Você está na página 1de 15

1

A Chegada Imprevista do Apóstolo Paulo em Atenas: O evangelho


anunciado aos intelectuais idólatras 1

Introdução

A paixão de Paulo para com as almas perdidas foi um marco importante em


seu ministério nas regiões do Império Romano, inclusive na antiga Palestina
(Rm 15.19-20). Depois de visitar Filipos, Tessalônica e Bereia, de maneira
imprevista, Paulo agora pisa pela primeira vez, no solo de Atenas, segundo
Lopes, “a capital intelectual do mundo, a cidade de Péricles, Sócrates, Platão e
Aristóteles. O veterano apóstolo pisa na terra dos grandes corifeus da filosofia,
dos homens que encheram bibliotecas com sua erudição”. 2 A chegada do
apóstolo Paulo em Atenas não foi uma trajetória projetada em seu
planejamento missionário, como no caso da sua primeira visita à Roma no
início do ano 60 e meados do ano 62 d.C., apesar da referida viagem à Roma
não ter sido executada como ele planejava -- ir livremente, pois Paulo chegou
ao destino desejado como prisioneiro 3. Lucas não informa acerca do possível
desejo de Paulo de visitar a Atenas e nem mesmo nas fontes paulinas se
encontra o manifesto desta visita imprevista. Todavia, é possível perceber o
desejo missionário que ultrapassa o formalismo acadêmico na sociedade
estruturalista, a qual defende que sem planos traçados nada dá certo.

1 O presente artigo faz parte de uma pesquisa avançada ainda em andamento baseada
em Atos 17.13-34. Dedico esse ensaio a todos Pastores e Líderes da Igreja Evangélica da
Guiné-Bissau (IEGB), a qual eu faço parte, e também ao Clube dos Escritores Evangélicos
da Guiné-Bissau.
2 Lopes, Paulo: O maior líder do cristianismo, p. 67.
3 Ver em At 19.21; Rm 1.11-13; e 15.22-24. Este contexto marca a terceira viagem
missionária do apóstolo Paulo, que culminou com a sua quinta e última visita a Jerusalém, e
preso em Cesareia durante dois anos, apelou para ser julgado em Roma, porém foi enviado
como prisioneiro. Ao chegar a Roma, ficou em prisão domiciliar durante dois anos, após isto foi
liberto. Paulo voltou a ser preso de novo sob a ordem do então imperador Nero, onde foi
decapitado em 64 d. C. (At 20-28). Portanto, pelo contexto de Romanos 15.29, Paulo também
estava ciente de que em todo caso, a chegada dele em Roma, seria na plenitude da benção de
Deus: “E bem sei, que, quando vos for visitar, chegarei na plenitude da benção de Cristo”
(Almeida Século 21). Lucas em seu segundo livro, Atos dos Apóstolos, mostra-nos que, de fato,
Paulo chegou à cidade imperial no tempo fixado por Deus: na benção divina.
2

O planejamento é importante na obra de Deus, mas não é indispensável para a


proclamação do evangelho, porquanto quando Deus intervém nos planos do
seu servo, este é obrigado a mudar a sua agenda para seguir a agenda divina,
e foi exatamente o que aconteceu com Paulo nesse contexto. Ora, ao chegar
em Atenas, de forma empurrada, Paulo aproveitou aquela oportunidade para
anunciar o Deus vivo pela primeira vez aos atenienses, inclusive aos
estrangeiros residentes naquela cidade filosófica. No desenvolver deste breve
ensaio, serão abordados os seguintes tópicos: 1) O contexto da segunda
viagem missionária de Paulo; 2) uma viagem forçada que culminou com uma
chegada imprevista; 3) o perfil histórico da cidade de Atenas; e 4) Deus
comenda a jornada missionária.

1. O contexto da segunda viagem missionária de Paulo: O evangelho é


anunciado em meio às turbulências

A presença do apóstolo Paulo no território dos atenienses se enquadra


em sua segunda viagem missionária. A jornada foi iniciada com um grande
momento de desavença: separação dele com o seu companheiro de missão,
Barnabé. Após o primeiro Concílio da igreja primitiva, realizado em Jerusalém,
registrado em At 15 – produto do término da primeira viagem missionária que
se iniciou em Antioquia da Síria (At 13) - Lucas nos informa que, passando
alguns dias, depois da discussão e acertos acerca do que foi aprovado neste
Concílio, Paulo sugeriu a Barnabé que fossem visitar os irmãos em todas as
regiões que eles tinham anunciado o evangelho, com a finalidade de saber
sobre o andamento da obra e dar-lhes assistência doutrinária. Acontece que
Barnabé se dispõe a prosseguir, mas queria que o seu primo-sobrinho, João
Marcos (autor do Evangelho Marcos, convertido por Pedro, este se tornou
amanuense dele) fosse com eles, uma posição contestada por Paulo.
Na primeira viagem missionária, o ajudante João Marcos não completou
a jornada e teve que voltar para Jerusalém antes do fim da missão nessa
primeira jornada (At 13.13). Isso aconteceu quando eles foram até ao interior
3

da Antioquia da Pisídia, 4 em Perge na Panfilia (At 13.13). Paulo julgou ser


desnecessário levar o jovem Marcos de novo ao campo missionário, uma vez
que ele já havia desistido (At 15.36-40). Lopes salienta uns dos motivos que
levaram o jovem a desistir 5: “A primeira viagem missionária de Paulo foi
marcada por muitos incidentes e acidentes. Ele enfrentou oposição,
perseguições e até apedrejamento. A jornada foi tão dura que o jovem João
Marcos desistiu da viagem no meio de caminho”. E se pretendendo ingressar
novamente na segunda viagem, Paulo não o admitiu.
Ora, ainda no percurso dessa segunda viagem missionária, quando
Paulo já se encontrava em Roma e cumprindo a pena de sua primeira
condenação, sob regime da prisão domiciliar; ele recomenda aos colossenses
que recebessem de bom grade o jovem Marcos (Cl 4.10) e também quando
estava preso pela segunda vez em Roma, solitário e estando à beira de ser
martirizado pelo então impiedoso imperador romano, Nero, Paulo escreveu a
sua última carta a Timóteo: “Só Lucas está comigo. Toma a Marcos e traze-o
contigo, pois me é útil para o ministério” (2Tm 4.11) 6. Segundo Carson 7:
“Marcos, primo de Barnabé, a quem Paulo tinha negado a levar na segunda
viagem missionária (At 15.36-41), depois da deserção dele na primeira viagem
(At 13.13), está claramente de bem com Paulo novamente (cf. 2Tm 4.11)”.
Ao registrar o clima culminante entre Barnabé e Paulo, Lucas deixou
claro em Atos 15.39-49: “E a divergência entre eles foi tão grave que se
separaram um do outro. E Barnabé, levando Marcos consigo, navegou para
Chipre. Mas Paulo, tendo escolhido Silas, partiu, confiado pelos irmãos à graça
do Senhor. E passou pela Síria e Cilícia, fortalecendo as igrejas” (At 15.39-41,
AS21, 3ª ed.). Esta cena marcou um momento decisivo e conhecido como a
segunda viagem missionária do apóstolo Paulo. É provável que o apóstolo
assumisse a liderança da equipe 8 no preparo, antes de prosseguir sua viagem.

4 Antioquia da Psidia, Derbe, Listra e Icônio eram quatro cidades que compõem a
província da Galácia, nas quais Paulo fundou as igrejas em sua primeira viagem missionária, At
13 -14. Tendo escrito a carta e endereçada aos Gálatas, que corresponde a estas quatro
cidades.
5 Lopes, Paulo: O maior líder do cristianismo, p.43.
6 Todas as citações bíblicas nesse breve ensaio serão baseadas na versão da Bíblia
Sagrada, Almeida Século 21. 3ª.ed. São Paulo: Vida Nova, 2013.
7 Carson (Ed.), Comentário Bíblico Vida Nova, p. 1918.
8 “A iniciativa da segunda viagem missionária é de Paulo”. Lopes, Paulo: O maior líder
do cristianismo, p. 58.
4

No entanto, ao chegar a Derbe e Listra, Paulo encontra ali um discípulo, o


jovem Timóteo - natural de Listra, substituindo assim, Marcos. Lopes sugere
que os familiares de Timóteo – a mãe Eunice e a avó Lóide – se converteram a
Cristo na primeira viagem missionária de Paulo. Num breve tempo no itinerário
missionário, este novo integrante de equipe missionária se tornou o principal
cooperador de Paulo na obra de Deus, onde foi apelidado por apóstolo de “meu
filho na fé”, único que foi endereçado as duas cartas pastorais: 1 e 2 Timóteo.
Quando Paulo terminou de visitar as igrejas que foram fundadas na
primeira viagem missionária, provavelmente no sul da província romana da
Galácia, cuja única Carta escrita, aos Gálatas – destinada para as quatro
igrejas que se situaram no sul desta província: Derbe, Listra, Icônio e Antioquia
da Psidia. Paulo e sua equipe (sem Barnabé e Marcos) atravessaram a região
frígio-gálata, mas foram impedidos pelo Espírito Santo de anunciar as boas
novas na Ásia Menor (província romana da Ásia – na atual Turquia). Eles
tentaram ir para Bitínia, mas foram impedidos de novo pelo Espírito de Jesus,
resolvendo assim partir para Trôade – zona portuária do sul da antiga Grécia,
onde Paulo teve uma visão de um varão da Macedônia suplicando que ele
fosse lá para ajudá-los (At 16.6-9). Após dessa visão, eles foram de imediato,
conscientes de que Deus os havia chamado para anunciar o evangelho nesta
província romana (At 16.10). 9
Filipos foi a primeira cidade do velho continente europeu conquistada
pelo poder do evangelho. A empresária Lídia foi a primeira pessoa convertida
nessa missão pioneira no Ocidente. Quando uma jovem escrava foi liberta pelo
poder do evangelho, Paulo e Silas foram espancados e presos. Libertos desta
prisão por intervenção soberana de Deus, o carcereiro ficou furioso com a cena
ao ponto de querer suicidar-se, devido a severa pena que seria aplicada pela
jurisdição romana ali, mas, ainda assim, Paulo e Silas lhe anunciaram o
evangelho, levando o carcereiro e toda sua casa à conversão (At 16.16-34).

9 Pela primeira vez no livro de Atos dos Apóstolos, Lucas emprega o primeiro pronome
plural “nós” e, a partir de então, sempre o utiliza, quando é necessário para se incluir como o
integrante da equipe missionária. É importante ressaltar que Lucas não fazia parte dos
integrantes da equipe da primeira viagem missionária de Paulo, esta foi composta pelos
seguintes: Barnabé, Paulo e João Marco - o mesmo autor do Evangelho Marcos. Já na
segunda viagem, com novos integrantes da equipe: Lucas, Timóteo, Silas (ou Silvano é a
mesma pessoa) e o casal Áquila e Priscila, mais tarde o deixou em Éfeso (At 18.1-19).
5

Após o ocorrido, Paulo e Silas partiram para Tessalônica, a capital da


província da Macedônia. Nesta cidade metrópole, Paulo pregou o evangelho
nas sinagogas e alguns judeus se converteram, bem como boa parte dos
gregos tementes a Deus (At 17.1-4). Porém, os judeus que não se convertiam
em Tessalônica ficaram com inveja ao verem muitas pessoas sendo
convertidas ao evangelho inclusive as que faziam parte do judaísmo. Paulo e
Silas foram enviados de Tessalônica para Bereia, porque os judeus de
Tessalôonica tentavam pressioná-los.
É curioso saber que quando Paulo chegou à cidade de Beréia, de novo,
anunciou o evangelho aos bereanos. Segundo Lucas, estes tinham a mente
mais aberta e conferiram em sua Bíblia grega-LXX (a tradução do hebraico
para o grego) o que estava sendo exposto por Paulo acerca da pessoa do
Messias no Antigo Testamento. Entretanto, havia um número considerável dos
bereanos que se convertiam através da pregação de Paulo. Veja: “Os de
Bereia tinha mente mais clara que os de Tessalônica, pois se mostraram muito
interessados ao receberam a palavra, examinando diariamente as Escrituras
para ver se as coisas eram de fato assim. Desse modo, muitos deles creram,
bem como bom número de mulheres gregas de alta posição e vários homens”
(At 17.11-12).
Para Darby: 10 “Aqui [em Beréia] os judeus são mais nobres: Examinam
as Escrituras para verem se era mesmo assim o que se lhes anunciava. Foi por
isso que ali um tão grande número creu na mensagem e em Jesus”.
Quando Paulo deixou a cidade de Tessalônica, devido às intensas
perseguições provocadas por judeus da cidade, ele foi para Bereia junto com
seus companheiros de equipe. Mesmo sendo bem recebido nessa cidade,
onde podia expor livremente o evangelho na sinagoga bereana, pesou, porém,
muito sobre ele a preocupação dos novos convertidos em Tessalônica, por
motivos das perseguições dos judeus tessalonicenses contra os seguidores de
Cristo.
A preocupação de Paulo é notável, pois os judeus de Tessalônica,
quando souberam que Paulo estava pregando o evangelho em Bereia, 11 foram

10 Darby, Estudos sobre a Palavra de Deus: Actos dos Apóstolos, Epistola aos Romanos e 1ª
epístola aos Coríntios, p.65.
6

até lá incitar as multidões contra ele: “Mas, logo que os judeus de Tessalônica
souberam que Paulo anunciava a palavra de Deus também em Bereia, foram
para incitar e acirrar as multidões” (At 17.13).
Nesse contexto, imediatamente, os irmãos enviaram Paulo pela região
litorânea, enquanto Silas e Timóteo ficaram ali. Nesta última cidade, antes de
Paulo chegar em Atenas, o alvo da perseguição não era mais a todos os
integrantes da equipe – Paulo, Timóteo, Silas e Lucas –, mas apenas ao líder,
Paulo. Pode-se notar uma intensificação da perseguição contra ele, por parte
dos seus conterrâneos, particularmente os de fala grega, os judeus helenistas.
Já que Paulo, considerado o fundador do cristianismo – segundo o grande
historiador das religiões, Mircia Eliade (natural de Bucareste, na Roménia, no dia
13 de Março de 1907); o apóstolo era quem dirigia esta equipe, os judeus queriam
eliminá-lo. A natureza desta tendência com mais foco contra ele está explícita
quando Lucas disse: “Imediatamente os irmãos enviaram Paulo para a região
litorânea; mas Silas e Timóteo ficaram ali [Bereia]” (At 17.14). Ou seja, os
novos convertidos a Cristo, através do ministério de Paulo, rapidamente eles se
amadureceram na fé cristã; pois Deus os usou para que a vida de Paulo fosse
poupada nas mãos dos judeus incrédulos em Bereia: “Os irmãos enviaram
Paulo para a região litorânea”.
Pelo fato de Silas e Timóteo não terem sido enviados juntos com seu
líder, Paulo, certamente eles ficaram isentos da perseguição na cidade de
Bereia. Darby sustenta que quando os judeus de Tessalônica invejosos com o
progresso do evangelho dirigiam até Bereia, 12 “e os irmãos apressam-se a fazer
sair Paulo da cidade, onde, no entanto, Silas e Timóteo continuam, 13 visto ser
Paulo o principal objeto da perseguição dos judeus”.

2. Uma viagem forçada que culminou com uma chegada imprevista

11 A igreja de Bereia não foi a única em que Paulo não destinou a carta. Na cidade de
Atenas, acredita-se que, havia uma igreja ali, mesmo sem ter sido endereçada a carta. Paulo
também fundou a igreja em Laodiceia e chegou a escrever a carta aos laodicenses (Cl 4.16),
porém essa carta se perdeu, e outras igrejas fundadas por ele sem terem enviadas às
mesmas.
12

Darby, Estudos sobre a Palavra de Deus: Actos dos Apóstolos, Epístola aos Romanos e 1ª
epístola aos Coríntios, p. 65.
13 Mais tarde, o seu filho na fé, Timóteo, foi junto a Paulo em Atenas. Dali, Paulo enviou-o
para Tessalônica (1Ts 3.1-2).
7

De Bereia a Atenas, foi essa geográfica terrestre, porém vestida da disposição


ao serviço do Reino celestial exibida por Lucas num cenário crítico para a
segurança física do apóstolo Paulo. Uma partida forçada pelas circunstancias
alheias do plano estratégico da equipe missionária, contudo, a interferência dos
judeus incrédulos, a fim de impedir o avenço do evangelho em seus territórios
de crenças fincadas no Judaísmo não surgiu nenhum efeito favorável a eles.
Pelo contrário, houve sim, o grande avanço da obra divina: Os novos campos
missionários foram estendidos e muitos pecadores foram salvos. Seria natural
que imaginasse que Paulo teria viajado sozinho à Atenas. Ora, Lucas nos
informa que Paulo de fato partiu sem seus integrantes da segunda viagem
missionária, mas em Bereia, Deus salvou muitos bereanos, entre os quais o
acompanharam. Sendo assim, o apostolo não viajou sozinho e nem foi
desamparado pelos companheiros da viagem, e teve tanto amparo humano
quanto o de Deus, aliás, este último que lhe importa mais: “E os que
acompanhavam Paulo, levaram-no até Atenas. De lá, partiram com instruções
para que Silas e Timóteo fossem encontrar-se com ele o mais depressa
possível” (At 17.15). Kistemaker14, sustenta que essa viagem, pôde ter sido
realizada a pé e não de navio, segundo se apoio no manuscrito de Codex de
Bezae (Novo Testamento Grego):

Os amigos de Paulo o acompanharam em todo o percurso até Atenas. Os


estudiosos afirmam que eles viajaram de barco, apesar de o texto acidental 15
comentar que Paulo “passou pela Tessália (região ocidental da Grécia) pois foi
impedido de proclamar a palavra a eles”. Esse comentário parecer indicar que
o apóstolo e seus amigos viajaram a pé ao longo da estrada costeira até
Atenas. E ainda, Lucas parecer fugir de seu costume de citar a cidade portuária
da qual Paulo navega. Em face dessa omissão, é crível a interpretação de que
o apóstolo Paulo tenha ido a pé até Atenas.

Independentemente de ter certeza ou não sobre o percurso da viagem


de Paulo, se viajou a pé ou de navio até Atenas, não tem nenhuma
importância, obviamente, ele chegou na cidade, e em meio das batalhas
contra o progresso do Reino celestial, Deus faz presente nessas batalhas e o

14 Kistemaker, Comentário do Novo Testamento Volume 2, p. 172-173.


15 O Texto ocidental, Codex Bezae.
8

evangelho foi pregado: Ninguém pode impedir o agir de Deus; como já dizia o
pastor batista, Rosivaldo Araújo: “Ninguém detém, é obra santa”.
Segundo Pollock, Paulo ainda em Bereia já ansiava voltar a Tessalônica
no intenso clima da turba para poder visitar aos recém-convertidos, a fim de
lhes dar ânimo e fortalecimento. Mas foi impedido duas vezes por Satanás. Diz
Pollock 16:

Paulo, que ansiava voltar a Tessalônica, esperava no pequeno porto abaixo de


Olímpio enquanto um mensageiro [companheiro de equipe] foi à cidade
[Tessalônica] para ver se sua chegada seria segura. O mensageiro voltou com
más notícias. Como Paulo escreveu algumas semanas mais tarde.

O próprio Paulo informou isso aos tessalonicenses: “Por isso queríamos


visitar-vos. Eu, Paulo, quis visitar-vos não somente uma vez, mas duas;
contudo, Satanás nos impediu” (1Ts 2.18). Tratando desta questão, O´Connor
apresenta a sua versão oposta à de Pollock em relação ao lugar onde Paulo se
encontrava e desejava visitar os novos convertidos tessalonicenses, mas foi
impedido duas vezes por Satanás. Segundo Murphy-O´Connor (2013, p. 97-
98):

Chegando a Atenas, a preocupação de Paulo era com os que haviam ficado


em Tessalônica. Não tinha motivos para pensar que seus convertidos
escapassem à perseguição de que ele conseguira fugir [...] Nada surpreende
se desesperasse na ânsia de saber o que teria acontecido. Mais uma vez
tentara voltar a Tessalônica, mas fora impossível. 17

Ora, independentemente da discussão acerca do local certo (Bereia ou


Atenas) onde Paulo se encontrava, ele expressou sua preocupação com
relação aos novos convertidos da cidade de Tessalônica por meio de seu
ministério. A verdade é que mesmo em meio às turbulências intensificadas
contra ele por causa do evangelho, Paulo decide voltar a Tessalônica para
poder dar ânimo a esses novos irmãos e fortalecê-los na fé -- um risco de vida
para ele, mas ele estava pronto a morrer. Uma disposição também notória em
Atenas.

16 Pollock, O Apóstolo, p. 144.


17 Murphy-O´Connor, Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 97-98.
9

O´Connor acredita que o apóstolo Paulo poderia ter reconhecido o


engano de ter ido a Atenas. Visto que essa cidade já era velha e enferma,
cercada pela glória do seu passado, a qual atraía mais seus admiradores do
que seu próprio presente momento. Vejamos:

Em pouco tempo Paulo deve ter reconhecido o engano de ter ido para Atenas.
Essa era uma cidade velha e doentia vivendo das memórias de seu glorioso
passado. Por muitos séculos deixara de ser produtiva e criativa. Dela não tinha
emergido grandes mentes, e as que tinham vindo de fora para lhe dar uma
aparência de vida cultural eram medíocres. (Murphy-O´Connor. 18

Essa suposição de Murphy-O´Connor não tem espaço na essência


missionária de Paulo, uma vez que as viagens missionárias dele não foram
definidas baseando-se somente na importância intelectual, cultural e na
produtividade do então contexto de cada cidade. De fato, na época de Paulo,
Atenas perdia sua glória, mas, mesmo assim, ainda era uma cidade de grande
mente filosófica. Aliás, historicamente, Atenas era famosa pela mente brilhante
e dos grandes pensadores, por outro lado, pobre nos aspectos econômicos,
comerciais e industriais em comparação à sua vizinha, a cidade de Corinto,
esta muito próspera, como bem descreve Murphy-O´Connor:

Em Atenas, Paulo não deixaria de ouvir falar de Corinto, do outro lado do Golfo
Sarônico. Bastava lembrar a infinitamente próspera cidade vizinha para deixar
os atenienses loucos de inveja. No século IV a.C., os escritores atenienses
expressaram sua raiva inventando palavras derivadas de “Corinto” para dizer
diferentes aspectos do amor comercializado por exemplo: korintiázesthai,
“fornicar”, korintiástes, um “proxeneta”, korínthiakóre, “prostituta”, e daí para
baixo. No tempo de Paulo havia quem dissesse que em Atenas a lua era mais
bonita que em Corinto. 19

Os atenienses julgavam-se ser mais justos e morais em relação aos


seus vizinhos, os coríntios. Uma jactância longe de ser aceita pelo nosso olhar,
referindo-me à visão cristã. Qualquer povo sem Deus vive em imoralidade,
cujas práticas de vida são chocantes aos olhos de Deus. Tanto os atenienses
quanto os coríntios, todos são imorais e idólatras e nenhum deles possuiu o
grau de superioridade, no que diz a respeito à essência do ser humano, tendo
sua vida fora do caminho de Deus. Todavia, a cidade de Corinto era muito rica;

18 Murphy-O´Connor, Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 98.


19 Murphy-O´Connor, Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 99.
10

em compensação, a cidade de Atenas superava sua vizinha na esfera


acadêmica e artística

3. O perfil histórico de Atenas: Uma cidade vestida pela beleza artística e


intelectual

A Grécia tornou-se o berço da sabedoria da humanidade através de


seus ilustres filósofos. Atenas foi a responsável pela civilização helênica,
cultura que durou séculos e atravessou continentes. Ela estava entre as três
cidades mais importantes do mundo greco-romano, ao lado de Alexandria e
Tarso.
Atenas, o berço da democracia, orgulhava-se por ter ocupado o primeiro
lugar entre as cidades-estados no início do século V a.C., por causa do papel
de liderança que obteve na resistência pelas invasões persas. Na metade do
século seguinte, Atenas controlava um império marítimo poderoso e rico. Seu
domínio imperial terminou muito rápido, sendo derrotada por Esparta e seus
aliados na guerra do Peloponeso (431-404 a.C.). Atenas não demorou muito
para recuperar boa parte do seu domínio anterior.
No século IV a.C., de novo, Atenas lidera uma resistência contra a
invasão da Macedônia, e mesmo depois da vitória de Felipe em Queroneia
(338 a.C.), a cidade foi tratada com generosidade por ele de forma exclusiva e
continua gozando de sua liberdade total e, inclusive, de seus setores
administrativos. Koester descreve como a autonomia grega era notória:

As populações gregas das cidades e das colônias militares recém-fundadas


viviam de modo mais ou menos separado das populações nativas. As cidades
gregas gozavam de certa autonomia em sua administração: dispunham de
seus próprios ginásios, aos quais somente gregos eram admitidos. Seus
próprios templos, em que principalmente divindades gregas eram cultuadas, e
sua própria vida social, caraterizada pelo sistema grego de associações. 20

20 Koester, Introdução ao Novo Testamento, p. 45.


11

A liberdade é mantida, quando os romanos dominaram a Grécia em 146


a.C. Atenas vivia como um estado livre, aliado dentro do império. Bruce 21
descreve: “As esculturas, a literatura e a oratória de Atenas nos séculos quinto
e quarto a.C. nunca foram eliminadas; na filosofia, ela também ocupou o lugar
de liderança”. Pode-se contemplar a forma como Atenas era poetizada com
toda sua glória. Jonh Milton citado por Bruce 22:

Atenas, olhos da Grécia, Mãe das Artes


E da eloquência, lar de famosa sabedoria
Ou hospedeira, em suas casas tranquilas,
Na cidade ou arredores, com suas alamedas sombreadas;
Veja ali o Bosque de Oliveira da Academia,
Lugar de repouso de Platão, onde o Pássaro Ático
Canta suas notas melodiosas por todo o verão,
Onde o monte florido Hermeto, com o som
Do murmúrio empreendedor das abelhas, convida
A tempos de reflexão; ali liso desliza
Sua correnteza que sustenta; atrás da parede veja
As escolas dos Sábios antigos; estes que criaram
O Grande Alexandre para conquistar o mundo,
O Liceu ali, a Porta acolá; [...]
Á Filosofia dos sábios abra seus ouvidos,
Descida do céu sobre a casa de telhado plano
De Sócrates, veja ali sua Habitação,
A quem inspirou o Oráculo dito
Pelos mais sábios dos homens; de cuja boca fluíam
Correntes suaves que regaram todas as escolas
De Acadêmicos velhos e novos, com esses
Que se chamavam Peripatéticos, e a seita
Dos Epicureus, e os Estóicos rigorosos.

Segundo Kistemaker, 23 “não sendo mais uma cidade próspera, Atenas


havia perdido a influência política e comercial no mundo desse tempo. Os
romanos haviam conquistado a cidade em 146 a.C., mas se abstiveram
sabiamente, de interferir em seu governo local”. Atenas gozava, de certa forma,
a independência. Repousa em sua boa reputação como centro das artes,
literatura, filosofia, conhecimento e habilidade oratória. Tudo isso conquistado
no período auge da Grécia, dos séculos V e IV antes da era cristã.
A tradição ateniense era muito radical em conservar o seu berço
intelectual, por isso novas ideias lançadas por estrangeiros eram vistas com

21 Bruce, Paulo, o apóstolo da graça: a sua vida, cartas e teologia, p. 229.


22 Bruce, Paulo, o apóstolo da graça: a sua vida, cartas e teologia, p. 229.
23 Kistemaker, Comentário do Novo Testamento Atos, Vol. 2, p. 174.
12

grandes reservas. Na verdade, o pensamento de comparar e de igualar o texto


sagrado com qualquer outro texto não bíblico, já era vigente antes da explosão
da teologia liberal no século XIX. Boa parte dos atenienses via o evangelho
anunciado por Paulo como uma nova ideia que estava sendo disseminada e
deveria ser posta à prova pelos sábios da cidade como quaisquer novas ideias
a serem difundidas ou as que já passaram ali. Atenas:

Era uma cidade universitária toda ocupada em conservar sua herança


intelectual; por isso via novas ideias com extrema reserva. As ideias propostas
por estrangeiros deparavam ali com uma muralha de impregnada
autossuficiência. A tradição dos saberes, em rígida hierarquia nesse relicário,
era sua principal defesa contra a ameaça das novidades. 24

Paulo certamente soubera do perfil histórico da Atenas, mas não foi essa
razão que o levou a visitar a cidade, chegou ali de forma forçada e decidiu pôr
em pratica sua maior tarefa já vista: proclamar o evangelho.
O apóstolo Paulo se dirigia a Atenas; e lá, dissertando na sinagoga, ficou
muito impressionado à vista da idolatria geral dessa cidade indolente “[...] a
disputa todos os dias na praça pública com os filósofos. Após essas
acaloradas, Paulo anuncia o verdadeiro Deus perante os principais daquela
capital intelectual do mundo de então, mandando dizer a Timóteo e Silas que
fossem ter com ele”, disse Darby 25 (1978, 65).

4. Deus comanda a trajetória missionária: Atenas não estava na agenda


missionária de Paulo

A decisão de Paulo de ir a Atenas não está condicionada à importância


ou não desta cidade. Pois, Paulo chegou a Atenas numa circunstância
desumana, mas, diante de Deus, foi um destino apropriado para que o
evangelho pudesse ser anunciado pela primeira vez a um povo tão idólatra,
arrogante e soberbo em seus conhecimentos filosóficos. O povo ateniense
precisava de fato de uma transformação urgente: o anúncio de uma novidade
viva que confrontaria o seu suposto alto nível de conhecimento, como seus

24 Murphy-O´Connor, Paulo de Tarso: História de um Apóstolo, p. 98.


25 Darby, Estudos sobre a Palavra de Deus: Actos dos Apóstolos, Epístola aos Romanos e 1ª
epístola aos Coríntios, p. 65.
13

grandes pensadores já teriam zombado dos moradores de Corinto, até o ponto


de lhes considerar imorais, prostitutos e infiéis aos seus cônjuges.
É importante notar que a chegada surpreendente de Paulo em Atenas,
não pôde ser vista como um incidente na sua jornada missionária. Até poderia
ser na visão humana, mas se fizermos uma breve retrospectiva sobre a gênese
desta segunda viagem missionária, marcada com o rompimento dele com
Barnabé em (At 15.36-41), entenderemos que Paulo sempre esteve sob as
asas divinas. Sem ser determinista, pode sustentar que tudo o que acontece na
trajetória do servo de Deus não é por acaso. Porém, há um governo de Deus
26
sobre cada um de nós e sobre todos nós juntos, como já dizia, Karl Barth
“Deus não nos abandona a nenhum de nós e tampouco a nós todos juntos! -
Há um governo!”.
Portanto, devemo-nos conscientizar que às vezes há muitas coisas que
acontecem na vida do servo de Deus que nem ele mesmo sabe explicar. Visto
que as lições da vida não nascem apenas nos momentos bons aos olhos
humanos, elas também nascem nos momentos difíceis e às vezes fora do
controle humano.
O que seria desgraça se torna vitória na visão celestial. Pois Deus
sempre era, foi, está e estará ao lado do seu povo e o assistindo. Diante de
Deus, nada acontece por acaso, mas tudo tem o seu propósito, como diz o
autor de Eclesiastes: “Tudo tem uma ocasião certa e há um tempo certo para
todo propósito debaixo do céu” (Ec 3.1).
Por isso, devemos entender a estada de Paulo em Atenas como uma
orientação divina para execução da obra missionária. Porque a cidade era de
fato, o maior centro da idolatria da época. Como já é do nosso conhecimento,
no plano pessoal de Paulo ou de sua equipe missionária, a cidade de Atenas
estava fora de sua agenda missionária. Uma lição a ser seguida para quem
almeja ser o puro pregador do evangelho da graça. Deus é quem comanda ou
dá ordem (fiat, em hebraico) sobre a trajetória total do seu enviado. Pois o
sucesso do missionário, do pregador, ou qualquer serviço prestado ao Reino de
Deus não deve ser medido pelos resultados estatísticos dos convertidos e das

26 As últimas palavras do teólogo do Século XX, antes da sua partida aos Céus, Karl
Barth. Ele faleceu em 10 de dezembro de 1986, aos 82 anos, em Basiléia.
14

igrejas implantadas, mas sim, ser guiado por Deus e fazer exclusivamente o
que ele ordena.

Palavras Finais

A fama da cidade de Atenas, capital da antiga Grécia, perdurou de


tempos remotos, desde o século V, antes da era cristã. Ninguém iria duvidar ou
negar que Paulo não soubesse do perfil histórico e acadêmico desta cidade. É
claro que sim, ele sabia. Dessa forma, podemos tirar lições marcantes em
nossa vida cristã, e neste contexto especifico, quando se trata do Reino de
Deus a ser anunciado às nações: Nossa visita turística deve ser acompanhada
com visão celestial, saber que Deus é quem nos guia e nos cobre com suas
asas santas, ter a consciência de que “Deus faz com que todas as coisa
concorram para o bem daqueles que o amam” (Rm 8.28).
Paulo antes da sua conversão, certamente nunca tinha visitado a
Atenas, mesmo durante suas grandes jornadas missionárias registradas por
Lucas, e no seu plano estratégico e missiológico , o maior solo filosófico da
antiguidade não estava na sua agenda. Porém, como já lemos que o contexto
que culminou com a visita inesperada dele em Atenas, as circunstâncias
humilhantes humanamente falando, perseguições, opositores e rejeições foram
transformadas por Deus como uma seara fértil para semear a semente que
produz a vida eterna em Atenas: “alguns homens creram em Cristo” (At 17.34).
Paulo foi empurrado em meio às perseguições para que o evangelho
fosse pregado pela primeira vez em Atenas. Segundo Boor 27 agora Paulo se
encontra em Atenas: “não foi seu plano pessoal que o conduziu até o centro
daquele tempo. Foi o plano de Deus. Havia sido empurrado adiante, de cidade
em cidade, de fato ‘empurrado’ pelas reiteradas oposições e perseguições que
não lhe permitiam permanecer em nenhum lugar”.
Apóstolo Paulo era um missionário estratégico, um pastor sério, um
resgatador de almas e um líder decisivo. Ao chegar ali, ele se sentiu indignado

27 Boor, Atos dos Apóstolos, p.249.


15

pela idolatria ateniense, e sem demora ele ataca esta má prática através da
pregação do evangelho, “Por essa razão, discutia na sinagoga com os judeus e
os gregos tementes a Deus, e todos os dias na praça com os que ali se
achavam”. (At 17. 117). A beleza da cidade ateniense vestida pelo brilho do seu
ambiente intelectual e filosófico e do seu passado artístico e político, não
contentou o apóstolo Paulo, visto que os moradores de Atenas eram ricos em
intelectualidade, mas carente da graça e cega perante o verdadeiro Deus, o
criador do cosmos – universo: Paulo os anunciou as boas novas da salvação.

Você também pode gostar