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O OUTRO USO DOS PRAZERES: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE PÁGINAS

BDSM NO INSTAGRAM

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo empreender uma análise discursiva das
estratégias comunicacionais da comunidade BDSM - acrônimo para Bondage,
Disciplina/Dominação, Submissão/Sadismo e Masoquismo; termo guarda-chuva para nomear
uma série de práticas sexuais fetichistas e seus adeptos - em redes sociais. Para isso partimos
de autores da Análise de Discurso em diálogo com pesquisadores em Teorias da
Comunicação, História, Teorias Sociais e Psicanálise. Serão analisadas páginas BDSM
publicadas na rede social e plataforma Instagram, com suas estratégias discursivas, possíveis
porta-vozes, formações imaginárias, autoria e efeito leitor, considerando sempre a
heterogeneidade dos gestos de interpretação sobre corpo, sexualidade e mesmo saúde.

Palavras-chave: Comunicação; BDSM; Discurso; Sexualidade

INTRODUÇÃO

Para além do comportamento sexual dissidente marginalizado, a subcultura erótico


fetichista conhecida pelo acrônimo BDSM – Bondage1, Disciplina, Dominação, Submissão,
Sadismo e Masoquismo - desenvolveu-se a partir de discursos caracterizados por estética,
linguagem e códigos próprios que,  potencializados pela popularização da internet, a partir da
década de 90, e a facilitação do compartilhamento de informações e conteúdo, tem ganho
visibilidade em uma sociedade que, no que tange à sexualidade, ainda é bastante normativa.
O presente estudo vem tentar suprir uma lacuna, dado que, mesmo com aumento, nas
últimas décadas, do número de estudos, pesquisas e produções teóricas acerca de grupos
dissidentes sexuais, como a população LGBT+, foram poucas as produções acadêmicas
nacionais sobre a comunidade BDSM e fetichista. Ou mais especificamente: ainda que nas
Ciências Sociais tenham sido abordados os comportamentos de seus adeptos em ambientes
digitais, na área da Comunicação não há produção própria e específica. 

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Práticas erótico fetichistas que envolvem a restrição de movimentos do parceiro através do uso de acessórios
como cordas, correntes, lenços, algemas, etc.
Diante disso, o objetivo dessa pesquisa é empreender uma análise das estratégias
comunicacionais da comunidade BDSM em redes sociais, a partir de pressupostos teóricos da
Análise de Discurso, em diálogo com pesquisadores em Teorias da Comunicação, História,
Teorias Sociais e Psicanálise.
O material a ser analisado serão páginas BDSM, disponíveis de modo público na rede
social e plataforma Instagram, com suas estratégias discursivas, possíveis porta-vozes,
formações imaginárias, autoria e efeito leitor, considerando sempre a heterogeneidade dos
gestos de interpretação sobre corpo, sexualidade e mesmo saúde.

MATERIAIS E MÉTODOS

A partir de um ponto de vista analítico-discursivo sobre o objeto de estudo é possível


compreender quais sentidos são construídos, reproduzidos e reafirmados acerca de
sexualidade, sexo, prazer, dor e comportamentos não normativos. Esses sentidos produzem
efeitos não somente sobre os membros das comunidades BDSM e fetichista mas também
sobre todo indivíduo que constrói, a partir do convívio com outros, suas noções e
compreensão de sexualidade e comportamento.
Desta forma, mostra-se fundamental a compreensão da Análise de Discurso para a
identificação e categorização de discursos e efeitos. A partir do entendimento de
atravessamento de sentidos, efeito leitor e formações imaginárias, a AD dispõe de uma base
conceitual capaz de auxiliar nas respostas às perguntas desta pesquisa e a atingir os objetivos
previstos.
Através da análise de textos e imagens veiculados, nas páginas tomadas como objeto
de estudo, é possível identificar algumas terminologias e formações discursivas semelhantes. 
A partir da identificação dessas, é possível compreender quais efeitos atravessam e se
reproduzem, impactando as estruturas simbólicas de poder, prazer, dor, saúde, bem-estar e
conhecimento.
Para objeto de estudo empírico foram tomadas cinco páginas na rede social e
plataforma Instagram, sendo estas: Mistress Mahara2, Dommenique Luxor3, Dom Fernandes4,
Dom Stavale5 e Chicotadas Podcast6. O critério de seleção foram seus milhares de seguidores

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Disponível em: <https://www.instagram.com/portaldoplay/>. Acesso em 25 de ago. de 2022.
3
Disponível em: <https://www.instagram.com/dommeniqueluxor/>. Acesso em 25 de ago. de 2022.
4
Disponível em: <https://www.instagram.com/senhor_fernandes/> Acesso em 25 de ago. de 2022.
5
Disponível em: <https://www.instagram.com/domstavale2021/> Acesso em 25 de ago. de 2022.
6
Disponível em: <https://www.instagram.com/chicotadaspodcast/> Acesso em 25 de ago. de 2022.
e a adoção de posições comunicativas e/ou educacionais acerca das comunidades e práticas
BDSM e fetichista.
Porém, faz-se importante destacar possíveis problemas de pesquisa com a derrubada
destas páginas, de maneira institucional, ou seja, por parte de iniciativa da própria plataforma
Instagram, ou por denúncias dos demais usuários. Uma vez que os materiais analisados tratam
de sexualidade, prazer e dor, há a possível compreensão, por partes dos usuários ou
plataforma, de que o conteúdo é sensível e, portanto, não deveria ser veiculado em tais
espaços, afetando assim a permanência desses materiais na rede.

REFERENCIAL TEÓRICO

Em janeiro de 2022, entrou em vigor a décima primeira versão da CID (Classificação


Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) na qual
sadomasoquismo e fetichismo deixam de ser considerados patologias. Mudança essa que
influencia diretamente a comunidade BDSM (acrônimo para Bondage, Disciplina,
Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo) e causa efeitos não somente médicos como
também sociais, comportamentais, culturais e jurídicos. 
O CID trata-se de uma ferramenta internacional, para o diagnóstico de morbidades e
mortalidades, elaborada, desde 1948, pela autoridade sanitária de maior peso internacional, a
Organização Mundial da Saúde.  Seus efeitos sobre a comunidade não são irrelevantes, pois
trata-se de uma forte instituição médica estabelecendo normas e normatizações sobre o que
pode ser considerado são ou patológico no campo da sexualidade, o que consequentemente
também constrói noções sociais de normalidade e anormalidade.
Por isso, apesar de seu enorme valor para a homogeneização dos pareceres médicos, o
CID não é aceito sem críticas, ainda mais num mundo globalizado e de extrema complexidade
sanitária. Algumas de suas classificações foram e são questionadas por certas comunidades
por conta das suas consequências sociais e jurídicas. Dentre essas comunidades se encontram
representantes de minorias sexuais como: homossexuais, transexuais, sadomasoquistas e
fetichistas.
Rubin (2017) aponta essas minorias dissidentes sexuais, muitas vezes patologizadas,
como parte de um grupo julgado como “sexualidade condenada”, junto das práticas sexuais
“fora do casamento, promíscua, não-procriativa, comercial, sozinha ou em grupo, casual,
cruzamento entre gerações, em público, pornografia, com objetos manufaturados”.
Até o presente momento, muitos foram os embates entre o conhecimento
médico-científico e as comunidades BDSM e fetichistas. Isso porque ao longo dos últimos
quase dois séculos, a medicina, através da psiquiatria, tem determinado quais comportamentos
sexuais podem ser considerados normais, naturais e saudáveis; tomando assim todo
comportamento dissidente como patológico.

A  medicina  penetrou  com  grande  aparato  nos  prazeres  do  casal: inventou  toda  uma 
patologia  orgânica,  funcional  ou  mental,  originada  nas  práticas sexuais  "incompletas"; 
classificou  com  desvelo  todas  as  formas  de  prazeres  anexos; integrou-os  ao 
"desenvolvimento"  e  às  "perturbações"  do  instinto;  empreendeu  a gestão  de  todos  eles.
(FOUCAULT, 1977, p.41)

Dentre essas patologias, surgem os termos “perversão” e “parafilia” para tratar de


comportamentos homossexuais, promíscuos, sadomasoquistas, fetichistas e outros. Porém, a
história não se dá sem deslocamentos, e exemplo disso, é a última versão do CID, que
considera as práticas fetichistas enquanto patologia apenas em caso de não consensualidade
de terceiros, quando são causa de mal-estar para o próprio indivíduo ou quando representam
risco de ferimentos graves ou morte.
Por mais que a relação da comunidade BDSM com o CID, ou a OMS, não seja o  foco
principal neste trabalho, se faz importante abordar a longa história de normatização da
sexualidade no Ocidente, a partir de modelos biopolíticos de comportamento e gestão da
sociedade. De Kraft-Ebing até os dias de hoje, boa parte das tendências normativas se
dispersam entre saberes da saúde, poderes jurídicos e discursos morais, e esses se tornam
pano de fundo para este estudo que se dá no campo da comunicação. 

Corpo, discurso e...redes

O BDSM é um acrônimo que refere-se a algumas práticas,  adeptos, acessórios,


estéticas e comportamentos erótico fetichistas. Por mais que a literatura acadêmica nacional
não defina ao certo quando se deu a origem do termo, Wiseman (1996) explica como na
década de 90 os fóruns online passaram a organizar as dinâmicas fetichistas sob as siglas: B/D
para bondage e disciplina, D/s7 para dominação e submissão, S/M para sadomasoquismo; até
que todas foram compreendidas sob o acrônimo BDSM.

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A sigla que identifica a dinâmica de dominação e submissão pressupõe o uso de caixa alta e caixa baixa para a
primeira e segunda parte, respectivamente, simbolizando o maior poder atribuído à figura dominante.
Nas redes, o BDSM, pôde ganhar alguma visibilidade em que pese seu lugar ainda
como cultura sexual “dissidente”. E esse lugar não é tão difícil de ser explicado, ou como diz
Rubin:  “Se é difícil para pessoas gays encontrarem emprego onde não precisem fingir, é
duplamente ou triplamente mais difícil para indivíduos mais exoticamente sexuados. Os
sadomasoquistas deixam suas roupas fetichistas em casa, e sabem que devem ser super
cuidados na ocultação de suas verdadeiras identidades.” (2008, p.30)
Através de vestimentas, hierarquias, linguagem, estética e conhecimentos próprios, o
meio BDSM se desenvolveu como um estilo de vida e identidade a parte do chamado mundo
“baunilha”. Termo esse utilizado para se referir a pessoas, comportamentos e relacionamentos
que são de fora ou não condizem com a cultura BDSM. Trata-se de um estilo de vida que
pode ser definido como:  “Um conjunto de práticas,  em alguma medida,  integradas, 
rotinizadas, incorporadas nos modos,  por exemplo,  de vestir, comer,  encontrar pessoas,  e
que dão forma material a uma narrativa reflexiva particular da autoidentidade do indivíduo
que o adota”. (SILVA, 2018, p.3313)
É importante considerar aqui como que esse expressar-se se posiciona enquanto
diferença em relação a um grupo hegemônico dotado de poder heteronormativa e com prazer
focado nas genitálias. Nesse quesito o BDSM, e o fetichismo erótico como um todo, cumpre
função subversiva da sexualidade normativa, confrontando concepções de normalidade e
naturalidade.
Quando em condições “normais”, a marginalização desses grupos se dá não somente
através dos conhecimentos e práticas, mas também nos espaços físicos da cidade onde
conseguem manifestar, reproduzir e praticar suas identidades e cultura. Porém, com a
quarentena implementada durante a pandemia de Covid-19, assim como as demais interações
sociais, as da comunidade BDSM se viram restritas ao meio digital.
É interessante destacar o efeito imersivo que as comunicações online suscitaram no
meio BDSM visto que as interações presenciais representaram um alto risco de contaminação
pela COVID, isso porque uma vez que as dinâmicas de dominação e submissão não são
restritas ou associadas a casais românticos ou detentores de matrimônio, seus praticantes em
poucos casos moram em mesma residência.
Sair de casa e utilizar algum meio de transporte já representavam um grande risco de
contaminação, fazê-lo com a intenção de ir à casa de terceiros, ou pior, a um local comercial
como um motel ou hotel, aumentava em grande medida esse risco. Portanto, as interações
entre praticantes que não residiam em mesmo local se viram muitas das vezes restrita aos
meios digitais.
Por consequência, nas redes sociais encontram-se não somente as personalidades
representantes do meio, mas também uma grande parte dos integrantes da comunidade
BDSM. Através de nomes próprios para a interação com outros praticantes e sob categorias
que determinam nível hierárquico, preferência por práticas e comportamentos, esses
indivíduos não apenas se encontram em uma realidade paralela ao mundo “baunilha”, mas
também constroem novas identidades.
Como trata-se de uma sexualidade dissidente, é comum que seus praticantes
mantenham em sigilo seu envolvimento e interesses. O que explica a existência de muitos
perfis com nomes fictícios, para uso exclusivo em interações fetichistas, e com fotos que não
mostram rostos, tatuagens ou qualquer marca corporal identificável.
Aliados às ferramentas para preservar o sigilo dos participantes, é facilmente
identificável marcadores das posições dos praticantes e algumas vezes de suas práticas
favoritas. Os honoríficos Dom, Senhor, Mistress, Daddy e outros colocados em seus perfis
anteriormente aos seus nomes, por exemplo, são utilizados por praticantes que possuem
preferência por praticar na posição de top. Enquanto outros adeptos tratam dos termos
específicos de suas posições ou fetiches, como podemos ver nos casos de alguns switchers,
podolatras e os autodenominados cornos.
Para melhor entendimento acerca dos termos específicos utilizados para nomear as
posições de práticas, temos top e bottom enquanto quem aplica as práticas fetichistas e quem
as recebe, respectivamente, e o switcher, que pode praticar em qualquer uma das posições a
depender do momento ou parceiro. Em uma sessão de wax play, por exemplo, o top fica
responsável por manejar as velas, próprias para esse tipo de uso, pingando a cera derretida
sobre o corpo do bottom. Essa hierarquia é indispensável pois define o indivíduo que aplica a
prática de quem a recebe.
É possível identificar essas tendências de expressão hierárquica não somente pelo
nomear, mas também através da leitura das imagens publicadas nos perfis. Para além dos
códigos que denotam tentativas de manter o sigilo da identidade do fotografado, também é
possível compreender algumas poses enquanto representativas de suas posições no meio e
práticas favoritas.
Uma foto em que há uma mulher ajoelhada, por exemplo, pode ser lida como a
posição de uma submissa em início de sessão. Enquanto fotos de diferentes mulheres
amarradas com cordas, permite a leitura de que aquele perfil é de um rope top - top que possui
como prática principal o bondage e/ou shibari8.
Porém, assim como destaca Silva, é preciso ressaltar que apesar desses novos espaços
apresentarem novas possibilidades, eles não foram e não são fundantes da comunidade
BDSM. “O ciberespaço não produziu o BDSM,  mas, sem dúvida,  alargou os horizontes de
seus adeptos,  permitindo a comunicação e a troca de informações com praticantes do mundo
inteiro e promovendo  seu estilo de  vida.”(SILVA, 2018, p.3316)
É importante reforçar também que a presença da comunidade BDSM nos meios
digitais e online não se deu apenas a partir da pandemia. A própria comunidade brasileira
adepta da subcultura se encontra presente na internet há décadas através de sites, blogs, perfis
e páginas em redes sociais mainstream, chegando até mesmo a desenvolveram redes sociais
próprias para a interação exclusiva de praticantes do meio e fetichistas.
No início deste século, por exemplo, surgiram duas redes sociais próprias às
comunidades BDSM e fetichista, uma estrangeira e outra nacional. A primeira foi lançada em
2008 e trata-se do Fetlife, atualmente a maior rede social fetichista do mundo, onde usuários
conseguem publicar suas fotos de práticas, sem o risco de serem derrubadas por conter nudez
ou sangue, podem entrar em contato com outros praticantes e criar um perfil organizado
listando seus parceiros de sessão, práticas favoritas, limites e curiosidades.
Já no Brasil, temos a plataforma do Senhor Verdugo, que, por mais que seja uma rede
social, se assemelha aos modelos de fóruns tradicionais do início dos anos 2000, onde são
feitas postagens públicas para comentários e interações de demais usuários. Sendo assim um
espaço mais propício para o debate das questões referentes à comunidade, como práticas,
protocolos, dúvidas e recomendações.
Nesses espaços próprios para o diálogo da comunidade, os discursos patologizantes e
criminalizantes criados e reproduzidos pelas estruturas de biopoder perdem força e, assim
como demonstra Silva em sua tese, são desenvolvidas noções e discursos próprios do meio
sobre saúde, bem-estar, sexualidade, afetos, hierarquia, consentimento, prazer, dor, sexo, etc.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir de análises preliminares é possível identificar algumas semelhanças entre as


posições dos enunciadores e suas formações discursivas (matrizes de sentido, lugares de
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Técnica militar japonesa, utilizada há séculos para restrição de movimentos de prisioneiros de guerra,
ressignificada com intenções artísticas e/ou eróticas.
interpretação, na concepção da Análise de Discurso)9, o que suscita novas questões a serem
respondidas em análises posteriores; não somente dos conteúdos produzidos e veiculados nas
páginas tomadas como objeto de estudo mas também através de entrevistas a serem realizadas
com os produtores de tais materiais.
É possível, por exemplo, perceber posições hierárquicas semelhantes entre esses
produtores de conteúdo. Através de nomenclaturas, tais como Senhor, Senhora, Mistress,
Dominatrix ou Dom, todos se identificam enquanto dominadores ou switchers, ou seja,
posições, dentro da comunidade BDSM, possuidoras de poder e controle.  O uso desses
marcadores de hierarquias e nomes próprios para suas personas demonstram também que não
são apenas curiosos ou pesquisadores do tema, mas praticantes e parte integrante das
comunidades.
Cabe tentar identificar se estas posições possuem algum caráter legitimador para os
discursos enunciados e para as identidades de comunicadores ou porta-vozes, ou seja, se a
hierarquia confere autoridade na informação veiculada, ou quais outros sentidos podem
explicar essa “coincidência”.
Também é possível identificar algumas informações classificadas enquanto “básicas”,
tais como bases morais, a serem seguidas dentro da comunidade e nas práticas BDSM,
posições hierárquicas, nomenclaturas de fetiches e noções de consentimento. Esses conteúdos
são ensinados como sendo os “primeiros passos” para conhecer a comunidade e praticar de
maneira segura e responsável. 
Mostra-se facilmente identificável que muitas das terminologias utilizadas possuem
origem na língua inglesa e na cultura estadunidense. O que suscita questões sobre
colonialismo/imperialismo, tanto pela forte adesão aos termos e falta de tradução dos
mesmos, quanto por certo apagamento da memória discursiva fetichista nacional.
Por último, também é possível identificar estratégias comunicacionais para fugir das
tecnologias de censura da plataforma. Através, por exemplo, da substituição de letras por
números ou símbolos em meio a palavras, que podem ser entendidas pelo algoritmo como de
cunho sexual, violento ou abusivo, os produtores de conteúdo encontram maneiras de dar
continuidade à disseminação e divulgação de seus materiais em um processo de metaforização
a partir da materialidade linguística e numeral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Para a Análise de Discurso, usamos como base Orlandi, Souza e Alves.
A construção, mobilização e compartilhamento de informações e conhecimentos
próprios da subcultura BDSM demonstram a subversão de conhecimentos institucionais no
que há de normativos, como os saberes médico e jurídico, de forma que esta comunidade
dissidente e marginalizada aponta para construção de novos sentidos para os dispositivos
utilizados pelas instituições de poder.
Pensar como essa comunidade se comunica não é só sobre analisar um processo
comunicacional, mas também por compreender como uma minoria marginalizada, e algumas
vezes até mesmo criminalizada, é capaz de mobilizar sentidos significados e discursos
próprios em disputa com os poderes vigentes.
Desta forma, ainda que o presente trabalho ainda esteja em sua fase inicial, os
resultados obtidos com as primeiras análises abriram espaço para novas perguntas a serem
respondidas. Desde questões envolvendo estruturas de poder, dentro e fora das comunidades
BDSM e fetichista, até o uso de ferramentas comunicacionais para controle e disseminação de
informação e conhecimento, são suscitadas noções acerca de biopoder, neoliberalismo,
conhecimento e controle dos corpos.

REFERÊNCIAS

ALVES, Wedencley. Análise de discurso: O desafio da corporeidade. Revista


Humanidades e Inovação v.7, n.24, p.25-34, 2020. Disponível em:
<https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/4357>. Acesso em
26 ago. 2022.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A vontade do saber. Tradução de Maria
Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal,
1988.
RUBIN, Gayle. Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical das Políticas da
Sexualidade. 1984. Disponível em: <
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1229/rubin_pensando_o_sexo.pdf>.
Acesso em 26 jul. 2022.
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 13. ed. Campinas, SP:
Pontes, 2020.
SILVA, Vera Lucia Marques da. Sexualidades dissidentes: um olhar sobre narrativas
identitárias e estilo de vida no ciberespaço. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 10, p.
3309-3318, 2018.
_____, Vera Lucia Marques da. Sob a égide do chicote: Uma leitura acerca do amor na
contemporaneidade. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)–Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
SOUZA, Pedro de. Confidências da carne : o público e o privado na enunciação da
sexualidade. ImprintCampinas, SP, Brasil : Editora da Unicamp, 1997.

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