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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO


CURSO CIÊNCIAS SOCIAIS - BACHARELADO
DISCIPLINA DE RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO
PROFª. DRª. CINDIA BRUSTOLIN

RESENHA: UMA DISCUSSÃO SOBRE PODER, GÊNERO, IDENTIDADE E O SUJEITO


DO FEMINISMO NA PERSPECTIVA DE JUDITH BUTLER

Ednayra Costa do Nascimento;


Klycia Maria Reis Oliveira;
Maria Clara Silva Melo.

São Luís - MA
2022
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BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 (p. 17-60).

BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. 13a ed.


Judith Butler; tradução, Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
(p.17-70)

Palavras-chave: binário; identidade; gênero; feminismo; problema.

Nesta obra, Judith Butler se inspira em Simone Beauvoir, que explica que ser mulher
dentro do patriarcado causa incógnitas e mistério, e também utiliza da genealogia de Michel
Foucault, a fim de formular uma teoria feminista. Debatendo com as pautas do feminismo
contemporâneo sobre o conceito de gênero, suas problematizações causam a sensação de que,
se não resolvido o "problema", poderia resultar no declínio ou fracasso do feminismo. O texto
busca ressignificar o conceito de identidade de gênero e entender que essa pauta pode
restringir as políticas de gênero. No primeiro capítulo, Sujeitos do sexo/gênero/desejo, é
exposto que existe uma identidade, a categoria de "mulheres" como sujeito do feminismo.
Segundo Butler, esse recorte pode restringir as políticas de gênero, pois

O próprio sujeito mulheres não é mais compreendido em termos estáveis ou permanentes. É


significativa a qualidade de material ensaístico que não só questiona a visibilidade do "sujeito" como
candidato último à representação, ou mesmo à liberação, como indica que é muito pequena, afinal, a
concordância quanto ao que constitui, ou deveria construir, a categoria de mulheres. Os domínios de
"representação" política e linguística estabeleceram a priori o critério segundo o qual os próprios
sujeitos são formados, com o resultado de a representação só se estender ao que pode que pode ser
reconhecido como sujeito. Em outras palavras, as qualificações do sujeito têm que ser atendidas para
que a representação possa ser expandida. (BUTLER, 2017, p.18)

O termo “mulheres" pode não significar uma identidade comum dentro do feminismo.
Ser mulher não é a categoria superior de identidade, não é tudo que uma pessoa é. É
necessário também considerar que o gênero se continue de maneira diversa nos diferentes
contextos culturais e históricos, Butler pontua que existem "interseções com modalidades
raciais, classistas, étnicas, sexuais e regionais discursivamente constituídas" (p. 21, 2017).
Assim, podemos observar, através da leitura, que reivindicar o sujeito "mulher" para o
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feminismo, desconsiderando as identidades diversificadas de outras culturas, e supor que as


formas de opressão são homogêneas ou singulares é, no mínimo, uma enganação.

A autora pontua que a tentativa de generalizar e supor que os instrumentos de


opressão nas culturas não ocidentais se comportam da mesma maneira que na sociedade
ocidental só fortalecem a ideia de que o patriarcado é universal e que os problemas de gênero
nas sociedades orientais são meramente extremismos ou barbares, alimentando uma visão
etnocêntrica na análise desses grupos sociais. Outro ponto levantado no texto é a noção de
binaridade (homem/mulher) que limita as políticas de identidade como se essa fosse singular.
Essa discussão se estende até a ordem compulsória do sexo/gênero/desejo , considerando a
categoria de gênero não é binária e nem que a categoria "mulheres" tenha que ser tratada
apenas no espectro heterossexual, é necessário que exista dentro do feminismo políticas de
representação.

Butler, após fazer uma série de perguntas a cerca da afirmação de teóricas feministas
de que o gênero é construído culturalmente ou que ele é uma interpretação cultural do sexo,
discorre que, em algumas interpretações, a ideia de que gênero é construído sugeriria “um
certo determinismo de significados do gênero, inscritos em corpos anatomicamente
diferenciados” (p. 26, 2003), corpos estes que seriam entendidos como meios passivos de
uma lei cultural inflexível (ou um conjunto delas), representando, assim, um instrumento que
é relacionado, de forma externa, com um grupo de significados culturais; tem-se a impressão,
dessa maneira, de que o gênero é fixo e determinado, com a cultura tornando-se um
“destino”, assim como a biologia. Dado isso, a filósofa problematiza a noção de “construção
cultural” e a distinção entre sexo e gênero, que atribui o sexo ao domínio da natureza e filiava
o gênero à questão social, sendo este último uma “interpretação cultural” do sexo, algo
secundário a ele (o indivíduo nasceria com um sexo e aprenderia a “ser” homem ou mulher).
Butler, então, expõe que a ideia de natureza é uma construção social, uma produção
discursiva, e que o discurso que produz a existência da cultura é o mesmo que elabora a
existência de uma natureza. O indivíduo, por exemplo (a partir das práticas, discursos e
vivências individuais dentro da sociedade), aprende a “ser” mulher e atribui suas
“características femininas” a uma “natureza feminina”, o que também vem a ser uma
construção social. Posteriormente, baseando-se em Nietzsche, a autora norte-americana
critica a metafísica da substância, que alega, basicamente, que tudo o que o sujeito fizesse na
vida se daria em virtude de uma coerência com aquilo que ele é; entretanto, para Butler, o
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que, na realidade, pode acontecer é justamente o contrário disso: aquilo que o sujeito “é” é
algo posterior e clara consequência daquilo que ele faz. Logo após discorrer e trazer reflexões
acerca das divergentes visões sobre gênero de Simone de Beauvoir e Luce Irigaray, Butler
concluí:

A circularidade problemática da investigação feminista sobre o gênero é sublinhada pela presença, por
um lado, de posições que pressupõem ser o gênero uma característica secundária das pessoas, e por
outro, de posições que argumentam ser a própria noção de pessoa, posicionada na linguagem como
‘sujeito’, uma construção masculinista e uma prerrogativa que exclui efetivamente a possibilidade
semântica e estrutural de um gênero feminino. (BUTLER, 2003, p. 30-31).

Butler dá prosseguimento aos questionamentos do Sujeito do sexo/gênero/desejo,


destrinchando e problematizando no que concerne a respeito da ideia de "identidade". O livro
em si tematiza-se nos debates feministas contemporâneos e nos significados do conceito de
gênero. A problematização da temática em seus textos torna-se um espaço para entender "em
que medida as práticas reguladoras de formação e divisão do gênero constituem a identidade,
a coerência interna do sujeito e, a rigor, o status auto-idêntico da pessoa" (p. 38, 2003). É uma
oportunidade para tentar, talvez, encontrar uma alternativa plausível para uma mudança
nessas relações reguladoras.

Posteriormente, é traçado aspectos e questionamentos em que, ao longo das análises


de Judith Butler, são respondidas ou apenas usadas como ferramentas para a indução de
reflexões mais à frente. Butler indaga "em que medida a identidade é um ideal normativo ao
invés de uma característica descritiva da experiência?" (p. 38, 2003). Pontua e tece fortes
críticas acerca do quanto a identidade é algo produzido pelo poder, que possui um teor de
normatividade e disciplina, a categoria aqui é compreendida dependendo de como se articula
o campo do poder, assim, as práticas reguladoras governam o gênero, como também,
estendem o seu poder para aspectos culturais, sendo assim

a identidade assegurada por conceitos estabilizados de sexo, gênero e sexualidade e a própria noção de
pessoa se veria questionada pela emergência cultural daqueles seres cujo gênero é incoerente ou
descontínuo, os quais parecem ser pessoas, mas não se conformam às normas de gênero da
inteligibilidade cultural pelas quais as pessoas são definidas (BUTLER, 2003, p. 38).
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Ademais, a autora traz ao livro outros estudiosos, para embasar as suas ideias ou para
trazer um contraste entre os seus próprios posicionamentos, como, por exemplo, a questão do
poder disciplinar, sendo o Foucault um dos estudiosos citados nessa questão. Portanto, Butler
elucida o poder disciplinar como um poder que "que não vem de cima" propriamente dito ou
do estado, é um poder que exerce à um nível micro, estabelecido, principalmente, nas
relações cotidianas, familiares, instituições de ensino e, até mesmo, instituições religiosas;
assim sendo, o poder é encarregado da disciplina que cria essas determinadas identidades. A
partir disso, Butler explica que o homem é efeito desse poder, tanto quanto a mulher, é a
percepção que essa espécie de poder cria as noções que nós entendemos por homens e
mulheres, cria-se até uma certa naturalização ao longo das gerações e essas construções são
transmitidas fortemente. “É natural o pensamento de que o homem deve prover o sustento da
família e a mulher seja acometida apenas a cuidar do lar e dos filhos?” é um dos
questionamentos que a própria Butler expõe implícita e explicitamente em suas problemáticas
que nos levam a refletir sobre esse sistema de poder e a problematizá-lo. Desse modo, a partir
dessas questões, a autora possibilita o entendimento desses fatores e concluí que "a
sexualidade sempre é constituída nos termos do discurso e do poder, sendo o poder em parte
entendido em termos das convenções culturais heterossexuais e fálicas" (p. 55, 2003) e
declara, partindo das considerações abordadas em Problemas de gênero, esse teor
heteronormativo da sociedade, o gênero como uma espécie de imitação persistente que passa
como real, tentando desconstruir esse discurso performativo e, por consequência, afirmando,
ainda, que "a mulher é um termo em processo" (p. 58, 2003).

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