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Colossenses
Pr Marcos Granconato
Sumário
A CIDADE
Colossos ficava no vale do Rio Lico, na parte
meridional da antiga Frígia, onde hoje é a
Turquia. Erguia-se junto a longa estrada que
ia de Éfeso ao Eufrates. Hoje desabitada,
Colossos teve seus dias de glória nos tempos
do Império Grego. Heródoto (c. 485-420 a.C.)
se referiu a ela como uma grande cidade, e
Xenofonte a descreveu como “uma cidade
populosa, tanto rica quanto grande” (430-355 a.C).
A importância comercial de Colossos tinha sido, portanto, notável e
sua causa fora uma forte indústria têxtil. Porém, nos tempos do
Império Romano iniciou-se o declínio, de um lado por causa da
expansão de cidades vizinhas como Laodicéia e Hierápolis (4.13),
de outro, devido a prováveis destruições causadas por terremotos,
a partir de 60 A.D.
Nos dias de Paulo, a decadência social e comercial de Colossos
mostrava que os tempos de grandeza tinham ficado definitivamente
para trás. Aliás, é possível que a igreja colossense estivesse na
cidade menos importante dentre todas para as quais o Apóstolo
enviou suas cartas.
Quanto à população, era formada por frígios e gregos. Judeus
também tinham chegado àquela região no século II a.C. Essa
variedade populacional favoreceu a mistura de diferentes religiões
e culturas, criando uma atmosfera de sincretismo que teve reflexos
na vida da igreja.
A IGREJA
A igreja de Colossos foi fundada ao tempo da Terceira Viagem
Missionária de Paulo (At 18.23-21.17). O Livro de Atos narra que
durante esse empreendimento missionário, o Apóstolo se fixou em
Éfeso por dois anos e três meses de forma que, a partir dali o
evangelho se espalhou “por toda a província da Ásia” (At 19.8-10;
20.31). Ora, a cidade de Colossos distava cerca de 160
quilômetros a leste de Éfeso, sendo muito provável, portanto, que a
mensagem cristã tenha chegado ali entre os anos 53 e 56 A.D.,
graças a esse impacto de Paulo sobre toda a região.
Em Colossos viveu Filemom e seu escravo Onésimo (4.9 cf. Fm
10). Porém, a figura de maior importância na fundação da igreja ali
foi Epafras (1.7-8), um homem piedoso que se destacou por seu
amor pelos crentes daquela cidade e das circunvizinhas (4.12-13).
Paulo sequer conhecia pessoalmente a maioria dos colossenses
(2.1), mas quando estava preso em Roma, ouviu de Epafras, talvez
prisioneiro com ele (Fm 23), acerca de um falso ensino religioso
que ameaçava aquela igreja, dando ensejo a que escrevesse sua
carta.
A CARTA
Colossenses foi escrita por Paulo durante o período de sua prisão
domiciliar em Roma (At 28.30), por volta de 61 A.D., [1] ou seja,
num tempo em que a igreja devia ter mais ou menos seis anos de
existência. É provável que Tíquico tenha sido o mensageiro que a
levou aos seus destinatários (4.7).
A epístola deixa transparecer quais eram os desvios religiosos que
estavam se infiltrando na igreja. Parece que se tratava de uma
mistura do velho judaísmo com o gnosticismo nascente. De fato,
em 2.8 Paulo se refere a uma falsa filosofia, certamente uma forma
embrionária de gnosticismo que defendia uma forte antítese entre o
mundo material e o espiritual e cujos proponentes se jactavam de
ter conhecimentos secretos (2.2-4). O cerimonialismo e o
ascetismo estavam presentes como resultado da fusão dos ensinos
judaicos com a falsa filosofia (2.11, 16-17, 21-23; 3.11).
A visão gnóstica propunha a existência de inúmeras emanações de
Deus que eram como os raios que emanam do sol. Essas
emanações ou éões eram consideradas entidades espirituais, isto
é, eram tidas como anjos que deviam ser venerados (2.18). Cristo
era visto apenas como mais uma dessas emanações, um anjo entre
1 Outras cartas escritas por Paulo durante esse período foram Efésios, Filipenses
e Filemom. A Segunda Carta a Timóteo também foi escrita em uma prisão em
Roma, mas somente alguns anos depois, por volta de 67 A.D., quando Paulo se
encontrava no Cárcere Mamertino, pouco antes de ser executado sob as ordens de
Nero.
muitos outros [2]. Naturalmente, esse ensino depreciava a pessoa
do Salvador, o que motivou Paulo a ressaltar sua supremacia
(1.15-20; 2.2-3, 9), conferindo à carta o propósito não só de refutar
a filosofia mentirosa mostrando sua inutilidade, mas também
promover devoção exclusiva a Cristo como perfeito e suficiente
cabeça da igreja.
2 O autor de Hebreus, por volta do ano 68, combateu frontalmente essa doutrina
logo nos dois primeiros capítulos de sua carta (Hb 1.5 – 2.18).
Colossenses 1.1-2 - Saudações Iniciais
3 Veja-se 1Co 1.1-3; 2Co 1.1-2; Gl 1.1-3; Ef 1.1-2, Fl 1.1-2; 1Ts 1.1; 2 Ts 1.1-2,
etc.
5 Não é errado o cristão fugir de uma cidade onde haja feroz perseguição (Mt
10.23; 2Co 11.32-33). Porém, nunca é certo o crente evitar a corrupção, os apelos
e os ataques comuns do mundo através do isolamento adotado, por exemplo, por
alguns personagens ligados ao movimento monástico que surgiu no século IV da
era cristã.
mestres da mentira e os que se desviam da fé sempre trazem
sobre os santos (Gl 5.10; 6.17; Hb 12.15).
Graça e paz, portanto, são expressões que abrangem a totalidade
do bem. Elas só podem vir “da parte de Deus nosso Pai e do
Senhor Jesus Cristo” [6]. Somente em Deus o crente deve buscar
essas coisas, uma vez que somente ele as tem para oferecer (Tg
1.17).
9 A NVI traduz dessa forma para resguardar o sentido do verbo grego que é
“conhecer exata e completamente”. Evidentemente, ao usar esse verbo, Paulo
contraria o ensino do gnosticismo nascente, cujos mestres se gabavam de ser
detentores de conhecimentos ocultos. A forma substantiva encontra-se em 1.9,10
e 3.10.
próximas, como Laodicéia e Hierápolis (4.12 -13). Estando com
Paulo em Roma, talvez como prisioneiro também (Fm 23), ele
relatou ao Apóstolo o progresso dos colossenses, falando -lhe do
amor que eles tinham no Espírito (8).
O amor “no Espírito” de que fala Paulo no v. 8 é a disposição de
promover o bem do outro mesmo quando isso requer alguma dose
de esforço ou implique algum grau de prejuízo. É chamado de amor
“no Espírito” porque o Espírito Santo é a sua fonte (Gl 5.22). Por
isso, somente as pessoas que estão dentro da esfera de atuação
especial do Espírito de Deus podem desenvolver um amor assim.
Além dessas fronteiras, o homem vive “na carne”, sendo movido
pelo amor de si mesmo e por suas vergonhosas inclinações
naturais (Gl 5.19-21). Aliás, esse era o caso dos falsos mestres
que atuavam em Colossos (2.23).
Colossenses 1.9-14 - A Oração de Paulo pelos Crentes de
Colossos
16 Esses textos não ensinam que Deus viu de antemão quem creria, mas sim que
ele conheceu de antemão em quem agiria, concedendo sua graça salvadora.
que ela conduz é que a eleição não procede da graça incondicional
do Pai, sendo antes um prêmio pela virtude vista de antemão por
ele em algumas pessoas. Assim, de acordo com esse
entendimento, a origem da salvação estaria no indivíduo, cuja
disposição de fé é descoberta previamente por Deus. Este então o
escolhe recompensando-o por aquela louvável disposição (Ve ja-se,
contudo, Rm 11.35). Trata-se assim da eleição oriunda do mérito
humano visto com antecedência e não decorrente da graça divina
incondicional [17].
Ora, essa maneira de explicar a eleição divina não pode ser
sustentada pela revelação bíblica. O texto em análise, por
exemplo, mostra que é o próprio Deus quem torna o homem digno
da sua herança. Assim, o Senhor não encontra uma multidão de
homens dignos e então os elege. Antes, ele elege uma multidão de
homens e então os torna dignos. Ademais, em Efésios 1.4-5 é
ensinado que a eleição de Deus se baseou exclusivamente em sua
vontade livre, misericordiosa e soberana e não em supostas
virtudes previstas (Rm 9.11 -18; 2Tm 1.9; Tt 3.4 -5). Como se não
bastasse, vê-se ainda na Bíblia que é Deus quem capacita o
homem tanto a ir a Cristo (Jo 6.44,65) como a crer nele (Ef 2.8). Se
é ele quem concede essas coisas ao homem, é absurda a
afirmação de que as verifica de antemão em alguém, realizando em
seguida a eleição. Portanto, é correta a afirmação de Agostinho
que diz: “A graça de Deus não descobre, pelo contrário, faz os que
devam ser eleitos” [18].
A palavra usada por Paulo no v. 12 para descrever a ação de Deus
sobre os colossenses, tornando -os dignos de herdar o reino
significa literalmente tornar suficiente ou qualificar. De si mesmo e
por si mesmo, o homem não pode colocar -se à altura de herdeiro
do céu. Somente Deus pode qualificá -lo para isso, revestindo-o de
17 Há um outro problema com esse ensino. Ele parte do pressuposto de que existe
um futuro fixo que Deus foi capaz de consultar. Porém, a questão que surge é:
Quem fixou esse futuro para o qual Deus olhou? Somente três opções podem ser
oferecidas como resposta a essa pergunta: ele próprio estabeleceu o futuro; um
outro deus o fez; ou foi o destino cego. As duas últimas opções são inaceitáveis
para o cristianismo. Logo, foi Deus quem fixou o futuro. Ora, se ele próprio assim
fez, então não descobriu quem creria, mas sim determinou quem receberia o
evangelho.
18 Citado por João CALVINO. As institutas ou tratado da religião cristã. Vol. III
(XXII:8). São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989. p. 405.
dignidade. Ao crer em Cristo, os colossenses haviam sido objeto
dessa ação de Deus que os tornara dignos da sua herança. Isso se
constituía na razão suprema pela qual os crentes de Colossos
deviam alegremente dar graças ao Pai. Sua dignidade não era
decorrente de pertencerem a uma pequena elite de indivíduos
iniciados nos falsos mistérios do gnosticismo nasc ente. Essa era a
dignidade falaciosa que os mestres daquelas doutrinas vãs
arrogavam para si. Não havia qualquer razão para que os
colossenses anelassem pertencer àquela elite ilusória. Sua
dignidade havia sido dada por Deus que os alçara à posição de
herdeiros, tornando-os dignos dessa posição. E isso devia
promover alegre gratidão.
Disso tudo se depreende que os crentes em geral não têm qualquer
razão para buscar a admiração que o mundo tributa a elites
sociais, círculos de poder, grupos intelectuais ou sociedades
secretas. As grandezas e o status que a sociedade sem Deus
almeja não devem despertar o interesse do homem redimido nem
ser alvo de seus anseios. A nobreza dos cristãos foi -lhes
concedida por Deus que, ao salvá -los, os fez dignos de um reino
majestoso. Não há, pois, razão para que o povo eleito se afadigue
na busca das glórias ilusórias deste mundo.
O v. 12 termina mencionando a luz. No NT esse termo é usado
para se referir à pureza (1Jo 1.5), ao conhecimento (2Co 4.6) ou à
glória celeste (1Tm 6.16). No texto em análise o último sentido é o
mais apropriado. Há, portanto, aqui uma clara alusão à esperança
escatológica do crente (Veja -se tb. 1.5, 27 e 3.4) que nunca deve
perder de vista onde está seu verdadeiro tesouro e a real
felicidade.
Se de um lado o crente espera o Reino, de outro deve ter
consciência de que já faz parte d ele e desfruta, desde agora, do
status de cidadão do céu (Fp 1.27). Isso é possível porque Deus
Pai o libertou do “império das trevas” (v.13), isto é, do domínio de
Satanás, sob o qual vivia em plena escuridão, ou seja, em
ignorância e pecado (At 26.17-18). Observe-se que o verbo usado
por Paulo aqui significa salvar, libertar ou resgatar, o que mostra a
condição de escravo sob a qual o cristão vivia antes da sua
conversão, bem como a triste situação em que todo incrédulo se
encontra (2Co 4.4; 2Tm 2.25-26).
Tendo libertado o crente do reino sombrio de Satanás, o Pai o
transportou para o Reino do seu Filho amado. Assim, o crente foi
removido de uma pátria para outra. Como parte de um povo liberto,
ele foi colocado sob o domínio de um novo império, sob o qual
experimenta liberdade, paz e segurança, nutrindo também um
modo de vida diferente. Ainda que o desfrute pleno de sua pátria
esteja reservado para o futuro (Fp 3.20; 1Pe 2.11), ele prova desde
já e em grande medida os benefícios de sua libertação (Rm 14.17) .
No Filho amado de Deus, o crente encontrou a redenção, ou seja,
libertação, pleno livramento (v. 14. Veja -se Ef 1.7; Hb 9.12). Esse
benefício não está somente ligado à remoção do império das
trevas. A redenção também abrangeu “o perdão dos pecados”. Isso
significa que além de ser liberto do domínio do diabo, o crente
também ficou livre de suas culpas e, consequentemente, da
condenação daí decorrente (Rm 8.1).
Colossenses 1.15-23 - A Supremacia de Cristo e sua Obra
Reconciliadora
20 Mesmo nos tempos do AT, é possível que algumas visões de Deus fossem
aparições da Segunda Pessoa da Trindade. Talvez uma comprovação disso
encontre-se em João 12.41 comparado com Isaías 6.1-5.
23 Não há dúvidas de que o Pai atuou na criação (Ap 4.11). Que o Filho é criador
também fica claro em textos como o que está em análise. Já a atuação do Espírito
Santo na obra criadora é obscura e geralmente deduzida a partir de Gênesis 1.2.
24 O v.16 aliado a textos como João 1.3 e Hebreus 1.2 dão a entender que, na
criação, o Filho atuou como agente intermediário.
31 Paulo, alguns anos antes, tinha enfrentado esse mesmo problema, porém de
forma mais intensa, na Galácia (Gl 1.11-12) e em Corinto (1Co 9.1-2; 2Co 11.5-6,
23; 12.12).
33 Existe também a possibilidade de Paulo ensinar aqui que o povo de Deus tem
uma parcela de sofrimento a ser vivenciado antes da vinda do Messias (noção
presente no judaísmo apocalíptico). Se for esse o caso, ele próprio se via como
alguém que completava essa cota de dor no lugar do povo de Deus como um todo.
Veja-se MARTIN, Ralph. Colossenses e Filemon: Introdução e Comentário. São
Paulo Mundo Cristão e Vida Nova, 1984. p. 80-81.
35 No NT, uma das maiores evidências disso se encontra nas igrejas da Galácia,
onde aflorou a heresia judaizante (Gl 5.15).
38 Esse parece ser o sentido dominante aqui (Veja-se 1.28-29), mesmo porque os
falsos mestres afirmavam que suas doutrinas pertenciam a uma classe de homens
especialmente dotados e Paulo, sem dúvida, pretende realçar a distinção que há
entre o seu trabalho e o deles.
41 O alvo da perfeição não pode ser alcançado nesta vida. Porém, isso não
desencorajava Paulo a realçar a importância desse ideal para os crentes (Ef 4.11-
13). Aliás, ele mesmo o buscava em sua própria vida (Fp 3.12-14).
Colossenses 2.1-5 - Os Objetivos Específicos de Paulo no
Tocante às Igrejas
42 Veja-se o uso dessa figura em Hebreus 12.1, onde o autor exorta os crentes a
participar da “corrida” cristã com “perseverança”.
28.30-31), ainda que nem todas as portas estivessem abertas para
o pleno desempenho do seu serviço como pregador (4.3 -4). O v.1,
porém, diz que o apóstolo se esforçava inclusive em prol de
crentes que estavam longe del e. No tocante a essas pessoas,
considerando que o trabalho de Paulo abrangia especialmente
tanto a advertência quanto o ensino (1.28), Paulo tinha a
possibilidade de lhes ministrar mediante a palavra escrita, o que
ele fazia com grande zelo quando estava p reso (4.16) [43].
Além disso, o esforço de Paulo em prol dos colossenses, dos
laodicenses e de todos os ainda não tinham visto o seu rosto se
manifestava também numa obra ininterrupta de oração. Em 2.2 ele
fala que se esforçava para que aqueles irmãos foss em fortalecidos
no coração, estivessem unidos em amor e alcançassem pleno
conhecimento de Cristo. Nos versículos 1.9 -11, Paulo diz que
orava incessantemente pelos crentes e, ao expor o conteúdo de
suas orações, menciona substancialmente aquelas mesmas cois as.
Isso significa que a oração era uma das formas como Paulo lutava
para produzi-las nos seus leitores. Ademais, o apóstolo deixa claro
na própria epístola que orar é também uma luta, ao afirmar que
Epafras estava sempre “batalhando” (o mesmo verbo grego usado
em 1.29) pelos colossenses em oração (4.12).
Já foi destacado que os alvos específicos dos esforços de Paulo
mencionados no v.1 são os colossenses, os laodicenses e todos os
que não o conheciam pessoalmente (lit. “todos os que não viram o
meu rosto em carne”). Os próprios colossenses estavam incluídos
entre os que ainda não tinham tido contato direto com Paulo, sendo
certo que quem lhes anunciou o evangelho inicialmente foi Epafras
(1.7-8), provavelmente enviado pelo apóstolo que, à época (entre
53 e 56 AD), estava fixado em Éfeso, cerca de 160 quilômetros de
distância (At 19.8-10; 20.31).
À forma como Paulo se expressa no v. 1 deixa transparecer que a
maioria dos laodicenses também não o conhecia, exceto por ouvir
44 Alguns críticos acreditam que essa carta de Paulo aos crentes de Laodiceia é a
mesma que hoje conhecemos como Epístola aos Efésios.
Paulo também trabalhava em prol da unidade deles. O verbo usado
pelo apóstolo, traduzido como “estejam unidos”, poderia também
ser interpretado como “sejam instruídos” [45]. Porém, o mesmo
verbo aparece novamente em 2.19, onde o sentido é claramente o
de unidade. Assim, o que Paulo suplica a Deus é que, através do
amor, seja construído um vínculo perfeito entre os crentes (3.14).
Essa unidade era fundamental na luta contra a heresia e no
suprimento do encorajamento essencial à carreira cristã. Daqui se
depreende que o crente que se distancia da unidade amorosa fica
exposto a abandonar tanto a vida quanto a verdade cristã. É a
unidade no amor um dos fatores que o protegem desses desvios.
Finalmente, os esforços de Paulo eram no sentido de que os
crentes adquirissem uma compreensão mais firme da verdade
teológica relativa a Cristo. Ele diz que se empenhava para que
aqueles irmãos tivessem riqueza de convicção, isto é, para que
tivessem certeza absoluta, estando plenamente seguros em seu
entendimento da verdade. De posse d e uma convicção assim
inabalável eles teriam condições de adquirir compreensão mais
plena do mistério revelado de Deus: Cristo [ 46].
O apóstolo sabia que os falsos mestres, ao lançar dúvidas sobre a
supremacia do Salvador, ao abalar a certeza dos crentes ac erca
das verdades do evangelho, poderiam deixá -los numa condição de
paralisia mental, impedindo que crescessem na visão da magnitude
do Filho de Deus e, consequentemente, desencorajando a devoção
devida a ele. A dúvida geraria a estagnação do conhecimento e,
finalmente, a apatia no serviço.
Por isso, Paulo se esforçava para que houvesse riqueza de
convicção no entendimento daqueles irmãos. Ele sabia que a
incerteza faria os crentes estacionar na percepção da verdade e,
logo em seguida, desanimar na prática da piedade. A observação
da igreja moderna, tão carente de convicções, tão rasa e
indiferente no tocante à compreensão maior do evangelho e tão
longe da real devoção a Cristo, mostra quão real era o perigo
vislumbrado pelo apóstolo.
47 Para uma análise mais detalhada, veja-se IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias.
Livro 1 (Caps. 6-8). São Paulo: Paulus, 1995. p. 47-52.
48 Na obra citada na nota anterior, Irineu, famoso bispo de Lião no século II,
assim se referiu ao grupo denominado pneumáticos: “Como o ouro lançado na
lama não perde o brilho e conserva a sua natureza sem que a lama o prejudique
em nada, assim, dizem eles, podem estar misturados com qualquer obra hílica
[i.e., corruptível] que não sofrerão dano nenhum, nem perderão sua substância
pneumática”. (IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias. Livro 1 [6:2]. São Paulo:
Paulus, 1995. p. 48.).
51 Tiago mostra que é possível alguém agir assim consigo mesmo (Tg 1.22).
Mostrando aquelas mesmas pedras que, bem-dispostas pelo
primeiro artista, apresentavam a imagem do rei e, maldispostas
pelo segundo artista, transformavam -na em figura de cão, pelo
brilho das pedras enganam os simples que não conhecem o
aspecto do rei e os convencem que a ridícula imagem da raposa é
o autêntico retrato do rei. Assim, costurando fábulas de velhinhas e
tomando daqui e dali palavras, sentenças e parábol as, procuram
adaptar as palavras de Deus às suas fábulas [ 52].
Conforme se vê, os mesmos ardis de que faziam uso os mestres do
proto-gnosticismo dos dias de Paulo, ainda eram usados cerca de
cem anos mais tarde pelos proponentes desse mesmo sistema de
mentiras. O fato é que tais homens perceberam facilmente que a
estratégia de mesclar a verdade com o erro se constitui num dos
mais eficazes meios de desviar os homens da Sã Doutrina dada
por Deus aos santos apóstolos (1Tm 6.20 -21) [53].
Paulo alerta os colossenses sobre as estratégias de engano dos
hereges porque se sentia unido àqueles crentes, tendo a mente
ocupada com tudo o que dizia respeito ao bem-estar deles. É isso
o que se depreende do v.5. O apóstolo diz aqui que estava
“fisicamente longe”. De fato, encontrava-se preso em Roma,
enquanto seus destinatários estavam na antiga Frigia, numa cidade
situada na região meridional da atual Turquia, ou seja, há uma
distância de quase mil e quinhentos quilômetros em linha reta da
capital do Império.
Mesmo tão longe, porém, Paulo afirma estar presente “em espírito”.
Isso significa que em sua alma ele se via tão ligado aos
colossenses que era capaz de se incomodar com os perigos que os
ameaçavam, bem como se alegrar com o bom exemplo que
estavam dando [54]. A expressão “em espírito” é usada por Paulo
também em 1Coríntios 5.3, onde ele trata de um caso de
excomunhão na igreja de Corinto. Ali, o apóstolo mostra que,
mesmo estando fisicamente longe, sua participação no ato de
disciplina era ativa e decisiva (1Co 5.4), o que sugere que, ao falar
de sua presença “em espírito”, Paulo pode ter em mente também
52 IRINEU DE LIÃO. Contra as heresias. Livro 1, 8:1. São Paulo, Paulus: 1995. p.
52-53.
53 Outro método de enganar associado a esse era o uso da bajulação (Rm 16.18).
54 Outro método de enganar associado a esse era o uso da bajulação (Rm 16.18).
seus deveres e sua autoridade que alcançam as igrejas mesmo
quando ele não se encontra junto delas em corpo.
Estando assim ligado aos crentes de Colossos, o apóstolo era
capaz de se alegrar ao verificar que eles estavam “vivendo em
ordem”, ou seja, estavam observando uma conduta regrada e
disciplinada na igreja, longe de anarquia, confusão e bagunça (1Co
14.23,40). Além disso, Paulo também estava contente com a
firmeza na fé que aqueles crentes estavam demonstrando, mesmo
sob o ataque dos falsos mestres [ 55]. Ao que se vê, havia naqueles
cristãos notável solidez doutrinária, de modo que a heresia, mesmo
estando a rodear os crentes ou mesmo influenciando talvez um ou
outro círculo (2.20-22), não tinha conseguido conquistar a igreja,
dado o apego dos irmãos ao ensino que aprenderam do apóstolo.
É bom destacar que a parte final do v. 5 consubstancia o que há de
mais desejável numa igreja cristã: ordem no funcionamento e
firmeza na Sã Doutrina. A ausência de qualquer desses elementos
favorece a propagação do erro e facilita a infiltração do inimigo no
arraial do povo de Deus.
63 A frase “Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16.16) pertence ao final
prolongado de Marcos (16.9-20) e, por não constar de dois dos principais
manuscritos do NT, deve ser acolhida com cautela. Por outro lado, mesmo que
esse texto seja recebido como autêntico, não é correto entendê-lo como prova de
que o batismo é necessário à salvação. O que Marcos 16.16 ensina, na verdade, é
que a fé salvadora é a fé comprometida, do tipo que leva quem a tem a se batizar
(Assim também em Atos 2.38). É como se o texto dissesse: “Quem crer com uma fé
pública, assumida e comprometida, o que é demonstrado através do batismo, será
salvo”. A Bíblia mostra que há um tipo de fé que não é assim, sendo antes
marcada pela covardia, pela dissimulação, pela timidez e pela ocultação. Essa “fé”
não deve ser confundida com a verdadeira fé salvadora (Jo 12.42-43).
(Rm 6.1-3,6). Ademais, depois de ter sido morto e sepultado, o
crente ressuscitou para uma nova vida, marcada pela consagração
a Deus (Rm 6.4), sendo seu dever empenhar -se por ajustar sua
conduta a essa nova realidade (Rm 6.11 -13; Cl 3.1-3) [64].
Tanto em Romanos como no texto em análise, o a póstolo afirma
que o sepultamento e a ressurreição dos crentes ocorreram
juntamente com Cristo . Isso aponta para a participação dos
cristãos nos benefícios oriundos da morte e ressurreição do
Senhor. De fato, quando crê no evangelho, o homem se une de tal
forma a Cristo que a morte de seu Senhor passa a ser também a
sua morte, e a vida dele torna-se também a sua vida (Gl 2.20).
Essa união do crente com Cristo em sua morte e ressurreição lhe
garante tanto o livramento do pecado no presente (Rm 6.6 -7; Cl
2.13) como a glorificação futura (Rm 6.5,8).
O v.12 termina destacando a fé como o instrumento mediante o
qual Deus concedeu vida ao crente. Este ressuscitou mediante
(através de) a fé que teve como objeto o poder de Deus. De fato, a
aceitação do evangelho que, nos pontos principais da sua
mensagem, agride os olhos da razão carnal (1Co 1.18), impõe a
necessidade de crer na onipotência divina. O aspecto dessa
mensagem que Paulo destaca como ligado ao poder de Deus é a
ressurreição do Senhor. Certamente ele apont a esse componente
da pregação cristã a fim de repudiar o ensino dos mestres
gnósticos que, reputando a matéria como má, rejeitavam a verdade
de que Cristo havia se levantado da sepultura num corpo físico (Lc
24.39; 1Co 15.12).
64 A prática do batismo por imersão se sustenta, entre outras coisas, sobre essa
associação que Paulo faz entre o rito e a morte/ressurreição do cristão. Os
imersionistas afirmam que o mergulho total do crente na água preserva melhor o
simbolismo do sepultamento, enquanto o levantar-se após a imersão transmite de
modo perfeito a idéia de ressurreição também simbolizada no rito
Colossenses 2.13-15 - Vida, Perdão e Vitória
65 A palavra também sugere a idéia de dar um passo em falso e cair para o lado.
Em todo caso, a noção que prevalece é a de alguém que está fora da vereda reta.
para o pecado, de tal modo que ela não mais reine na vida de
quem recebeu o Salvador (Rm 6.6,17 -18). Os colossenses tinham
sido outrora incircuncisos de coração. Isso agravara ainda mais
seu estado de morte, acelerando o processo de putrefação moral a
que estavam sujeitos.
É preciso destacar ainda que a ausência da circuncisão espiritual
não significara somente o domínio da natureza pecaminos a na vida
dos colossenses. Considerando o sentido da circuncisão no Antigo
Testamento (Gn 17.10-14), ser incircunciso implicava estar
separado do povo de Deus, fora da aliança com ele e,
consequentemente, longe das promessas constantes dessa mesma
aliança (Ef 2.11-12). Essa condição de “estranho” para Deus
também compõe o retrato do cadáver espiritual.
Depois de falar sobre a deplorável condição espiritual dos cristãos
de Colossos ao tempo de sua incredulidade, o v. 13 menciona uma
série de ações salvíficas de Deus em favor deles. Primeiramente é
dito que Deus os vivificou com Cristo. A participação do crente na
vida ressurreta do Senhor já foi mencionada no v. 12 (veja -se
comentário supra). Paulo continua destacando que, assim como
Cristo superou a morte, os crentes, desde o dia em que o
receberam, se uniram a ele e passaram a experimentar, desde já, o
poder da vida ressurreta (Fp 3.10), manifesta, na prática, numa
vida que não se sujeita ao domínio do pecado (Rm 6.11 -12).
A segunda ação salvífica que o Após tolo menciona é o perdão de
Cristo. No momento da conversão foram perdoadas “todas as
transgressões” dos colossenses (v. 13 in fine). Aqui aparece
novamente o termo usado para descrever o pecado como desvio
(Veja-se nota 1). Paulo diz que todos os descamin hos que os
colossenses trilharam receberam a absolvição de Deus. O verbo
traduzido aqui como “perdoar” encerra a noção de benevolência
gratuita, oferecida livremente (Rm 8.32; Fp 1.29). O perdão de
Cristo foi, assim, gracioso. Esse ensino paulino conflitav a com as
doutrinas dos falsos mestres que impunham aos crentes um
minucioso conjunto de preceitos ascéticos como meio de obtenção
de pureza espiritual (2.20-23).
O v. 14 fala de um terceiro ato divino em prol da salvação dos
crentes. O texto diz que Cristo “cancelou a escrita de dívida”. Essa
expressão se refere a um documento de natureza comercial, um
tipo de nota promissória, que consubstanciava a dívida que alguém
tinha obrigação de pagar. A ideia óbvia presente em todo o quadro
é de Deus como credor do homem que, diante dele, se apresenta
sempre como devedor inadimplente.
A dívida do homem para com Deus “consistia em ordenanças”.
Evidentemente, Paulo faz alusão aqui à Lei Mosaica com seus
rigorosos preceitos morais e cerimoniais. Consistindo a dívida de
mandamentos tão rígidos, a obediência perfeita a cada um dos
seus itens era a única moeda através da qual o débito do homem
com Deus poderia ser saldado. É claro que um montante tão alto
não podia ser pago pelo ser humano (At 15.10). Daí a afirmação de
Paulo de que essa escrita de dívida “nos era contrária”.
No início do v. 14 é dito que essa dívida foi cancelada (apagar,
remover ou eliminar). Em seguida, Paulo diz que o título de dívida
foi removido. Desta vez, ele usa outro verbo, cujo significado
básico é tirar ou tomar algo e levá -lo embora. Em ambos os casos,
é óbvio que o ensino dominante é que a Lei foi abolida, uma
doutrina comum nos escritos paulinos (1Co 9.20; Gl 3.19, 23 -25; Ef
2.14-15).
Existe uma viva controvérsia no meio teológico acerca de qua l
aspecto do Código Mosaico foi cancelado. Esse debate tem
produzido interpretações forçadas, como a que diz que a referida
remoção só foi aplicada aos preceitos veterotestamentários de
natureza cerimonial, sendo mantida a vigência das normas morais.
O ensino de Paulo, contudo, não aponta para essas distinções. Na
verdade, nos textos em que o Apóstolo diz que o crente está livre
das normas mosaicas, ele dá claras evidências de que tem
mandamentos morais em mente. Isso se verifica em toda a Carta
ao Gálatas, onde Paulo fala do fim da Lei (Gl 3.23 -25), fazendo
constantes referências aos seus aspectos tanto éticos (e.g., Gl
3.12) quanto litúrgicos (e.g., Gl 4.10 -11; 5.3). Romanos 7.6-7 e
2Coríntios 3.7-11 também são textos que falam do cancelamento
da Lei destacando seu lado ético.
O que foi dito acima pode conduzir o estudante apressado a virar
as costas para a bela conduta proposta nos escritos de Moisés e
em todo o Velho Testamento. Isso, porém, seria uma trágica
temeridade. O cristão deve aprender que a revo gação da Lei não
implica anomia (Rm 6.15). Na verdade, o ensino de Paulo é que,
mesmo estando livre da totalidade da norma mosaica, o crente,
sendo transformado por Deus em seu interior, é induzido e
capacitado pelo Espírito que nele habita a cumprir a jus tiça que há
na Lei (Rm 8.3-4; Gl 5.18; Hb 8.10-12). Desta vez, porém, estando
sob uma Nova Aliança, ele não fará isso como escravo, e sim como
filho, com um coração inclinado à sujeição, numa obediência livre e
voluntária (Rm 7.4-6; Gl 4.4-7).
O quarto e último ato salvífico é mencionado por Paulo no versículo
15: Cristo despojou os poderes e as autoridades. Esses dois
termos são basicamente sinônimos e apontam para alguém que
ocupa um posto de comando ou um lugar de preeminência. Paulo
os utiliza em suas cartas para se referir a anjos (Rm 8.38: Ef 1.20 -
21; 3.10), inclusive os maus (1Co 15.24; Ef 6.12), como é o caso
no texto em análise.
Em 1.16, o Apóstolo afirmou que Cristo é o criador dessas
entidades, e em 2.10 declarou sua perfeita supremacia sobre elas
(Veja-se comentários supra). Agora Paulo ensina que, no tocante
aos poderes e autoridades malignos, o Senhor, quando foi pregado
na cruz, os “despojou”, isto é, removeu algo que tinham [66]. Não
há precisão no texto quanto ao objeto de que os anjos maus foram
privados quando Cristo foi crucificado. Parece, contudo, óbvio que
Paulo tem em mente aqui a perda do domínio que essas entidades
espirituais tinham sobre as pessoas [ 67]. Aliás, em 1.13-14 é
evidente que a redenção realizada por Cristo em prol dos crentes
implicou também na sua libertação do império das trevas.
Assim, a crucificação de Cristo cujos contornos exteriores podem
inspirar noções de derrota foi, na verdade, uma vitoriosa ação
militar realizada no campo espiritual. Nessa ação, o divino General
atacou seus inimigos e de certa forma os golpeou, removendo os
muros que tornavam possível o seu domínio sobre os homens e
impediam o acesso a Deus [68]. No Calvário, portanto, ao pagar o
preço do pecado humano, Cristo fez com que os principados e as
potestades do mal perdessem força. De fato, a cruz foi como um
82 Note-se que no Salmo 110.1 o sentar-se ao lado do Pai não implica somente a
exaltação do Messias. Com efeito, seu assentar-se é também associado à espera,
ou seja, o Messias reina ao lado do Pai aguardando o dia em que, finalmente,
esmagará seus inimigos (Sl 110.5-6; 1Co 15.24-28; Hb 10.12-13; Ap 19.15).
o vissem no céu, sentado à destra do Pai (Mt 26.63 -64; Lc 22.67-
69).
No Novo Testamento, o ensino de que o Senhor, após ter sido
assunto ao céu, se assentou ao lado de Deus aparece várias vezes
[83]. Seu significado é amplo. Em alguns contextos a menção de
Cristo sentado no céu indica que sua obra remidora foi concluída,
não havendo mais nada que precise ser feito para a redenção da
humanidade (Hb 1.3; 10.12). Há também na imagem de Cristo ao
lado do Pai a base para o ensino de que ele intercede pelos
crentes (Rm 8.34), no exercício de uma função sacerdotal realizada
não nas dependências simbólicas de um templo terreno, mas no
verdadeiro santuário celeste (Hb 8.1 -2).
Na maior parte das vezes, porém, a menção de Cristo sentado à
direita de Deus aponta para a exaltação que seguiu sua
humilhação terrena (At 2.33; Hb 12.2), para a posição elevada que
ele ocupa como Príncipe e Salvador (At 5.31), para sua soberania
divina e seu senhorio absoluto sobre todo o universo (Ef 1.20 -23;
1Pe 3.22) [84]. Assim, é evidente que a referência a Cristo como
alguém que ocupa lugar ao lado do Pai tem geralmente o objetivo
de inspirar devoção e obediência exclusiva a ele. Obviamente esse
é o caso no texto em análise, uma vez que, conforme visto, o
ensino gnóstico desestimulava a sujeição a Cristo, identificando -o
apenas como mais uma das diversas emanações angélicas que
compunham o universo espiritual imaginário dos falsos mestres.
No v. 2 Paulo renova a admoestação no sentido de que os
colossenses tenham como prioritárias as coisas do alto. Desta vez,
porém, ele realça o pensamento dos crentes, ensinando o que deve
ocupar sua mente na maior parte do tempo. É claro que, na prática,
é impossível meditar continuamente sobre as realidades
87 O uso do mesmo verbo grego em Romanos 4.19 e Hebreus 11.12 ilustra bem o
sentido pretendido no versículo em análise.
natureza terrena abrange o afastamento e total abandono de todas
as práticas próprias da velha vida. Assim, não há dúvidas de que o
desviar-se do erro é um dos remédios mais eficazes para inibir o
ímpeto do mal ainda presente nos filhos de Deus.
No v. 5, Paulo alista cinco desvi os que emanam da natureza
terrena. A lista, assim como no v. 8, não é exaustiva, mas apenas
fornece exemplos de vícios em que os crentes podem cair caso não
amorteçam o pecado que subsiste em seus membros.
O primeiro vício mencionado é a imoralidade sexual. O termo tem
sentido abrangente (1Co 6.18), sendo usado para referir -se a todo
tipo de intercurso sexual ilícito e extramarital (adultério, fornicação,
prostituição, etc.). Relações antinaturais também são incluídas no
significado da palavra usada aqui (1 Co 5.1). Que a imoralidade é
obra da carne é expressamente ensinado em Gálatas 5.19, sendo
dever do crente fugir dela (1Ts 4.3 -5).
Como é sabido, o protognosticismo que marcou o século I cultivava
total desprezo pela matéria. Especificamente na região de
Colossos, fica claro que esse desprezo se expressava na rejeição
de certos prazeres corporais (2.16, 20 -23). Aliás, outros textos
neotestamentários revelam que alguns proponentes do gnosticismo
nascente censuravam inclusive os deleites do leito conjugal,
chegando a proibir o casamento (1Co 7.1 -5; 1Tm 4.1-3; Hb 13.4).
Por outro lado, a cosmovisão que considerava o corpo físico
essencialmente mau, muitas vezes desencadeava a mais chocante
devassidão como forma de desprezo pela substância material.
Ademais, essa concepção tendia a crer que a alma, em total
contraste com a realidade palpável, era absolutamente pura, não
podendo ser corrompida pelos atos do corpo (1Co 6.13) [88].
Evidentemente, os desdobramentos práticos dessas ideias eram
comportamentos assinalados pela mais completa imoralidade (2Tm
3.6-9; 2Pe 2.13-14, 17-19; Jd 1.4, 8, 12 -13, 16). Ora, Paulo sabia
que a falsa gnose, a despeito de sua aparente piedade, era
incapaz de refrear os impulsos da natureza terrena (2.23),
podendo, na verdade, até mesmo estimulá-los. Daí seu alerta aos
88 Em 1Coríntios 6.13 fica claro que alguns coríntios pensavam que, assim como
o uso irrestrito de alimentos não desagradava a Deus, da mesma forma o uso
irrestrito do sexo não traria qualquer prejuízo espiritual. Paulo concorda com a
primeira cláusula, mas recusa a segunda.
colossenses no sentido de que fugissem de toda forma de
corrupção sexual.
Os três vícios mencionados a seguir têm também conotação
sexual, mas podem abranger outras esferas em que a
pecaminosidade humana se manifesta. Impureza refere-se a todo
tipo de imundícia, tanto moral como “natural” ou física (Mt 23.27),
mas somente o primeiro sentido é pretendido aqui (Assim tb. em
Rm 6.19; 2Co 12.21; Ef 4.19; 5.3). A impureza moral, além de
envolver a luxúria (Rm 1.24), também engloba motivações sujas
(1Ts 2.3). Em 1Coríntios 7.14, o termo “impuro” é aplicado a
pessoas que estão fora de qualquer influência santificadora.
A palavra traduzida como “paixão” é pathos e aplica-se a qualquer
afeição desordenada, mas no NT, onde ocorre em apenas outros
dois lugares, é usada especialmente para aludir ao desejo sexual
ardente, desonroso e depravado (Rm 1.26; 1Ts 4.5). Pathos é uma
doença espiritual que subjuga a alma torna ndo-a inquieta,
continuamente sedenta, sempre desejosa de satisfazer apetites
impuros.
A próxima expressão foi traduzida como desejos maus.
Basicamente é sinônima do termo que a antecede. Trata -se, pois,
da cobiça, da ambição, do intenso anseio por algo il ícito (Rm 6.12;
13.14; Gl 5.16; 1Tm 6.9; Tt 3.3; 2Pe 3.3).
A lista do v. 5 termina com a menção da ganância. A palavra usada
pelo Apóstolo designa o desejo insaciável de adquirir bens
materiais (Mc 7.21-22; Rm 1.29; Ef 5.3). Esse pecado induz, às
vezes, à uma generosidade anêmica, rara e forçada (2Co 9.5). O
termo também descreve o anelo desenfreado por obter aquilo que
pertence a outra pessoa, o que induz à prática de fraude e
extorsão (1Ts 2.5; 2Pe 2.3). Paulo considera a ganância “idolatria”
porque esse desvio faz das posses de um homem o centro da sua
vida, a razão de sua existência (Lc 12.15). Contaminado por esse
pecado, o indivíduo se torna servo e adorador das riquezas,
ficando impedido de servir a Deus (Lc 16.13 -14). É por isso que,
com justiça, os avarentos não têm parte no Reino dos Céus (Mt
13.22; 19.22; Ef 5.5).
Paulo encoraja os seus leitores a viverem longe dos vícios
alistados no v. 5 dizendo que esses desvios são a causa pela qual
a ira de Deus sobrevém aos descrentes (6). A ira mencionada p elo
apóstolo é o castigo pós-morte, conforme se depreende do “texto
gêmeo” de Efésios 5.5-6, onde é clara a conexão entre a
indignação divina e a condenação eterna. Aliás, é inegável que os
escritos de Paulo façam clara referência à fúria escatológica do
Senhor (Rm 2.5; 1Ts 1.10; 5.9; 2Ts 1.5 -10). Deve-se ainda
destacar que, à luz do ensino geral que emana de todo o Novo
Testamento, essa fúria não tem como causa apenas o
comportamento desregrado e promíscuo das pessoas (como uma
leitura irrefletida de Colossenses 3.6 poderia dar a entender), mas
também e fundamentalmente, a incredulidade presente no coração
de quem rejeita o Filho e não atende ao convite constante da
mensagem evangélica de recebê -lo pela fé (Jo 3.36; Rm 2.8; 5.8 -9;
2Ts 1.8; Hb 10.29).
Ainda que a ira de que fala o v. 6 seja aquela que se revelará no
dia futuro ou na realidade além, é preciso lembrar que o ensino
paulino mais amplo concede também espaço para manifestações
da ira de Deus contra a impiedade humana já no presente.
Romanos 1 é o texto áureo acerca desse assunto, posto que ali o
Apóstolo afirma claramente o derramamento da cólera divina sobre
os maus ainda nesta vida (Rm 1.18), explicando que essa fúria se
extravasa numa “entrega” de tais homens às mais grosseiras
formas de perversão (Rm 1.24-31) [89].
Vista sob esse aspecto, a ira de Deus contra o pecado não é inerte
ou inoperante no presente. Ela atua, não só trazendo
(eventualmente) grandes calamidades físicas e materiais sobre os
inimigos do Senhor (At 12.23), mas também os trans formando em
monstros assombrosos, com repugnantes deformidades de caráter.
Ora, nenhuma calamidade maior pode sobrevir a alguém neste
mundo do que ser portador de uma alma apodrecida, que se deleita
no próprio mal que a corrói e sorri satisfeita diante de cada novo
tumor que descobre em si mesma. É, porém, precisamente com
essas trevas interiores que Deus visita os maus hoje, antes de
lançá-los nas trevas exteriores ainda mais densas amanhã.
O versículo 6 termina classificando os incrédulos, aqueles sobre
quem a ira de Deus virá, como “filhos da desobediência”. Algumas
traduções colocam toda a expressão entre colchetes (e.g. ARA).
Isso acontece devido a sua ausência em alguns manuscritos
antigos importantes. Dificilmente, porém, a frase não constava do
original. Primeiramente porque ela dá ao v. 6 um desfecho mais
natural e esperado. Em segundo lugar porque os manuscritos que a
93 Veja-se Romanos 13.14, onde Paulo evoca a mesma figura, ensinando, porém,
que o crente deve revestir-se (ἐνδύω– o mesmo verbo usado em Cl 3.10) do Senhor
Jesus Cristo.
Cristo. Nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento”.
Assim, não há como o crente prosseguir na renovação de seus
hábitos se não crescer no conhecimento da Pessoa e da vontade
de Cristo (1.9-10). À parte do conhecimento dele, não é possível
desenvolver o caráter maduro e santo do homem novo (2Pe 1.3 -4,
8). Por isso, um dos alvos supremos do cristão deve ser crescer no
conhecimento do Senhor, sabendo que isso gerará reflexos na
construção de uma vida marcada por conduta e valores magistrais
(Ef 1.17; Fp 3.8; 2Pe 3.18). Em Colossos, contudo, ao propor alvos
fantasiosos de conhecimento, os mestres heréticos tentavam
afastar os cristãos das verdades que podiam realmente transformá -
los. Por isso, Paulo realçou o valor da genuína gnose, na qual o
homem novo cresce e que é capaz de mudar esplendidamente a
sua vida.
O alvo final da renovação experimentada aos poucos pelo homem
regenerado é a “imagem do seu Criador”. É evidente aqui a alusão
a Gênesis 1.27. Ao recordar esse texto, é possível que Paulo
quisesse propor como pano de fundo de seu pensamento o fato de
ter havido um primeiro Adão, a partir de quem teve origem o ”velho
homem”, ou seja, a humanidade corrompida. Então, em meio aos
tristes ecos da verdade de que a primeira humanidade se perdeu, o
Apóstolo contrapõe o ensino exultante de que é criada agora uma
nova humanidade, a humanidade regenerada a partir da obra do
segundo Adão, Cristo (Rm 5.14 -19; 1Co 15.45-49). Enquanto os
participantes da velha criação se corrompem, desfigurando a
imagem de Deus neles gravada, as pessoas que participam da
nova criação experimentam um processo de aperfeiçoamento e
renovação no qual a imagem daquele que as criou é formada nelas
(1Co 15.49; 2Co 5.17; Ef 2.10). As duas humanidades, portanto,
seguem direções opostas: enqua nto uma se desfaz, a outra se
refaz; enquanto uma se corrompe, a outra se santifica (Ef 4.22-24;
Ap 22.11).
O crescimento em direções opostas não é, contudo, a única
diferença entre as duas humanidades. Há também disparidade no
modo como as pessoas são cla ssificadas dentro de cada uma
delas. Se na humanidade decaída há distinções raciais, sociais,
econômicas e culturais determinando o grau de importância, o valor
das pessoas e a amizade entre elas, na nova humanidade não é
assim (11). Nela esse tipo de sepa ração desaparece (Ef 2.11-16:
Gl 3.26-28). De fato, na comunidade dos santos todos se igualam
como filhos de Deus e membros da mesma família (Ef 2.18 -19).
Paulo fala do fim da distinção entre gregos e judeus, mostrando
assim que na nova humanidade não exis te mais nenhum abismo de
separação racial. Ele também se refere a esses grupos usando as
palavras “circunciso e incircunciso ”. Ora, a circuncisão era o sinal
da aliança exclusiva que os judeus tinham firmado com Deus (Gn
17.10-11). Portanto, ao dizer que e ntre os homens novos não há
desigualdade entre circunciso e incircunciso, Paulo ensina que na
humanidade redimida não existem diferenças de status espirituais
diante de Deus, desaparecendo assim qualquer privilégio ou
vantagem dessa natureza de uns sobre o utros. Isso certamente
representou um severo golpe contra a heresia que ameaçava a
igreja de Colossos, pois combateu tanto sua tendência judaizante,
como seu ensino de que os detentores da gnose formavam uma
classe especial de homens espirituais.
Além de não existir na nova humanidade nenhuma barreira racial
ou espiritual, nela também desabam os muros que separam os
homens de culturas e classes sociais diferentes. Paulo ensina isso
ao fazer referência aos bárbaros. Ora, os bárbaros eram pessoas
incultas e não civilizadas que, em sua maior parte, viviam além das
fronteiras do Império Romano, excluídas da participação de seus
ricos benefícios, tolhidas de qualquer direito de cidadania e
totalmente estranhas à sofisticada cultura grega. Mesmo essas
pessoas, porém, podiam participar da sociedade redimida e, assim,
serem postas em pé de igualdade com todos os salvos.
Entre os bárbaros, os que viviam na Cítia, região situada ao norte
dos mares Negro e Cáspio, eram os mais rudes. Os citas eram
nômades selvagens com quem nenhum homem civilizado desejaria
ter comunhão. Pela fé em Cristo, porém, até mesmo pessoas assim
são aproximadas e, segundo Paulo, passam a desfrutar da posição
de homens novos diante de Deus, sem nenhuma discriminação.
Tampouco distinções econômicas persistem diante de Deus entre
os componentes da nova humanidade. De fato, escravos e livres
também são nivelados entre os crentes, sendo todos igualmente
redimidos pelo sangue da cruz e participantes da herança celeste.
A doutrina paulina de que na nova humanidade não existem
distinções raciais, culturais, sociais ou econômicas não se baseia
na análise externa dos fatos. Na verdade, é óbvio que entre o povo
de Deus há ainda ricos e pobres, bem como pessoas de diferentes
culturas e realidades sociais. O fundamento, porém, para o ensino
acerca da ausência de distinções entre os homens novos é o fato
de que, para o povo salvo, “Cristo é tudo em todos ” (ARA), ou seja,
somente a pessoa e presença de Cristo são importantes na
realidade vivida por cada um. Qualquer detalhe fora disso é
secundário e irrelevante. É nesse sentido que todos os crentes se
igualam e nivelam, ainda que distinções não essenciais sejam
ainda percebidas no tempo presente.
Conforme tem sido enfatizado, o protognosticismo ensinava a
existência de uma elite espiritual que, por ser a suposta detentora
de conhecimentos especiais, se situava acima das demais
pessoas. O ensino de Paulo sobre a ausência de distinções entre
os homens novos obviamente tem como alvo destruir essa
pretensão. Porém, é possível que a meta apologética do Apóstolo
ultrapasse esse objetivo. Não se pode detectar os contornos
específicos da heresia gnóstica que tomava forma nos dias de
Paulo. Porém, sabe-se que formas desenvolvidas do gnosticismo,
presentes em séculos posteriores, ensinavam uma futura abolição
de diferenças entre as “almas esclarecidas”. O maniqueísmo, por
exemplo, anelava o dia em que os espíritos despertos
mergulhariam no Reino da Luz e viveriam finalmente em doce
harmonia, nutridos por fortes laços de amizade espiritual e livres
de todas as distinções impostas pela matéria má [ 94]. Talvez
alguns embriões dessas ideias já existissem ao tempo de Paulo.
Ele então destaca que a igualdade entre os homens viabilizada por
Cristo não é apenas o objeto da espe rança futura dos crentes, mas
também uma realidade vívida e atual, desfrutada desde já pelos
homens novos, gente que pouco se importa com diferenças de
classe e formação, pessoas para quem hoje mesmo Cristo é tudo e
o resto é resto.
94 O maniqueísmo foi uma seita de natureza gnóstica fundada por Mani (216 - c.
277), um filósofo persa que se denominava o parácleto enviado pelo “Pai da Luz”.
Em 1992 foram encontrados diversos textos e cartas maniqueístas no Egito
ocidental. Esses documentos revelaram o anseio dessa seita pelo livramento das
diferenças que marcam a realidade presente. (Veja-se BROWN, Peter. Santo
Agostinho: uma biografia. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 596).
Colossenses 3.12-17 - A Convivência dos Homens Novos
96 A mesma palavra aparece em Efésios 4.3. Ali, porém, o vínculo que mantém a
“unidade do Espírito” é a paz. Contudo, o mesmo trecho mostra que a paz só
existirá se os crentes se suportarem mutuamente em amor (Ef 4.2).
para longe. Da mesma forma o cristão que não aperta o nó do
amor, em breve se afasta do seu irmão, não importa quão leve seja
a agito das ondas que se abatam contra ele.
No conjunto de admoestações relativas à vida crist ã em
comunidade, Paulo acrescenta o ensino de que a paz de Cristo
deve ser o juiz no coração de cada um (15). A paz de Cristo (ἡ
εἰρήνη τοῦ Χριστοῦ) é, nesse contexto, a paz que o Senhor
conquistou para a igreja e que ele quer que seus servos cultivem
entre si (Ef 2.14-18).
Essa paz obtida e ordenada por Cristo deve servir como árbitro. O
substantivo “juiz” não aparece no texto grego. O que se tem ali é
um verbo (βραβεύω), cujo significado básico é atuar como árbitro,
o que envolve decidir, controlar e dete rminar. Assim, Paulo está
dizendo que o que deve determinar os rumos da caminhada cristã
conjunta é a paz que Cristo quer que reine entre seus servos. Essa
paz tem que controlar todas as reações, deve apontar como o
crente tem que agir quando provocado ou ofendido, deve impor
suas decisões quando o irmão ferido e cansado está oscilando
entre perdoar ou não, entre suportar ou não, entre amar ou não.
Paulo está, assim, através de um recurso criativo de linguagem,
personificando a paz de Cristo e mostrando a i mportância de
investi-la na função de juiz para que presida o andamento da
igreja. Como magistrado revestido de autoridade, a paz de Cristo
determinará o modo como as partes devem se conduzir ao longo do
difícil processo de convivência e, principalmente, c olocará fim aos
conflitos que surgirem dentro da comunidade dos santos.
Esse árbitro, porém, não estará diante das partes. Seu lugar é o
interior delas. De fato, os crentes devem constituir tal juiz “em seu
coração”. Então, a paz de Cristo será um magistra do íntimo,
sentado na cátedra da alma, revestido de poder para ordenar, a
partir da consciência de cada crente, como ele deve agir no trato
com o outro. Em termos práticos, essa orientação pode ser
traduzida da seguinte maneira: sempre que houver um confli to de
relacionamento dentro da igreja (ou mesmo a possibilidade de um
conflito), as partes devem, interiormente, se curvar diante das
determinações da meritíssima paz, fazendo tudo o que porventura
seja útil à restauração ou preservação da amizade e do amb iente
leve, alegre e livre de perturbações (Rm 14.19; Ef 4.3; 2Pe 3.14).
O apóstolo expõe a razão principal pela qual a paz de Cristo deve
ocupar a função de árbitro no coração dos crentes. Segundo Paulo,
os santos “foram chamados” para viver em paz como parte de um
só corpo (1.18, 24; 2.19). De fato, um organismo saudável tem
todas as suas partes em harmonia, inexistindo qualquer grau de
desacordo entre elas (Rm 12.4-5; 1Co 12.12-27; Ef 2.16). Portanto,
sendo inseridos no corpo de Cristo que é a Igreja, os crentes foram
vocacionados para viver em paz (1Co 7.15). Evidentemente, os que
dentre eles nutrem antipatias, barreiras, contendas, discórdias e
mágoas podem ser contados como ministros desleais a essa santa
vocação.
O v. 15 termina dizendo que os cristão s devem ser agradecidos
(εὐχάριστοι). Considerando que Paulo está pensando em termos de
comunidade, isso significa que a igreja não pode se distinguir como
um grupo de murmuradores. Gente descontente que vive
reclamando forma o contexto ideal para brigas. Por isso, o
Apóstolo incentiva o cristão a nutrir um espírito de gratidão a Deus.
Os vv. 16-17 repetem essa ordem. Aqui, porém, a gratidão está
ligada ao fato de pertencer ao corpo de Cristo.
Além de pacífico e harmonioso, o relacionamento entre os crentes
de uma determinada igreja local deve ser construtivo. O convívio
dos cristãos deve produzir efeitos didáticos. Enquanto andam lado
a lado eles devem se instruir e se aconselhar mutuamente (16).
Porém, para que isso aconteça é necessário que a Palavra de
Cristo habite ricamente em cada um (Rm 15.14).
A expressão “palavra de Cristo” (Ὁ λόγος τοῦ Χριστοῦ) não
aparece em nenhuma outra parte do Novo Testamento. Isso
evidencia a preocupação que Paulo tem aqui de apresentar a
pessoa de Cristo como Senhor absoluto da igreja, promovendo,
assim, devoção exclusiva a ele. É fácil compreender essa
preocupação do apóstolo: sendo certo que a igreja de Colossos
estava sendo ameaçada pelo gnosticismo incipiente que reduzia
Cristo a somente mais um entre diversos anjos (vej a-se Aspectos
Introdutórios), Paulo se preocupa, ao longo de toda a epístola, em
inculcar nos seus leitores a realidade da supremacia de Cristo, o
criador dos anjos, a quem a igreja deve total obediência.
A “palavra de Cristo” é o Evangelho, isto é, a mensagem centrada
em Cristo, pela qual os colossenses haviam sido chamados à fé
(1.5-6). Em outros lugares, essa mensagem é chamada de “palavra
de Deus’ (At 4.31; 6.7; 8.14; 1Ts 2.13; 2Tm 2.9) ou “palavra do
Senhor” (At 8.25; 13.49; 1Ts 1.8; 2Ts 3.1). A singular expressão
“palavra de Cristo” também abrange a palavra pronunciada por
Cristo, ou seja, os ensinos gerais de Jesus transmitidos pelos
apóstolos (Jo 14.26; 16.13; At 20.35; 1Co 7.10; 11.23; 2Co 13.3; Gl
1.11-12; 1Ts 4.15; Hb 2.3). Em todos os sentidos que a expressão
englobe, o fato é que essa palavra deve habitar ricamente no
crente (ἐνοικείτω ἐν ὑμῖν πλουσίως), ou seja, tem que estar viva
nele, enchendo de maneira completa sua mente e coração, de
forma que o cristão seja amplamente influenciado por ela (1Jo
2.14) e a faça transbordar para os outros.
O texto paralelo de Efésios 5.18 -20 indica que a plenitude do
Espírito Santo no crente está fortemente associada com a
habitação da palavra de Cristo. Com ef eito, uma breve comparação
entre o versículo em análise e o texto de Efésios mostra que
ambos são substancialmente iguais, o que permite que seja
estabelecida uma grande correspondência entre ser controlado
pelo Espírito Santo e ser “invadido” no íntimo pela mensagem de
Cristo e seus ensinos. É, portanto, como se Paulo, nos dois
trechos, estivesse falando do mesmo fenômeno, mas usando
linguagem e figuras diferentes. Sendo esse o caso, estar cheio do
Espírito Santo e ser habitado pela palavra de Cristo são,
basicamente, a mesma coisa.
Os crentes em quem a palavra de Cristo habitar estarão aptos para
se ensinar e aconselhar mutuamente. Ensinar (διδάσκω) é dar
instrução, expondo e explicando doutrinas ao outro; já aconselhar
(νουθετέω) é exortar, alertar ou adm oestar alguém. O sentido
dominante é o de corrigir (1Co 4.14; 1Ts 5.14). Ora, qualquer
tentativa de realizar essas tarefas sem o uso da palavra de Cristo
redundará na mera exposição de opiniões pessoais ou na
apresentação de filosofias não cristãs e heréti cas. Infelizmente,
nos dias atuais, muitos pastores, orientadores espirituais e mesmo
crentes comuns têm agido assim. O resultado é a orientação vazia
de verdade, o conselho estéril de bons frutos e o ensino que
preserva e até induz ao erro. Isso não é de se estranhar. A palavra
de Cristo é luz (Sl 119.105; 2Pe 1.19). Se os cristãos de nosso
tempo, especialmente os mestres da igreja, continuarem a conduzir
o povo pelo vale escuro deste mundo com tochas apagadas, o
resultado será sempre o desvio, o tropeço e a queda (Is 8.19-20;
Mt 15.14).
Paulo diz que o ensino e o conselho devem ser ministrados com
toda sabedoria (σοφία). A palavra usada aqui indica conhecimento
amplo e entendimento claro, o que mostra que o crente não deve
se entregar ao ensino e ao consel ho tendo apenas noções básicas
da verdade (Veja-se tb. 1.28). O termo “sabedoria”, porém, tem
sentidos mais abrangentes. A palavra indica também habilidade,
prudência, tato e seriedade. Trata -se, portanto, da virtude de quem
tem bom juízo e clara percepção das coisas, sabendo agir de modo
adequado na hora adequada [97].
Considerando esse último sentido, o destaque que Paulo dá à
sabedoria é necessário porque, de fato, a instrução e a correção
não podem ser realizadas somente com um conteúdo bíblico. É
preciso também que sejam ministradas de modo bíblico. Sim, pois
se o crente apresentar a palavra de Cristo a seu irmão sem ser
sábio na maneira como o faz, estará, ele próprio, desobedecendo
essa mesma palavra. Nesse caso, dificilmente obterá resultados
positivos em seu trabalho. Antes, construirá barreiras entre si e
aqueles a quem tenta ministrar, criando resistências no coração
dos que o escutam. Ora, conforme o ensino neotestamentário, a
instrução e o conselho devem ser realizados com mansidão (2Ts
3.15; 2Tm 2.24-25), paciência (2Tm 4.2), seriedade (Tt 2.7),
convicção (Tt 2.15), temor (Jd 22 -23) e, algumas vezes, quando as
circunstâncias o exigirem, severa firmeza (1Co 4.19 -21). Esse é o
modo sábio como o crente deve ministrar a palavra de Cristo aos
seus irmãos na fé.
O versículo 16 termina orientando os crentes a cantar hinos a
Deus. Segundo Paulo, a comunidade cristã, ao realizar a tarefa
mútua de ensino e correção, deve fazer isso também através do
louvor, num ambiente marcado pela gratidão sincera a Deus,
expressa no entoar de “salmos, hinos e cânticos espirituais ”. Não
há grandes distinções entre esses três itens. Os salmos (ψαλμοῖς)
são versos poéticos com conteúdo piedoso (o termo aqui não se
refere necessariamente aos salmos do AT). Hinos (ὕμνοις) são
canções sacras de louvor e celebração. Cânticos espirituais (ᾠδαῖς
πνευματικαῖς) tem sentido abrangente e engloba tanto poemas
como canções resultantes do impulso do Espírito Santo sobre o
adorador.
O contexto da passagem deixa claro que o uso dessas cançõe s na
liturgia cristã está associado não somente ao louvor em si, mas
também à instrução e à correção. Há indícios de que em Colossos
os falsos mestres do gnosticismo incipiente expunham uma falsa
espiritualidade manifesta em transes e êxtases emocionais (2 .18).
Paulo mostra aqui que a experiência cristã madura está longe
97 Certamente Paulo usa palavra “sabedoria” também para atacar a heresia, cujos
mestres tentavam transmitir aos outros a falsa ideia de que eram sábios (Veja-se
2.23).
disso. Mesmo nos momentos de maior elevação espiritual, quando
a alma, estimulada pelo Espírito Santo, se volta inteiramente para
o louvor e a gratidão a Deus, o crente enuncia cânticos rac ionais e
instrutivos, preocupando-se, inclusive, com a edificação, ensino e
correção de seus irmãos (Ef 5.18 -20). Nesse aspecto a igreja dos
dias atuais tem muito que corrigir. De início, tem que aprender que
os cânticos entoados durante o culto devem ser veículos de ensino
da sã doutrina e não apenas meios de enlevo emocional ou simples
fontes de deleite musical para todos os gostos.
A expressão “salmos, hinos e cânticos espirituais ”, em suas duas
ocorrências (aqui e em Ef 5.18 -20), aparece associada à gratidão.
Com efeito, nesse último aspecto, Paulo instrui expressamente os
colossenses a cantarem a Deus “com gratidão” (χάρις). O sentido
do termo usado aqui é amplo e engloba, além de gratidão, alegria,
prazer, deleite, doçura e boa vontade. O fato é que a reunião dos
crentes precisa sempre primar pela instrução, mas nunca deve
deixar de ser leve, bonita, feliz e restauradora, com cada indivíduo
contribuindo para a construção dessa atmosfera ao manter -se
consciente de que a participação na comunidade dos ho mens
novos (3.10) é uma dádiva maravilhosa de Deus pela qual deverá
eternamente dizer “muito obrigado”.
A seção em análise termina com uma admoestação aplicável a
quaisquer manifestações da conduta humana. O Apóstolo diz “Tudo
o que fizerem” e, em seguida, circunscreve a totalidade do
comportamento humano dentro dos limites de duas esferas:
palavras e ações. Usando palavras o homem discursa, conversa,
escreve, canta e ora. No campo das ações são inumeráveis os
exemplos do que o ser humano tem ao seu alcanc e realizar. Seja
como for, uma só regra deve reger tanto as palavras como os atos
dos crentes: façam tudo “em nome do Senhor Jesus” (17). Fazer
algo em nome de Jesus significa atuar como representante dele,
agindo sob sua autoridade. De fato, o crente carr ega consigo o
dever de se comportar como um emissário do Senhor nos mínimos
detalhes de sua caminhada aqui, sob o risco de desonrar o Rei
diante do mundo e dos seus irmãos.
A última frase do versículo 17 é “... dando por meio dele graças a
Deus Pai”. Paulo, no v. 16, já incitou os crentes a uma liturgia
caracterizada por expressões de gratidão. Agora ele expande essa
admoestação, ensinando que o cristão deve dar graças ao Pai em
meio a tudo o que diz ou faz (1Ts 5.16 -18). Paulo certamente
agrega essa frase à ordem inicial do v. 17 porque muitas vezes o
homem é instado o fazer algo por força do dever e não da vontade
(Cf. vv. 18-22). Nesses momentos, reclamações e murmurações
são comuns, de modo que tanto as palavras como as ações do
crente deixam de refletir a conduta própria de alguém que faz tudo
“em nome do Senhor Jesus”. Como representante de Cristo, porém,
o cristão deve repudiar essas expressões de descontentamento e
inconformismo. Na verdade, reações assim são características de
pessoas conduzidas por uma mente carnal. Aliás, elas marcavam
exatamente a conduta dos mestres da falsa gnose tão combatida
por Paulo nessa epístola (Jd 16).
Observe-se, finalmente, que as graças rendidas pelo crente a Deus
Pai só podem ser oferecidas “por meio dele” (διʼ αὐτοῦ). Com
efeito, Cristo é o único Mediador que torna possível a aproximação
entre o homem e Deus (Ef 2.17-18; 1Tm 2.5; Hb 8.6; 9.15; 12.24).
O texto mostra, portanto, que o Senhor, através de sua obra
redentora e seu ministério de intercessão (Rm 8.34; Hb 7.2 5; 1Jo
2.1), não somente viabiliza as súplicas que o crente faz, mas
também abre o acesso para suas ações de graça, de modo que
elas cheguem ao céu como sacrifícios de aroma suave (Hb 13.15;
1Pe 2.5).
Colossenses 3.18-4.1 - A Casa dos Homens Novos
100 Deve ser lembrado que o princípio da hierarquia funcional está presente no
próprio Deus, cuja tri-pessoalidade se processa também numa dinâmica de
sujeição (Jo 16.13-15; 1Co 11.3; 15.28).
requerida não é opcional. Trata -se de um ideal que a mulher crente
precisa alcançar, se quiser de fato agir como alguém que pertence
a Cristo.
É possível que Paulo, ao mencionar nesse ponto o fato da esposa
cristã estar “no Senhor”, tenha também como propósito trazer à
lembrança de seus leitores a realidade de que Cristo é o Soberano
supremo, estando toda a igreja dentro da esfera de sua influência e
absoluta autoridade. Como é sabido, a heresia que grassava na
região de Colossos reduzia C risto a uma mera entidade angélica
entre muitas outras (2.18) e, assim, desencorajava a devoção e
obediência exclusivas a ele. Ao destacar que o crente está “no
Senhor”, Paulo evoca a noção, oposta ao pensamento gnóstico, de
que só Cristo tem o domínio sob re o seu povo, devendo cada
crente devotar-se unicamente a ele e andar, fora ou dentro de
casa, como alguém que vive sob seu senhorio.
A admoestação seguinte é dirigida aos maridos. Paulo diz que eles
devem amar “cada um a sua mulher” (19). O verbo usado aqui
(ἀγαπάω) está no Imperativo Ativo, denotando, assim, o dever de
respeitar, estimar e considerar; tudo isso aquecido pela mais forte
afeição. Agapaō também denota a atitude compassiva e terna que
deseja o bem do outro (Mc 10.21) e que trabalha para que esse
bem seja alcançado, mesmo quando não é correspondido à altura
(2Co 12.15; Ef 5.25-30). A amplitude da dimensão vivencial de
agapaō pode também ser percebida quando se observa o seu uso
aplicado a escravos e discípulos. Nesses casos, o verbo é usado
para descrever aquele que serve com fidelidade (Mt 6.24) e
permanece ao lado mesmo durante a provação (Tg 1.12).
Note-se, desse modo, que o amor devido pelo marido crente à
esposa não se perfaz nos limites da alma ou da mente. Não é um
simples impulso interior ou um incerto sentimento romântico
desbotado pela ação do tempo e encerrado em algum canto do
coração. O amor de que Paulo fala ultrapassa essas fronteiras e se
perfaz no trato do dia-a-dia, numa disposição constante,
desprendida, humilde e paciente de aperfeiçoar, alegrar, proteger e
honrar o outro.
Em Colossos, a heresia que ameaçava a igreja ia na contramão
disso tudo, pois ao envenenar os homens com a mentira de que
podiam pertencer à elite dos detentores da gnose, impingia neles
as sementes do orgulho e do consequente desprezo pelos outros,
inclusive por suas esposas. É que a falsa doutrina e a apostasia
não têm limites em seu poder de destruição. Quem as acolhe
bombardeia a igreja, devasta a própria casa e, muitas vezes, se
lança sobre espadas, trazendo terríveis dores para si mesmo (1Tm
6.10, in fine).
O v. 19 termina com uma admoestação que destaca um dos modos
como o amor devido à esposa se comporta. Paulo diz “não a tratem
com amargura”. Tratar com amargura é tradução de um verbo
apenas (πικραίνω), cujo significado básico é tornar amargo. Em
Apocalipse, aquilo que é tornado amargo provoca mal-estar e até
mata quando ingerido (Ap 8.11; 10.9 -10). Ao usar esse verbo,
portanto, Paulo está dizendo figurativamente aos maridos crentes
que eles não devem provocar mal-estar nas esposas através da
forma como as tratam (1Pe 3.7). Ironia, aspereza, grosseria,
desprezo e irritação são alguns ingredientes do veneno amargo
que muitos homens servem à sua esposa, às vezes até
publicamente. O uso deles, porém, é aqui vedado ao marido
cristão, uma vez que compõem a antítese do amor verdadeiro.
Ao concluir as considerações referentes ao que Paulo ensina sobre
o relacionamento entre maridos e esposas, cabe aqui uma breve
digressão: note-se que os versos 18 e 19 pressupõem uma relação
marital monogâmica e heterossexual. Por mais óbvio que pareça, é
preciso reafirmar às pessoas do mundo atual que o cristianismo só
recepciona o casamento nesses moldes. Ao falar sobre o
relacionamento entre os cônjuges, nenhum outro modelo transita
pela mente do Apóstolo.
É interessante notar que os pares mencionados pelo Apóstolo no
texto em análise são sempre apresentados numa sequência do
menor para o maior (esposa-marido; filhos-pais; escravos-
senhores). Certamente isso não ocorre por acaso. É possível que
Paulo queira, com essa dinâmica, dar certa primazia ao tema da
sujeição que era tão negligenciado pelos falsos mestres por causa
do orgulho que nutriam, uma vez que se consideravam superiores a
todos na esfera espiritual. Tomado por essa preocupação, o
Apóstolo passa agora a admoestar brevemente os filhos,
ensinando-lhes a obediência (20).
O dever dos filhos de obedecer aos pais é tema comum nas
páginas da Bíblia. Encontra-se implícito na ordem de honrar
presente em Êxodo 20.12 [ 101]. A gravidade do desprezo a essa
ajuda material (1Tm 5.3-4;17-18). Assim, o filho que honra os pais é aquele que,
entre outras coisas, lhes oferece provisão para a vida (Mt 15.5-6).
presente na maioria dos manuscritos), de quem se espera a
emissão de ordens
Justas [102]. Dada a grande semelhança entre as epístolas aos
Colossenses e aos
Efésios, é provável que esse seja também o caso aqui. Isso não
significa, contudo, que os filhos crentes de pais incrédulos têm
licença para desobedecê-los. Significa apenas que, no texto em
análise, é possível que Paulo não tenha em mente esse tipo de
relação. Seja como for, a regra geral é que todos os pais devem
ser honrados e obedecidos, sendo aceitável a resistência somente
nos casos em que suas ordens estejam em conflito aberto com a
Palavra de Deus [103].
A próxima admoestação de Paulo é dirigida aos pais. Sua
autoridade sobre os filhos não lhes confere apenas prerrogativas e
privilégios. Eles também têm sérias responsabilidades. Paulo as
resume num único comando: “Pais, não irritem seus filhos ” (21). O
verbo traduzido como “irritar” (ἐρεθίζω) aparece somente duas
vezes no NT, aqui e em 2 Coríntios 9.2. Seu significado básico é
“provocar” ou “incitar o rancor”. Em 2 Coríntios 9.2, Paulo usa o
termo num sentido positivo (estimular a ação). No texto em análise ,
porém, é óbvio o emprego do verbo em seu significado mais
comum de estimular a ira de alguém.
Na prática, os pais que provocam os filhos são aqueles que os
predispõem à rivalidade, criando contendas e inimizades com eles.
São os pais que adotam severidad e excessiva, tratam com
aspereza, aplicam castigos pesados demais, tecem críticas
constantes, humilham, zombam, faltam com a palavra, mentem e
agem com parcialidade, levando os filhos a se sentirem
injustiçados. São também aqueles que tratam os filhos com
indiferença, que nunca os corrigem e que, assim, os fazem pensar
102 A ordem “Filhos, obedeçam a seus pais no Senhor”, constante de Efésios 6.1,
também pode significar “obedeçam seus pais porque vocês pertencem ao Senhor”.
103 A Bíblia também não fala da idade limite para a obediência dos filhos aos
pais. Textos como Deuteronômio 21.18-21 e Tito 1.6 sugerem que a sujeição filial
é exigência que, em algum grau, alcança também a fase adulta. Não há dúvida,
porém, que a emancipação ocorre quando o filho se casa (Gn 2.24), ressalvado o
dever perene de honrar seus genitores.
que não são importantes (Pv 13.24) [ 104]. Todas essas condutas e
outras semelhantes provocam decepção, mágoa e rancor. Em
Efésios 6.4, o oposto disso é criar os filhos “segundo a instrução e
o conselho do Senhor”. Isso significa oferecer-lhes uma forma de
educação marcada pelo amor, pela paz, pela amizade, pela
decência, pela justiça e pela verdade.
Paulo ensina que os pais não devem nutrir ressentimentos nos
filhos a fim de que eles “não desanimem”. Desanimar (ἀθυμέω) é
perder o entusiasmo, a coragem ou a paixão. O filho desanimado é
aquele cujo coração deixou de pulsar fortemente, aquele cujo
espírito está quebrado. É a pessoa que perdeu o ímpeto e a
disposição para prosseguir em tudo o que fa z. É o que segue
adiante, mas sem motivação ou força de vontade. Por causa dos
ressentimentos que tem dos pais, da solidão que experimenta em
relação a eles, do desamparo de que se sente vítima e das
decepções que provou caminha desapontado e sem ânimo alg um.
Nele não existe mais disposição para entender a mente dos pais.
Trata-se de um filho infeliz, meio morto por dentro [ 105].
O último par a quem Paulo se dirige são os servos e os senhores
(3.22-4.1). Nos dias do Novo Testamento, a escravidão fazia parte
da realidade social. A existência de cerca de quatrocentos mil
escravos em Roma durante o reinado de Trajano (98 -117) dá
indícios de que, no século I, naquela cidade, um terço da
população estava sob o jugo da servidão [ 106].
Na época de Paulo, alguém se tornava escravo, basicamente, por
seis meios: sendo capturado pelo inimigo nas guerras do Império
Romano, sendo vendido por mercadores de escravos que
sequestravam pessoas com esse fim, nascendo de pais escravos,
em pagamento de dívidas, em punição pela prática de crimes
104 Na Bíblia, a falta de correção por parte dos pais gera prejuízos ainda maiores.
Geralmente, o filho sem disciplina se transforma num homem de mau caráter
(1Sm 3.12-13; 1Rs 1.5-6; Pv 29.15).
105 A experiência mostra que filhos assim tendem a se “vingar” dos pais
inicialmente através de uma secreta conduta desonrosa. Mais tarde, via de regra,
a rebelião eclode de forma assumida e aberta.
106 Para uma análise mais completa da escravidão no Império Romano no Século
I, veja-se MELICK, R. R. The New American Commentary (316): Philippians,
Colossians, Philemon. Edição eletrônica. Logos Library System. Nashville:
Broadman & Holman Publishers, 2001. vol 32.
(especialmente furto ou roubo), e por vontade própria (movido,
geralmente, por situações de desespero).
A princípio, a maior parte dos escravos foi composta por pessoas
rudes – bárbaros capturados em batalha pelos soldados romanos.
Com o avanço das conquistas do Império, porém, muitos homens
de boa formação e dotados de grandes habilidades intelectuais
foram escravizados. A esse tipo de servo os senh ores davam
funções mais nobres do que meros serviços braçais. Por isso, nos
tempos de Paulo, muitos escravos ocupavam altas posições nas
casas em que serviam, atuando como administradores,
professores, médicos e até como líderes em determinadas áreas.
Esses escravos tinham seu valor reconhecido por seus senhores e
geralmente eram muito bem tratados.
É aos escravos que o Apóstolo dirige a admoestação mais longa
dessa seção da epístola. Isso pode ser um indício de que na igreja
de Colossos havia um número con siderável de escravos, mas
também pode indicar a existência de problemas mais urgentes no
meio desse grupo. Deve-se lembrar que Onésimo, o escravo
fugitivo que se converteu com a pregação de Paulo em Roma,
pertencia a Filemom, um membro da igreja de Coloss os (Fm 8-17)
[107]. Essa fuga bem-sucedida de Onésimo que, além de fugir,
talvez tenha furtado dinheiro de Filemom (Fm 18), pode ter
encorajado os escravos crentes a resistir à autoridade de seus
senhores, praticando outras formas de rebeldia.
Além disso, deve-se destacar que os discursos dos falsos mestres
tinham reduzido Cristo a apenas um anjo entre muitos, forçando
Paulo a reafirmar o exclusivo senhorio de Jesus sobre os crentes.
Essa ênfase na supremacia absoluta de Cristo podia ser mal
interpretada por pessoas que se encontravam em posição de
subordinação, como as esposas, os filhos e os escravos. Entre
esses, os escravos eram os que mais sentiam o jugo da servidão,
tornando-se, por isso, os alvos das admoestações mais extensas
de Paulo.
Mais proveitoso, porém, do que detectar os motivos que fizeram o
Apóstolo escrever em dobro aos servos, é examinar a admoestação
em si, observando os princípios que apresenta. O texto diz:
107 A Epístola a Filemom, sendo uma das epístolas da prisão, foi escrita ao
mesmo tempo que Efésios, Filipenses e Colossenses. Uma vez que Filemom
morava em Colossos (compare Fm 2 e Cl 4.17), certamente a epístola a ele
endereçada foi enviada junto com a Epístola aos Colossenses (Cl 4.9).
“Escravos, obedeçam em tudo a seus senhores terrenos ” (22), ou,
numa tradução mais literal, seus “senhores segundo a carne” (κατὰ
σάρκα). Essa expressão denota uma autoridade exercida na esfera
física ou exterior. Paulo ordena obediência completa a esse tipo de
autoridade, mostrando que o senhorio de Cristo não a invalida. Na
verdade, o Apóstolo vai além e diz no mesmo v. 22 que essa
obediência deve ser rendida por temor ao Senhor. Fica, assim,
implícito que a sujeição dos servos a seus senhores é ordenada
pelo próprio Cristo que se dispõe a disciplinar os escravos crentes
que se rebelam.
Nesse ponto deve ser ressaltado que o cristianismo bíblico nunca
se afigura como um movimento revoltoso, tentando, pela força ou
pela coação, mudar o injusto status quo social reinante. Antes, a
postura que engendra é sempre serena, pacífica e paciente. N ão
se colhem uvas com pauladas! Por isso, as conquistas do povo de
Deus sempre lhe advieram pela via da oportunidade honesta, pelo
exemplo sábio de vida, pelo discurso verdadeiro e pelo convite à
consciência (1Co 7.20-24; Ef 6.5-8; Tt 2.9-10; Fm 15-17; 1Pe 2.18-
20). Ironicamente, o impacto que esse modelo tem exercido na
transformação da sociedade suplanta em muito o que qualquer
revolução sangrenta já foi capaz de fazer.
Ora, os séculos que precederam o presente já provaram que os
movimentos que tentaram m udar o mundo pelo uso da força,
alvoroçando as massas com suas promessas de liberdade e
justiça, serviram apenas para elevar ao poder novos ditadores que
se empenharam para se perpetuar no trono, nada fazendo em prol
da construção de uma sociedade melhor.
O cristianismo, ao contrário, sem armas, golpes, gritarias ou
ameaças, mostrou sua força pela fé paciente, pelo testemunho
notável e pela doce e ardente pregação da verdade. Com esse
“arsenal” a igreja invadiu o mundo e, enquanto os impérios foram
caindo um a um, os fracos e humildes seguidores de Jesus
imprimiram lenta e indelevelmente, em todas as culturas que
alcançaram, os princípios de igualdade e de liberdade ensinados
pelo Mestre, os quais serviram como fundamento teórico para as
leis de todos os povos civilizados [108]. Por isso, é certo dizer que
108 Quem melhor reconheceu essa influência do cristianismo sobre todo o mundo
foi precisamente seu maior oponente, Friedrich Nietzsche (1844-1900). Ele
entendeu acertadamente que para Jesus os homens tinham o mesmo valor e
também direitos iguais. No entanto, ironizou esses ensinos dizendo que dessa
“moral de rebanho”, advinda de uma classe submissa, veio a democracia. Para
escravos cristãos anônimos, transmitindo os ensinos de Jesus com
humildade e sujeição, fizeram, a longo prazo, muito mais pela
causa da liberdade do que os famosos líderes revolucionários que
figuram nos livros de história.
Paulo prossegue em sua admoestação aos servos crentes dizendo
que eles não deviam obedecer seus senhores “somente para
agradá-los quando estão observando, mas com sinceridade de
coração”. A falsidade e a bajulação hipócrita eram traços dos
mestres da mentira (Rm 16.17-18; Gl 4.17). Eram eles que, em
Colossos, se preocupavam em construir falsas aparências (Cl
2.23), sempre com o objetivo de obter vantagens pessoais (Jd 16)
[109].
Paulo estava convicto, portanto, que o comportamento teatral era
uma das marcas de quem não conhecia a verdade, bem como de
pessoas interesseiras e de mau caráter. Ademais, é possível
também que se preocupasse por saber que o uso contínuo de
encenações no serviço diário poderia facilmente se expandir e
levar o indivíduo a bancar o ator em outras áreas da vida (Gl 4.18).
Por isso, o Apóstolo ordena aos escravos que cultivem “sinceridade
de coração” (Ef 6.5). Aqui, o termo adotado por Paulo (ἁπλότης)
descreve a mente livre de segundas intenções, a alma pura que
age com franqueza, que não esconde desejos egoístas ou
sentimentos maliciosos, sendo, assim, digna de confiança.
A ordem dirigida aos escravos para que a sinceridade fosse
cultivada tinha um fundamento teológico: há um Senhor no céu que
deve ser temido. Os segredos perversos do coração e as más
motivações são conhecidos por ele e isso devia gerar temor e
mudança de comportamento nos servos cristãos. Se, por um lado,
111 Nada do que Paulo diz no texto estudado contrasta com a sua doutrina da
justificação somente pela fé (Rm 5.1; Ef 2.8-10). Tampouco suas admoestações
contradizem o ensino que ele mesmo ministra a respeito da absoluta segurança
dos salvos (Rm 8.31-39). A lição que Paulo transmite aqui é que o Senhor pune a
injustiça de todos, inclusive a de seus filhos queridos. Seu castigo paternal pode
ser aplicado tanto na presente vida (Hb 12.5-11), quanto no dia do encontro do
crente com ele (2Co 5.10). Essas punições, porém, em nada comprometerão a
eterna salvação dos que creram no Filho de Deus (1Co 3.15; 5.5).
A presente seção, em virtude de um erro na divisão dos capítulos,
termina em 4.1, com uma admoestação dirigida aos senhores,
ensinando o modo como deviam tratar seus escravos. Ora, no
mundo romano os escravos eram vistos como gado e seus donos
podiam, a princípio, tratá -los como bem entendessem. Esse
tratamento variava de acordo com o caráter e disposição de cada
senhor. Entre estes, os mais cruéis puniam, torturavam e até
matavam seus servos.
Por causa desses excessos, o Império preocupou -se, desde o
início, em inibir os maus tratos. O imperador Cláudio (41 -54), por
exemplo, na metade do século I, decretou que escravos doentes
abandonados por seus senhores fossem libertos. A Lex Petronia (c.
61 AD), por sua vez, proibia que um homem entregasse seu
escravo para lutar com as feras no anfiteatro sem a prévia
autorização do magistrado competente (a autorização só era
concedida do caso de má conduta comprovada) [ 112]. Havia
também provisão legal para que, caso um escravo fosse vendido,
sua família (esposa e filhos) o acompanhassem, mesmo que o
senhor não reconhecesse o casamento ou a filia ção. Nero (54-68),
a despeito de sua fama de crueldade, criou um procedimento legal
que dava aos servos a possibilidade de denunciar as injustiças que
eventualmente sofressem da parte de seus senhores; e no fim do
século I, Domiciano (81-96) proibiu, sob pesada multa, a castração
de escravos.
Ora, se os senhores de um império pagão revelavam noções de
humanidade em favor de pessoas que facilmente estariam sujeitas
aos caprichos maldosos dos mais fortes, o que deveria ser
esperado dos senhores cristãos? Se o s poderosos deste mundo se
empenhavam em promover a redução do sofrimento e da injustiça,
qual devia ser a atitude dos senhores crentes diante dessas
coisas?
Paulo ensina em 4.1 que os cristãos que tinham escravos deveriam
dar a eles “o que é justo e direito”. Dar o que é justo (δίκαιος) é o
oposto do comportamento descrito em 3.25. Logo, os senhores não
deveriam praticar o mal contra os servos, prejudicando -os ou
mesmo ofendendo-os. Tampouco deveriam negar-lhes o que é
“direito”. O termo que o Apóstolo usa aqui (ἰσότης) significa,
basicamente, igualdade (2Co 8.13-14). É bem provável, portanto,
112 Veja-se BERGER, Adolf. Encyclopedic Dictionary of Roman Law. Vol. 43.
Philadelphia: The American Philosophical Society, 1991. p. 557.
que Paulo esteja ensinando os senhores crentes a tratarem seus
servos da mesma forma como deviam tratar os homens livres, não
levando em conta as diferenças sociais. Esse apelo seria ainda
mais urgente no caso de ambos, senhor e escravo, serem cristãos
(3.11). Com efeito, se os senhores fossem dóceis e benignos, as
diferenças seriam menos sentidas e, fatalmente, haveria equidade,
outro significado para o termo adotado aqui.
A verdade que serve para motivar os senhores a tratarem seus
escravos com justiça e equidade é que eles também têm um
Senhor nos céus. Não são, portanto, somente os servos que devem
se lembrar da existência de um soberano celeste (3.23 -24), mas
também os senhores. Evidentemente, há um forte tom de ameaça
aqui, desencorajando os que detêm alguma parcela de poder sobre
os homens de oprimi-los com desprezo, humilhação, abusos,
enganos ou perversidades. O fato é que, se é verdade que os
senhores são merecedores de respeito e obediência sinceros da
parte daqueles que lhes estão sujeitos, é também verdade que eles
são devedores das mesmas coisas ao Senhor que têm nos céus, o
qual impõe a todos os seus servos, grandes e pequenos, a prática
zelosa da justiça, sempre mesclada de bondade, doçura e
compaixão. Por isso, a força que têm nas mãos não pode
embriagá-los ao ponto de esquecerem o Tribunal vindouro no qual,
diante do Juiz divino e supremo, responderão por cada gesto
praticado na presente vida.
Colossenses 4.2-6 - As Últimas Instruções
118 Como nos dias de Paulo o sal era usado inclusive com o propósito de
preservar os alimentos do processo comum de deterioração, existe o parecer de
que a figura usada aqui aponta também para uma conversa livre de corrupção
(Veja-se ANDERS, M. Galatians-Colossians. Holman New Testament Commentary.
Holman Reference. Broadman & Holman Publishers: Nashville, 1999. vol. 8, p.
346). É óbvio que esse entendimento não contraria a intenção do apóstolo (Cf. Ef
4.29), mas o contexto da presente passagem deixa claro que o sentido principal da
figura usada por Paulo é a forma agradável de falar.
Colossenses 4.7-9 - O Envio de Tíquico e de Onésimo
119 Em Atos 20.4, a vasta maioria dos manuscritos traz a expressão “até a Ásia”
depois de “acompanharam-no”, sendo esta a melhor leitura.
a presente carta (Tt 3.12). Na verdade, Tíquico mostrou -se fiel
companheiro de Paulo até o fim. Quando escreveu sua última
carta, já prestes a ser martirizado, o velho Apóstolo citou Tíquico
mais uma vez como um servo ainda útil no serviço do Reino (2Tm
4.12).
No v. 8, Paulo revela os dois motivos que o estimulavam a enviar
Tíquico a Colossos: informar o que se passava com ele e com os
irmãos que estavam ao seu lado em R oma e fortalecer o coração
dos colossenses [120]. Certamente, as informações que estavam
prestes a ser levadas por Tíquico fariam com que os crentes
orassem por Paulo de modo mais específico, conhecendo melhor
suas lutas, problemas e anseios. Já o fortalecim ento do coração
dos crentes de Colossos viria através das boas notícias nas quais
Tíquico relataria as expectativas otimistas de Paulo, sua possível
libertação (Fm 22) e as vitórias que estava obtendo no anúncio do
evangelho (Fp 1.12-14).
Paulo diz que Tíquico iria com Onésimo (9), chamado aqui de
irmão fiel (πιστός) e amado (ἀγαπητός). Esses termos são os
mesmos com que o Apóstolo descreve Tíquico (v. 7) e Epafras
(1.7), ambos notáveis ministros do evangelho. Paulo diz também
que Onésimo era “um de vocês”. Isso significa que ele era
procedente de Colossos. Voltando para sua cidade, tinha a missão
de, junto com Tíquico, informar os cristãos colossenses acerca da
situação de Paulo.
A maior parte das informações acerca de Onésimo procede da
Carta de Paulo a Filemom. A partir desse documento, sabe -se que
Onésimo era um escravo que havia fugido para Roma, causando
alguns prejuízos a seu senhor Filemom (Fm 1.18 -19), um cristão
honrado da igreja de Colossos, amigo do Apóstolo (Fm 1.1, 4 -7).
Por obra da providência, quando estava em Roma, Onésimo se
encontrou com Paulo que, estando em prisão domiciliar, desfrutava
120 Alguns manuscritos trazem no v. 8 a frase “para que vocês saibam como
estão”. Uma vez que essa variante textual é vazia de sentido, copistas antigos
fizeram uma pequena modificação no versículo e produziram a leitura “para que
ele [Tíquico] saiba como estão”. A evidência decorrente de manuscritos mais
confiáveis, porém, aponta para a leitura adotada pela NVI e ARA. Ademais, o
versículo gêmeo de Efésios 6.22 corrobora o uso de “nosso estado” em vez de
“vosso estado” em Colossenses 4.8. Essa leitura também se harmoniza melhor
com o propósito da visita de Tíquico mencionado em 4.7 e 9. Paramais detalhes,
veja-se METZGER, B. M. A textual commentary on the Greek New Testament.
United Bible Societies: London and New York, 1994. p. 559.
de ampla liberdade para receber pessoas em casa (At 28.30 -31).
Ouvindo a pregação do apóstolo, Onésimo se converteu (Fm 1.10)
e, agora, ciente de seu erro, aceita o conselho de voltar a
Colossos, pedir o perdão de Filemom e reassumir fielmente suas
funções (Fm 1.15). Em suas mãos levará a carta de Paulo a seu
senhor, em que o Apóstolo pede que Filemom trate Onésimo com
indulgência e benignidade, considerando que ele agora é mais do
que um escravo, tendo se tornado um irmão amado (Fm 1.8 -17).
Onésimo não é mencionado em nenhuma outra carta de Paulo além
de Colossenses e Filemom. A tradição, porém, diz que ele se
tornou bispo de Éfeso, sendo a ele que Inácio de Antioquia († c.
110) se refere em sua Carta aos Efésios, quando diz: “Foi assim,
pois, que a toda vossa grande comunidade recebi em nome de
Deus, na pessoa de Onésimo, homem de indizível caridade, vosso
bispo segundo a carne. Rogo-vos que o ameis segundo Jesus
Cristo e a ele vos assemelheis ” [121].
Mesmo não sendo possível afirmar com certeza que o Onésimo
mencionado por Inácio é o mesmo homem de que Paulo fala em
suas cartas, as informações que advêm dos escritos bíblicos são
suficientes para mostrar que o escravo rebelde de Filemom foi
protagonista de uma das mais belas histórias de transformação e
de perdão que o Novo Testamento apresenta.
121 INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos Efésios, 34. Em: GOMES, Cirilo Folch.
Antologia dos santos padres. São Paulo: Paulinas, 1979. p.33,34.
Colossenses 4.10-18 - Saudações e Orientações Finais
122 Para uma exposição mais detalhada dessa discussão, veja-se MOO. D. J. The
letters to the Colossians and to Philemon. The Pillar New Testament Commentary.
Grand Rapids: William B. Eerdmans Pub. Co., 2008. p. 337–338.
porém, é feita pelo próprio Paulo. Curiosamente, nessa citação, o
Apóstolo que outrora o havia desprezado tão severamente, no fim
da vida percebeu o amadurecimento daquele irmão, além do seu
extremo valor para a causa do Mestre. Com efeito, às vésperas da
morte, Paulo escreveu a Timóteo: “Traga Marcos com você, porque
ele me é útil para o ministério “ (2Tm 4.11).
Na verdade, o texto em análise mostra que a mudança no conceito
que Paulo, a princípio, teve de Marcos já havia ocorrido quando ele
escreveu aos colossenses. Note -se que ele afirma ter dado
instruções aos colossenses a respeito de Marcos e que, caso ele
fosse visitá-los, devia ser acolhido entre os irmãos. Isso talvez
indique que o Apóstolo tinha em mente incumbir Marcos de alguma
missão no Vale do Lico. Detalhes sobre essa possível missão,
porém, não se encontram em parte alguma do NT.
A tradição e a história da igreja também fornecem uns poucos
dados acerca de João Marcos. Geralme nte, o jovem anônimo
mencionado em Marcos 14.51-52 é reputado como sendo ele.
Pápias de Hierápolis (c. 70 – c. 140) explica que o segundo
evangelho foi produzido por Marcos sob a supervisão de Pedro.
Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica diz que Marcos
foi a primeiro missionário a ser enviado ao Egito e que ali
estabeleceu igrejas, sendo a primeira em Alexandria. Essa
informação, porém, não tem nenhum amparo histórico objetivo
[123].
O terceiro companheiro de Paulo é Jesus, chamado Justo (11). No
Novo Testamento não há nenhuma outra menção dele. Paulo o
coloca entre os três únicos judeus cristãos que estavam
trabalhando ao seu lado, ao tempo em que ele escreveu aos
colossenses.
De acordo com o texto, Jesus, chamado Justo, juntamente com
Aristarco e Marcos, eram irmãos que encorajavam Paulo enquanto
ele enfrentava as limitações e dificuldades impostas por sua
condição de prisioneiro. De fato, a palavra traduzida na NVI como
“fonte de ânimo” (παρηγορία) ocorre somente aqui no NT e
significa conforto ou consolação. O termo indica ainda uma forma
124 Veja-se ZODHIATES, S. The complete word study dictionary: New Testament
(Edição eletrônica). Verbete G3931. Chattanooga, TN: AMG Publishers, 2000.
naquele modo de vida que mantém a von tade de Deus em seu
centro.
É importante observar ainda que o conteúdo das orações de
Epafras evoca, em certa medida, as súplicas de Paulo descritas em
1.9-12. Isso revela que ambos partilhavam das mesmas
preocupações com as igrejas que estavam sob seu cui dado e
influência. Com Efeito, Paulo destaca que no coração de Epafras,
essas preocupações se estendiam às igrejas de Laodiceia e
Hierápolis (13) [125].
Hierápolis é citada somente aqui no NT. Já foi dito no comentário a
2.1 que essa cidade se situava a 23 quilômetros de Colossos.
Hierápolis era conhecida tanto por causa do poder curativo de suas
fontes termais, como por ser um centro de intensa atividade cultual
pagã. Já Laodiceia era um pouco mais próxima de Colossos,
distando cerca de dezoito quilômetros a oeste daquela cidade.
Muito maior do que Hierápolis, Laodiceia era um centro comercial
próspero que produzia lã e artigos medicinais, além de ser rica em
sua agricultura.
Considerando o grande envolvimento e preocupação de Epafras
com as igrejas dessas duas cidades da Ásia, torna-se muito
provável que elas tenham sido fundadas por esse pastor -
evangelista sob a direção de Paulo, ao tempo em que o Apóstolo
esteve fixado em Éfeso (At 19.9 -10).
Conforme foi destacado no comentário a 2.1, é importante lembrar
que a igreja de Laodiceia, apesar de todo o zelo de seus
fundadores, cerca de 35 anos depois de escrita a Epístola aos
Colossenses, foi severamente censurada pelo próprio Senhor nas
visões que João teve em Patmos. De fato, o Livro do Apocalipse
mostra Cristo reprovando a inutilidade e o orgulho dos laodicenses
(Ap 3.14-22). Tudo indica que a geração posterior de crentes
daquela cidade, sem o amparo de líderes zelosos como Paulo e
Epafras (Paulo foi executado em c. 67), havia perdido toda sua
vitalidade espiritual.
Lucas e Demas também figuram na lista de irmãos que enviam
saudações aos colossenses (14. Veja -se tb. Fm 24). Lucas é o
autor do terceiro evangelho e do Livro de Atos dos Apóstolos [ 126].
ainda que em Atos o autor faz referência ao “primeiro tratado” (At 1.1), certamente
uma alusão ao terceiro evangelho. Além disso, as duas obras têm o mesmo
destinatário, o “Excelentíssimo Teófilo” (Lc 1.3; At 1.1). Considere-se finalmente
que a autoria lucana é também defendida por escritores cristãos antigos como
Irineu, Tertuliano e Eusébio.
129 Veja-se METZGER, B. M., & United Bible Societies. A textual commentary on
the Greek New Testament. London/New York: United Bible Societies,1994. p. 560.
130 CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja
cristã. São Paulo: Vida Nova, 1984. p. 97.
Nas últimas linhas da Carta aos Colossenses, Paulo orienta seus
leitores no sentido de que a carta a eles dirigida seja lida na ig reja
dos laodicenses. Uma outra carta, escrita à igreja de Laodiceia,
igualmente deveria ser lida aos crentes de Colossos (16).
Naqueles dias, dar circulação às cartas de Paulo era comum,
considerando a autoridade apostólica do autor que o legitimava a
transmitir os mistérios de Deus ocultos de outras gerações (Ef 3.5).
Assim, essas cartas, levadas de uma igreja para outra e copiadas
por essas mesmas igrejas, eram lidas em voz alta diante de toda a
congregação (1Ts 5.27), da mesma forma como eram lidas as
Escrituras do VT (1Tm 4.13), dando indícios de que os cristãos
primitivos, já à época, as consideravam palavra de Deus, cheias de
autoridade (2Ts 2.15; 3.14). Paulo incentiva essa prática no
versículo em análise, mostrando que seus ensinos não se
aplicavam a uma igreja local em particular, mas sim a toda a
comunidade da fé.
A carta escrita aos crentes de Laodiceia , aludida no v. 16, não
pode ser identificada com precisão. É possível que tenha se
perdido, como ocorreu com outras cartas de Paulo (1Co 5.9; 2Co
2.3-4; 7.8). Porém, é geralmente aceito que se trata da Carta aos
Efésios que, sendo provavelmente uma carta circular, tinha uma
cópia endereçada aos laodicenses [ 131]. Essa hipótese é reforçada
pelo fato de que no Cânon de Marcião (Séc. II), o intrigante he rege
deu à Carta aos Efésios o título de “Carta aos Laodicenses”
seguindo, provavelmente, uma tradição antiga que identificava as
duas epístolas como a mesma e uma só [ 132].
No v. 17, Paulo ordena que Arquipo seja admoestado no sentido de
que cumpra o ministério que recebeu do Senhor. Arquipo só é
mencionado novamente em Filemom 1.2, onde aparece como
provável membro da casa de Filemom (talvez seu filho) e onde
131 Para uma discussão mais ampla, veja-se DUNN, J. D. G. The Epistles to the
Colossians and to Philemon: A commentary on the Greek text. Grand Rapids;
Carlisle: Eerdmans Publishing; Paternoster Press, 1996, onde é também discutida
a hipótese da referida carta ser procedente de Laodicéia (τὴν ἐκ Λαοδικείας).