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ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE

O título deste estudo, mais do que uma expressão utilizada na maior parte das
cerimônias de casamento, é o desejo expresso de Deus descrito por Paulo em
Romanos 7:1-3. Quando me converti no final dos anos 70 a maior parte das
denominações evangélicas consideravam o casamento indissolúvel, tanto o desquite
como o divórcio regulamentado em 1977 não eram objeto de consideração nas
congregações. Infelizmente nas últimas décadas este conceito tem sido substituído por
abordagens mais liberais com a finalidade de tornar o evangelho mais acessível a uma
grande parcela de casais no mundo que naufragaram em seus relacionamentos
conjugais e manifestam o desejo de ser feliz em um novo matrimônio. Como o
evangelho tem se tornado cada vez mais centrado no homem, a felicidade do mesmo
passou a ter posição de destaque nas interpretações teológicas. Mas Deus quer ou
não a nossa felicidade? A resposta é sim, com certeza! O que na verdade está em
questão é se as pessoas serão realmente felizes distante do propósito de Deus para
suas vidas e por consequência, distantes do próprio Deus, ao descobrirem que
determinado comportamento ou prática é abominável para ele e será neste ponto que
o discipulado com Cristo estará em xeque. Devemos estar certos que, cedo ou tarde,
seremos confrontados com os nossos interesses e os interesses de Deus e teremos
de fazer uma escolha.

“Indo eles caminho fora, alguém lhe disse: Seguir-te-ei para onde quer que
fores. Mas Jesus lhe respondeu: As raposa tem seus covis, e as aves do céu,
ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça. A outro disse
Jesus: Segue- me! Ele, porém, respondeu: Permite-me ir primeiro sepultar meu
pai. Mas Jesus insistiu: Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.
Tu porém, vai e prega o Reino de Deus. Outro lhe disse: Seguir-te-ei, Senhor,
mas deixa-me primeiro despedir-me dos de casa. Mas Jesus lhe replicou:
Ninguém que tendo posto a mão no arado, olha para trás, é apto para o reino de
Deus” Lc 9:57-62.

Mais do que simplesmente conhecer e acatar aquilo que está na palavra de


Deus, aqueles que amam ao Senhor saberão no momento certo fazer suas
opções, saberão sempre colocar Cristo em “primeiro lugar”.
Uma das formas de conhecermos a Cristo é conhecermos sua palavra, seu evangelho,
onde Ele se apresenta como Senhor e soberano. A Palavra de Deus, especificamente
o novo testamento, é a base única e absoluta de nossa doutrina (Edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra
angular. Ef 2:20) e, por fim, devemos levar em consideração que a Palavra de Deus
explica a própria Palavra de Deus. Tendo isto em mente, procuraremos eliminar
qualquer sofisma [Raciocínio capcioso, feito com intenção de enganar -Dicionário
Michaelis], nos atendo unicamente ao texto bíblico.

A importância de estarmos bem fundamentados na Palavra é que podemos ser


“conduzidos” por argumentos falsos, algo já presente na igreja primitiva, tanto que
Paulo alerta aos Colossenses (2:1-4) para se cuidarem das pessoas (irmãos ?) que
utilizavam “palavras persuasivas (ACF) ou raciocínios falazes (ARA)”, (phitanologia no
grego), que tem melhor tradução por “persuasão” [Ato ou efeito de persuadir, admitir
como verdadeiro, aceitar como certo – Dicionário Michaelis]. Sem este cuidado,
podemos cair no erro de nos cercarmos de doutrinas agradáveis aos nossos ouvidos e
não alicerçada na Palavra de Deus (II Tim 4:3-4).

O nosso ponto de partida serão as situações mais comuns difundidas no meio


evangélico que autorizam novo casamento. Entre estas, podemos destacar os
seguintes sofismas*:

1) O divórcio é permitido para a parte ofendida


2) O divórcio é permitido se as leis humanas assim o permitirem
3) O divórcio é permitido em caso de infidelidade conjugal (adultério), uma variação
do (1)
4) O divórcio é permitido quando o casamento não foi celebrado na igreja evangélica
5) O divórcio é aceito quando a pessoa já estava divorciada ou com novo
“casamento” contraído antes de se converter.

Em seus estudos sobre este tema, Jorge Himitian destaca que os textos bíblicos
apontam claramente uma Regra Geral e uma Regra de Exceção, infelizmente, como
dito acima, ao longo dos anos a regra de exceção foi tornando-se geral.
Em Israel algo semelhante aconteceu quando foi formado o Talmud judaico, uma
coletânea de decisões dos Sumo Sacerdotes, o qual servia como uma espécie de
“jurisprudência” (interpretação) da lei. Muitas vezes Jesus mencionou estas regras nas
escrituras, chamando-as de: “vossa tradição”, sendo que elas, via de regra, eram
aplicadas de forma diferente e até superior à própria Lei de Deus.

As tradições são boas, na medida que corroboram com a Palavra de Deus, nunca
quando a mudam de forma sutil.

(Então vieram de Jerusalém a Jesus alguns fariseus e escribas e perguntaram:


Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam
as mãos quando comem. Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós
também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição... em vão me
adoram ensinando doutrinas que são preceitos de homens... Mt 15:1-9).

A prática de criar novas regras, ou mudar as existentes, não parou com os Judeus. Em
nossa época presente vemos interpretações tendenciosas das escrituras, textos
“pinçados” fora de seu contexto, cristãos débeis levados ao erro por líderes neófitos ou
falsos pastores; por aceitarem como verdades absolutas opiniões de homens que não
aplicam de verdade à Palavra de Deus (ora, estes de Beréia eram mais nobres que
os de Tessalônica, pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando as
escrituras todos os dias para ver se as coisas eram de fato assim. At 17:11), não
é de estranhar que muitos destes cristãos sejam conduzidos facilmente para qualquer
direção (para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para
outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos
homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Ef 4:14).

Nossa maior preocupação é que temas de característica absoluta, que podem implicar
em nossa salvação, não podem ser tratados como se tivéssemos opções, como se
tivéssemos em uma feira escolhendo a fruta ou verdura que mais nos agrada. Não é
uma questão de “opinião” teológica, dividindo-se entre aqueles que aceitam e aqueles
que não aceitam o divórcio, pois ao entendermos que os adúlteros não entrarão no
reino de Deus (ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus?
Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados,
nem sodomitas... I Co 6:9), pesa sobre nós a responsabilidade de pregar o
evangelho e aplicar a palavra de Deus corretamente, sem concessões humanas,
envolvimentos emocionais ou legalismo.

Vejamos o que Jesus e os apóstolos falaram sobre o assunto:

Lc 16:18 – “Qualquer que deixa sua mulher e casa com outra, adultera; e aquele
que casa com a repudiada pelo marido, adultera também”.

Esta é a regra geral. Jesus estava falando com seus discípulos (Lc 16:1) quando
colocou esta pequena e simples regra. Jesus não abriu qualquer motivo para
permissão do repúdio (divórcio). Não existe “parte inocente” sob o prisma desta
passagem.

Rm 7:2-3 – “Porque a mulher que está sujeita ao marido, enquanto ele viver,
está-lhe ligada pela lei; mas morto o marido, livre está da lei e assim não será
adúltera, se for de outro marido. De sorte que, vivendo o marido, será chamada
adúltera se for de outro marido; mas, morto o marido, livre está da lei e assim
não será adúltera se for de outro marido.”.

Paulo é objetivo, não abre exceções, apenas a morte libera o cônjuge vivo para o novo
casamento. Ele aplica a doutrina de conformidade com as palavras de Jesus dada aos
discípulos.

I Co 7:10-24 – “Todavia, aos casados mando, não eu mas o Senhor, que a mulher
não se aparte do marido, se porém, se apartar, que fique sem casar, ou que se
reconcilie com o marido; e que o marido não deixe a mulher.”

É importante definirmos com clareza as palavras utilizadas no texto. Em momento


algum Paulo diz para se divorciar (Apostasion, no grego) que seria a liberação para um
novo casamento. A concessão dada por Paulo é para apartar-se (korizo no grego),
pois deixa claro na seqüência do versículo “QUE NÃO SE CASE”. Da mesma forma
no decorrer do texto, Paulo fala da possibilidade do cônjuge incrédulo desejar
APARTAR-SE, novamente Korizo e não apostasion , de conformidade com os
versículos 10 e 11.
Mc 6:16-19 – “ Herodes, porém, ouvindo isto, disse: Este é João, que mandei
degolar, ressuscitou dentre os mortos. Porquanto o mesmo Herodes mandara
prender a João e encerrá-lo manietado no cárcere, por causa de Herodias,
mulher de Filipe, seu irmão, porquanto tinha casado com ela. Pois João dizia a
Herodes: Não te é lícito possuir a mulher de teu irmão”

Esta passagem deixa clara a compreensão de João Batista sobre a questão do


casamento, ele tinha isto tão claro que foi degolado por esta verdade. Os Herodianos
eram judeus de nascimento, mas de crença pagã. Eram facilitadores do império
romano e, como tal, estavam debaixo de sua lei. Mesmo que o casamento de Filipe e
Herodias tivesse sido feito em ritual pagão e posteriormente tivessem se divorciado
segundo as leis romanas, João Batista considerou como casamento legítimo e vigente
diante de Deus, não questionou por não ter tido uma celebração judaica, pois
certamente o que estava em sua mente eram os elementos que concretizam o
casamento, estabelecidos por Deus desde o Gênesis. Casamentos pagãos são
casamentos diante de Deus, desde que tenham um pacto mútuo, testemunho público
e união sexual. Jesus ao referir-se aos tempos de Noé em Mt 24:38, diz: “Porquanto,
assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam-se e davam-se
em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca”, tendo reconhecido como
casamento as uniões daquelas nações pecadoras e pagãs que foram afogadas pelas
águas do dilúvio. Este tema é muito amplo, mas a simplicidade da palavra de Deus
elimina por completo o sofisma de que se o casamento não for realizado na igreja (e
evangélica!) ele não tem valor diante de Deus, pelo simples fato de que o casamento
foi criado por Deus, anterior a própria igreja e anterior às alianças com Israel.

Mc 10:2-12 – “...E em casa tornaram os discípulos a interrogá-lo acerca disto


mesmo. E ele lhes disse: Qualquer que deixar sua mulher e casar com outra,
adultera contra ela. E se a mulher deixar o seu marido e casar com outro,
adultera. (10-12)”

Junto com a passagem de Mateus, esta passagem de Marcos traz muita luz sobre
este tema. Marcos, diferente dos outros escritores, mostra com clareza que este
assunto foi tratado em dois momentos sendo a resposta diferente, de acordo com o
seu interlocutor. O primeiro interlocutor são os fariseus (vs 2), religiosos da época, que
estavam preocupados em colocar Jesus em contradição com Moisés. O segundo
interlocutor são os discípulos (vs 10). Se não aceitarmos que a resposta de Cristo
sobre este tema, foi diferente de acordo com o local e contexto em razão do
interlocutor, teremos que acreditar que a Bíblia possui contradições, além de termos
que inferir que Paulo ensinou diferente de Jesus (se considerarmos a passagem de
Mateus 19 comparada com a de I Coríntios), pior ainda, que houve falha na narrativa
por parte de algum dos escritores evangelistas. Não há contradição nas escrituras,
nem tampouco nas palavras de Jesus! (...seja Deus verdadeiro e mentiroso todo
homem...Rm 3:4).

A passagem de Marcos esclarece o sofisma da permissão do divórcio, caso as leis


humanas assim o permitam. Jesus, ao falar com os discípulos em casa, acrescenta:
“e se ela repudiar...”, é o único local que Jesus fala da possibilidade da mulher
repudiando, não falou em Mateus 5:31, 19:3-12, nem em Marcos 10:2-9, pois os
interlocutores eram os fariseus. Pela lei e tradição judaica apenas aos homens era
permitido repudiar sua mulher. Ao incluir a mulher na resposta para os discípulos,
Jesus certamente se referia aos costumes e leis dos gentios (Romanas mais
especificamente) que estavam entrando sorrateiramente em Israel e poderiam vir a
influenciar a igreja. Este foi um acréscimo profético ao texto deixando claro que,
mesmo que a lei dos gentios permita tal coisa, Ele não permitia, e entre estes gentios
nós estamos incluídos, junto com nossas leis.

É relevante destacar neste ponto, que as leis humanas formam os direitos e deveres
dos cidadãos, devemos separar claramente aquilo que a lei humana “manda” fazer
daquilo que a lei humana “permite” fazer. Mesmo no caso de leis que determinam
algo, esta “ordem” deve ser submetida à suprema autoridade que delegou todas as
autoridades sobre a terra, Deus. “Chamando-os ordenaram-lhes que
absolutamente não falassem nem ensinassem em o nome de Jesus. Mas Pedro e
João lhes responderam: Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós
outros do que a Deus...” (At 4:18-20), ou seja, se uma determinação clara de Deus
(ou de qualquer autoridade superior) contradiz uma ordem de uma autoridade
delegada inferior, como princípio, deve se obedecer sempre a maior autoridade. É o
que Watchman Nee em seu livro “Autoridade Espiritual” discorre explicando que a
submissão às autoridades deve ser absoluta mas a obediência relativa. Vivemos em
dias onde em diversos países se reconhece ou já avalia a legalização de casamentos
entre pessoas do mesmo sexo, com aninais, com crianças e, pasmem, com objetos
inanimados. Aqueles que aceitam o divórcio baseado na permissão da lei humana
(que é um direito), estarão presos por analogia a aceitar qualquer tipo de casamento
que estiver legalizado pelas Leis do país. No caso específico do divórcio, um discípulo
ao não querer se divorciar não está cometendo qualquer crime, apenas deixando de
exercer um direito legal seu.

Mt 5:31-32 – “Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de
divórcio. Eu porém vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em
casos de fornicação (Porneia=grego), a expõe a tornar-se adúltera
(Moicheia=grego); e aquele que casar com a repudiada, comete adultério”

Mt 19:3-12 – “Vieram a ele alguns fariseus e o experimentavam, perguntando: É


lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo? Então respondeu
ele: Não tende lido que o Criador, desde o princípio os fez homem e mulher e
que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher,
tornando-se os dois uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém
uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem. Replicaram-
lhe: Por que mandou, então Moisés dar carta de divórcio e repudiar?
Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos
permitiu repudiar vossa mulher, entretanto, não foi assim desde o princípio. Eu,
porém vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de fornicação*
(porneia=grego) e casar com outra comete adultério (moicheia=grego) e o que
casar com a repudiada comete adultério. Disseram- lhe os discípulos: Se esta é
a condição do homem relativamente a sua mulher, não convém casar. Jesus
porém lhes respondeu: Nem todos são aptos para receber este conceito, mas
apenas aqueles a quem é dado. Porque há eunucos de nascença; a outros a
quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos fizeram eunucos,
por causa do reino dos céus. Quem é apto para o admitir admita.”

Importante destacar que a primeira resposta dada por Jesus aos fariseus foi: “o que
Deus ajuntou não separe o homem”, mas por causa de controvérsias doutrinárias
entre os próprios fariseus que estavam divididos em facções com maior e menor rigor
neste assunto (qualquer semelhança com os evangélicos na atualidade não é mera
coincidência), eles continuaram experimentando a Jesus, agora confrontando ele com
Moisés, na expectativa de vê-lo rejeitar a lei, ou seja, enquanto que a questão era
apenas o divórcio, a resposta era a de Gênesis, agora a questão era Moisés. É neste
ponto que Jesus inclui a dita exceção. Para não errarmos ao ensinar algo tão
importante, somos obrigados a recorrer ao texto original, face às diversas
interpretações da palavra Porneia que consta na passagem.

Quando lemos a passagem de DT 22:13-20 confrontado com DT 24:1 temos um


aparente paradoxo. Na primeira passagem vemos Moisés orientando a apedrejar a
mulher que cometeu fornicação (sexo entre solteiros) ainda na casa de seu pai e no
segundo texto manda dar carta de divórcio. Se isolarmos a passagem de DT 24 e
ficarmos com a de DT 22, a exceção a que Jesus fala em Mateus 19 não se refere a
fornicação pois para fornicação, segundo esta passagem, deveria ocorrer a morte do
praticante e não o divórcio. Se olharmos apenas a passagem de DT 24, que é a única
passagem da Lei que trata de divórcio, concluímos que Jesus está corroborando com
Moisés mas com uma ressalva que veremos logo em seguida.

Qual a diferença entre as duas passagens? Se lermos atentamente vemos que na


primeira o marido passa a ter ódio por sua esposa e leva o assunto para solução em
uma esfera pública, expondo todos inclusive o pai da esposa. No segundo caso não
vemos esta atitude por parte do marido, ele trata o assunto no âmbito pessoal para o
mesmo problema: “atos vergonhosos encontrados após a consumação do casamento”.
É a única diferença entre as duas passagens e devemos nos ater apenas a isto sem
especular. Para reforçar esta ideia do “repúdio secreto” nos dirigimos a Mateus 1:19
que relata que José ao saber que Maria estava grávida de um filho que não era dele,
decidiu “deixá-la secretamente” e foi persuadido ao contrário pelo anjo.

Fica claro que se José fosse um homem duro de coração, como Jesus fala em Mateus
19, ele teria deixado Maria secretamente; sem fazer alarde para não provocar
eventualmente até mesmo a morte dela, caso este assunto se tornasse público como
vemos em Dt 22. Devemos lembrar que no contexto judaico José e Maria estavam já
casados no sentido do compromisso, o termo usado em praticamente todas as
versões do Novo Testamento dizem que José era marido de Maria e não noivo no
sentido moderno, visto que noivado não existia na época, cabendo portanto a carta de
divórcio caso desejasse romper com o compromisso. A palavra usada por Mateus
nesta passagem (1:19) é [Apolyo= St 630) que possui diversos significados
relacionados, entre eles: libertar por completo, liberar, deixar ir, soltar de, desatar uma
pessoa, entre outros. No Grego esta é a única palavra usada para divórcio
propriamente dito no Novo Testamento, como em Mateus 5:31 onde Jesus diz: “Foi
dito: “Aquele que se divorciar de sua mulher deverá dar-lhe certidão de
divórcio””, ou seja, não há nenhuma dúvida que a palavra usada em Mateus 1:19 é
divórcio, para que não se pense que por estar ali traduzido por “deixá-la” poderia ser
algo diferente.

Mas ainda assim pode restar dúvidas quanto a única exceção, pois como diz Jorge
Himitian em seus comentários sobre este tema, quando aceitamos uma palavra que
por si só possui diversas aplicações do Grego para o Português, automaticamente o
motivo para o divórcio passa a ser “os motivos para o divórcio”, de acordo com a
inclinação pessoal de cada um. Na prática hoje temos muitas cláusulas de exceção.

Dt 24:1 fala em “algo descoberto”. Na versão BJ diz: “Quando o homem tomar uma
mulher e tiver consumado o matrimônio, mas logo…”. Este “logo” e o “consumado”
colocam este momento no mesmo tempo que o relato de Dt 22, ou seja, na
consumação do casamento que se dá na primeira vez que o homem conhece sua
mulher no sentido amplo, limitando a “coisa indecente” aquilo que ele percebeu neste
momento, conforme a palavra usada no texto Hebreu [‘ervah = St 6172] e que se
encontra na passagem. Parece-me que qualquer alegação de traição futura não se
enquadraria na aplicação tanto de Dt 22 como de Dt 24 ao olharmos o texto original e
não o traduzido.

Também temos o problema das traduções para o Português das palavras Porneia e
Moicheia, novamente na tentativa de manter a “porta aberta” para interpretações
variadas. Em uma destas explicações dadas por um influente pastor recentemente em
uma entrevista sobre o tema, ele explicou a diferença entre Porneia e Moicheia com a
seguinte analogia: sabendo que Porneia no Grego tem aplicações variadas de acordo
com o contexto, podendo ser fornicação (relação sexual entre solteiros fora do
casamento, prostituição, etc), mas que Moicheia significa apenas “adultério”, é como
se Moicheia fosse a cidade de Curitiba e Porneia fosse o estado do Paraná, ou seja,
Moicheia está dentro de Porneia e desta forma não seria errado traduzir Mt 19:9 da
seguinte forma: “Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por
causa de adultério, e casar com outra comete adultério [e o que casar com a
repudiada comete adultério]”. Esta é uma opção por exclusão pois, segundo ele,
não há como aceitar que a exceção fosse “fornicação” (termo usado para Porneia na
versão KJV como Reina Valera, ambas baseadas no TR) pois em Dt 22 Moisés diz
para apedrejar a fornicadora. Também devemos considerar que, se Dt 22 excluiria o
divórcio para fornicação, tampouco o adultério é contemplado com este “benefício”
segundo Lv 20:10, que diz: “Se um homem adulterar com a mulher do seu
próximo, será morto o adúltero e a adúltera”, foi por este motivo que levaram uma
mulher adúltera para provocar Jesus.

A figura pode ser convincente em um primeiro momento, mas esbarra com dois
problemas:

1) Porque Jesus usou palavras diferentes se ele tinha a intenção de permitir o divórcio
em caso de traição futura, que entre casados seria adultério?

2) Se Porneia engloba Moicheia, porque Paulo na lista de obras da carne de Gálatas


relaciona separadamente estas duas palavras (Moicheia e Porneia) como obras da
carne na lista que diz que aqueles que tais coisas praticam não herdarão o reino de
Deus? Ora, se Porneia já engloba Moicheia não haveria qualquer necessidade de listar
as duas palavras, mas se Paulo usou elas separadamente é porque certamente
elas são diferentes, são objetivamente pecados diferentes!

Vejamos algumas das possíveis traduções de Porneia de acordo com seu contexto:

(1)Fornicação = relação sexual entre solteiros (1 Cor. 7.2, Dt.22.21, Lv. 19.29, 1 Tes.
4.3-4.)
(2)Fornicação = uniões ilícitas, proibidas pela Lei de Deus (1 Cor. 5.1., Dt 22.30, Lv
18.8 ; Dt. 27.20.)
(3)Fornicação = Todo tipo de pecado sexual, incluído o adultério.(1 Cor. 6.13-18, Nm
25.1).
(4)Fornicação = Prostituição e comércio sexual de prostitutas. A palavra “prostituta” no
grego é “porne”, possui a mesma raiz ( Lc. 15.30, 1 Cor. 6.16.)
(5) Fornicação = infidelidade espiritual, idolatria. (Jr. 3.6 ; Ez 23 ; Ap 17.1-2)

Vejamos algumas traduções de Mt 19:9 para o português conforme a versão:

(1) “Ora, eu vos digo: quem despede sua mulher, fora o caso de união ilícita, e se
casar com outra, comete adultério” Novo Testamento, tradução oficial da CNBB,
Ed Abril de 1997

(2) “Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de adultério, e casar com
outra, comete adultério” Tradução Almeida Corrigida
(3) “Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de
matrimônio falso, e esposa uma outra, comete adultério” Versão dos Monges de
Maredsous – Bélgica
(4) “Eu lhes digo que todo que se divorciar de sua esposa, exceto por imoralidade
sexual, e casar com outra, comete adultério” NVI
(5) “Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa
de fornicação, e casar com outra, comete adultério, e o que casar com a
repudiada, também comete adultério” Almeida Corrigida Fiel, Reina Valera e King
James.

Se fosse apenas uma questão de preferência, escolheríamos a Bíblia com a tradução


que mais nos agradasse, visto que teríamos uma maior ou menor “exceção”. É neste
ponto que reside a controvérsia entre os estudiosos da Bíblia. Que Deus nos ilumine e
nos dê sabedoria para conhecermos sua vontade, pois independente a opinião dos
teólogos, àqueles que temem ao Senhor não desejarão estar incluídos entre os
considerados ADÚLTEROS, pois NÃO ENTRARÃO NO REINO DOS CÉUS!

De todas as traduções acima, podemos já descartar a única que não reproduz a


tradução correta da palavra porneia do grego, que é a da versão Corrigida de Almeida
(2). Como podemos observar, a consequência de uma união sexual entre pessoas
casadas é adultério. É uma palavra sem tradução contextual como no caso de
Porneia. Com esta exclusão, eliminamos o sofisma da permissão do divórcio em caso
de infidelidade conjugal (adultério). Os discípulos entenderam desta forma, tanto que
disseram: “se esta é a condição do homem, não convém casar”, ao que Jesus
acrescentou: “Nem todos são aptos para receber este conceito... a outros que a
si mesmo se fizeram eunucos por causa do reino dos céus”.

Fazer-se eunuco pelo reino dos céus, é abrir mão da união sexual de qualquer tipo (foi
esta a recomendação de Paulo dada em I Coríntios 7: ficar só), caso esta união não
seja lícita para mim, sempre levando em consideração que a única união sexual lícita
é aquela de um casamento lícito!

Iniciamos falando que nossa preocupação primordial é com o evangelho onde Cristo
reina e não o homem, Ele é o centro do evangelho, todas as coisas são dele, por meio
dele e para ele (Rm 11:36). Fazemos nossas as palavras de Paulo: “Porque nós não
estamos, como tantos outros, mercadejando a Palavra de Deus, antes, em Cristo
é que falamos na presença de Deus, com sinceridade e da parte do próprio
Deus” II Co 2:17. Amar o pecador não significa em hipótese alguma ser conivente
com o pecado ou deixar de aplicar corretamente a palavra de Deus. Jesus muitas
vezes entregou palavras que não agradaram seus ouvintes, nem por isto estava
faltando com amor com eles (“ E Jesus, fitando-o, o amou e disse: só uma coisa te
falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu;
então vem e segue-me” Mc 10:21), nós da mesma forma devemos amar e aplicar a
palavra, mesmo sabendo que esta palavra poderá produzir tristeza em seu ouvinte
(“Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a
ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte” II Co 7:10). Se não
estivermos comprometidos com a santidade e simplicidade do evangelho, corremos
sério risco de pregar um evangelho falso, que não leva o homem ao arrependimento e
por consequência não lhe supre amplamente a entrada no Reino eterno de nosso
Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Para confirmar o caráter imutável, santo de Deus e seu desejo de santidade para seu
povo, poderíamos acrescentar a história relatada em Esdras 9 e 10, quando do retorno
do povo de Israel da Babilônia. Muitos israelitas haviam se casado com mulheres
daquela terra e constituído família, em clara desobediência ao que Deus havia
determinado na sua lei (Dt 7:1-6). Esdras entendeu e ficou atônito (9:3), pois percebia
que a solução deste problema seria dolorosa. Primeiro passo: ajuntar-se com aqueles
que temem ao Senhor (9:4), segundo passo: reconhecer o pecado e envergonhar-se
dele (9:6), terceiro passo: reconhecer que Deus é justo (9:13); quarto passo:
reconhecer as conseqüências do ato (9:14-15), quinto passo: levar os pecadores ao
arrependimento (10:1-2), sexto passo: executar a determinação de Deus (10:3).
Importante destacar que, apesar da clara percepção pela maioria de que haviam
cometido pecado e concordarem em despedir as mulheres e os filhos contraídos nesta
união mesmo entre muito choro e tristeza, alguns príncipes não acataram a decisão
(10:15). Isto para nós é um alerta de que sempre existirão pessoas (até mesmo
líderes) na igreja que irão se opor às determinações de Deus, por mais claras
que elas sejam, algumas vezes motivadas por pressões emocionais, que era o
caso aqui neste episódio.

Não é a toa que Jesus chama os fariseus de duros de coração. Duro de coração é
alguém que não perdoa. É importante lembrar que o perdão para aqueles que
pertencem ao Senhor não é opcional, é um mandamento! (...perdoai-vos
mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o
Senhor vos perdoou, perdoai vós. Cl 3:13). O evangelho deve alcançar o coração
do homem e mudá-lo, sem isto não há esperança de regeneração (Rm 2:5; At 2:37; Ez
36:26-27).

Para que não haja confusão entre casamento com “uniões ilícitas”, em Lv 18 Moisés
relaciona as diversas uniões sexuais ilícitas, chamadas por Deus de “maldade” e
“abominação”, entre elas: filha com pai, filho com mãe, enteado com a mulher do pai,
irmão com irmã, avô com neta, avó com neto, sobrinho com tia, sogro com nora,
cunhada. Acrescenta na lista as uniões sexuais abomináveis: homem com homem,
homem/mulher com animal, etc). Concluímos, pelo próprio contexto das escrituras, de
que não é a este tipo de sexo ilícito que a palavra porneia se refere em Mateus 19,
visto que estas uniões eram pecados, não eram reconhecidas diante de Deus, não se
tratava, portanto, de casamento. Em uma linguagem mais moderna de nosso direito,
seria o mesmo que dizer que era um casamento “nulo”, ou “matrimônio falso”, ou seja,
desfazer um casamento falso não é um divórcio propriamente dito, divórcio é desfazer
um casamento legítimo diante de Deus.

Resumindo, a dita “exceção” de Mateus existe mas não nos afeta diretamente, visto
que apenas está ratificando a lei, para aqueles que estão debaixo da lei e que apesar
de santa, nunca aperfeiçoou coisa alguma (Hb 7:19, Rm 7:12).
Jesus disse em Mt 5:17 “Não penseis que eu vim revogar a lei ou os profetas; não
vim para revogar, vim para cumprir”. As demandas de Cristo sempre foram
superiores às da lei, enquanto a lei dizia para não adulterar, Jesus diz que aquele que
olhar uma mulher com intenção impura no coração, já adulterou!

Moisés disse que o divórcio (repúdio) poderia ser dado em caso de fornicação (relação
sexual consentida entre solteiros), apenas em Mateus Jesus ratifica a única
autorização dada por Moisés, lembrando que seus interlocutores eram os fariseus.

Em todas as outras vezes em que Jesus está sozinho com seus discípulos, ele ensina
conforme era no princípio, como Deus fez e determinou na criação, bem como todo
ensino apostólico corrobora com esta posição.

A questão da virgindade feminina era relevante para uma sociedade patriarcal


preocupada com a continuidade de sua linhagem. Em Cristo todos somos iguais
perante Deus; homem, mulher, escravo, livre. Paulo ao abordar este assunto em I Co
7:25-26 fala “com respeito às pessoas virgens” (nota: esta palavra foi traduzida na
maior parte das traduções como “virgens”, induzindo o leitor a pensar que ele está
tratando apenas das mulheres. A palavra aqui utilizada no grego é a mesma palavra
utilizada em Ap 14:4 – parthenos - traduzida por “casto” mais corretamente, e que se
refere a ambos os sexos), deixando claro que o desejo de Deus era a castidade,
feminina e masculina, tanto que no versículo 25 de I Co 7 ele diz que tem recebido a
misericórdia do Senhor de ser fiel. Fiel em que? Exatamente naquilo no qual está
dando seu parecer, ser casto.

Apesar de tudo isto, ainda alguns poderiam entender que a questão da falta de
virgindade na mulher seria motivo para o divórcio (afinal de contas, é bíblico). Ivan
Baker certa vez foi questionado por um líder se ele iria para o inferno caso viesse a se
divorciar de sua esposa e casar com outra, por não ter achado ela virgem em sua noite
de núpcias, baseado na exceção de Mateus. Discernindo o coração deste irmão,
Baker respondeu que não, mas que poderia ir não por ter se divorciado e casado
novamente, mas por ter um coração duro. Afinal de contas, no reino dos céus não
existirá pessoa de coração duro! Se Deus perdoou minha esposa por ter cometido um
pecado antes de nosso casamento e antes de conhecer o Senhor, quem sou eu para
não perdoar?
I Co 7:20 - “Cada um permaneça na vocação em que foi chamado”

Apesar de não conter absolutamente qualquer ensino nesta passagem quanto a


divórcio, ela está aqui inserida para se anular o sofisma da permissão para novo
matrimônio para as pessoas que se convertem já no segundo matrimônio, o exemplo
típico de Israel relatado em Esdras, já mencionado acima, visto que depois de setenta
anos de cativeiro, a maior parte do povo nem mesmo conhecia as demandas de Deus
na lei dada por Moisés. Alguns chegam a ponto de fazer comparações do tipo: “depois
de quebrar o ovo e fazer omelete, não tem mais como virar ovo!”, no intuito de reforçar
a ideia de uma impossibilidade.

Uma omelete não pode virar ovo novamente, mas graças a Deus que não
somos ovo e Deus determinou uma forma para resolver todo e qualquer
problema de pecado, o arrependimento!

Muitos defendem que se o casal se converteu depois de contraído o segundo


matrimônio, devem permanecer desta forma. Afinal de contas, dizem, “as coisas
antigas já passaram, eis que se fizeram novas”. Para estes que defendem esta
opinião, pergunto: e se pregarmos para um casal homossexual devidamente casado
pela lei humana, eles deverão permanecer da forma como foram chamados? E os
assassinos, poderão continuar matando? E os idólatras, permanecerão em idolatria? O
grande sofisma neste caso é considerar “novo” aqueles que não morreram com Cristo,
os que não se arrependeram de seus pecados, os que não andam em novidade de
vida. Arrependimento exige frutos e muitas vezes restituição, que é a reparação à
pessoa que ofendemos quando estávamos na ignorância, foi o que fez Zaqueu e
encontrou salvação, foi a determinação que Jesus deu à Maria Madalena: “vá e não
peques mais”.

Não é a toa que Cristo diz que erramos por desconhecer as escrituras e o poder de
Deus. Uma das formas de errarmos é aplicarmos um texto fora de seu contexto. O
versículo logo em seguida diz: “Foste chamado sendo escravo? Não te preocupes
com isto...(22), foi chamado sendo livre, é escravo de Cristo(23)”. E mais:
“Considero. Por causa da angustiosa situação, ser bom para o homem
permanecer assim como está. Estás casado? Não procures separar-te. Estás
livre de mulher? Não procures casamento (26,27).” Como Paulo diz para aqueles
que estão casados não procurar se separar alguns entendem que se aplica ao caso do
“segundo matrimônio”. De forma alguma! Paulo aqui se refere a um casamento
legítimo, o tal “segundo matrimônio” é na verdade adultério. Paulo não deixa qualquer
dúvida quando escreve para os Coríntios, pois diz: “Vocês não sabem que os
perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais,
nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem
ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros
herdarão o Reino de Deus. Assim foram alguns de vocês. Mas vocês foram
lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo
e no Espírito de nosso Deus” I Co 6:9-11 NVI. Ora, porque Paulo diz “foram”? Por
que se arrependeram, não permaneceram nos pecados que cometiam antes!

Entender que esta passagem representa aceitar as pessoas incondicionalmente, com


seus pecados, na forma independente de Deus como elas viviam anteriormente, é
acreditar que todos são de antemão filhos de Deus, independente de arrependimento
(“Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais
andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da
potestade do ar; do espírito que agora atua nos filhos da desobediência, entre
os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza
filhos da ira, como também os demais” Ef 2:1-3).

A passagem de Coríntios não fala sobre permanecer no pecado, mas permanecer na


“vocação”, o contexto fala basicamente da condição social de quem é chamado
(escravo, livre, casado, solteiro, etc), nada que afete a santidade de Deus. Tudo que
havia em nossa vida anterior ao nosso encontro com Cristo, fruto da vida
independente que vivíamos, deve ser deixado para trás, deve ser abandonado, deve
ser mudado, deve dar fruto digno de arrependimento, esta era a compreensão de
Paulo, tanto que reitera: “porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e sim
para a santificação” I Tes 4:7.

Ninguém pode apelar para o “tempo da ignorância” na tentativa de manter uma


situação irregular diante de Deus. Tempo de ignorância não significa “tolerância”, pelo
contrário, a palavra diz: “Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância;
agora, porém, notifica aos homens, que todos, em toda parte, se arrependam,
porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por
meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o
dentre os mortos” At:17:30-31.

Vejamos o que a Palavra de Deus diz sobre no que devemos permanecer:

Jo 8:31 – “Disse pois Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós
permanecerdes nas minhas palavras, sois verdadeiramente meus discípulos”

Jo 12:46 – “Eu vim como luz para o mundo, a fim de que todo aquele que crê em
mim não permaneça nas trevas”

Jo 15:6 – “Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança
do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e queimam.”

I Jo 2:6 – “Aquele que diz que permanece nele, esse deve andar assim como ele
andou”

I Jo 2:24 – “Permaneça em vós o que ouvistes desde o princípio. Se em vós


permanecer o que ouvistes desde o princípio ouvistes, também permanecereis
vós no Filho e no Pai”

I Jo 3:6 – “ Todo aquele que permanece nele, não vive pecando; todo aquele que
vive pecando não o viu, nem o conheceu”

I Jo 3:24 – “ E aquele que guarda os seus mandamentos permanece em Deus, e


Deus nele. E nisto conhecemos que Ele permanece em nós, pelo Espírito que
nos deu.”

Ao estudarmos este tema devemos considerar a importância que Deus dá às alianças.


Em Malaquias 2:14-16 diz: “...Porque o Senhor foi testemunha da aliança entre ti e
a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua
companheira e a mulher da tua aliança... Portanto, cuidai de vós mesmos e
ninguém seja infiel para com a mulher de sua mocidade. Porque o Senhor, Deus
de Israel, diz que odeia o repúdio...”. Já falamos anteriormente que o casamento foi
estabelecido pelo próprio Deus no Gênesis, é anterior a qualquer lei, sendo o próprio
Deus testemunha da aliança que fizemos.

Já ouvi pastores afirmando que um casamento desfeito é uma aliança quebrada,


não tem mais valor, poderia então fazer uma nova. Vamos recordar uma história.
Quando Deus introduziu Israel em Canaã, ordenou que exterminasse o povo da terra.
Com dolo, os Gibeonitas enganaram a Josué, se passando por moradores de terras
distantes e propuseram aliança com eles. Josué aceitou (Js 9:3-27). Saul ao assumir
como rei, perseguiu os Gibeonitas e tentou exterminá-los, certo de que agia no zelo do
Senhor. Houve fome em Israel e Deus disse a Davi “que há culpa de sangue sobre
Saul e sobre sua casa, porque matou os Gibeonitas” (II Sm 21:1-9). Apesar da
ordem de Deus ter sido para exterminar o povo da terra, o Senhor honrou a aliança
equivocada feita por Josué, de preservar os Gibeonitas. O resultado desta história é
que sete filhos de Saul foram entregues aos Gibeonitas para serem enforcados. Se
Deus reconhece e honra alianças como esta, não considera como “quebrada” mesmo
após muitos anos, quanto mais àquelas feitas por nós com a mulher de nossa
mocidade? Que base alguém pode falar em “aliança quebrada” sem precedente nas
escrituras para isto? A maior parte dos casamentos naufragam por deficiências de
caráter dos cônjuges, que veem no casamento apenas uma forma de satisfazer seus
desejos egoístas. Vejamos um trecho do livro “Casamento, contrato ou aliança” de
Craig Hill:

“Durante os últimos anos, de um modo geral e, nos últimos 50 anos mais


especificamente, tem havido uma mudança significativa dos valores fundamentais na
sociedade ocidental. Tal transformação não somente impactou a sociedade, mas
também infiltrou-se na igreja. A principal mudança de valor que impactou o nosso
entendimento de casamento é o da aliança e contrato. O conceito bíblico de
casamento é o da aliança de sangue. Este é um conceito oriental que tem sido
conhecido e praticado por séculos no Oriente, mas é pouco conhecido ou mal
entendido no Ocidente. Uma aliança de sangue é o acordo mais íntimo, mais sagrado,
mais duradouro e mais comprometedor conhecido pelos homens. Quando os homens
fazem esse tipo de aliança, estabelecem um compromisso mais valioso do que até
mesmo suas próprias vidas, assumindo um compromisso básico nos seguintes termos:
"tudo o que tenho e sou é seu. Os seus inimigos são meus inimigos, e estou pronto a
entregar até a minha própria vida por você, se for necessário". Esses tipos de
entendimentos ainda existem hoje nas culturas do Oriente e Oriente Médio. A
aliança é um compromisso irrevogável, indissolúvel, quebrável somente com a morte. A
quebra de uma aliança no Oriente é virtualmente sempre punida com a morte. O
conceito de aliança, portanto, é um compromisso unilateral, irrevogável, indissolúvel,
válido pelo menos até a morte. A aliança não depende do desempenho de nenhuma das
partes. É um compromisso unilateral feito com a outra parte, na presença de Deus,
independente do desempenho do parceiro. O conceito de contrato, por outro lado, é
um conceito inteiramente diferente. Um contrato é um acordo bilateral entre duas
pessoas, totalmente dependente do desempenho do acordo. Sob o contrato, se uma
parte falha, a outra não tem nenhuma obrigação de cumprir seu compromisso e não
está mais ligado pelos termos do contrato. Este não é o caso de uma aliança em que
se está totalmente independente do desempenho e que é irrevogável. Uma aliança
simplesmente não era quebrada, e, se fosse, a penalidade era a morte.

Até recentemente, o conceito de casamento, até mesmo na sociedade de modo


geral, era de aliança, e não de contrato.

Esta troca de valor de aliança pelo valor de contrato, é o maior responsável pelo
abuso e desvio que estão ocorrendo nas famílias. Quando, no casamento, damos o
devido valor à aliança, dizemos ao parceiro: "Estou irrevogavelmente comprometido
com você até que a morte nos separe. Meu compromisso com você não tem nada a ver
com o seu desempenho ou qualquer escolha que você fizer. É um compromisso
unilateral diante de Deus até a morte. Este é o compromisso que Jesus fez conosco.
"De maneira alguma te deixarei nunca mais te abandonarei". Hebreus 13.5. Numa
situação de contrato, por outro lado, dizemos, "Vou conservar o lado da minha
barganha se você conservar o seu. Se você me fizer infeliz ou não fizer o que você
prometeu, te deixarei e acharei alguém que me faça feliz e mantenha suas
promessas. E se você me deixar, então eu definitivamente te deixarei e encontrarei
uma outra pessoa". Você não está contente pelo fato do seu relacionamento com
Jesus ser um compromisso de aliança da parte d´Ele, ao invés de um compromisso de
contrato? As pessoas naturalmente sabem que o que o apóstolo Paulo nos dizem em
Efésios 5.22-23 é verdade. Nessa passagem, Paulo declara que o casamento é o
retrato principal do relacionamento entre Cristo e a igreja. Isso significa que se eu
quiser saber como Jesus se relaciona comigo, devo olhar no relacionamento de um
homem com sua esposa. Se, ao fazê-lo o valor fundamentar que vejo representado é o
valor de aliança, então estou recebendo um retrato correto. Quando uma criança olha
para seus pais e vê o valor de contrato apresentado em seus casamentos, isso tende a
liberar um tremendo medo de abandono no coração dela. Por quê? Se a mensagem
apresentada entre os pais é de contrato - "Se você me faz feliz e não atinge o nível
desejado, vou te deixar e achar outra pessoa" - o coração da criança pensa: "Imagino
o que acontecerá comigo se não o (a) fizer feliz e não atingir o nível desejado?". Esse
sentimento é naturalmente transferido para Deus. Até mesmo como Paulo disse, o
casamento é um retrato do relacionamento com Cristo. Isso cria um tremendo temor
de abandono até mesmo no relacionamento com Deus e resulta numa ênfase
exagerada no desempenho e perfeccionismo. "É melhor fazer tudo direitinho e nunca
pecar, ou Jesus me deixará e encontrará uma outra pessoa que faz as coisas
corretamente." Perfeccionismo e tentativa de desempenho são, então, as raízes da
vergonha e de outros aspectos negativos que resultam na disfunção familiar e no
abuso. Quando os pais crentes trocam o valor de aliança pelo contrato ao abraçar a
prática do divórcio e/ou novo casamento como uma opção viável para os crentes,
abrem a porta das vidas de seus filhos para o inimigo. Através desse processo uma
segunda geração está fadada ao desvio familiar na idade adulta, o que
frequentemente leva ao divórcio, encaminhando daí a terceira geração na mesma
direção. A igreja na década de 90 está enredada justamente neste círculo. Vamos
agora nos voltar para as raízes históricas dessa mudança de valores. Quando abrimos
mão do casamento, optando assim pela separação e/ou divórcio é como se
disséssemos claramente que não cremos no milagre de Deus sobre nossa vida ou na
vida de nosso cônjuge. Deus pode e quer fazer o milagre em nós. Se nós decidimos e
permitirmos pelo milagre, Deus está pronto para realizá-lo. O único que pode
“impedir” o milagre de Deus é o próprio homem (ser humano) quando não decide, não
permite ou não quer a intervenção de Deus, e é claro, usando as mesmas
justificativas que todos têm: "eu não posso, eu não consigo, eu não mereço isto, eu
não suporto mais..." (graças a Deus que o Senhor Jesus não pensa e nem tampouco diz
isto de nós). A opção, covarde, pela separação e/ou divórcio expõe a própria vida, a
vida do(s) filho(s) e toda uma geração à ação destruidora de satanás e mais uma vez a
maldição se cumprirá. Sl. 109.17.”

“...escolhe pois a benção e a vida para que vivas, tu e a tua descendência."


Dt.30.19.

É necessário restaurar as bases sólidas do casamento: o amor incondicional, disposto


a negar-se pelo outro, a buscar os interesses do outro; a manifestação na terra da
realidade celestial da união de Cristo com a igreja. Ou fazemos isto, ou ficamos sós,
esta é a vontade de Deus. Este conceito não é novo, pelo contrário, praticamente
todos os Pais da Igreja nos primeiros séculos eram unânimes quanto a
indissolubilidade do casamento Entre o 1º e 2º séculos, Hermas escreveu diversas
cartas com mandamentos e visões, mesmo não tratando-se de um livro canônico ele
com certeza demonstra o entendimento que os irmãos que se tornaram as colunas da
igreja uma ou duas gerações após os apóstolos de Cristo, tinham sobre a questão da
santidade, especificamente no casamento. Em seu quarto mandamento, capítulo 1, ele
fala: “- Meu senhor, se alguém que confia no Senhor tiver uma esposa e a apanhar em
adultério, este homem peca se continuar convivendo com ela? Ele me disse: -
Enquanto ele não souber do pecado dela, o marido não comete nenhuma
transgressão nesta convivência. Mas se o marido souber que sua esposa se
desencaminhou, e se esta mulher não se arrepender mas persistir em sua fornicação,
e mesmo assim o marido continuar convivendo com ela, ele também é culpado deste
crime e compartilha o adultério. E eu lhe disse: - Que deve num caso desse fazer o
marido, se sua mulher continuar em sua prática perversa? E ele disse: - O marido
deve abandoná-la e ficar só. Mas se ele abandonar a mulher e casar com outra, ele
também comete adultério. E eu lhe disse: - E se a mulher abandonada viesse a se
arrepender e desejasse voltar para o marido, ela não deve ser acolhida por ele? E ele
me disse: - Seguramente. Se o marido não a aceitar de volta ele peca e comete um
grande pecado, pois ele deve receber a pecadora de volta arrependida”. infelizmente a
Reforma teve “efeitos colaterais” negativos, o principal foi a rejeição ao dogma da
indissolubilidade do casamento. Lutero defendia diversas situações de permissividade
para o divórcio, foi muito além daquilo defendido pela mais liberal escola rabínica,
Hilel, chegou a apoiar Henrique VIII não apenas para se divorciar, mas para tomar uma
segunda esposa [vide Sermão de Wittemberg]. Esta não é uma questão de ficar do
lado católico ou reformista, mas do lado das palavras de Cristo, até porque nem todos
os reformistas apoiavam as ideias mais liberais de Lutero quanto ao casamento. Se
seguirmos as regras mais básicas de hermenêutica, que indica que os textos obscuros
devem ser interpretados pelos textos claros e não o contrário, concluiremos que não
existe qualquer situação que motive o divórcio entre os discípulos. Se os teólogos da
atualidade não estão em acordo com respeito a esta questão, principalmente por
divergências relacionadas ao texto original, devemos considerar a prática daqueles
que não apenas conheciam o grego antigo, mas viviam na época e era a sua língua
materna.

Precisamos de sabedoria e coração aberto para ouvir e acatar a Palavra de Deus com
simplicidade e nos afastar dos maus conselheiros, pois trazem palavras doces aos
nossos ouvidos, mas que não nos conduzem à vida eterna (II Tim 4:1-4).

Carlos Augusto Sá da Silva

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