galileia até Jerusalém.
Em segundo lugar, o Evangelho de Marcos, muito provavel-
mente, foi escrito, inicialmente, para ser lido de uma só vez na longa
vigília de Páscoa. Os judeus costumavam fazer assim com alguns dos
pequenos Escritos do AT. Por exemplo, na noite de Páscoa, eles liam
de uma só vez todo o livro do Cântico dos Cânticos. Para os ouvintes
não se cansarem, a leitura tinha que ter suas pausas. Pois, quando
uma narração é mais longa, como a do Evangelho de Marcos, a leitu-
ra deve ser interrompida de vez em quando. Em certos momentos,
tem que haver uma pausa, um canto. Do contrário, os ouvintes se per-
dem ou começam a dormir. Até hoje, fazemos a mesma coisa. Na li-
turgia da vigília de Sábado Santo, por exemplo, temos sete leituras,

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intercaladas com cânticos e orações que servem como pausas. Estas
mesmas pausas transparecem na maneira de Marcos narrar os fatos
da vida de Jesus. São os pequenos resumos ou dobradiças, entre
uma e outra leitura mais longa. Hoje, as novelas da televisão fazem
a mesma coisa. Todos os dias, no início da novela, elas repetem as
últimas cenas do dia anterior. Quando terminam, fazem ver as pri-
meiras cenas do dia seguinte. Estes resumos são como dobradiças:
recolhem o que se leu e abrem para o que vem depois. Permitem pa-
rar e recomeçar, sem interromper ou atrapalhar a sequência da nar-
ração que flui como um rio. O Evangelho de Marcos tem várias des-
tas pausas ou pequenos resumos que nos permitem seguir o fio da
meada, o rumo do Espírito. Ao todo, são sete leituras, intercaladas
por pequenos resumos, onde é possível fazer uma breve interrup-
ção. Mais tarde, quando o Evangelho de Marcos começou a ser usa-
do fora do contexto da vigília de Páscoa, acrescentou-se o apêndice
final que nos dá um resumo das principais aparições de Jesus ressus-
citado (Mc 16,9-20).
Eis o esquema que pode ajudar a gente a perceber a sequência
das ideias, a captar a mensagem e a descobrir o rumo do Espírito que
percorre o Evangelho de Marcos de ponta a ponta. Este Espírito nos
ajudará a olhar para dentro do texto e descobrir nele a boa-nova de
Deus que Jesus nos revelou.

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Introdução Mc 1,1-13: Início da boa-nova
Preparar o anúncio
dobradiça 1,14-15
1ª leitura: Mc 1,16-3,6: Cresce a boa-nova
Aparece o conflito
dobradiça 3,7-12
2ª leitura: Mc 3,13-6,6: Cresce o conflito
Aparece o mistério
dobradiça 6,7-13
3ª leitura: Mc 6,14-8,21: Cresce o mistério
Aparece o não entender
dobradiça 8,22-26
4ª leitura: Mc 8,27-10,45: Cresce o não entender
Aparece a luz escura da cruz
dobradiça 10,46-52
5ª leitura: Mc 11,1-13,32: Cresce a luz escura da cruz
Aparecem a ruptura e a morte
dobradiça 13,33-37
6ª leitura: Mc 14,1-15,39: Crescem a ruptura e a morte
Aparece a vitória sobre a morte
dobradiça 15,40-41
7ª leitura: Mc 15,42-16,8: Cresce a vitória sobre a morte
Reaparece a boa-nova e tudo
recomeça
Apêndice Mc 16,9-20

Lembrete final: Um evangelho não é uma história de se ler ou


escutar só uma única vez e basta. Não! Um evangelho é para ser lido e
relido, meditado e rezado, comparado e aprofundado. Orientando-se
pelo esquema, você vai lendo e, aos poucos, vai ligando uma frase
com a outra, uma iluminando a outra. Uma palavra puxa a outra.
Você vai percebendo a visão do conjunto que, em seguida, esclarece
os detalhes. Isto acontece, sobretudo, quando você faz a leitura em
grupo, em comunidade, como vamos sugerir agora nos sete Círculos
Bíblicos que seguem na segunda parte deste livrinho.

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2ª PARTE

Os sete círculos
Caminhamos na estrada de Jesus

1º Círculo: O entusiasmo do primeiro amor: Surge a boa-nova →


Aparece o conflito

2º Círculo: Dúvidas e desencontros: Cresce o conflito → Aparece o


mistério

3º Círculo: Ameaça de ruptura: Cresce o mistério → Aparece o não


entender

4º Círculo: A cruz no horizonte: Cresce o não entender → Aparece a


cruz

5º Círculo: Romper com os grandes: Cresce a luz escura da cruz →


Aparece a morte

6º Círculo: Morte na chegada: Crescem a ruptura e a morte →


Aparece a vitória sobre a morte

7º Círculo: As surpresas de Deus: Cresce a vitória sobre a morte →


Reaparece a boa-nova...
Celebração final: “Coragem! Levanta-te! Jesus te chama.”

16 PVN 290
A dinâmica dos círculos
Acolhida
1. Um canto inicial
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as
pessoas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.
1. Abrir os olhos para ver nosso jeito de seguir Jesus
Perguntas para ajudar na reflexão
2. Ver como os primeiros discípulos seguiam Jesus
1. Chave de leitura.
2. Leitura do texto.
3. Momento de silêncio.
4. Perguntas para ajudar na reflexão.
3. Renovar nosso compromisso de seguir Jesus
Sugestões para a celebração
¢ formular preces
¢ rezar um salmo
¢ assumir um compromisso

Subsídio: olhar no espelho do Evangelho de Marcos


No fim de cada um dos sete círculos, segue um breve subsídio
que tem como finalidade ajudar na reflexão e no aprofundamento do
assunto de cada círculo e confrontar nossa caminhada com a cami-
nhada dos primeiros discípulos e discípulas de Jesus.
Além disso, independentemente dos sete círculos, você pode
ler os sete subsídios separadamente para ter uma visão global do
Evangelho de Marcos.

PVN 290 17
1º Círculo
O entusiasmo do primeiro amor
Surge a boa-nova

Acolhida

1. Um canto inicial.
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as pes-
soas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.

1 Abrir os olhos para ver nosso jeito de seguir Jesus

No início, o entusiasmo sempre é grande! Cada um de nós já


teve momentos assim. Quem começa a participar de uma comunida-
de eclesial de base ou de um grupo bíblico sente um grande entusias-
mo. O mesmo vale para quem entra numa das pastorais, faz o cursi-
lho, participa de um encontro de casais com Cristo, ou começa a
participar de um sindicato, de um clube de mães, grupo jovem, grupo
ecológico, movimento social, partido político ou organização não
governamental; quem entra na vida religiosa, recebe o sacramento do
crisma, da ordenação sacerdotal, do matrimônio, ou começa o noiva-
do; faz formatura, recebe carteira de motorista, consegue o primeiro
emprego... Tantos momentos! É o entusiasmo do primeiro amor!

18 PVN 290
No Evangelho de Marcos, transparece este mesmo entusiasmo.
Tudo começou com o chamado à beira do lago (Mc 1,16-20) e foi
crescendo aos poucos, até eles receberem uma participação plena na
missão de Jesus (Mc 6,7-13). Nos primeiros seis capítulos do Evan-
gelho de Marcos, Jesus quase não para. Está sempre andando. Os dis-
cípulos e as discípulas vão com ele por todo canto: na praia, na estra-
da, na montanha, no deserto, no barco, nas sinagogas, nas casas, nos
povoados, por toda a Galileia. Muito entusiasmo!

Para ajudar na reflexão

1. Na sua vida, qual foi a causa do seu maior entusiasmo?


2. Como se manifestou o entusiasmo do primeiro amor na sua
vida como cristão ou cristã, e na vida da sua comunidade?

2 Ver como os primeiros discípulos seguiam Jesus

1. Chave de leitura
O texto que vamos ouvir descreve como começou o anúncio do
evangelho e como ele foi se divulgando. Durante a leitura, vamos pres-
tar atenção no seguinte: “Qual foi mesmo a proposta de Jesus que entu-
siasmou tanto as pessoas que chegou a transformá-las em discípulos?”.
2. Leitura do texto: Marcos 1,14-22
3. Momento de silêncio
4. Perguntas para ajudar na reflexão
1. Qual o ponto deste texto de que você mais gostou ou que
mais chamou a sua atenção? Por quê?
2. Qual foi mesmo a proposta de Jesus que entusiasmou tanto
as pessoas que chegou a transformá-las em discípulos?
3. O que tudo isso ensina para nós hoje?

PVN 290 19
3 Renovemos nosso compromisso de seguir Jesus

Sugestões para a celebração

1. Colocar em forma de prece aquilo que acabamos de refletir


sobre o evangelho e sobre a nossa vida.
2. Rezar um salmo. Sugestão: Salmo 1: Escolher o caminho certo.
3. Formular um compromisso e terminar tudo com um
Pai-Nosso e um canto final.

Olhando no espelho do Evangelho de Marcos


O entusiasmo do primeiro amor
Surge a boa-nova

Eles são pes ca do res. Estão tra ba lhan do. É a pro fis são de -
les. Je sus passa e chama. Eles lar gam tudo e seguem Je sus. Pare -
ce que não lhes custa nada. Largam a famí lia. Lar gam os barcos e
as re des (Mc 1,16-20). Levi lar gou a co le to ria, fon te da sua ri -
queza (Mc 2,13-14). Seguir Je sus supõe ruptu ra! Eles co me çam a
formar um grupo, uma comunidade itinerante. É a comunidade
de Jesus (Mc 3,13-19; 3,34-35).

Os discípulos acompanham Jesus por todo canto.


Entram com ele na sinagoga (Mc 1,21) e nas casas do povo
(Mc 2,15). Passeiam com ele pelos campos, arrancando espigas
(Mc 2,23). Andam com ele ao longo do mar, onde o povo os procura
(Mc 3,7). Ficam a sós com ele e podem interrogá-lo (Mc 4,10.34).
Vão na casa dele, convivem com ele e vão com ele até Nazaré, sua
terra (Mc 6,1). Com ele, atravessam o mar e vão para o outro lado
(Mc 5,1).

20 PVN 290
Participam na dureza da nova caminhada.
Tanta gente os procura, que já não têm tempo nem para comer
(Mc 3,20). Eles começam a sentir-se responsáveis pelo bem-estar de
Jesus: ficam perto dele, cuidam dele e mantêm um barco pronto para
ele não ser esmagado pelo povo que avança (Mc 3,9; cf. 5,31). E no
fim de um dia de trabalho, o levam, exausto, para o outro lado do
lago (Mc 4,36) e arrumam até um travesseiro para ele poder dormir
(Mc 4,38).

A convivência se torna íntima e familiar.


Jesus chega a dar apelidos a alguns deles. A João e Tiago cha-
mou de “Filhos do Trovão”, e a Simão deu o apelido de “Pedra” (Pe-
dro) (Mc 3,16-17). Ele vai na casa deles e se preocupa com os proble-
mas da família. Curou a sogra de Pedro (Mc 1,29-31).

Andando com Jesus, eles aprendem a discernir.


Começam a perceber o que serve para a vida e o que não serve.
A atitude livre e libertadora de Jesus faz com que criem coragem para
transgredir normas religiosas que pouco ou nada têm a ver com a
vida: arrancam espigas em dia de sábado (Mc 2,23-24), entram em
casa de pecadores (Mc 2,15), comem sem lavar as mãos (Mc 7,2) e já
não insistem em fazer jejum (Mc 2,18). Por isso, são envolvidos nas
tensões e nos conflitos de Jesus com as autoridades e são criticados e
condenados pelos fariseus (Mc 2,16.18.24). Mas Jesus os defende
(Mc 2,19.25-27; 7,6-13).

Distanciam-se das posições anteriores.


O próprio Jesus os distingue dos outros e diz claramente: “A
vocês é dado o mistério do Reino, mas aos de fora tudo acontece em
parábolas” (Mc 4,11), pois “os de fora” têm olhos, mas não enxer-
gam, têm ouvidos e não escutam (Mc 4,12). Jesus considera os discí-
pulos e as discípulas como seus irmãos e suas irmãs. É a sua nova fa-
mília (Mc 3,33-34). Eles recebem formação. As parábolas narradas

PVN 290 21
ao povo, Jesus as explica para eles quando estão sozinhos em casa
(Mc 4,10s.34).
Na raiz deste grande entusiasmo está a pessoa de Jesus que os
chama e atrai. Eles seguem Jesus. Ainda não percebem todo o alcan-
ce que o contato com Jesus implica para a vida deles. Isto, por en-
quanto nem importa! O que importa é poder seguir Jesus que anuncia
a tão esperada boa-nova do Reino. Até que enfim, o Reino chegou!
(1,15). Jesus o revelou!
Depois de certo tempo, Jesus chama doze discípulos para es-
tar com ele. Eles recebem a missão de anunciar a boa-nova e de ex-
pulsar demônios (Mc 3,13-14). Assumem a missão junto com Jesus
(Mc 6,7-13). Devem ir, dois a dois, para anunciar a chegada do Reino
de Deus. No Antigo Testamento eram doze tribos, agora são doze
discípulos. Eles formam um novo jeito de ser povo de Deus. Para po-
der chegar a isto, tiveram de passar por esta longa preparação. No
meio dos conflitos, tiveram que tomar posição ao lado de Jesus e criar
coragem para fazer várias rupturas. Nisso tudo, revela-se o entusias-
mo do primeiro amor!

Surgiu a boa-nova,
vai aparecer o conflito

22 PVN 290
2º Círculo
Dúvidas e desencontros
Cresce o conflito

Acolhida

1. Um canto inicial.
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as pes-
soas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.

1 Abrir os olhos para ver nosso jeito de seguir Jesus


Os discípulos seguem Jesus com muito entusiasmo, mas, no
fundo, ainda não sabem bem a quem estão seguindo. Eles imaginam
uma coisa. Jesus, na realidade, é outra! Assim, no meio daquele entu-
siasmo inicial, aparece um certo desencontro. Com a gente, acontece
o mesmo. Depois que você entrou na comunidade, num círculo bíbli-
co, num sindicato, num partido, num emprego ou numa pastoral, de-
pois do entusiasmo inicial, você começa a perceber que nem tudo é
como você imaginava. Nem todos pensam como você. Você desco-
bre que existem muitos outros movimentos, cada um com a sua ma-
neira de pensar: comunidades eclesiais de base, grupos de oração, ca-
rismáticos, neocatecúmenos, focolarinos crentes, tantos e tantos!
Todos dizem: “Nós seguimos Jesus!” Mas que Jesus? Cada um tem a
sua ideia sobre Jesus. “Então Cristo está dividido?” (1Cor 1,13).

PVN 290 23
O Jesus dos outros nem sempre agrada. Às vezes, nos vem até o
pensamento: “Coitados! Um dia, eles ainda vão perceber!”. Acha-
mos que o outro está errado. Quem deve mudar é ele, o outro, e não
eu! Mas de repente, surge a dúvida: “E se por acaso o Jesus do outro
for mais verdadeiro que o meu, o que vou fazer?”. Assim, dúvidas e
questionamentos vão entrando pela porta dos fundos. Como aconte-
ceu com João Batista. Ele anunciou Jesus com grande entusiasmo.
Mas, depois, já na prisão, descobriu que Jesus era diferente daquilo
que ele, João, imaginava. Por isso, mandou perguntar: “É o senhor,
ou devemos esperar por outro?” (Mt 11,3). No meio destes
desencontros vão aparecendo nossos limites e defeitos.

Para ajudar na reflexão

1. Qual foi a grande decepção na sua vida ou na vida da sua co-


munidade que matou o seu entusiasmo?
2. Qual é hoje a causa mais frequente dos conflitos entre nós
cristãos a respeito de Jesus?

2 Ver como os primeiros discípulos seguiam Jesus

1. Chave de leitura
Os primeiros sinais do desencontro entre Jesus e os discípulos
aparecem logo no início e vão aumentando na mesma medida em que
Jesus se revela a eles. Vamos ver um texto em que transparece o pri-
meiro desencontro. Durante a leitura, fiquemos com esta pergunta na
cabeça: “Em que consiste o desencontro entre Jesus e os discípulos e
como se manifesta?”.
2. Leitura do texto: Marcos 1,32-39.
3. Momento de silêncio.

24 PVN 290
4. Perguntas para ajudar na reflexão
1. Qual o ponto deste texto que mais chamou a sua atenção?
Por quê?
2. Em que consiste o desencontro entre Jesus e os discípulos e
como se manifesta?
3. O que tudo isso ensina para nós hoje?

3 Renovar nosso compromisso de seguir Jesus

Sugestões para a celebração

1. Colocar em forma de prece aquilo que acabamos de refletir


sobre o evangelho e sobre a nossa vida.
2. Rezar um salmo. Sugestão: Salmo 73(72): Vale a pena se-
guir Jesus?
3. Formular um compromisso e terminar tudo com um
Pai-Nosso e um canto final.

Olhando no espelho do Evangelho de Marcos


Dúvidas e desencontros
Cresce o conflito

Os discípulos seguem Jesus, atraídos pela bondade da pessoa


dele e empurrados pelas suas próprias expectativas sobre o Messias.
Aos poucos, vão percebendo que em Jesus existe algo, um mistério
maior, que não bate bem com aquilo que eles pensavam e esperavam.
Por exemplo, Jesus se tornou conhecido. O povo ia atrás dele. A pu-
blicidade agradou aos discípulos. Eles vão em busca de Jesus para
levá-lo de volta ao povo: “Todos te procuram” (Mc 1,37). Pensavam
que Jesus fosse gostar e atender. Engano deles! Jesus não atendeu e

PVN 290 25
ainda disse: “Vamos para outros lugares. Foi para isto que eu vim!”
(Mc 1,38). Foi o primeiro desencontro. A primeira frustração! Bem
pequena, é verdade. Mas devem ter estranhado! Jesus não era como
eles o imaginavam, nem fazia o que eles esperavam.
Jesus contou a parábola do semeador (Mc 4,1-9). Eles não en-
tenderam e pediram explicação. Jesus disse: “Não compreenderam
esta parábola? Então, como é que podem entender todas as parábo-
las?” (Mc 4,13). Jesus pensava que eles tivessem entendido. Mas não
entenderam. O desencontro começa a crescer. Dentro dos discípulos
existia algo que não se ajustava e que se manifestava, sobretudo, em mo-
mentos de crise. Por exemplo, durante a tempestade. Diante das ondas
que entravam no barco, o medo deles foi tão grande que chegaram a
acordar Jesus: “Não te importas que perecemos?” (Mc 4,38). Jesus es-
tranhou a reação deles. Acalmou o mar e disse: “Então, vocês não têm
fé?” (Mc 4,40). Eles não sabiam o que responder e se perguntavam:
“Quem é este que até o mar e o vento lhe obedecem?” (Mc 4,41). Jesus
parecia um estranho para eles! Apesar da convivência amiga, não sa-
biam direito quem ele era. Não conseguem captar o mistério.
O desencontro apareceu também quando foram com Jesus
para a casa de Jairo. O povo foi junto e o comprimia de todos os la-
dos (Mc 5,24). Uma mulher que há doze anos sofria de uma hemorra-
gia estava no meio da multidão. Ela também tocou em Jesus, mas de
maneira diferente. Tocou para ser curada (Mc 5,27-28). Na mesma
hora, Jesus parou e perguntou: “Quem foi que me tocou?” (Mc 5,30).
Os discípulos reagiram: “O senhor não está vendo a multidão que o
comprime, como é que pode perguntar quem foi que me tocou?”
(Mc 5,31). Jesus tinha uma sensibilidade mais apurada que não era
percebida pelos discípulos. Estes reagiram como todo mundo e não
entenderam a reação diferente de Jesus.
O desencontro apareceu ainda quando a multidão procurou Je-
sus no deserto (Mc 6,32-34). Os discípulos disseram a Jesus: “O lu-
gar aqui é deserto, já é tarde, mande esse povo embora para que possa

26 PVN 290
ir até os povoados comprar pão!” (Mc 6,35-36). Jesus respondeu:
“Deem vocês de comer ao povo!” (Mc 6,37). E eles: “Então o senhor
quer que a gente vá comprar pão por duzentos denários?” (Mc 6,37;
cf. 8,4). Não entenderam nada! Jesus pensava diferente. Tinha outros
critérios na maneira de abordar e de resolver os problemas do povo.
Era o mistério do Pai que reluzia nele.
O próprio evangelista Marcos chegou a fazer um comentário
crítico. Foi quando, durante a noite depois da multiplicação dos pães,
Jesus se aproximou dos discípulos andando por cima das águas. Eles
ficaram apavorados e começaram a gritar. Achavam que era um fan-
tasma! Jesus os acalmou e entrou no barco (Mc 6,48-50). E Marcos
comenta: “Eles não tinham entendido nada a respeito dos pães, e o
seu coração estava endurecido” (Mc 6,52). A afirmação coração en-
durecido é muito dura. Evoca o coração endurecido do povo no de-
serto (Sl 95,8) que não queria ouvir Moisés e só pensava em voltar
para o Egito (Nm 20,2-10).
Jesus, ele também, chegou à mesma conclusão. Numa discus-
são com os fariseus sobre o puro e o impuro dos alimentos, ele disse:
“Escutem todos e compreendam: o que vem de fora e entra numa pes-
soa não a torna impura; mas as coisas que saem de dentro da pessoa,
estas é que a tornam impura. Quem tem ouvidos para ouvir ouça!”
(Mc 7,14-16). Os discípulos não entenderam e pediram uma explica-
ção. Jesus ficou impaciente e disse: “Então, nem vocês têm inteligên-
cia?” (Mc 7,18). Eles se pareciam com os fariseus e os escribas que já
tinham mostrado que não entendiam nada da novidade trazida por Je-
sus (Mc 4,12). Agora, os discípulos são iguais a eles! A ignorância
dos inimigos, a gente entende! Mas a dos discípulos...! “Então, nem
vocês têm inteligência?”

Cresceu o conflito,
começou a aparecer o mistério

PVN 290 27
3º Círculo
Ameaça de ruptura
Cresce o mistério

Acolhida

1. Um canto inicial.
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as pes-
soas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.

1 Abrir os olhos para ver nosso jeito de seguir Jesus

Os discípulos seguem Jesus. Pensam que já o conhecem, mas,


aos poucos, vão descobrindo que não o conhecem. Em Jesus, havia
um mistério maior. Ele fala, aconselha e decide diferentemente do
que eles esperavam ou imaginavam. O mesmo acontece com a gente.
Você pensa que conhece uma pessoa e, de repente, se dá conta de que
não a conhece. Cada vez de novo, ela surpreende, reagindo diferente-
mente do que você esperava ou imaginava. E quanto maior for a sua
vontade de controlar e de dominar a vida da outra pessoa tanto maior
será o risco que você corre de aumentar o desencontro e de provocar
uma ruptura.

28 PVN 290
Isto acontece muitas vezes e de muitas maneiras: no namoro,
no casamento ou nas tantas amizades que a gente tem. E quantas ve-
zes isto não acontece também na vivência da fé! A gente pensa que
conhece a Deus e aquilo que ele pede de nós. E depois nos damos
conta de que Deus é totalmente diferente daquilo que nós imagináva-
mos e de que estávamos apenas manipulando Deus a nosso favor.

Para ajudar na reflexão

1. Já aconteceu alguma ruptura assim na sua vida? Qual foi a


causa?
2. A imagem que você tem de Jesus vem de onde? Ela mudou
ao longo dos anos? Por que mudou? Será que eu sei tudo so-
bre Jesus?

2 Ver como os primeiros discípulos seguiam Jesus

1. Chave de leitura
O ponto crítico do desencontro crescente entre Jesus e os discí-
pulos é descrito em Marcos 8,14-21. Diante da falta de compreensão
dos discípulos, Jesus faz uma série de quase dez perguntas, sem se
importar em receber uma resposta. Será uma ruptura? Vamos ler o
texto. Durante a leitura, fiquemos com esta pergunta na cabeça: “Por
que será que Jesus faz tantas perguntas sem esperar resposta?”.
2. Leitura do texto: Marcos 8,14-21
3. Momento de silêncio.
4. Perguntas para ajudar na reflexão
1. Qual o ponto deste texto que mais chamou a sua atenção?
Por quê?
2. Por que será que Jesus faz tantas perguntas sem esperar
resposta?”

PVN 290 29
3. No tempo de Jesus era o fermento dos fariseus e dos hero-
dianos que impedia de enxergar a mensagem de Jesus? Qual
é hoje o fermento que nos impede de enxergar a mensagem
de Jesus?

3 Renovar nosso compromisso de seguir Jesus

Sugestões para a celebração

1. Colocar em forma de prece aquilo que acabamos de refletir


sobre o evangelho e sobre a nossa vida.
2. Rezar um salmo. Sugestão: Salmo 77(76): Será que Deus
mudou?
3. Formular um compromisso e terminar tudo com um Pai-Nos-
so e um canto final.

Olhando no espelho do Evangelho de Marcos


Ameaça de ruptura
Cresce o mistério
Por incrível que pareça, os discípulos chegaram a um ponto em
que já não se diferenciavam dos inimigos de Jesus. Anteriormente,
Jesus tinha ficado triste com a “dureza de coração” dos fariseus e dos
herodianos (Mc 3,5). Agora, os próprios discípulos têm o “coração
endurecido” (Mc 8,17). Anteriormente, “os de fora” (Mc 4,11) não
entendiam as parábolas, porque “tinham olhos e não enxergavam,
tinham ouvidos e não escutavam” (Mc 4,12). Agora, os próprios
discípulos não entendem mais nada, porque “têm olhos e não enxer-
gam, têm ouvidos e não escutam” (Mc 8,18). O “fermento dos fari-
seus e de Herodes” tinha tomado conta de tudo e os impedia de en-
xergar (Mc 8,15).

30 PVN 290
A impressão que se tem é que os discípulos, convivendo com
Jesus, em vez de melhorar, pioravam. Perderam até o pouco que ti-
nham (cf. Mc 4,25). Quanto mais Jesus explicava tanto menos eles
entendiam! Por quê? Qual a causa deste desencontro? A causa não
era a má vontade. Os dis cí pu los não eram como os ad ver sá ri os de
Jesus. Estes também não entendiam o ensinamento do Reino, mas
neles ha via ma lí cia. Eles usa vam a re li gião para cri ti car Je sus
(Mc 2,7.16.18.24; 3,5.22-30). Os discípulos, porém, eram gente
boa. Não tinham má vontade. Mesmo sendo vítimas do “fermento
dos fariseus e dos herodianos”, eles não estavam interessados em de-
fender o sistema dos fariseus contra Jesus. Então, qual era a causa?
Uma comparação: João teve que ir à rodoviária receber uma tia
de seu pai. Visto que ele não conhecia a tia, deram a ele uma foto.
Quando chegou o ônibus, João foi conferindo as pessoas, fotografia
na mão. Só um pequeno detalhe. A foto era de 45 anos atrás. No fim,
por último, desce do ônibus uma senhora já de idade. João pergunta,
mostrando a foto: “Por acaso, a senhora viu se esta pessoa estava no
ônibus?”. Ela olhou, sorriu e disse: “Sou eu!”. João olhou a pessoa,
conferiu com a foto e disse delicadamente: “A senhora pode enganar
os outros, mas não a mim!” Deixou a dona na rodoviária, voltou para
casa e disse: “Pai, ela não chegou não. Acho que perdeu o ônibus!”. A
foto antiquada impediu João de reconhecer a tia na rodoviária. Nós
temos muitas fotos antiquadas de Deus na cabeça e no coração que
bloqueiam tudo e nos impedem de reconhecer a presença de Deus na
rodoviária da vida.
A foto antiquada com que o povo esperava a chegada do Mes-
sias era a causa do desencontro crescente e da quase ruptura entre Je-
sus e os discípulos. Havia gente que esperava um Messias glorioso
Rei (cf. Mc 15,9.32), Sumo Sacerdote (cf. 1,24), General revoltoso
(cf. Lc 23,5; Mc 15,6; 13,6-8), Doutor (cf. Jo 4,25; Mc 1,22.27), Juiz
(cf. Lc 3,5-9; Mc 1,8), Profeta (6,4; 14,65). Ninguém esperava o
Messias Servo, anunciado pelo profeta Isaías (Is 42,1; 49,3; 52,13).
Jesus se orienta pela profecia do Messias Servo (Mc 10,45).

PVN 290 31
E os discípulos? Eles tinham os pés junto do povo pobre, mas
na cabeça tinham a foto antiquada do Messias glorioso, transmitida e
ensinada pelo “fermento dos fariseus e herodianos” (Mc 8,15). Pen-
savam conforme a ideologia dominante da época. Apesar do entusias-
mo inicial, eles não se deram conta de que tinham ideias erradas so-
bre o messias. “Nós esperávamos que ele fosse o Messias, mas...!”
(Lc 24,21). Inconscientemente, queriam que Jesus fosse como eles o
desejavam. Em vez de converter-se para Jesus, queriam que Jesus se
convertesse para eles: “Todos te procuram!” (Mc 1,37).
Aquela série de perguntas de Jesus aos discípulos, sobretudo
a pergunta final “Nem assim vocês compreendem?” (Mc 8,21), pa-
recia uma ruptura, mas não era ruptura. Jesus critica, corrige e ad-
verte os amigos, mas romper, ele não rompe, nem os rejeita! Pelo
contrário. Acolhe e ajuda. Jesus é como o Servo de que fala o profe-
ta Isaías: “Ele não apaga a mecha que ainda solta um pouco de fu-
maça!” (Is 42,3). E é nesta atitude de servo que está a chave do misté-
rio da sua pessoa e da sua missão, que vai acender a luz na escuridão,
em que se encontravam e ainda se encontram os discípulos.
Jesus nunca cedeu aos apelos da ideologia dominante, mesmo
quando vinham da parte dos discípulos, seus amigos. Sempre agiu
conforme escutava do pai e dos pobres (Mc 1,38). E foi por ele ter
sido tão fiel ao pai que o desvio dos discípulos apareceu. Se Jesus ti-
vesse cedido aos apelos dos seus amigos, não teria havido nenhum
desencontro. É a fidelidade de Jesus ao Pai que revelou o desvio e o
erro da ideologia dominante e fez aparecer o não entender nos
discípulos, obrigando-os a mudar e a atualizar a foto.

Cresceu o mistério,
apareceu o não entender

32 PVN 290
4º Círculo
A cruz no horizonte
Cresce o não entender

Acolhida

1. Um canto inicial.
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as pes-
soas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.

1 Abrir os olhos para ver nosso jeito de seguir Jesus

Na medida em que o tempo passa, cresce o não entender nos


discípulos. O ambiente vai mudando. Não aparece mais o entusias-
mo. Poucos são os milagres, só três: duas curas de cegos e uma expul-
são de demônio (Mc 8,25; 9,25-26; 10,52). Só! Quase não há mais
multidão: só Jesus e os poucos discípulos e discípulas! Jesus sai da
Galileia em direção a Jerusalém e começa a falar abertamente sobre a
cruz que o espera em Jerusalém. O próprio Isaías já tinha avisado:
quem se fizer servo, colocando sua vida a serviço dos irmãos, este vai
entrar em choque com os que preferem o privilégio e a dominação.
Vai sofrer, vai ser maltratado, condenado e morto (cf. Is 50,4-9;
53,1-12). Esta cruz, anunciada no Antigo Testamento, projeta agora
sua sombra sobre toda a vida de Jesus. Jesus sabia que o seu

PVN 290 33
compromisso com os pequenos iria incomodar os grandes. Sabia que
iam matá-lo. Mas não voltou atrás.
Na época em que Marcos escreve o seu evangelho, o problema
da cruz não era só a cruz de Jesus. Era também a cruz que o povo das
comunidades carregava por causa da sua fé em Jesus: a cruz da perse-
guição, a cruz das brigas com os irmãos judeus, a cruz da incerteza, a
cruz dos conflitos internos; havia alguns que queriam abafar o grito
dos pobres (cf. Mc 10,48). Carregar esta cruz era o mesmo que assu-
mir a caminhada com Jesus, desde a Galileia até Jerusalém. E as cru-
zes de hoje? A cruz da fome, do desemprego, da falta de saúde, da ex-
clusão, da violência, da falta de justiça, da divisão nas famílias e nas
comunidades. Tantas cruzes!

Para ajudar na reflexão

1. Na sua vida, qual a cruz que mais pesa e mais faz sofrer?
2. Esta cruz tem influência na sua maneira de viver a fé?
Como?

2 Ver como os primeiros discípulos seguiam Jesus

1. Chave de leitura
Apesar do desencontro crescente, apesar de os discípulos terem
chegado a uma atitude igual à dos adversários, Jesus não volta atrás,
mas também não desiste de acolhê-los. Ao contrário, ele começa a
instruí-los, para que possam vencer a cegueira e perceber a causa da
crise. Começa a falar abertamente sobre a cruz e sobre o Messias
Servo que vai sofrer e morrer. Durante a leitura, fiquemos com esta
pergunta na cabeça: “Por que Jesus chama Pedro de Satanás?”.
2. Leitura do texto: Marcos 8,27-38

34 PVN 290
3. Momento de silêncio.
4. Perguntas para ajudar na reflexão
1. Qual o ponto deste texto que mais chamou a sua atenção?
Por quê?
2. Por que será que Jesus chamou Pedro de satanás? Você con-
segue chamar alguém de satanás?
3. O que tudo isso ensina para nós hoje?

3 Renovar nosso compromisso de seguir Jesus

Sugestões para a celebração

1. Colocar em forma de prece aquilo que acabamos de refletir


sobre o evangelho e sobre a nossa vida.
2. Rezar um salmo. Sugestão: Salmo 141(140): Vem aju-
dar-nos depressa!
3. Formular um compromisso e terminar tudo com um
Pai-Nosso e um canto final.

Olhando no espelho do Evangelho de Marcos


A cruz no horizonte
Cresce o não entender

Os discípulos “seguem Jesus”. Enquanto vão caminhando


com ele para o calvário, recebem uma longa instrução sobre a cruz
(Mc 8,22 a 10,52). No início da instrução está a cura de um cego
anônimo (Mc 8,22-26) e, no fim, a cura do cego Bartimeu em Jericó
(Mc 10,46-52). As duas curas são símbolo do que se passava entre Je-
sus e os discípulos. Pois, cegos eram os discípulos que “tinham olhos e
não enxergavam” (Mc 8,18). Eles precisavam recuperar a visão.

PVN 290 35
Na primeira cura (Mc 8,22-26), Jesus teve dificuldade. Foi só
na segunda tentativa que o homem enxergou direito. O mesmo acon-
tecia com Pedro e acontece com tantos outros, desde o tempo de Mar-
cos até hoje! Confessando que Jesus é o Messias, Pedro era como o
cego de meia-visão. Só enxergava a metade. Confundiu gente com
árvore (Mc 8,24). Reconhecia em Jesus o Messias, mas Messias sem
a cruz! (Mc 8,32) Jesus o corrige, dando a instrução sobre o Messias
que deve sofrer (Mc 8,27-33).
Na segunda cura (Mc 10,46-52), o cego Bartimeu reconhece em
Jesus o Messias, pois grita: “Jesus, Filho de Davi!” (Mc 10,47.48).
Mas o título “Filho de Davi” não era muito bom. O próprio Jesus o
criticou (Mc 12,35-37). Bartimeu, porém, não se agarrou ao título fi-
lho de Davi. Não fez exigências como Pedro. Assinou em branco. Ele
soube entregar sua vida aceitando Jesus sem impor condições. Sua fé
em Jesus era maior que o título (Mc 10,52) e, “no mesmo instante, re-
cuperou a vista e seguia Jesus no caminho” (Mc 10,52).
Entre estas duas curas está a longa instrução sobre a cruz
(Mc 8,22 a 10,52). Ela esclarece o significado da cruz na vida de Je-
sus e na vida dos discípulos.

Cura de cego
Mc 8,22-26

1º Anúncio Instrução 2º Anúncio Instrução 3º Anúncio


Paixão, morte Jesus Paixão, morte Conversão Paixão, morte
ressurreição Messias Servo ressurreição cruz e vida nova ressurreição
Mc 8,27-38 Mc 9,1-29 Mc 9,30-37 Mc 9,38 a 10,31 Mc 10,32-45

Cura de cego
Mc 10,46-52

A instrução consta de três anúncios da paixão, morte e ressur-


reição de Jesus: 1) Mc 8,27-38; 2) Mc 9,30-37; 3) Mc 10,32-45. Entre

36 PVN 290
o 1º e o 2º anúncio, há uma série de instruções para ajudar os discípu-
los a entenderem Jesus como Messias Servo (Mc 9,1-29). Entre o 2º e
o 3º anúncio, há uma série de instruções sobre a conversão que a acei-
tação da Paixão, Morte e Ressurreição deve gerar na vida dos que
aceitam caminhar com Jesus, o Messias. Eis os vários aspectos da
conversão que deve acontecer em nós:
¢ no relacionamento com os que não são da comunidade, o
máxima de abertura: “Quem não é contra nós é a nosso fa-
vor” (Mc 9,38-40);
¢ no relacionamento com os pequenos e os excluídos, o máxi-
mo de acolhimento: Acolher os pequenos por serem de Cris-
to, e não ser motivo de escândalo para eles (Mc 9,41-50);
¢ no relacionamento homem-mulher, o máximo de igualdade:
Jesus tira o privilégio que o homem tinha com relação à mu-
lher e proíbe mandar a mulher embora (Mc 10,1-12);
¢ no relacionamento com as crianças e suas mães, o máximo
de ternura: acolher, abraçar, abençoar, sem medo de contrair
alguma impureza (Mc 10,13-16);
¢ no relacionamento com os bens materiais, o máximo de ge-
nerosidade: “Uma só coisa te falta: vai vende tudo que tens e
dá aos pobres” (Mc 10,17-27);
¢ no relacionamento entre os discípulos, o máximo de parti-
lha: quem deixar irmão, irmã, mãe, pai, filhos, terra por cau-
sa de Jesus e do evangelho terá cem vezes mais (10,28-31).
Foi o não entender crescente dos discípulos que levou Jesus a
falar da cruz, cuja luz escura iluminou o mistério de Jesus como Mes-
sias Servo e esclareceu a conversão que deve acontecer nas pessoas
que decidem seguir Jesus.

Cresceu o não entender,


apareceu a luz escura da cruz

PVN 290 37
5º Círculo
Romper com os grandes
Cresce a luz escura da cruz

Acolhida

1. Um canto inicial.
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as pes-
soas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.

1 Abrir os olhos para ver nosso jeito de seguir Jesus


Após três anos de andanças pela Galileia, Jesus chega em Je-
rusalém, onde o aguarda a cruz. Os discípulos seguem Jesus e par-
ticipam de tudo que ele faz. A instrução continua, mas agora não
mais através de palavras, mas, sim, por meio de gestos concretos
durante os últimos dias da vida de Jesus em Jerusalém no meio da
tensão entre ele e as autoridades. Os discípulos vivem o conflito
que o seguimento de Jesus traz consigo. Agora vai aparecer, no
concreto, o que significa seguir Jesus e carregar sua cruz. Pois
eles seguem o Jesus que rompe com os sumos sacerdotes e com os
escribas e anciãos (Mc 11,27 a 12,12), rompe com os fariseus e os
herodianos (Mc 12,13-17), com os saduceus (Mc 12,18-27), com os
escribas (Mc 12,28-40) e, no fim, ensina que a vontade de Deus se
manifesta é na partilha de uma pobre viúva (Mc 12,41-44).

38 PVN 290
O mesmo acontece hoje com a gente. Às vezes, num curso bí-
blico, num retiro, encontro ou missa, você ouve falar bonito sobre o
amor, a justiça e a fraternidade. Você fica empolgado, empolgada.
Mas é só quando chega em casa, na família, na comunidade, no traba-
lho, na loja ou na rua, que você vai entender, no concreto, o que signi-
fica realmente praticar o amor, a justiça e a fraternidade. Não é as-
sim? O mesmo aconteceu com os discípulos. Caminhando com
Jesus, tinham recebido aquela longa instrução sobre a cruz. Mas é só
agora em Jerusalém, no concreto da ação, que eles vão experimentar
quais as exigências e as consequências da aceitação da cruz.

Para ajudar na reflexão

1. Quais as mudanças que você já fez na sua vida por causa do


evangelho? Foi fácil? Sofreu muito?
2. Quais as mudanças que aconteceram e estão acontecendo na
Igreja. É fácil aceitar? Por quê?

2 Ver como os primeiros discípulos seguiam Jesus

1. Chave de leitura
O texto que vamos ouvir e sobre o qual vamos meditar neste
círculo traz vários episódios de como Jesus se relacionava com os es-
cribas ou doutores da lei. Durante a leitura, fiquemos com esta per-
gunta na cabeça: “Qual a atitude de Jesus no relacionamento com os
vários doutores da lei que aparecem no texto?”.
2. Leitura do texto: Marcos 12,28-40
3. Momento de silêncio
4. Perguntas para ajudar na reflexão
1. Qual o ponto deste texto que mais chamou a sua atenção?
Por quê?

PVN 290 39
2. Qual a atitude de Jesus no relacionamento com os vários
doutores da lei que aparecem no texto?
3. O que tudo isto ensina para nós hoje?

3 Renovar em nós o compromisso de seguir Jesus

Sugestões para a celebração

1. Colocar em forma de prece aquilo que acabamos de refletir


sobre o evangelho e sobre a nossa vida.
2. Rezar um salmo. Sugestão: Salmo 22(21): O salmo que Je-
sus rezou na cruz.
3. Formular um compromisso e terminar tudo com um
Pai-Nosso e um canto final.

Olhando no espelho do Evangelho de Marcos


Romper com os grandes
Cresce a luz escura da cruz

Poucos dias antes da Páscoa, Jesus entra na capital e inicia a se-


mana mais tensa da sua vida. Motivado pela sua fidelidade ao Pai, pelo
seu amor à verdade e pelo seu compromisso com os pequenos, ele en-
frenta seus adversários, a elite da nação. Em todos estes momentos ten-
sos e críticos, os discípulos estão com Jesus. A instrução continua, mas
agora através do testemunho e da ação concreta de Jesus.
Jesus se mantém no caminho do serviço (Mc 11,1-11).
O povo romeiro aclama Jesus como Messias Rei: “Bendito que
vem em nome do Senhor” (Mc 11,9). Jesus aceita a homenagem, mas
com reserva. Sentado num jumento (Mc 11,7), ele evoca a profecia

40 PVN 290
de Zacarias que dizia: “Teu rei vem a ti, humilde, montado num ju-
mento” (Zc 9,9). Jesus se mantém no caminho do serviço, simboliza-
do pelo jumento, animal de carga. Ele é o Messias Servo.
Jesus rompe com o templo (Mc 11,12-26).
No dia seguinte, ele entra no templo e expulsa os vendedores
(Mc 11,15-16). Citando os profetas Isaías e Jeremias, ele diz que o
templo deve ser uma casa de oração para todos os povos (Is 56,7) e
não um covil de ladrões (Jr 7,11; Mc 11,17). Em resposta, as autori-
dades começam a procurar um meio para matá-lo (Mc 11,18). Seguir
este Jesus exige a coragem de colocar a vida em risco.
Jesus rompe com os sumos sacerdotes, escribas e anciãos
(Mc 11,27 a 12,12).
Estes querem saber com que auto ri dade ele faz as coi sas
(Mc 11,28). Jesus não responde, pois sua ação não depende da licen-
ça deles (Mc 11,33). Eles pensam ser o povo eleito de Deus, mas
Jesus diz que eles vão perder o privilégio (Mc 12,1-11). Novamen-
te, as autoridades decidem matar Jesus, mas têm medo do povo
(Mc 12,12). Quem anda com Jesus corre o perigo de ser perseguido
por estas autoridades.
Jesus rompe com os fariseus e os herodianos (Mc 12,13-17).
Bem antes, os fariseus e herodianos já tinham decidido matar
Jesus (Mc 3,6). Agora o provocam querendo saber se ele é a favor ou
contra o pagamento do imposto aos romanos (Mc 12,14). Jesus não
responde a questão nem a discute. Ele exige que “deem a César o que
é de César, mas a Deus o que é de Deus”, a saber, devolvam a Deus o
povo, por eles desviado. Os discípulos, que tomem consciência! Pois
era o fermento destes fariseus e herodianos que estava cegando os
olhos deles (Mc 8,15).
Jesus rompe com os saduceus (Mc 12,18-27).
Os saduceus eram uma elite de sacerdotes, latifundiários e co-
merciantes. Eram conservadores, contrários à fé na ressurreição.

PVN 290 41
Eles questionam Jesus neste ponto. Jesus responde duramente:
“Vocês não entendem nada nem do poder de Deus nem da Escritu-
ra!” (Mc 12,24.27). Os discípulos estejam de sobreaviso! Quem esti-
ver do lado dos saduceus está do lado oposto de Deus e de Jesus!
Jesus rompe com os escribas (Mc 12,28-40).
Os escribas eram os responsáveis pela doutrina oficial. Incomo-
dados pela pregação de Jesus, já tinham espalhado a calúnia de que Je-
sus era um possesso (Mc 3,22). Jesus questiona o ensinamento deles
sobre o Messias (Mc 12,35-37), condena o comportamento ganancio-
so e hipócrita de alguns deles (Mc 12,38-40), mas sabe reconhecer ne-
les as boas qualidades (Mc 12,34). Os discípulos devem adquirir cons-
ciência crítica para poder discernir o ensinamento dos escribas.
Jesus aponta onde se manifesta a vontade de Deus (Mc 12,41-44).
Sentado em frente ao cofre de esmolas do templo, Jesus chama
a atenção dos discípulos para o gesto de uma pobre viúva que soube
partilhar até do seu necessário. Os discípulos achavam que o proble-
ma do povo só poderia ser resolvido com muito dinheiro. Anterior-
mente, tinham dito a Jesus: “O senhor quer que vamos comprar pão
por duzentos denários para dar de comer ao povo?” (Mc 6,37). Para
quem pensa assim, os dois centavos da viúva (Mc 12,42) não servi-
riam para nada. Mas, para Jesus, “esta viúva que é pobre lançou mais
do que todos que ofereceram moedas ao tesouro” (Mc 12,43). Jesus
tem critérios diferentes. Chamando a atenção dos discípulos para o
gesto da viúva, ele ensina onde eles e nós devemos procurar a mani-
festação da vontade de Deus, a saber, nos pobres e na partilha.
Jesus tinha consciência de que suas atitudes iriam incomodar
os grandes e o levariam à cruz.

Cresceu a luz escura da cruz,


apareceram a ruptura e a morte

42 PVN 290
6º Círculo
Morte na chegada
Crescem a ruptura e a morte

Acolhida

1. Um canto inicial.
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as pes-
soas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.

1 Abrir os olhos para ver nosso jeito de seguir Jesus

Todos nós já tivemos alguma experiência das várias etapas da


caminhada dos discípulos que acabamos de percorrer nestes cinco
encontros bíblicos: entusiasmo do primeiro amor, momentos de dú-
vidas, desencontros, ruptura de amizade, necessidade de revisão e de
instrução. Nova e surpreendente, porém, é a última etapa que começa
agora e que descreve a história da paixão, morte e ressurreição de Je-
sus (Mc 14,1 a 16,9). Geralmente, quando lemos a história da paixão,
olhamos o sofrimento de Jesus. Vale a pena olhar também para os
discípulos e verificar como eles reagiam diante da cruz. Pois a cruz é
a prova de fogo!

PVN 290 43
Nas comunidades perseguidas para as quais Marcos escreve o
seu evangelho, o povo vivia a sua paixão. Muitos tinham morrido no
tempo de Nero. Outros se perguntavam: “Será que vou aguentar a
perseguição? Fico ou não fico na comunidade?”. O cansaço, o medo
e o desânimo estavam tomando conta. E daqueles que tinham aban-
donado a fé, alguns perguntavam se era possível a volta. Queriam re-
começar a caminhada. Todos eles precisavam de novos esclareci-
mentos e de fortes motivações para poder continuar na caminhada.
Precisavam de uma renovada experiência do amor de Deus que fosse
maior do que suas falhas e seus defeitos. A resposta, eles a encontra-
vam na descrição da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Lá, onde
se descreve a maior derrota dos discípulos, está escondida também a
maior das esperanças e das consolações!

Para ajudar na reflexão

1. Hoje em nossas comunidades também estão presentes o


medo, o desânimo e o cansaço. Como isto se manifesta na
sua vida e na sua comunidade?
2. Na Semana Santa, o povo celebra em massa a paixão e morte
de Jesus. O que o povo mais procura na memória da cruz de
Jesus?

2 Ver como os primeiros discípulos seguiam Jesus

1. Chave de leitura
O texto que vamos ouvir descreve como foi a morte e o enterro
de Jesus. Neste texto, aparecem várias pessoas: o centurião, as mu-
lheres, José de Arimateia. Durante a leitura, fiquemos com esta per-
gunta na cabeça: Como cada uma destas pessoas reage diante da
morte de Jesus?

44 PVN 290
2. Leitura do texto: Marcos 15,33-47
3. Momento de silêncio
4. Perguntas para ajudar na reflexão
1. Qual o ponto deste texto que mais chamou a sua atenção?
Por quê?
2. Como cada uma destas pessoas reagiu diante da morte de Je-
sus: o centurião, as mulheres e José de Arimateia?
3. De que maneira o relato da paixão e morte de Jesus traz espe-
rança e consolação para você?

3 Renovar nosso compromisso de seguir Jesus

Sugestões para a celebração

1. Colocar em forma de prece aquilo que acabamos de refletir


sobre o evangelho e sobre a nossa vida.
2. Rezar um salmo. Sugestão: Isaías 52,13 a 53,12: O Cântico
do Servo de Deus que inspirou Jesus.
3. Formular um compromisso e terminar tudo com um
Pai-Nosso e um canto final.

Olhando no espelho do Evangelho de Marcos


Morte na chegada
Crescem a ruptura e a morte

Vamos olhar a paixão, morte e ressurreição de Jesus para ver


como os discípulos e as discípulas reagiram diante da cruz e como Je-
sus reagia diante das fraquezas dos discípulos. Três coisas chamam a
atenção e devem ser assinaladas:

PVN 290 45
1. O fracasso dos eleitos
Aqueles doze homens chamados e eleitos por Jesus (Mc 3,13-19)
e por ele enviados em missão (Mc 6,7-13) fracassaram. Fracasso com-
pleto. Judas traiu (Mc 14,17-21), Pedro negou (Mc 14,29-31.66-72),
os três dormiram (Mc 14,37.40), todos fugiram (Mc 14,50). Disper-
são total! Não havia muita diferença entre eles e as autoridades que de-
cretaram a morte de Jesus. Como Pedro, elas também queriam eliminar
a cruz: “Desça da cruz, para que possamos crer!” (Mc 15,31-32). Mas
há uma grande diferença! Os discípulos, apesar de todos os defeitos e
fraquezas, não tinham malícia nem má vontade. Eles eram um retrato
quase fiel de todos nós que caminhamos na estrada de Jesus, caindo
sem parar, mas levantando sempre!

2. A fidelidade dos não eleitos


Como reverso do fracasso de uns, aparece a força da fé dos ou-
tros que não faziam parte do grupo dos doze eleitos: 1. A mulher anô-
nima de Betânia (Mc 14,3-9). Ela aceitou Jesus como o Messias Cru-
cificado. Por isso, o ungiu, antecipando-se ao enterro. 2. Simão de
Cirene (Mc 15,21-22). Forçado pelos soldados, ele realiza o que Je-
sus tinha pedido aos doze que fugiram. Carrega a cruz atrás de Jesus
até o calvário. 3. O centurião, um pagão (Mc 15,33-39). Ele faz a pro-
fissão de fé e reconhece o Filho de Deus num homem torturado e cru-
cificado, maldito conforme a lei dos judeus. 4. Maria Madalena,
Maria, a mãe de Tiago, Sa lo mé “e mu i tas ou tras mu lhe res que su -
bi ram com ele para Je ru sa lém” (Mc 15,41). Elas não abandona -
ram Jesus, mas conti nua ram fir mes ao pé da cruz. 5. José de Ari -
mateia (Mc 15,40-47), membro do sinédrio, arriscou tudo pedindo
o corpo de Jesus para ser enterrado. Os doze fracassaram. A continui-
dade da mensagem do Reino não passou por eles, mas, sim, pelos ou-
tros, sobretudo pelas mulheres.

46 PVN 290
3. A atitude de Jesus
A maneira como Marcos apresenta a atitude de Jesus durante a
paixão é para dar esperança até ao discípulo mais fracassado! Por
maior que tenha sido o fracasso dos doze, o amor de Jesus foi maior!
1) Na hora de anunciar a fuga dos discípulos, ele já avisa que vai es-
perar por eles na Galileia (Mc 14,28). 2) Mesmo sabendo da traição
(Mc 14,18), da negação (Mc 14,30) e da fuga (Mc 14,27), Jesus colo-
ca o gesto da Eucaristia (Mc 14,22-25). 3) Na manhã de Páscoa, ele
manda um recado para Pedro e para todos que fugiram: eles devem ir
para a Galileia. Lá, onde tudo tinha começado, é lá que vai recomeçar
tudo de novo (Mc 16,7). Se a história da paixão acentua o fracasso
dos discípulos, não é para provocar desânimo nos leitores. Mas é para
ressaltar o acolhimento de Jesus que supera a derrota e o fracasso dos
discípulos! O fracasso não conseguiu provocar uma ruptura na
aliança selada e confirmada no sangue de Jesus.
O Evangelho de Marcos começou assim: “Início da boa-nova
de Jesus Cristo Filho de Deus” (Mc 1,1). Jesus é apresentado como
Filho de Deus! Ao ouvir este título, espontaneamente olhamos para o
alto, para o céu, onde mora Deus. Agora no fim, estamos diante de
um ser humano pendurado numa cruz, condenado como herético e
subversivo pelo tribunal civil, militar e religioso. As autoridades
confirmam, pela última vez, que se trata realmente de um rebelde
fracassado, e o renegam publicamente (Mc 15,31-32). Privado de
qualquer tipo de comunicação humana, Jesus se sente abandonado
até pelo Pai: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?”
(Mc 15,34). E soltando um forte grito, ele morre! (Mc 15,37). Mesmo
sentindo-se abandonado por Deus, a fé de Jesus é maior que o aban-
dono. Ele sabe que Deus escuta o grito do oprimido (cf. Ex 2,23-24;
3,7). O grito forte de Jesus é a prece com que ele entra na morte e faz
aparecer a vitória sobre a morte. É nesta hora que um novo sentido re-
nasce das cinzas, revelado por um pagão que confessa: “Verdadeira-
mente, este homem era Filho de Deus!” (Mc 15,39). Se você quiser
encontrar, verdadeiramente, o Filho de Deus, não o procure no alto,

PVN 290 47
num céu distante, mas procure-o ao seu lado, no ser humano excluí-
do, torturado, desfigurado, sem beleza. Procure-o naquele que doa
sua vida pelos irmãos. É lá que a divindade se esconde e é lá que ela
pode ser encontrada. É lá que está a imagem desfigurada de Deus, do
Filho de Deus, dos filhos de Deus. “Prova de amor maior não há que
doar a vida pelo irmão!”

Cresceram a ruptura e a morte,


apareceu a vitória sobre a morte

48 PVN 290
7º Círculo
As surpresas de Deus
Cresce a vitória sobre a morte

Acolhida
1. Um canto inicial.
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as pes-
soas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.

1 Abrir os olhos para ver nosso jeito de seguir Jesus

No texto sobre o qual vamos meditar hoje, as mulheres apare-


cem como testemunhas privilegiadas da ressurreição de Jesus. Parti-
cipantes de todo o processo da prisão, condenação, paixão, morte e
ressurreição de Jesus. Elas mesmas, por assim dizer, tiveram uma ex-
periência de morte e ressurreição e, agora, dão testemunho do que vi-
ram e viveram. O testemunho nasce da experiência. A gente testemu-
nha o que vive.
Inicialmente, os cristãos não se preocupavam em provar a res-
surreição com argumentos da razão. A fé na ressurreição não depen-
dia de provas, mas se comunicava pelo testemunho de vida. A pessoa
que toma banho de sol na praia não se preocupa em provar que o sol
existe. Ela mesma, bronzeada, é a prova viva de que o sol existe. As
comunidades, elas mesmas, existindo no meio daquele império

PVN 290 49
imenso, eram uma prova viva da ressurreição. Mas nem todos tive-
ram esta fé tão clara na ressurreição. Até os apóstolos duvidaram
(Mc 16,14). Não é tão fácil crer na ressurreição.
1. É fácil crer na ressurreição? Para você, o que é crer na
ressurreição?
2. Quais os testemunhos das pessoas que, hoje, sustentam a sua
fé na ressurreição?
3. Que tipo de testemunho você está dando para ajudar a sus-
tentar a fé das pessoas na sua comunidade?

2 Ver como os primeiros discípulos seguiam Jesus

1. Chave de leitura
O texto descreve o que se passou no domingo da ressurreição.
Durante a leitura, vamos prestar atenção no seguinte: Quais os nomes
das mulheres? O que elas fazem e dizem?
2. Leitura do texto: Marcos 16,1-8
3. Momento de silêncio
4. Perguntas para ajudar na reflexão:
1. Qual o ponto deste texto que mais chamou a sua atenção?
Por quê?
2. Quais os nomes das mulheres? O que elas fazem e dizem?
3. Onde e como, hoje, as mulheres continuam dando testemu-
nho da morte e ressurreição de Jesus?

50 PVN 290
3 Renovar nosso compromisso de seguir Jesus

Sugestões para a celebração

1. Colocar em forma de prece aquilo que acabamos de refletir


sobre o evangelho e sobre a nossa vida.
2. Rezar um salmo. Sugestão: Salmo 62(61): Só de Deus vem a
esperança.
3. Formular um compromisso e terminar tudo com um
Pai-Nosso e um canto final.

Olhando no espelho do Evangelho de Marcos


As surpresas de Deus
Cresce a vitória sobre a morte

Bem no início do evangelho, a primeira exigência era esta:


“Esgotou-se o prazo. O Reino de Deus está chegando! Mudem de
vida! Tenham fé nesta boa-notícia!” (Mc 1,15). Este pedido inicial de
conversão e de fé indica a porta por onde temos acesso a Jesus e à
boa-nova de Deus que ele nos traz. Não há outro acesso. A fé exige
crer em Jesus, na sua Palavra, aceitá-lo sem impor condições, sempre
abertos para as surpresas de Deus, que pedem uma conversão cons-
tante. Os nomes e os títulos são como o crachá que a pessoa carrega
no peito para identificação. O crachá é importante, pois nos orienta
para encontrar a pessoa que procuramos. Mas quando a encontrar,
você já não olha o crachá, mas, sim, o rosto! O Jesus que você procu-
ra, quando a encontrar, será diferente da ideia que você se fazia a
respeito dele. O encontro sempre traz surpresas!
Muitos não foram capazes de crer e de abrir mão das suas segu-
ranças humanas (Mc 4,40; 6,6). Os chefes dos sacerdotes e os escri-

PVN 290 51
bas colocavam condições para poder crer: “Desça da cruz, para que
vejamos e possamos crer!” (Mc 15,32). Só iriam crer se fosse elimi-
nada a cruz. Pedro tinha feito o mesmo pedido (Mc 8,33). Sem a cruz,
o evangelho ficaria reduzido a uma filosofia qualquer. Jesus já não
seria a revelação de Deus para nós. A exigência será sempre a mes-
ma: crer em Jesus, isto é, aceitá-lo do jeito que ele se apresenta, sem
querer enquadrá-lo dentro dos nossos esquemas.
O Evangelho de Marcos traz muitas afirmações sobre a fé. Elas
nos orientam para que possamos entender melhor em que consiste a
fé que dá acesso a Jesus e à boa-nova do Reino. Mostram que a fé é
um dom de Deus, uma atitude de vida, que vai amadurecendo dentro
das pessoas ao longo do caminho. Jesus estimulava as pessoas a ter fé
nele e, por conseguinte, a criar confiança em si mesmas (Mc 5,34.36;
7,25-29; 9,23-29; 10,52; 12,34.41-44). Ao longo das páginas do
Evangelho de Mar cos, a fé em Je sus apa re ce como uma for ça que
trans for ma as pes so as. Ela faz re ce ber o per dão dos pe ca dos
(Mc 2,5), en fren ta e vence a tempestade (Mc 4,40), faz renascer as
pessoas e aciona nelas o poder de se curar e se purificar (Mc 5,34). A
fé consegue vencer a própria morte, pois a menina ressuscitou graças
à fé de Jairo, seu pai (Mc 5,36). A fé faz o cego Bartimeu enxergar de
novo: “Tua fé te salvou!” (Mc 10,52). Pelas suas conversas e ações,
Jesus despertava no povo uma força adormecida que o próprio povo
não conhecia. Assim, Jairo (Mc 5,36), a mulher do fluxo de sangue
(Mc 5,34), o pai do menino epilético (Mc 9,23-24), o cego Bartimeu
(Mc 10,52), e tantas outras pessoas, pela fé em Jesus, fizeram nascer
vida nova em si mesmas e nos outros.
No Evangelho de Marcos, as surpresas de Deus são muitas, e
elas vêm de onde menos se espera:
¢ de um pagão que reconheceu a presença de Deus no crucifi-
cado (Mc 15,39);
¢ de uma pobre viúva que ofereceu do seu necessário para par-
tilhar com os outros (Mc 12,43-44);

52 PVN 290
¢ de um cego, cujos gritos incomodaram e que sequer tinha a
doutrina certa (Mc 10,46-52);
¢ dos pequenos que viviam marginalizados, mas creram em
Jesus (Mc 9,42);
¢ dos grupos que usavam o nome de Jesus para combater o
mal, mas não eram da “Igreja” (Mc 9,38-40);
¢ de uma senhora anônima, cuja atitude escandalizava os dis-
cípulos (Mc 14,3-9);
¢ de um pai de família, forçado a carregar a cruz atrás de Jesus
e se tornou discípulo modelo (Mc 15,21);
¢ de José de Arimateia, que arriscou tudo pedindo o corpo de
Jesus para poder enterrá-lo (Mc 15,43);
¢ das mulheres que, naquela época, não eram reconhecidas
como testemunhas oficiais, mas que foram escolhidas por
Jesus para serem testemunhas qualificadas da sua ressurrei-
ção (Mc 15,40.47; 16,6.9-10).
Os doze, isto é, a Igreja, deve ter uma consciência bem clara de
que ela não é proprietária de Jesus nem tem o controle dos critérios da
ação de Deus no meio de nós. Jesus não é nosso, nós somos de Jesus,
e Jesus é de Deus (1Cor 3,23).

Cresceu a vitória sobre a morte,


reapareceu a boa-nova

PVN 290 53
Celebração final
Coragem! Levanta-te! Jesus te chama!

Acolhida

1. Um canto inicial.
2. Criar um bom ambiente. Dar as boas-vindas. Colocar as pes-
soas à vontade.
3. Invocar a luz do Espírito Santo.

1 Lembrar o caminho percorrido

Caminhamos na estrada de Jesus, estamos chegando ao fim.


Olhamos no espelho do Evangelho de Marcos. Vimos o quadro que
ele pintou do amigo Jesus e que ofereceu aos companheiros e às com-
panheiras das comunidades daquele tempo e a todos nós.
¢ O que você aprendeu e guardou na memória depois desta
longa caminhada de sete etapas com Marcos na estrada de
Jesus, desde o lago da Galileia até o calvário em Jerusalém?

2 Recomeçar a caminhada, tendo Jesus como guia

O Evangelho de Marcos atinge o coração do nosso relaciona-


mento com Jesus. Ele nos pediu para jogar fora “o fermento dos hero-

54 PVN 290
dianos e dos fariseus”. Convidou para abrir mão das resistências e
dos interesses pessoais. Seduziu a gente para aceitar Jesus do jeito
que ele se apresenta. Descobrimos que Jesus é verdadeiramente o
Messias, o Filho de Deus, mas não do jeito que o povo o imaginava!
Jesus é tudo aquilo que os nomes indicam e que o coração humano
deseja. Sim! Mas o é de um jeito novo e melhor. De um jeito todo seu,
que só a fé nos faz experimentar e conhecer. Jesus, sua pessoa, não se
enquadra em nenhum esquema ou doutrina. Ele ultrapassa o estabe-
lecido. Somos convidados a crer nele, na sua palavra, a caminhar
sempre, a permanecer “em caminho”, junto com ele, atrás dele, guia-
do por ele, desde a Galileia até Jerusalém, desde a beleza do lago até a
dor do calvário.
O evangelho é o álbum de fotografias do povo de Deus. Con-
serva as fotografias de Jesus, do tempo em que ele viveu entre nós.
Mas não são fotografias de alguém do passado. Olhando para as foto-
grafias, o próprio Jesus está do nosso lado, olhando conosco para as
fotografias dele, ajudando-nos a entender o seu alcance para a nossa
vida. É o Espírito dele, presente na comunidade, que nos ajuda a pe-
netrar o sentido atual e sempre novo das palavras antigas do passado
(Jo 14,26; 16,13).
Jesus não é uma ideia, não é um fantasma (Mc 6,49), nem uma
saudosa memória. Ele ressuscitou! É presença viva, real, pessoal. Ele
está no meio de nós! E nos diz a toda hora: “Coragem! Sou eu! Não
tenham medo!” (Mc 6,50). A sua presença é tão real e tão à vontade
que ele tem a coragem de dormir no nosso barco, num travesseiro, no
meio das tempestades da vida (Mc 4,38). Este Jesus, sempre presen-
te, que dorme no barco, é base segura! Ele impede que as comunida-
des desandem e se percam na confusão das ideias. Ele mantém o bar-
co no rumo certo. Não é fácil crer nesta presença escondida! Não é
fácil crer nas comunidades tão frágeis, tanto aquelas da Itália ou da
Síria, como as nossas do Brasil. Não é fácil soltar as amarras, as segu-
ranças todas, assinar em branco e entregar-se. Jesus faz a nós a mes-

PVN 290 55
ma pergunta que fazia aos discípulos medrosos, durante a tempesta-
de: “Vocês ainda não têm fé?” (Mc 4,40).

3 Juntar os motivos de louvor

1. Colocar em forma de prece aquilo que refletimos sobre o


evangelho e sobre a nossa vida nesta longa caminhada de
sete etapas na estrada de Jesus.
2. Rezar um salmo. Sugestão: Salmo 103(102): Quero agrade-
cer ao Senhor.
3. Formular um compromisso e terminar tudo com um
Pai-Nosso e um canto final.

56 PVN 290
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e haverá criação Crítica à Baixa Ecologia
A preocupação com a ecologia, Fábio Py discute a tentativa de
com o meio ambiente, parece ser, equilibrar as relações
hoje, um fato indiscutível e que homem/natureza na área rural
deve sempre ser levado em conta. de Judá, pouco antes do reinado
A teologia, a hermenêutica bíblica de Josias (640-609 a.C.).
e a moral entraram com força Pergunta se o mandamento de
nesta reflexão que, cinquenta anos Deuteronômio 5,12-15 seria um
atrás, no Concílio Vaticano II, nem rascunho ecológico.
mesmo estava em pauta.

Justiça Socioambiental Juventude e


conceitos e reflexões Justiça Socioambiental
Conceitos de justiça socioambiental
e abordagem sobre os conceitos de Reflexão bíblica, diálogos
conservação e preservação. ecumênicos e roteiros para
Também, o desafio do acesso à encontros que reinventem e
justiça socioambiental, apontando transformem nossas intuições,
casos de injustiça e o caminho para nossa luta e espiritualidade.
a construção de um Estado
Socioambiental e Democrático de
Direito.

Justiça Socioambiental
Os pobres possuirão a terra conceitos e círculos bíblicos
Este livro é a palavra de uma A justiça, por si só, deve ser
centena de bispos e pastores tamém socioambiental. Ou seja,
sinodais de diferentes não há justiça se não houver
denominações cristãs que, juntos, uma vida com os direitos
se pronunciam a respeito dos sociais e ambientais
problemas que atingem os pobres plenamente atendidos.
do campo.

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