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BDSM NO INSTAGRAM
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo empreender uma análise discursiva das
estratégias comunicacionais da comunidade BDSM - acrônimo para Bondage,
Disciplina/Dominação, Submissão/Sadismo e Masoquismo; termo guarda-chuva para nomear
uma série de práticas sexuais fetichistas e seus adeptos - em redes sociais. Para isso partimos
de autores da Análise de Discurso em diálogo com pesquisadores em Teorias da
Comunicação, História, Teorias Sociais e Psicanálise. Serão analisadas páginas BDSM
publicadas na rede social e plataforma Instagram, com suas estratégias discursivas, possíveis
porta-vozes, formações imaginárias, autoria e efeito leitor, considerando sempre a
heterogeneidade dos gestos de interpretação sobre corpo, sexualidade e mesmo saúde.
INTRODUÇÃO
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Práticas erótico fetichistas que envolvem a restrição de movimentos do parceiro através do uso de acessórios
como cordas, correntes, lenços, algemas, etc.
Diante disso, o objetivo dessa pesquisa é empreender uma análise das estratégias
comunicacionais da comunidade BDSM em redes sociais, a partir de pressupostos teóricos da
Análise de Discurso, em diálogo com pesquisadores em Teorias da Comunicação, História,
Teorias Sociais e Psicanálise.
O material a ser analisado serão páginas BDSM, disponíveis de modo público na rede
social e plataforma Instagram, com suas estratégias discursivas, possíveis porta-vozes,
formações imaginárias, autoria e efeito leitor, considerando sempre a heterogeneidade dos
gestos de interpretação sobre corpo, sexualidade e mesmo saúde.
MATERIAIS E MÉTODOS
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Disponível em: <https://www.instagram.com/portaldoplay/>. Acesso em 25 de ago. de 2022.
3
Disponível em: <https://www.instagram.com/dommeniqueluxor/>. Acesso em 25 de ago. de 2022.
4
Disponível em: <https://www.instagram.com/senhor_fernandes/> Acesso em 25 de ago. de 2022.
5
Disponível em: <https://www.instagram.com/domstavale2021/> Acesso em 25 de ago. de 2022.
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Disponível em: <https://www.instagram.com/chicotadaspodcast/> Acesso em 25 de ago. de 2022.
e a adoção de posições comunicativas e/ou educacionais acerca das comunidades e práticas
BDSM e fetichista.
Porém, faz-se importante destacar possíveis problemas de pesquisa com a derrubada
destas páginas, de maneira institucional, ou seja, por parte de iniciativa da própria plataforma
Instagram, ou por denúncias dos demais usuários. Uma vez que os materiais analisados tratam
de sexualidade, prazer e dor, há a possível compreensão, por partes dos usuários ou
plataforma, de que o conteúdo é sensível e, portanto, não deveria ser veiculado em tais
espaços, afetando assim a permanência desses materiais na rede.
REFERENCIAL TEÓRICO
A medicina penetrou com grande aparato nos prazeres do casal: inventou toda uma
patologia orgânica, funcional ou mental, originada nas práticas sexuais "incompletas";
classificou com desvelo todas as formas de prazeres anexos; integrou-os ao
"desenvolvimento" e às "perturbações" do instinto; empreendeu a gestão de todos eles.
(FOUCAULT, 1977, p.41)
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A sigla que identifica a dinâmica de dominação e submissão pressupõe o uso de caixa alta e caixa baixa para a
primeira e segunda parte, respectivamente, simbolizando o maior poder atribuído à figura dominante.
Nas redes, o BDSM, pôde ganhar alguma visibilidade em que pese seu lugar ainda
como cultura sexual “dissidente”. E esse lugar não é tão difícil de ser explicado, ou como diz
Rubin: “Se é difícil para pessoas gays encontrarem emprego onde não precisem fingir, é
duplamente ou triplamente mais difícil para indivíduos mais exoticamente sexuados. Os
sadomasoquistas deixam suas roupas fetichistas em casa, e sabem que devem ser super
cuidados na ocultação de suas verdadeiras identidades.” (2008, p.30)
Através de vestimentas, hierarquias, linguagem, estética e conhecimentos próprios, o
meio BDSM se desenvolveu como um estilo de vida e identidade a parte do chamado mundo
“baunilha”. Termo esse utilizado para se referir a pessoas, comportamentos e relacionamentos
que são de fora ou não condizem com a cultura BDSM. Trata-se de um estilo de vida que
pode ser definido como: “Um conjunto de práticas, em alguma medida, integradas,
rotinizadas, incorporadas nos modos, por exemplo, de vestir, comer, encontrar pessoas, e
que dão forma material a uma narrativa reflexiva particular da autoidentidade do indivíduo
que o adota”. (SILVA, 2018, p.3313)
É importante considerar aqui como que esse expressar-se se posiciona enquanto
diferença em relação a um grupo hegemônico dotado de poder heteronormativa e com prazer
focado nas genitálias. Nesse quesito o BDSM, e o fetichismo erótico como um todo, cumpre
função subversiva da sexualidade normativa, confrontando concepções de normalidade e
naturalidade.
Quando em condições “normais”, a marginalização desses grupos se dá não somente
através dos conhecimentos e práticas, mas também nos espaços físicos da cidade onde
conseguem manifestar, reproduzir e praticar suas identidades e cultura. Porém, com a
quarentena implementada durante a pandemia de Covid-19, assim como as demais interações
sociais, as da comunidade BDSM se viram restritas ao meio digital.
É interessante destacar o efeito imersivo que as comunicações online suscitaram no
meio BDSM visto que as interações presenciais representaram um alto risco de contaminação
pela COVID, isso porque uma vez que as dinâmicas de dominação e submissão não são
restritas ou associadas a casais românticos ou detentores de matrimônio, seus praticantes em
poucos casos moram em mesma residência.
Sair de casa e utilizar algum meio de transporte já representavam um grande risco de
contaminação, fazê-lo com a intenção de ir à casa de terceiros, ou pior, a um local comercial
como um motel ou hotel, aumentava em grande medida esse risco. Portanto, as interações
entre praticantes que não residiam em mesmo local se viram muitas das vezes restrita aos
meios digitais.
Por consequência, nas redes sociais encontram-se não somente as personalidades
representantes do meio, mas também uma grande parte dos integrantes da comunidade
BDSM. Através de nomes próprios para a interação com outros praticantes e sob categorias
que determinam nível hierárquico, preferência por práticas e comportamentos, esses
indivíduos não apenas se encontram em uma realidade paralela ao mundo “baunilha”, mas
também constroem novas identidades.
Como trata-se de uma sexualidade dissidente, é comum que seus praticantes
mantenham em sigilo seu envolvimento e interesses. O que explica a existência de muitos
perfis com nomes fictícios, para uso exclusivo em interações fetichistas, e com fotos que não
mostram rostos, tatuagens ou qualquer marca corporal identificável.
Aliados às ferramentas para preservar o sigilo dos participantes, é facilmente
identificável marcadores das posições dos praticantes e algumas vezes de suas práticas
favoritas. Os honoríficos Dom, Senhor, Mistress, Daddy e outros colocados em seus perfis
anteriormente aos seus nomes, por exemplo, são utilizados por praticantes que possuem
preferência por praticar na posição de top. Enquanto outros adeptos tratam dos termos
específicos de suas posições ou fetiches, como podemos ver nos casos de alguns switchers,
podolatras e os autodenominados cornos.
Para melhor entendimento acerca dos termos específicos utilizados para nomear as
posições de práticas, temos top e bottom enquanto quem aplica as práticas fetichistas e quem
as recebe, respectivamente, e o switcher, que pode praticar em qualquer uma das posições a
depender do momento ou parceiro. Em uma sessão de wax play, por exemplo, o top fica
responsável por manejar as velas, próprias para esse tipo de uso, pingando a cera derretida
sobre o corpo do bottom. Essa hierarquia é indispensável pois define o indivíduo que aplica a
prática de quem a recebe.
É possível identificar essas tendências de expressão hierárquica não somente pelo
nomear, mas também através da leitura das imagens publicadas nos perfis. Para além dos
códigos que denotam tentativas de manter o sigilo da identidade do fotografado, também é
possível compreender algumas poses enquanto representativas de suas posições no meio e
práticas favoritas.
Uma foto em que há uma mulher ajoelhada, por exemplo, pode ser lida como a
posição de uma submissa em início de sessão. Enquanto fotos de diferentes mulheres
amarradas com cordas, permite a leitura de que aquele perfil é de um rope top - top que possui
como prática principal o bondage e/ou shibari8.
Porém, assim como destaca Silva, é preciso ressaltar que apesar desses novos espaços
apresentarem novas possibilidades, eles não foram e não são fundantes da comunidade
BDSM. “O ciberespaço não produziu o BDSM, mas, sem dúvida, alargou os horizontes de
seus adeptos, permitindo a comunicação e a troca de informações com praticantes do mundo
inteiro e promovendo seu estilo de vida.”(SILVA, 2018, p.3316)
É importante reforçar também que a presença da comunidade BDSM nos meios
digitais e online não se deu apenas a partir da pandemia. A própria comunidade brasileira
adepta da subcultura se encontra presente na internet há décadas através de sites, blogs, perfis
e páginas em redes sociais mainstream, chegando até mesmo a desenvolveram redes sociais
próprias para a interação exclusiva de praticantes do meio e fetichistas.
No início deste século, por exemplo, surgiram duas redes sociais próprias às
comunidades BDSM e fetichista, uma estrangeira e outra nacional. A primeira foi lançada em
2008 e trata-se do Fetlife, atualmente a maior rede social fetichista do mundo, onde usuários
conseguem publicar suas fotos de práticas, sem o risco de serem derrubadas por conter nudez
ou sangue, podem entrar em contato com outros praticantes e criar um perfil organizado
listando seus parceiros de sessão, práticas favoritas, limites e curiosidades.
Já no Brasil, temos a plataforma do Senhor Verdugo, que, por mais que seja uma rede
social, se assemelha aos modelos de fóruns tradicionais do início dos anos 2000, onde são
feitas postagens públicas para comentários e interações de demais usuários. Sendo assim um
espaço mais propício para o debate das questões referentes à comunidade, como práticas,
protocolos, dúvidas e recomendações.
Nesses espaços próprios para o diálogo da comunidade, os discursos patologizantes e
criminalizantes criados e reproduzidos pelas estruturas de biopoder perdem força e, assim
como demonstra Silva em sua tese, são desenvolvidas noções e discursos próprios do meio
sobre saúde, bem-estar, sexualidade, afetos, hierarquia, consentimento, prazer, dor, sexo, etc.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Para a Análise de Discurso, usamos como base Orlandi, Souza e Alves.
A construção, mobilização e compartilhamento de informações e conhecimentos
próprios da subcultura BDSM demonstram a subversão de conhecimentos institucionais no
que há de normativos, como os saberes médico e jurídico, de forma que esta comunidade
dissidente e marginalizada aponta para construção de novos sentidos para os dispositivos
utilizados pelas instituições de poder.
Pensar como essa comunidade se comunica não é só sobre analisar um processo
comunicacional, mas também por compreender como uma minoria marginalizada, e algumas
vezes até mesmo criminalizada, é capaz de mobilizar sentidos significados e discursos
próprios em disputa com os poderes vigentes.
Desta forma, ainda que o presente trabalho ainda esteja em sua fase inicial, os
resultados obtidos com as primeiras análises abriram espaço para novas perguntas a serem
respondidas. Desde questões envolvendo estruturas de poder, dentro e fora das comunidades
BDSM e fetichista, até o uso de ferramentas comunicacionais para controle e disseminação de
informação e conhecimento, são suscitadas noções acerca de biopoder, neoliberalismo,
conhecimento e controle dos corpos.
REFERÊNCIAS