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CRISTÃ
LEONARDO PENA
MARCOS BEJARANO
EXPEDIENTE
FICHA CATALOGRÁFICA
248 p.
CDD - 252.58
Impresso por:
02511510
RECURSOS DE IMERSÃO
Este item corresponde a uma proposta Utilizado para temas, assuntos ou con-
de reflexão que pode ser apresentada por ceitos avançados, levando ao aprofun-
meio de uma frase, um trecho breve ou damento do que está sendo trabalhado
uma pergunta. naquele momento do texto.
ZOOM NO CONHECIMENTO
P L AY N O CO NH E C I M E NTO
INDICAÇÃO DE L IVRO
E M FO CO
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CAMINHOS DE APRENDIZAGEM
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UNIDADE 1
ESPIRITUALIDADE CRISTÃ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
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UNIDADE 2
ESPIRITUALIDADE CRISTÃ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
A ESPIRITUALIDADE DE JESUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
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UNIDADE 3
TEOLOGIA DA ESPIRITUALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
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UNIDADE 4
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UNIDADE 5
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UNIDADE 1
TEMA DE APRENDIZAGEM 1
ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
MINHAS METAS
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UN I C ES UMA R
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T E MA D E APRE N D IZAGEM 1
VAMOS RECORDAR?
Vale relembrar que toda cultura desenvolve algum tipo de espiritualidade, mas
não necessariamente se acredita em seres sobrenaturais, como deuses ou es-
píritos. As religiões, por exemplo, não deixam de ser uma sistematização de
uma espiritualidade. Por isso, diferenciar os modos em que a espiritualidade é
exercida é crucial para a boa convivência em um mundo plural.
Quem nunca ouviu uma frase do tipo: “creio em algo superior, mas não sigo nenhu-
ma religião específica”? Ou então o famoso, “creio em Deus, mas não em religião”.
Esse tipo de frase está se tornando cada vez mais comum. Esse “algo su-
perior” não necessariamente precisa se referir a Deus ou a seres sobrenaturais
para ser considerado “espiritual”. Pode ser a crença em dimensões impessoais
que estão além do ser humano de diversos modos, como energias astrais, o Véu
de Maia, o Eu interior etc.
Não existe uma definição formal do conceito, por isso vamos apresentar três
modos de entender “espiritualidade” (no sentido amplo). Ao decorrer do tema,
vamos adicionando as definições progressivamente.
Definição 1: “espiritualidade” é comumente entendido como a relação
com aquilo que não se explica por leis naturais. Por isso, “espiritual” tem
a ver com o misterioso, o místico (palavra que vem do grego e significa “o que
se esconde”), está presente desde os primórdios da humanidade geralmente
ligando-se ao imaterial.
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UN I C ES UMA R
Vale a pena fazermos uma rápida comparação para a diferenciar os dois conceitos:
ESPIRITUALIDADE
RELIGIÃO
Necessariamente coletiva: é direcionada para fora. Por isso, ela tem símbolos comu-
nitários, festas, datas, e diversas expressões que se compartilham coletivamente.
A expressão de pessoas com a mesma espiritualidade: pessoas que compreendem a
espiritualidade de forma parecida tendem a se juntar e compartilhar dessa experiência.
Mais sistematizada: tem doutrinas e entendimentos mais difíceis de serem alterados.
Possui rituais-simbólicos: como o batismo, a ceia (PINHEIRO, 2022).
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Olhando agora, fica claro que uma pessoa pode praticar uma espirituali-
dade sem ser religiosa. Essa pessoa, por exemplo:
■ É uma pessoa sem tradição religiosa, muitas vezes não conhece o passado
ou a riqueza da memória de nenhuma religião.
■ Geralmente tem suspeitas de autoridades religiosas.
■ Não tem participação regular em cultos, missas ou algo do tipo.
■ Interage com o mundo espiritual sem sentir a necessidade de seguir uma
doutrina específica.
■ É um “crente a seu próprio modo”, por assim dizer.
Algumas pessoas vão dizer que isso não é possível, porque a religião pressupõe
a espiritualidade das pessoas individualmente. Mas há quem diga que sim, isso é
possível, embora não seja o ideal. Nesse caso, uma pessoa religiosa sem espiritua-
lidade é aquela que pratica os rituais religiosos sem nenhuma vivência interior.
É como alguém que vai à missa, mas nunca reza, ou alguém que usa cristais só
porque “está na moda” e todos na sua família usam.
“
A religiosidade pode ser uma maneira da espiritualidade se ma-
nifestar, mas não é a única maneira, ou seja, do mesmo modo
que há pessoas de intensa religiosidade e pouca espiritualidade
(GIOVANETTI, 2004, p.11).
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UN I C ES UMA R
Há muitos que acreditam que, para ser “espiritual”, temos que acreditar em Deus,
mantra, cristal etc. Essas pessoas se esquecem que outros conceitos como “amor”,
“beleza”, “democracia”, também são transcendentes. Mas culturalmente ligamos
uns à religião e outros não.
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O que define a espiritualidade de alguém não é “em que” ela acredita (Deus, cris-
tais), mas “o que está no centro da sua vida”. É bastante comum vermos pessoas
com uma relação “endeusada” com o dinheiro, por exemplo, ou que trabalham
excessivamente, não tendo tempo para lazer, família e amigos. São pessoas que
fizeram do próprio sucesso uma espécie de deus.
O ser humano está sempre pronto para adorar alguma coisa, nem que seja
ele mesmo. Quando há vazio interior, buscamos nos agarrar em algo para preen-
chê-lo. Existem formas criativas e saudáveis de preencher esse vazio, bem como
formas nocivas como bebidas, consumismo ou quaisquer outras adições.
IN D ICAÇÃO DE FI LM E
Deuses Americanos
Comentário: A série inspirada no livro de Neil Gaiman
(ficção fantástica) mistura mitologia antiga com vida
atual e se pergunta quais são os deuses da nossa so-
ciedade. Novos deuses como mídia, celebridade, dro-
gas, surgem no panteão, justamente mostrando que o
ser humano está sempre adorando alguma coisa. A série
mostra como a espiritualidade se manifesta nos lugares
mais inesperados.
Por isso, aqui apresentamos uma outra forma de entender a espiritualidade. Ela
complementa a definição 1. Definição 2: A espiritualidade significa, nesse
caso, a possibilidade de uma pessoa mergulhar em si mesma, a capacidade
de explorar sua interioridade. Assim, ela pode dar uma resposta construtiva
a sua existência. Enquanto o vício mostra a fuga, a caridade ou a arte mostram
criatividade e resiliência.
Nessa interpretação, “espiritualidade” e “maturidade” andam de
mãos juntas.
“
A espiritualidade adulta supõe conhecimento e aceitação dos pró-
prios limites e possibilidades. É uma experiência de despojamento
que se coloca nas antípodas do poder, da autossuficiência, e do ime-
diatismo egocêntrico (VALLE apud BRITO, 2009, p.77).
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UN I C ES UMA R
“
[...] que sustenta a espiritualidade é a fé. Mas não necessariamente
a fé religiosa. Note que falo de fé, não de crença em dogmas reli-
giosos, em ritos ou em celebrações - a crença pode ser a forma de
substancialização da fé para algumas pessoas, mas ela não é a fé.
Quando falamos de espiritualidade, será que falamos de algo místico que existe
dentro do ser humano? Ou seria, como dizem alguns, “só psicológico”? Seria o
caso, quem sabe, da espiritualidade existir na realidade “lá fora”, como se a Terra
também fosse dotada de uma espiritualidade (como diz a Hipótese Gaia) ou que
vivêssemos num mundo habitado por demônios?
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FILOSOFIA
PSICOLOGIA E NEUROCIÊNCIAS
SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
TEOLOGIA
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UN I C ES UMA R
VAMOS RECORDAR?
Como conversar sobre espiritualidade em um mundo que não entende “espiri-
tualidade” como você?
A capacidade de dialogar com o diferente passa a ser uma habilidade, como se diz,
“exigida pelo mercado”. Perde muito espaço quem não aprende essa habilidade.
E U IN D ICO
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DEFINIÇÃO 1
“Espiritualidade” é a relação com aquilo que não se explica por leis naturais.
DEFINIÇÃO 2
DEFINIÇÃO 3
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A gramática por trás da espiritualidade cristã prevê que Deus é um ser pessoal
que ouve nossas orações. Isso está fundamentado num conjunto de experiências e
declarações contidas na Bíblia Sagrada, também entendida como Palavra de Deus.
Nesse sentido, orar não é igual a pensamento positivo, orar é conversar com
alguém. Quando há um Deus pessoal que reina sobre todas as coisas, fica des-
concertante falar de “pensamento positivo”, “sorte”, “karma”. É claro! Mas esses são
elementos de uma outra gramática! Dentro da “gramática” cristã, elas não têm
muito lugar para serem melhor compreendidas, precisamos “trocar a gramática”.
“Trocar a gramática” significa olhar a dinâmica de uma espiritualidade dentro
das regras dessa espiritualidade. Por isso, ouvir o outro com qualidade significa
entender a sua língua, a sua “gramática”.
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IN D ICAÇÃO DE LI V RO
O que é religião?
Autor: Rubem Alves
Comentário: Uma leitura breve e gostosa que explora
melhor a relação da espiritualidade com a linguagem.
Segundo o autor, “a religião não se liquida com a abs-
tinência de atos sacramentais e a não-frequentação de
lugares sagrados; ela pulsa nas perguntas sobre o senti-
do da vida”. Define bem o que estamos tratando nesta 3ª
definição de espiritualidade.
Dito isso, dá para falar de uma espiritualidade? Cada matriz religiosa apresenta
uma maneira de entender o conceito de “espiritualidade”. O conceito “espiri-
tualidade” não faz sentido sozinho, mas, apenas em conjunto com outros
conceitos. Quais outros conceitos são esses? Isso é o que cada matriz religiosa
vai nos dizer (pode ser “Deus”, “alma”, “ressurreição”, “reencarnação” etc.). O que
define o que é certo e errado na espiritualidade é o próprio contexto em que a
espiritualidade está inserida.
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NOVOS DESAFIOS
Então, como pensar e praticar uma espiritualidade para os nossos dias? A respos-
ta é: principalmente através da escuta do outro. Espiritualidade parece estar ligada
a duas aberturas: abertura ao sagrado, ao divino, ao transcendente e abertura ao
outro, as suas diferenças, a sua identidade.
Do ponto de vista de quem busca uma convivência pacífica entre as diferen-
ças, o que chamamos de intolerância religiosa em nosso tempo é justamente a
intolerância diante de uma gramática diferente da nossa. O intolerante diz: “só a
minha gramática está certa, todos os outros estão falando errado”. Ele não tolera
que outras pessoas entendam a espiritualidade de outra maneira.
Dessa maneira, não há debate, não há aprendizado mútuo. Um outro modo de
estabelecer o debate é dizer: “Veja, essa é a forma como a minha gramática funciona.
Ela faz sentido para mim e acho que vai beneficiar a vida daqueles que a adotarem”.
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VAMOS PRATICAR
1. O fato é que o tema “espiritualidade” pode ser abordada de diversas maneiras, por
exemplo, por outras disciplinas do conhecimento:
2. Então como pensar e praticar uma espiritualidade para os nossos dias? A resposta é:
principalmente através da escuta do outro. Espiritualidade parece estar ligada a duas
aberturas: abertura ao sagrado, ao divino, ao transcendente e abertura ao outro, as
suas diferenças, a sua identidade.
Do ponto de vista de quem busca uma convivência pacífica entre as diferenças, o que
chamamos de intolerância religiosa em nosso tempo é justamente a intolerância diante
de uma gramática diferente da nossa. O intolerante diz: “só a minha gramática está certa,
todos os outros estão falando errado”. Ele não tolera que outras pessoas entendam a
espiritualidade de outra maneira.
Dessa maneira, não há debate, não há aprendizado mútuo. Um outro modo de estabelecer
o debate é dizer: “Veja, essa é a forma como a minha gramática funciona. Ela faz sentido
para mim e acho que vai beneficiar a vida daqueles que a adotarem”.
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VAMOS PRATICAR
“Do ponto de vista de quem busca uma convivência pacífica entre as diferenças…”
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
3. Mesmo que o mundo contemporâneo tenha suavizado a intensidade das regras e dou-
trinas, algum nível de norma e doutrina permanece. É como se o mundo contemporâ-
neo transformasse uma mega gramática em pequenos manuais de instruções.
Dito isso, dá para falar de uma espiritualidade? Cada matriz religiosa apresenta uma
maneira de entender o conceito de “espiritualidade”. O conceito “espiritualidade” não faz
sentido sozinho, mas, apenas em conjunto com outros conceitos.
Com base nas informações apresentadas, avalie as asserções a seguir e a relação pro-
posta entre elas:
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VAMOS PRATICAR
PORQUE
II - as pessoas precisam de regras rígidas e fixas para desenvolverem sua vida espiritual.
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REFERÊNCIAS
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção E.
Embora não seja um problema saber o que uma religião pensa sobre as outras, essa
alternativa está próxima da postura chamada “fundamentalista radical”, que não aceita
que outras matrizes possam ter voz própria. Não há nenhum problema em ter crenças
pessoais, desde que elas não incorrem no erro do item I acima. Experimentar algo não é o
mesmo que estudá-lo. Além disso, essa pessoa passaria uma vida inteira experimentando
cada uma das espiritualidades possíveis. Embora alguns acadêmicos tentem demonstrar
isso, essa não é reconhecida como a forma mais madura e acadêmica de se aproximar do
assunto. CORRETO. O estudo das religiões comparadas tem sido de ricas contribuições
para o campo das ciências da religião.
2. Opção B.
3. Opção C.
A afirmação I está correta. A afirmação II está incorreta porque as pessoas não precisam de
regras rígidas e fixas para desenvolverem sua vida espiritual. Cada espiritualidade possui
uma gramática própria PORQUE a espiritualidade é uma linguagem (e por isso precisa de
regras BÁSICAS para funcionar).
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MEU ESPAÇO
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UNIDADE 2
TEMA DE APRENDIZAGEM 2
ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
MINHAS METAS
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P L AY N O CO NHEC I M ENTO
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VAMOS RECORDAR?
Espiritualidade ou religião? Como diferenciar uma da outra? Sabemos que a espi-
ritualidade foca na experiência individual antes de olhar para as crenças comuni-
tárias. Vivemos em um mundo em que a exploração pessoal pela espiritualidade
está ficando mais chamativa que a conhecida religião institucionalizada. Indica-
mos um vídeo para você relembrar ou se atualizar em relação à temática.
Você tem fé? Ed René Kivitz
https://www.youtube.com/watch?v=dXPT_lba6r0
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Todas essas questões foram exploradas nos vários séculos que se seguiram.
Temas teológicos foram ampliados, discutidos, repensados e, a cada modifi-
cação, surgia uma tradição nova dentro desse grande guarda-chuva que é a
espiritualidade cristã.
Na tradição cristã, chamamos essas crenças de “doutrinas”, para ser mais exato.
Uma doutrina cristã é uma crença sancionada pela Igreja, diferentemente da he-
resia, que é considerada uma crença errada. Algumas doutrinas são mais impor-
tantes (como a da divindade de Jesus). Outras, talvez, sejam mais secundárias
(como as formas de batismo: imersão, aspersão e efusão), mas elas invariavel-
mente indicam o caminho para a prática da espiritualidade.
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Já sabemos que a Bíblia e a tradição cristã servem de base doutrinária para os cris-
tãos, ou seja, elas mostram os conteúdos relevantes de se saber durante a caminha-
da cristã. Todavia, saber não é tudo: é importante colocar em prática o que se sabe.
Um cristão não é feito de conhecimento bíblico ou teológico (existem ateus
que são bons teólogos, inclusive), mas é aquele que acredita nas doutrinas e tenta
viver de acordo com elas. Veremos mais adiante que o propósito da espiritua-
lidade cristã é ser como Cristo. No entanto, agora, queremos enfatizar como
isso é possível. É pensando nisso que vamos falar da presença do Espírito Santo
naqueles que se convertem, segundo o entendimento cristão.
O Espírito Santo ocupa um lugar central e vital na espiritualidade cristã.
Desempenha um papel essencial na compreensão da fé e na vivência dos en-
sinamentos de Jesus Cristo. Em outras palavras, apenas se entende a realidade
espiritual contida na Bíblia com a ajuda do Espírito Santo.
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É justamente esse terceiro aspecto o mais importante para gerar uma mudança de
caráter segundo o caráter de Jesus. Sem essa “conexão espiritual”, a espiritualidade
cristã corre o sério risco de ser uma curiosidade intelectual. A chamada doutri-
na da santificação, que se refere justamente ao processo de se tornar mais
semelhante a Cristo, é, muitas vezes, associada à obra transformadora do
Espírito Santo na vida do cristão.
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SER MORAL
enquanto o resto da criação apenas obedece aos próprios instintos, o ser hu-
mano é um ser moral. Isso significa que ele sabe o que é certo e errado e tem a
liberdade de agir moralmente. O ser humano é destacado por Deus para praticar
o bem, mas ele tem a liberdade de praticar o mal. Espiritualidade, aqui, está muito
ligada ao discernir o caráter de Deus e desejar reproduzi-lo.
essa visão entende que o ser humano é composto por corpo, alma e espírito.
Essa visão sobre a natureza do ser humano se chama tricotomismo (significa
“três partes” ou “três cortes”) e se diferencia do dicotomismo (duas partes, uma
material e uma imaterial) e do monismo (apenas uma parte integral). Por ter espí-
rito, o ser humano é capaz de se relacionar com Deus de forma única e, assim, de
ter espiritualidade. Espiritualidade, aqui, está ligada a ter uma centelha divina em
nossa natureza diferente de qualquer outra criatura.
essa visão não aponta para algo que o ser humano tem “dentro de si”, mas para
a função que lhe foi designada. Essa função é de “lavrar o jardim”, como diz a
narrativa (Gênesis 2.15,19-20). Isso é geralmente entendido como “cuidar”, “de-
senvolver de forma consciente”, “produzir cultura de forma harmoniosa com o
meio ambiente”. Nesse sentido, o ser humano é o representante de Deus na Terra
(WALTON, 2015, p. 97-107). Ele é a materialização (ainda que imperfeita e limitada)
de um Deus que é espírito (conferir João 4:24).
Vale lembrar que os “nomes de Deus” no AT indicam alguém que cuida de Israel de
forma especial (“provedor”, “aquele que cura”, “aquele que comigo está” etc.). A espiri-
tualidade significa que o ser humano cuida da criação em cooperação com o criador.
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A P RO F UNDA NDO
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No livro de Atos dos Apóstolos, Paulo, quando vai à Atenas com a missão de
espalhar a mensagem cristã, encontra, naturalmente, um público não familiari-
zado com a tradição judaica. Eles nunca ouviram falar do jardim do Éden, Adão
e Eva ou dos dez mandamentos. Por isso, Paulo explica o evangelho sem usar
referências hebraicas, de forma a situar aquelas pessoas com o propósito de vida
de toda a humanidade:
“
O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, [...] de um só fez toda
a geração dos homens para habitar sobre toda a face da terra,
determinando os tempos já dantes ordenados e os limites da sua
habitação, para que buscassem ao Senhor, se, porventura, tatean-
do, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada um de nós;
porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos (At 17.24,26-28
ARC) (ATOS..., c2023, on-line, grifo nosso).
A carta de Efésios inicia dizendo que “[Deus] faz todas as coisas, segundo o
conselho da sua vontade, com o fim de sermos para louvor da sua glória”
(Efésios 1.11-12, ARC) (EFÉSIOS..., c2023, on-line, grifo nosso).
Isso já nos parece indicar uma visão geral de espiritualidade: desenvolver-se es-
piritualmente significa, ao mesmo tempo, desenvolver o propósito na existência.
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“
Olhei e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais,
e dos anciãos; e era o número deles milhões de milhões e milhares
de milhares, que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que
foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e hon-
ra, e glória, e ações de graças. E ouvi a toda criatura que está no céu, e
na terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que
neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono e ao Cordeiro
sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo
o sempre. E os quatro animais diziam: Amém! E os vinte e quatro
anciãos prostraram-se e adoraram ao que vive para todo o sempre
(Apocalipse 5.11-14 ARC) (APOCALIPSE..., c2023, on-line).
Essa adoração no céu não parece ser algo inteiramente novo, mas uma continuação
daquilo que Deus nos propôs nessa vida. Jesus mesmo parecia estar ciente disso, quan-
do cita Deuteronômio 6.13 em meio à tentação no deserto: “Está escrito: ‘Ao Senhor
teu Deus adorarás e só a Ele darás culto’” (Lucas 4.8 ARC) (LUCAS..., c2023, on-line).
O propósito de existir, no cristianismo, é conhecer e adorar a Deus. Esse é,
nas palavras de Philip Yancey (2005), autor americano, também o propósito da
própria Igreja. Yancey (2005, p. 25) afirma que “a igreja existe, não para oferecer
entretenimento, encorajar vulnerabilidade, melhorar auto-estima ou facilitar
amizades, mas para adorar a Deus. Se falharmos nisso, a igreja fracassa”.
Acima do bom comportamento, da ajuda ao próximo e das reformas sociais,
o relacionamento com Deus é a chave da espiritualidade cristã e do signi-
ficado da vida. Todas as outras coisas (ajuda ao próximo, reformas sociais etc.)
são efeitos desse relacionamento.
A carta de Tiago nos sugere que a relação entre crença (em pensamento,
subjetiva) e obras (em ação, objetivas) é indissociável:
“
Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma.Mas
dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem
as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu
crês que há um só Deus? Fazes bem; também os demônios o crêem
e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as
obras é morta? (Tiago 2.17-20 ARC) (TIAGO..., c2023, on-line).
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A comprovação de que se crê é agir conforme se crê, e não apenas “da boca para
fora”. No entanto, apenas agir ainda não garante que haja fé interior.
O cristianismo crê que, no Éden, o ser humano falha no exercício da própria es-
piritualidade. O capítulo 3 de Gênesis conta que uma serpente convence a mulher
Eva a comer o fruto de uma árvore. Esse fruto era o único fruto que havia sido
proibido por Deus de eles comerem e a árvore é chamada de árvore do conheci-
mento do bem e do mal. Ao comer o fruto, o casal é expulso do jardim, um lugar
de delícias, e é condenado a trabalhar na terra para conseguir comer. “Com o suor
do teu rosto comerás o teu pão”, diz Deus a Adão em Gênesis 3.19 (GÊNESIS...,
c2023, on-line), a mulher terá dores de parto e, como trazem algumas traduções,
que “o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará” (GÊNESIS..., c2023,
on-line). Ao mesmo tempo, a terra, por causa da desobediência do casal, é amal-
diçoada e passa a dar espinhos e ervas daninhas.
Mesmo assim, nesse mesmo capítulo, Deus aponta uma solução. Ao se di-
rigir à serpente, Deus diz: “porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua
descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o
calcanhar” (Gênesis 3.15) (GÊNESIS..., c2023, on-line). Os cristãos interpre-
tam essa afirmação como uma referência a Jesus, o herdeiro da mulher que irá
resgatar a humanidade do pecado.
Jesus é apontado por Paulo como o 2º Adão (Romanos 5.12-21), como aquele
que foi vitorioso no exercício da própria espiritualidade. Jesus é a expressão vi-
toriosa de espiritualidade, porque decidiu ser obediente a Deus, enquanto Adão
escolheu a desobediência.
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DIFERENÇAS INTERNAS
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Místicos
Bastante ligados à tradição dos mosteiros e dos monastérios, os místicos são uma
parte rica da tradição cristã. A palavra grega mystikos significa “o que se oculta”.
Apesar de a palavra ser comumente associada ao esotérico ou ao ocultismo, essa
é uma palavra comum na tradição cristã.
Para os místicos:
“
A essência do cristianismo é a caridade, a unidade em Cristo. Os
místicos cristãos de todas as épocas buscaram não apenas a unifi-
cação do próprio ser ou a união com Deus, mas também a união
entre si mesmo no Espírito de Deus. Buscar união com Deus que
implicasse separação completa, em espírito e corpo, do resto da
humanidade seria, para um santo cristão, não apenas absurdo, mas
também o oposto da santidade (MERTON, 2004, p. 18-19).
A mística cristã objetiva enxergar o mundo pela fé e nos convida a uma vida
contemplativa
Deus não se vê (é espírito) e a fé e o amor não podem ser vistos, nem tocados.
Uma ação caridosa pode demonstrar amor, mas não é o amor em si. O amor se
revela em uma ação caridosa, mas, ao mesmo tempo, o amor se oculta por trás
da ação caridosa, uma vez que a própria ação não é o amor.
A mística cristã se constrói ao redor da noção de que, em tudo o que Deus se
revela (e ele se revela em tudo), ele também se oculta. Em outras palavras, Deus se
mostra constantemente, mas não se mostra totalmente. Por isso, a mística cristã
é cheia de paradoxos e é uma contemplação que apenas pode ser usufruída pela
fé. Espiritualidade dos místicos e nos monastérios tem a ver com quietude,
contemplação e domínio de si.
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IN D ICAÇÃO DE FI LM E
Hildegard von Bingen (1098-1179), apelidada de Sibila do Reno, foi uma monja
beneditina, mística, teóloga, pregadora, compositora, naturalista, médica informal,
poetisa, dramaturga e escritora alemã. Foi mestra do Mosteiro de Rupertsberg, em
Bingen am Rhein, na Alemanha. É uma santa e doutora da Igreja Católica.
ECKHART
TERESA DE ÁVILA
Teresa Sánchez de Cepeda y Ahumada foi uma freira carmelita, mística e santa
católica do século XVI. Ávila é importante pelas obras sobre a vida contemplativa
e espiritual. A obra-prima intitulada O Castelo Interior é parte integral da litera-
tura renascentista espanhola e do misticismo cristão. As práticas meditativas de
Ávila estão detalhadas na obra Caminho da Perfeição.
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THOMAS MERTON
Thomas Merton (1915-1968) foi um escritor católico do século XX. Monge trapista
da Abadia de Gethsemani, em Kentucky, Merton foi um poeta, ativista social e es-
tudioso de religiões comparadas. Escreveu mais de setenta livros, a maioria sobre
espiritualidade, e foi objeto de várias biografias. Dentre as principais característi-
cas de Thomas Merton, pode-se citar a defesa do pacifismo e do ecumenismo.
Reforma
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Por isso, algumas das medidas da Reforma Protestante foram traduzir a Bíblia
para o alemão, investir na alfabetização das pessoas para que elas pudessem ler
a Bíblia por elas mesmas e levar a espiritualidade para fora do monastério e am-
bientes eclesiásticos. Os reformadores passam a entender que construir hospitais
e cuidar da saúde das pessoas, por exemplo, são ações tão espirituais quanto a
função do padre. O nome dessa doutrina é “sacerdócio universal de todos os
crentes”, ou seja, todo crente pode (e deve) servir a criação toda, em qualquer
área. Mais recentemente, no século XX, foi em vozes da Igreja Romana que uma
visão similar ecoou a partir da Teologia da Libertação nascida na América Latina.
Uma grande preocupação da Reforma Protestante foi identificar a fé com a
consciência do cristão, e não com rituais da igreja. Aqui, fé não é tanto o que se
faz, mas o que se crê em sua consciência (sempre de acordo com a Bíblia). A ên-
fase passa a ser: primeiro você crê, apenas depois a sua ação terá valor espiritual.
Isso deixou a espiritualidade cristã cada vez mais do domínio do entendimento
próprio, do “coração”, da intenção. A fé não pode nunca ser realmente compro-
vada ou medida por alguém de fora. Por mais que você suspeite, nunca poderá
dizer que alguém é realmente salvo ou não salvo. Como efeito colateral, a Igreja
não se manteve coesa e várias denominações com entendimentos particulares
começaram a nascer.
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UN I C ES UMA R
IN D ICAÇ ÃO DE FI LM E
Movimento carismático
Charis, do grego, significa “graça”, em algumas passagens, assim como ocorre vá-
rias vezes em 1 Coríntios 12, e é traduzida como “dons”. Esse termo é utilizado por
Paulo para se referir aos “dons espirituais”, capacidades dadas pelo Espírito Santo
que incluem cura, profecia, milagres, palavra de conhecimento, dentre outros.
Mais do que uma denominação em específico, o movimento carismático se
espalhou pelos Estados Unidos, na Rua Azusa, Califórnia e, depois, pelo mundo.
A primeira denominação que surgiu desse movimento foi a Assembleia de Deus.
Depois dos anos de 1960, muitas igrejas sem denominação passaram a surgir,
mas com uma teologia parecida.
Os avivamentos e as experiências sobrenaturais já haviam acontecido antes na
história da Igreja, mas o carismatismo trouxe a questão das “línguas estranhas”
(considerada uma língua dos anjos, em uma interpretação de 1 Coríntios 13:1),
predição do futuro e revelações e, ainda, curas sobrenaturais. Um verso muito
usado nesse contexto é Marcos 16.17-18:
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T E MA D E APRE N D IZAGEM 2
“
E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome, expulsarão
demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem
alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e imporão as mãos
sobre os enfermos e os curarão (ARC) (MARCOS..., c2023, on-line).
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UN I C ES UMA R
considerada uma era cristã, em que a Igreja Católica Romana era dominante e
aliada aos reis de cada região. A doutrina cristã era a crença comum na Europa.
Costuma-se dividir esse período em Patrística e Escolástica. A Patrística teve
como principal característica estabelecer e proteger os principais dogmas asso-
ciados ao cristianismo (como a trindade e a humanidade-divindade de Jesus).
Nessa época, refuta-se muitos autores que tinham uma visão não ortodoxa. Já a
Escolástica, mais de dez séculos depois, foi mais filosófica e racionalista. A dou-
trina da Igreja já estava estabelecida e, agora, tentava-se explicar a existência de
Deus, do céu e do inferno, bem como explorar as relações entre o homem, a razão
e a fé. Espiritualidade bastante ligada aos rituais da Igreja, como batismo, eucaris-
tia e práticas do dízimo. Na vida privada: jejum (para os mais devotos) e rezas.
MODERNIDADE (~1500~1900)
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T E MA D E APRE N D IZAGEM 2
CONTEMPORANEIDADE (1900-HOJE)
E U IN D ICO
Assista a este vídeo, que faz uma síntese de tudo o que a gente estudou. Além
disso, proporciona algumas provocações interessantes acerca de Deus e da espiri-
tualidade cristã. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente
virtual de aprendizagem.
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UN I C ES UMA R
NOVOS DESAFIOS
Como uma pessoa pode se valer da espiritualidade cristã na prática? Ela pode,
primeiramente, levar em consideração as várias formas em que essa espiritua-
lidade pode se apresentar. Isso a torna uma pessoa mais fácil de se relacionar.
Ao contrário de acreditar que existe apenas um modo específico de viver a es-
piritualidade cristã (o jeito dela), ela passa a enxergar aspectos interessantes na
espiritualidade de outras. Pensemos no caso de católicos e evangélicos: um não
precisa deixar de seguir a própria tradição para apreciar aspectos positivos na
outra, por exemplo.
Outra maneira de usar a espiritualidade cristã é pensar como a sua fé pode
contribuir com os desafios atuais da nossa sociedade. Entendemos que cada épo-
ca e cada região desenvolve um jeito de praticar a espiritualidade. Toda prática
espiritual é uma resposta às necessidades do mundo. Qual será a sua?
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VAMOS PRATICAR
Por que a Bíblia é considerada um guia para a espiritualidade cristã? Assinale a alternativa
correta:
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VAMOS PRATICAR
3. A mística cristã objetiva enxergar o mundo pela fé e nos convida a uma vida contem-
plativa. Deus não se vê (é espírito) e a fé e o amor não podem ser vistos, nem tocados.
Uma ação caridosa pode demonstrar amor, mas não é o amor em si. O amor se revela em
uma ação caridosa, mas, ao mesmo tempo, o amor se oculta por trás da ação caridosa,
uma vez que a própria ação não é o amor.
A mística cristã se constrói ao redor da noção de que, em tudo o que Deus se revela (e ele
se revela em tudo), ele também se oculta. Em outras palavras, Deus se mostra constan-
temente, mas não se mostra totalmente. Por isso, a mística cristã é cheia de paradoxos e
é uma contemplação que apenas pode ser usufruída pela fé. Espiritualidade dos místicos
e nos monastérios tem a ver com quietude, contemplação e domínio de si.
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VAMOS PRATICAR
Com base nas informações apresentadas, avalie as asserções a seguir e a relação pro-
posta entre elas:
I - Quietude e contemplação (e uma percepção que só pode ser usufruída pela fé) foram
bastante praticadas na espiritualidade cristã
PORQUE
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REFERÊNCIAS
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção C.
O que de Jesus é pregado na fé cristã chega até nós a partir da Bíblia.
2. Só se entende a realidade espiritual contida na Bíblia com a ajuda do Espírito Santo. Além
disso, ele age guiando, fortalecendo e capacitando para uma vida de piedade e serviço.
3. Opção B.
Quietude e contemplação (e uma percepção que só pode ser usufruída pela fé) foram
bastante praticadas na espiritualidade cristã, porque a mística cristã é cheia de para-
doxos.
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MEU ESPAÇO
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MEU ESPAÇO
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MEU ESPAÇO
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TEMA DE APRENDIZAGEM 3
A ESPIRITUALIDADE DE JESUS
MINHAS METAS
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U N I C ES U M A R
Imagine se Jesus estivesse no seu lugar. Como ele iria se comportar? Ele teria redes
sociais? Ele comeria fast food? Ele iria em alguma igreja? (se sim, em qual?) São
tantas questões!
P L AY N O CO NHEC I M ENTO
“Se Jesus vai voltar, por que se importar com esse mundo?”. Muitos cristãos já se
fizeram essa pergunta. Afinal, por que se importar com ecologia, justiça social, a
saúde do corpo e dos relacionamentos? O objetivo do nosso Play no Conhecimen-
to desse tema é mostrar como a espiritualidade de Jesus pode responder a essas
questões. Será que Jesus se importava com essas coisas? Esperamos você lá.
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3
VAMOS RECORDAR?
Existem muitas expressões de espiritualidade. Na contemporaneidade, elas estão cada
vez mais individuais e customizadas. A própria tradição cristã apresenta uma variedade
imensa de expressões espirituais, várias tentativas de contextualizar a fé cristã.
Para dar dois exemplos, os monges cristãos assimilaram aspectos da fé oriental e
desenvolveram uma tradição de contemplação cristã. Já a reforma protestante abriu
portas para o livre exame das escrituras e muitas interpretações diferentes surgiram
a partir dali, isso criou novas expressões de espiritualidade que existem até hoje.
Precisamos entender a fé cristã como algo dinâmico. Ela se adapta e modifica a
cada geração, a cada nova cultura em que é praticada. Não é possível falar de uma
espiritualidade cristã estática, padrão ou definitiva. Não foi assim nem na Bíblia,
nem na história da igreja.
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U N I C ES U M A R
Eles estudam a mesma pessoa, mas sob ângulos diferentes. Por exemplo, o méto-
do do historiador envolve uma investigação a partir de fontes históricas como:
registros escritos, pinturas, artefatos achados em escavações arqueológicas etc.
Dessa maneira, se você perguntar a um historiador se Jesus ressuscitou, ele vai
dizer que não tem como responder a essa questão, pois não há nada que ele
possa usar como evidência. Mas ele poderá dizer, por exemplo, que os primeiros
cristãos realmente acreditavam que Jesus havia ressuscitado, pois há evidências
seguras apontando que os primeiros cristãos acreditavam nisso.
A ressurreição de Jesus, assim como a sua di-
A ressurreição de
vindade, é do campo da fé. Não há como provar
Jesus, assim como a
sua divindade, é do essas coisas, o que não quer dizer que elas não sejam
campo da fé verdade, apenas que elas são de uma dimensão da
qual não se pode haver prova, por isso dizemos que
são do campo da fé. O teólogo, por sua vez, trabalha tanto com o Jesus histórico
quanto com o Jesus da fé.
Uma investigação teológica, que ocorreu no séc. I, por exemplo, foi sobre a
divindade de Jesus.
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3
P E N SA N D O J UNTO S
O que significa dizer que Jesus é Deus? Que ele é uma parte Deus e outra huma-
na? Ou que ele tem só uma aparência de humanidade, mas ele é somente Deus?
Muito debate aconteceu até que a Igreja definiu a doutrina da “união hipostática”,
ou seja, Jesus é totalmente homem e totalmente Deus, ao mesmo tempo. Sim,
esse é um mistério que não pode ser compreendido pela razão humana, assim
como a natureza da trindade.
Nem sempre o historiador e o teólogo chegam às mesmas conclusões sobre
Jesus, porque eles trabalham sob pressupostos diferentes.
O método histórico
O historiador (mesmo que seja cristão) precisa considerar apenas aquilo que
seu método permite corroborar, ou seja, apenas aquilo do que se tem evidências.
Para essa abordagem, Jesus foi um judeu que nasceu em Nazaré, na Galileia, por
volta de 4 a.C. (impossível dizer com precisão). Ele seguia a tradição judaica, ia à
sinagoga, ia ao templo uma vez ao ano, fazia as orações prescritas. Pelo que lemos
nos evangelhos, suas pregações mostram um discurso do tipo “apocalíptico”, ou
seja, uma pregação que anunciava que o fim estava próximo. De fato, a expressão
“é chegado o Reino de Deus” aparece muitas vezes nos evangelhos.
Essa mensagem “apocalíptica” (que significa “revelação”, ou seja, revelação
dos planos ocultos de Deus) não foi uma invenção de Jesus, mas algo que já
havia começado na tradição judaica cerca de 200 anos antes. Veja João Batista,
por exemplo, que, precedendo Jesus, também anunciava que o Reino de Deus
estava chegando.
Nesse tipo de entendimento, Deus iria intervir na história logo em breve, de
maneira visível e poderosa. Em cerca de quarenta anos (daquela época), haveria
um mover sobrenatural da parte de Deus em Israel. Haveria de se levantar um
messias (há um debate se Jesus se entendia como esse messias ou não) que livraria
Israel da opressão dos romanos.
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U N I C ES U M A R
A P RO F UNDA NDO
O Jesus divino
O teólogo, por outro lado, considera muitas coisas que o historiador diz, mas
também considera o aspecto da fé e da tradição religiosa que se desenvolveu
depois de Jesus. Nesse caso, Jesus é Deus e se entendia como Deus (algo que está
bastante claro no evangelho de João). Ele foi concebido de forma milagrosa, vi-
sitado pelo Espírito Santo de forma especial na ocasião de seu batismo, e assim
começou seu ministério.
Fez vários milagres que, na cultura dos judeus, indicavam que ele era o mes-
sias esperado. Por fim, ele foi à cruz para morrer uma morte expiatória, ou seja,
uma morte que tira a culpa de alguém. Em teologia, diz-se que foi uma morte
vicária (no lugar de alguém), propiciatória (oferece algo em favor de alguém) e
expiatória (que perdoa alguém).
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3
E M FO CO
Gostou do que discutimos até aqui? Tenho mais para conversar com você a respei-
to deste tema, vamos lá?!
O Evangelho de João é o evangelho que mais ressalta a divindade de Jesus. Ali,
ele não é apenas o messias (o que também está claro nos outros evangelhos), mas
o próprio Deus encarnado. Esse vídeo traz um panorama do que o autor do Quarto
Evangelho quer nos contar acerca de Jesus. Vamos ver as imagens, as metáfo-
ras e as referências que foram usadas para caracterizar este que, de outra forma,
poderia ser apenas um judeu de Nazaré.
E U IN D ICO
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U N I C ES U M A R
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3
Em outra ocasião Jesus ensina: “Quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas,
que gostam de orar em público nas sinagogas e nas esquinas, onde todos possam
vê-los” (Mt 6.5).
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U N I C ES U M A R
Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que
matar será réu de juízo.Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem
motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer
que disser a seu irmão: Raca [amaldiçoado], será réu do sinédrio;
e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno [...].
Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. Eu, po-
rém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobi-
çar, já em seu coração cometeu adultério com ela.
Também foi dito: Qualquer que deixar sua mulher, dê-lhe carta de
divórcio. Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua mulher,
a não ser por causa de fornicação, faz que ela cometa adultério, e
qualquer que casar com a repudiada comete adultério.
Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas
cumprirás os teus juramentos ao Senhor. Eu, porém, vos digo que de
maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus [...].
Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém,
vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face
direita, oferece-lhe também a outra; E, ao que quiser pleitear con-
tigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; E, se qualquer
te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te
pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos
maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltra-
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3
tam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos
céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva
desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que
galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
Ao ler o Antigo Testamento (AT), você pode facilmente se dar conta de que os
grupos religiosos judeus mencionados no NT não aparecem (como no caso da Bí-
blia protestante, com 39 livros no AT), ou pelo menos não são tema tão recorrente,
como nos evangelhos (como no caso da Bíblia católica, com 43 livros no AT).
No AT protestante, basicamente não lemos sobre fariseus, saduceus e essê-
nios, pois eles se formaram no chamado período “intertestamentário”. Esse é um
período que esses cristãos entendem ser um silêncio de Deus. Para protestantes
e evangélicos, entre os dois testamentos há um espaço de cerca de 400 anos. Não
que a religião judaica não tenha produzido nada nesse tempo, mas que nada da
parte de Deus foi revelada aos seus profetas. Segundo essa concepção, esse silên-
cio é quebrado quando um anjo aparece ao profeta Zacarias, pai de João Batista,
no Evangelho de Lucas.
Enquanto para evangélicos, fariseus, saduceus e essênios foram expressões
do judaísmo que surgiram entre o AT e o NT. Já na Bíblia católica (43 livros no
AT), podemos ligar esses grupos à revolta dos Macabeus. Os fariseus (que sig-
nifica “separados”) eram pessoas a favor da não mistura da religião judaica com
a cultura grega (a cultura grega floresceu bastante durante o período intertesta-
mentário e ainda alcançava os judeus por meio de Roma, que governava Israel
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U N I C ES U M A R
naquela época). Eram leitores cuidadosos da Lei e foram responsáveis por criar
uma tradição oral de interpretação e formulação de aspectos legais inspirados
na “vontade de Deus” (REINKE, 2021, p. 324).
A P RO F UNDA NDO
O apego à Lei se intensificou nos 200 anos antes de Jesus por causa da dominação
de outros povos sobre Israel. Manter a Lei passou a ser uma questão de identi-
dade; uma preocupação com detalhes e a criação de novas regras passou a fazer
parte de um arsenal legalista e difícil de seguir. Era contra isso que Jesus estava
reagindo em pregação e atos.
Descrição da imagem: a figura se trata de uma fotografia da cidade de Jerusalém, representando sua parte histó-
rica; na figura, é visto ruínas do antigo templo judaico e, ao fundo, a cúpula de uma mesquita, com teto amarelo.
Pessoas estão no centro da imagem, em um pátio, próximo a um grande muro de pedras que fica ao fundo da
imagem. Mais ao fundo, vê-se árvores e telhados de residências. Fim da descrição.
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3
IN D ICAÇÃO DE FI LM E
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U N I C ES U M A R
APOCALITICISMO
Esse termo é atribuído àqueles judeus que pregavam que o fim do mundo e o
Reino de Deus estava próximo.
Pregadores apocalípticos eram comuns na época de Jesus. João Batista foi
um deles, por exemplo. Eles comumente faziam um voto de celibato. Percebe-
mos isso em João Batista, Jesus e Paulo. Eles não se casaram (talvez Paulo tenha
sido casado em algum momento, mas depois fez o voto de celibato, por viuvez,
divórcio, ou talvez porque nunca tenha sido realmente casado) e pregavam sobre
a vinda do Reino constantemente.
A ideia do celibato é mostrar, através da própria vida aqui na terra, um vis-
lumbre de como será a vida no Reino de Deus. Os judeus criam que os anjos não
se reproduziam nem praticavam sexo, eram, por assim dizer assexuados. Jesus
expressa essa crença quando diz que, no Reino, seremos como anjos, “que não
se casam nem se dão em casamento” (Mc 12.25). Isso também tem a ver com a
urgência de Paulo em 1Coríntios 7: é melhor que não se case e viva intensamente
para o Senhor, porque o fim está (para Paulo) bem próximo.
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3
época de Jesus e não muito longe de onde ele viveu - e entre outros
textos judaicos que não estão na Bíblia; era a visão de João Batista;
era a opinião dos fariseus; era a visão amplamente mantida em todo
o mundo de Jesus (EHRMAN, 2014, s.p.).
Por isso, tem-se justiça no Reino de Deus, precisamos praticar e anunciar a justiça
aqui, agora. Se há amor no Reino de Deus, precisamos amar aqui e agora; se há
perdão no Reino, então que perdoemos aqui, se há relacionamento com Deus, que
o busquemos aqui.
“
O Reino dos céus assemelha-se a um tesouro escondido no campo.
Certo homem, tendo-o encontrado, escondeu-o novamente. En-
tão, transbordando de alegria, vai, vende tudo o que tem, e compra
aquele terreno (Mateus, 13.44).
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U N I C ES U M A R
E M FO CO
Ensino e vida prática andam juntos. Até a forma de orar é impactada por essa
espiritualidade. Observe como Jesus ensina seus discípulos a orar:
Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
[no Reino de Deus, o nome de Deus é reconhecido como santo]
Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu;
[essa frase é a chave para entender a oração de Jesus dentro da perspectiva
apocalíptica]
O pão nosso de cada dia nos dá hoje;
[no céu há fartura de pão, por isso, “dê-nos pão aqui também”]
E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos
devedores;
[no Reino há perdão, então nós perdoamos as pessoas aqui também]
E não nos conduzas à tentação; mas livra-nos do mal.
[no Reino, amamos tanto a Deus que a tentação não nos apetece; que
aqui também
sejamos livres].
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3
O desfecho comum nas traduções evangélicas que diz: [porque teu é o reino,
e o poder, e a glória, para sempre. Amém.] é consensualmente entendida como
uma inserção posterior (Mt 6:9-13).
Jesus cria um espelho entre Reino de Deus e terra quando oferece um mo-
delo de oração. O modelo pode ser entendido como reproduzir, nas orações
pessoais, esse espelhamento entre Reino e Terra. Jesus nos estimula a pensar que
a vida aqui importa para revelar o Reino de Deus.
A própria ressurreição de Jesus estaria conectada a ideia de um novo Reino:
Se Jesus não ressuscitou, Lucas está dizendo, tudo o que você tem
são esperanças levantadas e frustradas mais uma vez. Os discípulos
continuariam esperando, sem dúvida, porque eram judeus fiéis, mas
se Jesus não ressuscitou, nada aconteceu para mostrar que suas es-
peranças poderiam, afinal, ser cumpridas. Mas se Jesus ressuscitou,
então é assim que o Antigo Testamento deve ser lido: como uma
história de sofrimento e vindicação, de exílio e restauração, uma
narrativa que atinge seu clímax não em Israel se tornando a nação
líder e derrotando o resto do mundo em seu próprio jogo, mas no
sofrimento e na vindicação, no exílio e na restauração do Messias
- não apenas para si mesmo, mas porque ele carrega as promessas
salvadoras de Deus (WRIGHT, 2009, s.p., tradução nossa).
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U N I C ES U M A R
E U IN D ICO
NOVOS DESAFIOS
A espiritualidade de Jesus é engajadora, ela muda tudo. De acordo com ela, o seu
ambiente de trabalho é:
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VAMOS PRATICAR
a) Metodológica e investigativa.
b) Teológica e arqueológica.
c) Histórica e teológica.
d) Judaica e cristã.
e) Étnica e cultural.
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
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REFERÊNCIAS
EHRMAN, B. D. How Jesus became God: the exaltation of a Jewish preacher from Galilee.
Harper Collins, 2014.
REINKE, A. Aqueles da Bíblia: história, fé e cultura do povo bíblico de Israel e sua atuação no
plano divino. Thomas Nelson: Rio de Janeiro, 2021.
WRIGHT, N.T. Surprise by Hope: rethinking heaven, the resurrection and the mission of the
church. HarperCollins. 2009.
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção C.
2. Opção E.
3. Opção B.
I. Embora a ressurreição possa ser entendida por alguns apenas como um símbolo, grande
parte da teologia e da tradição cristã a enxerga também como um fato histórico.
II. A ressurreição de Jesus (pelo próprio Deus Pai) indica que ele era aceito por Deus, inocente
e divino.
III. Não se pode provar empiricamente que Jesus é Deus, pois não há experimentos que possam
ser realizados para medir ou repetir tal evento. A teologia faz parte das ciências humanas, onde
a prova empírica é dificilmente aplicada, pela natureza de seu objeto de estudo.
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MEU ESPAÇO
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UNIDADE 3
TEMA DE APRENDIZAGEM 4
TEOLOGIA DA ESPIRITUALIDADE
MINHAS METAS
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U N I C ES U M A R
Por quanto tempo uma espiritualidade consegue resistir sem “criar” uma teolo-
gia? Espiritualidade “livre” é realmente algo muito poético, mas a história nos
diz que, ou ela desenvolve uma teologia para se manter, ou ela evapora e se dilui
(por não ter um corpo sólido).
Espiritualidades tradicionais como o cristianismo, budismo ou islamismo,
sobrevivem, em parte, porque desenvolveram uma “densidade teórica” ao redor
delas. Indo, aparentemente, na direção oposta, sabemos, entretanto, que a espi-
ritualidade, como se entende hoje em dia, tende a ser mais “livre” de doutrinas,
e mais focada na experiência, desinstitucionalizada.
O que veremos é que uma teologia surge como
uma reação natural à prática espiritual. Com o tempo, Uma teologia surge
ela pode acabar realmente sufocando a espiritualida- como uma reação
de com a tradição, mas isso já é um outro problema. natural à prática
Vamos com calma, na verdade a teologia está sempre espiritual
a um passo atrás de qualquer prática espiritual.
Faça o experimento mental de criar uma religião. Mas tem uma regra: não
pode ter doutrina, nem dogma, nem livro sagrado, nem teologia sistematizada,
ok? Quando sentir que está pronto, tente explicar sua nova religião (de mentiri-
nha) para alguém.
Pergunte a essa pessoa se ela entendeu, deixe até que ela faça perguntas sobre
isso… e aí, você conseguiu responder as perguntas?
O objetivo desse exercício é levar você a pensar: como uma espiritualidade
é comunicada e entendida pelas outras pessoas, se ela não tem um mínimo de
sistematicidade?
P L AY N O CO NHEC I M ENTO
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 4
VAMOS RECORDAR?
Vamos lembrar que estamos vindo de uma análise da espiritualidade na
contemporaneidade. Vimos que a vivência espiritual tem se mostrado mais flexível,
com menos dogmas e com menos institucionalidade. É altamente individual e
geralmente está na mira do marketing, que busca entender as especificações do
“produto religioso”.
O QUE É TEOLOGIA?
Muitos diriam que teologia é aquilo que estuda a espiritualidade. E é verdade, não
deixa de ser, mas, a espiritualidade e a religião são estudadas por diversas disciplinas,
entre elas a teologia. Assim, dizer que teologia é aquilo que estuda a espiritualidade
é correto, mas ainda insuficiente para entender o papel da teologia especificamente.
Para irmos direto ao ponto, vamos falar da teologia cristã (pois existe a teo-
logia judaica, islâmica, hindu etc.). A espiritualidade cristã tem a bíblia como
referência de fé, é centrada na pessoa de Cristo e é movida pelo relacionamento
pessoal com a divindade. De certa forma, essa reflexão sobre a espiritualidade já
é um tipo de fazer teológico. Resta saber melhor o que caracteriza uma teologia
enquanto método de investigação.
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U N I C ES U M A R
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 4
A P RO F UNDA NDO
Arte e espiritualidade
Além de texto bíblicos, teologia também pode analisar um período, época, utili-
zando a arte como material de pesquisa.
Como a arte reflete os ideais de cada época. Períodos chave como bizantino,
medieval, renascimento, passando pela arte calvinista e iluminismo refletem di-
ferentes modos de representar a Bíblia. Se pegarmos uma obra de cada período
veremos como o nosso olhar é influenciado pela mão do artista. Mesmo que o
conteúdo seja o mesmo, a forma de representar muda. O que isso quer dizer e
como isso nos impacta? Conteúdo e forma (tema e estética) formam, juntos, uma
narrativa visual da espiritualidade.
TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE
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U N I C ES U M A R
Nem sempre o mesmo teólogo faz as duas coisas, geralmente foca-se em uma
das duas frentes.
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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 4
Hasel (2021, p.121) diz que a tarefa da teologia do AT “consiste em oferecer explicações
e interpretações sintéticas da forma final dos distintos escritos ou blocos de escritos
[...] que façam com que seus vários temas, motivos e conceitos aflorem e revelem
sua relação mútua”.
Quando Hasel (2021) diz “forma final” e “blocos de escritos” é porque o que
conhecemos com o AT hoje é, na verdade, a edição final de tradições orais e textuais
de Israel. O que lemos não foi escrito por alguém que estava lá na cena, mas um
registro posterior que não tinha a intenção de ser um registro histórico, mas uma
narrativa que ensinasse algo a Israel, sobre seu Deus, seu passado e sua identidade.
Nesses casos, devemos ter em mente que “os relatos bíblicos devem ser pri-
meiro apreciados como narrativas antes de serem usados como fontes histó-
ricas” (PROVAN apud REINKE, 2021, p. 29), afinal, “os autores bíblicos estão
mais interessados no significado do relacionamento de Deus com o seu povo do
que em fornecer detalhes para o interesse dos historiadores contemporâneos”
(LONGMAN III apud REINKE, 2021, p. 28).
Esse é um detalhe importante para entendermos uma teologia para a espi-
ritualidade: quando olhamos textos antigos, sejam eles tidos como sagrados ou
não, os lemos como o relato de uma experiência espiritual antes de os lermos
como fonte histórica ou científica. Hasel (2021) diz que fazer teologia do AT não
é recontar a história ou a tradição de Israel, pois são coisas diferentes.
Retomando o que Hasel (2021) dizia, um modo de oferecer “interpretações
sintéticas”, isto é, concisas, explicações que vão direto ao ponto, é:
1. entender as especificidades de cada livro - considerar as teologias narra-
das, ou seja, as implicações teológicas das espiritualidades de cada livro e,
2. explicar como elas se relacionam entre si.
Além disso, deve-se levar em conta que, para um cristão, a teologia do AT está
conectada com o NT.
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Tomando a Bíblia como a versão que o povo judeu criou de sua própria história,
vamos examinar as divisões internas que existem no cânone e suas reespctivas
visões de espiritualidade.
Esses nomes são dados a tipos de livros na Bíblia. Aqui vamos falar mais preci-
samente do AT. Desde antes do cristianismo surgir, os judeus já dividiam o AT
em sequência menores. Para eles havia:
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NEVIIM (PROFETAS)
Josué, Juízes, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oseias, Joel,
Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
KETUVIM (ESCRITOS)
Rute, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester, Jó, Salmos, Provérbios, Eclesias-
tes, Cânticos, Lamentações e Daniel.
Essa divisão foi herdada pelo cristianismo, mas a tradição cristã a modificou
deixando cinco grandes divisões para o AT. São elas:
TORÁ (LEI)
HISTÓRICOS
Josué, Juízes, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oseias, Joel,
Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
LIVROS DE SABEDORIA
PROFETAS
(5 maiores) Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel, (12 menores) Oséias, Joel,
Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.
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Tendo em vista essa divisão, podemos perceber que existe um conjunto de livros
no AT que chamamos tradicionalmente de Literatura Sapiencial ou Literatura
de Sabedoria. Esse conjunto é composto dos livros de Jó, Salmos, Provérbios,
Eclesiastes e Cantares. Hoje a igreja católica também considera os livros de Ecle-
siástico e Sabedoria como canônicos e parte desse conjunto.
É esse conjunto e o conjunto dos livros proféticos que queremos olhar com
calma. Veremos que cada um oferece diferentes perspectivas para a espiritualidade.
A literatura de sabedoria carrega esse nome em grande medida por refletir
sobre a espiritualidade como uma forma de alcançar (ou exercer) a sabedoria. É
comum encontrarmos muitos questionamentos sobre a vida: por que as coisas
são assim? Por que o mundo é tal e qual?
Vejamos os exemplos abaixo (BÍBLIA, 2021):
Provérbios - um conjunto de ensinamentos de pai para filho (1-9) e máxi-
mas coletadas de diversos lugares dentro e fora de Israel. São como ditados, que
em poucas palavras apresentam uma verdade geral e de fácil entendimento. Por
serem verdades gerais, não pretendem ser rígidas em suas aplicações.
Eclesiastes - também contém ensinamentos de pai para filho, mas sua estru-
tura não é feita de uma coleção de provérbios e sim de uma reflexão um pouco
mais encadeada sobre a vida.
Esses dois livros são, portanto, didáticos, eles pretendem ensinar uma maneira
correta de viver.
Salmos - são orações e cânticos a Deus. O único livro onde o ouvinte é o próprio Deus
e não apenas o leitor. As descrições de Deus e das aflições humanas que encontramos
ali nos inspiram a desenvolver nossas próprias orações nos dias de hoje. Essa coletâ-
nea de salmos nos estimula a uma espiritualidade honesta e sem barreiras com Deus.
Jó - um grande poema que indaga sobre a presença do mal e o agir de Deus
no mundo, especialmente na vida da pessoa de bem. É uma narrativa de um
personagem (Jó) que chega ao limite do limite, onde a paciência transcende as
palavras. Apesar de tudo, é apenas no final do poema que Jó pode dizer “eu te
conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem” (42.5).
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O que a literatura sapiencial parece estar querendo comunicar é que, quanto mais
presente Deus está, mais sentido o mundo tem. Mais justiça, mais esperança.
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LITERATURA PROFÉTICA
ZO O M N O CO NHEC I M ENTO
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Existe uma passagem conhecida sobre Deus recusar o jejum de alimento que
os religiosos faziam enquanto roubavam e agiam perversamente, ou seja, estavam
sendo hipócritas. Deus, através do profeta Isaías, então diz:
Até mesmo no NT temos esse padrão. Veja a mensagem de João Batista segundo
Lucas (3.10-14):
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PRÁTICAS ESPIRITUAIS
A teologia foi usada para fundamentar as práticas espirituais. Todos nós busca-
mos mostrar que nossas práticas fazem sentido, por isso era natural que novas
práticas buscassem formular novas doutrinas teológicas, assim como as doutrinas
estimulassem novas práticas. Como vimos, existem diferentes ênfases na men-
sagem Bíblica, embora elas falem da mesma essência.
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MÍSTICA CRISTÃ
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CONEXÃO HISTÓRICA
o NT se entende como uma continuação histórica (não apenas das ideias) do AT. Existe
uma mesma história se desdobrando, guiada pelo mesmo Deus.
REFERÊNCIA E VOCABULÁRIO
TEMAS
vários temas se repetem como: “promessa”, “fé”, “fim dos tempos”, “perdão”, “messias”,
“povo de Deus”, entre outros.
E U IN D ICO
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Quer saber mais sobre este tema? Confira a aula referente, em seu ambiente virtual.
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NOVOS DESAFIOS
Muitos teólogos dizem que o mais importante acerca da teologia é manter a men-
te aberta. Isso é importante para pensarmos inclusive no ambiente de trabalho.
Os departamentos de teologia contam com professores de linhas muito
diferentes, é preciso se dar bem com todos eles (dentro do possível). Frequente-
mente vemos teólogos de linhas contrárias construindo uma amizade de décadas.
A dica para todo aquele que investiga o campo da espiritualidade é:
Nada de ler só aqueles com quem você concorda. Boas ideias poderão vir a você de
todos os lados. Por que limitar a si mesmo?
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VAMOS PRATICAR
1. Na Teologia não existe espaço para “revelação”, “palavra profética”, “visões”, essas são práti-
cas da fé, legítimas enquanto parte da vida pessoal, mas que não servem como argumento
teológico. Essas práticas podem até serem estudadas, é claro, mas não praticadas no fazer
teológico.O que NÃO faz parte do método teológico?
3. Hasel (2021, p.121) diz que a tarefa da teologia do AT “consiste em oferecer explicações e
interpretações sintéticas da forma final dos distintos escritos ou blocos de escritos [...] que
façam com que seus vários temas, motivos e conceitos aflorem e revelem sua relação mú-
tua”. Retomando o que Hasel (2021) dizia, um modo de oferecer “interpretações sintéticas”,
isto é, concisas, explicações que vão direto ao ponto, é:
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REFERÊNCIAS
EHRMAN, B. Can christians study the New Testament honestly? Em “Misquoting Jesus”. Pod-
cast. 2023. Disponível em: https://www.bartehrman.com/podcast/. Acesso em: 25 set. 2023.
GERBEN, H. Practical theology: history, theory, action domains: manual for practical theology.
Wm. B. Eerdmans Publishing, 1999.
GRENZ, GURETZKI, AND NORDLING. Pocket Dictionary of Theological Terms. Downers Grove,
IL: InterVarsity Press, 1999.
HASEL, G. Teologia do Antigo Testamento e Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Efatá, 2021.
REINKE, A. Aqueles da Bíblia: história, fé e cultura do povo bíblico de Israel e sua atuação no
plano divino. Thomas Nelson: Rio de Janeiro, 2021.
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção C.
Na Teologia não existe espaço para “revelação”, “palavra profética”, “visões”, essas são práti-
cas da fé, legítimas enquanto parte da vida pessoal, mas que não servem como argumento
teológico. Essas práticas podem até serem estudadas, é claro, mas não praticadas no fazer
teológico. Todos os outros métodos indicados fazem parte do fazer teológico.
2. Opção D.
Para começar a falar das diferenças teológicas, existem quatro subdivisões da teologia que
se ocupam de aspectos diferentes do estudo da fé. A Teologia se divide basicamente em
Teologia Bíblica, Teologia Histórica, Teologia, Prática e Teologia Sistemática.
3. Opção E.
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MEU ESPAÇO
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MEU ESPAÇO
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TEMA DE APRENDIZAGEM 5
ESPIRITUALIDADE, HISTÓRIA
E TRADIÇÃO CRISTÃ
MINHAS METAS
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P L AY N O CO NHEC I M ENTO
Sempre tem alguém a quem possa se chamar de herege. O que faz com que o
outro seja o herege e eu seja o ortodoxo (“crença correta”)? No PLAY NO CONHECI-
MENTO desse tema, vamos ver duas heresias condenadas no início do cristianismo,
mas que, apesar disso, deixaram sua influência nas igrejas até hoje.
Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de
aprendizagem.
VAMOS RECORDAR?
Você deve se lembrar que a história da espiritualidade cristã está associada a
suas instituições. Por isso, quando falamos de tradição cristã, estamos no cam-
po de instituições como Igreja Oficial, mosteiros, Corte (uma vez que os países
eram de confissão religiosa), universidades etc.
Além disso, talvez se lembre que a espiritualidade cristã teve vários contornos
ao decorrer dos séculos. Tivemos o período monástico, com ênfase no isola-
mento, tivemos a Reforma Protestante, com uma divisão em relação à Igreja
Católica e, com isso, a abertura de novas denominações. Foi dessas denomina-
ções protestantes (como Presbiterianos, Luteranos, Batistas, Metodistas) que
saiu o fenômeno que chamamos hoje de “evangélico”.
Vimos que o fenômeno carismático varreu boa parte do cristianismo ocidental, tra-
zendo o falar em línguas, curas milagrosas, profetismos e outros carismas (“dons”).
Agora vamos continuar essa jornada, vendo como essa multiplicidade aconte-
ceu no início da igreja e como ela acontece no Brasil.
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Muitas pessoas falam como se houvesse apenas uma tradição cristã, um mesmo
corpo de doutrinas perpassando toda a história da cristandade. Se olharmos o
cenário atual, vamos perceber que a espiritualidade cristã é bastante diversa.
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P E N SA N D O J UNTO S
Para um judeu, era muito difícil entender que Deus estava falando algo “con-
trário” ao que ele havia dito. Coloque-se no lugar de um judeu por um instante,
se Deus falou que é para circuncidar no oitavo dia (Levítico 12,3, cf. Gênesis
17.10, Êxodo 12.44), quem é esse tal de Paulo que diz que não precisa? Se Deus
disse que não é para comer porco (Levítico 11.7), como é que agora pode?
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Do ponto de vista cristão (que hoje olha para trás e reconhece Paulo e Pedro
como apóstolos), a fala apostólica é inspirada da parte de Deus. No entanto, para
o judeu daquela época, era muito difícil saber se não eram, afinal, um bando de
hereges. Era complicado. A maioria de nós não cresceu em um ambiente judaico,
em que a Torá e suas leis eram memorizadas e praticadas à risca. Por isso, muitas
vezes não entendemos o peso do conflito que a fé cristã trazia. Com o tempo, as
leis da tradição judaica deixaram de ser cobradas dos não judeus (gentios), mas
muitos judeus continuaram a
praticar a lei, mesmo depois
de convertidos.
Para além de questões mais
culturais, o debate se moveu
para questões mais doutriná-
rias e abstratas. Foi apenas no
segundo século, na época dos
pais da igreja, é que surgiram
concílios de caráter doutriná-
rios, que debatiam as crenças
centrais do cristianismo. Entre
esses temas estavam a questão
da divindade de Jesus, e, um
pouco posterior, de quais livros
seriam realmente inspirados
por Deus para servir de base
para a fé (os livros que vieram a se tornar o Novo Testamento).
Havia muitas correntes (o que chamaríamos hoje de “denominações”, mas esse
termo não existia na época). Vamos falar de duas delas que deixaram marcas até
hoje, embora tenham sido consideradas heréticas. Ouça no nosso PLAY NO CO-
NHECIMENTO: interpretações (“heréticas”) que nos impactam até hoje.
A que se sobressaiu, formou a base para o que hoje chamamos de “tradição cristã”.
Até o séc. XX os teólogos acreditavam que as “seitas heréticas” eram apenas
uma divergência teológica da linha oficial. Até então, o material de pesquisa era
quase completamente os registros que a igreja oficial escreveu sobre elas. Hoje, a
maioria não vê o quadro dessa maneira.
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Quando se escuta isso hoje, geralmente se diz, claro que isso é cristianismo. Essa
versão final ficou pronta por volta do século VI, mas suas premissas já vinham
sendo trabalhadas anteriormente (MISQUOTING JESUS, 2023).
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Descrição da Imagem: foto de fundo claro de uma Estela funerária de cor bege clara, com inscrição gnóstica do
século III d.C., referindo-se claramente ao gnosticismo, uma heresia cristã difundida até o século IV d.C.
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TRADIÇÃO E ACULTURAMENTO
“
[...] sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos para ganhar ain-
da mais. E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus;
para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para
ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se
estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da
lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me como fraco para
os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para pôr todos
os meios chegar a salvar alguns (1 Coríntios 9:19-22 ACF).
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Queremos agora falar sobre a tradição espiritual cristã no Brasil. Esse é um tema
amplo, por isso vamos falar sobre como tudo começou lá no início e vamos pular para
o cenário atual. Assim, podemos ver como o cenário mudou nestes 500 anos. A ideia
é mostrar o choque de realidades tão diferentes, mas ao mesmo tempo, tão iguais.
Jesuítas e reformadores
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“
[...] eram religiosos, dançavam, cantavam, e submetiam-se aos seus
pajés, que exerciam os ofícios de sacerdote, profeta e médico. Nada
sabiam da unicidade de Deus, nem da sua santidade, soberania,
amor e graça. Nunca ouviram falar sobre Jesus, sua concepção so-
brenatural, seus ensinos, seus milagres, sua morte e ressurreição
(CESAR, 2000, p. 29).
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nhuma classificação, pois ela não é protestante, católica ou petencostal. Ela tem
algo de petencostal, mas vai muito além, ela é algo novo, um neopentecostal (neo
= novo), mas de um tipo que não se vê em outro lugar.
Macedo, que trabalhou em lotérica (Loteg), apresenta um modelo de espiri-
tualidade diferente de tudo o que já se viu na tradição cristã brasileira, mas, ao
mesmo tempo, parece haver uma continuidade entre ele e modelos anteriores,
como a igreja Deus é Amor (petencostal conservadora de Davi Miranda), ou a
Brasil Para Cristo, de Manoel de Mello. Da IURD surgiu, por divisão, a Igreja
Internacional da Graça, fundada por R.R. Soares (cunhado de Macedo) e Igreja
Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago.
Desde então, existe uma “espiritualidade cristã” “sob efeito IURD”, isto é, in-
fluenciada de algum modo por ela.
A P RO F UNDA NDO
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Coronelismo foi uma prática política comum durante a República Velha (1889-
1930), na qual os coronéis, donos de terra, coagiam seus subalternos a votarem
em seus candidatos para que eles (coronéis) se mantivessem no poder.
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O século XXI chega com a expansão desse modelo. O “gospel” se torna segmento
no mercado cultural: música gospel, filme/novela gospel, roupa gospel, livros
gospel etc. Percebe-se um grande comprometimento do fiel com a instituição,
mas sem nenhum conhecimento da tradição cristã. A igreja se tornou uma ins-
tituição forte, mas que não tem passado, algumas vezes lembrando o famoso
livro de George Orwell, “1984”. Não é de se espantar que cursos de publicidade
e propaganda se especializem no mercado evangélico, por verem ali um terreno
ainda fértil para o comércio.
Buscando similaridades, sem querer simplificar demais, podemos notar as
seguintes continuidades entre o Brasil colônia e o meio cristão hoje:
• No Brasil colônia, a corte portuguesa era oficialmente católica, por isso co-
lonização e evangelismo andavam juntos. As decisões religiosas que fossem
impactar negativamente o rei, eram evidentemente impedidas. Ora a religião
ditava a política, ora a política ditava a religião.
• Na atualidade, vemos a inserção de pastores e aliados no Parlamento, na Câ-
mara, Senado e demais instâncias governamentais. Teoricamente, o Estado
é laico, mas todos buscam controlar sua laicidade, puxando para seu lado. Da
mesma forma, busca-se ditar a política, ao mesmo tempo em que se deixa
ser ditado por ela.
• A IURD, por exemplo, teve seu primeiro deputado eleito em 1986 (PTB) e,
desde então, tem eleito deputados e senadores e feito acordos com políticos
estratégicos (como Maluf e Collor), além de comprado briga com a esquerda.
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AQUISIÇÃO DE TERRAS
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Gostou do que discutimos até aqui? Tenho mais para conversar com você a respei-
to deste tema, vamos lá?! Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do
ambiente virtual de aprendizagem.
NOVOS DESAFIOS
Em um ambiente profissional, há pessoas que seguem tradições diferentes. Isso
pode acontecer com religiões diferentes, mas pode acontecer também com
vertentes distintas dentro da mesma matriz religiosa.
Quando pensamos na construção de uma espiritualidade contemporânea, que
se entende mais autônoma, mais individual e customizada, estamos pensando uma
espiritualidade mais aberta ao sincretismo. Isso é evidente porque quem assegura a
não mistura é o peso da instituição religiosa. Se, na espiritualidade contemporânea,
o peso da instituição cai, a tendência ao sincretismo aumenta. Não necessariamente
aumenta-se o sincretismo, mas aumenta-se a chance de que ele ocorra.
Para um estudioso da tradição
religiosa, é importante iden-
tificar com quais
tradições uma
pessoa está
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Essa tarefa pode ser sua também, não precisa ser apenas de pastores, pais-de-santo,
padres, rabinos etc. Em termos de espiritualidade, estamos todos em uma jornada.
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VAMOS PRATICAR
1. A própria ideia de que a igreja primitiva era unida não goza de muita veracidade. É bem
provável que as primeiras décadas da fé cristã tenham sido muito mais diversificadas e
polêmicas do que nosso cenário atual. Muitas coisas que eles acreditavam seriam um
escândalo para nós hoje. Isso porque esse “eles”, são, na verdade, grupos de lugares
bem diferentes que foram se convertendo à medida que a fé cristã se espalhava.
Os primeiros registros de divisões acerca do que deveria ser a fé cristã estão nas cartas
de Paulo e nas cartas gerais (Pedro, aos Hebreus, Tiago). Paulo explicitamente lida com
isso nas duas cartas de Coríntios e aos Gálatas. Cartas posteriores, que têm sua autoria
disputada (ou seja, muitos estudiosos acreditam que não tenham sido escritas por Paulo),
como 1 Timóteo e Tito, também abordam o tema de preservar a sã doutrina, embora nem
sempre entrem detalhes do que seja.
2. As principais divisões que surgiram no início da igreja tinham a ver com a transição
do judaísmo para o cristianismo. Na verdade, ainda não havia o “cristianismo”, pois
muitos acreditavam que a crença em Jesus como messias era a continuidade natural
do judaísmo. Nesse sentido, não haveria uma ruptura para uma outra religião, mas
uma continuação para uma nova fase. Talvez essa tenha sido a perspectiva de Paulo.
Assinale a afirmação correta:
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VAMOS PRATICAR
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
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REFERÊNCIAS
BÍBLIA SAGRADA. Nova versão transformadora. São Paulo: Mundo Cristão, 2016.
MISQUOTING JESUS. How wild can it get? The diversity of early Christianity. Entrevistado:
Barth Ehrman. Entrevistadora: Megan Lewis. Ehrman, 2023. Podcast. Disponível em: https://
www.bartehrman.com/podcast/. Acesso em: 18 set. 2023.
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção A.
A ideia de que a igreja primitiva era unida não se sustenta. Os primeiros registros de divi-
sões acerca do que deveria ser a fé cristã estão nas cartas de Paulo e nas cartas gerais.
2. Opção C.
As principais divisões que surgiram no início da igreja tinham a ver com a transição do
judaísmo para o cristianismo. Na verdade, ainda não havia o “cristianismo”, pois muitos
acreditavam que a crença em Jesus como messias era a continuidade natural do judaísmo.
Nesse sentido, não haveria uma ruptura para uma outra religião, mas uma continuação
para uma nova fase. Talvez essa tenha sido a perspectiva de Paulo.
3. Opção C.
A tese de Bauer diz que, muito embora a visão que viria a ser a “oficial” estivesse presente
em vários lugares do império romano, ela floresceu particularmente bem na capital, Roma.
Um segundo fator é que Constantino, o imperador romano que oficializou a religião cristã
como a religião do império, teria se convertido nessa visão cristã.
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UNIDADE 4
TEMA DE APRENDIZAGEM 6
ESPIRITUALIDADE CRISTÃ E
DISCIPLINAS ESPIRITUAIS
MINHAS METAS
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“Eu” e “nós”, uma tensão que habita as disciplinas espirituais e a caminhada de con-
templação cristã. Nosso PLAY NO CONHECIMENTO desse tema explora a síntese
das disciplinas espirituais e as situa sob um propósito de autoconhecimento e co-
nhecimento de Deus. Exploramos ali o porquê a espiritualidade cristã nunca é só o
indivíduo, nem só o coletivo. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital
do ambiente virtual de aprendizagem.
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VAMOS RECORDAR?
Durante esse curso, estamos vendo duas frentes da espiritualidade cristã. Um
envolve a frente institucional (que envolve aspectos políticos, sociais, como
campanhas missionárias, movimentos teológicos… coisas que eu vou chamar
de aspectos “macro”. São coisas externas e costumam envolver muitas pes-
soas. A outra frente é o lado interior, subjetivo. Aqui, falamos das emoções,
da busca pela autenticidade, pelo contato com o divino… o que eu chamo de
aspectos “micro” (não por serem menos importantes, mas por serem processos
que acontecem em um universo menor, em termos sociais).
Essas duas dimensões, “macro” e “micro”, complementam-se constantemente
no estudo da espiritualidade. É muita ingenuidade achar que a espiritualidade
só tem a ver com o “micro”, o lado subjetivo, como é imensa falta de sensibili-
dade achar que tudo é uma questão “política”.
Enquanto a “tradição” em temas já estudados fala mais sobre aspectos “macro”,
as disciplinas espirituais falam mais sobre o aspecto “micro”, nossa parte interi-
or. Para muitos, esse é o cerne de uma prática espiritual. O assunto é altamente
prático e não adentra em pormenores teológicos.
“Disciplina” não é uma palavra que inspira grandes motivações em muitas pes-
soas. Ela pode remeter a “castigo” (ser disciplinado por alguma conduta errada),
ou a “rigor de comportamento” (ser disciplinado para acordar cedo). Quando
falamos em “disciplinas espirituais”, estamos pensando no segundo sentido: ser
disciplinado para alcançar algo.
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COLOCANDO UM ALVO
Toda vez que temos um objetivo a longo prazo que queremos alcançar, é sensato
estabelecer as metas a serem alcançadas no meio do caminho, bem como fazer
um cálculo básico daquilo que eu vou precisar para chegar ao meu objetivo. Se
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eu, por exemplo, sou um atleta maratonista e tenho uma competição importante
em alguns meses, eu vou ter para mim um número de horas diárias de treinos (de
corrida, peso, alongamento), uma dieta específica (terei de cortar ou diminuir
a ida a muitos restaurantes legais), talvez investir em um novo par de tênis de
corrida etc. Cada pessoa tem seu contexto.
O ponto aqui é: quando eu tenho um alvo importante, eu tenho sacrifícios
para alcançá-lo.
Se eu não entender que preciso me exercitar bem (e com rigor), as chances de
ter uma boa colocação na maratona só diminuem. Nesse exemplo, o maratonista é
motivado pelo alvo futuro e não pela culpa. No quesito espiritual, é como se todos
nós fossemos atletas em ascensão. Pessoas que treinam o “espírito” e não o “corpo”.
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crescer espiritualmente por você mesmo, ninguém mais. O fator auto responsabi-
lização é crucial para desbloquear o verdadeiro sentido do crescimento espiritual.
Mas o que significa crescer espiritualmente? Como já exploramos em nossos
estudos, crescer espiritualmente tem a ver com “tornar-se participante da
natureza divina”, isto é, ter o caráter e a vida interior moldada de acordo com o
Ser de Deus. Nós começamos a nos importar com o que Deus importa, chorar
com o que move as lágrimas de Deus e amar como ele ama.
Não seria bom se as pessoas pudessem afirmar com convicção: “eu não con-
sigo evitar o perdão, é algo maior do que eu!”. Se ao invés do rancor ser a força
maior, o amor fosse a força maior. A tradição cristã entende que o amor é reco-
nhecido como essa força maior e que podemos nos transformar por meio dele
constantemente. Para isso, ao longo dos séculos, certas práticas, chamadas disci-
plinas espirituais, foram cultivadas por cristãos de diversas tradições.
Vamos comentar um pouco de 12 disciplinas comuns, algumas delas trazidas
do judaísmo ou do oriente. Dividimos essas disciplinas em 3 grupos: as disciplinas
interiores, disciplinas exteriores e as disciplinas coletivas.
DISCIPLINAS INTERIORES
Meditação
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Oração
Muitos e muitos livros já foram escritos sobre oração. Sobre como orar, os tipos de
oração, sobre grandes exemplos de oração, etc. Às vezes, muita informação pode
complicar um tema que é simples. Oração é a conversa com Deus (o que incluiria
um momento de fala e de escuta), mas isso se dá com o coração, não com a razão.
Henri Nouwen (2021, p. 75) diz que:
“
A prece do coração é uma que não permite que limitemos nossa
relação com o Pai a palavras interessantes ou emoções piedosas.
Por sua própria natureza, tal oração transforma todo o nosso ser
em Cristo, precisamente porque abre os olhos da nossa alma para
a verdade sobre nós mesmos, assim como para a verdade em Deus.
O importante é deixar claro que não existe fórmula quanto ao tempo e ao jeito.
As pessoas definem um horário fixo por uma questão de organização pessoal
(uma vez que é uma prática facilmente esquecida). Além disso, existem três tipos
de oração, três jeitos de falar com Deus: pedir algo (para você ou por outros),
agradecer por algo, falar frases de amor e louvor a Deus. A ideia é que não se fique
orando o mesmo tipo de oração (por exemplo, só pedindo, pedindo e pedindo),
mas ter uma rotina de oração que, no geral, tenha um pouco de cada tipo.
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Jejum
Estudo Bíblico
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1. OBJETIVO:
2. MÉTODOS:
3. FERRAMENTAS:
4. CONTEXTO:
5. APLICAÇÃO:
um estudo bíblico visa não apenas entender os princípios religiosos, éticos e mo-
rais apresentados na Bíblia, mas também aplicá-los à vida diária. Isso pode incluir
a busca por orientação espiritual, a tomada de decisões éticas e a promoção de
valores religiosos.
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UN I C ES UMA R
6. DIVERSIDADE:
7. CRESCIMENTO ESPIRITUAL:
para muitas pessoas, o estudo bíblico é uma parte fundamental de seu cresci-
mento espiritual e religioso, ajudando a fortalecer sua fé, fornecer orientação
moral e promover uma compreensão mais profunda de suas crenças religiosas.
DISCIPLINAS EXTERIORES
Simplicidade
Você já pensou que cultivar uma vida simples pode ser um exercício espiritual?
Em um mundo de consumo, de propaganda a todo instante, às vezes é até difícil
saber o que se tornou essencial ou não. A vida simples se protege de ser domi-
nada por aquilo que é descartável. Tem a ver com não comprar, não cobiçar, não
exagerar, mas também tem a ver com a autenticidade.
Na vida simples, eu tenho amigos porque eu gosto deles e eles gostam de
mim, eu não quero impressionar ninguém, nem ser amigo de ninguém porque
essa pessoa vai me aproximar do CEO, ou vai me fazer parecer importante etc.
Na vida simples, eu não vivo escravo da opinião dos outros. Na vida simples, eu
tenho espaço na minha agenda para cuidar das pessoas que eu amo. Não vivo
corrido e atarefado com aquele monte de coisas que só dizem respeito a mim.
Na vida simples, a simplicidade é poder ser e viver sem embaraços.
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Solitude
Solitude não é solidão. Solidão é algo depressivo, em que nos sentimos sozinhos,
mesmo quando estamos acompanhados. Solidão causa dor e é, geralmente, fruto
de uma dor. A solitude, por outro lado, é um espaço de se aquietar diante de Deus
e de si mesmo. Quem não sabe estar sozinho e curtir a própria companhia (e a
companhia de Deus), ainda está dependendo de outras pessoas e circunstâncias
para se sentir completa. A solitude treina a pessoa para ser inteira. Encaramos a
nós mesmos e perdemos o medo do “vazio”.
A solitude pode ser uma experiência positiva e enriquecedora para muitas
pessoas. Permite um espaço para a reflexão, a criatividade e o recarregamento
emocional. Muitas pessoas acham que períodos de solitude são essenciais para
seu bem-estar mental e emocional, ajudando-as a recuperar o equilíbrio e a cla-
reza mental em um mundo agitado e muitas vezes superconectado.
A busca pela solitude pode assumir várias formas, como passar um tempo em
meditação, fazer caminhadas solitárias na natureza, ler um livro sozinho, praticar um
hobby ou apenas sentar em silêncio. A chave é que a solitude é uma escolha voluntária,
não uma imposição de solidão. É uma oportunidade de se conectar consigo mesmo
e com os próprios pensamentos de uma maneira profunda e significativa.
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Serviço
Jesus, em certa ocasião, lavou os pés dos seus discípulos (uma função atribuída
ao escravo da casa) e disse que esse era o modelo que ele estava estabelecendo
para seus discípulos: tornarem servos um dos outros. Se Jesus mesmo estabeleceu
esse exemplo ao revelar Deus, então a prática do serviço ao próximo para a ser
item indispensável na “dieta” espiritual do cristão. Buscar ocasiões para servir é
um modo de praticar essa disciplina. Não quer dizer que a pessoa nunca possa
recusar-se a servir a alguém (não precisamos interpretar as disciplinas espirituais
de forma exagerada e sem bom senso), mas que ela não se sente “humilhada” ou
“desrespeitada” por ajudar alguém ou fazer algo “de um nível tão baixo”.
Submissão
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DISCIPLINAS COLETIVAS
“
até agora, muitos dos textos que citamos sobre o eu interior dão a
falsa impressão de que esta identidade interior e espiritual é recu-
perada apenas pelo isolamento e pela introversão. Isto está longe
de ser correto. O eu interior não é apenas o que resta quando nos
afastamos da realidade exterior. Não é mero vazio ou inconsciência.
Pelo contrário, se imaginarmos que o nosso eu mais íntimo é pura e
simplesmente algo em nós que está completamente fora de contato
com o mundo dos objetos exteriores, estaríamos nos condenando
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Confissão
“Confessem seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para que sejam
curados”, disse Tiago em sua carta (5.16 NVT). A confissão a outros membros da
mesma fé é uma prescrição cristã desde o início da igreja. Com o tempo, isso se
tornou uma prática mais regulamentada: confessa-se ao padre. Confessa-se as fa-
lhas de caráter, as dificuldades em ser cristão, os desejos considerados impuros etc.
A ideia é que a igreja seja um ambiente acolhedor às dificuldades do fiel. O
padre, pastor ou cristão ouvinte se vê entre a linha tênue de acolher sem julgar e
relevar sem considerar a seriedade da questão.
O protestantismo sempre apoiou essa prática, mas os fiéis foram deixando
de cultivá-la uma vez que ela não era tão organizada institucionalmente. John
Wesley foi um dos que levou essa disciplina espiritual à sério em seus encontros.
Essa prática, quando olhamos a realidade da vida da igreja, deu margem
para muito abuso de autoridade, reforço de sentimento de culpa e frustrações,
principalmente quando a pessoa que escuta não apresenta uma maturidade ou
cuidado ao tratar as emoções alheias.
A confissão, assim como o serviço na comunidade de fé, muitas vezes está
entre ser uma prática forçada (eu tenho que me confessar) ou uma prática ne-
gligenciada (se eu não preciso, então eu não vou). Os dois casos são ruins, pois
nenhum deles manifesta a auto responsabilização do fiel (eu sei que preciso, por
isso vou, mesmo que ninguém mande).
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Celebração comunitária
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nome grego para igreja é “ekklesia” (se lê ‘eclecía’), um termo usado na juris-
prudência romana que significava “ajuntamento para fora”. A ekklesia era como
um fórum de cidadãos distintos de uma cidade, que se reuniam para deliberar
sobre assuntos públicos, assuntos da cidade, ou seja, assuntos que não eram so-
mente deles, mas eram tomadas para fora, para todos.
Essa ideia foi usada pelos cristãos para dizer que seu ajuntamento era um ajun-
tamento com um propósito de espalhar para fora o “evangelion” (se lê "evangue-
lion”, outro termo da jurisprudência romana, que significa “boas novas” ou seja,
contar as benfeitorias que o império romano estava fazendo na região).
Nouwen (2020, p. 37) diz que o caminho cristão une o caminho do místico e
o caminho do revolucionário, do isolado e do engajado. Eles são como faces da
mesma moeda, sozinhos, são infrutíferos:
“
Os místicos não podem impedir de se tornarem críticos sociais, já
que na autorreflexão encontrarão as raízes de uma sociedade doen-
te. Da mesma forma, os revolucionários não podem evitar encarar
sua própria condição humana, já que em meio à sua luta por um
mundo novo descobrirão que também estão combatendo seus pró-
prios medos reacionários e falsas ambições.
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“
Tanto místicos como revolucionários precisam se livrar de suas ne-
cessidades egoístas de uma existência segura e protegida e enfrentar
sem medo a condição miserável de si mesmos e de seu mundo. cer-
tamente não é surpresa que os grandes líderes revolucionários e os
grandes contemplativos se encontrem em sua preocupação comum
de libertar aqueles que vivem na idade moderna de sua paralisia
(NOUWEN, 2020, p. 37).
Aqui retomamos nossa ideia do tema que estudamos anteriormente, na qual a es-
piritualidade cristã é uma espiritualidade em missão. A igreja seria um QG (quartel
general). Assim como o imperador romano mandava um embaixador passar pelas
províncias conquistadas anunciando quais mudanças o império estaria implemen-
tando (evangelion), a igreja tinha seus embaixadores (os apóstolos, Paulo mesmo se
chama de embaixador), que iam às províncias conquistadas pelo pecado anuncian-
do as benfeitorias (as boas novas, o evangelho) de um novo Reino, o Reino de Deus.
E U IN D ICO
NOVOS DESAFIOS
Pessoas fazem sacrifícios pessoais para aquilo que ela considera importante na
sua jornada de vida. Nem sempre o que você está disposto a fazer sacrifícios para
alcançar faz parte da trajetória de outra pessoa.
Num ambiente de trabalho, por exemplo, é importante “pescar” quais são as
prioridades das outras pessoas. Isso evita que eu projete sobre ela a expectativa
de que ela se sacrifique da mesma forma, ou com a mesma intensidade que eu,
para exatamente as mesmas coisas.
Já é difícil vencer as batalhas pessoas e os sacrifícios pessoais que precisamos
fazer na vida, não é verdade? Seria ainda pior se uma outra pessoa estivesse ten-
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tando me fazer trilhar uma outra jornada que não é a minha. Eu não quero ser
essa pessoa na vida de ninguém (a pessoa que coloca fardos desnecessários na
caminhada alheia). Eu quero ser a pessoa que ajuda a pessoa na jornada que ela
se propôs, mesmo que eu não queira aquela jornada para a minha vida.
Sabe que, talvez, essa seja uma forma de praticar a disciplina espiritual do
serviço no seu ambiente de trabalho, familiar ou qualquer que seja. Vale o tro-
cadilho, quem ama, serve; que não ama, não serve.
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VAMOS PRATICAR
As coisas podem ficar um pouco confusas, porque os dois sentidos (culpa e alvo) fazem
parte do mundo da caminhada espiritual.
Disciplinas espirituais não falam de culpa, mas falam dos exercícios que eu me proponho
para amadurecer espiritualmente, são um meio de nos colocar diante de Deus para que
ele nos transforme. Assim, assinale a alternativa correta:
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e III, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
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VAMOS PRATICAR
A prece do coração é uma que não permite que limitemos nossa relação com o Pai a
palavras interessantes ou emoções piedosas. Existem três tipos de oração, três jeitos de
falar com Deus: pedir algo (para você ou por outros), agradecer por algo, falar frases de
amor e louvor a Deus.
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REFERÊNCIAS
BÍBLIA SAGRADA. Nova versão transformadora. São Paulo: Mundo Cristão, 2016.
FOSTER, R. Celebration of discipline: the path for spiritual growth. New York: HarperCollins,
1983.
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção C.
Disciplinas espirituais não falam de culpa, mas falam dos exercícios que eu me proponho
para amadurecer espiritualmente, são um meio de nos colocar diante de Deus para que
ele nos transforme.
2. Opção D.
3. Opção A.
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MEU ESPAÇO
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MEU ESPAÇO
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TEMA DE APRENDIZAGEM 7
ESPIRITUALIDADES COMPARADAS
MINHAS METAS
Analisar algumas das escolas de espiritualidade mais influentes da história cristã e suas
principais características.
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P L AY N O CO NHEC I M ENTO
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VAMOS RECORDAR?
Antes de iniciarmos a nossa jornada, vamos recordar que a espiritualidade cristã
nada mais é do que o caminho que o cristão realiza na sua busca em corresponder
à proposta divina de uma vida em comunhão com Ele. Assim, a espiritualidade, no
seu sentido estrito, tem como meta a comunhão com Deus. Porém, essa meta é ao
mesmo tempo um caminho de crescimento pessoal, pois, segundo a Revelação
Cristã, o desejo de Deus é que o ser humano se realize plenamente, em todas as
suas potencialidades. Trata-se, concretamente, de um viver no Espírito.
Caso você queira recordar ainda mais profundamente o que é a espiritualidade
cristã antes de prosseguirmos a nossa jornada, recomendamos a leitura do artigo
que se encontra no link a seguir: https://seer.uniacademia.edu.br/index.php/
RHEMA/article/view/2728. Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital
do ambiente virtual de aprendizagem.
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ZO O M N O CO NHEC I M ENTO
Koinonia é uma palavra grega que significa comunhão. Aplicada ao contexto cris-
tão, significa a comunhão dos cristãos em Cristo.
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A partir dessa lógica de uma vida espiritual vivida de modo comunitário, foram
surgindo, na Igreja cristã, ao longo dos tempos, caminhos espirituais diversos
que, por diferentes métodos, favoreceram e favorecem os cristãos e cristãs a tri-
lharem o caminho do seguimento de Jesus Cristo e, portanto, da comunhão com
Deus e com sua criação. Essa diversidade não é um problema, mas uma riqueza.
É nesse sentido que se pode falar em espiritualidades, no plural. Cada pes-
soa cristã pode se identificar com uma delas e se utilizar da mesma no seu ca-
minho de crescimento e de conformação da própria vida à vida de Cristo. Além
disso, essas diferentes escolas de espiritualidade surgem a partir de necessida-
des históricas e culturais.
O importante é que a diversidade de caminhos espirituais aponte sempre para
a unidade cristã, pois a vida espiritual é, em última análise, a vida no Espírito,
o mesmo Espírito Santo que animou a vida de Jesus de Nazaré e que no seio da
Trindade, é o vínculo de amor entre Pai e Filho. Assim, não se pode esquecer que
o coração de toda espiritualidade autêntica é o amor (CATÃO, 2009).
“
Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo (1Cor 12,4).
A fuga do mundo
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“alma” da Igreja, quem suscita, em cada época, novas formas de vivência do ca-
minho de seguimento de Jesus Cristo.
É o Espírito Santo, «alma» da Igreja, quem suscita, em cada época, novas formas de
vivência do caminho de seguimento de Jesus Cristo.
Descrição da Imagem: a imagem apresenta uma visão panorâmica interna de um mosteiro beneditino. Cercado
pela construção, ao centro, jardim interno. Ao fundo, vista panorâmica de parte da cidade e montanhas sob céu
azul. Fim da descrição.
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Ao falarmos das origens da vida monástica cristã, não podemos deixar de citar
a figura de Antão (ou Antônio Abade) que, segundo o teólogo presbiteriano
Ronaldo Cavalcante, “é considerado o pai dos eremitas” (CAVALCANTE, 2007,
p. 234). Este iniciou no Egito, no final do século III, um movimento de monges
anacoretas que floresceu e influenciou toda a vida monástica posterior.
ZO O M N O CO NHEC I M ENTO
Eremitas ou anacoretas (do grego anakhoretés, que significa “o que vive retirado”).
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1. LEITURA:
2. MEDITAÇÃO:
3. ORAÇÃO:
4. CONTEMPLAÇÃO:
ponto alto da Leitura, atingida por aqueles que se encontram mais treinados no método,
trata-se de um demorar-se silenciosamente na presença de Deus, experimentando a
sua ação amorosa.
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IN D ICAÇ ÃO DE LI V RO
Descrição da Imagem: a imagem apresenta a parte interna do mosteiro ecumênico de Taizé, na França. Ao centro,
monges com túnica branca caminhando para os seus locais de oração, ladeados por pessoas que assistem ao
serviço religioso. Ao fundo, o presbitério iluminado e enfeitado com bandeiras da cor laranja.
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Tratava-se, não apenas, de uma identificação racional, mas de uma relação que
mobilizava todas as suas energias humanas. Francisco passava horas diárias em
oração contemplativa e os escritos franciscanos relatam suas diversas experiên-
cias místicas. Dentre elas, talvez a mais radical tenha sido a estigmatização: con-
templando profundamente a paixão de Jesus Cristo e, desejando sentir no corpo
a mesma dor de amor que movera o crucificado, Francisco recebeu na própria
pele, milagrosamente, as cinco chagas que feriram a carne de Jesus durante a sua
crucificação. Era o ano de 1224, dois anos antes da sua morte.
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A P RO F UNDA NDO
Estigmas são as marcas das feridas no corpo de Jesus provocadas pelo suplício
da cruz. Ao longo da história, alguns místicos teriam se identificado de tal modo
com o Cristo que chegaram a receber, milagrosamente, em seus corpos, essas
mesmas marcas. Francisco de Assis teria sido o primeiro deles. Independente-
mente da interpretação que se possa a dar a esse fenômeno (científica, filosófica,
teológica), a estigmatização do místico representa a mais alta identificação com
o Cristo, que é um elemento fundamental da busca espiritual do seguimento de
Jesus: “já não sou eu quem vivo, mas é Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20).
Da narração feita até o presente momento, fica evidente que outra característica
da espiritualidade franciscana é o desprezo pela riqueza e a total identificação
com os pobres. Essa identificação se dá não só na caridade para com eles, mas na
identificação com uma vida pobre. Tal atitude produz, na pessoa, uma liberdade
interior que o faz desconsiderar aquilo que costuma ser fonte de preocupação
e interesse por parte da maioria das pessoas. Trata-se da atualização do próprio
estilo de vida de Jesus, em uma época em que os líderes religiosos se distinguiam,
em geral, por uma vida de abundância e riqueza.
A liberdade interior provocada pela pobreza voluntária era para Francisco e
seus seguidores fonte daquilo que se chama de perfeita alegria. Nasce, portan-
to, uma espiritualidade que é centrada não em um dolorismo mórbido, mas na
simplicidade que permite a real felicidade. Igualmente é uma espiritualidade da
valorização do mundo criado: a mesma comunhão que Francisco experimen-
tava com os pobres, experimentava também com o conjunto da criação divina.
Chamava a todas as criaturas de suas irmãs e contemplava a presença de Deus
nos elementos da natureza. Não é à toa que os atuais defensores da preservação
ambiental têm em Francisco uma fonte de inspiração.
O poder de atração de um segmento tão radical de Jesus Cristo, sobretudo
vindo de uma época em que o cristianismo se tornara, em seus aspectos exterio-
res, o oposto da vivência pobre e despojada do mestre de Nazaré, cruzou os sécu-
los e chegou até os dias de hoje. Além das ordens religiosas nascidas diretamente
daquele primeiro grupo fundado por Francisco, diversas outras comunidades,
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IN D ICAÇ ÃO DE FI LM E
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tempo, sobretudo aquelas que tinham se desviado do seu intento original. Assim,
a mensagem cristã é, antes de tudo, o evangelho da Graça e da Liberdade, pondo
no centro o ser humano e sua dignidade, verdade esta que está fundamentada
no amor de Deus pela humanidade, anunciado por Jesus com palavras e obras.
Porém, para que essa mesma mensagem perdurasse no tempo, as comunida-
des cristãs herdeiras do legado de Jesus precisaram se institucionalizar, sobre-
tudo à medida que a Igreja ia se expandindo. A questão é que as instituições
tendem a se conservar e até mesmo a se petrificar com o tempo, enquanto a
ação do Espírito Santo é dinâmica e abre novos caminhos a fim de que o Evan-
gelho permaneça sempre uma novidade para cada geração. É a famosa tensão
entre carisma e instituição, tão estudada por numerosos teólogos e pastores.
Se tal fato é verificável em diversos momentos da história, sem dúvida ele se tor-
nou explícito no agitado século XVI, período que dá início à Idade Moderna. É
no início dessa era que ocorre a chamada Reforma Protestante, que tem como
primeiro protagonista a figura do religioso agostiniano Martinho Lutero (1483-
1546). “Lutero era, em primeiro lugar, um místico” (MATTOS, 1997, p. 28). Toda
a revolução religiosa, política e social que se realiza no coração da Europa a partir
da publicação das suas famosas 95 teses contra as indulgências, se dá a partir dos
movimentos internos de sua alma angustiada. Por mais que praticasse exercícios
de piedade, conforme os costumes da época, o religioso não conseguia tranqui-
lizar a sua consciência diante da sua condição pecadora e temia constantemente
por sua salvação. A grande pergunta que movia a busca espiritual de Lutero era a
seguinte: como posso encontrar um Deus misericordioso? Tudo isso teve solução
quando ele fez uma profunda experiência mística ao meditar Rm 1,17: "o justo
viverá da fé" (Rm 1,17).
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Com isso, Lutero conclui que nenhum esforço humano é capaz de alcançar a
salvação: a salvação provém somente pela Graça de Deus. Essa graça atua
somente pela fé, dispensando as mediações humanas para o alcance do Divi-
no. A partir daí, questiona as diversas instâncias de mediação estabelecidas pela
Igreja de sua época para a relação do ser humano com Deus. Volta-se, como já
dito anteriormente, contra as indulgências, doutrina católica que era bastante
explorada a fim de levantar recursos, dentre outras coisas, para a reconstrução
da Basílica de São Pedro, em Roma.
A experiência da Graça se dá única e exclusivamente mediante às Sagra-
das Escrituras. Essas se tornam a única fonte da Revelação Divina. Com isso,
meditar a Palavra de Deus presente nas Escrituras converte-se no coração da
espiritualidade luterana. É por meio delas que se têm acesso ao Cristo, sem a
mediação institucional eclesial, muito menos da Virgem Maria e dos Santos, tão
valorizados na piedade popular católica.
A P RO F UNDA NDO
INDULGÊNCIAS
Segundo a teologia católica, o pecado cometido gera no pecador um vício, um
maior apego às realidades criadas, que mesmo depois de perdoado o pecado,
exige um processo de purificação. É a chamada “pena temporal” do pecado. Esse
processo de purificação pode se dar pelo exercício da virtude e da caridade, por
exemplo. Indulgências são exercícios que a Igreja Católica oferece ao fiel que, ao
fazê-lo, lhe permitem essa purificação. A Igreja de Roma entende ter autoridade
para prescrever as indulgências pela promessa feita por Jesus de que a Igreja teria
poder para “ligar e desligar” (Mt 16,19) e pelo fato de ser o corpo de cuja Cabeça é
Cristo (1Cor 12,12-30).
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pela leitura da Bíblia e pela oração. Mesmo os livros devocionais são, em geral,
coleções de textos bíblicos com breves explicações e preces referentes à leitura
feita” (GOFFY; SECONDIN, 1992, p. 107).
A ênfase no acesso direto do fiel à Sagrada Escritura favorece e estimula a
tradução da Bíblia para os diversos idiomas locais e estimula também a formação
de escolas para realizar o letramento da população. Outro aspecto da espiritua-
lidade luterana que teve grande impacto social foi a nova ênfase na liberdade do
indivíduo a partir do Evangelho. “Ela foi a matriz dos direitos humanos cons-
truídos sobre o fundamento da autonomia de cada indivíduo” (COMPARATO,
2006, p. 170).
Apesar da ênfase na salvação pela fé, ressaltando que as obras em nada po-
dem concorrer para a salvação humana, alguns autores ressaltam que tal fato
não significa que as boas obras estejam ausentes da espiritualidade evangélica. A
questão que se enfatiza é que a vida ética não é condição para receber a salvação,
mas sua consequência, pois o cristão, grato pela salvação recebida, pratica os
mandamentos e vive a caridade de Cristo.
Um aspecto contemporâneo da espiritualidade luterana torna possível res-
gatar a intuição mais genuína de Martinho Lutero. Desde que se fomentou, no
século XX, o chamado Movimento Ecumênico, com o objetivo de curar as
feridas das divisões entre os cristãos, aproximando-os e promovendo entre esses
a unidade, luteranos têm se engajado crescentemente neste movimento. Com
isso, atualiza-se a convicção de que o objetivo de Martinho Lutero “era reformar,
não dividir a Igreja” (PONTIFÍCIO, 2015, p. 22). Reforma constante e busca
da unidade cristã, convicções de Lutero, tornam-se elementos primordiais na
vida espiritual dos cristãos de todas as confissões e denominações nessa primeira
metade do século XXI.
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Descrição da Imagem: estátua de Martinho Lutero sobre um pedestal onde está escrito o seu nome, olhando
para o alto e com a Bíblia nas mãos. Ao fundo, parte da Igreja Luterana de Dresden, na Alemanha, sob o céu
completamente azul.
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cuperação dedicou-se à leitura de obras religiosas. Com isso, fez uma profunda
revisão da sua vida pregressa e sentiu um forte desejo de entregar-se a Jesus Cristo.
Consolado por essa experiência, resolve peregrinar em Jerusalém, onde passa um
bom tempo. Retornando a Europa, completa seus estudos na Universidade de Pa-
ris e, em 1534, reúne um grupo de companheiros com o objetivo de colocarem-se
a serviço da evangelização. Com a aprovação por parte da Igreja romana da nova
experiência religiosa, surge em 1540 a famosa Companhia de Jesus (jesuítas),
ordem missionária que se multiplicou, tornando-se um dos fatores decisivos para
a expansão da fé cristã nas terras distantes recém-descobertas pelos europeus.
Por ter dado início a uma obra missionária, a espiritualidade inaciana é mar-
cada pela chamada contemplação na ação. Uma das principais características
dessa mística é o discernimento dos espíritos, ou seja, o desenvolvimento da
capacidade de perceber a ação de Deus no cotidiano. O simpatizante desse modelo
espiritual entende que Deus está agindo o tempo todo, na vida, na história, nos
acontecimentos, e procura captar essa ação a fim de buscar tomar suas decisões
sempre pautado pela vontade de Deus. Para isso, lança mão de alguns recursos, tais
como a oração pessoal, o exame particular diário, pelo qual o cristão procura estar
atento aos sinais da presença de Deus no seu dia, bem como a prática do acom-
panhamento espiritual, por meio da qual a pessoa compartilha a sua vivência
espiritual com alguém mais experiente que o ajuda no processo de discernimento.
Um recurso fundamental dentro da mistica inaciana são os chamados exer-
cícios espirituais, um método de retiro feito de oração, meditação da vida de
Cristo e de silêncio, com o objetivo de levar o exercitante a confrontar a sua vida
com a vida de Cristo e assim conhecer-se melhor e conhecer o chamado de Deus
na própria vida. Os exercícios espirituais podem ser feitos em formato de retiro
fechado de oito ou trinta dias, adaptados para períodos menores, ou mesmo
realizados no cotidiano, em pequenas pausas diárias, para aqueles que não tem
a possibilidade de fazer a experiência de isolamento total. Em todo o mundo,
existem casas que oferecem os exercícios espirituais a quem desejar, bem como
grupos de cristãos e cristãs de diversas modalidades que se reúnem seguindo o
método inaciano de espiritualidade.
Como se pode perceber, o método espiritual inaciano possui em comum com
a proposta de Martinho Lutero um elemento bastante apreciado pela moderni-
dade: o respeito pela autonomia do indivíduo, que pode ter o seu contato direto
com Deus, sendo treinado para perceber as suas “moções” na própria vida. Outro
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aspecto a se ressaltar é que Inácio tinha grande preocupação com a adaptação dos
exercícios espirituais à realidade de cada pessoa. Para ele, Deus age na realidade
concreta e a adesão ao caminho de Jesus Cristo vai crescendo ao longo da vida. O
que se propõe é um processo progressivo de amadurecimento na vida cristã, que
nada mais é do que um processo de crescimento rumo à verdadeira liberdade.
Com isso, superam-se os extremos na vida cristã: “tanto a vertente rigorista
que defende uma submissão infantil diante da norma teórica ou de um pronuncia-
mento da autoridade, quanto a vertente laxista que erige o indivíduo como único
critério de seu agir” (MIRANDA, 2017, p. 183). A cada momento a pessoa é ins-
tada a discernir qual é o passo a mais que é possível dar no seu caminho espiritual,
sempre acompanhada por Deus que é misericórdia infinita e que sabe e conhece a
vida concreta da pessoa. Assim, a espiritualidade inaciana é um caminho, ou seja,
um processo que só se encerra com a morte.
Antes de encerrar, porém, é preciso lembrar que esse caminho de cres-
cimento espiritual pelo discernimento da vida à luz da experiência de Jesus
Cristo, por mais que seja pessoal, é sempre feito no
seio da comunidade de fé. O cristão é chamado a O cristão é
chamado a discernir
discernir também o seu papel enquanto missioná-
também o seu
rio, ou seja, enquanto propagador da experiência
papel enquanto
pessoal e transformadora de Jesus Cristo que ele missionário
mesmo foi levado a fazer.
O COMUM E O PARTICULAR
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U N I C ES U M A R
P E N SA N DO J UNTO S
Que características não podem faltar numa espiritualidade específica para que ela
seja considerada autenticamente cristã?
E M FO CO
NOVOS DESAFIOS
Um dos papéis do teológo pode ser o de um orientador espiritual, ou seja, o de
acompanhar pessoas de fé cristã no seu caminho de crescimento na vida espiri-
tual, o que comporta a ajuda para o discernimento do chamado divino em suas
vidas. Conhecer a diversidade de caminhos espirituais suscitados pelo Espírito
Santo na vida e na história da Igreja cristã pode ajudar o acompanhador espiritual
a apoiar os seus orientandos na identificação dos caminhos que lhes permitam
corresponder melhor ao chamado à santidade de vida. Que tal continuar pes-
quisando os caminhos espirituais que se desenvolveram nas diferentes Igrejas?
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VAMOS PRATICAR
Fonte: GRUN, A. No ritmo dos monges: convivência com o tempo, um bem valioso. São
Paulo: Paulinas, 2007.
A partir disso, percebemos que a sabedoria monástica propõe uma “administração espiritual
do tempo”. Isso significa que:
a) Devemos aprender técnicas para produzir mais em menos tempo, a fim de otimizar o
seu uso, por se tratar de um bem escasso.
b) Devemos fazer pausas durante a nossa rotina de trabalho e afazeres, para que o silêncio,
a meditação e a oração possam dar qualidade espiritual ao uso do tempo.
c) Precisamos encontrar tempo em meio aos afazeres para cumprir com as obrigações
religiosas.
d) Devemos viver o tempo sem preocupações, deixando que ele flua sem qualquer tipo
de pretensões.
e) Precisamos trabalhar exaustivamente durante o tempo da vida produtiva a fim de gozar
de uma aposentadoria confortável.
Diante do texto acima e tendo em vista tudo o que foi estudado até o momento, avalie as
seguintes afirmativas:
I - O monaquismo se desenvolve na Igreja quando o martírio se torna mais raro com o fim
das perseguições ao cristianismo.
II - O monaquismo surge como um contraponto ao enfraquecimento da vida espiritual a
partir da virada constantiniana.
III - Antes do desenvolvimento do monaquismo, a busca de uma intensa comunhão com
Deus não era uma preocupação dos cristãos.
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VAMOS PRATICAR
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
3. Quem não tem nada e nem quer ter, vai preocupar-se com o quê? O Irmão não tinha roupa,
comida, nem teto. Não tinha pai, mãe, irmãos. Não tinha prestígio, estima dos concidadãos,
amigos, vizinhança.
Francisco de Assis havia abraçado a “Senhora Pobreza”, como ele mesmo chamava. O ob-
jetivo dessa atitude era:
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REFERÊNCIAS
BÍBLIA de Jerusalém. Nova ed. rev. e ampl. 11. imp. São Paulo: Paulus, 2016.
CAVALCANTE, R. Espiritualidade cristã na história: das origens até Santo Agostinho. São Paulo:
Paulinas, 2007.
COMPARATO, F. Ética: direito, moral e religião no mundo contemporâneo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.
GOFFI, T.; SECONDIN, B. Problemas e perspectivas de espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1992.
PONTIFÍCIO Conselho Para a Promoção da Unidade dos Cristãos e Federação Luterana Mun-
dial. Do conflito à comunhão: comemoração conjunta católico-luterana da Reforma em 2017.
Brasília: Edições CNBB/Editora Sinodal. 2015.
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção B.
As pausas diárias realizadas pelos monges em meio à rotina de trabalho permitem a emergên-
cia da presença de Deus no cotidiano. As respostas A, C e E falam de uma vivência utilitária e
funcionalista do tempo. A resposta D trata o tempo de maneira displicente, desconsiderando
tratar-se de um bem valioso.
2. Opção C.
Não é correto afirmar que a busca da comunhão com Deus estivesse ausente antes do mo-
naquismo. Essa é uma característica de todas as correntes espirituais autênticas, inclusive
da espiritualidade do martírio.
3. Opção C.
Abraçar a pobreza significa não depender de mais nada para viver do que do amor de Deus,
abrindo espaço na vida para amar aqueles a quem ninguém ama.
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MEU ESPAÇO
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MEU ESPAÇO
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UNIDADE 5
TEMA DE APRENDIZAGEM 8
ESPIRITUALIDADE, ARTE E
CULTURA
MINHAS METAS
Reconhecer a cultura como traço característico da experiência humana.
Identificar a arte como uma das expressões privilegiadas da experiência cultural humana.
Visitar alguns exemplos de interação entre arte e espiritualidade ao longo da história da vida cristã.
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P L AY N O CO NHEC I M ENTO
Espiritualidade é relação. Relação com Deus e, através e por causa dele, consi-
go mesmo, com o próximo e com a Criação. A riqueza das relações humanas é
que elas são marcadas pela criatividade. Neste podcast, vamos ouvir um pouco
sobre a relação entre a criatividade e a espiritualidade. Recursos de mídia dis-
poníveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.
VAMOS RECORDAR?
Jesus comunicou a experiência divina de modo criativo. Para isso, usava uma
linguagem narrativa, cheia de imagens, que nós chamamos de parábolas. Por
isso, elas inspiraram inúmeras obras artísticas, de diversas modalidades. Ouça
e contemple no vídeo abaixo uma música inspirada na chamada Parábola do
Filho Pródigo ou do Pai Misericordioso (Lc 15,11-32), texto que revela como ne-
nhum outro a imagem de Deus que Jesus desejou transmitir, convidando a
humanidade a uma relação pessoal e próxima com a divindade. Recursos de
mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.
Cultura é um dos conceitos mais amplos e significativos para ajudar o ser hu-
mano a compreender a si mesmo. Muitos de nós associamos o termo cultura
à arte e ao conhecimento. Cultura envolve tudo isso e muito mais. Cultura é
tudo aquilo que é produzido pela criatividade humana. Até onde sabemos, só a
espécie humana é capaz de modificar a natureza, de produzir realidades novas a
partir do ambiente, de transformar o mundo natural em um ambiente humano.
Enquanto as outras espécies de seres vivos dão curso a sua existência a partir dos
seus instintos biológicos, o ser humano, embora tenha também a sua dimensão
biológica, possui como diferencial uma relação de abertura com o mundo, pau-
tada pela autoconsciência, pela imaginação e pela liberdade.
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“Os homens se recusaram a ser aquilo que, à semelhança dos animais, o passado
lhes propunha. Tornaram-se inventores de mundos. E plantaram jardins, fizeram
choupanas, casas e palácios, construíram tambores, flautas e harpas, fizeram
poemas, transformaram seus corpos, cobrindo-os de tintas, metais, marcas e te-
cidos, inventaram bandeiras, construíram altares, enterraram seus mortos e os
prepararam para viajar e, na sua ausência, entoaram lamentos pelos dias e pelas
noites” (ALVES, 2014, p. 19).
P E N SAN DO J UNTO S
Com base no conhecimento adquirido até o momento, é possível dizer que exis-
te ser humano sem cultura?
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Do ponto de vista das ciências da natureza e mesmo da maioria das ciências hu-
manas, essa “novidade” verificada na espécie humana é fruto do longo processo
evolutivo que permitiu a diversidade e a complexidade da vida na Terra. Biolo-
gicamente, cada indivíduo da espécie humana vem a este mundo frágil, indefe-
so, necessitando de muitos cuidados para sobreviver. Diferentemente de outros
animais que, logo após o nascimento, já alcançam sua autonomia, podendo se
alimentar e buscar a própria sobrevivência, o “animal humano” nasce imaturo,
demandando anos de atenção e cuidado até que se torne autônomo.
Segundo o historiador Harari, tal fato se dá porque o ser humano tomou a
posição ereta. Se por um lado, isso consistiu numa vantagem evolutiva, permi-
tindo liberar as mãos para alcançar mais alimentos e se defender de predadores,
por outro, exigiu o estreitamento do quadril, o que faz com que a criança deva
ser dada à luz ainda sem o crânio formado. Assim, o longo processo de formação
de uma pessoa fora do útero materno exige que o ser humano seja, mais do que
qualquer outro animal, um ser social: “é necessária uma tribo para criar um ser
humano” (HARARI, 2019, p. 18).
E o que foi capaz de motivar tantos seres humanos a trabalharem e viverem
juntos, criando seus filhotes humanos? O fato da nossa espécie possuir imaginação,
criar histórias compartilhadas que, assumidas e transmitidas por grupos bem maio-
res do que aqueles formados pelos bandos de outros primatas, favoreceram a espécie
homo sapiens a dominar o mundo, apesar da sua fragilidade biológica. Enfim, o
que permitiu o ser humano a assumir o topo da cadeia alimentar é a sua capacidade
única de não ser escravo da herança genética. A capacidade de criar cultura.
IN D ICAÇÃO DE LI V RO
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Descrição da Imagem: pintura que apresenta um ancião de barba e cabelos brancos, com o braço esquerdo sobre
os ombros de uma mulher, cercado de anjos e sob um grandioso manto. O braço direito está esticado em direção
a um jovem nu, com a ponta do dedo indicador muito próximo de tocar o mesmo dedo do jovem, só que do braço
esquerdo. Ambos - o ancião e o jovem - encontram-se recostados. Fim da descrição.
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A Cultura e o Trabalho
Descrição da Imagem: senhor idoso, branco, com barba grande, em vestes nobres, abraçando um jovem de
joelhos, maltrapilho. Em um ambiente de pouca luz, outro homem, de meia-idade, de pé, em vestes nobres como
o idoso, o observa lateralmente. A cena é observada ainda por dois outros homens ao fundo, quase encobertos
pela penumbra. Fim da descrição.
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AP RO F U N DA NDO
Embora o trabalho seja uma forma de colaborar com a obra criadora divina, ele
não esgota, porém, todo o significado da afirmação bíblica de que o ser humano
foi criado à imagem de Deus. O Criador é um “trabalhador” que cria o mundo
não como uma simples tarefa, mas para que este seja o lugar do encontro com
a criatura que ele escolheria para ser o seu especial interlocutor: o ser humano.
Por isso o relato bíblico que fala da criação do mundo fala também de um Deus
que descansa. O ser humano deve trabalhar, mas deve também descansar. Deve
amar à família, aos amigos, a Deus e até mesmo ao próximo desconhecido. Deve,
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A Cultura e a Arte
Toda a cultura produzida pelo ser humano é fruto da fantástica capacidade que
este tem de imaginação. Essa é outra palavra que, vista sob o preconceito cien-
tificista, pode ser associada à mentira ou à
alucinação. Quando alguém afirma que uma
coisa é imaginação da outra pessoa, normal-
mente, está querendo dizer que tal realida-
de só existe na cabeça dela. Porém, todas
as coisas que envolvem a cultura, existem
porque foram ou são imaginadas por seres
humanos. “Foi necessário que a imaginação
ficasse grávida para que a cultura nascesse”
(ALVES, 2014, p. 31). Assim, qualquer cria-
ção humana, antes de passar pela prancheta
do seu idealizador, passou pela sua cabeça.
Imaginar é uma capacidade humana incrível
sem a qual o ser humano não seria capaz de
criar tantos mundos diversos do mundo na-
tural que nos foi legado pela criação divina.
Figura 3 – Davi, de Michelangelo (1475-1564)
Fonte: https://encurtador.com.br/IMQU3. Acesso em: 28 set. 2023.
Descrição da Imagem: escultura de mármore na cor branca de um homem jovem, completamente nu, corpo
proporcional, cabelos encaracolados. Ao fundo, uma parede em formato de abóbada, com detalhes retangulares.
Fim da descrição.
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A P RO F UNDA NDO
Podemos afirmar sem medo que a arte é uma das atividades humanas em que a
capacidade criativa humana mais se apresenta. Talvez por isso o senso comum
tenda a reduzir o conceito de cultura ao conceito de arte. Se a arte não esgota a
cultura - como já vimos - sem dúvida ela é uma forma privilegiada de expressá-la,
bem como de eternizá-la. A cultura, como produção coletiva humana, se trans-
mite, sobretudo, pela educação. Porém, transmite-se também e, paralelamente,
pela arte. Por meio da música, da literatura, da pintura, da escultura e de tantas
expressões artísticas, é possível conhecer novas realidades, distantes no tempo
e no espaço. É possível também expressar e compreender melhor o espírito do
próprio tempo. É possível, ainda, ter um primeiro lampejo de experiência do
transcendente, pois por meio da estética e da inovação artísticas é possível in-
tuir a grandeza do espírito humano e a sua capacidade de continuar a criar e a
modificar o mundo.
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Vimos anteriormente que, do ponto de vista teológico, a cultura é uma das ex-
pressões da afirmação bíblica de que o ser humano foi criado à imagem e seme-
lhança de Deus. O texto bíblico diz que “Deus tomou o homem e o colocou no
jardim do Éden para o cultivar e guardar” (Gn 2,15). A palavra cultivar, presente
na Bíblia, está, justamente, na raiz da palavra cultura. Assim, toda vez que o ser
humano cultiva algo, desenvolvendo os bens presentes na criação, está realizando
a sua vocação divina.
Já que a arte é uma das expressões privilegiadas da produção cultural humana,
podemos intuir a possibilidade de encontrarmos profunda conexão entre esta e
a espiritualidade. É o que veremos a seguir.
“
Fui apenas um menino que brincava na praia e se divertia procurando
uma pedrinha lisa e uma conchinha mais bonita do que as outras, en-
quanto o oceano da verdade se estendia à minha frente, inexplorado.
A essa altura, juntamente com Newton e com tantos outros pesquisadores que
realizaram e realizam a sua investigação utilizando-se do método científico, mas
que ao mesmo tempo percebem que este não esgota o mistério do Universo,
podemos constatar que ao lado da linguagem conceitual que acompanha a pes-
quisa, existe outro tipo de linguagem que apela para outras faculdades humanas.
Esta não se limita a apelar para a razão, mas perscruta realidades que estão no
fundo da consciência humana e que nenhum conceito é capaz de descrever. Uma
linguagem feita de símbolos, O simbólico tem a capacidade de unir realidades
distantes por meio da linguagem do afeto, do sensível e do lúdico. O símbolo
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A palavra símbolo deriva do grego symbolón, cuja tradução remete a algo como
“lançar junto”. Assim, o símbolo é uma realidade palpável que, porém, remete ou
evoca algo distante, invisível ou de significado diferente daquele original da palavra
ou do objeto que o representa. O símbolo une aquilo que, sem ele, estaria separado.
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O impulso para expressar a fé por meio da arte pode ser verificado já no prin-
cípio do cristianismo, no período em que a religião nascente era ainda proibida
e perseguida pelo grande poder político da época, o Império Romano. Muitos
cristãos e cristãs eram presos e até mesmo mortos por causa da fé. Junto às ca-
tacumbas dos mártires, registram-se pinturas que representam a fé em Cristo
e na ressurreição dos mortos. As catacumbas presentes na cidade de Roma são
especialmente importantes por guardarem o testemunho da expressão da fé dos
seguidores e seguidoras de Jesus Cristo desse período anterior ao reconhecimen-
to oficial da religião cristã.
Um dos primeiros símbolos utilizados era o do peixe. Esse símbolo remetia
não apenas às refeições que Jesus fazia com seus discípulos, bem como com os
pecadores e excluídos da sociedade, mas também era um acrônimo, pois a pa-
lavra grega para “peixe” (Ichthus) poderia abrigar as iniciais da expressão “Iēsous
Christos Theou Uios Sōtēr”, ou seja, “Jesus o Messias, o Filho de Deus, Salvador”
(CEDILHO; SOUZA, 2013, p. 607). Assim, o símbolo poderia cumprir a função
de identificar os seguidores e seguidoras da nova religião sem chamar a atenção
das autoridades constituídas. Outros símbolos, como a cruz, por exemplo, em-
bora já utilizados nessa época, o eram de maneira bem mais discreta, justamente
por expressarem de maneira explícita a fé cristã.
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Acrônimo é uma sigla que pode ser lida como uma nova palavra. Exemplos:
UNESCO, SUDAM etc.
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A palavra cânon tem origem grega e quer dizer régua, ou em um sentido mais
largo, catálogo. Aplicado à Bíblia, significa a lista de livros catalogados como
inspirados por Deus e, portanto, aptos a servir como meio de ensino e aprofun-
damento da fé.
Uma das imagens difundidas nesse período da arte paleocristã (do antigo cris-
tianismo) é a imagem do Bom Pastor, que remete ao texto do evangelho de João,
capítulo 10. Representado junto ao túmulo dos cristãos e das cristãs e, espe-
cialmente, dos mártires, a imagem do Bom Pastor remetia à figura de Jesus que
carregava em seus ombros as almas dos mortos até ao paraíso destinado aos
que lhe eram fiéis. Assim, a iconografia era colocada a serviço do cultivo da fé
na ressurreição, tão importante em um momento no qual ser cristão ou cristã
comportava constante risco de vida. Ser mártir é dar testemunho de Jesus em
qualquer circunstância, confiando na promessa do Mestre de que “até mesmo os
vossos cabelos foram todos contados” (Mt 10,30). O Bom Pastor cuida dos seus,
mesmo em meio às perseguições do Império e ao medo constante de denúncias
e maus tratos por parte dos inimigos da fé emergente.
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Você já percebeu que boa parte das obras artísticas mais famosas da história
possuem inspiração cristã? Existe alguma pintura de temática cristã que você se
lembra que tenha deixado uma marca significativa em nossa cultura ocidental?
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Ainda no campo das artes plásticas, ou seja, daquelas que se realizam a partir da
manipulação de materiais, não podemos desprezar a arquitetura. Foram vários
os estilos artísticos surgidos a partir da interação entre a espiritualidade e a cons-
trução de templos cristãos. As comunidades cristãs
primitivas não possuíam templos. Elas se reuniam
As comunidades
na casa de seus membros mais eminentes. Com o cristãs primitivas
tempo, residências foram sendo adquiridas para o não possuíam
uso exclusivo do culto cristão. Com o crescimento da templos
Igreja a partir da sua oficialização, grandes constru-
ções foram feitas ou adaptadas para acolher a massa de convertidos à fé que foi
se tornando expressão de unidade do Império. De qualquer forma, na teologia
cristã, nunca se perdeu a compreensão de que a Igreja é a família dos filhos e
filhas de Deus e de que o templo é a casa onde se reúne a comunidade. Por isso, a
preocupação especial com a configuração dos templos para que eles expressem a
dignidade do culto e a ligação da pessoa de fé com Deus e com os irmãos e irmãs.
Como são muitos os estilos arquitetônicos ligados à espiritualidade, não te-
mos como apresentar todos eles nessa aula. Faremos a apresentação de apenas um
deles a título de exemplo. Um dos estilos que mais marcou a paisagem de nossas
cidades e o imaginário cristão é o estilo gótico. Podemos encontrá-lo tanto em
igrejas católicas quanto protestantes. Ele floresce durante a Baixa Idade Média
(séculos XI a XV),
tendo origem na
França, sendo por
isso, durante muito
tempo, conhecida
como “arte francesa”.
Desenvolve-se em
um período históri-
co-cultural onde a fé
cristã representava o
coração da vida e da
organização social
no Ocidente. Por
isso, nas cidades flo-
rescentes, era o estilo
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das suas catedrais, com suas marcas específicas que apontavam para essa centra-
lidade da fé, recordando que os cidadãos eram apenas peregrinos neste mundo,
tendo a sua pátria definitiva no céu. Por isso, o estilo arquitetônico era marcado
pelos arcos em formato ogival, sempre apontado para o alto; pela sensação de
leveza trazida pelas construções, em relação ao estilo arquitetônico até então
conhecido; pelos magníficos vitrais, que permitiam ao ambiente encher-se de
luz, o que também remete ao Divino.
Declinando a partir do Renascimento, o estilo renasce como neogótico no
século XIX, o que permite a sua observação em diversas construções existentes
em nossas terras. A imagem anteriormente exibida da chamada “Igreja de Pedra”,
na cidade de Canela (RS), é um dos exemplos mais marcantes, sendo parte do
patrimônio não só religioso como também artístico-cultural do nosso país.
Outro exemplo, dentre os nu-
merosos que podemos encontrar
por todo o território do Brasil, é o
da Igreja Luterana de São Paulo.
Inaugurada em 1909, a Igreja Mar-
tin Luther é uma referência arquite-
tônica e espiritual para o movimento
evangélico brasileiro. Em 2018, por
ocasião do incêndio e desabamento
de um edifício vizinho ao templo,
este foi seriamente danificado, o que
demandou uma grande obra de res-
tauração. Graças à união da comuni-
dade e a ajuda de diversos parceiros,
a igreja foi reaberta como local de
culto. O esforço pela reconstrução
do templo demonstra na prática o
quanto o espaço sagrado é impor-
tante para a comunidade de fé fazer
a sua experiência de encontro com
o Divino, além de ser local de forta-
lecimento das relações fraternais, de
memória e de identidade.
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Você já notou que a casa não é apenas abrigo, mas lugar de afeto e de me-
mória? Que o mesmo vale não apenas para a casa que abriga a família, mas
também para a casa da comunidade cristã que é a igreja? Você tem alguma
memória afetiva associada a algum templo religioso?
Partindo para outras expressões artísticas, não podemos nos esquecer de que a
música e a literatura têm sido, tradicionalmente, a forma pela qual os grandes
místicos acabam por expressar e comunicar a sua experiência do Divino. Por isso,
o místico, justamente por ser uma pessoa sensível, frequentemente é também
poeta ou compositor. A poesia e a música acompanham a história da experiência
judaico-cristã de Deus e de sua expressão. Basta pensarmos nos salmos presentes
no Antigo Testamento e que são musicados e cantados por gerações incontáveis
de cristãos e cristãs. Há também no Novo Testamento diversos hinos e fórmulas
litúrgicas que foram usados pelas primeiras comunidades.
Ainda nesse campo, podemos afirmar que o cristianismo produziu, na sua
bimilenar história, verdadeiras obras de arte que fazem parte do patrimônio não
só religioso, como também cultural de toda a humanidade. Como não pensar no
Cântico das Criaturas, de Francisco de Assis, no poema da Noite Escura da
Alma, de João da Cruz, ou ainda no poema Quem sou eu? do pastor Dietrich
Bonhoeffer, composto quando preso no campo de concentração nazista? Você
conhece esses textos? Que tal pesquisá-los? Conhe-
cer essas jóias da mística cristã, assim como outras, A arte é influenciada
nos permitirá ter um olhar crítico sobre a produção pelo contexto em
artística atual. Como já percebemos, a arte é influen- que ela é feita
ciada pelo contexto em que ela é feita.
E U IN D ICO
Vídeo com o poema “Quem sou eu?”, do teólogo e pastor Dietrich Bonhoeffer,
narrado pelo filósofo e teólogo Jonas Madureira. Recursos de mídia disponíveis
no conteúdo digital do ambiente virtual de aprendizagem.
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NOVOS DESAFIOS
Você deve ter percebido que, ao citarmos as produções artísticas concretas que
foram produzidas em nome da espiritualidade cristã, só pudemos nos referir a
algumas modalidades artísticas e, dentro delas, apenas a alguns parcos exemplos.
Uma visão completa da relação entre a fé e a história da arte ultrapassa e muito o
escopo deste nosso curso. O que fizemos aqui foi apenas uma introdução, para
que você possa apreciar a importância desse tema, aguçar a sua sensibilidade em
relação ao mesmo e para que você possa ter um conhecimento geral sobre ele.
Porém, sugiro que você não se sinta preocupado, mas sim desafiado. A formação
acadêmica não termina na graduação. Todavia, estudante, você poderá continuar
seus estudos e se especializar em arte sacra, música litúrgica ou religiosa, além
de poder aprofundar estudos literários, incluindo aqueles voltados para o apro-
fundamento das Sagradas Escrituras. O profissional dessa área poderá assessorar
comunidades de fé no uso da arte a serviço da espiritualidade e da evangelização,
garantindo que a arte sacra possa ter qualidade estética aliada à fidelidade na
transmissão do conteúdo de fé. Ao mesmo tempo, poderá assessorar entidades
que valorizam o patrimônio artístico-religioso, ajudando-as a perceber que tal
patrimônio possui valor não apenas histórico, mas também valor afetivo e es-
piritual para a comunidade que o produziu a partir da sua continuidade com a
tradição dos antepassados.
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VAMOS PRATICAR
1. Cultura é “o mundo construído e organizado pelo esforço humano” (RUBIO, 2001, s.p.).
2. “É necessária uma tribo para criar um ser humano” (HARARI, 2019, s.p.).
Fonte: HARARI, Y. Sapiens: uma breve história da humanidade. 42. ed. Porto Alegre:
L&PM, 2019. p. 18.
Diante do texto acima e tendo em vista tudo o que foi estudado até o momento, avalie
as seguintes afirmativas:
I - O ser humano, por ser o mais evoluído de todos os seres vivos, já nasce com a capa-
cidade de sobreviver de maneira autônoma e independente.
II - O ser humano, do ponto de vista físico, é frágil e, portanto, só sobrevive ao nascer se
for cuidado por outras pessoas durante longo tempo, até atingir a maturidade.
III - O instinto não é suficiente para garantir o pleno desenvolvimento do ser humano: ele
precisa também ser inserido na cultura da comunidade.
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
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VAMOS PRATICAR
3. Quem não tem nada e nem quer ter, vai preocupar-se com o quê? O Irmão não tinha
roupa, comida, nem teto. Não tinha pai, mãe, irmãos. Não tinha prestígio, estima dos
concidadãos, amigos, vizinhança.
O trabalho humano será considerado como o meio para o ser humano realizar-se como
humano. Sobre isso, assinale a alternativa correta:
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REFERÊNCIAS
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção C.
2. Opção D.
O ser humano nasce imaturo biologicamente, daí a necessidade, tanto do apoio da co-
munidade quanto da inserção em sua cultura. O ser humano é um ser social.
3. Opção B.
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MEU ESPAÇO
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MEU ESPAÇO
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TEMA DE APRENDIZAGEM 9
EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS
DE ESPIRITUALIDADE CRISTÃ
MINHAS METAS
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VAMOS RECORDAR?
Antes de prosseguirmos, vamos relembrar o quanto a ciência tem redescoberto
a espiritualidade como recurso aliado da razão para produzir saúde e bem-es-
tar. Para isso, separamos um artigo – Posicionamento da associação mundial
de psiquiatria sobre espiritualidade e religiosidade em saúde – que demons-
tra como a psiquiatria, área tão sensível e importante, tem olhado de manei-
ra positiva para as reflexões interdisciplinares sobre saúde e espiritualidade.
Recursos de mídia disponíveis no conteúdo digital do ambiente virtual de
aprendizagem.
ESPIRITUALIDADE E CONTEMPORANEIDADE
Alguns autores falam hoje de uma certa “volta do sagrado”, com inúmeras ex-
pressões religiosas novas surgindo na sociedade a todo instante. Tal novidade
dar-se-ia por causa da insatisfação com as promessas não cumpridas pela mo-
dernidade: a filosofia moderna defendeu que, pelo uso da razão e pelo avanço
da ciência, todos os problemas humanos seriam resolvidos. Tal promessa não
se cumpriu e, embora tenhamos avançado em muitas questões, tantas outras
surgiram ou ficaram sem resposta. Do ponto de vista teológico, porém, pode-
mos dizer que a resistência do fenômeno religioso se dá não apenas por motivos
sociológicos. Para a fé cristã, essa resistência no ser humano se dá pelo “fato de
ter sido criado por Deus e chamado a uma comunhão de intimidade com Ele”
(LIBÂNIO, 2011, p. 79).
Vejamos um pouco melhor essa questão antes de abordarmos de modo mais
detalhado algumas das correntes de espiritualidade que têm encontrado espaço
no seio do cristianismo atual.
De fato, tem início no século XVI, na Europa, um movimento filosófico que
vai defendendo progressivamente a autonomia do ser humano frente a quais-
quer autoridades e condicionamentos externos, quer da religião, quer da pró-
pria natureza. Expressão típica desse movimento é o axioma “penso, logo existo”
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(DESCARTES, 2000, p. 41) do filósofo francês René Descartes, que figura como
parte de uma linha de raciocínio que coloca na razão a essência da dignidade do
ser humano e seu princípio de autonomia. Assim, inicia-se toda uma linha de
pensamento que vai dominando crescentemente a cultura ocidental, por meio
da qual tudo aquilo que não é estritamente racional (incluindo a espiritualidade,
com sua crença em entidades, realidades e manifestações sobrenaturais) deve
ser visto com desconfiança por ser de existência duvidosa. Trata-se de “uma ra-
cionalidade técnica que declara a priori que todos os princípios que não podem
se autossustentar racionalmente não têm sentido” (RAHNER, 1992, p. 365). Tal
fato levou, inclusive, a sociologia da religião a se compreender, em um primeiro
momento, como a sociologia do declínio da religião: “para atestar a legitimidade
científica de seu interesse pela religião, os pesquisadores eram obrigados, de certo
modo, a confirmar seu desaparecimento” (HERVIEU-LÉGER, 2015, p. 20).
Porém, as últimas décadas têm
contrariado essa compreensão a olhos
vistos. Pelas cidades, pululam templos
de todas as naturezas e novas formas
de espiritualidade vão se configurando.
Com isso as próprias ciências humanas
revisam o seu posicionamento inicial e
refazem suas teorias. No mundo mo-
derno e urbano, mais do que desapare-
cer, a dimensão espiritual se transforma. Antes considerado elemento da tradição
cultural, agora o ato de crer se torna objeto de opção pessoal, flexível e mutável,
o que o mostra bem afinado com a valorização da autonomia individual, traço
cultural marcante da cultura contemporânea.
“
Cada um assume a responsabilidade pessoal de dar forma e referência
à linhagem com a qual se identifica (HERVIEU-LÉGER, 2015, p. 89).
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Espiritualidades pentecostais/carismáticas
Sem dúvida, um dos fenômenos mais notáveis dos últimos 120 anos em termos
de religião e espiritualidade, em todo o mundo, é o surgimento do movimento
pentecostal. A partir do seu discreto surgimento, no início do século XX, trans-
formou-se rapidamente num movimento de crescimento avassalador, a ponto de,
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caíra em descrédito junto à comunidade cristã por suas ligações com movimentos
racistas, além de outras acusações de ordem moral, a rua Azusa acabou ficando
conhecida como o marco fundador do pentecostalismo mundial.
Alguns aspectos devem ser notados. Embora a rua Azusa seja o marco sim-
bólico do movimento pentecostal, relatos
de surgimento de comunidades pentecos-
tais pelo mundo, simultaneamente, são fre-
quentes. Isso permite aos adeptos dessa es-
piritualidade defender o fato de que se trata,
não de um simples fenômeno sociológico,
mas de uma verdadeira manifestação do
Espírito. De fato, o pentecostalismo surge
como reação ao formalismo e racionalismo
das igrejas cristãs históricas. Ainda segundo
o teólogo Anderson (2019), manifestações
extraordinárias pentecostais faziam parte
Figura 1 - William Seymour, pastor, persona-
da vida cristã ordinária, nos primeiros sé-
gem fundamental na origem do movimento culos, mas foram desaparecendo ao longo
pentecostal / Fonte: https://commons.m.wiki-
media.org/wiki/File:William_J._Seymour_(cro- da história como forma de defender a Igreja
pped).jpg. Acesso em: 14 set. 2023. das múltiplas heresias, com as quais, muitas
Descrição da Imagem: foto em preto e
vezes, eram confundidas. Ainda segundo
branco, homem negro, meia idade, barba gri- ele, o catolicismo ainda aceitava manifes-
salha, terno e sapatos pretos, colete e cami-
sa brancas, gravata borboleta e segurando a
tações místicas esporádicas e esparsas, mas
Bíblia com a mão direita na altura do peito. as igrejas oriundas da Reforma nem isso:
“Martinho Lutero (1483-1546) disse que as
línguas foram dadas como um sinal para os judeus e cessaram, e que os cristãos
não precisavam mais de milagres” (ANDERSON, 2019, p. 35).
Some-se a isso o fato de que o movimento pentecostal tenha surgido entre
pessoas periféricas sob o peso da segregação e se percebe a importância histó-
rica desse fenômeno no cristianismo mundial. De fato, uma característica do
movimento pentecostal é a sua adaptabilidade aos diversos contextos culturais,
naquilo que teologicamente costuma-se chamar de inculturação da fé.
Normalmente, o movimento pentecostal, tão diverso e fragmentado, é classi-
ficado em ondas, tanto no Brasil quanto no exterior. A primeira onda seria essa
surgida na primeira década do século XX, caracterizada pela ênfase no dom de
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e o Mal, Deus e o Diabo, e que a pessoa deve tomar partido nessa luta a favor
de Deus, participando da Igreja. A Teologia da Prosperidade, consequência da
primeira, indica que aquele que é fiel a Deus e fica ao seu lado na luta, recebe
não só a vida eterna, como também a bênção da prosperidade material nessa
vida, já que é Filho de Deus. Um sinal da fidelidade a Deus é a fidelidade ao dí-
zimo, que faz com que os bens da pessoa fiquem protegidos do devorador por
excelência, que é o Diabo. Portanto, na luta, “o modo de se colocar do lado de
Deus é proclamar a Palavra da Fé, tornar-se Seu sócio, renunciando a Satanás e
entregando através da Igreja parte dos seus bens a Deus” (ANDRADE, 2021, p.
158). O parentesco dessas teologias com a ideia de mérito, tão cara ao sistema
econômico atual, através da qual cada um recebe o fruto do seu esforço indivi-
dual, para além de outros fatores, explica, em parte, a atual popularidade dessa
vertente da espiritualidade pentecostal.
Para além das diversas ondas do pentecostalismo, podemos analisar e avaliar os
traços em comum dessa proposta espiritual. Sem dúvida, ela recupera um elemento
fundamental da experiência cristã que é a relação pessoal e espontânea com Deus,
em Jesus Cristo. A longa história das denominações cristãs tradicionais, além da
aliança que algumas delas fizeram com o poder político, acabou por acarretar um
certo formalismo. Muitos dos seus membros o são mais por tradição cultural do
que por opção pessoal. Pentecostais lembram a todos os cristãos e a todas as cristãs
que é preciso “nascer de alto” (Jo 3,3). Assim, mesmo aqueles e aquelas que sejam
cristãos ou cristãs por terem sido educados em um lar religioso, em algum momen-
to da vida precisam tomar uma decisão pessoal pela fé, decisão essa que passa por
um relacionamento íntimo, afetivo e de confiança com a pessoa de Jesus Cristo.
Outro aspecto da espiritualidade pentecostal que não pode ser desprezado é o
fato de empoderar o cristão e a cristã comuns, os que são chamados na linguagem
técnica da teologia de leigos e leigas. As igrejas pentecostais e os movimentos
carismáticos das igrejas tradicionais, embora respeitem bastante a figura dos lí-
deres religiosos - pastores e padres - reconhecem que cada homem ou mulher de
fé possui o dom do Espírito e, portanto, é um missionário. Assim, podem tomar
a palavra no culto (ou no grupo de oração, no caso dos católicos carismáticos),
além de poderem exercer ministérios e testemunhar o Evangelho na própria
vida, no seu cotidiano. Trata-se de um elemento pentecostal autêntico, ou seja,
um elemento que a teologia pode discernir como verdadeiro dom do Espírito,
pois pelo Batismo cada fiel é parte ativa do Povo de Deus e não mero espectador.
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Alguns aspectos que possam ser olhados com atenção em relação ao movimento
pentecostal discorreremos a seguir. Em primeiro lugar, a crença na intervenção
direta do Espírito Santo pode levar alguns de seus membros a ter uma visão má-
gica da vida e, portanto, desprezar os instrumentos ordinários de transformação
da realidade para que esta se aproxime do projeto de Deus. Assim, sem discutir a
pertinência da crença no milagre, não podemos descuidar do fato de que o Espí-
rito Santo age também através da sabedoria humana, como da pesquisa científica
que se transforma em conhecimento médico ou da luta social que pode servir
para construir realidades mais justas. Nesse sentido, é de extrema esperança para
pensar a contribuição que o movimento pentecostal pode oferecer ao conjunto
da fé e ao bem-estar social, o fato de que há um número crescente de pentecos-
tais se interessando por estudar teologia. Superando-se um certo preconceito
inicial do movimento pentecostal com a teologia, justamente pelo medo de que
uma reflexão racional da fé pudesse levar ao formalismo tão criticado das igrejas
tradicionais, o teólogo pentecostal vai percebendo que é possível aliar o fervor
carismático aos critérios de discernimento que o método teológico oferece, evi-
tando assim extremismos desnecessários.
Espiritualidades sociotransformadoras
Vamos tratar agora de uma corrente espiritual bastante diversa daquela tratada
anteriormente, mas que tem, igualmente, bastante impacto na vivência cristã
das últimas décadas. Para compreendê-la, precisamos abordar um pouco da es-
trutura social recente do nosso país. O processo de industrialização do Brasil,
iniciado nos anos 1930 e acelerado a partir de meados do século XX, fez surgir
a esperança de que o país pudesse atingir o desenvolvimento dos países mais
ricos. É a mentalidade do progresso, tão própria da cultura moderna, que come-
ça a tomar conta da nação, especialmente das classes urbanas. A superação do
subdesenvolvimento, por essa visão, seria uma questão de tempo: integrando-se
à economia capitalista mundial, naturalmente o país iria superar o seu atraso.
Desenvolve-se a seguinte esperança: “vamos desenvolver em poucos anos aquilo
que os países mais adiantados levaram muitas décadas para resolver” (RUBIO,
2001, p. 56). Tal visão não se fez ausente em outros países da América Latina.
Porém, ainda nos anos 1950, uma certa vertente de intelectuais elabora outra
leitura da realidade. Eles defendem que, na verdade, os países periféricos faziam
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IN D ICAÇ ÃO DE FI LM E
Batismo de Sangue
O filme mostra o envolvimento de um grupo de frades domi-
nicanos que desenvolve relações diretas com grupos organi-
zados que combatiam a ditadura militar. É um dos inúmeros
registros da participação de lideranças cristãs na história po-
lítica recente do Brasil, a partir de uma motivação de fé.
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ZO O M N O CO NHEC I M ENTO
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Espiritualidades desinstitucionalizadas
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A vitalidade do capitalismo reforçou o surto religioso. Nada melhor
do que uma religião que cumpra um duplo papel: anestesia qual-
quer crítica social e abre enorme espaço comercial, fazendo circular
milhões de dólares (LIBANIO, 2011, p. 80).
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A reflexão que fazemos não visa negar o diálogo com a sensibilidade atual e com
os elementos culturais que marcam a mentalidade hodierna. Trata-se de discernir
o que, de fato, pode ser expressão autêntica do Evangelho e o que é mera cessão
ao “espírito do tempo”. É o teólogo o profissional que tem as condições de ajudar
as igrejas a fazer esse discernimento.
Mais uma vez evocamos o exemplo de Paulo: diante do areópago de Atenas,
ele se dispõe a dialogar de coração com as pessoas que tem sede de transcendên-
cia, em espírito de acolhimento e abertura, mas, ao mesmo tempo, sem perder o
senso crítico do que é o essencial da fé (At 17, 15-34).
Espiritualidades “ fundamentalistas”
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Espiritualidades integradadoras
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Inteligência Espiritual
Depois de descobrir, nos últimos anos do século passado,
que a inteligência envolve não apenas a cognição, mas tam-
bém a emoção, agora, a ciência faz as pazes também com a
espiritualidade. Danah Zohar e Ian Marshall nos apresenta a
ideia de que a busca de um propósito de vida mais profundo,
bem como senso de colaboração para com a coletividade,
deve fazer parte do coeficiente de inteligência. Um belo exer-
cício de diálogo entre as diversas áreas do saber humano.
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NOVOS DESAFIOS
Vimos que as espiritualidades contemporâneas, se de fato, são expressões do dom
do Espírito Santo à humanidade no tempo presente, não podem ser individua-
listas e devem estar abertas a produzir frutos comunitários e sociais. Teólogos e
teólogas poderão se aproximar dessas espiritualidades, sem preconceitos, mas ao
mesmo tempo com saudável atitude crítica, a fim de ajudá-las a discernir o que
realmente é fruto do Espírito para os nossos dias e o que são apenas modismos,
ou mesmos experiências manipuladoras que visam atrair público sem a preocu-
pação com a autenticidade da vida cristã. Um teólogo que seja, ao mesmo tempo,
um místico, tem recursos para colaborar no aprofundamento e amadurecimento
da fé de pessoas e comunidades e possui uma grande contribuição a oferecer.
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VAMOS PRATICAR
2. O surto religioso está aí. Complexo, multicolorido: como entender o atual fenômeno
religioso? Como nos posicionar diante dele a partir da fé cristã?
I - O ser humano foi criado por Deus e por isso é constantemente atraído para Ele.
II - As ciências sociais sempre erram quando se dispõem a analisar o fenômeno religioso.
III - Na relação entre fé e razão, a fé finalmente provou ser superior e saiu vencedora
na disputa.
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
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VAMOS PRATICAR
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REFERÊNCIAS
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CONFIRA SUAS RESPOSTAS
1. Opção B.
2. Opção A.
3. Opção D.
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MEU ESPAÇO
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MEU ESPAÇO
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