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Menochio sofria duplamente por suas idéias: de um lado a repressão oficial e de outro a
sua solidão.
A história de Menochio nos sugere que o pensamento, a elaboração das idéias
deve ser livre, e, além disto, é preciso que tenhamos territórios livres para a circulação e
exposição das idéias. Espaços para o debate democrático, afinal o conhecimento se
constrói também no diálogo. Portanto, é preciso estarmos atentos aos dogmas vigentes e
às “fogueiras” acesas por diversos “tribunais inquisitoriais” da atualidade.
Por outro lado, lembra Ginzburg (1987) “a impressionante convergência entre as
posições de um desconhecido moleiro friulano e as de grupos de intelectuais dos mais
refinados e conhecedores de seu tempo coloca com toda a força o problema da
circularidade da cultura formulado por Bakhtin” (Ginzburg, 1987: p.32). Isso quer dizer que
Menochio era um homem sensível atravessado pelas questões do seu tempo. Nossos
problemas de pesquisa são também frutos do nosso tempo, das nossas circunstâncias,
do nosso contexto sócio-histórico.
Ginzburg (1987) considera que dois grandes eventos históricos tornaram possível
a atividade pensante de Menocchio: a invenção da imprensa e a reforma. A imprensa
porque a publicação dos livros permitiu-lhe confrontar o texto escrito com a tradição oral
na qual havia se formado e, este confronto lhe forneceu as palavras para organizar as
idéias e as fantasias que o habitavam. O trabalho de um pesquisador exige dele que se
torne um observador das coisas de seu tempo e um leitor. É preciso prestar atenção no
conhecimento do senso comum, no cinema, nas artes, na literatura, na poesia, nas mais
diversas mídias, pois tudo isso revela o “zeitgeist”. E também é necessário ser um leitor
atento ao conhecimento que foi sistematizado por outros pesquisadores da comunidade
científica e também dialogar com eles.
Quanto à Reforma, Ginzburg (1987), considera que seu ideário encorajou o
moleiro a comunicar o que pensava ao padre do vilarejo, aos conterrâneos e até mesmo
aos inquisidores. A Reforma de algum modo inspirou e autorizou o moleiro a aventurar-se
no exercício de produzir uma interpretação única e própria do seu mundo. É preciso
também que tenhamos a coragem de problematizar, de discutir o conhecimento produzido
em nossa área de interesse, mas não podemos tomar o conhecimento instituído como
verdade dogmática e única, precisamos correr o risco da inventividade, da aprendizagem
criativa, da busca do conhecimento e não da verdade.
Os problemas de pesquisa que elaboramos não estão dissociados de posturas
teóricas e também as escolhas metodológicas, que indicam caminhos possíveis para o
enfrentamento dos problemas norteadores da pesquisa não estão dissociadas das
orientações teóricas, ao contrário estão articulados. Ou seja, a questão do método não
pode estar reduzida a um feixe de técnicas de coleta e análise de dados ou às normas
técnicas. Dessa forma, a escolha por procedimentos qualitativos, quantitativos ou mistos é
processual, iniciada na delimitação do problema, na formulação das perguntas e,
reconstruída ao longo de todo o processo da pesquisa.
É necessário que tanto a origem quanto a finalidade de nossas pesquisas sejam
tomadas como objeto de nossas reflexões, como nos ensina Sawaia (1995) “É preciso
entender que as ciências, especialmente as humanas, estão inseridas no reino da ética e
que o debate epistemológico e regulado por valores de vida, morte e poder” (p.48).
Portanto, também a discussão da ética na pesquisa não pode estar dissociada das
questões teórico-metodológicas.
Finalmente, as técnicas, os modos de operacionalizar uma pesquisa e,
posteriormente de comunicar as conclusões elaboradas, são necessárias para que o
conhecimento produzido possa ser compartilhado, compreensível e acessível a todos e
todas que desejarem. Neste sentido, os resultados de nossas pesquisas devem ser
tornados públicos, em diversas linguagens, para que possam ser tomadas como objetos
de reflexão e de debate. A comunicação em linguagem acadêmica é destinada aos pares,
e publicada na forma de artigos, de livros, de apresentação em eventos científicos, no
entanto, não podemos também negligenciar a restituição dos resultados de nossas
pesquisas em linguagem que possa ser compreendida por todos aqueles que
participaram do processo da investigação.
Referências
BEDRAN, Paula Maria. Produção na Universidade. Diário de uma micropolítica. Belo
Horizonte: PUC Minas, 2003.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira,
2006.
SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras,
2003
SAWAIA, Bader Burihan. Psicologia Social: Aspectos Epistemológicos e Éticos. In LANE,
Silvia T. Maurer e SAWAIA, Bader Burihan. Novas Veredas da Psicologia Social. São
Paulo: Brasiliense, 1995. (p.45-54).