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Resumo Abstract
Este estudo aborda a relação entre o This study addresses the relationship
saber e poder na constituição subjetiva do between knowledge and power in the
sujeito no contexto BDSM, a partir da subjective constitution of the subject in the
cartografia como objetivo de discutir como são BDSM context, based on cartography with the
negociadas a ocupação do espaço público nas aim of discussing how the occupation of public
produções discursivas das identidades sexuais space is negotiated in the discursive
e suas próprias dinâmicas de espacialização na productions of sexual identities and their own
cidade. Com base nos estudos considerados dynamics of spatialization in the city. Based on
pós-estruturalistas o estudo destaca a relação theoretical-methodological studies considered
entre a opressão e a repressão no espaço post-structuralist, the study highlights the
urbano, e como essas dinâmicas sociais e relationship between oppression and repression
políticas são reproduzidas e internalizadas in urban space, and how these social and
pelos indivíduos, e de que forma isso afeta sua political dynamics are reproduced and
subjetividade. O BDSM é utilizado como internalized by individuals, affecting their
objeto de pesquisa, particularmente no que se subjectivity. BDSM is used as a research
refere às narrativas que constituem a object, particularly with regard to the
identidade e fundamentam o estilo de vida dos narratives that constitute the identity and
praticantes. Bem como a importância das underlie the practitioners' lifestyle. As well as
terminologias no universo BDSM, a the importance of terminologies in the BDSM
constituição dos corpos e das subjetividades universe, the constitution of bodies and
nas práticas, e a utilização de vestimenta, subjectivities in practices, and the use of
objetos e símbolos específicos de prazer e a specific clothing, objects and symbols of
frequência a certos lugares e adoção de certas pleasure. as well as going to certain places and
condutas, se caracteriza como uma forma de adopting certain behaviors.
prática de liberdade ao se opor abertamente ao
poder exercido sobre esses sujeitos. Keywords: Biopower, subjective
constitution, cartography, urban space,
Palavras-chave: Subjetividade, Bdsm, sexuality.
cartografia, espaço urbano, sexualidade.
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Introdução
Este estudo aborda o BDSM como um estilo de vida complexo que desafia as normas
de poder estabelecidas. Examina como as manifestações discursivas e identidades sexuais são
influenciadas por agenciamentos urbanos contemporâneos, além das estratégias artísticas que
buscam aumentar a visibilidade dessas identidades. O objetivo é compreender como as
relações de poder e conhecimento afetam as dinâmicas espaciais.
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BDSM" é usado para se referir a práticas sexuais que não são patologizantes, mas envolvimento dor/prazer,
dominação/submissão, e podem incluir sexo genital. As relações BDSM diferem da sexualidade convencional,
pois não são centradas na penetração/genitalidade, mas sim em luxuosas performances que envolvem objetos e
vestimentas. "Couro" é um termo em desuso, enquanto "cena" é usado para descrever a comunidade e os locais
frequentados pelos praticantes de BDSM.
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No BDSM, as narrativas que moldam a identidade e suas condutas são vistas como
uma forma de resistência ao cis-heteropatriarcado, caracterizado pela liberdade e diminuição
da alteridade. Teóricos como Foucault (1982), apoiam essa visão, entendendo o BDSM como
uma forma prática de liberdade, opondo-se ao poder exercido sobre os praticantes. Essa
resistência questiona a coerência histórica dos discursos estabelecidos e se apresenta como
uma força motriz ao desestabiliza e assegurar o lugar da subversão. A compreensão da
sexualidade no BDSM vai além dos estereótipos, reconhecendo o prazer como uma força
transcendente. O BDSM é visto como um teatro íntimo, baseado em um contrato de
igualdade, desvinculando-se das matrizes que formaram como sujeitos e agentes fixos da lei
que os antecederam.
Metodologia
A pesquisa baseada no pós-estruturalismo, realizada na cidade de Brasília, teve como
propósito compreender as reivindicações dos corpos dissidentes e seus lugares de existência,
bem como investigar como a cartografia interfere nos imaginários desses sujeitos pela cidade.
Ao adotar uma abordagem qualitativa baseada no pós-estruturalismo, este projeto de pesquisa
científica utilizou a análise discursiva e cartográfica como principais técnicas de investigação
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para compreender as reivindicações dos corpos dissidentes e suas relações com os espaços
ocupados pela comunidade BDSM.
A análise dos dados coletados teve como objetivo promover uma reflexão crítica sobre
as formas de controle, exclusão e resistência presentes na sociedade contemporânea,
especialmente no que se refere às práticas fetichistas. Nesse sentido, a cartografia
desempenhou um papel fundamental, sendo uma metodologia teórico-metodológica
alternativa com aplicações em diversos campos, como a Psicanálise e a Comunicação.
Suely Rolnik (2007), discute que os corpos ‘’desviantes’’ são responsáveis por
reconfigurar e ocupar esses espaços nos centros urbanos em que as identidades sexuais são
exercidas, negociadas e organizadas espacialmente nos centros urbanos onde essa presença e a
rejeição do gozo único se revela como fundamental para a produção de uma cidade mais
diversa e inclusiva pelo seu Modus operandi e sua redistribuição intencional do poder.
Por sua vez, o conceito de heterotopias como lugares concretos que possuem uma
função específica e estão fora do espaço habitual constitui-se como espaços de exceção,
abrindo possibilidades de vivências e experiências diversas. Ambas as abordagens desafiam
as concepções tradicionais de espaço e rompem com as representações fixas e
unidimensionais. Tanto a cartografia quanto as heterotopias buscam explorar a multiplicidade,
a complexidade e a diversidade presentes nos territórios.
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A Lust é uma festa brasiliense que surgiu em 2018, inspirada nas baladas selvagens da Europa, especialmente
no Kit Kat Club em Berlim. Com um clima libertário, a festa promove a livre expressão da sexualidade e permite
que o uso de roupas seja opcional. Além disso, destaca-se pela música eletrônica e apresentações teatrais, muitas
vezes com cunho político, características do universo underground.
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A partir das análises discursivas do meio BDSM, que envolvem atividades sexuais e
estilos de vida alternativos que exploram poder, controle e prazer através de jogos de
dominância e submissão, este artigo traz a importância de um ruído necessário para uma
escuta essencial do próprio erótico permitindo assim uma compreensão política da
sexualidade como sujeitos. Conforme afirmado por Bataille. O erótico se revela para aqueles
que ultrapassam os limites das sexualidades convencionais e se aventuram em territórios
muitas vezes conflitantes com a verdade sexual. A relação entre nossa sexualidade padrão e a
subversiva é notavelmente tensa e quase inalcançável.
Resultados
Este estudo buscou investigar as ocorrências e experiências de indivíduos engajados
em práticas BDSM, a fim de compreender melhor as motivações, significados e impactos
dessas vivências. Os participantes forneceram respostas valiosas, destacando diversos
aspectos relacionados a esse contexto. Quando questionados sobre a definição do BDSM, os
emocionados expressaram uma visão comum. Eles descrevem o BDSM como uma prática que
promove o autoconhecimento, o empoderamento sexual e o jogo consensual. Além disso,
enfatizaram a exploração de desejos, limites e formas originais de se relacionar.
Considerações finais
Podemos considerar o erótico como um domínio que emerge quando nos lançamos
sobre o abismo situado entre a consciência de nosso eu e o caos de nossos desejos mais
intensos. Essa dimensão constitui uma força de resistência da arte, que se encontra no
encontro entre saberes e nos movimentos imprevisíveis, ao abraçar o corpo livre e incorporar
a experiência tanto na concepção quanto na vivência como uma forma de performance,
contrapondo-se às normas impostas pelo universo dos chamados "normais".
Apesar dos elementos do BDSM apresentarem uma linha de fuga, não estamos livres
dos dispositivos que facilitam o agenciamento do poder. Aprendemos a buscar a normalidade
e adotar posturas corretas para evitar punições e obter credenciais, limitando-nos aos formatos
restritos das dinâmicas heterossexuais e a uma hierarquia linear de papéis. Entretanto, essa
filosofia corpográfica se diferencia ao promover a equivalência dos corpos, a liberdade do
desejo e a redistribuição intencional do poder. Ao estudar os comportamentos diante de novas
formas de viver, falar, pensar e explorar a sexualidade, identificamos que a sexualidade
considerada "normal" também é um teatro. Nesse contexto, ao interditar as diferenças de
poder historicamente construídas para manter a dominação, emerge um lugar de poder
relativamente submisso e civilizador, buscando controlar e direcionar o desejo.
construção de uma monocultura sexual e afetiva3, refletindo a forma como concebemos nossa
subjetividade. Como resultado, observamos que a heterocissexualidade como mecanismo é
apenas uma entre várias possibilidades, mas é tratada como a única verdadeira, estabelecendo
uma monocultura simbólica que define se concordamos ou não com práticas sexuais e
afetivas, muitas vezes às custas da repressão dos afetos e da destruição dos espaços onde o
corpo é visto como inimigo da mente. O avanço das imposições em nossas imaginações e
pensamentos também resulta em vigilância e punição, tornando até mesmo o ato de imaginar
uma infração.
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O conceito de "Monocultura" foi desenvolvido pela autora Geni Núñez e está relacionado à uniformidade de
pensamento e perspectivas que prevalecem em certos contextos sociais, culturais e políticos. Núñez propõe uma
analogia ambiental para abordar a exclusividade nos relacionamentos afetivos. "A monocultura só existe quando
há negação da diversidade. A monogamia também se enquadra nesse aspecto, mas direciona outras formas de
relacionamento. A visão colonial cria vários binarismos, impactando nisso. A autora menciona a ideologia
colonial, ao se referir ao que denomina como sistema de organizado em diversos eixos, como a monocultura da
fé (no monoteísmo cristão), a monocultura dos afetos (na monogamia), a monocultura da sexualidade (no
monossexismo) e a monocultura da terra. A imposição do "Um" na monocultura antagoniza com o princípio da
floresta, que necessariamente é múltiplo" (NÚÑEZ, 2021).
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