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Publicado em
14/01/2020
Eta danado! Toda vez em que se toca no nome de João Alexandre Barbosa, me
vem uma saudade, uma gratidão a esse grande crítico e ser humano generoso e
extraordinário. Salve, salve! Mas olhe: eu escrevo mesmo em voz alta, gosto de
falar, de “rezar” os meus textos. Esse romance mesmo, Só o pó, eu não me
canso de reler, de interpretá-lo pela casa, como se eu estivesse “cantando” o
texto. A prosa só me convence quando passa por esse teste sonoro. Todo mundo
que escreve deveria fazer isto: ouvir, em bom
e alto som, o que está colocando no papel. Isso determina ritmo, pulsação,
dramaticidade do texto. Eu escrevo de ouvido... Eu escrevo com o corpo inteiro.
Nunca conto uma história, eu “componho” uma história, entende? O quanto há
de ator no Marcelino Freire? Sou apaixonado por teatro. Queria muito ser ator.
Fiz teatro dos 9 aos 19 anos lá no Recife. Desisti quando descobri que eu tinha
muito pudor para ser ator. Se um diretor chegasse e pedisse para eu tirar a
roupa, eu murcharia na hora. Não conseguiria me expor. Escrevendo, eu tiro a
minha roupa e a dos outros. Daí, toda vez em que eu escrevo algo, penso em um
ator, uma atriz. Enceno as cenas que crio. É uma alegria quando um grupo
teatral me procura para levar
meus contos ao palco... É, de alguma forma, um sonho antigo meu que volta à
cena. E eu sou muito procurado por atores. Há peças que foram montadas — e
estão sendo montadas — no Recife, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador. Não sei
por que Fernanda Montenegro ainda não me procurou.
Por essa sua introdução acima, eu pensei que você ia me perguntar se eu sou
gay. Eu já estava preparado para dar o número do meu telefone. Vida íntima à
parte, eu te respondo: eu sou mais emoção que razão. Eu sou ebulição, fervura,
vulcão. Não que eu escreva movido por um delírio, mas meus textos têm de
nascer de uma explosão em mim, algo que quer dar vexame, soltar os cachorros
do peito. Depois é que vem um lado mais “pé no chão” para colocar as palavras
no lugar, encontrar o que eu quero dizer. Escrever é essa briga eterna entre o
que eu sinto e o que eu penso.
RASIF — Mar que arrebenta traz sinais sobre a violência de todo dia,
“Toda criança quer um revólver”. Mas também é sobre a passagem do
tempo, “Tenho saudade de Sertânia”. Mais que tudo, o livro traz a sua
linguagem afiada, cada vez mais enxuta, musical, veloz, poética. O que
o livro representou para você?
Você dedica RASIF, entre outros, para o Jamil Snege. Outros nomes do
Paraná, como Wilson Bueno, Valêncio Xavier e Manoel Carlos Karam
também foram seus interlocutores. Poderia comentar sobre como foi o
convívio com esses quatro autores, além de falar sobre a produção
literária deles?
Rapaz, grandes mestres esses. Os saudosos Jamil e Valêncio foram meus
cicerones numa de minhas primeiras viagens a Curitiba. Almocei na casa do
Valêncio, ele me levava para cima e para baixo em seu Fusca. Jamil me
apresentou a Boca Maldita. Ambos, escritores de minha estima e inspiração.
Inovadores,
vibrantes. Manoel Carlos Karam eu trouxe uma vez para São Paulo. Que prosa
vigorosa, ágil, viva. Um gênio. Wilson Bueno eu dividi mesas de debate, viajamos
juntos, rimos juntos. Ele e a sua escrita inquieta e sonora até hoje mexem
comigo. Wilson morreu no mesmo dia e ano em que a minha mãe morreu, no dia
30 de maio de 2010. E olhe: espalhe e diga para todo mundo: eu amo o Dalton
Trevisan. Se hoje sou escritor foi porque ele apareceu em minha vida. Um gênio
com quem sempiternamente estou aprendendo.