Você está na página 1de 42

Andamos por fé

ou presunção?

Carlos A. S. Silva
1
ÍNDICE

PG
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………………… 3
1- A FÉ SALVADORA……………………………………………………………………………. 5
2 - O DOM DA FÉ………………………………………………………………………………… 7
2.1 - A MANIFESTAÇÃO DE CURA E A FÉ………………………………………………. 8
2.2 - A PALAVRA PROFÉTICA – ATITUDE DO DISCÍPULO……………………….. 9
2.3 - O ALCANCE DAS PROFECIAS………………………………………………………… 12
3 - RESPEITANDO A FÉ ALHEIA……………………………………………………………. 14
4 – ALCANÇANDO A MATURIDADE……………………………………………………….. 15
5 – A DIFERENÇA ENTRE FÉ E PRESUNÇÃO…………………………………………… 18
6 – A PRIMAZIA DE CRISTO…………………………………………………………………. 20
6.1 – A SUPREMACIA DA DOUTRINA DE CRISTO……………………………………. 22
7 – A BASE SÓLIDA DA FÉ……………………………………………………………………. 26
7.1 – PEQUENOS DESVIOS AFASTAM DO ALVO……………………………………... 28
8 – UNIDADE DO ESPÍRITO E DA FÉ…………………………………………………….. 34
8.1 – PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO…………………………………….. 37
8.2 – ALCANÇANDO A UNIDADE DA FÉ…………………………………………………. 40
9 – ADVERTÊNCIAS PARA OS ÚLTIMOS DIAS………………………………………… 41

2
INTRODUÇÃO

Os discípulos de Jesus antes de serem identificados como “cristãos” pela primeira vez em
Antioquia eram reconhecidos como “os do caminho”. Foi desta forma como os líderes da
sinagoga enviaram instruções para Paulo quanto a perseguição da igreja (At 9:2). Vemos
este tratamento amplamente utilizado pelos apóstolos no Novo Testamento. Ser cristão
acabou se tornando a nossa identificação moderna comum apesar de não representar o
que de fato somos, já que deveríamos nos apresentar como Cristo nos via: seus
discípulos, o que representa uma forma de se relacionar e andar com Ele. De qualquer
forma a expressão cunhada pelos gentios da época para se referirem aos discípulos
continha uma realidade: eles viam a Cristo na vida dos discípulos e não por apenas se
declararem como seguidores de Jesus, se hoje tem uma conotação mais religiosa, antes
era o reconhecimento pelos de fora de que as atitudes e palavras do mestre eram vistas
na vida de seus discípulos, eles estavam sendo como luzeiros neste mundo como Jesus
havia dito (Mt 5:14, Fp 2:15).

Jesus inquestionavelmente mudou a história, praticamente toda a humanidade crê que


Jesus existiu, o tempo foi dividido antes e depois dEle, mas esta “fé” é meramente
histórica e não tem implicação na vida das pessoas. Hebreus 11:6 diz: “De fato, sem fé
é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se
aproxima de Deus creia que ele existe e que se torna galardoador dos que o
buscam” (em alguns interlineares a tradução é “aquele que busca diligentemente a
Deus”). Tiago se aprofunda ainda mais neste tema quando diz que até mesmo os
demônios creem e tremem (Tg 2:19) e sabemos que os demônios não são salvos! A
ênfase não está na fé em si, mas no próprio Senhor.

Os discípulos de Jesus eram aqueles que estavam no caminho, andando em direção a uma
meta (1 Co 9:26, Fp 3:14), este andar é algo prático, não é intelectual, não é histórico e
se manifesta de diversas formas em nossas vidas nos transformando à imagem de Jesus
Cristo, como Paulo fala em Rm 8:28-29.

Devemos, portanto, andar por fé (2 Co 5:7); em amor (2 Jo 1:6); no Espírito (Gl 5:25); na
luz (1Jo 1:7) e acima de tudo, andar como Jesus andou (1Jo 2:6). Jesus é o nosso modelo
de como devemos andar, como o autor de Hebreus diz: “Portanto, também nós, visto
que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-
nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com
perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o
Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava
proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à
destra do trono de Deus.” Hebreus 12:1-2. Destaque para os três verbos desta
passagem: desembaraçando-nos, que nos fala de uma atitude de abandonarmos não
apenas o pecado mas também coisas lícitas (peso) que atrapalham nossa caminhada;
corramos, que é um andar com senso de urgência e olhando, pois precisamos sempre ter
em vista o modelo para podermos fazer esta caminhada.

3
Neste andar podemos nos desviar ou simplesmente tirar os olhos de Jesus, como Pedro
fez quando estava andando sobre as águas e começou a afundar, mas além de nos
expormos a naufragar em nossa própria vida, tirar os olhos de Jesus nesta caminhada nos
expõe perigosamente a prejudicar a vida daqueles que nos cercam, inclusive os da família
da fé.

4
1 - A FÉ SALVADORA

“Obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma” 1 Pedro 1:9

“Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das


obras da lei” Rm 3:28

“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de
Deus” Ef 2:8

“por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do seu
nome, para a obediência por fé, entre todos os gentios” Rm 1:5

“se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes, não vos deixando afastar da
esperança do evangelho que ouvistes e que foi pregado a toda criatura debaixo
do céu, e do qual eu, Paulo, me tornei ministro” Cl 1:23

“Embraçando sempre o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os


dardos inflamados do Maligno” Ef 6:16; I Tes 5:8

“Pelo que, não podendo suportar mais o cuidado por vós, pareceu-nos bem
ficar sozinhos em Atenas e enviamos nosso irmão Timóteo, ministro de Deus no
evangelho de Cristo, para, em benefício da vossa fé, confirmar-vos e exortar-
vos, a fim de que ninguém se inquiete com estas tribulações. Porque vós
mesmos sabeis que estamos designados para isto pois, quando ainda
estávamos convosco, predissemos que íamos ser afligidos, o que, de fato,
aconteceu e é do vosso conhecimento. Foi por isso que, já não me sendo
possível continuar esperando, mandei indagar o estado da vossa fé, temendo
que o Tentador vos provasse, e se tornasse inútil o nosso labor. Agora, porém,
com o regresso de Timóteo, vindo do vosso meio, trazendo-nos boas notícias da
vossa fé e do vosso amor, e, ainda, de que sempre guardais grata lembrança de
nós, desejando muito ver-nos, como, aliás, também nós a vós outros, sim,
irmãos, por isso, fomos consolados acerca de vós, pela vossa fé, apesar de
todas as nossas privações e tribulação, porque, agora, vivemos, se é que estais
firmados no Senhor. Pois que ações de graças podemos tributar a Deus no
tocante a vós outros, por toda a alegria com que nos regozijamos por vossa
causa, diante do nosso Deus, orando noite e dia, com máximo empenho, para
vos ver pessoalmente e reparar as deficiências da vossa fé?” 1 Tes 3:1-10

A fé em Cristo nos justifica e salva, não propriamente a fé, mas a graça mediante a fé
conforme Paulo fala aos Efésios. Temos que considerar atentamente o aspecto contínuo
da fé nas escrituras a fim de entendermos claramente sua aplicação em nossa salvação. A

5
expressão “fé” se apresenta no original poucas vezes na forma substantiva e
abundantemente na forma verbal, principalmente nos escritos de João, aqui com destaque
para uma das passagens mais conhecidas no meio cristão: “Porque Deus amou ao
mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele
crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” João 3:16. O termo usado aqui por “crer”
é Pisteo no Grego e possui significado primário de “obedecer”. Muitos verbos estão nas
escrituras na forma verbal que chamamos de gerúndio no equivalente do Grego “aoristo”,
ou seja, um ato continuo, esta passagem poderia ser traduzida da seguinte forma
respeitando a forma e tempo verbal do original: “Porque Deus amou ao mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que esteja crendo
agora e continue a crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” 1.Podemos observar
no relato de Hebreus esta expectativa de fé com ação contínua na vida dos chamados
“heróis da fé” e as ações que se seguiram e que comprovaram a fé deles.

A fé nos protege do maligno, nos leva a obediência. O autor de Hebreus faz uma analogia
da nossa esperança como uma “âncora da alma”. Paulo diz aos Coríntios que se nossa
esperança se limitar apenas a esta vida somos os mais infelizes de todos os homens (1 Co
15:19) e quando fala “a esta vida” se refere às mesmas coisas que Jesus se refere em
Mateus 6:25, as coisas temporais, terrenas; nossas necessidades básicas.

A maior preocupação de Paulo é que tivéssemos fé até o dia da manifestação de Jesus,


este é um aspecto futuro da aplicação da fé, mas diversas outras passagens falam dos
aspectos presentes que estão relacionados com a caminhada. Os apóstolos pouco falam
sobre as implicações de ter uma fé maior ou menor até porque Jesus quando fala sobre o
tamanho da fé diz que se ela for do tamanho de um grão de mostarda, que é uma das
menores sementes, fará coisas tremendas, ou seja, o tamanho da fé não faz diferença
para a manifestação do poder de Deus afinal somos meros vasos. Apenas uma vez vemos
os discípulos pedindo a Jesus para aumentar a fé deles e foi em um contexto de perdoar
repetidas vezes os pecados de um irmão reincidente e não relacionado a alguma
manifestação sobrenatural de poder (Lc 17:3-5).

“Logo a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo.” (AA) Rm 10:17

A fé não salva, não age espontaneamente, a fé em Cristo e em sua palavra nos salva, age
através de nós nos dando acesso a todas as verdades e poder do Reino de Deus e ela
claramente vem por ouvirmos a mensagem do Evangelho. Se quisermos crescer e andar
na fé devemos nos encher da palavra de Cristo.

1 Livro – “Uma vez salvo, salvo para sempre?” de David Pawson

6
2 - O DOM DA FÉ

A fé também é colocada por Paulo como uma manifestação do Espírito, diferente dos
aspectos mencionados antes este é especificamente usado para a edificação do corpo de
Cristo. Popularizou-se a ideia de que os dons do Espírito seriam mais ou menos como
nossos talentos naturais, alguns tem e outros não tem, mas quando Paulo aborda este
tema aos Coríntios fala na “manifestação” do dom do Espírito, o qual Ele manifesta
conforme lhe apraz (1 Co 12:7,11). É possível alguns manifestarem mais que outros
algum dom apenas pelo fato de estarem buscando mais e mais envolvidos na edificação
da igreja que os outros, desta forma o Espírito vai nos capacitando, mas o dom continua
sendo do Espírito e manifestado por nossas vidas. ” Assim acontece com vocês. Visto
que estão ansiosos por terem dons espirituais, procurem crescer naqueles que
trazem a edificação para a igreja” [NVI] 1 Co 14:12.

Jesus enviou os discípulos durante o treinamento deles e foi capacitando-os. Paulo reitera
este princípio ao dizer que aqueles que querem dons devem se envolver no serviço. O
dom da fé tem sido entendido como uma manifestação sobrenatural na provisão de Deus
em situações difíceis como vemos na lista de Hebreus 11, mas pouco Jesus ou os
apóstolos falaram sobre este dom especificamente. O que sabemos de concreto é que a
lista de dons colocada por Paulo em 1 Coríntios relaciona todos eles com a edificação da
igreja (mesmo a variedade de línguas, pois no contexto fala em interpretação também o
que torna a variedade de línguas um benefício coletivo) e não para benefício pessoal. Uma
situação em que podemos ver Paulo manifestando uma fé sobrenatural baseado em uma
palavra de Jesus dita a ele foi por ocasião do naufrágio em sua viagem para Roma, onde
sua fé foi o alicerce na vida de todos aqueles homens para não desanimarem e vemos
como resultado muitas conversões. [para maior entendimento do dom da fé sugiro a leitura do
livreto DONS E MINISTÉRIO, da série: FAZEI DISCÍPULOS – NOV 2002]

Podemos descartar o dom da fé como algum poder extraordinário que visa conceder
benefícios pessoais a quem quer que seja. Temos claramente um alerta sobre isto em
Atos 8 onde relata que Simão, o mágico, “abraçou a fé” mas muito possivelmente pela sua
experiência passada ofereceu dinheiro aos apóstolos para ter a mesma capacidade de orar
para as pessoas receberem o Espírito Santo e foi severamente repreendido pelos
apóstolos (Veremos mais detalhadamente este assunto mais adiante que envolve
doutrinas humanas que prosperaram no início do século XX).

Precisamos nos alimentar da verdade constantemente para que nossa fé seja edificada (Cl
2:7; 2Tes 1:3), podemos nos dispor na igreja para a sua edificação e com isto buscarmos
a manifestação (recursos) para este fim, sabendo que a fé opera junto com o amor
evitando que eventualmente façamos algo apenas para alcançar destaque ou notoriedade
e não para o benefício da igreja.

7
“Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a
ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não
tiver amor, nada serei.” 1 Co 13:2

“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o


maior destes é o amor” 1 Co 13:13

“Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor


algum, mas a fé que atua pelo amor” Gl 5:6

“Paz seja com os irmãos e amor com fé, da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus
Cristo” Ef 6:23

2.1 - A MANIFESTAÇÃO DE CURA E A FÉ

Possivelmente este é um dos pontos mais controversos que tem dividido a igreja a partir
do século XIX onde se estabeleceu no meio evangélico uma divisão entre grupos
conservadores que enfatizem mais o caráter e grupos que enfatizam a manifestação dos
dons. Carisma e caráter são temas igualmente enfatizados nas Escrituras, são como os
trilhos, apenas lado a lado o trem vai a algum lugar. O que devemos é evitar ir além da
doutrina deixada por Jesus e os Apóstolos (1 Co 4:6) sob o alegado pretexto de que Jesus
disse que nós faríamos coisas maiores que Ele mesmo, mas quando olhamos esta
passagem à luz do que Jesus falou em Mateus 10:25 e Lc 6:40 onde Ele diz que ao
discípulo basta ser como o seu mestre, entendemos que “maiores” não significa
“diferentes”. Devemos lembrar das palavras de João: “Todo aquele que não
permanece no ensino de Cristo, mas vai além dele, não tem Deus; quem
permanece no ensino tem o Pai e também o Filho.” 2 João 1:9

Quem nunca ouviu falar ou passou pela experiência de ter alguém que lhe entregou uma
“palavra do Senhor” que não se confirmou, ou quando recebeu oração por uma
enfermidade a pessoa que orou declarou a cura mas ela não aconteceu? Estas situações
são recorrentes na igreja e muitas vezes trazem muito sofrimento, principalmente quando
uma cura não acontece e a explicação dada por quem ministra ao enfermo é de que sua
fé era pequena. O enfermo agora tem dois problemas: a doença que permanece e o
sentimento de culpa por não ter fé. Muitos costumam dar esta resposta fundamentado
nas palavras de Jesus sem considerar que em todas as vezes em que Jesus usou esta
expressão (Mt 6:30, 8:26, 14:31, 16:8 e Lu 12:28) não foi para explicar um milagre que
não aconteceu, era apenas uma gentil repreensão de Jesus para aqueles que naquele
momento estavam tímidos, receosos em seu coração. Em todo Novo Testamento não
aparece a fé de quem recebe como condição para um milagre acontecer, exceto em uma
passagem em que Paulo, quando estava em Listra, curou um paralítico após fitar nele os

8
olhos e ver que tinha fé para ser curado (At 14:9). Esta não é uma passagem
doutrinária, nunca foi dito por Jesus ou pelos apóstolos que antes de orarmos por cura por
alguém deveríamos antes verificar se o enfermo possui fé, isto entraria em contradição
com a ordem de Jesus em Mc 16:17-18: “Estes sinais hão de acompanhar aqueles
que crêem:... se impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados” “,
onde a condição é a fé de quem impõe as mãos e não de quem recebe. Não sendo uma
instrução de Jesus ou apostólica podemos concluir que a episódio de Paulo em Listra foi
algo excepcional, que possivelmente muitos de nós já presenciamos uma ou mais vezes,
que é a manifestação do Espírito trazendo palavra de conhecimento, neste caso para
Paulo no momento em que estava orando por alguém. Portanto tentar justificar colocar
uma carga de falta de fé sobre um enfermo não curado usando a as palavras Jesus como
fundamento é desconhecer o contexto em que Jesus falou desta forma pois em todas
estas passagens em que Jesus falou da pequena fé os milagres aconteceram.

Na passagem em que Jesus está em Nazaré, registrada em Mt 13:54-58, Mateus diz que
Ele não havia feito muitos milagres por causa da incredulidade dos Nazarenos. Podemos
ler esta passagem de duas formas:

1) Que Jesus tentou fazer os milagres mas eles não se realizaram por que os Nazarenos
não tinham fé, ou:
2) Que Jesus não fez muitos milagres apenas porque Ele foi menos assediado em sua
terra natal.

A Bíblia explica a própria Bíblia, portanto devemos ficar com a opção que encontra
respaldo nos demais textos em que Jesus ou os apóstolos falam sobre o tema.

Vemos amplamente nas Escrituras que a maior parte dos milagres aconteciam com as
pessoas que assediavam Jesus, foi assim com a mulher com hemorragia (Mc 5:27-34),
com os leprosos (Lc 17:12-19) e tantos outros. Jesus acrescenta na passagem de Mateus
no versículo 57 que “não há profeta sem honra senão na sua terra e sua casa” . Os
Nazarenos não viam a Jesus como messias, não pelo menos neste momento e não por
coincidência os maiores milagres de Jesus, no sentido da quantidade de pessoas que
alcançou, ocorrerem fora de Nazaré (as duas multiplicações dos pães); uma na cidade de
Betsaida (Lc 9:10) e outra em uma região desértica próxima a Cafarnaum.

2.2 - A PALAVRA PROFÉTICA – ATITUDE DO DISCÍPULO

“É uma armadilha dizer precipitadamente: “Isto é santo!”, e só refletir depois


de fazer o voto.” Pv 20:25 NAA

9
Uma advertência sábia que Salomão nos deixou. Antes de fazer ou concluir qualquer coisa
que não esteja naquelas promessas de Deus a nós devemos refletir, meditar, ponderar. A
maior parte das palavras entregues como proféticas são feitas por irmãos bem-
intencionados mas mesmo com boa intenção podemos cometer erros, um exemplo deste
erro foi a manifestação de Pedro a Jesus quando Ele falava com respeito às coisas que lhe
haveriam de ocorrer e Pedro retrucou manifestando o sentimento do seu coração plantado
pelo diabo, ao que foi prontamente repreendido por Jesus (Mt 16:23). Nem sempre o que
está em nosso coração vem de Deus (Jr 17:9). Temos que ter humildade para entender
que estamos todos sendo aperfeiçoados, estamos todos no Caminho, aprendendo a ouvir
o Espírito Santo. O fato de estarmos a mais tempo com Cristo ou por termos maior
visibilidade “ministerial” não nos garante infalibilidade. Os erros fazem parte do
aprendizado, o que não podemos fazer é levar sofrimento para nossos irmãos baseado em
falsa profecia ou em engano do coração.

“Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam
a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver
se as coisas eram, de fato, assim.” At 17:11

Paulo nos ensina com seu exemplo qual é a atitude correta de alguém que recebe e de
quem entrega uma palavra para a igreja. O que faria alguns “ministros evangélicos”
ficarem aborrecidos hoje em dia foi motivo de elogio por Paulo, por não se considerar
superior ou inquestionável. Agimos pouco como os irmãos de Beréia pois nos
acostumamos a pensar que as pessoas que admiramos ou que parecem estar em posição
de autoridade não erram. Somos via de regra mais suscetíveis a erro por olharmos mais a
aparência do portador da palavra do que da própria palavra, mas Paulo deixa claro nesta
passagem e em outras que ele era apenas um homem, o maior dos pecadores e que
conferir o que qualquer pessoa fala em nome de Deus, seja uma pregação, profecia,
palavra de conhecimento, palavra de sabedoria ou simplesmente um conselho; deveria ser
uma prática permanente entre os irmãos.

Existe outra passagem onde vemos na prática a simplicidade das mutualidades


funcionando na igreja primitiva sem os entraves dos conceitos errados de autoridade
humana, quando Aquila e Priscila, um casal da esfera de relacionamento de Paulo, depois
de uma pregação de Apolo procurar ele para lhe expor melhor o caminho de Deus (At
18:26). Hoje em dia se um “mero” casal procurasse um pastor depois de uma pregação
para lhe expor melhor possivelmente sobre o assunto que acabou de falar, seria
considerado na maior parte das congregações um desrespeito. Este por si só é um dos
erros que dificultam este assunto de ser tratado devidamente na igreja, o fato que muitos
se colocam em uma posição que na verdade não possuem e por outro lado irmãos que se
colocam confortavelmente debaixo da orientação de seus guias em questões relativas em
que já deveria ter maturidade para decidir, agindo como Israel quando se depararam em

10
frente ao Monte Sinal após o Senhor conclamar todos para santificação e eles, com medo,
preferiram pedir a Moisés ser o mediador deles com Deus.

“Disseram a Moisés: Fala-nos tu, e te ouviremos; porém não fale Deus conosco,
para que não morramos.” Ex 20:19

Cristo é o único mediador entre Deus e os homens, o único messias (ungido).

“Jesus, porém, respondendo, disse-lhes: Errais, não conhecendo as Escrituras,


nem o poder de Deus.” Mt 22:29

Não estou falando que não devemos procurar os irmãos para nos ajudarem em nossas
dificuldades, pelo contrário, a edificação da igreja vem através das juntas e ligamentos e
nossas limitações e falhas não podem servir de desculpa para não cumprirmos com os
mandamentos recíprocos e nos edificarmos mutuamente. Não orientar alguém com receio
de errar é anular o papel das juntas e ligamentos na igreja. Os que cuidam devem sempre
lembrar que não foram colocados pelo Senhor para substituir o Espírito Santo, mas para
colaborar com Ele. Muitos na igreja repetem o que Israel fez com Moisés, rejeitando a
intimidade com Deus pela intermediação do sacerdote ou profeta. Humildade no
desempenho do serviço é fundamental para entendermos que quem edifica a igreja é o
Senhor.

“E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e
as portas do Hades não poderão vencê-la” Mt 16:18 - NVI

“Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense
de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a
medida da fé que Deus repartiu a cada um” Rm 12:3

“quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade;
porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos
anunciará as coisas que hão de vir” Jo 16:13.

Conferir o ensino não é manter uma atitude de desconfiança permanente ou desrespeito


às autoridades constituídas pelo Senhor, mas de zelo e de colocar a autoridade maior das
Escrituras sobre o que qualquer homem falar, esta foi a atitude de Paulo mesmo sendo
um Apóstolo. Para fazermos isto precisamos nos encher permanentemente da Palavra de
Deus, estando ligados ao cabeça e bem vinculados ao corpo de Cristo, sendo guiados pelo
Espírito Santo que nos iluminará e guiará por toda a verdade.

11
Se não fizermos isto corremos o mesmo risco que os filhos de Arão que ofereceram fogo
estranho ao Senhor e foram consumidos e era estranho apenas por que Deus não havia
mandado eles oferecerem, fizeram isto na presunção que seria aceito por Deus, visto que
viam seu pai fazê-lo dia após dia durante a vida deles.

O que os outros fazem não é base para ser repetido, a não ser que seja uma
imitação de Cristo! (1 Co 11:1)

2.3 - O ALCANCE DAS PROFECIAS

“Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais,
pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu
herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo.” Hb 1:1-2

Encontramos no Antigo Testamento palavras de Deus para a humanidade, para Israel e as


que são dirigidas a pessoas ou grupos específicos.

Em termos de profecia a igreja costuma se colocar em posições totalmente antagônicas,


ora rejeitando os profetas como Israel fazia constantemente, ora aceitando qualquer um
que se apresenta na qualidade de profeta e recebendo tudo o que ele fala como vindo de
Deus. Antes de acatar alguma coisa devemos ter certeza se a palavra “profética” é ou não
de Deus, nos resta a responsabilidade de tratar este assunto como orienta as Escrituras e
acatar tudo o que vier do Senhor. O Espírito nos guiará!

“Pois aparecerão falsos cristos e falsos profetas que realizarão grandes sinais e
maravilhas para, se possível, enganar até os eleitos.” Mt 24:24 NVI.

“Que ninguém afirme que é melhor do que vocês porque diz ter visões e tem
prazer em uma falsa humildade e na adoração de anjos, e dessa forma os
impeça de alcançar o prêmio. Esses homens vaidosos têm uma mente muito
carnal e orgulhosa” Cl 2:18 BV.

“Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que
não pouparão o rebanho” At 20:29

O perigo dos últimos tempos não é sermos enganados por alguém que diz ser Jesus, nós
saberemos imediatamente que se trata de um lunático ou uma distração do diabo, mas o
real perigo, dito pelo próprio Senhor, são aqueles que se apresentam como “o ungido”,
alguém enviado por Deus com uma solução para os problemas da Igreja, um método

12
novo com resultados comprovados. Messias (ungido) existe apenas um: Jesus Cristo,
todos os que realmente forem enviados por Ele saberão que seu papel na edificação da
igreja nunca é maior que os demais e muito menos que do próprio Senhor, serão homens
que veremos claramente a atitude que Jesus ensinou, de serem menores, servos dos
demais, que sabem reconhecer os outros superiores a si mesmo, homens que prestam
conta do seu trabalho (Fp 2:3).

“ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que
estou convosco todos os dias até a consumação do século” Mt 28:20

O Evangelho é simples, praticamente tudo o que precisamos está nos Evangelhos e


qualquer coisa que ultrapassar o ensino de Cristo deverá ser rejeitada por nós mesmo que
seja acompanhada de sinais e prodígios.

Para ser um mandamento não é necessário que ele seja precedido desta informação no
texto, basta que esteja apresentado na forma imperativa do verbo nos Evangelhos e na
doutrina dos apóstolos. As profecias no Antigo Testamento eram precedidas normalmente
de expressões como “assim diz o Senhor”, a fim de qualificar a autoridade da palavra,
entretanto não é assim no Novo Testamento, as ordens de Jesus ou apostólicas são
identificadas pelo tempo verbal e não pela inserção da expressão mencionada antes.
Diferente do Antigo Testamento, hoje todos os salvos possuem o Espírito habitando em si
para os guiar por toda a verdade, portanto mais importante que o instrumento usado para
comunicar a profecia é o próprio Espírito Santo na vida de quem recebe que dará o
reconhecimento a esta palavra testificando no próprio espírito de cada um.

“Não desprezeis as profecias, julgai todas as coisas, retende o que é bom”


1 Tes 5:21

“Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem. Se,


porém, vier revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro.
Porque todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e
serem consolados. Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios
profetas.” 1 Co 14:29–32

“De todo aquele que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome,
disso lhe pedirei contas. Porém o profeta que presumir de falar alguma palavra
em meu nome, que eu lhe não mandei falar, ou o que falar em nome de outros
deuses, esse profeta será morto”. Dt 18:19-20.

13
3 - RESPEITANDO A FÉ ALHEIA

A fé tem um aspecto absoluto quando se refere a certeza que podemos ter sobre os
acontecimentos se eles estiverem baseados em promessas [ Epangelia St 1860] que segundo
as Escrituras (especialmente nos escritos Paulinos), são os anúncios, proclamações ou
promessas de Deus (2 Co 1:20). Temos que aprender a separar o que é absoluto
(promessas de Deus, ensino de Jesus e a doutrina dos apóstolos) daquilo que é relativo
(opiniões, conselhos e experiências). Mesmo sendo legítimas, as experiências podem ser
específicas para uma pessoa, grupo, tempo ou lugar. Nos incomoda muitas vezes ficarmos
sem resposta sobre alguns temas nas Escrituras, mas temos que ter a compreensão que
isto é algo normal, mesmo depois de receber palavra de ensino sobre algo precisamos de
revelação espiritual, por isto Paulo orava pelos irmãos de Éfeso para que tivessem
revelação espiritual de tudo o que ele havia falado antes, para poderem compreender e
também por este motivo Jesus nos exorta a comprar colírio dEle para podermos ver
melhor (Ap 3:18).

“para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de


Deus” 1 Co 2:5

Entendemos pela exposição de Paulo em Efésios 4 que o corpo edifica o corpo e isto é
basicamente feito com o cumprimento por nós de todas as ordens que encontramos nas
Escrituras que denominamos “mandamentos recíprocos” (amai-vos uns aos outros,
ensinai-vos mutuamente, sujeitai-vos uns aos outros, etc), entendendo que o exercício
destes mandamentos deve ser acompanhado de profundo respeito pela fé de nosso irmão,
pois acima de tudo, independente do que falarmos, o Espírito deverá convencer aquele
que recebe o ensino (Jo 16:8).

“A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus. Bem-aventurado é aquele


que não se condena naquilo que aprova”. Rm 14:22.

Também diz que devemos acolher o débil na fé (Rm 14:1) e para amparar os fracos (na
fé) e consolar os desanimados (1 Tes 5:14).

Concluímos que o cumprimento dos mandamentos recíprocos nunca golpeará a fé do


nosso irmão (1 Co 8:9-12) e mesmo que ela esteja mal fundamentada, apenas mudará
pelo convencimento do Espírito Santo.

Devemos respeitar as convicções pessoais de cada um em questões relativas da palavra,


questões que se baseiam em experiências e não tem relevância na nossa salvação, como
comer ou não carne sacrificada a ídolos, tratada por Paulo em sua primeira epístola aos
Coríntios.

14
”quem come não despreze o que não come; e o que não come não julgue o que
come, porque Deus o acolheu” Rm 14:3

Uma percepção errada sobre em que nossa fé pode se apoiar (Lc 5:5) pode nos levar a
fazer (ou deixar de fazer) coisas sobre as quais o Senhor nada falou, nos levando a impor
ou carregar cargas que não foram entregues por Jesus ou pelos apóstolos (dependendo se
você é quem entrega ou quem recebe a “palavra”).

15
4 - ALCANÇANDO A MATURIDADE

O Evangelho de João mostra uma evolução da relação de Jesus com os discípulos, Ele
reforça no início sua posição de mestre (13:13) e no momento que se aproxima mais de
seu sacrifício Ele passa a chamar os discípulos de amigos (15:15), o que muda
basicamente é uma questão de pensar como o seu mestre e tomar as mesmas decisões
que ele tomaria, quando os discípulos ficariam sem a presença física do Senhor para dizer
sempre o que teriam que fazer. O mesmo acontece conosco, sempre precisamos tomar
decisões em nossas vidas e quando somos novos na fé nossa dependência dos irmãos
mais maduros é maior e na medida que amadurecemos vamos aprendendo a tomar as
decisões por termos a mente de Cristo. Quem cuida de vidas deve fazer o que o Senhor
fez com os discípulos, usou o período de treinamento para levar eles à maturidade,
ensinando a se respeitarem, se edificarem e a trabalharem juntos. Maturidade não
significa autonomia, existem temas e situações que foram ensinadas pelo Senhor e pelos
Apóstolos que dizem respeito à igreja e devem ser tomados sempre com um colegiado,
temos autonomia em questões relativas de ordem pessoal, mas não quando estamos
falando da igreja! Mesmo em questões de ordem pessoal temos que nos cercar de
conselho. Paulo na segunda carta aos Coríntios descreve este processo quando discorre
sobre como ele tomou a decisão de visitar eles (1:15-17). Ele fala que “deliberou” e ainda
faz uma ressalva que esta deliberação poderia ser na carne caso ele a fizesse sem
consultar o Espírito, o que seria uma deliberação leviana. O processo de deliberação, que
é a mesma palavra usada em outras ocasiões por ele quando fala em conselho ou parecer
[Boleuo st 1011] significa: aconselhar-se, estar atento.

O escritor de Hebreus fala que considerando o tempo decorrido os destinatários da carta


deveriam ser mestres. Muitas vezes enfatizamos apenas a definição de “mestre” de
Efésios 4 no sentido de dom específico que se confunde com a própria pessoa, mas o
autor de Hebreus diz que todos os cristãos deveriam ser capazes de ensinar outros após
determinado tempo, aqueles que não alcançam são como crianças, inexperientes na
palavra e necessitados de “leite”. Esta figura utilizada pelo autor não é um demérito
quanto ao conteúdo daquilo que ele chama de “leite” (1Pe 2:2), pois é alimento próprio
para crianças muito pequenas que não conseguem digerir o seu próprio alimento. A crítica
é que não é natural se alimentar de leite permanentemente, leite no sentido espiritual é o
resultado do processamento que os outros fazem daquilo que recebem de Deus, digerem
e passam adiante. Devemos nós mesmos processar o nosso alimento e o texto é claro em
dizer que “todos” deveriam chegar à maturidade, ou seja, desenvolver a capacidade de
processar o seu próprio alimento espiritual. Não vemos nas Escrituras uma clara
explicação do que seria o leite e o alimento sólido, mas podemos inferir que o leite, como
dito antes, é o processamento feito por outros, tal qual a mãe transfere para o seu leite
tudo o que ela se alimenta mas sintetizado de uma forma que pode ser absorvido pela
criança muito pequena. Existem diversas analogias nas Escrituras sobre a questão do
alimento e uma delas ficou registrada em Dt 8:3 quando Moisés explica a razão do deserto

16
na vida de Israel e diz: “Ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com
o maná, que tu não conhecias, nem teus pais o conheciam, para te dar a
entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da
boca do senhor viverá o homem”. Os israelitas haviam rejeitado o maná enviado por
Deus, tipo de Cristo, considerando um “pão vil”. Moisés destaca para os Israelitas a maior
importância do que procede do Senhor do que qualquer outro alimento. Jesus foi levado
pelo Espírito ao deserto e em uma das tentações do diabo Ele respondeu: “...Está
escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da
boca de Deus.” Mt 4:4. Esta é a natureza do alimento sólido: a palavra que procede
direto da boca do Senhor, recebida por nós e revelada pelo Espírito em nossas vidas com
o fim de nos tornar operosos praticantes daquilo que o Senhor deseja; nos tirando da
infância espiritual que nos leva a oscilar por todo vento de doutrina (Ef 4:14).

“Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem.” Jó 42:5

Hebreus lista temas que o autor chama de “princípios elementares” e relaciona eles com o
“leite”. Entre eles está o ensino sobre ressurreição de mortos e juízo eterno (6:2), mas em
certa ocasião quando Jesus falava com os discípulos acerca dos assuntos relacionados ao
juízo Ele claramente restringiu o que falaria aos discípulos por que eles ainda não
poderiam suportar (Jo 16:11-13). Mesmo um tema que se enquadre nos princípios
elementares da fé podem ser alimento sólido para alguém, visto não possuírem suas
faculdades exercitadas o suficiente para poder receber certa palavra ou ensino. Jesus
discernia isto com clareza e precisamos desenvolver a mesma habilidade no cuidado de
vidas, alimentar cada um segundo sua capacidade de “digerir”.

Oséias nos adverte quando diz:“conheçamos e prossigamos em conhecer ao


Senhor…” (6:3) e Paulo acrescenta:“...O saber ensoberbece, mas o amor edifica.
Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito, não aprendeu ainda como
convém saber.” 1 Co 8:1,2. Somente observando estes princípios poderemos nos
alimentar das Escrituras buscando primeiramente as respostas e direção para nós mesmos
e quando Deus permitir ajudar àqueles que o Senhor pedir como bons cooperadores dEle,
sem arrogância, sabendo a diferença entre o que é mandamento e o que é conselho;
manifestando o dom como lhe apraz. Pode levar tempo, mas certamente é melhor não
entregar uma palavra do que entregar uma palavra errada. Ensinar sem revelação do alto
é letra morta, não produzirá vida em quem ouve.

17
5 - A DIFERENÇA ENTRE FÉ E PRESUNÇÃO

Nadabe e Abiú agiram presunçosamente quando ofereceram fogo ao Senhor sem a sua
ordem. A presunção é uma das atitudes mais nefastas que podemos encontrar na vida dos
discípulos principalmente quando está relacionada ao cuidado dos irmãos, pois enquanto
que o erro de Nadabe e Abiú trouxe consequências apenas para eles, vemos no episódio
da chegada dos Israelitas na fronteira de Canaã relatada em Dt 1:21-46 uma
consequência para toda a nação. A ordem primária de Deus era para que entrassem mas
os Israelitas em conselho entre si resolveram enviar espias para ver um melhor caminho,
o relatório dos espias fez o coração dos Israelitas esfriarem, apesar do potencial da terra
ficaram preocupados com seus ocupantes. Vemos que Deus considerou esta atitude
rebeldia (1:26) e ordenou que voltassem. Não desejando retornar para o deserto,
novamente o povo se reuniu em conselho* e resolveram avançar para Canaã ao que
Moisés chamou esta atitude de presunçosa (1:43), o resultado é que o povo foi derrotado
e tiveram que retornar para o deserto como Deus havia ordenado. Vemos nesta passagem
que o nome de Deus foi usado para induzir outros a seguirem por um caminho que não foi
determinado por Ele. Aqui neste episódio a presunção dos líderes foi acompanhada por
todos os Israelitas e todos sofreram a consequência.

* Mesmo que algo seja feito por muitos ou decidido por muitos, não significa
que seja a vontade de Deus

“Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não


vêem” Hb 11:1

Esta é uma definição bíblica de fé que encontramos em Hebreus e ela representa o


aspecto mais importante da fé que o autor está querendo resgatar e que vemos
enfatizada em quase toda a carta, que é a esperança da nossa salvação, das coisas
vindouras relacionadas ao Reino de Deus. Muitas vezes as circunstâncias esfriam nossa fé:
expectativas não atendidas, lutas, etc e somos lembrados que o mais importante ainda
está por vir, a nossa redenção.

“Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de
glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem,
mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se
não veem são eternas.” 2 Co 4:16-18

Entretanto, vemos o vocábulo “fé” 2 aplicado em diversas outras ocasiões nas Escrituras
com ouras definições, que podem ser: Confiança, compromisso, fidelidade, lealdade,
aquilo que evoca confiança, certeza.

2 Lexico do N.T. Grego – Português, Ed Vida Nova

18
Pelo dicionário presunção significa: Ato de presumir ou de se presumir; Julgamento
feito a partir de indícios, hipóteses ou aparências. Suposição que se tem por verdadeira.

Vendo o episódio com Israel percebe-se claramente que a presunção do povo se baseava
na expectativa que Deus daria vitória para eles em razão de sua primeira ordem que era
de entrar em Canaã e tomar posse dela.

A fé legítima somente é baseada na palavra de Deus e neste caso ela havia sido retirada
de forma objetiva, agir fora desta base é mera presunção baseada em ordens antigas ou
mesmo dada a outras pessoas que supomos que sejam estendidas a nós. É bom destacar
que não havia desconhecimento de Israel quanto a retirada da ordem, mas uma
deliberada desobediência, fruto de remorso.

Cristão imaturos agem precipitadamente sem refletir, agem facilmente por convencimento
dos outros, mas mesmos pessoas maduras com aguçado senso de autoridade espiritual
podem as vezes deixar de buscar a Deus em questões de grande responsabilidade no
sentido da direção de suas vidas e virem a se desviar do propósito de Deus. As vezes
tomamos decisões baseado em uma experiência anterior com a mesma situação, mas nem
sempre situações semelhantes terão decisões iguais; principalmente se for em outro
contexto ou com outra pessoa. Podemos tomar como exemplo Paulo decidindo sobre uma
viagem para Corinto onde disse que deliberou sobre a conveniência desta viagem (2 Co
1:15-17), mas em outra ocasião quando decidiu ir para a região da Ásia o Espírito Santo
impediu eles (At 16:6). Duas viagens, propósitos semelhantes, mesma pessoa, uma
autorizada pelo Espírito e outra não. Graças a Deus que Paulo, bem como todos nós,
estamos debaixo do governo do Senhor e se por algum motivo tomarmos alguma decisão
errada ainda poderemos ser corrigidos pelos nossos irmãos ou pelo próprio Espírito Santo.

Questionar uma palavra entregue não é o mesmo que julgar a pessoa que entregou, Jesus
nos ensinou: “Não julguem para que vocês não sejam julgados” , isto compete a Ele
e se refere basicamente a salvação, mas o que falamos e fazemos está sujeito a
julgamento, sem este julgamento ficamos impossibilitados de praticar as mutualidades,
pois para podermos exortar ou admoestar alguém precisamos avaliar que este irmão está
cometendo algum erro e isto é feito com julgamento.

“Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados” 1 Co 11:31

19
6 - A PRIMAZIA DE CRISTO

“E nos revelou o mistério da sua vontade, de acordo com o seu bom propósito
que ele estabeleceu em Cristo, isto é, de fazer convergir em Cristo todas as
coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos” Ef 1:9-
10

“Da mesma forma, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é a nova
aliança no meu sangue, derramado em favor de vocês” Lc 22:20

“Chamando “nova” esta aliança, ele tornou antiquada a primeira; e o que se


torna antiquado e envelhecido está a ponto de desaparecer” Hb 8:13

Este é um assunto que pode trazer algum desconforto pois no meio evangélico se
estabeleceu um costume de usar indiscriminadamente as promessas feitas à Israel como
se fossem para a igreja ou por crerem na teologia da substituição. Também usamos as
personalidades bíblicas do Antigo Testamento como referência para nossa vida hoje e
exemplos a serem imitados. O mais interessante é que o próprio autor de Hebreus se
refere a estas pessoas tão admiráveis da seguinte forma: “Ora, todos estes que
obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização
da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que
eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados” Hb 11:39-40. Eles olhavam pela fé para
a frente almejando estar em nosso lugar e muitos de nós olham para trás como se eles
tivessem algo que nós não temos!

Se não tivermos Cristo como nosso modelo, não adiantará absolutamente nada
olharmos para o exemplo de personalidades bíblicas, seja ela do velho ou do
novo testamento

“Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas
mesmas que testificam de mim.” Jo 5:39

Quase todas as referências do Velho Testamento que são reproduzidas no Novo


Testamento falam direta ou indiretamente de Cristo, apontam para o Salvador e Messias
(1 Pe 2:6). Cristo é o tema de Gênesis a Apocalipse!

“edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo,


Cristo Jesus, a pedra angular;” Ef 2:20

20
Em questões doutrinárias a única fonte da edificação da igreja tem a base exclusiva dos
apóstolos e profetas, tendo Cristo como a pedra de esquina (Ap 21:2,14).

“Estas coisas (questões relativas da Lei) são sombras do que haveria de vir; a
realidade, porém, encontra-se em Cristo”. Cl 2:17

A primazia de Cristo sobre a Lei e os profetas foi um processo gradual no entendimento


dos discípulos, que eram Judeus. Na passagem no monte da transfiguração onde Moisés e
Elias aparecem conversando com Cristo e Pedro decide fazer uma tenda para cada um
deles, uma voz intervém do alto e diz: “Enquanto ele ainda estava falando, uma
nuvem resplandecente os envolveu, e dela saiu uma voz, que dizia: “Este é o
meu filho amado de quem me agrado. Ouçam-no!” Mt 17:5 NVI

Se Pedro mesmo sendo um dos discípulos mais próximos equiparou pelo menos nesta
passagem Jesus com a Lei e os profetas, quanto mais nós podemos sutilmente cometer
este mesmo erro? Cristo é o modelo de vida e obra a ser seguido pelos discípulos, o resto
tem que estar de acordo com este modelo caso contrário não trará nenhuma contribuição
para o cumprimento do propósito eterno de Deus!

“Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo,”
1 Tim 1:8

Paulo diz que a Lei pode ser usada por nós desde que seja aplicada corretamente (2 Tim
3:16), como um aio (Gl 3:24,25).

Os reformadores destacaram cinco verdades absolutas da vida cristã que deveriam nos
servir de guias: as Escrituras, a Graça, a Fé, em Cristo e a Glória a Deus; mas podemos
constatar que muitas das práticas erradas no meio evangélico tem base bíblica neste e em
outros fundamentos. Eventualmente são partes da verdade mas que recebem muita
ênfase, mas ainda assim são bíblicas e poderosas o suficiente para arrastar seguidores e
produzir dano. A reforma teve méritos tremendos na vida da igreja, mas não foi a
restauração de todas as coisas, profetizada por Pedro em Atos. A revelação não cessou ou
se esgotou em Lutero e nos reformadores iniciais, ela avançou e o Solus Christus que
enfatizava inicialmente a salvação unicamente em Cristo tem restaurado um aspecto
importante de Jesus já destacado por Eusébio de Cesaréia 3 (um dos pais da igreja do
período apostólico) que apresentava a Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei. É exatamente
na questão do senhorio de Cristo que percebemos a primazia de Cristo não apenas sobre
qualquer outra autoridade humana mas também como suprema autoridade sobre as
Escrituras pois ele é o próprio Verbo Encarnado, Ele é o Rei dos reis e Senhor dos
senhores (Jo 13:13, 1 Tim 6:15).

3 Eusebio de Cesareia – Historia Eclesiástica, CPAD, cap III

21
Cristo deve ser recolocado a sua posição central no propósito eterno de Deus, não apenas
seu ensino, mas a sua vida e obra devem guiar nossas vidas. Precisamos ver a Cristo em
toda a Escritura, se não fizermos isto corremos o risco de nos apegarmos a práticas
ultrapassadas que não aperfeiçoam nada, apenas dão um brilho externo em uma vida
distante da vontade de Deus e nos tornamos como os fariseus, apenas sepulcros caiados,
como Jesus advertia.

6.1 A SUPREMACIA DO ENSINO DE CRISTO

“Não haverá traje de homem na mulher, e nem vestirá o homem roupa de


mulher; porque, qualquer que faz isto, abominação é ao Senhor teu Deus.” Dt
22:5

Esta passagem é muito utilizada por algumas denominações evangélicas para


fundamentar que as mulheres não podem usar roupas de homem (sem entrar no mérito
do que é roupa de homem e de mulher, não é este o objetivo), sendo que a continuação
também diz:

“...Quando um homem tomar mulher e, depois de coabitar com ela, a


desprezar, e lhe imputar coisas escandalosas, e contra ela divulgar má fama,
dizendo: Tomei esta mulher, e me cheguei a ela, porém não a achei
virgem;...Porém se isto for verdadeiro, isto é, que a virgindade não se achou na
moça, Então levarão a moça à porta da casa de seu pai, e os homens da sua
cidade a apedrejarão, até que morra; pois fez loucura em Israel, prostituindo-
se na casa de seu pai; assim tirarás o mal do meio de ti.” Dt 22:13-14, 20-21

A questão é: se aplicarmos o versículo 5 deste capítulo para fundamentar a obrigação de


homem e mulher usarem roupas diferentes por ser “palavra de Deus”, estamos obrigados
por analogia a cumprir com os demais preceitos da mesma passagem, que diz entre
outras coisas que se uma jovem casar não sendo virgem e o marido descobrir depois, ela
deveria ser apedrejada até a morte! Desconheço que algum grupo que se diga cristão
pregue o apedrejamento de mulheres que casaram sem ser virgens.

Gostamos das promessas do Velho Testamento, mas podemos rejeitar jeitosamente as


exigências contidas nela. Não podemos desprezar nada das Escrituras que se aplique
diretamente a nós, mesmo que seja difícil mas como já vimos estamos todos debaixo da
Graça na nova Aliança e não da Lei e ao alcance “legal” dela (Rm 7:6). Não se trata de
uma interpretação atualizada das Escrituras de forma a conformar ela com o mundo ou
nossos interesses, mas de aplicar as Escrituras corretamente como Paulo exorta a Timóteo
(2 Tim 2:15).

22
“Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a
colocar-vos debaixo do jugo da servidão. Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos
deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. E de novo protesto a
todo o homem, que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a
lei.” Gl 5:1-3

“Conheço a tua tribulação, a tua pobreza (mas tu és rico) e a blasfêmia dos que
a si mesmos se declaram judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás.”
Ap 2:9

W. Nee no livro “A ortodoxia da Igreja” faz uma exposição sobre as cartas de Jesus em
Apocalipse onde denuncia a presença de judaizantes na igreja. Não são Judeus de fato,
não se trata de uma crítica aos Judeus mas gentios que agem como Judeus. Nee chama
os judaizantes junto com os Nicolaítas, o ensino de Balaão e Jezabel da linha de oposição
dentro da igreja. [O judaísmo é uma religião nesta terra, o que eles possuem é um
templo material, regulamentos de letras, sacerdotes mediadores e gozo nesta
terra]...[Mas é assim no Novo Testamento? A característica especial da igreja é que
não há lugar e nem templo, pois nós, o povo, somos os templos. Efésios 2:21-22
diz: “No qual todo edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao
Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para habitação de Deus no
Espírito”. A característica da igreja é que o seu corpo é a habitação de Deus]...[Na
igreja Deus habita no homem; no judaísmo, Deus habita em uma casa. Os homens
pensam que se forem adorar a Deus eles precisam de um lugar. Alguns até chamam
o templo de “igreja”. Isso é judaísmo não igreja!”], diz Nee.

Todos os que foram batizados morreram e com isto se “livraram” do alcance


legal da Lei e estamos hoje sujeitos a Nova Aliança – Rm 6:1-11

“Não se aborreça por causa dos homens maus e não tenha inveja dos perversos
pois como o capim logo secarão, como a relva verde logo murcharão. Confie no
Senhor e faça o bem; assim você habitará na terra e desfrutará segurança.
Deleite-se no Senhor, e ele atenderá aos desejos do seu coração. Entregue o
seu caminho ao Senhor; confie nele, e ele agirá: ele deixará claro como a
alvorada que você é justo, e como o sol do meio-dia que você é inocente.
Descanse no Senhor e aguarde por ele com paciência; não se aborreça com o
sucesso dos outros, nem com aqueles que maquinam o mal. Evite a ira e rejeite
a fúria; não se irrite: isso só leva ao mal. Pois os maus serão eliminados, mas os
que esperam no Senhor receberão a terra por herança. Um pouco de tempo, e
os ímpios não mais existirão; por mais que você os procure, não serão
encontrados.” Sl 37:1-10

23
Alguns Salmos particularmente são usados por pregadores para proclamar vitória do
crente sob as adversidades como uma promessa para aqueles que confiam no Senhor. O
Salmo 37 é um deles e tem uma promessa de atender os desejos do coração e para isto
não há limite, posso desejar o que quiser, a única condição é confiar no Senhor e fazer o
bem. Muitos cristãos têm grande dificuldade com situações de sofrimento em suas vidas
por olharem exatamente passagens como esta que estão no Velho Testamento e
representam uma situação específica que não diz respeito a nós diretamente, por fim
ficam frustrados quando se apoiam nesta passagem com fé, os inimigos não são
eliminados e o sofrimento continua. Este erro acontece por desconsiderarmos a Cristo
como nosso mestre e o ensino dEle, se fizéssemos isto lembraríamos de suas palavras no
sermão do monte, quando lançou as bases do seu Reino e disse:

“Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em


celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor
do que elas? Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma
hora que seja à sua vida? Por que vocês se preocupam com roupas? Vejam
como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu
lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles.
Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao
fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens de pequena fé? Portanto, não se
preocupem, dizendo: “Que vamos comer?” ou “Que vamos beber?” ou “Que
vamos vestir?” Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai
celestial sabe que vocês precisam delas. Busquem, pois, em primeiro lugar o
Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas.
Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas
próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal.” Mt 5:25 – 6:34

Este é apenas um dos exemplos em que podemos perceber com bastante clareza a
diferença da doutrina de Cristo e muitos ensinos no Velho Testamento. Em diversas
ocasiões encontramos Jesus ensinando e acrescentando em sua fala: “eu porém vos
digo…” sendo uma clara referência a conceitos prévios que seus ouvintes tinham sobre
aquele assunto e que estavam na Lei, nos livros históricos ou proféticos e mesmo na
tradição dos anciãos [Talmude Judaico].

O ensino de Jesus em Mateus tem as seguintes aplicações de ordem prática: Jesus nos
ordena a colocar o Reino em primeiro lugar (condição), diferente da condição do Salmo 37
que falava em confiar e fazer o bem. Colocar o Reino em primeiro lugar tem implicação
direta com sujeição ao Senhor deste Reino, que é o próprio Jesus, depois uma mudança
de valores intrínseca a este Reino abordada em todos os capítulos 5, 6 e 7 e por fim a
promessa, de que nós não passaríamos NECESSIDADE, e isto é diferente de DESEJOS. A
promessa de Jesus era que “todas estas coisas” nos seriam acrescentadas, e não “todas
as coisas”. O próprio texto explica que coisas são estas (comer e vestir) que são

24
necessidades básicas. Se fosse uma questão de escolha certamente ficaremos como
Salmo 37 e não com Mateus 6, mas na verdade não temos escolha, a não ser que
sejamos Judeus ou não batizados em Cristo!

“Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas
que entre vós profetizam e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do
seu coração, não o que vem da boca do SENHOR” Jr 23:16

Até mesmo no Antigo Testamento encontramos diversas passagens onde o Senhor


demonstrou o seu descontentamento com os profetas que tinham uma palavra doce aos
ouvidos de Israel em momentos em que ele queria na verdade trazer correção, inclusive
muitos Salmos de correção, que parecem não fazer parte do repertório da grande maioria
dos pregadores.

“fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três
vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar em jornadas, muitas
vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre
patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no
deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos em trabalhos e
fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes;
em frio e nudez.” 2 Co 11:25-27

Paulo certamente gostaria como homem de ter uma vida mais tranquila, mas no início de
sua caminhada com Cristo ele recebeu a seguinte palavra através de Ananias: “eu lhe
mostrarei o quanto importa sofrer pelo meu nome” At 9:16. Paulo nunca reclamou
de sua condição, nunca confrontou o Senhor baseado em alguma promessa do Velho
Testamento, somente na ocasião em que estava com um “espinho na carne” orou
intensamente ao Senhor para livrar ele deste sofrimento, não tendo conseguido ser
atendido em seu pedido mas recebido a seguinte resposta: “ A minha graça te basta,
porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me
gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo.” 2 Co
12:9

“Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim; porquanto
também por ele é o amém para glória de Deus, por nosso intermédio” 2 Co 1:20

Não tem outra forma de termos certeza [fé] a não ser que seja baseado nas promessas de
Deus, que pode ser a todos indiscriminadamente como no caso de Mateus 6 ou específica
no caso de Paulo com respeito ao espinho na carne que lhe trazia sofrimento, a questão é
se estamos preparados como Paulo para ouvir que o sofrimento continuará mesmo depois
de termos colocado diante de Deus nossa insatisfação com algum sofrimento!

25
7 - A BASE SÓLIDA DA FÉ

“e, vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-se dela; e, não tendo
achado senão folhas, disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti! E a figueira secou
imediatamente. Vendo isto os discípulos, admiraram-se e exclamaram: Como
secou depressa a figueira Jesus, porém, lhes respondeu: Em verdade vos digo
que, se tiverdes fé e não duvidardes, não somente fareis o que foi feito à
figueira, mas até mesmo, se a este monte disserdes: Ergue-te e lança-te no
mar, tal sucederá e tudo quanto pedirdes em oração, crendo, recebereis”
Mt 21:19-22

“E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja
glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei”
Jo 14:13-14

“E esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa, segundo
a sua vontade, ele nos ouve.” 1 Jo 5:14

Quando Jesus fala em Mateus 21 sobre oração aparentemente não é colocada nenhuma
condição para um pedido ser atendido como ele faz no evangelho de João, digo
aparentemente pois no versículo 21 ele acrescenta a condição: “ter fé”, que não é um
poder abstrato para realizamos nossos desejos, mas uma confiança em Cristo. O verbo
“ter” [Strong-2192] usado por Jesus qualifica a “fé”, seu sentido no original é: “estar
intimamente ligado a uma pessoa ou coisa”. A passagem com seu sentido original diz que
todos que estiverem intimamente ligados a Cristo pedirão segundo a sua vontade e dentro
desta condição tudo é atendido! Paulo estava intimamente ligado a Jesus, nenhum de nós
tem dúvida sobre isto e a resposta veio clara para ele, talvez não no tempo que ele
desejaria, mas veio. Isto deve servir de exemplo para nós, que nossas orações podem
muitas vezes levar mais tempo para serem respondidas do que esperamos.

“Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite,
embora pareça demorado em defendê-los?” Lc 18:7.

Soberania de Deus é um tema que muitos não gostam pois nos tiram do controle e deixa
claro que Deus é o Senhor na nossa relação, mesmo entre as coisas enquadradas como
promessas devemos considerar que o tempo é dEle. Lembremos da história de Abraão
que recebeu uma promessa de Deus de fazer dele uma grande nação e como ela estava
demorando para se cumprir resolveu acatar a sugestão de sua esposa e coabitar com a
escrava para ter um filho, o resultado disto todos bem conhecemos, o fruto desta relação
gerou a Ismael que veio a se tornar o pai de grande parte dos povos árabes que fazem
guerra contra Israel até hoje. Via de regra quando tentamos dar uma “mãozinha” para as
promessas de Deus serem mais rápidas ocorrem resultados indesejados.

26
“Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou,
porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?” Rm 8:32

Boa parte dos erros praticados na igreja estão relacionados a uma tendência a selecionar
trechos isolados das Escrituras que mais nos agradam sem observar o contexto, é o
“efeito instagram” (ou “versiculismo”, como Marcos Moraes chama) que veio a substituir
as antigas “caixinha de promessas” que visam nos municiar diariamente de passagens
agradáveis sem uma preocupação com o contexto. Ao se usar esta passagem de forma
isolada pode-se ter a impressão errada sobre o limite de “todas as coisas” e
principalmente por parecer uma contradição com o ensino de Jesus, mas isto é apenas
resultado de não olharmos o contexto. Quando lemos todo o capítulo 8 de Romanos (pelo
menos) vemos Paulo falando entre os versículos 18 até o final sobre as adversidades pelas
quais passaremos como eleitos, inicia falando dos “sofrimentos do tempo presente”,
no versículo 23 fala que aguardamos a “adoção de filhos e a redenção de nosso
corpo”, diz no 26 que “não sabemos orar como convém”, no 28 que “todas as
coisas cooperam para bem daqueles que amam a Deus” , no 29 que “fomos
predestinados para sermos conforme a imagem do seu Filho” e, por fim, no 31,
antes de versículo que todo mundo lembra ele fala: “Que diremos, pois, à vista destas
coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?”, a conclusão do que Paulo
intencionava falar no versículo 32 está também intimamente ligado com a palavra “destas
coisas” do versículo anterior, ele não está falando de bens terrenos, mas sim de
capacitação em Cristo para podermos continuar a avançar até conquistarmos aquilo que
nos conquistou, à imagem de Cristo e nossa redenção, tanto é assim que Paulo fala
claramente nos versículos seguintes que somos mais que vencedores por meio de Cristo
mesmo passando por tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez ou perigo!

“Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas,


diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de
graças” Fp 4:6

Podemos e devemos levar todas as nossas petições ao Pai, foi uma das primeiras coisas
que Jesus nos ensinou foi a orar, mas a própria oração ensinada por Jesus possui um
pequeno elemento que diz respeito a nós particularmente quando diz para orarmos pelo
alimento cotidiano. É interessante nossa capacidade de acrescentar coisas relativas àquilo
que Jesus ou os apóstolos ensinaram e que é absoluto! Paulo no início do capítulo 4
começa sua fala com “portanto”, o que faz uma ligação com aquilo que ele vinha falando
no cap 3 e para podermos entender o cap 4 temos que ler o capítulo anterior, que
discorre entre os versículos 17 e 20 sobre os inimigos da cruz de Cristo diz que “o deus
deles é o ventre… e que se preocupam apenas com coisas terrenas” . Além de
falar que devemos levar a Deus nossas petições, conclui logo em seguida que “ tudo
posso naquele que me fortalece”.

27
Devemos firmar o propósito de não andarmos e principalmente não ensinarmos baseado
em passagens isoladas das escrituras, este assunto é tão sério que Jesus fala das
consequências em modificar as suas palavras, minimamente que seja (Ap 22:19).

Texto sem contexto é pretexto

“Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores,


especialmente os da circuncisão. É preciso fazê-los calar, porque andam
pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância.”
Tito 1:10-11

O termo usado por Paulo acima para “insubordinados” tem também a aplicação no original
por “revoltados ou desordenados”. Paulo não está falando de um ataque de fora, mas sim
de dentro. É triste reconhecer isto, mas lembre dos inimigos da igreja que Jesus fala em
apocalipse, todos estavam “dentro”. Quando Paulo escreve a Tito alerta ele sobre irmãos
que, em uma linguagem de hoje, chamaríamos de “falastrões” (com uma palavra frívola,
que significa: inconsistente, leviano, sem importância mas no original tem um sentido
mais forte: “pessoa de fala sem sentido ou maligna”).

Temos que aprender a identificar estas pessoas pois não podemos seguir o seu ensino,
mesmo que possa parecer em determinado momento que é algo pequeno, insignificante e
que não fará mal.

7.1 – PEQUENOS DESVIOS AFASTAM DO ALVO

“Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a
massa toda?” 1Co 5:6

O que representa 1º (um grau) de desvio em uma direção? Qualquer matemático dirá que
depende da distância do objeto. Se estivermos praticando tiro com arco esportivo um alvo
a 10 metros de distância 1º representará um desvio de 17 cm do centro, ou seja, acertará
o alvo na parte central e ganhará pontos (mesmo não sendo o máximo), mas se
estivermos falando de lançar um foguete para a Lua que fica a 384.400 km da Terra, um
desvio de 1º fará com que o objeto lançado passe a mais de 5.000 Km de sua superfície.
No Grego clássico a palavra traduzida por pecado [Hamarthia] tem a raiz no original com o
significado de “errar o alvo”, nosso alvo é Cristo como Paulo fala na epístola aos Filipenses
e qualquer desvio, por menor que seja, certamente nos afastará dEle.

Doutrinas levianas podem sutilmente nos desviar da vontade de Deus e compete a nós
nos apegarmos com firmeza às verdades recebidas para não sermos envolvidos por
sofismas e mentiras, pois a maior parte das vezes até mesmo frivolidades são

28
apresentadas com coerência e base bíblica. No início do século XX nos EUA o Movimento
Palavra de Fé (ou teologia da prosperidade), confissão positiva, entre outros se
popularizaram na igreja. Sem desconsiderar aspectos positivos dos movimentos, as bases
bíblicas que deram sustentação a sua doutrina de alcançar coisas de Deus mediante
declarações era muito frágil, mas como apelo à alma era forte, o ensino prosperou. Parte
de sua doutrina se baseava na suposta diferença das palavras Rhema e Logos nas
Escrituras, sendo atribuído a Rhema o uso em caso de palavras diretas dadas por Deus ou
algum mensageiro e Logos a palavra geral de Deus expressa nas Escrituras para todos, a
palavra escrita. Esta definição não encontra respaldo em nenhum dicionário do Grego e
podemos encontrar no Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento Ed. Vida
Nova as seguintes aplicações para estes dois vocábulos nas Escrituras:

Logos: Palavra, expressão vocal, significado e suas variantes: contar, falar, dizer, entre
outros.

Rhema: palavra, expressão vocal, coisa, assunto, evento, caso.

Entretanto, mais importante que uma definição de dicionário é a aplicação da referida


palavra no texto bíblico que nos dará seu real significado e isto pode ser checado por
todos.

Ao pesquisarmos no N.T.4 a aplicação destes vocábulos no original, encontramos Logos


sendo usado 337 vezes e Rhema 67 vezes no Novo Testamento

Passagens com uso de Logos: Mt 7:24, Mc 10:22, Lc 22:61, Jo 1:1.

“No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus”
Jo 1:1 NVI

João diz que Jesus era a própria Palavra de Deus “no princípio”, a palavra criadora de
Deus expressa de forma vocal quando criou todas as coisas: Disse Deus…

“Mas o centurião respondeu: Senhor, não sou digno de que entres em minha
casa; mas apenas manda com uma palavra (logos), e o meu rapaz será curado”
Mateus 8:8

As passagens de Mateus, Marcos e Lucas citadas (centurião, jovem rico) refere-se a Jesus
falando diretamente com o seu interlocutor. Eram palavras específicas, diretas. Segundo
estas novas doutrinas nestas passagens deveria ser usado Rhema mas a palavra usada foi
Logos.

4 The Word Study Concordance By George V Wigram and Ralph D Wimter [KJV]

29
Passagens com uso de Rhema: Mt 18:16, Mt 26:75.

“Digo-vos que de toda palavra [rhema] frívola que proferirem os homens, dela
darão conta no Dia do Juízo” Mt 12:36

Estas passagens possuem o vocábulo Rhema no original, mas destacaria o versículo de Mt


26:75 pois trata rigorosamente do mesmo episódio relatado em Lc 22:61, com a diferença
que Mateus chamou as palavras de Jesus de Rhema e Lucas de Logos. Mesma situação,
palavras diferentes usadas, mas o que elas tem em comum? Apenas o fato de serem
“expressões vocais” de Jesus e quem escreveu os evangelhos, inspirados pelo Espírito
Santo, entendeu que não faria qualquer diferença usar Rhema ou Logos nesta passagem
pois significava a mesma coisa.

“pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível,


mediante a palavra [logos] de Deus, a qual vive e é permanente. Pois toda
carne é como a erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e
cai a sua flor a palavra [rhema] do Senhor, porém, permanece eternamente.
Ora, esta é a palavra [rhema] que vos foi evangelizada”. 1 Pe 1:23-25

Em dois versículos tratando da mesma situação Pedro usa Logos e Rhema de forma
intercalada.

Com a leitura das passagens da Bíblia sabendo qual o vocábulo do Grego foi utilizado é
possível entender que Rhema não é uma palavra do alto dada por alguém com caráter
inquestionável, não é sinônimo de profecia ou ordem do Espírito Santo e mesmo que
possa ser entregue na forma de profecia, tal qual um Logos pode ser, já vimos como as
Escrituras nos orientam a tratar as profecias.

Este assunto é relevante no contexto do estudo de fé pois precisamos entender que


confiança plena devemos ter apenas em Jesus. Doutrinas equivocadas não é um privilégio
do nosso tempo, Jesus já se referia a doutrinas como preceitos de homens ensinadas
pelos Fariseus em sua época (Mt 15:9) e Paulo usa esta mesma expressão ao falar desta
prática dentro da igreja (Cl 2:22). Precisamos estar atentos e nos apegar cada vez mais
a Cristo, o único autor da sã doutrina (2 Jo 1:9).

Jesus nos ensina a sermos simples como as pombas e prudentes como a serpente
exatamente no momento em que nos disse que nos enviaria para o meio de lobos e temos
que lembrar que Paulo chama de lobos também os falsos pastores que se introduziram na
igreja logo após a sua partida.

No Antigo Testamento Hebraico encontramos também duas palavras usadas no texto


original quando vemos na tradução em Português o vocábulo “palavra” os quais foram

30
traduzidos na versão dos Setenta de forma não padronizada por Logos e Rhema, que são
os vocábulos Amar (St-0559) e Dabar (St-1696). Ou seja, Amar pode ser ora traduzido por Logos
e outras vezes por Rhema da mesma forma que Dabar.

Vejamos alguns exemplos da aplicação destes vocábulos no V.T. Hebraico e no


Grego:

“Palavra do Senhor que veio a Oséias, filho de Beeri, durante os reinados de


Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá, e de Jeroboão, filho de Jeoás, rei de
Israel” Os 1:1

O vocábulo [palavra - Dabhar] nesta passagem foi traduzido por Logos na versão dos
Setenta5. Quando Deus falou [Logos] com Oséias a palavra proferida era especificamente
para ele, a fim de ressaltar a infidelidade de Israel e sua perfídia, o Senhor instruiu a
Oséias que casasse com uma mulher adúltera. Deus não desejava que nós ou mesmo
Israel se casasse com uma mulher adúltera para experimentar o que Deus estava sentindo
com a traição de seu povo, trata-se de um Logos sem aplicação geral, além de se tratar,
novamente, de uma expressão vocal.

“Quando o povo ouviu essas palavras terríveis, começou a chorar, e ninguém


usou enfeite algum” Ex 33:4

Nesta passagem [palavras-Dabhar] foi utilizado Rhema na versão dos Setenta.


Percebemos que não existe relação de correspondência das palavras entre o Hebraico e o
Grego e que até mesmo o contexto não se refere ao fato de ser geral ou específica, pois
aqui neste caso a palavra do Senhor foi generalizada a todo o povo e não específica,
dirigida a alguém.

Existem várias outras passagens onde podemos constatar que não existe aplicação para
estas palavras no sentido de geral ou específica; de falada ou escrita e isto não significa
erro de tradução e sim preferência dos tradutores de acordo com o contexto. O erro é
elaborar uma doutrina “pinçando” apenas as passagens da bíblia que corroboram uma
ideia que se queira transmitir, isto pode ser feito tanto de boa fé; quando for resultado de
alguma experiência pessoal, como de má-fé, como no caso dos falsos mestres e falsos
profetas aos quais as escrituras destinam grandes porções para falar sobre eles, o
importante é que cabe a nós, como discípulos de Jesus e conforme a instrução apostólica,
julgar todas as coisas.
Aprendemos com o Senhor e com os apóstolos a ser simples e que a Bíblia explica a
própria Bíblia; que os textos claros se sobrepõe aos de difícil compreensão e quando não
tivermos certeza devemos nos contentar com o que é absolutamente claro sem

5 Tradução feita da Biblia Hebraica para o Grego no século I a.C., conhecida como Septuaginta

31
especulação. Precisamos apenas ter paciência e zelo pois muitas vezes precisaremos usar
o texto original tendo em vista as limitações dos idiomas para os quais a Bíblia foi
traduzida. É a própria Bíblia, mais especificamente a doutrina de Cristo (2 Jo 1:9,10) bem
entendida e bem aplicada, que será o nosso fundamento. Se a doutrina criada pelo
Movimento Palavra de Fé fosse importante certamente ela teria sido usada ou, pelo
menos, citada pelo Senhor ou pelos apóstolos, mas não existe absolutamente qualquer
referência nas Escrituras sobre a referida aplicação, tudo o que se prega a respeito são
inferências descontextualizadas e longe da aplicação no original.
Mesmo que a teologia da prosperidade tenha arrefecido nos últimos anos, existem
pastores e autores evangélicos que sustentaram seus ministérios baseados em partes
destas doutrinas. Se você assistiu algum vídeo ou leu algum livro que tenha apresentado
uma afirmação parecida com “o que você acredita torna-se realidade”, rejeite todo o
conteúdo se você se considera um discípulo de Jesus pois quem disse isto foi Buddha e
qualquer um que repetir algo parecido com isto tem suas influências no budismo.

Fé na fé é budismo e não cristianismo

O budismo enfatiza o poder interior do homem e tem nas suas bases filosóficas a extinção
do sofrimento humano. Se por influência budista ou humanista, não sei, mas a verdade é
que o Movimento Palavra de Fé introduziu dentro do meio evangélico o que podemos
chamar de um “evangelho antropocêntrico” e não existe lugar para sofrimento em um
evangelho onde o homem é o centro!

A epístola aos Efésios é repleta de referências à bênçãos espirituais aos quais Deus nos
deu acesso por meio de Cristo:

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou
com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo.” Ef 1:3 KJA

Bênção no Grego [Eulogeo] tem significado de elogiado, louvado, bem-aventurado e Paulo


coloca no passado pois tudo o que pode nos trazer felicidade está em Cristo e a tudo o
que nos deu acesso quando recebemos Ele: sermos incluídos na família de Deus, inseridos
no Corpo de Cristo e estarmos sendo edificado casa para habitação de Deus em Espírito;
esta é a grande bênção prometida e está relacionado ao propósito eterno de Deus. Tudo o
que passarmos nesta vida, como Paulo fala em 2 Coríntios 4:17, em nada se comparam ao
eterno peso de glória que nos aguarda e a felicidade que esta ardente expectativa nos
traz (Fp 1:18-20), por isto ele diz “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo:
alegrai-vos.” Fp 4:4.

Quando o anjo apareceu a Maria (Lucas 1:28,42) ele usa esta mesma palavra ( Eulogeo)
para se referir a ela, chamando-a de bem-aventurada, feliz, agraciada, dependendo da
versão. O verso 42 é muito significativo pois Isabel ao recebê-la diz que Maria era a
abençoada entre as mulheres, mas não existe menção nas Escrituras de que esta bênção
tivesse livrado Maria dos sofrimentos pelos quais ela passou. O anjo estava errado ao

32
chamar ela de abençoada ou ela não se “apropriou da bênção”? Ouvimos muito desta
falácia hoje em dia e na verdade trata-se de uma total falta de compreensão do que é ser
abençoado conforme Paulo fala aos Efésios.

Sofrimentos fazem parte do processo de Deus para nossas vidas, vemos isto de Gênesis a
Apocalipse, mas com a ressalva que Pedro fala em sua primeira epístola: somente se
sofrer como cristão (3:14, 4:13,16) devemos glorificar a Deus por isto.

“Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão


perseguidos” 2 Tim 3:12

É errado esperar “boas dádivas” de Deus? De forma alguma, errado é esperar que estas
boas dádivas sejam o motivo da nossa felicidade. Podemos ver fartamente ensino sobre
isto nas palavras de Jesus e no ensino apostólico e até mesmo nas palavras de Salomão.

“Eis o que eu vi: boa e bela coisa é comer e beber e gozar cada um do bem de
todo o seu trabalho, com que se afadigou debaixo do sol, durante os poucos
dias da vida que Deus lhe deu; porque esta é a sua porção. Quanto ao homem a
quem Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles comer, e
receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus”. Ec 5:18-19

“Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema
grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas
as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar Cristo” Fp 3:8 NVI

33
8 – A UNIDADE DO ESPÍRITO E DA FÉ

“Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da


vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com
longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos
diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz, há
somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só
esperança da vossa vocação, há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um
só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em
todos. E a graça foi concedida a cada um de nós segundo a proporção do dom
de Cristo. Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e
concedeu dons aos homens. Ora, que quer dizer subiu, senão que também
havia descido até as regiões inferiores da terra? Aquele que desceu é também o
mesmo que subiu acima de todos os céus, para encher todas as coisas. E ele
mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para
evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento
[Katartismos] dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação
do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno
conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura
da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de
um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela
artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Mas, seguindo a
verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem
todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a
justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação
de si mesmo em amor.” Ef 4:1-16

O tema da unidade é de certa forma central nesta passagem e é uma continuidade de


tudo que o que foi abordado antes, especialmente no capítulo 2:14-22. Este vocábulo
[Unidade=Henotees] foi usado apenas por Paulo em todo o Novo Testamento,
especificamente nestas duas vezes aqui na carta aos Efésios e deixa claro as profundas
convicções de Paulo em relação a unidade da igreja. Havia se levantado em Éfeso
contendas entre cristãos de origem judia e cristãos de origem gentílica e seria
inimaginável para Paulo acontecer algum tipo de divisão concreta entre eles que viesse a
produzir dois grupos na mesma cidade. Ele fala que o Senhor fez de ambos os povos um
povo. Paulo acrescenta que a parede da inimizade que havia entre Judeus e Gentios havia
sido retirada pelo Senhor na cruz. Pouco sabemos sobre esta parede que ele pode estar
usando de forma alegórica em uma referência a parede que havia no templo que separava
o setor dos gentios. Flávio Josefo 6 relata que haviam placas com a seguinte advertência
nelas “Nenhum estrangeiro tem permissão de entrar na balaustrada em torno do santuário
e do pátio. Quem for pego, será responsável por sua decorrente morte” escritas em grego

6 Historia dos Hebreus – Cap 394

34
e latim, exatamente a língua dos estrangeiros. Estas placas não estavam no templo
original pois não existe referência delas nas Escrituras, mas em algum momento entre o
período de Malaquias e o que Josefo descreve elas foram acrescentadas. Qualquer
semelhança com a prática moderna de sectarismo cristão não é mera coincidência, é
resultado da mesma arrogância em uma atitude de exclusão dos demais.

A história da igreja foi marcada por sectarismo e divisões, primeiramente foram internas
como ocorreu em Corinto onde os irmãos estavam fazendo partidos por preferência
ministerial, depois do terceiro século as divisões passaram a ser justificadas biblicamente
em razão de uma “pseudopureza bíblica” e em nome desta “pureza” não apenas católicos
perseguiram protestantes mas os reformistas perseguiram e mataram outros irmãos,
como ocorreu com os Anabatistas na Europa. Felizmente também vemos tentativas de
restabelecer a autoridade das Escrituras e do Espírito Santo sobre a Igreja. Um destes
movimentos ocorreu no início do século XIX na Inglaterra e foi conhecido como “Os
irmãos de Plymouth”7, uma de suas principais características era o que eles chamavam de
“pregação dos leigos”, uma tentativa de desinstitucionalizar a igreja e que influenciou
outras gerações após eles que pregavam a unidade da igreja, os dons, o pastoreio pessoal
e outros aspectos existentes na igreja primitiva que foram perdidos e começavam a ser
restaurados.

Funcionou durante um tempo, mas acabaram se dividindo entre dois grupos bem
distintos: os “inclusivistas” (ou abertos) e os “exclusivistas”, esta divisão nos afeta até
hoje. Passamos a aceitar a unidade sob determinadas condições próprias. Sendo
exclusivistas ou inclusivistas encontraremos base bíblica para ambos e o que acaba
acontecendo é que o apelo de Paulo aos Efésios, que certamente é estendido a nós hoje,
não é atendido.

A preocupação de Paulo sobre este tema tem total consonância com o pedido de Jesus em
sua oração registrada em João 17:

“Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um,
como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na
unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como
também amaste a mim.”

A oração de Jesus fala em um “aperfeiçoamento” da nossa unidade, outras versões falam


em “completamente unidos” ou “completa unidade” que seria uma tradução mais precisa
considerando o termo utilizado no original e o próprio modelo de unidade da Trindade.

Paulo fala especificamente sobre este tema à igreja de Corinto e Éfeso. Para Corinto ele já
inicia a carta falando: “Irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo suplico a
7 Os Irmãos – Andrew Miller

35
todos vocês que concordem uns com os outros no que falam, para que não haja
divisões entre vocês; antes, que todos estejam unidos num só pensamento e
num só parecer” para logo em seguida expor o motivo desta admoestação que era
resultado de algo ruim que estava brotando na igreja. Para Éfeso ele faz uma abordagem
mais doutrinária onde vai explicar “como” conseguir esta unidade de pensamento e
parecer. No início do capítulo 4 ele roga a todos, não a um grupo especificamente pois
esta mensagem não poderia ser imposta verticalmente, se fosse ele daria uma ordem
como fez eu outras ocasiões; ela depende da cooperação de todos que estão em Cristo na
preservação de uma unidade que foi conquistada pelo Senhor. Isto não significa que Paulo
está falando de uma unidade apenas em um plano espiritual ou mental, onde apenas
declaramos que a igreja é uma só (1 Co 1:13), a unidade do Espírito extrapola para
aspectos práticos de nossa vida tanto que ela é vital na efetiva proclamação do Evangelho
como Cristo falou [para que o mundo creia], por isto Paulo fala em “ andar de modo
digno”, é algo permanente, constante, não é um evento, não é uma percepção
meramente teológica.

“Digo, porém: Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne.


Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes
opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis. Mas, se sois guiados
pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Porque as obras da carne são
manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia, idolatria,
feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas [Eritheia-St 2052],
dissensões [Dichostasia-St 1370], heresias [Hairesis-St139], invejas,
homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das
quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não
herdarão o reino de Deus.” Gl 5:16-21

Quando Paulo fala das obras da carne relaciona três coisas que estão intimamente ligadas
entre si: pelejas, dissenções e heresias. No original “peleja” tem significado mais
específico de alguém que busca seguidores mediante presentes, rivalidades, intrigas.
Heresias foi traduzido em outras versões por facções ou partidos, que é o resultado final
de quem está dentro da igreja tentando promover as suas próprias ideias e Paulo é
categórico ao dizer que “os que tais coisas praticam NÃO HERDARÃO O REINO DE DEUS”.
Como nos tornamos hábeis em justificar as divisões usando a própria bíblia, isto deveria
trazer muito temor em nossos corações!

Precisamos aprender com Paulo mediante a iluminação do Espírito pois ele bem sabia que
se o Espírito não revelar estas verdades a única coisa que faremos é tentar impor nossa
visão peculiar aos outros e isto não produzirá unidade, pelo contrário, curiosamente é
também uma peleja apenas que em ambos os lados a “arma” usada é a mesma, a Bíblia.

36
8.1 – PRESERVANDO A UNIDADE DO ESPÍRITO

Antes de falar propriamente dito da nossa responsabilidade pela preservação da unidade


do Espírito, Paulo elenca virtudes e atitudes que devemos apresentar em nossas vidas
individualmente que manifestam este “andar digno”; com humildade, mansidão e
longanimidade. A palavra escolhida por Paulo para falar de mansidão [ Praos] é mesma
usada para designar um animal que é submetido a total controle (domado), também foi a
palavra usada em Nm 12:3 para se referir a Moisés e desta forma podemos ter uma clara
percepção do que Paulo quer falar quando diz para sermos mansos. Moisés antes de ser
levado ao deserto por Deus era impetuoso, rapidamente agiu para corrigir práticas que
considerava injustas com os Judeus e acabou sendo rejeitado tanto pelos Egípcios como
pelos seus próprios compatriotas, precisou de 40 anos no deserto até ele se sentir incapaz
para a obra, mas finalmente apto para Deus.

Uma pessoa realmente mansa não reivindica sua importância ou autoridade

A longanimidade é outra atitude necessária nesta caminhada, muitas vezes relacionamos


esta palavra a generosidade ou paciência, nas no original ela tem um sentido de “não
apressar-se em vingar o mal” ou “não retaliar quando ferido por outrem”. Suportar é a
manifestação prática da longanimidade, somente pessoas humildes, mansas e longânimas
suportam a injustiça. Mesmo entre os irmãos nos ferimos de forma consciente ou
inconscientemente. Enquanto nos considerarmos importantes, ou acharmos
equivocadamente que temos completa revelação sobre Cristo ou exclusividade das
verdades do Reino, mantemos uma atitude inversa ao que Paulo pede como condição
necessária para nos colocar como guardiões da unidade de Espírito pois se não
conseguimos ouvir nosso irmão como esperar que abriremos mão eventualmente de
nossas posições em questões relativas em prol do Reino?

Somente depois de elencar estas virtudes/atitudes ele nos diz para nos esforçarmos
diligentemente para preservar a unidade do Espírito. A questão da unidade não é
secundária para Jesus ou para os apóstolos, quando Paulo insere o termo
“diligentemente” na sua fala ele dá o grau de prioridade do assunto: com todo empenho,
com velocidade, com seriedade. Isto não significa que ao vermos o quanto estamos longe
de estar pelo menos preservando a unidade do Espírito devemos correr para “juntar” os
irmãos. Estar juntos não significa unidade. Unidade tem a mesma raiz e significado que
unanimidade e isto dá bem a dimensão do que Paulo esperava da igreja com respeito
aquelas verdades citadas por ele. Muitas iniciativas de juntar os irmãos que congregam
sob lideranças diferentes não passam de criação de um espaço de influência ou de
convívio social e está totalmente contrário às virtudes e atitudes elencadas por Paulo
nesta passagem. Paulo fala na carta aos Coríntios:“ Eu de boa vontade me gastarei e
ainda me deixarei gastar em prol da vossa alma. Se mais vos amo, serei menos

37
amado?” 2 Co 12:15. A maior parte de nós está disposto a se gastar, pois mantemos o
controle de quando e com quem, mas quantos de nós estão de fato dispostos a se deixar
gastar? Se nossa motivação estiver correta, nosso interesse será o interesse do meu irmão
e não o próprio interesse (1 Co 10:24).

Temos que ter claro em mente que a unidade do Espírito não é produzida pelo
homem, ela já foi feita por Cristo, mas deve ser preservada por nós.

O texto segue falando nas verdades absolutas que de fato nos tornam um em Cristo por
meio do Espírito Santo: “há somente um corpo e um Espírito, como também fostes
chamados numa só esperança da vossa vocação há um só Senhor, uma só fé, um
só batismo um só Deus e Pai de todos”.

A igreja fracassou ao longo dos séculos e se dividiu, percebemos com bastante clareza
esta divisão principalmente no aspecto funcional do Corpo de Cristo, mesmo que
tenhamos um entendimento teológico de que somos apenas parte da igreja não
expressamos a Cristo desta forma, mas talvez nem todos tenham esta mesma percepção
por considerar que diferenças são aceitáveis desde que haja respeito no convívio, mas isto
não passa de ecumenismo e não alcança nem de perto o que Paulo fala nesta passagem,
serve apenas para amenizar a nossa consciência de um pecado que devemos nos
arrepender coletivamente, mas que infelizmente não é tratado desta forma.

Certo professor de sociologia queria demonstrar para seus alunos a nossa capacidade
humana de adaptação, apresentou na ocasião uma foto de uma cidade parcialmente
destruída por constantes bombardeios (como os que ocorrem hoje na Síria) e na foto
aparecia uma mulher em uma sacada parcialmente caída de seu prédio pendurando suas
roupas para secar no varal. Os alunos ficaram perplexos com a imagem e não conseguiam
se imaginar naquela situação. O professor para explicar usou uma experiência de
laboratório: pegou uma vasilha, pôs água fria e colocou um sapo nela, levou ao fogo e
aumentou a temperatura gradualmente. O sapo foi se adaptando ao aumento da
temperatura da água e não pulou para fora vindo a morrer. O professor então tirou o sapo
morto da vasilha e colocou um outro sapo vivo dentro desta água quente e ele pulou
imediatamente para fora. Era uma experiência biológica para explicar um fenômeno
sociológico; podemos nos acostumar com coisas erradas desde que sejam inseridas em
nossas vidas de forma gradual e é isto que o diabo faz na igreja. Jesus falou sobre isto
(Mt 13:25) e Pedro falou sobre isto também (2 Pe 2:1).

A igreja do primeiro século deve ser o nosso modelo pois eles andavam, ainda que não de
forma perfeita, da forma ensinada por Jesus e pelos apóstolos. O livro de Atos mostra com
clareza que os irmãos tinham tudo em comum, não se consideravam superiores aos
outros, estavam sujeitos aos apóstolos e isto era um dos principais fatores de unidade

38
deles (At 2:42; 16:4), repartiam seus bens e dons e o Senhor acrescentava dia a dia os
que iam sendo salvos. A igreja viveu nesta simplicidade por quase 300 anos. As
denominações que nasceram depois de terceiro século com os seus credos e verdades que
cada um considera absolutos são com certeza a parte mais visível da divisão a que nos
acostumamos por séculos mas esforçar-se para preservar a unidade não é reformar o que
está errado e sim restaurar o modelo. Tentar implantar uma unidade funcional da igreja
em uma estrutura criada pelos homens com origem em divisões e facções é o mesmo que
colocar um remendo de pano novo em roupa velha, mesmo que no caso desta
comparação de Jesus ele estivesse se referindo a práticas Judaicas que estavam sendo
cumpridas não apenas pelos Fariseus como pelos discípulos de João mas como princípio
se aplica a qualquer prática ou estrutura humana não deixada ou corroborada por Jesus
ou seus apóstolos.

Quando abotoamos uma camisa ao chegarmos no último botão e vemos que ficou
desalinhado não nos resta alternativa senão desabotoar tudo e abotoar novamente.
Quando percebemos o quanto estamos longe do modelo deixado pelo Senhor não nos
resta alternativa senão olhar novamente para o modelo, “desabotoar” tudo o que
abotoamos e fazer novamente e a forma como conseguiremos fazer isto é a mudança de
atitude, mas as vezes insistimos em remendar. É apenas uma questão de tempo até se
perder o odre!

“Ninguém põe remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo tira
parte da veste, e fica maior a rotura” Mt 9:16

Os eventos não produzem unidade, as virtudes e atitudes certas contribuem


para a preservação da unidade do Espírito

Mesmo que estejamos reunidos na mesma congregação sob os cuidados da mesma


liderança, ainda assim podemos ter a mesma atitude dos irmãos de Corinto que estavam
se separando na cidade por preferências ministeriais e Paulo os chamou de carnais por
este motivo. Isto não é diferente de nos separarmos em denominações diferentes que de
certa forma definem o que pensamos, ambas são sectarismo e justificar a “divisão
aceitável” baseado em preservação de valores absolutos sem que a estrutura apresentada
por Paulo em Efésios e vivida na igreja nos primeiros séculos seja definitivamente
restaurada, nos expõe tanto a rejeitar apóstolos legítimos de Cristo, como fez Diótrefes (3
Jo 9,10) ou receber falsos apóstolos como se tivessem sido enviados pelo Senhor (2 Co
11:13). Há uma obra aqui tremenda e que pertence ao Espírito Santo, profetizada por
Pedro em Atos e repetida por Tiago (5:7), um derramamento poderoso do Espírito no
período que antecederá a volta de Jesus, da mesma forma como ocorreu no início na
Igreja. Não precisamos nos preocupar com muitas coisas ou com aquelas que não nos
compete, o mais importante é fazer o que Paulo fala no início de Efésios, que é na prática

39
um guia de como a igreja deve caminhar para ter unidade. Se fizermos nossa parte com a
atitude correta a unidade do Espírito será preservada.

8.2 – ALCANÇANDO A UNIDADE DA FÉ

Por fim chegamos a unidade da fé, que é colocada por Paulo como consequência e está
vinculada com outros dois acontecimentos dando a entender que ocorrem juntos: unidade
da fé e do pleno conhecimento de Cristo Jesus e a nossa maturidade plena quando
alcançarmos a estatura de Cristo. Fé no versículo 5 está relacionada com nossa resposta
ao Kerigma, com nossa entrada no Reino. No versículo 13 fé e pleno conhecimento estão
juntos pois estão relacionados com o que pensamos, com conceitos sobre Cristo. Este
conhecimento não é um conhecimento humano acumulado, mas um conhecimento do
alto, revelado pelo Espírito e disponível a todos nascidos em Cristo. Entre estes dois
versículos que falam de unidade estão relacionados recursos para que eles sejam
alcançados, com destaque para o papel dos “dons de Cristo” colocados para a capacitação
da igreja para que se edifiquem mutuamente e este é um ponto bastante sensível na
questão dos pré-requisitos para que a unidade da fé seja alcançada, passa
obrigatoriamente por tudo o que Paulo falou antes, inclusive pela restauração da única
estrutura deixada por Jesus para a edificação da sua igreja e que começa com seus
homens-dons.

A estrutura de Jesus são pessoas e não prédios e a edificação passa pelo


relacionamento delas (Cl 2:19)

Havendo isto não apenas a unidade da fé ocorrerá (que é o momento em que todos que
fazem parte do Corpo de Cristo pensarão a mesma coisa, terão o mesmo sentimento) mas
também o pleno conhecimento do Filho de Deus e alcançaremos a estatura espiritual de
Cristo. Isto é tremendo!

“Irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo suplico a todos vocês que
concordem uns com os outros no que falam, para que não haja divisões entre
vocês; antes, que todos estejam unidos num só pensamento e num só parecer”
1 Co 1:10

Pensar e sentir igual é chave para não termos divisões e vemos pela passagem acima que
estas divisões estavam também rondando a igreja de Corinto mas Paulo sabia que haveria
um momento em que esta unidade seria alcançada, onde todos estaríamos maduros para
a volta do Senhor, não está em questão se isto acontecerá, apenas quando acontecerá e
poderá acontecer mais rápido ou menos rápido, conforme vemos Pedro falando em sua
epístola (2 Pe 3:12), na medida em que estamos com a atitude correta ou não, pois
sabemos que Jesus vem buscar UMA noiva, UMA igreja; pura, ataviada, completa,
perfeita.

40
9 – ADVERTÊNCIAS PARA OS ÚLTIMOS DIAS

Reconhecemos que estamos mais perto do fim a cada dia e devemos ficar atentos às
palavras de alertas de Jesus para a igreja. O inimigo tentará se possível enganar os eleitos
de Deus e somente conseguirá fazer isto se confundir nossa fé, será com sutilezas e Jesus
nos adverte para não acreditar neles.

Fé não é uma mera expectativa como o mundo utiliza, apesar de ter uma forte conotação
específica de esperança no que diz respeito a nossa salvação, mas é apenas esperança
pois ela ainda está por ser alcançada, mas é uma certeza que acontecerá. As vezes
acreditamos que muito das nossas deficiências são decorrentes de uma fé pequena,
outros por sua vez acreditam que foram dotados de uma fé maior a ponto de se colocar
em uma posição inquestionável, mas como vimos antes precisamos apenas ter uma fé
sólida em Cristo e sermos todos guiados pelo Espírito para avançarmos com firmeza e livre
de enganos do diabo e da alma.

Mais especificamente em nossa relação com os irmãos, Paulo diz aos Romanos: “Não
pensar de si além do que convém” , mas também não podemos pensar “aquém” que é
a atitude da grande maioria dos cristãos pelo mundo que seguem a doutrina dos
“Nicolaítas” conforme Jesus fala em duas cartas às igrejas no livro de Apocalipse, o qual
temos aprendido que está relacionado a etimologia desta palavra no original que significa
a redução do povo de Deus a meros espectadores na igreja, destruindo o sacerdócio dos
santos. Pensamos pouco sobre nós mesmos quando esquecemos que em nós habita o
próprio Deus através de seu Espírito (1 Co 3:16).

“E não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão,
dizendo: Conhece ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor
deles até ao maior.” Hb 8:11

“E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu espírito
sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens
terão visões, e sonharão vossos velhos;” At 2:17

Hebreus é a carta que mais contrasta a nova e a velha aliança e podemos adquirir grande
compreensão deste assunto estudando esta carta. No velho testamento Deus falava
através de pessoas especiais, agora todos somos “sacerdócio real”, todos temos o Espírito
de Deus, portanto todos conhecemos a Deus e devemos agir desta forma, respeitando a
diversidade de serviços e dons que o Senhor distribuiu no seu corpo, mas que de forma
alguma representa hierarquização na igreja; prática esta já condenada por Jesus (Mt
20:25-26), mas cooperação (1 Co 12:25).

41
Por fim, um alerta profético de Jesus deixado em Apocalipse 2:18-19 onde Ele relata o
pecado da igreja de Tiatira. Existia fé e amor em Tiatira mas isto não foi suficiente para
eles e vieram a naufragar na fé pois deram ouvidos a Jezabel, uma mulher que no Velho
Testamento seduziu com suas mentiras ao povo de Israel levando eles a prostituição com
outros deuses. Jezabel era a mulher do Rei acabe, ou seja, tinha posição mas não
autoridade e isto foi suficiente para enganar ao povo. Pensemos em que tipo de poder
alguém exercerá sobre a igreja e como isto vai ocorrer (se já não está ocorrendo), pois é
uma profecia de Jesus, não é uma alegoria! Se através de Jezabel Israel de uniu ao
mundo de então, a advertência de Jesus para nós é para nos arrependermos se de
alguma forma estamos deixando nos seduzir por termos parado de olhar para Jesus como
vemos que aconteceu com Pedro no episódio em que pediu para andar sobre as águas e
darmos ouvidos a “Jezabel”, certamente uma pessoa com posição, mas tal qual ela, sem
autoridade.

A fé permeia tudo o que pensamos e fazemos até o dia em que estaremos com o Senhor,
ela tem um aspecto intuitivo que está relacionado a convicção de que Jesus é o filho de
Deus, pois esta convicção ocorre em nosso espírito e não em nossa alma, mas também a
outros aspectos sobre tudo o que se relaciona com o Reino de Deus e a Igreja até a vinda
do Senhor. Paulo manifestou seu desejo de que esta unidade de pensamento ocorresse na
igreja (Fp 2:1-4) e retorna a este assunto de forma dogmática em na carta aos Efésios.
Humanamente olhando é difícil acreditar que a unidade da fé ocorrerá algum dia, pois
para que isto aconteça um milagre transformando nossos corações e uma mudança de
atitude é necessário para que isto aconteça, mas devemos nos manter unânimes com o
Senhor no desejo e expectativa por este dia não deixando que a realidade que insiste em
nos cercar faça esmorecer nossa convicção e nos seduza para “caminhos alternativos” que
nos afastam do alvo. Temos que aprender com o exemplo da história de Israel: saíram
juntos, caminharam juntos e entraram juntos na Terra Prometida. Por ser mais forte
ninguém chegará na frente, pelo contrário, Deus espera que os mais fortes sejam suporte
para os mais fracos e débeis nesta caminhada.

“Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus que, embora sendo Deus, não
considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas
esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos
homens e, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi
obediente até a morte, e morte de cruz!” Fp 2:5-8 NVI
“Mas o fim desta admoestação é o amor que procede de um coração puro, de
uma boa consciência, e de uma fé não fingida; das quais coisas alguns se
desviaram, e se entregaram a discursos vãos, querendo ser doutores da lei,
embora não entendam nem o que dizem nem o que com tanta confiança
afirmam” 1 Tm 1:5-7
“O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem
sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” Ap 22:17

42

Você também pode gostar