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Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE

Departamento de Teologia
Escritos Paulinos
Professor: Luís Henrique Eloy e silva
Outubro 3 de 2016
Recensão Crítica.
Exposição do Capítulo 14
Damião Nascimento – Renato Ribeiro -Angel Mauricio Mosquera, SJ
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Os últimos anos na vida de Paulo

Neste ultimo capitulo da biografia crítica, Murphy-O’connor nos mostra a grande preocupação que
experimentou Paulo nos últimos anos de sua vida. Aquela tinha a ver com uns eventos trágicos que ele
vai sofrer como consequência da missão de apóstolo de Cristo. Paulo tinha como seu grande projeto ir
à Espanha e para isso precisava o apoio das comunidades cristãs de Roma. Assim que lhe era
necessário ir a Jerusalém e restaurar as relações com a Igreja mãe, melhorando sua imagem frente as
diversas igrejas romanas e ganhando o apoio unanime delas para este novo projeto. Por conseguinte,
Paulo pede na carta que a comunidade reze por três coisas que lhe preocupavam: (1) Ser perseguido
pelos judeus, (2) que a coleta para o templo seja acolhida, (3) e voltar vivo a Roma.

Rezem para que eu escape dos infiéis que estão na Judéia

O primeiro cenário era normal na vida de Paulo. Ele sempre teve que enfrentar nas comunidades
cristãs movimentos judaizantes. Assim, era normal que em Jerusalém encontrar-se com os incrédulos
da palestina que não aceitavam o Cristo (Rm11,25). Mas, Murphy-O’connor sublinha que nas duas
visitas anteriores Paulo não experimentou aquela preocupação, por exemplo, quando na primeira
visita ele conheceu a Pedro e Tiago (Gl,1,18), nem quando voltou com Bernabé e Tito 14 anos depois
(Gl 2, 1-10). Assim se poderia dizer que, devido as continuas visitas (Gl 2,3.4.12) e as divergências com
a Igreja mãe, juntando seu afastamento da Igreja de Antioquia, Paulo não estava tranquilo com sua
visita a Jerusalém. Mas Paulo foi a Jerusalém, participando da delegação que faria entrega do dinheiro
da coleta das Igrejas. Com este gesto Paulo tentava mostrar que tinha uma profunda preocupação pela
unidade das Igrejas e achava que por meio deste gesto de caridade se criaria uma ponte de união entre
elas.

Para que o meu serviço a favor de Jerusalém seja bem-aceito por aquela comunidade

O segundo cenário tem a ver com a coleta para os Santos de Jerusalém. Nos Atos dos Apóstolos, Lucas
faz um longo relato da viagem de Paulo desde Macedônia a Jerusalém com a coleta para a Igreja mãe
(At 20, 3 ao 21,17). Com exceção do discurso em Mileto (At 20,18), a narrativa corresponde à prática
da navegação costeira da época. Partindo de Neápolis, descendo para o sul, ao longo da costa da Ásia
menor, ate chegar ao porto de Cesárea e, de aí, subir a Jerusalém. Porém, Murphy-O’connor traz dois
questões para problematizar a originalidade deste Diário de viagem a Jerusalém, que aconteceu depois
de enviar a carta a Roma. A primeira questão é que nada na reconstrução no diário de viagem sugere

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que Paulo e seus companheiro levem consigo a coleta (At 20, 3 ao 21,17). A segunda, é que o ponto de
partida desta terceira viagem de Paulo é a costa oriental de Corinto, Cercréia (18,18), ponto mais
distante de Filipos, o qual seria mais trabalhoso e perigoso para a segurança do dinheiro que levavam.
Por conseguinte, é possível que Lucas utilizara outra viagem como marco narrativo desta ultima visita
de Paulo a Jerusalém? Para Murphy-O’connor a narração de Lucas é fiel aos acontecimentos do Diário
de viagem da coleta que aconteceu depois de enviar a Carta aos Romanos. O fato do discurso que
Paulo faz aos anciãos em Mileto(At 20,18) relembra sua primeira visita em Éfeso, datando esta ultima
viagem a Jerusalém entre os anos 54 -56 d.C. Outros fato é que assim como pede na carta aos
Romanos 15, 31, que rezarem por as possíveis tribulações que lhe esperam em Jerusalém, em Atos
20,22, se confirma que Paulo acreditava que o espírito lhe levava a confrontar aquele destino incerto
em Jerusalém.
Neste cenário da coleta levanta-se outra pergunta sobre qual foi o motivo de Paulo para ir a
Macedônia. Segundo Rom 15,26 (2Cor 9,4) a coleta já estava pronta para ser levada, pois nas
comunidades judaicas da diáspora já existia a pratica de recolher dinheiro para o templo e formas de
transportá-lo, preferindo a viagem pelo mar porque era mais seguro de transportar que por terra. Mas
Paulo foi para Macedônia pela via terrestre. Pode ser que o que levou a Paulo pegar este caminho seja
que possivelmente pressentia que não voltaria de Jerusalém e queria despedir-se das comunidades
que fundou nessa região. Paulo ficou em Trôade uma semana (2Co 2, 12-13), pois não tinha dedicado
muito tempo a essa comunidade, e depois se encontraria com o grupo em Assos. Pelo contrario, ele
não vai a Éfeso e prefere encontrar-se com os anciãos da Igreja em Mileto. Realmente, Paulo tem
pressa de chegar a Jerusalém? Pela distancia de Mileto a Éfeso, 80 km aproximadamente, seria mais
rápido que Paulo fosse em pessoa a Éfeso. Daí que os exegetas prefiram ver esse discurso como um
inserido de Lucas que mais que um adeus aos anciãos é uma preparação sobre a responsabilidade que
tem sobre a Igreja no futuro (At 20,8).

Poderei visitá-los com alegria e descansar um pouco aí entre vocês

Como um possível terceiro cenário é o retorno de Paulo a Roma. O Diário de Viagem culmina com a
chegada de Paulo a Jerusalém (21, 17), reiniciando outro novo depois que tem como tema a viagem a
Roma como prisioneiro.

A recepção de Paulo em Jerusalém

O Diário de Viagem continua com sua partida para Roma (At 27,1), de modo que, o que se tem
da recepção de Paulo em Jerusalém, encontra-se nas narrativas de Lucas, que provavelmente, possuía
poucas informações dos fatos ocorridos na última visita a Jerusalém.
É provável que essa estrutura básica não abrangesse mais do que a intervenção que salvou
Paulo de uma multidão de judeus, o fato de Cláudio Lísias, tribuno de Jerusalém, que transferiu a
responsabilidade a Félix, seu superior em Cesaréia, que não decidira o caso quando foi substituído por
Festo e Por fim, Paulo que reclama seu direito como cidadão romano, de ser julgado pelo imperador e
foi levado a Roma.
Com muita habilidade literária, Lucas deu vida a esse esboço, mas sua preocupação não era
documentar os detalhes do que realmente aconteceu, mas aperfeiçoar e manipular os acontecimentos
a fim de transmitir suas convicções a respeito do papel de Paulo no plano da salvação.

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Em relação a coleta, o único versículo que pode ser interpretado em sua alusão está em Atos
24,17, contudo, nenhum dos leitores de Lucas o teria entendido nesse sentido, pois era costume os
peregrinos devotos trazerem esmolas para distribuir na Cidade Santa e também dinheiro para pagar os
sacrifícios. Este único versículo dá margem ao fato de que Lucas não sabia da coleta, de modo que, é
mais proveitoso perguntar o que sabiam Tiago e os outros da Igreja de Jerusalém.
Com respeito a aceitação da coleta em Jerusalém, deve ter havido os que não aceitaram, pois
acusavam Paulo de antinomia (At 21,21), assim como os que defendiam em aceitar o dinheiro, pois
este podia ser usado com bons propósitos. Diante dessa discussão, a decisão final cabia a Tiago, que
apesar de favorável para aceitar a coleta, sua preocupação fundamental, era de convencer a si e aos
seus fiéis mais próximos, de que Paulo continuava a ser um judeu praticante e, para isso Paulo teria
que realizar um gesto público de purificação que demostrasse suas características judaicas.

Prisioneiro romano

Como prisioneiro romano, Paulo faz uma série de discursos, primeiramente em Jerusalém
dirigindo-se ao povo e ao Sinédrio (At 22,1-21; 23,1-10), e depois em Cesaréia quando se dirige aos
governadores romanos Félix, Festo, e ao rei judeu Agripa II (At 24,1-21; 26,1-23). Contudo, seria
impossível um prisioneiro sob investigação ter a oportunidade de difundir a heresia ou traição de que é
acusado, comprometendo assim o valor histórico do discurso.
Em relação ao cativeiro em Roma, Lucas relata que Paulo morava em seu próprio domicílio,
vigiado por um soldado (At 28,16.30). Contudo, é bem mais provável que Paulo estivesse na cadeia, de
modo que Lucas criou esse cenário a fim de favorecer as visitas recebidas, discurso, assim como a
reação dos judeus em relação à Paulo. Esta narrativa do cativeiro compromete ainda mais a
credibilidade de Lucas como historiador.

As epístolas pastorais

São chamadas cartas Pastorais: I e II Tm e Tt. Foram intituladas “Pastorais”, justamente, porque
dão indicações, orientações, exortações, conselhos, de como a comunidade deve agir diante de certas
circunstâncias que a afeta. Quanto à autenticidade, duvida-se que seja de Paulo. Elas não se
enquadram na vida e no estilo do apóstolo. As cartas pastorais foram datas por volta do ano 67 d.C,
entre o encarceramento romano de Paulo e sua morte. Então, a quem pertenceria a autoria destas
cartas? O autor é desconhecido, mas sabemos que ele se utilizou da autoridade de Paulo, para resolver
um problema específico na comunidade, isto, por volta do ano 100 d.C, quando elas se tornaram
públicas. Contudo, as cartas pastorais não são destinadas propriamente a comunidades e sim pessoas,
Timóteo e Tito. Isto, é claro, elas são endereçadas a pessoas, mas seu conteúdo é destinado a
comunidade, a organização hierárquica, moral e espiritual da Igreja.
Se as cartas pastorais não são da autoria de Paulo, em que elas se diferenciam do seu
pensamento? 1º linguagem; 2º estilo literário; 3º perspectiva teológica; 4º organização da Igreja e 5º
natureza da oposição que a Igreja tinha que enfrentar. Devido a estas características ficaram
temporariamente fora do corpus paulino.
Há quem acredita que as três cartas formam um único bloco homogêneo. E também há aqueles
que não acreditam na homogeneidade das cartas. Ora, em que elas se assemelham e se diferenciam? A
maioria dos estudiosos afirmam que existe uma afinidade entre I Tm e Tt. Nesta hipótese, I Tm e Tt

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seriam cartas autênticas de Paulo, enquanto que II Tm não. Por outro lado, há quem defende a
autenticidade de II Tm, que ela seria de Paulo ou ao menos apresentaria elementos paulinos, logo, I Tm
e Tt seriam cartas inautênticas. Agora, quais os elementos que comprovam a autenticidade da carta a II
Tm?
Estudos mais aprofundados em II Tm identificaram o elemento da plêiade. (A plêiade paulina
significa a enumeração e a presença de sete pessoas ilustres no texto). II Tm é colocada em paralelo
com as cartas autênticas, só assim, é possível identificarmos sua autenticidade.
Ora, que II Tm é uma carta escrita no cativeiro, isto, é inegável. Mas não é o cativeiro de At 28,
30, pois, este cativeiro em Roma corresponde ao ano de 62 a 64 d.C. Então, isto, nos leva a inferir que
o cativeiro de Paulo em Roma, durou 2 anos, como Lucas descreveu em At 28,30. Em At, Lucas chegou
a um limite de informações ou a sua fonte desconhecia o que provavelmente teria acontecido com o
apóstolo Paulo durante sua prisão em Roma. Ou ainda, teria omitido o que havia acontecido, porque
em II Tm 4,11 Paulo mencionou que Lucas estava com ele. Neste caso, Paulo teria sido preso duas
vezes em Roma. Na primeira vez estava sob a custudia militaris, que equivale a dois anos de prisão até
ser julgado. O julgamento não aconteceu devido a falta de acusadores, por isso ele foi solto, e isto, nos
leva a crer que ele continuou seu ministério. Aonde Paulo teria indo após ser solto do cativeiro?
Paulo foi à Espanha com o propósito de evangelizar. Certamente, fracassou na evangelização,
devido a falta de recursos financeiros e linguísticos, sendo que, a comunidade romana não o apoiou.
Resultado disto, um conflito entre a comunidade e o apóstolo. Após a viagem até a Espanha, Paulo
visitou outras comunidades através do mar Egeu, isto, por volta de 64-66 d.C. Ora, o que estes fatos
têm haver com a carta a II Tm?
Em 64 d.C o imperador Nero colocou fogo na cidade de Roma, acusando, os cristãos de terem
feito tal ato. Em 65 d.C a notícia tinha já se espalhado por toda a parte, e chegou até as outras
comunidades cristãs. Quando a notícia chegou aos ouvidos de Paulo, ele se direciona a Roma, e lá é
preso, sendo que, possivelmente tenha escrito a carta a II Tm, antes da sua morte em 67 d.C.
A carta a II Tm se diferencia das outras duas, porque Paulo fala de si a Timóteo, do seu
cativeiro, da sua morte a qual se aproximava, do abandono da comunidade da Ásia e não
simplesmente, de orientações, exortações e conselhos como encontramos em I Tm e Tt. Paulo
escreveu a Timóteo, tendo vista os problemas pastorais subjacentes na comunidade de Éfeso. A qual
enfrentava discussões intelectuais que fugiam dos ensinamentos da fé, como: “as rixas das palavras”
(2,14), os “falatórios ímpios” (2,16), “as controvérsias vãs e estúpidas” (2,23) etc. Podemos dizer que a
carta a II Tm é o testamento espiritual de Paulo a Igreja, onde, ele expõe a alegria de ter vivido e
anunciado o evangelho de Jesus Cristo. Ele exorta Timóteo a manter-se firme na fé a qual recebeu e
cresceu, ensinando-a em sua integridade. Paulo tinha confiança que na sua ausência, Timóteo e
Marcos dariam continuidade ao seu ministério.
Não é possível dizermos que a carta a II Tm seja absolutamente da autoria de Paulo e nem
podemos dizer que não seja. A questão da autenticidade fica aberta, mas inegável que exista na carta
elementos do pensamento paulino.

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