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Programa de Pós-graduação em Psicologia – PUC Minas

Disciplina: Teorias de Gênero


Profa. Maria Ignez Costa Moreira

Anotações sobre Judith Butler – (USA – 1955)

Gender Trouble – Feminism and the subservision of identity (1990)


Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade (2003)

O debate proposto por Butler apresenta em seu cerne o questionamento


sobre o peso dado à sexualidade na construção da identidade gênero. A
sexualidade referida ao modelo hegemônico da heterossexualidade. A
autora busca interrogar a construção da noção de sujeito.
Argumenta que a linguagem cria identidades sexuais. A linguagem nomeia,
a seu ver, identidades sexuais binárias, fixas e excludentes que não
consideram a fragmentação interna das identidades postas pela condição de
classe, da etnia, da idade e da geração, da religião e da orientação sexual.
Enfatiza “speech acts” – os atos de fala, por exemplo: “é um menino/é uma
menina/ do nascimento ou o “sim” do casamento”.
A sexualidade inscrita sem a consideração de todas estas fragmentações
gera uma ilusão de estabilidade e de coerência, que serve ao
disciplinamento social, às narrativas totalizantes, às lógicas normativas.
Deste modo Butler é filiada ao feminismo pós-moderno ao questionar as
estruturas binárias, embora ela recuse rotulações sobre a sua produção.
Para CUSSET (2005) o trabalho de Butler
Situa-se no cruzamento entre a psicanálise, o feminismo e as
teorias políticas da sexualidade. A partir da constatação
histórica de que o sujeito como entidade idêntica a si não
existe mais...o projeto de Butler consiste em explorar, em
certos clássicos literários ou por uma livre discussão de
filósofos, as tensões que agora ocupam esse lugar vazio do
sujeito, tensões do poder, do desejo e dos jogos múltiplos de
identificação. (p.183)

Butler também discute a questão do poder que a construção performativa


da identidade de gênero enuncia. “Ela busca questionar a proposição de
Foucault que buscou articular a subjetivação sexual à “heterossexualidade
obrigatória” e à “produtividade econômica da procriação”. Segundo
CUSSET (2005)

Por se ater a essa categoria de gênero (gender), a noção de


identidade ou de subjetividade fixa, desaparece em proveito
de um deslocamento constante, de uma sucessão de atos
performados. Assim ela é duplamente “subvertida”, de um
lado, pelo “jogo” que se pode fazer nessa estrita articulação
da sexualidade e da norma de gênero – um jogo que torna
possível uma resistência à norma, por exemplo, permitindo à
figura emblemática do drag queen desarticular em forma de
paródia os dois elementos, expor teatralmente sua dimensão
em artefatos. (p. 184)

Sua aproximação com as posições pós-estruturalistas leva Butler ao diálogo


com Foucault e Lacan. Em Foucault apóia-se no método genealógico para
aplicá-lo à questão da diferença sexual e, para discutir a emergência da
subjetividade através do jogo de sujeição e subjetivação/submissão e
resistência. Quanto à Lacan busca analisar as implicações da afirmativa de
que a identificação sempre precede a formação do eu, sendo o sujeito
aquele que está sujeito ao significante com a norma de gênero.

Em síntese Butler propõe uma discussão sobre a constituição do sujeito e as


relações de poder, buscando saídas para a lógica binária. Ela é critica a
distinção conceitual entre gênero e sexo, pois afirma que o sexo é também
discursivo, o biológico é discursivo.

Butler estabelece no livro “Problemas de Gênero” diálogos com vários


autores, de campos distintos tais como a filosofia, a ciências sociais, e a
psicanálise, por exemplo.
No debate com Simone de Beauvoir, Butler indica os limites das análises
de gênero postas na interpretação da filósofa francesa, pois "pressupõem e
definem por antecipação as possibilidades das configurações imagináveis e
realizáveis de gênero na cultura" (p. 28). Partindo da emblemática e
afirmação de Beauvoir, que foi inspiradora do feminismo "A gente não
nasce mulher, torna-se mulher", Butler destaca que "não há nada em sua
explicação [de Beauvoir] que garanta que o 'ser' que se torna mulher seja
necessariamente fêmea". Embora Beauvoir quisesse acentuar que ser
mulher é uma produção da cultura e do modo como as mulheres vivenciam
seus pertencimentos culturais, Butler chama a atenção em sua crítica para
um certo reducionismo biológico, nos dias atuais talvez mais evidente na
construção dos corpos trans, ou seja, é possível se nascer um homem e
tornar-se uma mulher e vice-versa.

O Diálogo de Butler com Foucault, é examinado pela historiadora francesa


Riot-Sarcey (2014) que considera que:

O gênero permanece, porém, um conceito estranho às


análises de M. Foucault. Estranho no campo das diferenças,
mas estranhamento próximo da problemática aberta pelo
uso do conceito. Efetivamente, se consideramos o gênero
como uma ferramenta conceitual através da qual é possível
pensar as formas de poder que se exercem no modo de ser
das mulheres o laço manifesta-se patente. Principalmente
por que o conceito ajuda a “desconstruir” a hierarquia social
da qual um dos suportes se apoia nas identidades
historicamente construídas (feminino/masculino) que
engendra os indíviduos mais frequentemente no duplo
sentido do termo. (p.554-555)

O Diálogo de Butler com Foucault funda-se segundo Riot-Sarcey (2014)


baseia-se nas premissas de Foucault sobre os modos de subjetivação do ser
humano, em constante interação com a sociedade em que vive. Os
princípios epistemológicos de Foucault são tomados pelas feministas para
compreender as relações de dominação e de resistência, entre homens e
mulheres, e como tais relações produzem modos de ser masculinos e
femininos. A partir de Foucault as feministas passam a analisar o processo
das construções de identidade de homens e mulheres, e as práticas e
exercícios de poder que resultam em tais identidades e discursos
identitários.

REFERÊNCIAS:
CUSSET, François. Filosofia Francesa: a influência de Foucault, Derrida,
Deleuze e Cia. Porto Alegre: Artmed, 2005.
RIOT-SARCEY, Michèle. Michel Foucault para pensar o gênero: sujeito e
poder. In O gênero nas ciências sociais: releituras críticas de Max
Weber e Bruno Latour/Organização Danielle Chabaud-Rychter. São
Paulo: Ed. Unesp, Brasília, Ed. UNB, 2014. (p.551-567)

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