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MEIOS DE

OBTENÇÃO
E PRODUÇÃO DE
PROVAS

ISABEL SOARES DA CONCEIÇÃO

ACESSE AQUI ESTE


MATERIAL DIGITAL!
EXPEDIENTE

Coordenador(a) de Conteúdo Revisão Textual


Gerson Faustino Rosa Erica Fernanda Ortega
Projeto Gráfico e Capa Fotos
Arthur Cantareli Silva Shutterstock e Envato

FICHA CATALOGRÁFICA

C397 Centro Universitário Leonardo da Vinci.


Núcleo de Educação a Distância. CONCEIÇÃO, Isabel Soares da.
Meios de Obtenção e Produção de Provas/ Isabel Soares da
Conceição. - Florianópolis, SC: Arqué, 2023.

220 p.

ISBN papel 978-65-6083-382-1


ISBN digital 978-65-6083-383-8

1. Meios de Obtenção 2. Produção de Provas 3. EaD. I. Título.

CDD - 340

Bibliotecária: Leila Regina do Nascimento - CRB- 9/1722.

Ficha catalográfica elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Impresso por:
16793
RECURSOS DE IMERSÃO

P E N SA N D O JU NTO S APROFU NDANDO

Este item corresponde a uma proposta Utilizado para temas, assuntos ou con-
de reflexão que pode ser apresentada por ceitos avançados, levando ao aprofun-
meio de uma frase, um trecho breve ou damento do que está sendo trabalhado
uma pergunta. naquele momento do texto.

ZOOM NO CONHECIMENTO

PRODUTOS AUDIOVISUAIS Utilizado para desmistificar pontos


Os elementos abaixo possuem recursos que possam gerar confusão sobre o
audiovisuais. Recursos de mídia dispo- tema. Após o texto trazer a explicação,
níveis no conteúdo digital do ambiente essa interlocução pode trazer pontos
virtual de aprendizagem.
adicionais que contribuam para que
o estudante não fique com dúvidas
sobre o tema.

P L AY N O CO NH E C I M E NTO

Professores especialistas e con-


INDICAÇÃO DE FIL ME
vidados, ampliando as discus-
sões sobre os temas por meio de
Uma dose extra de
fantásticos podcasts.
conhecimento é sempre
bem-vinda. Aqui você
terá indicações de filmes
E U I ND I CO
que se conectam com o
Utilizado para agregar um con- tema do conteúdo.
teúdo externo.

INDICAÇÃO DE L IVRO
E M FO CO

Utilizado para aprofundar o Uma dose extra de

conhecimento em conteúdos conhecimento é sempre

relevantes utilizando uma lingua- bem-vinda. Aqui você

gem audiovisual. terá indicações de livros


que agregarão muito na
sua vida profissional.

4
SUMÁRIO

7UNIDADE 1

A PROVA NA TEORIA GERAL DO PROCESSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

DISTINÇÃO QUANTO ÀS PROVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

CLASSIFICAÇÃO E ESPÉCIES DE PROVAS NO PROCESSO PENAL . . . . . . . . . . . . . 52

83UNIDADE 2

PROVAS NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

A CADEIA DE CUSTÓDIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

PRINCÍPIOS DA PROVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

135
UNIDADE 3

SISTEMA DE VALORAÇÃO PROBATÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136

SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO E O SISTEMA DA ÍNTIMA CONVICÇÃO . . . . 152

PASSO A PASSO PARA CHEGAR À VERDADE NA PERSECUÇÃO PENAL . . . . . . . . . 176

5
UNIDADE 1
TEMA DE APRENDIZAGEM 1

A PROVA NA TEORIA
GERAL DO PROCESSO

MINHAS METAS

Analisar cada um desses assuntos relacionados ao Meio de produção de prova

Estudar a diferença entre fato, vestígio e prova

Entender quais são os momentos processuais probatórios

Compreender a diferença entre meios de produção de prova e meios de obtenção


de prova

Aprofundar sobre o tema das provas no Processo Penal

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U N I AS S E LVI

INICIE SUA JORNADA


Imagine a seguinte situação: certo dia, Tício estava no Instagram e viu a notícia de
que João, um ator famoso, havia praticado um crime de homicídio. Curioso, Tício
pesquisou sobre esta notícia para entender melhor os fatos. Em uma página da
internet, encontrou alguns detalhes. A página explicava que, após as autoridades
policiais investigarem o caso, a conclusão foi a de que havia provas de que João
praticou o homicídio, ou seja, havia provas de que João matou alguém. Esta infor-
mação de que João teria praticado o crime de homicídio chegou ao conhecimento
do Ministério Público. Por entender presentes provas quanto ao crime e indícios de
que João, realmente, havia sido o autor de tal crime, o Ministério Público denunciou
João. Por causa dessa denúncia, o caso de João, agora, está sendo analisado em juízo
e, em breve, será julgado pelo juiz competente. Espantado e, cada vez mais, curioso,
Tício continuou suas pesquisas na internet e encontrou uma entrevista na qual João
insistia dizendo não ter praticado nenhum crime e que seu advogado provaria isso
na Justiça. Tício admira muito o trabalho de João como ator. Com seu coração de
fã, acredita que João não praticou o crime de homicídio e tem dúvidas sobre como
o caso de João foi investigado. Tício acredita que não foram apresentadas provas
suficientes quanto ao homicídio supostamente cometido por João.
Dúvidas como as de Tício são muito comuns quando ficamos sabendo que
algum crime aconteceu. E você? Já teve dúvidas assim? Já se perguntou o que são
provas e qual a importância delas? Aliás, quando acontece um crime, você sabe o
que deve ser feito para que provas sejam produzidas?
Caro(a) aluno(a), acredito que você já deve ter tido a mesma curiosidade de
Tício ao ficar sabendo sobre a prática de alguns crimes. Na realidade, esse questio-
namento é simples. Sempre que alguém é acusado de ter praticado um crime, para
que o Estado faça algo, é necessário que haja provas da materialidade e indícios da
autoria. Quando digo que é necessário prova da materialidade, estou falando que é
preciso verificar se o crime, realmente, aconteceu e, ao dizer que é necessário indício
de autoria, estou falando que é preciso verificar quem foi a pessoa que o praticou.
Em outras palavras, há um jeito certo para que as situações envolvendo crimes e os
elementos coletados em uma cena de crime sejam analisados. Para começo de con-
versa, isso é assunto estudado dentro do Direito Processual Penal, especificamente
no tema dos Meios de Produção de Provas. A nossa missão, é estudarmos alguns
aspectos sobre os Meios de Produção de Prova, especificamente, conceito, objetivo,

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 1

natureza jurídica, distinções e finalidade da instrução probatória; fato, vestígio e


prova; momentos processuais probatórios; objeto, fontes, elementos e meios de
prova; e meios de produção e obtenção de prova. Vamos juntos, então, descobrir
mais sobre o jeito certo de serem produzidas provas dentro do Processo Penal!

DESENVOLVA SEU POTENCIAL


Caro(a) aluno(a), até aqui, já falamos bastante sobre provas. Você, inclusive, já
pesquisou exemplos concretos sobre isso e sabe que a prova precisa existir na per-
secução penal, ou seja, precisa existir na investigação e no processo penal. A partir
de agora, estudaremos como a prova acontece na investigação e no andamento do
processo penal. Nosso ponto de partida, para isso, começa no estudo sobre a prova
na teoria geral do processo. A teoria geral do processo é que tornará possível que
você compreenda os assuntos mais importantes do processo.
Quando falamos em teoria geral do processo, estamos falando de algo geral,
algo que é aplicado ao processo penal, ao processo civil e ao processo do traba-
lho, por exemplo. Aqui, na nossa conversa, não trataremos de tudo o que há na
teoria geral do processo. Estudaremos apenas aqueles temas do processo que são
aplicáveis ao âmbito penal; dentre esses assuntos importantes da teoria geral do
processo, está o assunto das provas. Quando iniciei meu curso de graduação, em
quase toda aula, os professores começavam as conversas explicando que o Direito
existe para trazer regras para a sociedade e, assim, criar um ambiente onde essas
regras obriguem que todos se respeitem mutuamente. Não me esqueço disso e
aproveito para compartilhar esse ensinamento com você! É exatamente assim, o
Direito, realmente, traz regras para a vida em sociedade!

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U N I AS S E LVI

Estou contando isso a você pelo seguinte: pense na investigação criminal, sem-
pre que acontece um crime, o Direito traz alguma consequência. Imagine o caso
do João, que conversamos no início. Se João ou qualquer outra pessoa praticar
um homicídio, terá praticado, na verdade, um crime. Este é algo que o Direito
não quer que aconteça, mas, caso ocorra, há punições a serem aplicadas, as
chamadas sanções.
O crime, em si, é assunto estudado dentro do Direito Penal. A maioria dos autores
que escrevem sobre este assunto define o crime como um fato típico, ilícito e culpável.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Mas como identificar esses fatos?

Por meio das condutas humanas. Estas podem acontecer pela ação ou pela omissão
dos seres humanos. Por exemplo, se João mata José utilizando, para isso, uma arma
de fogo, ele pratica uma conduta comissiva (conduta comissiva é o nome que damos
à conduta que surge a partir da ação de alguém). Por outro lado, se João, numa
situação em que podia e devia socorrer um filho, deixa de prestar esse socorro e,
por isso, seu filho vai a óbito, terá praticado uma conduta omissiva (sendo este o
nome que damos à conduta que surge a partir da omissão de alguém).

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 1

Nos dois exemplos, temos uma conduta que será apresentada a um juiz para
que ele decida qual a consequência aplicável, ou seja, qual a sentença apli-
cável ao fato praticado por João. A partir da teoria geral do processo, é que
conseguimos compreender, em detalhes, a importância das provas quando
algum fato criminoso acontece. Por causa da teoria geral do processo, alguns
direitos são reconhecidos àqueles que são investigados ou processados pela
prática de algum fato criminoso. Por exemplo, em todo o processo penal,
serão assegurados às partes o contraditório, a ampla defesa e os meios ine-
rentes à ampla defesa, conforme você pode confirmar ao abrir a Constituição
Federal, no Artigo 5º, inciso LV (BRASIL, 1988). A Constituição confere
esses direitos e, na teoria geral do processo, encontramos explicações sobre
esses princípios.
Atenção! Quando acontece um crime, as afirmações apresentadas por
uma ou outra parte podem ser verdadeiras, ou não. As provas são necessá-
rias para que seja possível identificar o que é verdadeiro dentro do processo
(ARAÚJO; GRINOVER; DINAMARCO, 2009). Identificada a verdade, caso
a caso, é que o juiz terá condições de apresentar sua decisão. Portanto, terá
condições de proferir a sentença. O processo torna possível uma recons-
trução dos fatos, com a finalidade de demonstrar a verdade desses fatos,
e, assim, coopera com a formação do convencimento do juiz (TÁVORA;
ASSUMPÇÃO, 2012).

As provas permitem entender, em detalhes, o que aconteceu e como aconteceu.


A partir disso, é possível concluir detalhes sobre o fato criminoso. Por isso, as
provas são importantes. Mas atenção! Antes de serem apresentados ao juiz esses
detalhes sobre o que aconteceu e como aconteceu, é feita uma investigação
pelas autoridades policiais.

Agora que você já entendeu a importância que as provas têm na teoria geral
do processo e, especificamente, no processo penal, deve estar se perguntan-
do: mas, afinal, o que são provas? Você está correto(a) em fazer esta pergun-
ta, até porque uma coisa é entender a importância das provas, outra coisa é
definir o que é prova. Para ter certeza de que você entendeu qual o conceito
de provas, sugiro que, após esta nossa conversa, você faça anotações sobre

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U N I AS S E LVI

o que você tiver compreendido. Recomendo isso para que você tenha um
material resumido e de fácil acesso para suas revisões. Combinado?
Para começo de conversa, os autores que escrevem sobre processo pe-
nal é que trazem os conceitos sobre os quais refletiremos. Há autores que
usam perspectivas mais complexas para conceituar provas. Explicam, por
exemplo, que a prova pode ser compreendida em três aspectos: como ato de
provar, como meio e como resultado. Quando falamos em prova como ato
de provar, estamos nos referindo ao processo por meio do qual é verificada
a veracidade de algum fato alegado pelas partes no processo. Por outro lado,
quando falamos em prova como meio, estamos nos referindo à prova como
um instrumento por meio do qual é demonstrada a veracidade de algo. Já
quando tratamos da prova como resultado, estamos falando daquilo que é,
efetivamente, encontrado após a análise dos elementos de prova apresen-
tados (TÁVORA; ASSUMPÇÃO, 2012). Vou lhe explicar com exemplos,
porque pode ajudar você a compreender melhor.

Imagine a seguinte situação: João é acusado de ter tirado a vida de Maria e,


por causa disso, são feitas investigações pela polícia. Logo após, é iniciado
o andamento de um processo judicial. Dentro desse processo, haverá um
momento para que João apresente provas com a finalidade de se defender
quanto a esta acusação. Este momento no qual ele se defenderá é denominado
fase probatória. Esta é um exemplo de prova como ato de provar.

Pense agora que João, para se defender, diz que, no dia do crime, não estava
no Brasil, estava numa viagem de férias na Bolívia. João traz ao processo
imagens em vídeo dessa sua viagem, e essas imagens em vídeo são exemplos
da prova como meio — ou seja, o vídeo foi utilizado por João como meio de
prova. E a prova como resultado? Você consegue pensar em um exemplo? O
caso hipotético envolvendo João e Maria, sobre o qual estamos conversando,
também o(a) ajudará com isso. Como vimos, João trouxe imagens em vídeo.
O juiz, ao analisar essas imagens, chegará a um resultado, a uma conclusão.
Aqui, temos um exemplo de prova como resultado — João provou que não
estava no Brasil, este foi o resultado. Quando falamos em prova como re-
sultado, o resultado é, por si só, uma prova.

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Caro(a) aluno(a), imagino que você já tenha percebido que o assunto prova deve
ser tratado com muito cuidado. Isto é necessário porque é a partir das provas
produzidas que o juiz estará pronto para decidir sobre o caso que lhe tenha sido
apresentado. Ao julgar o caso, o juiz só poderá condenar o acusado se tiver ele-
mentos que lhe permitam fazer conclusões coerentes sobre os fatos. Em outras
palavras, a condenação só será possível se a culpabilidade estiver demonstrada.
Perceba que, para que alguém seja condenado, a regra é que as provas pre-
cisam demonstrar a culpabilidade dessa pessoa. Caso não seja demonstrada a
culpabilidade, terá aplicação o princípio da presunção de inocência, também
chamado princípio da não culpabilidade. Sendo caso de aplicar o princípio da
presunção da inocência, não poderá haver a condenação do acusado. Qual o
fundamento para este princípio? Trata-se do princípio que pode ser encontrado
na Constituição Federal, no Artigo 5º, inciso LVII (BRASIL, 1988), e no Pacto
de San José da Costa Rica, no Artigo 8º, nº 2.

:
ituição Federal
Art.5º, LVII, Const
gu ém ser á con siderado
Nin
nsito em julgado
culpado até o trâ
l condenatória Art.8º, n.º2, Pacto de San José
de sentença pena da Costa Rica:
Toda pessoa acusada de delito tem
direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente
a sua culpa

Figura 1 - Fundamentos para a presunção de inocência / Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: gráfico de duas setas azuis apontando para lados apostos, cada seta contém o texto
referente os artigos 5 da Constituição Federal e o artigo 8 do Pacto de San José da Costa Rica.

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Interessante observar que a Constituição Federal não usa, explicitamente, a ex-


pressão presunção de inocência. Quem o faz é o Pacto de San José da Costa
Rica. Atenção ao fato de que a presunção de inocência existirá apenas enquanto
a culpabilidade não for demonstrada.

VOCÊ SABE RESPONDER?


E as anotações que sugeri a você sobre o conceito de provas? Conseguiu realizar?

Para facilitar e para você conferir se suas anotações estão coerentes, observe a
figura a seguir. Nela, deixo para você um resumo dos pontos principais que estu-
damos. Espero que você tenha anotado que a prova pode ser compreendida como
ato de provar, meio de provar ou resultado. Nos três casos, serve para formar o
convencimento do juiz.

Ato de
Meio provar
de
provar

Resultado

Nos três casos, acontece com a


finalidade de convencer o juiz
sobre algum fato.

Figura 2 - Funil com o resumo dos três conceitos de prova que estudamos / Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: ilustração de um funil com três círculos dentro

Agora que já foram apresentados conceitos de prova em perspectivas diferentes,


podemos passar a conversar sobre o objeto da prova. Os objetos da prova são
os fatos e tudo o que for hábil a convencer o juiz sobre o que tiver acontecido.
Portanto, em regra, tudo o que ajudar o juiz a se convencer sobre o caso concreto

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pode ser objeto da prova. Acontece que esta é a regra. Sempre que falamos em
regra, logo após, é apresentada alguma exceção. Por isso, embora a regra seja
que os fatos, os acontecimentos, as coisas e as circunstâncias possam ser objeto
da prova, desde que úteis a convencer o juiz, há exceções. Quando digo que há
exceções, estou falando a você que há fatos que não precisam ser provados. E
quais são os fatos que dispensam prova? Os fatos que dispensam provas, ou seja,
fatos que não precisam ser provados, são: os fatos inúteis para entender o caso,
os fatos notórios, os fatos axiomáticos e os fatos que gozem de presunção legal
(REIS; GONÇALVES, 2020; AVENA, 2022). Para ajudar você a fixar os fatos
que dispensam prova, ou seja, os fatos que não precisam ser provados, vejam o
quadro a seguir.

FATOS QUE DISPENSAM PROVAS

FATOS COM
FATOS
FATOS INÚTEIS FATOS NOTÓRIOS PRESUNÇÃO
AXIOMÁTICOS
LEGAL

São aqueles
considerados São aqueles para
São aqueles É a verdade evidentes, porque os quais a lei já
inúteis para com- conhecida por decorrem da tenha dado um
preender a causa. todos. intuição e geram tratamento espe-
um grau de cer- cífico.
teza irrefutável.

Exemplo: a pu-
Exemplo: é inim-
Exemplo: fatos trefação de um
putável o menor
que não tenham cadáver dispensa
de 18 anos. Isto
a ver com o caso Exemplo: desne- a prova da morte.
não precisa ser
discutido no cessário provar Isto porque a
provado, porque
processo não datas históricas. putrefação é
é determinação
precisam ser consequência da
do Artigo 27, do
provados. morte, ou seja,
Código Penal.
decorre da morte.

Quadro 1 - Fatos que dispensam provas / Fonte: adaptado de Reis e Gonçalves (2020) e Avena (2022).

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Peço a você que se esforce para não esquecer disso. Os fatos e o que disser respeito
a eles é que são objeto da prova. Talvez, você esteja se perguntando: e o direito? É
objeto da prova? Em regra, não é necessário provar o direito. Isso porque o juiz
já sabe qual é o direito. Presumimos que o juiz sabe qual é o direito porque esta
é a função dele. Além disso, para ser aprovado no concurso e ser nomeado, pre-
cisou demonstrar amplo conhecimento sobre o direito. O juiz conhece o direito
e, portanto, aplica-o. Mas, novamente, temos exceções.

Ao falarmos que há exceções, preciso que você compreenda que há casos em que o
direito precisa ser provado. Isto acontecerá em situações muito específicas: quando
se tratar de direito municipal, de direito estadual, de regulamentos, de portaria, de
costumes ou de leis estrangeiras.

Pense comigo: aqui, no Brasil, há a Constituição Federal, que é aplicada em todas


as unidades federativas do país, ou seja, em todos os estados-membros. Cada es-
tado-membro, além de respeitar a Constituição Federal, tem também uma Cons-
tituição Estadual e pode ter leis específicas. São exemplos de estados-membros no
Brasil: o estado do Paraná e o estado de São Paulo. Nesses estados, há uma Cons-
tituição Estadual, leis estaduais e juízes que fazem parte do Tribunal de Justiça.
Imagine que seja apresentado um caso a um juiz no estado do Paraná. O juiz,
ao analisar o caso, vê que uma das partes fez menção à regra de uma lei que só
existe no estado de São Paulo. Acontece que as leis feitas em um estado são espe-
cíficas e particulares desse estado. É humanamente impossível, por exemplo, que
um juiz do estado do Paraná conheça as leis de todos os demais estados existentes
no Brasil. Logo, no exemplo que estamos conversando, o direito precisará ser
provado, uma vez que se trata de lei estadual vigente em um estado diferente
daquele no qual o caso será julgado.
O mesmo ocorre quanto a regulamentos, portarias, costumes e leis de outros
países: o juiz não tem a obrigação de conhecer todos. Por isso, caso alguma situa-
ção que envolva esses direitos seja apresentada no processo penal, será necessário
produzir provas quanto a tais direitos. Portanto, atenção! Quando ocorre um
crime, é necessário analisar detalhes desse crime para entender o próprio crime
e descobrir quem foi o autor dele. Com isso, os fatos e o direito ganham impor-
tância, conforme já conversamos até aqui.

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Regra: Direito não precisa ser provado.

Direito deve ser provado quando se tratar


de direito municipal, de direito estadual,
Exceção: de regulamentos, de portaria, de costumes
ou de leis estrangeiras.

Figura 3 - Setas com resumo da regra e da exceção / Fonte: a autora.

Descrição da imagem: ilustração de um quadrado acima do outro e uma seta saindo de cada um deles.

É importante que você saiba também que há diferença entre objeto da prova e
objeto de prova. O que estudamos até aqui foi sobre o objeto da prova. Vamos con-
versar um pouco sobre o objeto de prova e identificar qual a diferença entre eles?

O objeto da prova, como já conversamos, diz respeito aos fatos importantes para
o convencimento do julgador. Lembrando que o acusado se defende dos fatos
sobre os quais esteja sendo processado. Já o objeto de prova é aquele que exige a
apreciação judicial, é aquele que precisa ser provado. Talvez, você esteja se per-
guntando qual a real diferença entre objeto de prova e objeto da prova. V ­ amos

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lá, preciso que você relembre alguns pontos que já conversamos. Havíamos men-
cionado que o objeto da prova é o fato relevante. Damos o nome de objeto de
prova quando este fato relevante é levado à apreciação judicial (TÁVORA, AS-
SUMPÇÃO, 2012). Lembre-se também que estudamos que fatos inúteis, fatos
notórios e fatos com presunção legal são exceções a esta regra, ou seja, são fatos
que não precisam ser provados. Além desses fatos, o direito também não precisa
ser provado. Todos esses fatos e o direito não são objeto da prova, assim como
não são objeto de prova.

OBJETO DA PROVA OBJETO DA PROVA

DISTINÇÃO ENTRE FATOS

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Sei que, ainda, não vimos, de forma específica, o objetivo e a natureza jurídica
da prova. Mas, acredite, agora que já conversamos sobre o conceito e o objeto da
prova, você já tem condições de refletir sobre isso e tentar construir com suas
próprias palavras quais são o objetivo e a natureza jurídica da prova.

AP RO F U N DA NDO

Dentro do processo penal, existe a ação penal privada e a ação penal pública. De-
las, decorrem outras possibilidades de ações penais, que não estudaremos aqui.
Em resumo, a ação penal privada é quando um particular pede ao juiz que o pro-
cesso seja iniciado contra alguém que praticou um crime. Já a ação penal pública
é quando o Ministério Público pede que o processo seja iniciado. Estou lhe contan-
do isso pelo seguinte: os autores que escrevem sobre processo penal afirmam que
o objetivo da prova, na ação penal privada e na ação penal pública, é realmente
convencer o juiz. Em outras palavras, o objetivo é demonstrar a verdade proces-
sual. Mas acrescentam que, na ação penal privada, há, ainda, um outro objetivo:
convencer o querelante de que a imputação é inconsistente. Fonte: adaptado de
Reis e Gonçalves (2020).

NOVOS DESAFIOS
Antes de continuarmos a conversar, convido você a isso. Pense: quais são o ob-
jetivo e a natureza jurídica da prova? Em outras palavras, qual a finalidade da
prova (objetivo) e o que, de fato, é a prova (natureza jurídica)? Agora que você já
fez esta reflexão e construiu seu posicionamento sobre o assunto, venha comigo!
Imagino que, na sua reflexão, você considerou que objetivo da prova é dife-
rente do objeto da prova, e está correto(a) em pensar assim. Não voltarei a falar
sobre o objeto da prova, porque já conversamos exaustivamente sobre ele (mas
recomendo que reveja o material disponível online, caso tenha esquecido o as-
sunto). Focaremos, agora, no objetivo da prova.
Falar em objetivo da prova é o mesmo que falar na razão pela qual a prova
é produzida. Em outras palavras, o objetivo da prova é servir de instrumento
para a formação do convencimento do julgador. O objetivo da prova é, ­portanto,
convencer o destinatário, ou seja, o juiz. Isto é necessário porque o juiz não pre-
senciou o crime, não presenciou o fato criminoso. Assim, para convencer o juiz
de que algo aconteceu ou não aconteceu, é preciso dar oportunidade às partes

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para que apresentem provas sobre fato criminoso. Dar esta oportunidade às par-
tes é o mesmo que permitir que elas reconstruam o momento do crime. Essa
reconstrução dará ao juiz uma visão mais clara sobre o fato. O juiz, ao alcançar
essa visão clara sobre o fato, estará pronto para aplicar o direito.

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2
AUTOATIVIDADE

1. Um conceito complexo para a palavra prova no Processo Penal é aquele que define prova
como o ato de provar, como meio e como resultado. Sobre esse conceito, analise as afir-
mativas a seguir.

I - Ato de provar é o processo por meio do qual é verificada a veracidade de algum fato
alegado pelas partes no processo.
II - Prova como meio é um instrumento por meio do qual é demonstrada a veracidade de algo.
III - Como resultado, a prova é aquilo que, efetivamente, é encontrado após a análise dos
instrumentos de prova apresentados.

É correto o que se afirma em:

a) I e II, apenas.
b) I e III, apenas.
c) II e III, apenas.
d) I, apenas.
e) I, II e III.

2. Há expressões que, embora muito parecidas, têm sentidos diferentes. É o que acontece no
processo penal, especificamente no que diz respeito aos meios de produção de prova. Duas
dessas expressões são “objeto da prova” e “objetivo da prova”. Comente qual a diferença
entre essas expressões.

3. O objeto da prova é aquilo que precisa ser provado dentro do processo. São assim definidos os
fatos e o que disser respeito a eles. Há situações em que o direito também poderá ser objeto
da prova. Sobre isso, analise as afirmativas a seguir e classifique-as em verdadeiro ou falso.

( ) O direito municipal e o direito estadual sempre precisam ser provados dentro do pro-
cesso penal.
( ) Apenas os direitos de regulamentos e de portarias devem ser provados dentro do pro-
cesso penal.
( ) Os seguintes direitos deverão ser provados: municipal, estadual, de regulamentos, de
portarias, de costumes ou de leis estrangeiras.

A sequência correta para a resposta da questão é:

a) V, F, V.
b) V, V, F.
c) F, V, V.
d) F, F, V.
e) V, F, F.

2
2
REFERÊNCIAS

ARAÚJO, A. C.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R.. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Ma-
lheiros, 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:


Senado Federal, 1988.

REIS, A. C. A.; GONÇALVES, V. E. R. Sinopses Jurídicas. Processo penal: parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2020. v. 14.

TÁVORA, N.; ASSUMPÇÃO, V. Processo penal II: provas, questões e processos incidentes. 1. ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. (Coleção Saberes do Direito).

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GABARITO

1. E.

Ato de provar é o processo por meio do qual é verificada a veracidade de algum fato alegado
pelas partes no processo. Prova como meio é um instrumento por meio do qual é demons-
trada a veracidade de algo. Como resultado, a prova é aquilo que efetivamente é encontrado
após a análise dos instrumentos de prova apresentados.

2. O objeto da prova são os fatos relevantes, os fatos que importam para o processo. Já o
objetivo é a razão pela qual a prova é produzida. Em outras palavras, o objetivo da prova é
servir de instrumento para a formação do convencimento do julgador. O objetivo da prova é
convencer o destinatário, que é o juiz, e isto é necessário porque o julgador não presenciou
o fato criminoso.

3. O objeto da prova é aquilo que precisa ser provado dentro do processo. São objeto da prova
os fatos e o que disser respeito a eles. Em regra, o direito não precisa ser provado, mas há
situações excepcionais em que precisará ser provado. Estas situações são: quando se tratar
de direito municipal, de direito estadual, de regulamentos, de portarias, de costumes ou de
leis estrangeiras. Portanto, as afirmativas I e II são falsas e, apenas, a afirmativa III é verdadeira.

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MINHAS ANOTAÇÕES

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TEMA DE APRENDIZAGEM 2

DISTINÇÃO QUANTO ÀS PROVAS

MINHAS METAS

Entender o que a prova é para o direito

Distinguir as provas pela forma como elas são admitidas

Aprofundar sobre o tema das provas no Processo Penal

Conhecer alguns aspectos sobre os Meios de Produção de Prova

Aprofundar sobre o tema das provas no Processo Penal

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U N I AS S E LVI

INICIE SUA JORNADA


Em 2010, houve um homicídio que alcançou notório conhecimento público.
Trata-se do crime que teve como um dos acusados, um jogador de futebol, conhe-
cido como goleiro Bruno. Uma peculiaridade nesse caso é que o corpo da vítima
nunca chegou a ser encontrado. Por isso, a investigação e o processo judicial sobre
este caso aconteceram com base em outros elementos de prova.
Antes de iniciarmos o aprofundamento sobre o tema das provas no Processo
Penal, convido você a pesquisar, na web, vídeos ou notícias que tratem sobre
crimes que tenham acontecido recentemente. Pode ser sobre o caso envolvendo
o goleiro Bruno ou outro caso que venha à sua lembrança. Preste atenção nos
elementos que tenham sido utilizados para provar que o crime aconteceu, ou
seja, para provar a materialidade. Geralmente, os jornais fazem uma abordagem
detalhada sobre isso, então, você não terá dificuldades de encontrar esses deta-
lhes. Uma dica: Você pode pesquisar usando expressões, como: provas no caso
do goleiro Bruno (ou qualquer outro crime que você tenha curiosidade, por
exemplo, o caso Lava-Jato ou o caso Henry Borel).
Quando você fica sabendo que um crime aconteceu, qual é o seu sentimen-
to? Imagino que alguma opinião você deve ter em situações assim. Por outro
lado, você também sabe que, seja qual for a sua opinião, apenas o Estado é que
pode dar respostas efetivas em relação ao crime ou ao criminoso. Foi isso o
que aconteceu no caso do goleiro Bruno, citado como exemplo nos parágrafos
anteriores. Aliás, é isso que acontece em todas as situações quando ocorre um
crime. O Estado dá respostas em relação aos crimes por meio daquilo que, no
Direito Processual Penal, chamamos de persecução penal. Esta envolve dois
momentos: a investigação e a ação processual penal. Deixa que eu lhe explico
melhor. Na investigação, a polícia, em regra, faz uma análise profunda sobre o
crime e o autor do crime.
Atenção! A polícia só realiza a investigação se alguns requisitos estiverem
preenchidos. O primeiro desses requisitos é que ela precisa ser avisada sobre o
crime, ou seja, alguém precisa comunicar o crime à polícia. Após ser comunicada
sobre o crime, a polícia verificará de que tipo de crime se trata e se ele, realmente,
aconteceu. Quais os tipos de crime possíveis? Dentro do Processo Penal, os auto-
res explicam que é possível que ocorram os seguintes tipos de crime: crimes que
admitem ação penal pública e crimes que admitem ação penal privada.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 2

Deixa-me contar a você alguns detalhes sobre a ação penal. Esta é um instru-
mento/ferramenta utilizado para verificar se é possível punir alguém pela prática
de um crime. O Estado é que tem o direito de punir e tomar a iniciativa para
verificar quem será punido, mas, às vezes, ele permite que particulares exerçam
esse direito de iniciativa — nesses casos, é como se ele emprestasse ao particular
tal direito.
Quando o Estado empresta ao particular esse direito, o particular fica auto-
rizado a utilizar a ferramenta da ação penal privada. Em crimes de ação penal
privada, será necessário que o particular peça para a polícia iniciar a investigação.
Após a investigação, será necessário que esse particular peça que a ação penal
seja iniciada, ou seja, peça que o caso seja apresentado a um juiz, pois só assim
o juiz poderá julgar o caso e aplicar uma pena para quem tenha cometido o cri-
me. Há vários tipos de ação penal privada, mas não conversaremos sobre elas,
porque não é o foco do nosso estudo. Por outro lado, quando o próprio Estado
toma a iniciativa para verificar a quem punirá, ele o faz por meio da ação penal
pública. Há vários tipos de ação penal pública, mas vou lhe contar apenas sobre
uma delas, a ação penal pública incondicionada, que é a que nos interessa para
o estudo que estamos realizando.
A ação penal pública incondicionada é aquela que não exige condições para
ser iniciada. Basta que o crime realmente tenha ocorrido. Dessa forma, se ele
tiver ocorrido, a polícia poderá iniciar a investigação, por meio do inquérito po-
licial, sem que ninguém peça. Depois disso, o Ministério Público poderá utilizar
o inquérito para comunicar esse crime ao juiz, e, novamente, isso acontecerá
sem que ninguém peça. Contei tudo isso, para que você entenda o seguinte:
quando a polícia verifica que o crime que lhe foi comunicado é um crime de
ação penal pública incondicionada, sabe que pode investigar o caso sem que
ninguém lhe peça para fazer isso. Em outras palavras, quando se trata de crime
de ação penal pública incondicionada, basta que, após ser comunicada sobre
o crime, a polícia verifique que há elementos indicando que o crime realmente
aconteceu. Caso isso ocorra, a polícia realiza uma investigação e, no final, des-
creve todos os detalhes daquilo que encontrar nessa investigação. Faz isso no
chamado inquérito policial.
Os elementos que você encontrou na pesquisa que sugeri passaram por esta
etapa do inquérito policial e, após isso, foram divulgados à imprensa e aos jornais.
O que vem depois do inquérito policial? Em regra, após finalizado, o inquérito é

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encaminhado ao Ministério Público. Se este entender que o caso precisa passar


pelo processo judicial, comunicará o juiz sobre o fato criminoso e sobre o autor
do crime, por meio da denúncia. O juiz, ao tomar conhecimento dessa denún-
cia, ou seja, ao saber do fato criminoso, analisa as provas da materialidade e os
indícios de autoria que lhe tenham sido apresentados. Só depois dessa análise é
que o juiz decidirá se dará andamento, ou não, ao processo penal.
Peço a você que fique tranquilo(a), porque, até o final do nosso material,
conforme for necessário, estudaremos, com mais profundidade, alguns detalhes
sobre a prova no inquérito policial e na ação processual penal. Por enquanto, o
que você precisa saber é que, na persecução penal, existem esses dois momen-
tos, a investigação e a ação processual penal. Na investigação, em um trabalho
conjunto que envolve, por exemplo, investigadores, escrivães e delegados, a
polícia procura provas sobre os crimes que lhes são comunicados. Procura,
também, indícios de autoria quanto aos sujeitos indicados como autores de
crimes. Perceba que o tema das provas aparece na investigação sobre o crime,
mas ele também existe dentro do processo judicial. Reflita e não se esqueça
disso! Após refletir, convido você a voltar ao caso que escolheu para pesqui-
sar. Daquilo que você ouviu ou viu nas fontes pesquisadas (jornal televisivo,
YouTube ou qualquer outra página da web), o que lhe pareceu relacionado
com o crime? Ou seja, na sua opinião, dentre os elementos encontrados nas
reportagens, quais servem como provas do crime? Anote, no Diário de Bordo,
as provas que você tiver encontrado. Após anotar, você estará pronto(a) para
pensar criticamente sobre as provas no processo penal.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Caro(a) aluno(a), agora que você já compreendeu a importância da prova no proces-


so penal, que tal falarmos um pouco sobre alguns pontos que tratamos neste tema?
Conversaremos sobre a prova, os momentos processuais probatórios, os meios de
obtenção de prova, os meios de prova e os elementos de prova. Tenho certeza de
que esses assuntos serão de grande relevância para a sua atuação profissional. Em
nosso bate-papo, posso lhe contar mais sobre o que é indispensável você com-
preender sobre este tema. Convido-o(a), então, para essa roda de conversa!
Conteúdo de áudio/vídeo não patrocinado. Esse recurso utilizará seu pacote de
dados (ou wifi) para ser exibido. Recursos de mídia disponível no conteúdo digital no
ambiente virtual de aprendizagem

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 2

DESENVOLVA SEU POTENCIAL


Quanto à natureza jurídica, preciso que você, primeiro, compreenda o que é
natureza jurídica. Quando falamos em natureza jurídica, estamos procurando
entender o que algo é na essência para o direito. No assunto que estamos estudan-
do, você já sabe que a prova é compreendida em vários conceitos, mas, de forma
geral, é aquilo que é apresentado para convencer o juiz sobre algum fato. Não é
suficiente que você saiba isso. Além dos conceitos já estudados, você precisa saber
o que a prova é para o direito de forma específica, ou seja, você precisa saber o
que a prova é dentro das classificações que o direito apresenta.
A prova em si é um direito que os sujeitos têm no processo, como você pode
conferir no Artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Por ser um direito que os sujeitos têm no processo, tem natureza jurídica
de direito subjetivo. Em palavras simples, a prova é um direito que cabe a quem
precisar demonstrar algo. Ao falarem sobre cada uma delas, os autores detalham
o assunto da natureza jurídica. Quando chegar o momento de estudarmos sobre
as espécies de prova, voltaremos a tratar sobre a natureza jurídica. Combinado?
Passaremos agora a estudar distinções que você precisa compreender em
relação ao tema das provas no processo penal. Podemos distinguir as provas
pela forma como elas são admitidas e pela forma como elas são valoradas.
Falamos, assim, em formas de admissão e em formas de valoração.
Quanto à forma de admissão, são admitidas, no processo penal, as provas
descritas no Código, as provas nominadas, que estudaremos mais à frente. Mas
também são admitidas provas inominadas. Estas são chamadas assim porque não
têm seu nome previsto no Código de Processo Penal. Segundo Mendroni (2015,
p. 109), as provas nominadas


“são aquelas com nomes e formas predeterminadas nas Leis penais
e processuais penais. Documentos, testemunhos, perícias etc.”. Já
as provas inominadas “são produzidas e juntadas aos autos, mes-
mo sem a devida previsão legal de sua existência” (MENDRONI,
2015, p. 109).

Não seria possível escrever, no Código de Processo Penal, todos os tipos de


provas admitidas. Teríamos uma lista interminável, caso isso fosse feito. É por

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essa razão que falamos em outras provas além daquelas previstas no Código de
Processo Penal, as chamadas provas inominadas. Mas atenção! As provas inomi-
nadas são admitidas apenas quando forem compatíveis ou semelhantes às provas
nominadas, ou seja, só serão admitidas se forem compatíveis ou semelhantes com
as provas mencionadas na legislação.
Quanto à forma de valoração, são divididas em provas livres e em provas le-
gais (MENDRONI, 2013). As provas livres são aquelas que “fogem à prática dos
atos processuais” (MENDRONI, 2015, p. 112), por exemplo, um documento em
outro idioma apresentado por uma das partes. O juiz analisará esse documento
de forma livre. Já as provas legais têm seu valor definido em lei.

DISTINÇÕES QUANTO ÀS PROVAS

FORMA DE ADMISSÃO FORMA DE VALORAÇÃO

Provas nominadas Provas livres


Provas inominadas Provas legais

Quadro 1 - Distinções quanto às provas / Fonte: a autora

Há um porquê de as provas serem produzidas. Alguns autores dão a isto o nome


de objetivo, assunto que já estudamos. Outros autores dão a isto o nome de fi-
nalidade. Ao falarmos sobre a finalidade, você relembrará o objetivo das pro-
vas. Mas fique tranquilo(a), é normal que isso aconteça, porque o assunto é o
mesmo. Como já expliquei a você, o que acontece é que os autores usam nomes
­diferentes — alguns dão o nome de objetivo, outros, de finalidade. É o que apro-
fundaremos a partir de agora.
A finalidade da prova ou da instrução probatória é fornecer ao juiz elementos
que o permitam descobrir a verdade sobre o fato delituoso. Após conhecer esta
verdade, o juiz estará, finalmente, pronto para aplicar o direito (REIS; GON-
ÇALVES, 2020). É ao longo do processo que acontece esta atividade probatória,
momento em que os fatos que foram investigados na fase extraprocessual são
reconstruídos. Isto quer dizer que os fatos analisados na investigação são trazidos
ao processo. O objetivo é reconstruir, ao máximo, a realidade, buscando a ver-
dade. Mas, no processo, não há a ilusão de buscar uma verdade absoluta. Exata-

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mente por não haver essa ilusão, o que se busca é a chamada verdade processual,
que é a verdade dentro do processo e por meio de tudo o que for apresentado
e discutido no processo. A partir daí é que o juiz estará pronto para proferir a
decisão, para proferir a sentença (LIMA, 2017).
Caro(a) aluno(a), sei que alguns termos, ainda, não são muito familiares a
você. Por exemplo, verdade dentro do processo penal. A verdade dentro do pro-
cesso penal é um assunto que será detalhado em outro momento. Até aqui, o
que você precisa ter compreendido é que, sempre que acontece um crime e isso
é comunicado ao juiz, essa comunicação ocorrerá dentro do que chamamos de
processo penal, especificamente, por meio da denúncia ou da queixa-crime. Os
crimes são comunicados/apresentados ao juiz para que ele decida o que é verda-
de, por exemplo: quem praticou o crime e em que circunstâncias. Por outro lado,
as partes, ou seja, as pessoas envolvidas no processo, apresentarão provas para
convencer o juiz quanto ao que é verdade. Com base nessas provas apresentadas,
o juiz proferirá sua decisão.

Até aqui, estudamos a prova na perspectiva da teoria geral do processo. Agora


você está pronto(a) para compreender detalhes deste assunto tão importante para
a persecução penal. Por isso, começaremos a tratar sobre fato, vestígio e prova.

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VOCÊ SABE RESPONDER?


Você sabe qual a diferença entre eles? E a importância que cada um tem em
relação às provas?

Ao estudarmos o objeto da prova, você compreendeu que apenas os fatos re-


levantes exigem a apresentação de provas. Em outras palavras, apenas os fatos
importantes, para entender melhor a situação levada a juízo, é que precisam ser
reconstruídos. Lembre-se também que fatos inúteis, fatos notórios, fatos axio-
máticos e fatos com presunção legal não precisam ser provados.
Os fatos que interessam ao direito penal, ao direito processual penal e, con-
sequentemente, aos meios de produção de prova são os fatos que se encaixam
com perfeição nos elementos descritos em cada tipo penal. Para o direito penal e
para o direito processual penal, interessa, portanto, o fato típico. É o direito penal
que detalha o fato típico, explicando quais são seus elementos indispensáveis.
De forma simplificada, podemos dizer que fato típico é aquele acontecimento
que interessa para o direito. Mas, como você está em um curso de nível superior,
precisa saber mais do que isso! Em regra, fato típico é aquele que é previsto em
lei e tem, como elementos, conduta, resultado naturalístico, nexo de causalidade
e tipicidade. Pode ser um fato humano ou fato praticado por pessoa jurídica.
Atenção! Embora seja mais comum que aconteçam fatos humanos, há fatos
que podem ser praticados por pessoa jurídica, como é o caso dos crimes am-
bientais. Tanto os fatos humanos como os fatos praticados por pessoa jurídica
interessam para o direito penal. E o fato atípico? Interessa para os meios de pro-
dução de prova? Não! Isto porque é fato atípico aquele que não tem previsão na
legislação. Se não foi previsto, é porque o direito penal não quis tratar sobre ele.
Como não interessa ao direito penal, também não interessa ao processo penal e,
consequentemente, não interessa aos meios de produção de prova.
Os fatos importantes para os meios de produção de prova, portanto, são aque-
les chamados fatos típicos. Mas há outros detalhes que preciso compartilhar com
você. Os autores que escrevem sobre direito penal explicam que os elementos do
fato típico são diferentes nos crimes materiais consumados e nos demais crimes.
Entenda “demais crimes” como os crimes tentados, os crimes formais e os crimes
de mera conduta (MASSON, 2017).

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P E N SA N D O J UNTO S

O estudo do fato é realizado na disciplina que estuda a parte geral do Código Pe-
nal. Então, para aprofundar seus conhecimentos quanto ao fato, recomendo que
você pesquise o assunto em livros sobre a parte geral do Direito Penal.

Talvez, você esteja com várias dúvidas sobre o que é crime material consumado,
tentado, formal e de mera conduta. Reforço algumas recomendações que tenho
feito, aprofunde o assunto em livros de Direito Penal, parte geral. Mas deixo o se-
guinte resumo para que você compreenda o que é necessário nesta nossa ­conversa.

CLASSIFICAÇÃO DE CRIMES
ATENÇÃO! EXISTEM OUTRAS CLASSIFICAÇÕES, MAS CONSTAM NESTA TABELA
APENAS AS QUE INTERESSAM A VOCÊ COMPREENDER OS ASSUNTOS QUE ESTAMOS
ESTUDANDO.

CRIME MATERIAL: é aquele crime em que o resultado naturalístico é necessário


para a consumação.
Exemplo: Artigo 121, do Código Penal, homicídio.
Resultado naturalístico: acontece com o falecimento da vítima. Com isso, há a consumação.

CRIME FORMAL: é aquele crime que contém resultado naturalístico, mas este é des-
necessário para que haja a consumação.
Exemplo: Artigo 159, do Código Penal, extorsão mediante sequestro.
Basta a privação da liberdade da vítima com o fim de obter futura vantagem patrimo-
nial indevida como condição ou preço do resgate. Mesmo que a vantagem não seja
alcançada, o crime estará consumado.

CRIME DE MERA CONDUTA: é aquele crime em que o tipo penal apenas descreve uma
conduta. Não contém resultado naturalístico e, por isso, não tem como ser verificado.
Exemplo: Artigo 233, do Código Penal, ato obsceno.

CRIME CONSUMADO: é aquele crime que reúne todos os elementos de sua definição legal.
Artigo 14, inciso I, do Código Penal.

CRIME TENTADO: é aquele crime que, iniciada a execução, não se consuma por cir-
cunstâncias alheias à vontade do agente.
Artigo 14, inciso II, do Código Penal.

Quadro 2 - Classificação de crimes / Fonte: adaptado de Masson (2017).

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Perceba que, no fato típico, para que o crime material aconteça na íntegra, ou
seja, para que ocorra a consumação do crime, é necessário resultado naturalístico.
Por exemplo, no homicídio, a consumação só acontece quando a vítima morre.
Já no crime formal, até pode existir o resultado naturalístico, mas é desnecessário
para que haja a consumação. Exemplificando, na extorsão mediante sequestro,
o resultado naturalístico desejado é obter vantagem patrimonial. No entanto é
um crime que se consuma com a privação da liberdade da vítima, de modo que,
mesmo que a vantagem não seja alcançada, o crime estará consumado.

Em resumo, quando acontece um fato no cotidiano, sendo um fato definido pela


legislação penal, será um fato típico. Se for típico, será uma infração penal. Caso seja
uma infração penal, será necessário identificar se esta infração é um crime material,
formal, de mera conduta, consumado ou tentado.

Com toda essa nossa conversa, agora, você já sabe que, no crime material, há o
resultado naturalístico. E o que isto quer dizer? Quer dizer que, em algumas si-
tuações, haverá objetos materiais, haverá coisas concretas que demonstram, com
clareza, informações sobre o crime. Pense, por exemplo, no homicídio consuma-
do. Trata-se de situação em que há um corpo como resultado natural da conduta.
Este corpo, se analisado, ou seja, se passar por um exame pericial, permitirá que
sejam descobertos detalhes de como o homicídio aconteceu. Já no ato obsceno,
que é exemplo de crime de mera conduta, não há um objeto material que permita
descobrir detalhes sobre a conduta, não há um resultado naturalístico.
O que você precisa ter compreendido até aqui? É necessário que você tenha
entendido que fato é algum acontecimento, mas nem todos os acontecimentos
interessam quando falamos em provas. Interessam apenas aqueles acontecimen-
tos aos quais o direito tenha atribuído relevância. Interessam, portanto, apenas os
fatos típicos e aquilo que com eles tenha relação. Estou reforçando esses detalhes
para que você entenda o nosso próximo assunto, que é o vestígio. Há crimes
que deixam vestígios, e há crimes que não deixam. O vestígio é tudo aquilo que
é encontrado na cena do crime, na cena em que o fato típico aconteceu. Vestígio
é o conjunto de elementos sensíveis deixados pelo crime ou a totalidade das
alterações que podem ser percebidas como derivação do delito e comprovar a
existência do delito. Um outro nome que é dado ao conjunto de vestígios é corpo
de delito (REIS; GONÇALVES, 2020).

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Atenção! O Artigo 158-A, § 3º, do Código de Processo Penal, define vestígio como
“todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se
relaciona à infração penal” (BRASIL, 1941, on-line).

1.É todo objeto 2. Visível ou latente


material ou bruto
VESTÍGIO
(Art. 158-A,§ 3º,
Código de Processo
Penal).
3. Constatado ou 4. Que se relaciona
recolhido à infração penal

Figura 1 - Quadro esquematizando vestígio / Fonte: adaptado de Brasil (1941).

Descrição da Imagem: Quadro esquematizado resumindo vestígio, segundo o Código de Processo Penal.

Caro(a) aluno(a), agora que você já sabe o que são vestígios, podemos seguir no
estudo das provas. Dizer que o crime deixou vestígios é dizer que, após praticado
o crime, algumas marcas ficaram, e estas confirmam que algum crime aconteceu.
Atenção! Vestígio não é prova, mas pode se tornar prova, conforme estudaremos
a partir de agora. Antes de prosseguirmos nesse assunto, observe a imagem a
seguir (Figura 1).

E U IN D ICO

Caro(a) aluno(a), agora que você já sabe o que são vestígios, podemos seguir no estu-
do das provas. Dizer que o crime deixou vestígios é dizer que, após praticado o crime,
algumas marcas ficaram, e estas confirmam que algum crime aconteceu. Atenção!
Vestígio não é prova, mas pode se tornar prova, conforme estudaremos a partir de
agora. Antes de prosseguirmos nesse assunto, observe a imagem a seguir (Figura 2).
Conteúdo de áudio/vídeo não patrocinado. Esse recurso utilizará seu pacote de
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Figura 2 - Duas imagens de um mesmo quarto

Descrição da Imagem: a figura apresenta duas ilustrações de um mesmo quarto. Na imagem do lado direito,
há uma cama arrumada, uma janela, um vaso próximo à janela, uma cadeira próxima a uma mesa onde tem um
computador, uma estante com livros. Há um móvel de cabeceira com um relógio despertador. O chão do quarto
está limpo. Na imagem do lado esquerdo, a parte do lençol que cobre a cama está erguida, há papéis amassados
e livros abertos sobre a cama. Ao lado do vaso da janela, há um livro aberto e papel amassado. No chão há livros
fechados, um par de chinelos e papéis amassados. A cadeira, que antes estava virada para a mesa, agora está
virada para a cama. Há um copo de café no chão, próximo à mesa, uma caneca em cima da mesa ao lado do com-
putador; na mesa ainda há um copo, dois lápis e um papel amassado. No móvel ao lado da cama, além do relógio,
há um livro. Por todo o quarto há sinais de sujeira.

Ao observar as duas imagens anteriores, a que conclusões você consegue che-


gar? É possível dizer que são duas fotos de um mesmo ambiente, no entanto
a imagem do lado esquerdo tem elementos a mais, há papéis amassados por
todos os lados, um copo de café no chão, um par de chinelos, livros abertos
e fechados. Não sei se as suas conclusões são iguais às minhas. Mas, olhando
as duas imagens, penso que alguém passou pelo quarto, sentou-se na cadeira,
na cama. Parece-me que a pessoa que esteve nesse quarto estava escrevendo
algo que exigia estudos, uma vez que há livros abertos sobre a mesa e próximo
à janela. Os papéis amassados podem ser rascunhos de algo que essa pessoa
escreveu, mas que não gostou.
A imagem anterior representa um fato? Sim, representa um fato. Mas repre-
senta um fato típico? Não! Não representa um fato típico, porque não existe lei
que defina como crime a conduta de desorganizar um quarto ou a conduta de
jogar papel no chão de seu próprio quarto. Ficou claro agora que nem todos os
fatos terão relevância para a investigação criminal? Apenas aqueles que tenham
ligação com um fato típico e, consequentemente, ajudem a entender melhor o
fato típico é que terão importância.
Observe esta outra imagem (Figura 3).

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Figura 3 - Imagem de uma sala, com mesa de centro e alguns objetos pelo chão.

Descrição da Imagem: a figura apresenta a imagem fotográfica de uma sala. Há nesta imagem um sofá, uma
mesa de centro. Na mesa de centro há duas taças e uma garrafa. A garrafa e uma das taças estão vazias. Há, ainda
sobre a mesa, uma lupa e outros objetos que não dá para identificar. No chão há uma mala, algumas placas com
números, uma faca, projétil de arma de fogo, uma garrafa vazia e um vaso com planta. Há uma faixa isolando a sala.

Perceba que, nesta imagem, é possível dizer que pessoas também estiveram
no ambiente, uma vez que uma das taças está vazia e há objetos derrubados.
Como não há um corpo estendido no chão, não podemos dizer que houve,
efetivamente, a morte de alguém. Mas temos indicativos de que houve, pelo
menos, a tentativa de homicídio de alguém, e isso pode ter acontecido com o
uso da faca que está no chão, de uma arma de fogo ou de envenenamento, caso
alguma substância tenha sido colocada na bebida. Mas tudo isso são possibi-
lidades, já que a foto é meramente ilustrativa. Na vida real, situações como a
da foto acontecem e, com isso, tudo o que você vê na foto passa a ser vestígio
ou corpo de delito. O vestígio que tiver relação com o fato ocorrido é coletado
para, posteriormente, ser examinado.
Quando o crime deixa vestígios, dentre as provas possíveis, é obrigatório o
exame desses vestígios, ou seja, é obrigatório o exame do corpo de delito. Isto é esta-
belecido pelo Artigo 158, do Código de Processo Penal, que tem a s­ eguinte r­ edação:

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“Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,


direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado” (BRASIL,1941, on-line).
Talvez, você esteja se perguntando que tipos de provas são possíveis além
do exame de corpo de delito. Deixo alguns exemplos: fotografias, DNA, análises
químicas de materiais variados, análises de microrganismos, aperfeiçoamento
de visão de fotografias, aperfeiçoamento de imagens obtidas de câmeras, exame
de documentos e exame de reconhecimento de vozes (não esqueça que são só
exemplos, há outros além desses) (MENDRONI, 2013).
Atenção também ao seguinte. As provas precisam ser realizadas em momen-
tos específicos. Há, portanto, momentos processuais probatórios. Momentos
processuais incluem a persecução penal, ou seja, a fase da investigação e a fase
judicial. A fase de investigação, também chamada fase pré-processual, acontece
quando há a investigação criminal. Nessa fase, a prova é colhida e preservada. Na
fase pré-processual, não há um rito específico, uma vez que a investigação acon-
tecerá seguindo etapas que investigadores e autoridades policiais entenderem
necessárias. Para tanto, vários meios de obter provas poderão ser utilizados. Ao
final, coletadas as provas suficientes para esclarecer a materialidade e a autoria,
a autoridade policial escreverá, no inquérito policial, quais as conclusões a que
chegaram a partir das provas coletadas.
O segundo momento probatório é a fase processual, que tem início com a
instauração do processo. Na fase processual, algumas provas colhidas na fase
pré-processual
“são mantidas com o mesmo formato de sua produção, outras são repeti-
das e algumas novas são produzidas, acrescentadas aos autos” (MENDRONI,
2015, p. 88).
Na fase processual, portanto, o juiz analisa as provas que foram produzidas
na fase pré-processual e é possível que novas provas sejam apresentadas. Pela
existência de provas, ao final da fase processual, o juiz escreverá, na sentença, sua
decisão. Esta decisão pode ser para condenar ou para absolver a pessoa acusada
de ter praticado o crime.
As provas, portanto, são reunidas na investigação, na medida do possível e
conforme as circunstâncias concretas de cada crime. Com isso, temos uma fase
pré-processual, que é anterior à instauração do processo penal propriamente
dito. Na fase da investigação, os órgãos públicos é que organizarão a prova, por
exemplo, a polícia e o Ministério Público.

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Embora polícia e Ministério Público sejam livres para adotar o procedimento


necessário à produção das provas, há regras a serem seguidas, inclusive princípios
constitucionais.

Além dos órgãos públicos, as partes também trazem provas, isto na fase pré-
-processual e na fase processual. Nesses dois momentos, para que aconteça a
juntada das provas é necessário que as partes façam requerimentos por escrito.
Na fase pré-processual, também chamada fase preliminar, caberá à autoridade
responsável pela investigação admitir a prova. Esta autoridade será o Delegado
de Polícia ou o Ministério Público. Só depois, quando chegar o momento, é que
as provas produzidas na investigação serão levadas ao Poder Judiciário. Lembra
que conversamos que o Juiz busca a verdade dentro do processo? Então, o juiz
recebe a prova e a coloca nos autos para, quando for o momento, analisá-la. Por
outro lado, se o juiz entender que as provas foram apresentadas para trazer algum
tumulto no processo, não juntará essas provas aos autos (MENDRONI, 2013).

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Além dos momentos processuais da prova, é neces- O objeto é o


sário analisarmos alguns aspectos da prova: objeto, que deve ser
fontes, elementos e meios de prova. Começando pelo demonstrado para
objeto, não é novidade. Lembra que falamos sobre convencer o juiz
ele? Vamos rever, de forma resumida, alguns deta-
lhes? O objeto é o que deve ser demonstrado para convencer o juiz sobre o que
tiver acontecido. Diz respeito aos fatos relevantes e hábeis a criar esse convenci-
mento. Já as fontes indicam pessoas ou coisas a partir das quais a prova é obtida.
Por causa disso, inclusive, as fontes são classificadas em fontes pessoais e em fontes
reais. As fontes pessoais indicam pessoas, enquanto as fontes reais indicam coisas.
Exemplos de fontes pessoais são o ofendido, o acusado, as testemunhas e o perito.
Como exemplo de fontes reais, temos os documentos em geral.
As fontes derivam do fato delituoso, mas são anteriores ao fato. Para que
você compreenda melhor o assunto das fontes, imagine que um crime tenha sido
praticado em uma loja, dentro de um shopping. Todas as pessoas que estavam na
loja, quando praticado o crime, são fontes pessoais de prova. Por serem fontes de
prova, essas pessoas poderão ser levadas à apreciação do juiz, isto por meio da
prova testemunhal (LIMA, 2017).

FONTES DE PROVA (SÃO ANTERIORES AO PROCESSO)

FONTES PESSOAIS FONTES REAIS

Exemplo: ofendido, acusado,


Exemplo: documentos em geral.
testemunhas e perito.

Quadro 3 - Fontes de prova / Fonte: a autora.

Há também os elementos de prova. Elemento de prova é o conjunto de dados pro-


batórios que o juiz utiliza na sentença para fundamentar e motivar sua decisão. Entre
todas as provas apresentadas no processo, pode ser que apenas algumas convençam o
juiz. Estas provas que o convencerem serão utilizadas para justificar sua decisão. Por
exemplo, é possível que, em um processo, sejam trazidos, como prova, vídeo, foto e
documentos. Se o juiz entender que apenas o vídeo e a foto provam o fato, fundamen-
tará sua decisão explicando como e por que o vídeo e a foto o convenceram. Assim,
apenas o vídeo e a foto serão elementos de prova. O documento não será.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 2

Atenção! Existem também os chamados elementos informativos, e o Có-


digo de Processo Penal trata sobre eles no Artigo 155, com a seguinte redação:
Elemento informativo: Não passa
“o juiz formará sua convicção pela livre =apreciação
pelo contraditório Não pode ser da prova produzida em
utilizado
contraditório judicial, não podendo sozinho como
fundamentar fundamento
sua decisão exclusivamente
da decisão judicial
nos elementos informativos colhidos na investigação” (BRASIL, 1941, on-line).
O elemento informativo é aquele
Preste atenção ao seguinte: o Artigo
que não é155, do Código
submetido ao de Processo Penal, não
impede que os elementos informativos
contraditório e, porsejam utilizados como fundamento
isso, não
ser utilizado sozinho como
pode

da decisão judicial. O que o Código impede éjudicial.


fundamento da decisão que os elementos informativos
sejam utilizados exclusivamente.

Elemento informativo: Não passa Prova: Passa pelo contraditório =


Pode ser utilizada sozinha como
pelo contraditório = Não pode ser fundamento da decisão judicial.
utilizado sozinho como fundamento Quando utilizada como fundamento
da decisão judicial da decisão judicial, será elemento
de prova
O elemento informativo é aquele Já a prova passa pelo contraditório.
que não é submetido ao Na fase pré-processual passa pelo
contraditório e, por isso, não pode contraditório diferido (súmula
ser utilizado sozinho como vinculante 14). Na fase processual
fundamento da decisão judicial. pode ser utilizada sozinha como
fundamento da decisão judicial.

Quadro 4 - Elementos e Provas / Fonte: a autora.


Prova: Passa pelo contraditório =
Pode ser utilizada sozinha como
Agora que você entende os elementos
fundamentode daprova, conversaremos
decisão judicial. sobre os meios
Quando utilizada como fundamento
de produção de prova. Os meios de produção
da decisão deelemento
judicial, será prova são utilizados para que
de prova
as provas sejam produzidas no processo. Em outras palavras, “os meios de prova
são os instrumentos atravésJádos quais
a prova as fontes
passa são introduzidas no processo”
pelo contraditório.
Na fase pré-processual passa pelo
(LIMA, 2017, p. 589). Atenção!contraditório
As fontes dediferido
prova (súmula
são anteriores ao processo, por
isso, são extraprocessuais. Já os meios de
vinculante 14).prova
Na faseacontecem
processual dentro do processo e
pode ser utilizada sozinha como
são, portanto, endoprocessuais. fundamento da decisão judicial.
Tudo o que for possível usar de forma direta ou indireta para criar o conven-
cimento do julgador pode ser apresentado no processo, pois, embora o Código
de Processo Penal apresente meios de prova, não consegue apresentar todos os
meios de prova possíveis. É possível, portanto, que provas não previstas no Códi-
go de Processo Penal sejam produzidas. São as chamadas provas inominadas ou
provas atípicas. Não se esqueça que as provas inominadas são admitidas apenas
quando compatíveis ou semelhantes às provas nominadas.

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U N I AS S E LVI

Atenção! As provas típicas, também chamadas provas nominadas, são aquelas


previstas nos Artigos 158 a 250 do Código de Processo Penal (TÁVORA;
ASSUMPÇÃO, 2012).

Nesses artigos, você encontrará, por exemplo, o exame de corpo de deli-


to, o interrogatório do acusado, o reconhecimento de pessoas e coisas e a
acareação. E os meios atípicos? São exemplos de meios atípicos as filma-
gens (videofonogramas), os arquivos de áudio e a inspeção judicial (REIS;
GONÇALVES, 2020).
Caro(a) aluno(a), os meios de prova podem ser lícitos ou ilícitos. O juiz só
pode admitir os meios lícitos no processo, até porque o Código de Processo
Penal, no Artigo 157, não admite as provas ilícitas. E o que são provas ilícitas?
São aquelas provas obtidas em desrespeito às normas constitucionais ou legais
e que, por isso, devem ser desentranhadas dos autos do processo (LIMA, 2017).
Além dos meios de prova, há também os meios de obtenção de provas,
também chamados meios de investigação da prova. Os meios de obtenção
de ­provas são procedimentos regulados por lei com a finalidade de obter
provas materiais. A peculiaridade dos meios de obtenção de prova é que
podem ser realizados por outros funcionários que não o juiz, por exemplo,
policiais (LIMA, 2017).
Caro(a) aluno(a), lembra do que vimos em relação aos meios de prova
típicos? Exemplos de meios de prova típicos, previstos no Código Penal, são
a busca e a apreensão. Acontece que, embora inserida no Código como meio
de prova, ela, na verdade, é um meio de obtenção de prova, pois o objetivo
da busca e da apreensão não é obter elementos de prova, mas, sim, fontes
materiais de prova (LIMA, 2017).
Os pontos detalhados anteriormente o(a) ajuda a compreender a importância
do estudo sobre as provas. É necessário sempre que as provas sejam apresentadas
dentro das regras estabelecidas na legislação, para que os direitos de todos os
envolvidos sejam respeitados e para que, ao final, o juiz construa sua convicção
e, assim, profira a sentença no caso concreto. Por existirem provas, conforme
conceitos e detalhes que vimos até aqui, evita-se que excessos sejam praticados
quanto aos indivíduos. Mesmo que a pessoa seja condenada no final do anda-
mento processual, estará tudo certo, caso ela tenha sido chamada para se defender
ao longo do processo.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 2

Em resumo, há meios de prova utilizados para que as provas sejam produzidas


no processo — é meio de prova a fonte de prova que traz algum dado probatório
que é anexado ao processo. Há também os meios de obtenção de provas, utiliza-
dos para conseguir as provas, em regra, fora do processo. Destaco que há, ainda,
meios extraordinários de obtenção de prova.

IN D ICAÇÃO DE FI LM E

Título: O caso Evandro


Comentário: trata-se de uma série que retrata um caso real e
dá destaque a aspectos da investigação e do processo penal.
O ponto de partida da série é a morte de um menino, chama-
do Evandro, que teria sido assassinado em um ritual de magia
negra. O caso aconteceu no Brasil, em uma cidade do estado
do Paraná. Trouxe como dica a você, caro(a) aluno(a), porque,
após o desaparecimento do menino, houve muitos problemas
com os meios de prova. Uma dica: no spotify, você encontra o
mesmo conteúdo e informações da série, de forma gratuita, no
formato de podcast. É só pesquisar “O caso Evandro: Projeto
Humanos”. Recomendo que ouça ou assista, prestando aten-
ção aos meios de prova e aos meios de obtenção de prova
mencionados ao longo da série.

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U N I AS S E LVI

Até agora, você conheceu questões gerais sobre a prova no processo penal. Com-
preendeu que, sempre que há um fato importante para o direito penal, o chamado
fato típico, caso, dele, resultem vestígios, será necessário o exame de corpo de de-
lito, que é um dos meios de prova possível. Lembrando que vestígio, sendo Brasil
(1941, on-line), é “todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado
ou recolhido, que se relaciona à infração penal” (Artigo 158-A, § 3º). Além do
exame de corpo de delito, são possíveis outros meios de prova, vários previstos no
Código de Processo Penal. Há, contudo, meios de prova que não são previstos no
Código de Processo Penal, mas, mesmo assim, são admitidos dentro do processo.
Imagine que, em uma cena de crime, tenha sido coletado um vestígio. Este,
uma vez coletado, deve ser submetido à perícia. A exata relação que há entre o
vestígio e o crime ficará clara após a perícia. Isto reforça a importância dos meios
de prova, já que a perícia é um exemplo de meio de prova. Atenção! Além dos
vestígios, há também os indícios. Indício e vestígio são diferentes! Segundo o
Artigo 239, do Código de Processo Penal, indício é “a circunstância conhecida
e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias” (BRASIL, 1941, on-line). O indício,
portanto, é aquilo que tem relação com o fato e, com isso, permite conclusões
sobre o fato. Mas estas conclusões são por indução.

NOVOS DESAFIOS
Caro(a) aluno(a), estamos chegando ao fim do primeiro tema da disciplina
de Meios de Produção de Prova. Conversamos sobre questões introdutórias,
assuntos gerais que permitirão a você compreender os temas que estudare-
mos nos próximos temas. No início do tema, pedi que você imaginasse que
João, um ator famoso, teria praticado um homicídio e Tício, um fã de João,
acreditava na inocência deste. Naquele momento, você, ainda, não tinha co-
nhecimentos sobre as provas no processo penal. Mas, agora, você consegue
repensar a situação com conceitos e fundamentos técnicos do processo penal.
Vamos, juntos, verificar isso?
Se João está sendo acusado de ter praticado um homicídio, então, houve
uma investigação sobre isto. Você já sabe que, na investigação, há momentos
probatórios específicos, nos quais são procuradas provas. Estas podem ser pro-

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 2

curadas na fase pré-processual, por meio dos meios de obtenção de provas.


Uma vez apresentadas, as provas são chamadas meios de prova. Os meios de
prova que o juiz utilizar para proferir sua decisão serão chamados elementos
de prova. Na procura das provas, podem ser encontrados elementos informa-
tivos, que não são submetidos ao contraditório. Além disso, falamos também
dos vestígios, que é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado
ou recolhido, que se relaciona à infração penal.
No exercício da sua profissão, conhecimentos relacionados aos Meios de Pro-
dução de Prova serão necessários para que você resolva casos como o de João. Por
isso, é importante que você conheça o conceito, o objeto, o objetivo, os elementos,
os meios de prova, os meios de obtenção de prova e todos os demais pontos que
estudamos até aqui sobre a prova no processo penal. É preciso estar atento(a) à
investigação e ao processo, pois, na investigação e no processo, será necessário
desenvolver as provas de modo que as pessoas que estejam sendo investigadas
ou processadas tenham seus direitos respeitados e, ao final, o juiz, destinatário
da prova, consiga compreender os casos concretos e, com isso, dar uma resposta
que resolva, efetivamente, o caso.

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AUTOATIVIDADE

1. A persecução penal envolve dois momentos: a investigação e o processo judicial. Nesses


dois momentos, o foco é sempre uma conduta. Na investigação, verifica-se se a conduta
foi criminosa. No processo judicial, caso confirmado que a conduta foi criminosa, é esta-
belecida uma sanção a quem a praticou. Para que isso seja possível, no processo penal, é
necessário que alguns fatos sejam comprovados. Escreva, com suas palavras, quais fatos
devem ser provados no processo penal e, em seguida, quais fatos dispensam prova no
processo penal.

2. São assuntos estudados na disciplina Meios de produção de prova: vestígio, indício e ele-
mento informativo. É importante não confundir o conceito desses três assuntos. Com base
no que foi estudado sobre eles, associe as Colunas 1 e 2, de acordo com o horizonte e sua
respectiva descrição. Em seguida, assinale a alternativa que contém a associação correta.

Coluna 1 Coluna 2

I - Vestígio ( ) É a circunstância conhecida e provada,


II - Indício que, tendo relação com o fato, autoriza,
III - Elemento informativo por indução, concluir-se a existência de
outra ou outras circunstâncias.
( ) Todo objeto ou material bruto, visível ou
latente, constatado ou recolhido, que
se relaciona à infração penal.
( ) Serve para informar, mas, por não ser
submetido ao contraditório, não pode
ser utilizado sozinho como fundamento
da decisão judicial.

A sequência correta para a resposta da questão é:

a) III, II, I.
b) I, II, III.
c) II, I, III.
d) I, III, II.
e) III, I, II.

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AUTOATIVIDADE

3. Os meios de obtenção de prova, também chamados meios de investigação da prova, trata-


-se de um assunto importante no processo penal, porque, por meio deles, torna-se possível
constatar informações sobre crimes que tenham acontecido. De que maneira os meios de
produção de prova contribuem com o processo penal? Justifique.

4. Para que as provas sejam apresentadas no momento processual probatório, ou seja, den-
tro da ação penal em andamento, primeiro, elas precisam ser, devidamente, coletadas. Ao
tratar sobre os meios de produção de provas, o Código de Processo Penal fala em vestígios
e em indícios. Explique, com suas palavras, o que são os vestígios e os indícios e qual a
importância deles.

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REFERÊNCIAS

ARAÚJO, A. C.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R.. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Ma-
lheiros, 2009.

AVENA, N. Processo Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2022.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:


Senado Federal, 1988.

LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

MASSON, C. R. Direito penal esquematizado: parte geral. 11. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: Método, 2017.

MENDRONI, M. B. Curso de investigação criminal. 3. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2013.

MENDRONI, M. B. Provas no processo penal: estudo sobre a valoração das provas penais. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2015.

REIS, A. C. A.; GONÇALVES, V. E. R. Sinopses Jurídicas. Processo penal: parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2020. v. 14.

TÁVORA, N.; ASSUMPÇÃO, V. Processo penal II: provas, questões e processos incidentes.
São Paulo: Saraiva, 2012. (Coleção Saberes do Direito).

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GABARITO

1. Os fatos que devem ser provados no processo penal são os fatos considerados relevantes
para o direito. Já os fatos que dispensam prova no processo penal são os fatos inúteis, notórios,
axiomáticos e aqueles que tenham presunção legal. Fatos inúteis são aqueles inúteis para
compreender a causa. Fato notório é a verdade conhecida por todos. Fato axiomático é aquele
considerado evidente, porque decorre da intuição e gera certo grau de certeza irrefutável.
Fato com presunção legal é aquele para o qual a lei já tenha dado um tratamento específico.

2. C.

Indício (II) é a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autoriza, por
indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias; vestígio (I) é objeto ou
material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal;
e elemento informativo (III) serve para informar, mas, por não ser submetido ao contraditório,
não pode ser utilizado sozinho como fundamento da decisão judicial.

3. Os meios de obtenção de provas são procedimentos regulados por lei com a finalidade de
obter provas materiais. A partir deste conceito, podemos dizer que os meios de obtenção
de provas contribuem com o processo penal, porque permitem a obtenção de provas ma-
teriais, permitem trazer ao processo penal provas que criarão o convencimento do julgador.
Ao analisar as provas obtidas, o juiz identificará o que é verdadeiro dentro do processo e,
assim, proferirá a decisão. O que ele utilizar para fundamentar sua decisão será chamado
de elemento de prova.

4. O Código de Processo Penal trata sobre os vestígios no art. 158-A, § 3º. Trata sobre indícios
no art. 239. Os vestígios são aqueles objetos colhidos na cena do crime e que têm relação
com a infração penal. Já os indícios são as circunstâncias que são conhecidas e provadas,
que têm relação com o fato e permitem concluir algo sobre o fato. As conclusões sobre os
fatos que são feitas a partir dos indícios são conclusões por indução, ou seja, são feitas a
partir de um raciocínio.

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MINHAS ANOTAÇÕES

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TEMA DE APRENDIZAGEM 3

CLASSIFICAÇÃO E ESPÉCIES DE
PROVAS NO PROCESSO PENAL

MINHAS METAS

Estudar as provas em espécies

Compreender a classificação das provas e quais as espécies de prova

Estudar das provas reais e pessoais

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U N I AS S E LVI

INICIE SUA JORNADA


Imagine a seguinte situação: um casal se hospedou em um hotel na cidade de
São Paulo. No primeiro dia da hospedagem, os funcionários do hotel ouviram
alguns barulhos vindos do quarto onde o casal estava. Como os barulhos
se encerraram rápido, não se preocuparam e não verificaram se algo havia
acontecido. Passados dois dias, os funcionários do hotel começaram a se
preocupar. Esta preocupação começou pelo seguinte: no hotel, as camareiras
só iam até os quartos para fazerem o procedimento de limpeza em horários
que os hóspedes estivessem fora. O recepcionista ligou para combinar com os
hóspedes o horário para a limpeza, mas não foi atendido por ninguém. Lem-
brou-se, então, dos barulhos da noite em que o casal chegou e que, depois dos
barulhos, nenhum dos hóspedes saiu do quarto. Por causa dessas situações,
um outro funcionário foi até o quarto e acionou a campainha. Ninguém o
atendeu. Os funcionários esperaram mais algumas horas, mas continuaram
sem conseguir contato com os hóspedes.
Considerando todas essas situações, os funcionários do hotel decidiram abrir
a porta com a chave reserva que havia no hotel. Ao abrirem a porta, viram que o
quarto estava todo desorganizado, a janela estava aberta e, além disso, só havia
uma pessoa lá dentro. Esta pessoa estava deitada no chão. Ao se aproximarem,
verificaram que ela estava sem vida. Os funcionários saíram do quarto e, ime-
diatamente, acionaram a polícia para informar o que estavam vendo no quarto.
A polícia chegou ao local, isolou o ambiente e os peritos começaram a coletar,
daquele ambiente, vestígios, elementos que pudessem se relacionar àquela morte.
Na situação hipotética que acabei de contar a você, o ambiente onde tudo
aconteceu foi um hotel, mas poderia ter ocorrido em qualquer outro lugar. Sem-
pre que há a morte de alguém, é necessário que autoridades policiais sejam cha-
madas e o local onde ocorreu o crime seja preservado. Preservar o local é cuidar
para que, em ambientes onde tenham ocorrido crimes, não entrem pessoas não
autorizadas. É necessário preservar ambientes onde tenham ocorrido fatos como
o descrito, para que tais ambientes não sejam alterados. Com o ambiente sem
alterações é que se torna possível coletar vestígios. Na situação anterior, os ves-
tígios serão coletados para, posteriormente, serem utilizados como objeto da
prova. Em outras palavras, fatos, circunstâncias e acontecimentos registrados
bem como coisas coletadas servirão como objeto da prova.

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Caro(a) aluno(a), na situação mencionada, você pode perceber que foi sobre
um homicídio. Mas é comum que aconteçam outros crimes no dia a dia.
Você sabe quais as provas possíveis quando ocorre um crime?
Que nome podemos dar às provas encontradas em uma cena de crime?
Em outras palavras, quais a classificação e as espécies de provas possíveis?

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Parabéns pela dedicação até aqui e obrigada por continuar comigo neste estudo!!!
Tenho uma boa notícia, você está pronto(a) para avançar para o próximo assunto
deste tema de aprendizagem. Mas, antes disso, convido você para uma roda de
conversa. Hoje, falaremos sobre as espécies de prova. Vamos, juntos, aprofundar o
assunto?! Recursos de mídia disponível no conteúdo digital no ambiente virtual
de aprendizagem
Conteúdo de áudio/vídeo não patrocinado. Esse recurso utilizará seu pacote de
dados (ou wifi) para ser exibido.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL


No Direito Processual Penal, há uma classificação da qual decorrem espé-
cies de provas. Sejam quais forem os fatos, acontecimentos e circunstâncias
registrados ou as coisas coletadas, corresponderão a alguma classificação e
espécie dentre aquelas estabelecidas no Direito Processual Penal. O crime
é uma conduta indesejada, no entanto acontece com frequência. Caso você
tenha curiosidade e queira verificar os crimes que mais têm ocorrido no
Brasil, sugiro que você faça pesquisas no site do Instituto de Pesquisa Econô-
mica Aplicada (IPEA). Lá, você encontrará estatísticas e outras informações
bastante interessantes sobre crimes que impactam a realidade brasileira. No
caso que vimos anteriormente, poderiam ser coletados, como vestígios, san-
gue da vítima, ferramenta utilizada para lhe tirar a vida, o próprio cadáver,
fotos do quarto desorganizado, vídeos dos corredores do hotel, caso houvesse
câmeras, impressões papiloscópicas, entre outros objetos que, também, po-
deriam ser encontrados. Mas isso são cogitações. Para deixar mais específica
a situação sobre a qual estamos refletindo, imagine que a Figura 1, a seguir,
seja a foto do quarto de hotel onde foi encontrado o cadáver.

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U N I AS S E LVI

Figura 1 - Corpo de uma pessoa assassinada

Descrição da Imagem: na fotografia, há o corpo de uma pessoa do sexo feminino no chão, que está com o rosto
virado para ele, de bruços, com a perna direita esticada e a esquerda semiflexionada. Do lado esquerdo da figura,
há uma poça de sangue, próximo à costela e à barriga. Há, também, do lado esquerdo, uma faca suja de sangue.
Há pequenas placas espalhadas: uma próximo ao pé direito que está sem sapato, outra próximo ao joelho es-
querdo, e outra próximo à faca.

Há fatos, acontecimentos, coisas ou circunstâncias, na foto anterior, que demons-


tram, de alguma forma, o provável instrumento utilizado para causar a morte da
pessoa que está no chão?
Como você pode perceber, a faca é esse elemento, porque está próxima à
pessoa e está suja de sangue. Mas é possível saber de quem é o sangue que está
na faca? Sobre o cabo da faca, só olhando a foto, é possível dizer se há digitais da
pessoa que a utilizou? Embora seja possível imaginar que a faca tenha sido utili-
zada para causar a morte da pessoa que está no chão, isso é uma probabilidade.
Para ter certeza, é preciso fazer exames para constatar de quem é o sangue que
está na faca e verificar se há impressões digitais nela, as chamadas impressões
papiloscópicas. Portanto, o sangue que se encontra na faca será coletado para ser
submetido a exame. Caso haja digitais na faca, elas serão reveladas.

Perceba que, para obter informações precisas sobre um crime, serão necessários
exames sobre aquilo que for encontrado no lugar onde o crime ocorreu.

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Esses exames, também, são chamados de perícia. No exemplo sobre o qual es-
tamos conversando, para descobrir informações sobre o sangue encontrado na
faca, sobre as digitais reveladas e, também, em relação ao corpo, serão feitos tais
exames. E se houver câmera no ambiente em que aconteceu o crime? Também
será objeto da perícia.
A imagem que estamos utilizando como referência não tem muitos elemen-
tos. Mesmo assim, conseguimos identificar três exames possíveis: exame sobre
o sangue que está na faca, exame sobre eventuais digitais que existam na faca
e exame sobre o corpo que está no chão. Em uma cena com mais elementos, a
complexidade é maior, de modo que poderemos ter outras provas. É sobre isto
que conversaremos neste tema.
Como você já deve saber, crime é todo fato típico, ilícito e culpável, que ocorre
por meio da conduta humana, ou seja, da ação ou omissão de uma pessoa. No
caso que vimos anteriormente, você pode identificar uma situação equivalente a
um crime. Para verificar se, realmente, corresponde a um crime, serão objetos da
prova o sangue que está na faca, eventuais digitais que existam na faca e o corpo
que está no chão. Vamos desenvolver nossas habilidades sobre isso? Para tanto,
peço que você observe as imagens a seguir. Há, em tais imagens, fatos, aconte-
cimentos, coisas ou circunstâncias que demonstrem ter ocorrido algum crime?

Figura 2 - Cena de crime

Descrição da Imagem: na fotografia, há, ao fundo, o corpo de uma pessoa, sem vida, no chão, coberto por um
tecido branco. Do lado direito da figura, há a mão, com luva, de uma pessoa que segura uma placa que possui o
número dois escrito. Na frente dessa pessoa, há uma munição de arma de fogo e, um pouco mais ao fundo, um
outro objeto não identificado. No lado esquerdo, há um copo caído.

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Caro(a) aluno(a), como você já tem conhecimento, em cada crime, há fatos,


coisas, circunstâncias ou acontecimentos que podem ser demonstrados e, assim,
ajudar a esclarecer quem foi o autor (indícios da autoria) ou detalhes sobre o
crime ocorrido (prova da materialidade). Na Figura 2, você pôde perceber um
ambiente onde, provavelmente, ocorreu um homicídio.

Figura 3 - Quarto desorganizado

Descrição da Imagem: na fotografia, há um cômodo de uma casa com a porta aberta. A porta é de madeira e está
com a fechadura quebrada. Dentro do quarto, há um cesto de roupas virado no chão, muitos objetos em desalinho
e uma cama com muitos objetos sobre ela.

Na Figura 3, é possível afirmar que houve violação de domicílio.

Figura 4 - Porta de carro com vidro quebrado

Descrição da Imagem: na fotografia, sob incidência de luz solar, h'á um carro de cor escura. O vidro da porta da
frente, do lado do motorista, está quebrado/estilhaçado.

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A Figura 4 mostra um ambiente onde, provavelmente, ocorreu furto. Como


podemos afirmar isto? Por meio dos itens que você identificou nas imagens.
Homicídio, segundo o Artigo 121, do Código Penal, é a conduta de matar
alguém (BRASIL, 1940). Na Figura 2, há elementos que indicam a morte de
alguém e, consequentemente, a conduta do homicídio. Violação de domicílio,
conforme estabelecido no Artigo 150, do Código Penal, é a conduta de: “entrar
ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou
tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências” (BRASIL,
1940, on-line).
Na Figura 3, há indicativos de que alguém entrou em casa alheia. Furto,
conforme o Artigo 155, do Código Penal, é “subtrair, para si ou para outrem,
coisa alheia móvel” (BRASIL, 1940, on-line). Na Figura 4, não vemos nada
dentro do carro, apenas o vidro quebrado. Mas pense que, dentro do carro,
havia uma bolsa. Nesse contexto, se alguém quebra o vidro para subtrair para
si a bolsa que estava dentro do carro, pratica o crime de furto.
Atenção! São cogitações, hipóteses que estamos desenvolvendo a partir do
que conseguimos perceber nas figuras analisadas.
Nos casos concretos, conforme as investigações se desenvolvem, será possí-
vel verificar que outros crimes também aconteceram — por exemplo, na Figura
3, pode ser que a porta tenha sido aberta à força, porque havia alguém sub-
metido a sequestro e cárcere privado. Tudo o que você identificou é estudado
no assunto das espécies de provas, e são várias as espécies de provas possíveis.
A doutrina, ou seja, os autores que escrevem sobre Direito Processual Penal,
é que diz quais as espécies possíveis. Para entender as espécies, é necessário
estudar a classificação que a doutrina atribui às provas. Portanto, compreender
as classificações ajudará você a identificar as espécies de provas possíveis.
Caro(a) aluno(a), conversamos bastante sobre objetos que podem ser en-
contrados em cenas de crime. Você percebeu que são muitas as possibilidades,
e estas são estudadas no Direito Processual Penal como classificação e espé-
cies. Cada autor apresenta uma classificação. Por isso, atenção! Ao aprofundar
seus estudos, é possível que você encontre classificações diferentes das que
trataremos neste tema. Para classificar as provas, os autores têm, como ponto
de partida, alguns critérios. Assim, classificam as provas de acordo com sua
natureza, seu valor, sua origem, sua fonte. Outra classificação possível é aquela
que considera o objeto, o efeito (ou o valor), o sujeito (ou a causa) e a forma (ou

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a aparência). Uma terceira classificação estabelece espécies de provas quanto


ao momento, ao sujeito, à forma e ao conteúdo.

VICTOR EDUARDO R.
NESTOR TÁVORA E
GONÇALVES E ALEXAN- MARCELO B. MENDRONI
VINÍCIUS ASSUMPÇÃO
DRE CEBRIAN A. REIS (2015, P. 88-100)
(2012)
(2020, P.157-158)

Quanto ao objeto
Quanto à natureza Quanto ao momento
Quanto ao efeito ou valor
Quanto ao valor Quanto ao sujeito
Quanto ao sujeito ou causa
Quanto à origem Quanto à forma
Quanto à forma ou
Quanto à fonte Quanto ao conteúdo
aparência

Quadro 1 - Resumo da classificação das provas que estudaremos / Fonte: adaptado de Reis e Gonçalves
(2020), Távora e Assumpção (2021) e Mendroni (2015).

A primeira classificação mencionada no Quadro 1 é aquela proposta por Reis


e Gonçalves (2020). Estes autores afirmam que, quanto à natureza, as provas
podem ser diretas ou indiretas. Mas o que é prova direta e prova indireta? Pro-
va direta é aquela que, sozinha, já demonstra o fato, enquanto prova indireta é
aquela que permite deduzir o fato que se deseja provar. Calma, vou explicar isso
também, por meio de exemplos. Sugiro que, depois de ver os exemplos, volte a
este parágrafo, pois tenho certeza de que, ao voltar a ler, compreenderá melhor a
explicação que lhe apresentei. Recomendo, inclusive, que faça assim sempre que
eu apresentar exemplos ao longo da nossa conversa. Combinado?

P E N SAN DO J UNTO S

Classificar é categorizar, é identificar, é “determinar a classe, ordem, família, gênero


e espécie” (MICHAELIS, [2022], on-line). As espécies de provas são identificadas
na classificação. As espécies de provas são diferentes entre si, mas têm algo em
comum: todas, de algum modo, são provas.

Um exemplo de prova direta é a testemunha ocular. Imagine que João mata José
e, após fazer isso, decide esconder o corpo dele. Esconder o corpo é uma conduta

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3

criminosa — podemos dizer que é uma conduta criminosa porque está assim
definida no Artigo 211, do Código Penal (BRASIL, 1940). No momento em que
João esconderá o corpo, Maria aparece e presencia esta cena. Maria não viu João
matando José, viu apenas João escondendo o corpo. Logo, Maria foi testemunha
ocular do crime de ocultação de cadáver.

Quanto às provas indiretas, o exemplo que trago a você é o álibi. Este é a alegação
apresentada por uma pessoa suspeita de ter praticado um crime. Esta alegação é
feita para provar que, quando o crime aconteceu, o suspeito estava em lugar di-
ferente daquele onde o crime ocorreu. Vamos a uma situação hipotética: imagine
que Lúcia está sendo acusada de ter praticado o crime de homicídio no dia 12 de
maio de 2022, na cidade de São Paulo. No entanto Lúcia não estava em São Paulo
durante o mês de maio, ela estava em Londres, em uma viagem internacional.
O álibi de Lúcia, comprovável pelo passaporte que utilizou para viajar, é uma
prova indireta de que não cometeu o crime. Isto porque, uma vez que estava em
viagem no dia 12 de maio de 2022, era impossível que ela, ao mesmo tempo,
tivesse praticado o crime de homicídio em São Paulo.
Quanto ao valor, as provas podem ser plenas/perfeitas/completas ou não ple-
nas/imperfeitas/incompletas. As provas plenas podem ser chamadas, também, de
provas perfeitas ou completas. As provas plenas, portanto, são aptas a guiar o juiz
a um juízo de certeza, ou seja, elas convencem o juiz quanto a algo relacionado
ao crime. Já as provas não plenas são aquelas que demonstram ser provável que

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o fato aconteceu ou determinada pessoa foi autora do fato. As provas não plenas
podem ser chamadas de imperfeitas, incompletas.
Um exemplo de prova plena é um vídeo mostrando o momento em que
determinado crime ocorre.
Vamos a um exemplo?

Imagine que João utilizou uma arma de fogo para matar José e, no lugar onde isso
aconteceu, havia câmeras. As imagens gravadas nas câmeras mostram o momento
exato em que ocorreram os disparos, sendo possível ver, nitidamente, o rosto de
João também. Há, portanto, provas que excluem qualquer possibilidade de que
João seja inocente. Há, assim, uma prova plena.

Quanto às provas não plenas, como já vimos, são aquelas que demonstram uma
probabilidade, ou seja, não demonstram certeza. Um exemplo de provas não
plenas são os indícios. Pense na seguinte situação: após tomar conhecimento da
ocorrência de um homicídio, a polícia se dirige ao local que lhe foi informada.
Chegando no local, encontra um corpo, sem vida, estendido no chão. Nesse
corpo, há ferimentos feitos por munições que foram disparadas por arma de
fogo. Feito um exame pericial, confirma-se que a morte só aconteceu porque as
munições de arma de fogo (Figura 5) atingiram um órgão vital.

Figura 5 - Figura demonstrando disparo de arma de fogo

Descrição da Imagem: na fotografia, há uma arma empunhada com disparo em andamento. A figura capturou o
momento em que foi acionado o gatilho e a munição iniciou seu trajeto.

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Não sei se você sabe, mas, quando a munição passa pelo cano da arma de fogo,
ocorrem ranhuras na munição. Essas ranhuras são singulares, uma vez que cada
arma produz um tipo de ranhura. Imagine que, no caso que acabei de lhe contar,
as munições retiradas foram as da imagem a seguir.

Figura 6 - Munições de arma de fogo

Descrição da Imagem: na fotografia, há duas munições em pé, uma delas com a ponta danificada. Na base das
duas, há marcas similares: dois riscos levemente inclinados.

Observe que, na Figura 6, há duas munições, e ambas têm ranhuras similares na


base: dois riscos levemente inclinados. Isto significa que estas munições foram
disparadas por uma mesma arma. No caso sobre o qual estamos conversando, a
polícia, ainda, não sabe quem foi o autor dos disparos, mas, a partir das ranhu-
ras encontradas nas munições, sabe que tipo de arma foi utilizada na prática
do crime. Dessa forma, para encontrar quem foi o autor do crime, a polícia
precisará encontrar o dono da arma utilizada para os disparos. Na situação
hipotética sobre a qual estamos conversando, a arma é o indício. Portanto, a
arma é a prova não plena.
Calma, logo você compreenderá por completo o que estou lhe explicando. Para
isso, vamos ver o que é indício? Segundo o Artigo 239, do Código de Processo Penal,
“considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação
com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outras circunstân-
cias” (BRASIL, 1941, on-line).

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No caso, a arma é indício porque é a circunstância conhecida e provada que


tem relação com o fato, que é o homicídio, e sabemos que o homicídio só acon-
teceu porque a arma foi disparada. Logo, por indução, podemos concluir que
o dono da arma fez os disparos, ou seja, praticou o crime.Talvez, você esteja se
perguntando: e se outra pessoa tivesse se apropriado da arma e efetuado os dis-
paros? Fico feliz com sua pergunta!
Perceba que contei a você essa longa história para que compreenda que a prova
não plena é aquela que nos permite algumas conclusões, mas não há certeza nestas.
O indício é um exemplo de prova não plena, pois ele até traz algumas respostas, no
entanto não soluciona, sozinho, as dúvidas sobre os crimes que tenham ocorrido.
No nosso exemplo, descobrir quem é o dono da arma que foi utilizada permite al-
gumas conclusões, mas pode ser que a arma tenha sido utilizada por outra pessoa, e
não pelo seu dono. Pela possibilidade de ter sido utilizada por uma pessoa diferente,
a arma é um indício, ou seja, uma prova não plena. É uma prova não plena porque,
embora traga respostas, não traz respostas exatas, isto é, certezas.

Atenção! Os indícios ora são chamados de provas indiretas, ora de provas não
plenas. Conversaremos sobre isso mais à frente, quando falarmos de prova e indício.

Na classificação quanto à origem, as provas podem ser originárias ou derivadas.


Uma prova é originária “quando não há intermediários entre o fato e a prova”. Por
outro lado, será derivada “quando houver intermediação entre o fato e a prova”
(REIS; GONÇALVES, 2020, p. 157-158). Um exemplo de prova originária é a tes-
temunha presencial, que é aquela pessoa que viu o crime enquanto ele acontecia,
portanto, não há intermediários entre o testemunho dado por ela e o fato criminoso
ocorrido. A consequência é que essa pessoa relatará exatamente o que presenciou.

P E N SA N DO J UNTO S

Sei que foi longa a história que lhe contei sobre o indício para exemplificar a prova
não plena. Então, vamos reforçar o que você precisa ter compreendido de tudo o
que lhe falei sobre esta espécie de prova? A prova não plena é aquela que demons-
tra uma probabilidade, não demonstra certezas. No exemplo sobre o qual conversa-
mos, a arma traz esta probabilidade: é provável que o dono da arma tenha praticado
o crime, mas não é certeza, o crime pode ter sido praticado por outra pessoa.

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PROVA DERIVADA

Agora, pensaremos um pouco sobre a prova derivada. Já conversamos que prova


derivada é aquela que, entre ela e o crime, há intermediários. Pense, por exemplo,
no testemunho do testemunho, também conhecido como testemunha de ouvir
dizer. Imagine que João presenciou um crime e contou para José o que viu. Se, por
exemplo, João relatar o que viu para a autoridade policial ou para a autoridade
judicial, será uma testemunha presencial, portanto, uma prova originária. Se
José relatar o que ouviu, seu relato equivalerá a um testemunho do testemunho,
portanto, uma prova derivada.

Vamos, agora, à última classificação proposta por Reis e Gonçalves (2020), que
é a classificação quanto à fonte. Segundo esta classificação, as provas podem ser
pessoais ou reais. São pessoais aquelas provas que têm participação de pessoas,
ou seja, participação humana. Já as provas reais são aquelas que têm, como fonte,
a análise de elementos físicos, materiais. Um exemplo de prova pessoal é a confis-
são. Na confissão, a pessoa a quem está sendo imputada uma prática criminosa
admite ter praticado o crime. Sobre a confissão, por enquanto, basta que você
saiba que é um exemplo de prova pessoal.
E as provas reais? Conforme você pôde perceber no conceito que estudamos,
as provas reais são aquelas que têm, como fonte, a análise de elementos físicos
e materiais. As provas reais são aquelas que, de alguma forma, materializam-se.

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Alguns exemplos de provas reais são: a arma utilizada para a prática do crime, o
cadáver resultante do crime e as pegadas deixadas na cena do crime (Figura 7).

Figura 7 - Pegadas no chão

Descrição da Imagem: na fotografia, há marcas de sapatos, pegadas, sobre o chão de terra. Na pegada, nasceu
uma pequena vegetação.

Veja o resumo da classificação e das espécies que acabamos de estudar.

PROVAS QUANTO À NATUREZA:

Prova direta
Prova indireta

PROVAS QUANTO À VALOR:

Prova plena/perfeita/completa
Prova não plena/imperfeita/incompleta

PROVAS QUANTO À ORIGEM:

Prova originária
Prova derivada

PROVAS QUANTO À FONTE:

Prova pessoal
Prova real

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Vamos organizar a forma como estamos trabalhando os conteúdos? - No co-


meço do nosso estudo, vimos classificação e espécies de provas, segundo Reis
e Gonçalves (2020). Estudaremos, a partir de agora, classificação e espécies de
prova, segundo Távora e Assumpção (2021). Por fim, estudaremos classificação
e espécies de prova, segundo Mendroni (2015). Atenção! Ao analisarmos o que
afirmam estes autores, na verdade, estamos estudando três vezes o mesmo assun-
to. Isto é importante, porque permitirá que você conheça, com profundidade, o
assunto e fixe o conteúdo.
A segunda classificação que lhe apresentei no começo do nosso estudo
(­Quadro 1) foi a de Távora e Assumpção (2021). Vimos que, para estes autores,
as provas podem ser classificadas quanto ao objeto, ao efeito (ou valor), ao sujei-
to (ou causa) e à forma (ou aparência). A prova quanto ao objeto é aquela que,
de alguma forma, tem ligação com o fato a ser provado. Se esta ligação entre a
prova e o fato a ser provado for direta, estaremos diante da prova direta. Caso a
ligação entre a prova e o fato a ser provado seja por dedução, estaremos diante
da prova indireta.

A prova quanto ao efeito (ou valor) é aquela na qual consideramos o grau de cer-
teza que ela gera em relação ao fato. É possível que uma prova traga uma certeza
plena quanto ao fato analisado. Quando isso acontecer, será uma prova plena.
No entanto, quando a prova não trouxer esta certeza, será uma prova não plena
ou indiciária. A prova quanto ao sujeito (ou causa) é aquela prova considerada
em si mesma e pode ser classificada em real ou pessoal. Quando for uma coisa
decorrente do fato, será uma prova real. Quando decorrer do conhecimento que
alguém tem sobre o assunto a ser provado, será uma prova pessoal (TÁVORA;
ASSUMPÇÃO, 2012).
Há também a prova quanto à forma (ou aparência), que diz respeito ao modo
como a prova é apresentada no processo (TÁVORA; ASSUMPÇÃO, 2012). As

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provas podem ser apresentadas de três maneiras no processo: por testemunho,


por documento ou materialmente. Por isso, as provas quanto à forma (ou apa-
rência) são chamadas de prova testemunhal, documental e material.

Atenção! A prova testemunhal é aquela que resulta de testemunho, ou seja, da


afirmação de alguma pessoa. A prova documental é o elemento que sintetizará,
graficamente, a manifestação de um pensamento — sintetizar graficamente é passar
uma informação para algum documento. Já a prova material simboliza qualquer
elemento que demonstre, materialmente, um fato — por exemplo, o exame de
corpo de delito sobre um cadáver é prova material no crime de homicídio (TÁVORA;
ASSUMPÇÃO, 2012)

Para resumir quais são as classificações e as espécies de provas, segundo Tá-


vora e Assumpção (2021), veja a figura a seguir.

PROVAS QUANTO AO OBJETO:

Prova direta
Prova indireta

PROVAS QUANTO AO EFEITO/VALOR:

Prova plena
Prova não plena/indiciária

PROVAS QUANTO AO SUJEITO/CAUSA:

Prova pessoal
Prova real

PROVAS QUANTO À FORMA/APARÊNCIA:

Prova testemunhal
Prova documental
Prova material

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Vamos, agora, à última classificação que propus a você no começo da nossa


conversa (Quadro 1), que é a classificação apresentada por Mendroni (2015).
Para este autor, as provas podem ser classificadas quanto ao momento, ao
sujeito, à forma e ao conteúdo. Quanto ao momento, as provas serão pré-
-processual e processual. Para explicar a importância desses dois momen-
tos, o autor afirma que as provas são colhidas no momento chamado fase
pré-processual. Apenas quando apresentada em juízo é que se torna prova
processual, momento em que passam a servir de suporte para o início da ação
penal (MENDRONI, 2015).
O autor, também, afirma que, raramente, há provas novas na fase pro-
cessual. Quase sempre, as provas da fase processual são as mesmas provas
que foram apresentadas na fase pré-processual. Isto é importante porque as
provas da fase pré-processual estão bastante próximas do momento em que
o crime aconteceu e, dessa forma, tendem a ser mais nítidas (MENDRONI,
2015). Na classificação quanto ao sujeito, Mendroni (2015) diz quais são
os sujeitos que têm contato direto com a prova: o órgão administrativo, o
promotor e o juiz. O órgão administrativo, que é a polícia, faz a coleta das
provas e toma as medidas necessárias para preservar essas provas. Caso a
polícia seja informada sobre a ocorrência de algum crime tempos após sua
prática, deverá repassar esta informação ao Ministério Público. O Promotor
de Justiça, ao receber esta informação, deve analisar o caso para verificar
se é necessário colher outros elementos que demonstrem detalhes sobre
o crime. Assim, é necessário estabelecer estratégias para que isto acon-
teça. Para traçar essas estratégias, o caminho escolhido na investigação
pode mudar conforme os elementos surjam. Nesse momento, o trabalho
da polícia continua sendo importante. Quanto ao órgão administrativo e
ao Ministério Público, preste atenção ao que Mendroni (2015, p. 91-92)
afirma nos trechos a seguir.


Não há como negar, por outro lado, que as opiniões dos Delegados
de Polícia serão sempre bem-vindas e a discussão e as críticas cons-
trutivas deverão ser analisadas cuidadosamente pelo Promotor de
Justiça, até porque nem tudo o que se imagina na teoria corresponde
à plena aplicabilidade na prática, ou seja, haverá situações imagi-
nadas pelo Promotor que não serão plenamente operacionalizáveis

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ou, caso sejam, poderão revestir-se de riscos que podem acabar


prejudicando o sucesso do plano imaginado.

Se a planificação deve pertencer majoritária e predominante-


mente ao Promotor de Justiça, a operacionalização deve in-
cumbir preferencialmente ao Delegado de Polícia, devidamente
treinado para comandar e executar no campo as investigações.
É o Delegado de Polícia que deve distribuir as tarefas dos in-
vestigadores, determinar-lhes modus operandi, vigiá-los para
que resultem corretamente aplicadas e corrigir eventuais falhas.
Planificar formas de operação é atividade típica policial – espe-
cificamente treinada para tanto.
Nesse aspecto, deve o Promotor, querendo acompanhar a dili-
gência, fazê-lo a distância, ou seja, de fora da atividade própria
da Polícia. Na realização de uma diligência de busca e apreen-
são, pode – e até deve – o Promotor ingressar na residência ou
na empresa, mas somente após a conclusão do trabalho policial
de ingresso e primeiras providências de segurança e constata-
ção. Assim, poderá o Promotor dar sequência aos trabalhos no
sentido de analisar documentos e objetos que eventualmente
possam interessar à investigação, determinando a sua apreensão.
A participação do Promotor de Justiça nestes casos se justifica
plenamente para uma atividade de coleta seletiva de evidências.
É uma atuação cirúrgica, com o que, além de evitar coleta de ma-
terial desnecessário, que provoca prejuízos à parte investigada,
também otimiza o trabalho investigativo, convertendo-se em
verdadeira economia processual.

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

Resumindo: o órgão administrativo, que é a polícia, é responsável pela coleta e


preservação das provas. O Ministério Público pode participar disso. O juiz de pri-
meira instância avalia, atribui valor às provas. Os tribunais superiores não avaliam
as provas, apenas realizam atividades, como controle e verificação de elemen-
tos, por exemplo, dos princípios e dos motivos que tenham sido apresentados
na sentença.

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Ainda quanto ao sujeito, tem importância o juiz. Isso porque a prova é destinada
ao juiz de primeira instância. É o juiz de primeira instância que avalia a prova.
Os tribunais não têm essa função. Aos tribunais cabe apenas controlar e verificar,
por exemplo, os princípios processuais penais e a motivação da sentença.
Quanto à forma, a prova pode ser testemunhal, documental ou material.
Prova testemunhal é aquela proferida a partir do que é construído na mente
humana, a partir daquilo que os sentidos humanos, especialmente a visão e
a audição, captam. Em outras palavras, é o


“retrato de um fato (pela visão), em conjunto com o eventual ruído
produzido (audição), processados pela compreensão da situação,
formam em geral as circunstâncias relatadas pelas testemunhas aos
Juízes” (MENDRONI, 2015, p. 93-94).

Caro(a) aluno(a), é importante que você saiba que a prova testemunhal nem
sempre terá a mesma importância que imagens filmadas. Aliás, “dificilmente
poderá assumir a mesma capacidade potencial probatória do que uma cena
filmada, com vídeo e áudio” (MENDRONI, 2015, p. 95).
A prova documental, por sua vez, pode ser de formas variadas. Seu valor
dependerá de vários fatores, por exemplo, das circunstâncias em que o do-
cumento foi produzido. Documentos que sejam passíveis de perícia, chama-
das perícias documentoscópicas, terão maior valor probatório (MENDRONI,
2015). Sobre a prova material, Mendroni (2015) a conceitua por exclusão, de
forma residual. Afirma que prova material “é a que, não sendo testemunhal ou
documento, corresponde a um material” (MENDRONI, 2015, p. 96).
Quanto ao conteúdo, há as provas diretas e as provas indiretas. São assim
chamadas a depender da forma como se relacionam com o fato a ser provado.
A prova será direta quando ligada ao próprio fato. Por exemplo, o exame de
corpo de delito feito em um cadáver, após um homicídio. Perceba que o fato
a ser analisado é o homicídio. Ao mesmo tempo, o cadáver é prova de que o
homicídio ocorreu, portanto, é prova ligada diretamente ao fato. Quanto à
prova indireta, pense novamente no exemplo do homicídio. No entanto, agora,
a situação é diferente, o cadáver desapareceu, não foi encontrado. Tudo o que
temos são indícios de que o homicídio ocorreu, portanto, provas que, indire-
tamente, estão relacionadas ao fato.

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Agora que você compreendeu a classificação das provas, segundo Mendroni


(2015), deixo a você um resumo disso, indicando as espécies que decorrem dessas
classificações, o que facilitará seu estudo quando fará revisões!

PROVAS QUANTO AO MOMENTO:

Prova pré-processual
Prova processual

PROVAS QUANTO AO SUJEITO:

Prova pelo órgão administrativo (Polícia)


Prova pelas partes (Ministério Público)
Prova pelo juiz

PROVAS QUANTO À FORMA:

Prova testemunhal
Prova documental
Prova material

PROVAS QUANTO AO CONTEÚDO

Prova direta
Prova indireta

Caro(a) aluno(a), você consegue perceber o que há em comum na classificação e


nas espécies apresentadas pelos autores? Ao classificarem as provas, usam nomes
diferentes. Veja que aquilo que Távora e Assumpção (2021) chamam de provas
quanto ao efeito (ou valor) e quanto ao sujeito (ou causa), Reis e Gonçalves (2020)
dão o nome de provas quanto ao valor e provas quanto à fonte. O que Távora e As-
sumpção (2021) chamam de provas quanto ao objeto, e Reis e Gonçalves (2020)
de prova quanto à natureza, Mendroni (2015) dá o nome de provas quanto ao
conteúdo. O que Távora e Assumpção (2021) chamam de provas quanto à forma
/aparência, Mendroni (2015) chama de provas quanto à forma.

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Atenção! Mendroni (2015) traz uma classificação sobre a qual os demais autores
estudados aqui não falam. Trata-se das classificações quanto ao momento e ao
sujeito. Para este autor, quanto ao momento, as provas podem ser pré-processuais
e processuais e, quanto ao sujeito, podem ser de órgão administrativo, das partes
ou de juiz. Reis e Gonçalves (2020), também, apresentam uma classificação sobre a
qual os demais autores estudados não falam, que é a classificação quanto à origem.
Na classificação quanto à origem, as provas podem ser originárias ou derivadas.

Agora que encerramos o estudo da classificação e das espécies de prova, você


pode perceber que as espécies de prova variam conforme a classificação. Para
ajudar você a não esquecer disso, veja o quadro a seguir. Nele, você reforçará sua
compreensão sobre a classificação e as espécies de provas.

CLASSIFICAÇÃO ESPÉCIES EXEMPLOS

Gravação, em vídeo, de imagens


Provas quanto ao • Plena/perfeita/­ que revelam o momento exato
efeito/valor — completa em que ocorreu o crime e o autor
segundo Távora e do crime.
Assumpção (2021)
e Reis e Gonçal- • Não plena/im-
ves (2020) perfeita/incom- Indícios
pleta/indiciária

Provas quanto ao Arma do crime, cadáver, fotogra-


• Real
sujeito/causa/­ fia, pegadas.
fonte — segundo
Távora e Assumpção Testemunho, confissão, conclu-
(2021) e Reis e Gon- • Pessoal sões periciais, documento escrito
çalves (2020) pela parte, declarações da vítima.

Provas quanto ao
objeto/natureza/ • Direta Testemunha ocular.
conteúdo — segun-
do Távora e As-
sumpção (2021), Reis
e Gonçalves (2020) e • Indireta Álibi.
Mendroni (2015)

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CLASSIFICAÇÃO ESPÉCIES EXEMPLOS

• Testemunhal Interrogatório do réu.

Provas quanto à
forma/aparência • Documental Contrato.
— segundo Távora e
Assumpção (2021) e
Mendroni (2015) Exame de corpo de
delito, instrumentos
• Material
utilizados para a prática
do crime.

Instrumentos da prática do crime


• Pré-Processual coletados pela polícia na cena
Provas quanto ao do crime.
momento — segun-
do Mendroni (2015)
Interrogatório de testemunha
• Processual
durante o processo.

• Órgão adminis-
Prova encontrada pela polícia.
trativo

Quando o Ministério Público tem


Provas quanto ao contato direto com a prova para,
• Partes
sujeito — segundo após isso, analisar se denuncia,
Mendroni (2015) ou não, pelo crime.

Quando tem contato direto com a


• Juiz prova. Utiliza a prova para profe-
rir decisão.

• Originária Testemunha presencial.


Provas quanto à
origem — segundo
Reis e Gonçalves
(2020) • Derivada Testemunho do testemunho.

Quadro 2 - Resumo e exemplos da classificação e das espécies de prova


Fonte: adaptado de Távora e Assumpção (2021), Reis e Gonçalves (2020) e Mendroni (2015).

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Agora, reforçaremos alguns assuntos que você já conhece, mas que merecem
uma atenção a mais. Trataremos das provas reais e pessoais e, em seguida, das
provas diretas e indiretas.
Conforme conversamos, as provas reais são aquelas que se “originam, da
apreciação de elementos físicos distintos da pessoa humana” (REIS; GONÇAL-
VES, 2020, p. 193).
Já vimos, como exemplo, as pegadas deixadas em uma cena de crime. Outros
exemplos são o cadáver e a arma do crime. As provas pessoais são aquelas que
nascem de alguma manifestação humana, a exemplo da testemunha ou de algum
documento escrito pela parte. Assunto sobre o qual também já conversamos,
mas reforçaremos alguns detalhes, são as provas diretas e as provas indiretas.
As provas diretas são aquelas que têm relação direta com os fatos, enquanto as
provas indiretas são aquelas que têm relação indireta com eles. Isso você já sabia,
porque é assunto sobre o qual já conversamos. A novidade que trago a você é que
as provas, sejam quais forem suas classificações, devem ser analisadas no todo,
e não individualmente, porque, a partir disso, será possível chegar a conclusões
quanto ao fato em análise.

Passaremos, agora, ao aprofundamento de um assunto que não é novo para


você, os indícios. Já vimos que o indício é um exemplo de prova não plena.

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Mas preciso chamar sua atenção para o seguinte: há discussões sobre isto!
Convido você a continuar comigo, agora, neste estudo sobre prova e indício.
Falei a você sobre os indícios quando conversamos sobre a prova não plena.
Para tanto, minha explicação teve como fundamento os autores Távora e
Assumpção (2021). Segundo esses autores, o indício é exemplo de prova
não plena, e o Artigo 239, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), é
que explica isso. Acontece que há outros autores que afirmam ser possível
entender os indícios em duas perspectivas: como prova indireta e como
prova semiplena (LIMA, 2017). Sobre os indícios como prova indireta, Lima
(2017, p. 592) afirma:


No sentido de prova indireta, a palavra indício deve ser compreen-
dida como uma das espécies do gênero prova, ao lado da prova
direta, funcionando como um dado objetivo que serve para con-
firmar ou negar uma asserção a respeito de um fato que interessa à
decisão judicial. É exatamente nesse sentido que a palavra indício é
utilizada no art.239, CPP. Partindo-se de um fato base comprovado,
chega-se, por meio de um raciocínio dedutivo, a um fato conse-
quência que se quer provar. Na dicção de Maria Thereza Rocha de
Assis Moura, “indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo
fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao
conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio
de um raciocínio indutivo-dedutivo.

O autor destaca que grande parte da doutrina explica indício exclusivamente


com base no Artigo 239, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941). Acres-
centa que, apesar disso, indício, também, pode ser usado com o significado de
prova semiplena. Como prova semiplena, o fundamento está nos Artigos 126,
312 e 413, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).


Apesar de grande parte da doutrina referir-se aos indícios apenas
com o significado de prova indireta, nos termos do art.239 do CPP,
a palavra indício também é usada no ordenamento processual pe-
nal pátrio com o significado de uma prova semiplena, ou seja, no
sentido de um elemento de prova mais tênue, com menos valor
persuasivo. É com esse significado que a palavra indício é utiliza-

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da nos arts. 126, 312 e 413, caput, todos do CPP. Nesta acepção,
a expressão ‘indício’ refere-se a uma cognição vertical (quanto à
profundidade) não exauriente, ou seja, uma cognição sumária, não
profunda, em sentido oposto à necessária completude da cognição,
no plano vertical, para a prolação de uma sentença condenatória.
(LIMA, 2017, p. 592-593)

Portanto, para Lima (2017), o indício como prova indireta é uma informação,
um dado objetivo que serve para confirmar ou negar algo a respeito de um fato.
Como prova semiplena, é um elemento de prova que tem pouco poder de persua-
são. Talvez, você esteja se perguntando, mas, afinal, professora, o que é o indício?
Minha resposta para você é: segundo o Código de Processo Penal, indício é “a
circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por
indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias” (Art. 239)
(BRASIL, 1941, online). Para a doutrina, indício pode ser prova indireta ou prova
semiplena, dependendo do autor.
Para que você consiga compreender melhor o indício, deixo a você, a seguir,
uma dica de série. É um caso que aconteceu fora do Brasil, mas os problemas,
quanto aos indícios narrados na série, serão muito úteis para que você entenda
melhor o assunto.

IN D ICAÇÃO DE LI V RO

The People v. O.J. Simpson: American Crime Story


Comentário: nosso assunto principal neste tema foi a prova
no processo penal. Neste caso, a série retrata que havia vários
indícios de que o ex-jogador havia assassinado a esposa. O
principal dos indícios foi uma luva do ex-jogador, encontrada
na cena do crime. No entanto, o júri entendeu que as provas
continham problemas e, por tais problemas, o acusado foi
absolvido. Uma dica: caso você não consiga assistir à série,
pesquise sobre o caso no YouTube, lá você conseguirá encon-
trar trechos mais curtos que o(a) ajudarão a entender os pon-
tos principais sobre o caso.

Até aqui, você compreendeu as provas em geral. Os pontos estudados foram


a classificação e as espécies de provas. Também pôde reforçar pontos sobre

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U N I AS S E LVI

as provas reais e pessoais, diretas e indiretas, e, ao final, sobre as provas e


os indícios. Passaremos, agora, ao estudo sobre o sistema probatório jurí-
dico-processual penal. A prova é utilizada para reconstruir o fato, recons-
truir coisas que aconteceram em algum momento passado. Ela é coletada
no presente, retrata algo do passado e é usada em um momento futuro para
fundamentar a decisão do juiz.
Para você entender a prova no passado, no presente e no futuro, pense
no seguinte: João mata Maria. Tudo o que for encontrado na cena do crime
e tiver relação com o crime, desde que seja possível coletar ou representar,
deverá assim ser feito. Esta coleta e representação acontecerão no momento
presente para serem usadas no futuro. Quando usadas no futuro, indicarão
algo do passado.

PRESENTE

Momento em que a prova é produzida

PASSADO

Momento em que o fato aconteceu

FUTURO

Momento em que a prova será utilizada como fundamento da condenação


ou ­absolvição.

Existe um sistema para que, quando o fato acontece, a prova seja coletada e,
posteriormente, utilizada. Aliás, há vários sistemas possíveis: o sistema da ín-
tima convicção, o sistema da prova tarifada e o sistema da persuasão racional
do juiz. No sistema da íntima convicção, também chamado sistema da certeza

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3

moral do juiz ou da livre convicção, o juiz decide conforme sua absoluta con-
vicção. Portanto, tem ampla liberdade, de modo que não precisa explicar sua
decisão, não precisa fundamentar sua decisão.
Já no sistema da prova tarifada, também chamado sistema das provas legais,
cada prova tem um valor fixado pelo legislador. Ao juiz cabe apenas verificar
as provas e atribuir o valor pré-estabelecido pelo legislador. Nesse sistema, a
confissão é conhecida como a rainha das provas, o que quer dizer que ela é
considerada a prova mais importante. No sistema da persuasão racional do juiz,
existe liberdade para o julgador. Isto quer dizer que o juiz é livre para decidir.
No entanto é necessário que ele fundamente sua decisão, é necessário que ele
explique a razão de seu convencimento.


Recapitulando: no primeiro, o princípio da ‘íntima convicção’, o juiz
podia decidir – sem fundamentar e sem analisar e sopesar as provas,
às vezes até sem a produção de provas. Pelo princípio das ‘provas
legais’ passou-se a atribuir valores concretos a determinadas pro-
vas, e a decisão correspondia à análise aritmética daqueles valores
pré-catalogados às provas. Se cada prova tinha um determinado va-
lor, era necessário ‘somar’ provas apresentadas pela acusação e pela
defesa para se chegar a um número que vencia de uma das partes.
Pelo princípio do ‘livre convencimento’, abandonou-se a atribuição
de valores em dados concretos para cada prova, para que as provas
viessem a ser analisadas através de uma consideração subjetiva do
julgador. A evolução natural da teoria, com a passagem para os juí-
zes togados, tornou obrigatória a fundamentação antes do decreto
decisório. Ao contrário do juiz togado, os jurados, leigos, eviden-
temente, no nascedouro da teoria, não precisavam fundamentar
a sentença. De considerar, então, que existiu uma evolução com
a passagem do princípio da ‘íntima convicção’ para o ‘das provas
legais’, na medida em que se buscou suprimir, ou ao menos atenuar,
eventuais arbítrios cometidos por juízes pré-condicionados a uma
determinada solução do processo. Com a posterior passagem des-
se ‘provas legais’ ao do ‘livre convencimento’, somente aos jurados
(leigos) pode-se alegar que houve retrocesso, na medida em que
eles, sem necessitar fundamentar, podem inclusive decidir de forma
contrária às provas apresentadas (MENDRONI, 2015, p.12).

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U N I AS S E LVI

Qual desses sistemas é adotado no Brasil? A legislação brasileira adota


dois sistemas, o sistema do livre convencimento motivado e o sistema da
íntima convicção. Mas faz isso em situações distintas. Como regra, o Brasil
adota o sistema do convencimento motivado. Faz isso ao permitir que o juiz
analise as provas apresentadas no processo judicial e, após isso, decida como
bem entender. A ­ tenção! Nesse sistema, o juiz tem liberdade para decidir,
mas precisa explicar o porquê de sua decisão, ou seja, precisa fundamentar
sua decisão.
Como exceção, exclusivamente para o Tribunal do Júri, a legislação brasilei-
ra adota o sistema da íntima convicção. Explicarei a você o porquê. No Brasil,
há crimes que são conhecidos como crimes contra a vida. São crimes contra a
vida o homicídio doloso, a participação em suicídio, o infanticídio e o aborto.
Por enquanto, você não precisa aprender detalhes sobre esses crimes, você só
precisa saber que esses crimes são chamados de crimes contra a vida, combina-
do? Estou lhe contando isso pelo seguinte: pessoas que praticam crimes contra
a vida são levadas a um tribunal especial para serem julgadas, são levadas ao
chamado Tribunal do Júri. Neste, quem decidirá se condena ou absolve o réu
são os juízes leigos. Estes decidem conforme a convicção que têm e não pre-
cisam fundamentar suas decisões, ou seja, não precisam explicar o porquê de
suas decisões. Fique tranquilo(a), porque, em outro momento, estudaremos
mais detalhes sobre o sistema aplicado no Brasil quanto à valoração das provas.
O que você precisa saber agora é que, no Brasil, são adotados dois sistemas, a
depender do crime que tenha sido praticado.

NOVOS DESAFIOS
Caro(a) aluno(a), concluímos o estudo deste tema. O assunto principal sobre
o qual conversamos foi o das espécies de provas. Para que você compreendesse
cada uma delas da forma mais completa possível, apresentei o posicionamento
de vários autores. Também conversamos sobre a classificação das provas e o
sistema probatório jurídico-processual penal.
No começo da nossa conversa, apresentei a você um caso hipotético. Na
situação que descrevi, um casal havia se hospedado em um hotel. Um dos
companheiros assassinou o outro e, após isso, o companheiro sobrevivente

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 3

fugiu. No quarto do hotel onde isso aconteceu, havia fatos, circunstâncias e


acontecimentos que podiam ser registrados e coisas que podiam ser coleta-
das como vestígios que, no futuro, serviriam de provas para a Polícia, para o
Ministério Público e para o Juiz. Quando acontecem situações como esta, é
necessário que fatos e circunstâncias sejam verificados com a maior clareza
possível. Isto acontece por meio das provas.
São possíveis várias espécies de provas — você viu, como exemplos, os
indícios, o álibi, as pegadas deixadas no chão, as testemunhas e os vídeos.
Na sua prática profissional, você precisará saber identificar cada uma dessas
espécies, pois há provas que trazem mais certeza quanto aos fatos, e provas
que trazem menos certeza. Exemplo de prova que traz menos certeza: indício.
Exemplo de prova que traz mais certeza: vídeo que capturou o momento em
que o crime foi praticado. Por isso, ao longo deste tema, apresentei a você
várias situações nas quais você teve a oportunidade de analisar casos hipo-
téticos, com olhar de profissional.
No sistema probatório jurídico-processual penal brasileiro, uma pessoa
acusada de praticar um crime pode ser condenada ou absolvida, dependendo
do que o juiz entender ao analisar as provas. Na prática, o que está em jogo é
a liberdade do acusado. As espécies de provas serão essenciais para orientar
o juiz quanto ao que deverá decidir em cada caso.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

MENDRONI, M. B. Provas no processo penal: estudo sobre a valoração das provas penais. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2015.

MICHAELIS. Classificar. [2022]. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portu-


gues/busca/portugues-brasileiro/classificar/. Acesso em: 1 nov. 2022.

REIS, A. C. A.; GONÇALVES, V. E. R. Sinopses Jurídicas. Processo penal: parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2020. v. 14.

TÁVORA, N.; ASSUMPÇÃO, V. Processo penal II: provas, questões e processos incidentes. 1. ed.
São Paulo: Saraiva, 2012. (Coleção Saberes do Direito).

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UNIDADE 2
TEMA DE APRENDIZAGEM 4

PROVAS NO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL

MINHAS METAS

Estudar as provas mencionadas no Código de Processo Penal

Estudar a liberdade de produção probatória

Pesquisar as provas no Código de Processo Penal

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U N I AS S E LVI

INICIE SUA JORNADA


Na cidade mais populosa do Brasil, sirenes são ligadas a cada minuto. Alguns
policiais se dirigem a uma cena de crime. Ao chegarem ao local, deparam-se com
uma multidão aglomerada do lado de fora de um banco. Muitas pessoas querem
entrar no prédio e verificar, de perto, o que está acontecendo. Os seguranças do
banco, no entanto, impedem que a multidão entre. A polícia consegue, quase
que imediatamente, afastar os curiosos da porta. Depois, isola a porta do prédio
com uma faixa. Isolada a porta, é hora de entrar no ambiente onde as marcas do
crime foram deixadas.
Os vidros do prédio estão quebrados e, do lado de dentro do banco, são
encontradas cédulas de dinheiro pelo chão. Essas cédulas estão manchadas
— não sei se você sabe, mas existe um dispositivo antifurto que é ativado
quando caixas eletrônicos são abertos com o uso de explosivos. Com a ex-
plosão, uma tinta se espalha pelas cédulas. Com os vidros do prédio que-
brados, os caixas, abertos, as cédulas, manchadas espalhadas pelo chão e
não havendo nenhum funcionário no banco no momento em que os caixas
foram explodidos, é possível concluir que houve um furto mediante uso de
explosivos. Em situações criminosas, não só na que descrevi a você, mas em
qualquer outra, o que deve ser feito assim que a polícia chega? O Código de
Processo Penal (BRASIL, 1941) diz o que deve ser feito. Aliás, ele nomeia
algumas provas. Essas provas existem e há, inclusive, alguns princípios que
as orientam. Mas também há limites quando o assunto é a prova no Proces-
so Penal. E aí, você ficou curioso(a) para descobrir o que deve ser feito na
cena de crime e quais são os princípios e os limites da prova? Então, venha
comigo! Vamos conversar sobre isso!
O Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) apresenta vários esclarecimen-
tos sobre as provas. Começa tratando sobre o exame de corpo de delito, as pe-
rícias, em geral, e a cadeia de custódia. Após isso, trata sobre provas, como o
interrogatório e a confissão, prova testemunhal e prova indiciária. Essas provas
são apresentadas sem situações específicas. Outro ponto importante é que, desde
o momento da chegada no ambiente onde aconteceu o crime, na cena do crime,
há etapas a serem seguidas para que os vestígios ali colhidos sejam coletados,
preservados e, quando oportuno, utilizados como meio de prova ou elemento
de prova. Há muitas peculiaridades quanto aos meios de prova que o Código de

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 4

Processo Penal prevê, quanto às etapas que acontecem logo após a coleta.
Há, também, princípios que o(a) ajudarão a compreender, mais ainda, a impor-
tância e a função das provas. Mas vamos com calma, aprofundaremos tudo isso
a partir de agora.
O estudo que estamos iniciando é um pouco mais teórico, será importante
que você realize leituras prévias sobre o tema. O foco, como você já pôde per-
ceber, é entender quais são as provas previstas no Código de Processo Penal
(BRASIL, 1941), as etapas iniciadas a partir da coleta de vestígios, os princípios
que se relacionam à prova, a liberdade probatória, a diferença entre provas típi-
cas e atípicas e os limites às provas. Caro(a) aluno(a), as provas são importantes,
porque, por meio delas, situações que tenham ocorrido na vida real são demons-
tradas. Em outras palavras, por meio das provas, é possível tentar entender o que,
de fato, aconteceu em determinadas situações criminosas.
Talvez, esteja se perguntando: mas como saberei quais provas são admitidas
no Brasil? Iniciaremos nosso estudo conversando sobre isso!

DESENVOLVA SEU POTENCIAL


O Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) é que apresenta, de forma orga-
nizada, as provas que são admitidas no Brasil. O Código de Processo Penal foi
instituído pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

Dica: é bem fácil encontrar o Código de Processo Penal na internet. É só você


escrever “Código de Processo Penal” em sites de busca, como o Google. Entre os
resultados, aparecerá para você o site www.planalto.gov.br. Você também pode
baixar o aplicativo Planalto Legis no seu smartphone. Nessas duas fontes, você
encontrará o Código de Processo Penal.

Não se assuste! Apesar de ser do ano de 1941, o Código de Processo Penal foi
modificado várias vezes e, por isso, ele está atualizado. Mesmo que as atualizações
tenham sido constantes, podemos citar dois anos em que tivemos alterações mais
substanciais, 2008 e 2019. Então, quando digo a você que o Código de Processo
Penal é de 3 de outubro de 1941, é como se eu estivesse apenas contando a você
a data de nascimento dele.

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Como você sabe, aqui, no Brasil, elegemos representantes, que, após eleitos, têm
como principal função criar leis que organizem melhor várias questões impor-
tantes para a sociedade. Por causa dessa função de criar leis, podemos chamar
esses representantes de legisladores.
Acontece que, em 1941, as leis eram criadas de Acontece que,
forma diferente. O Presidente da República podia, em 1941, as leis
sozinho, expedir Decretos -Lei. eram criadas de
Esses decretos não eram analisados nem vota- forma diferente.
O Presidente da
dos por casas legislativas, mas, mesmo assim, tinham República podia,
força de lei. Foi isso que aconteceu com o Código de sozinho, expedir
Processo Penal, ao ser instituído pelo Decreto-Lei nº Decretos -Lei.
2.689, de 3 de outubro de 1941.
Como você percebeu em suas pesquisas iniciais e até já fez anotações, encon-
tramos detalhes sobre as provas no Código de Processo Penal.

Nesse contexto, quando falamos em prova, é porque alguma infração penal ou alguma
conduta típica, descrita no Código Penal ou em alguma Lei Penal Especial, aconteceu.

Como você já sabe, o que demonstra que o crime aconteceu pode receber nomes
diversos. No momento da investigação, é chamado elemento informativo; du-
rante o processo, meio de prova; e, quando utilizado pelo juiz para proferir sua
decisão, elemento de prova.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 4

Imagine a seguinte situação:


■ João agride José, causando-lhe lesões na cabeça, na região da testa.
■ João praticou o crime de lesão corporal, enquanto José sofreu o crime.
Logo, João é sujeito ativo do crime e José é sujeito passivo.
Tudo o que for coletado na investigação, demonstrando que, de fato, João agrediu
José, será elemento informativo. Caso, depois disso, essa situação seja apresentada a
um juiz, teremos o início do andamento do processo judicial. Durante o processo
judicial, tudo o que for apresentado, demonstrando que João roubou o carro de José,
será chamado meio de prova. Aquilo que o juiz utilizar para proferir sua decisão será
chamado elemento de prova. Veja a Figura 1, a seguir, que ilustra essas diferenças.

Durante a Durante o Usado na


investigação processo judicial decisão do juiz

Elemento Meio Elemento


informativo de Prova de prova

Figura 1 - Diferença entre elemento informativo, meio de prova e elemento de prova / Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: quadro mostrando a diferença entre elemento informativo, meio de prova e elemento de prova.

E como esse assunto é tratado no Código de Processo Penal? É sobre isso que
conversaremos a partir de agora! O Código de Processo Penal trata sobre várias
provas, como você já sabe. A primeira sobre a qual conversaremos é o exame de
corpo de delito. O exame de corpo de delito e as perícias, em geral, estão previstos
entre os arts. 158 e 184, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941). Como o
próprio nome já antecipa, é um exame. Portanto, por meio dele, é feita a avaliação,
a verificação, a vistoria de algo específico. Em outras palavras, por meio do exame
de corpo de delito, é realizada a avaliação do corpo de delito.

VOCÊ SABE RESPONDER?


E o que é o corpo de delito?

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U N I AS S E LVI

O corpo de delito é o vestígio deixado pelo crime. Lembre-se do que aconteceu entre
João e José, no caso que lhe contei. João agrediu José e, com isso, feridas ficaram na ca-
beça de José. Houve, portanto, o crime de lesão corporal. O vestígio deixado por esse
crime, ou seja, a lesão, o ferimento, demonstra que o crime aconteceu. Portanto, se o
exame de corpo de delito é o exame feito sobre os vestígios deixados em um crime, no
nosso exemplo, o exame de corpo de delito será feito sobre a ferida causada em José.

P E N SAN DO J UNTO S

Não se esqueça! O corpo de delito é o vestígio coletado, o vestígio que diz respeito
ao crime. O corpo de delito é a prova de que o crime aconteceu. É realizado para
comprovar a materialidade, ou seja, é realizado para comprovar detalhes de como
o crime aconteceu.

O exame de corpo de delito é obrigatório quando o


O crime aconteceu,
crime deixar vestígio, ou seja, quando o crime deixar
ou seja, por meio
alguma marca. É obrigatório, nesses casos, porque, por
do exame do corpo
meio dele, é que será demonstrado que: O crime acon- de delito.
teceu, ou seja, por meio do exame do corpo de delito.
Desta forma, será demonstrada a materialidade do crime. Observe o que o
Código de Processo Penal estabelece em relação a esse exame:


Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o
exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo
a confissão do acusado. Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à rea-
lização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que
envolva: I - violência doméstica e familiar contra mulher; II - vio-
lência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência
(BRASIL, 1941, on-line).

Perceba que o exame de corpo de delito pode ser direto ou indireto. O que
isso significa? Significa que, quando for possível os peritos verificarem, direta-
mente, os rastros deixados pelo delito, será realizado um exame de corpo de
delito direto. Mas, quando não for possível ver, materialmente, rastros ou coisas
que demonstrem que o crime aconteceu, será indireto. Um exemplo de exame

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 4

de corpo de delito direto é o exame feito em um cadáver, conhecido como exame


necroscópico. Um exemplo de exame de corpo de delito indireto é a narrativa
de testemunhas que presenciaram o momento em que o crime aconteceu. Pre-
ciso que você realmente compreenda isso, então, reforçarei o que acabamos de
conversar. Combinado?
Lembra da situação em que João praticou lesão corporal contra José? O re-
sultado disso foi a lesão na testa. Sobre isso, pense nas seguintes situações:
■ Caso 1: enquanto a testa de José está com lesões, ele procura as autori-
dades policiais e conta o que aconteceu. Como, ainda, está com os feri-
mentos, José é examinado por peritos. Esses peritos examinam especifi-
camente os ferimentos que estão na cabeça de José. Aconteceu aqui um
exame de corpo de delito direto.

■ Caso 2: José demora para procurar as autoridades para informar sobre


o crime que sofreu. Quando consegue fazer isso, já não está mais com
as lesões, porque, conforme o tempo passou, elas sumiram. Acontece
que, antes das lesões desaparecerem, José tirou várias fotografias. Ele
leva essas fotografias e as entrega às autoridades. Os peritos recebem
essas fotos e as analisam. Nesse caso, ao examinarem as fotografias, os
peritos farão um exame de corpo de delito indireto. Não há mais lesão
no corpo de José, não há mais lesão para ser diretamente analisada. Só
há a fotografia.

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Imagine que a figura, a seguir (Figura 2), corresponda às fotos que José apre-
sentou às autoridades. Como você pode perceber, nas quatro imagens, há uma
mancha na testa da pessoa representada. Essa mancha é um tipo de ferida cha-
mada equimose. Perceba que, na figura, em cada rosto representado, a coloração
da mancha é diferente. Isto porque, sempre que uma lesão é causada, como é o
caso das equimoses, conforme os dias passam, a coloração muda.

Figura 2 - Pessoa com equimose / Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: a figura é uma ilustração do rosto de uma pessoa com uma ferida na testa. O rosto, de uma
pessoa branca com cabelos curtos e castanhos, é apresentado quatro vezes, como se fossem quatro fotos tiradas
em dias diferentes. Podemos dizer que são fotos tiradas em dias diferentes porque, em cada imagem presente
na figura, a coloração da lesão é distinta. Começando pelo lado esquerdo, a ferida da primeira imagem está numa
cor próxima a tons vermelho. Na segunda imagem, a coloração passa para tons roxo. Na terceira imagem, passa
para tons que se parecem com a cor laranja e com a cor marrom. Na última imagem, a ferida apresenta tons bem
claros marrom.

Fique atento(a) ao seguinte: apenas quando não for possível o exame de corpo
de delito direto é que será aceito o exame indireto (NUCCI, 2022).

P E N SA N DO J UNTO S

Deixo a você outros exemplos de corpo de delito indireto: ficha clínica do hospital
que atendeu a vítima, vídeos e atestados médicos. O exame feito nesses casos
será um exame de corpo de delito indireto (NUCCI, 2022).

Vamos conversar um pouco mais sobre o exemplo que indiquei a você envolvendo
João e José. Talvez, você tenha feito a seguinte pergunta: “e se José só tivesse procu-
rado as autoridades depois que os ferimentos tivessem sumido e, além disso, não
tivesse tirado fotografias do ferimento? Ele teria outra forma de provar que sofreu
a lesão corporal?”. José teria outra forma de provar que sofreu a lesão corporal.

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CORPO DE DELITO

É o vestígio deixado pelo crime, o objeto material que se relaciona com a infra-
ção ­penal.

DELITO DIRETO

É o exame feito diretamente sobre o corpo de delito, com a finalidade de provar que o
crime aconteceu, ou seja, com a finalidade de provar a materialidade do crime.

DELITO INDIRETO

É o exame feito indiretamente sobre o corpo de delito. Pode ser feito, inclusive, por
meio de prova testemunhal, com a finalidade de provar que o crime aconteceu, ou
seja, com a finalidade de provar a materialidade do crime.

Há dois casos em que, mesmo que sejam possíveis outras provas, deverá ser dada
preferência ao exame de corpo de delito: quando se tratar de crime praticado com
violência doméstica e familiar contra mulher e quando se tratar de crime pratica-
do com violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.

NOVOS DESAFIOS
Caro(a) aluno(a), você já sabe que os materiais colhidos que informam sobre
o crime na fase da investigação são chamados elementos de informação, já, no
processo judicial, são chamados meios de prova, ou elementos de prova. Quando

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encontrados na cena do crime, são chamados vestígios, que são marcas deixadas
por alguém (NUCCI, 2022).
Enquanto vestígios, ou seja, enquanto rastros deixados por alguém na cena
do crime, esses materiais precisam ser coletados e guardados da melhor forma
possível. A esse procedimento que envolve a coleta e a guarda dos vestígios o
Código de Processo Penal dá o nome de cadeia de custódia. Esta é uma sequência
de dez atos descrita no art. 158-B, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).
Esses atos devem ocorrer um após o outro.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

NUCCI, G. de S. Manual de Processo Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2022.

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MINHAS ANOTAÇÕES

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TEMA DE APRENDIZAGEM 5

A CADEIA DE CUSTÓDIA

MINHAS METAS

Conhecer mais detalhes sobre a cadeia de custódia da prova penal

Estudar a liberdade da produção probatória

Conhecer as etapas da cadeia de custódia

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U N I AS S E LVI

INICIE SUA JORNADA


Antes de nos aprofundarmos nesse assunto, sugiro a você que faça uma peque-
na pausa e pesquise sobre o tema. Após sua pesquisa veremos mais detalhes
sobre a cadeia de custódia, sua etapas, como elas são estabelecidas e definidas.
Além disso, você vai conhecer as etapas da cadeia de custódia detalhadamente.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Caro estudante. Espero que você tenha percebido como as provas previstas no
Código de Processo Penal são importantes. Vamos conversar mais um pouquinho
sobre elas no podcast? Lá reforçarei com você a diferença entre o exame de corpo
de delito e as demais provas que você estudou. Recursos de mídia disponível no
conteúdo digital no ambiente virtual de aprendizagem
Conteúdo de áudio/vídeo não patrocinado. Esse recurso utilizará seu pacote de
dados (ou wifi) para ser exibido.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL


Como já conversamos, a cadeia de custódia compreende dez etapas. O art. 158-
B (BRASIL, 1941) estabelece quais são essas etapas e define cada uma delas. Na
Figura 3, você poderá conhecer as etapas da cadeia de custódia.

E U IN D ICO

Em 2019, com a Lei nº 13.964, de 24 de dezembro, mais conhecida como Pacote


Anticrime, foram incluídos vários artigos novos no Código de Processo Penal. Um
deles foi o art. 158-B. Sobre isso, recomendo a você a leitura do artigo “Cadeia de
custódia da prova penal”. Recursos de mídia disponível no conteúdo digital no
ambiente virtual de aprendizagem

Agora que você fez a leitura do artigo sugerido, veremos mais detalhes
sobre a cadeia de custódia, você poderá conhecer as etapas da cadeia de
custódia, na Figura 1.

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1 2 3 4
Reconhecimento Isolamento Fixação Coleta

8 7 6 5
Processamento Recebimento Transporte Acondicionamento

9 10
Armazenamento Descarte

Figura 1 - Etapas da cadeia de custódia / Fonte: adaptada de Brasil (1941).

Descrição da Imagem: Ilustração mostrando as etapas da cadeia de custódia em 10 quadros azuis.

A etapa do reconhecimento é o momento em que elementos da cena do


crime são identificados como de potencial interesse para a produção da
prova pericial. Após isso, vem a segunda etapa, que é a do isolamento. O
isolamento é quando o ambiente do crime é isolado, a fim de que apenas pes-
soas autorizadas estejam nesse ambiente. Essa etapa é importante para que
não haja alteração na cena do crime. Uma vez isolado o ambiente, a próxima
etapa é a da fixação. Na fixação, os vestígios encontrados são marcados com
pequenas placas. Cada uma dessas placas tem um número escrito.
Até agora, conversamos sobre três etapas: o reconhecimento, o isolamento e
a fixação. Para você não esquecer dessas etapas, vamos observá-las na prática, a
partir da Figura 2, a seguir.

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Figura 2 - Reconhecimento, isolamento e fixação na cadeia de custódia

Descrição da Imagem: na imagem fotográfica, há duas pessoas. Do lado esquerdo, a pessoa está deitada, apa-
rentemente inconsciente. Por todo o chão, de asfalto, há estilhaços de vidro, calota da roda de um carro e pedaços
de objetos metálicos. Não é possível identificar com clareza que objetos são esses. Do lado direito, há um homem,
branco, com roupas de policial. Este homem está com luvas. Na mão esquerda, ele segura algumas pequenas placas
retangulares de cor amarela e, na mão direita, uma placa retangular também de cor amarela e com o numeral 2
escrito. O policial está colocando a placa com o numeral 2 próximo aos estilhaços de vidro. Em primeiro plano na
imagem, desfocada, há uma faixa isolando a cena.

As três etapas da cadeia de custódia sobre as quais conversamos podem ser iden-
tificadas na Figura 2. Quer saber como? Começaremos pelo policial, que está do
lado direito da foto. Na cadeia de custódia, assim que ele chega na cena do crime,
ele observa para verificar se ali houve mesmo algum crime. A isso o Código de
Processo Penal dá o nome de reconhecimento. Sabe a faixa que mencionei na
descrição, aquela que está logo na frente da imagem? Pois é, ela que indica o isola-
mento. Uma vez colocada a faixa, apenas pessoas autorizadas podem ingressar na
cena do crime. E a fixação? Você consegue imaginar o que a representa? As placas
que estão nas mãos do policial representam a fixação. Perceba que o policial está
colocando uma dessas placas próximo aos estilhaços de vidro. Ele está fazendo
isso para fixar que, ali, há algo que se relaciona com o crime ocorrido, quer di-
zer, de tudo o que ele percebeu no ambiente, os estilhaços de vidro são pontos
importantes para entender o que aconteceu naquele ambiente.

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Agora que você entendeu, em detalhes, estas três primeiras etapas, estudare-
mos as demais! A próxima etapa é a etapa da coleta. A coleta é o ato de recolher o
vestígio a fim de que ele possa ser analisado em uma perícia. Para que seja possível
essa perícia, é necessário respeitar as características e a natureza do vestígio. O
respeito às características e à natureza do vestígio acontece por meio da próxima
etapa da cadeia de custódia, por meio do acondicionamento. Acondicionar é,
após a coleta, embalar o vestígio de forma individualizada. Ao embalar, é ne-
cessário anotar data e hora em que foram feitos a coleta e o acondicionamento.
Também é necessário anotar o nome de quem os realizou. Para ilustrar a coleta
e o acondicionamento, observe a Figura 3, a seguir.

Figura 3 - Coleta e acondicionamento na cadeia de custódia

Descrição da Imagem: a figura é uma fotografia. Do lado esquerdo da imagem, o chão é de terra. Do lado direito,
há vegetação. Na parte em que há terra, está um perito, com equipamento de proteção individual, especificamente:
um macacão, touca na cabeça, cobrindo as orelhas, máscara, cobrindo nariz e boca, luva, protegendo as mãos, e,
nos pés, uma espécie de sapatilha. O material dessa espécie de sapatilha é parecido com o material das luvas e
cumpre a mesma função — protegem os pés, assim como as luvas protegem as mãos. O perito está coletando uma
arma de fogo e a colocando em um saco plástico. Próximo à arma, há uma pequena placa de formato retangular
com o numeral 1 escrito. Do lado direito, na parte em que há grama, há uma maleta aberta, nas cores vermelha e
preta. Dentro da maleta, há vários objetos utilizados em coleta de vestígios.

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Caro estudante, a imagem que apresentei a você retrata o momento da coleta e


do acondicionamento de um vestígio. A arma de fogo é esse vestígio, porque foi
encontrada em uma cena de crime. Ao mesmo tempo, ela foi coletada durante a
investigação, sendo, assim, elemento informativo. Caso seja apresentada ou men-
cionada em um futuro processo judicial, será um meio de prova e, se utilizada na
decisão do juiz, um elemento de prova. Perceba que tudo isso só será possível se
ela for coletada e acondicionada respeitando suas características e natureza. Em
outras palavras, do jeito como o vestígio for coletado deve ser acondicionado —
se estiver sujo de terra, por exemplo, é desse jeito que deverá ser acondicionado.
Após acondicionado, o vestígio deverá ser transportado


“de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (em-
balagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a
manutenção de suas características originais, bem como o controle
de sua posse” (art. 158-B, VI) (BRASIL, 1941, on-line).

Ao chegar em seu local de destino, deve ser recebido. No ato de recebimento,


acontecerá a transferência da posse do vestígio — a autoridade que levou o ves-
tígio o entregará à autoridade por recebê-lo. Nesse ato de entrega e recebimento,
deverão ser registradas informações, como o


“número de procedimento e unidade de polícia judiciária relaciona-
da, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código
de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo,
assinatura e identificação de quem o recebeu” (art. 158-B, VII)
(BRASIL, 1941, on-line).

O procedimento que deverá acontecer após o acondicionamento é o pro-


cessamento. Por ele, o vestígio será analisado pelo perito, que registrará suas
conclusões sobre o que tiver encontrado nesta análise. Veja, a seguir, na Figura
4, como é feito o processamento. Na figura, você perceberá que o material em
análise é uma carteira. O perito está com essa carteira nas mãos para analisar se há
impressões digitais nela. Como sabemos disso? Porque há, também, na foto, um
pincel e um recipiente com pó revelador de impressão digital. O perito aplicará
esse pó com o pincel sobre a carteira para verificar se há, nela, impressões digitais.

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Figura 4 - Processamento na cadeia de custódia

Descrição da Imagem: na imagem fotográfica, há as mãos de uma pessoa sobre uma mesa. Essas mãos estão
protegidas com luvas e segurando um saco plástico, no qual está escrito evidence, que significa evidência. Ao
mesmo tempo que está segurando o saco plástico, está retirando uma carteira desse saco plástico. Também sobre a
mesa, do lado direito, há algumas pastas. Do lado esquerdo, há uma ficha e uma caneta. Na frente da foto, há algo
parecido com um pincel e um recipiente destampado. Dentro desse recipiente, há pó revelador de impressão digital.

O procedimento realizado depois do processamento é o armazenamento. Arma-


zenar e guardar de novo o vestígio para que, caso seja necessária uma nova perí-
cia, ele esteja preservado. É possível também que o armazenamento seja realizado
com o objetivo de, no futuro, ser descartado ou transportado. A última etapa da
cadeia de custódia é a etapa do descarte, momento em que é feita a “liberação do
vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autori-
zação judicial” (art. 158-B, X) (BRASIL, 1941, on-line).

P E N SA N D O J UNTO S

Você conseguiu perceber a importância da cadeia de custódia? Ela permite que o


vestígio seja preservado. Uma vez preservado, ele pode ser usado para esclarecer
dúvidas sobre o fato criminoso e, consequentemente, pode ajudar a solucionar
esses casos.

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Agora que você compreendeu que o exame de corpo de delito é um exame por meio
do qual o vestígio deixado pelo crime é avaliado, podemos aprofundar o estudo deste
assunto. Para isso, conversaremos sobre quem realiza o exame de corpo de delito. O
exame de corpo de delito é realizado por um perito oficial, ou seja, um profissional
que foi aprovado em concurso público para o cargo de perito. Após aprovado, foi
treinado para fazer perícias. Há peritos em várias áreas, por exemplo, medicina, ma-
temática, engenharia, odontologia e biologia. Existem situações, no entanto, em que
não há peritos disponíveis para a realização da perícia. Nesses casos, é possível que
um perito não oficial realize essa coleta. Quando as perícias podem ser realizadas?
Podem ser realizadas dentro do inquérito ou durante o processo judicial.

Atenção! Enquanto o perito oficial é uma pessoa que foi aprovada em um concurso
público para trabalhar na atividade de realizar perícias, o perito não oficial, também
chamado perito ad hoc, é aquele que é nomeado eventualmente para fazer uma ou
outra perícia. O perito não oficial pode ser especialista na área que fará a perícia, mas
nem sempre é.

Veja, na figura a seguir, os requisitos para ser perito.

PERITO PERITO NÃO OFICIAL


OFICIAL OU AD HOC

• Perito concursado • Pessoa idônea


• É indicado • É nomeado
• Basta a indicação de um perito • É necessário nomear dois peritos
• Especialista • Preferencialmente especialista
• Deve ter curso superior • Deve ter curso superior
• Não assina termo de compromisso • Assina termo de compromisso

Figura 5 - Diferença entre perito oficial e perito não oficial / Fonte: adaptada de Brasil (1941).

Descrição da Imagem: diferença através de descrição entre o perito oficial e o perito não oficial em quadros azuis.

Além do exame de corpo de delito, existem outras perícias. Elas também são feitas por
peritos. A diferença entre o exame de corpo de delito e as demais perícias possíveis é a
finalidade. O exame de corpo de delito tem por finalidade identificar a materialidade,
e as demais perícias têm outras finalidades, como você pode perceber a seguir.

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AUTÓPSIA/EXAME TANATOSCÓPICO (ART. 162, CPP)

Exame feito para verificar a causa da morte.

EXUMAÇÃO (ART. 163, CPP)

Retirar o cadáver da sepultura, desenterrar o cadáver.

EXAME COMPLEMENTAR NO CRIME DE LESÃO (ART. 168, CPP)

Nos crimes de lesão corporal, quando o primeiro exame pericial tiver sido incompleto,
poderá ser determinada a realização de um segundo exame, o exame complementar.

EXAME NO LOCAL DO CRIME (ART. 169)

É a perícia realizada no local do crime. Nesse exame, analisa-se apenas o local do crime.

EXAME DE ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO (ARTS. 171 E 172)

Em crimes praticados com a destruição ou rompimento de obstáculos, os peritos


indicarão os instrumentos e os meios utilizados para a prática do crime. Farão isso por
meio do exame de rompimento de obstáculo.

EXAME DE INCÊNDIO (ART. 173)

Um incêndio pode ser acidental, mas também pode ser resultado de um crime. Por
isso, deve ser feito o exame de incêndio.

EXAME GRAFOTÉCNICO (ART. 174)

Também chamado exame de falsidade documental. É feito para atestar a quem per-
tence o documento ou a letra escrita no documento.

EXAME DO INSTRUMENTO DO CRIME (ART. 175)

Exame feito no instrumento que foi utilizado para a prática do crime. Por exemplo, em um
crime de roubo, a arma de fogo utilizada passará por esse exame. Caso tenha sido utiliza-
da uma arma de brinquedo, a conclusão será de ausência de potencialidade lesiva.

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É necessário que seja feito um laudo após as perícias. O laudo é um documen-


to elaborado pelo perito, descrevendo tudo aquilo que ele observou. No laudo,
deverá constar preâmbulo, quesitos (perguntas feitas pelas partes), histórico,
descrição, discussão, conclusão e respostas aos quesitos (REIS; GONÇALVES,
2020). Passaremos, agora, ao estudo de outras provas previstas no Código de
Processo Penal. A primeira sobre a qual conversaremos é o interrogatório do
acusado, descrito entre os arts. 185 e 196 (BRASIL, 1941). O interrogatório do
acusado, também chamado interrogatório do réu, trata-se do ato que acontece
quando o juiz ouve o acusado sobre o fato criminoso que lhe é imputado. Embora
seja assim conhecido, o interrogatório não é ato privativo do juiz, ou seja, não é
só o juiz que faz perguntas. Há situações em que o Ministério Público, o defensor
do réu e o assistente de acusação também podem fazer perguntas.
Para você compreender melhor o que é o interrogatório, pense o seguinte.

João está sendo acusado de praticar um crime de homicídio, ou seja, está sendo
imputada a João a prática do crime de homicídio. Quando o juiz chamar João
para lhe fazer perguntas sobre esse crime, teremos o interrogatório, já que, nesse
momento, João será ouvido sobre o crime de homicídio cuja autoria está sendo
atribuída a ele. Mas o interrogatório não é apenas um meio de prova. Ele também é
um meio de defesa.

Para melhor compreensão, lembre-se, mais uma vez, do caso de João. Quan-
do o juiz fizer perguntas a ele sobre o crime, a tendência é que João responda a
algumas ou a todas essas perguntas. Ao responder às perguntas, uma prova será
produzida, mas João estará, ao mesmo tempo, defendendo-se. Por isso, é, além
de meio de prova, um meio de defesa.
O interrogatório é meio de prova e meio de defesa, pois ele tem natureza
mista. Mas, além de ter natureza mista, ele é um ato personalíssimo, um ato oral,
não sujeito à preclusão e bifásico. É ato personalíssimo porque apenas a pessoa
acusada é que poderá ser interrogada. É oral porque é por meio da oralidade que
o interrogatório acontece. Não se sujeita à preclusão, quer dizer que o acusado
poderá ser interrogado, a qualquer tempo, enquanto o processo estiver em an-
damento. É ato bifásico porque tem duas fases, uma delas voltada à pessoa do
acusado, e outra, aos fatos (REIS; GONÇALVES, 2020). Por ser ato bifásico, há
duas partes no interrogatório, a seguir:

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1ª PARTE
São feitas perguntas:
■ Para apurar informações que influenciarão na aplicação da pena.
■ Para apurar informações sobre residência, meios de vida ou profissão,
oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa
e outros dados familiares e sociais, por exemplo, a existência de filhos,
respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato
de eventual responsável pelos cuidados dos filhos.
2ª PARTE
São feitas perguntas:
■ Para apurar a veracidade da imputação, sobre o local em que o acusado
estava quando a infração aconteceu.
■ Quanto às provas já apuradas.
■ Quanto ao conhecimento de testemunhas, vítimas e de instrumentos uti-
lizados para a prática do delito.
■ Quanto a eventual fato ou circunstância que auxilie sua defesa.
O acusado, chamado réu, quando o processo judicial está em andamento, terá o
direito de permanecer em silêncio. Caso o réu minta sobre os fatos, isso não causará
nenhuma consequência prejudicial. Sobre isso, Mendroni (2015, p. 128) afirma
que “no sistema processual penal brasileiro, o réu tem o direito de mentir”, o que
é suficiente para restringir do interrogatório “a credibilidade e, por consequência,
o seu valor probatório”. Outro ponto interessante sobre o interrogatório do réu é o
seguinte: o réu terá o direito de conversar, reservadamente, com seu defensor. Caso
ele não tenha constituído advogado, o juiz deverá nomear um defensor dativo. Caso
o acusado esteja solto, deverá comparecer perante o juiz. Caso ele esteja preso, a
lei estabelece que, se houver sala própria no estabelecimento prisional em que o
acusado estiver, ele deverá ser interrogado nesta sala. Caso não haja, deverá ser
levado à presença do juiz (BRASIL, 1941). Sobre isso, veja o que afirma a doutrina:


A realização do interrogatório no presídio, que na prática já era
pouco aplicada, restou praticamente esvaziada com a concentração
de todos os atos instrutórios em uma única audiência (art. 400,
caput, do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/2008), uma
vez que não é razoável que ofendido, testemunhas e todos os demais
atores dirijam-se ao estabelecimento prisional para participar do ato
(REIS; GONÇALVES, 2020, p. 169).

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Também é possível que o interrogatório do preso aconteça por videoconfe-


rência, quando o juiz entender que isso será melhor para a segurança pública.
Por exemplo, se o juiz verificar que o acusado pertence a uma grande organi-
zação criminosa, e esta organização está prometendo, no dia do interrogatório,
facilitar a fuga, o juiz poderá determinar que o interrogatório aconteça por meio
de videoconferência. Caso o interrogatório ocorra por videoconferência, as par-
tes deverão ser comunicadas sobre isso com dez dias de antecedência (REIS;
­GONÇALVES, 2020).

A P RO F UNDA NDO

No Processo Penal, é realizada uma audiência preliminar com a finalidade de


verificar, por exemplo, a legalidade de uma prisão e eventuais irregularidades.
Trata-se da audiência de custódia. Quando esta audiência não puder ser rea-
lizada presencialmente no prazo de 24 horas, também será possível utilizar a
videoconferência, conforme a Resolução nº 357, de 26 de novembro de 2020
(BRASIL, 2020).

Outro meio de prova que vem escrito, entre os arts. 197 e 200, do Código de
Processo Penal (BRASIL, 1941), é a confissão. A confissão é a declaração feita
pelo acusado admitindo serem verdadeiros os fatos criminosos cuja autoria é
atribuída a ele. Em outras palavras, a confissão é quando o acusado admite que
praticou a infração penal. Em regra, a confissão acontece durante o interrogató-
rio, mas também pode acontecer em qualquer outro
Sozinha, não é
momento, desde que seja tomada por termo, ou seja,
suficiente para
desde que seja formalizada por escrito.
demonstrar que a
Um ponto muito importante é que a confissão pessoa praticou a
não é prova absoluta, ou seja: infração
Sozinha, não é suficiente para demonstrar que a
pessoa praticou a infração.
Na prática, isso significa que, quando o réu confessa ter praticado uma in-
fração penal, em seguida, ele é perguntado sobre os motivos do crime, as cir-
cunstâncias do crime e se outras pessoas participaram do crime junto a ele. É
muito importante que o acusado seja perguntado sobre essas questões porque
as respostas que ele der a isso poderão ser comparadas com tudo o que for cons-
tatado no crime.

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Imagine, por exemplo, que Mário esteja sendo acusado de dar uma facada
em Júlia. No exame feito em Júlia, o médico que atuou como perito constatou
que, no braço direito, havia uma ferida causada com uma faca específica, cuja
lâmina tinha uma espessura específica. Mário confessa que deu a facada em Júlia.
Ele diz qual faca usou para dar a facada e informa onde escondeu a faca depois
de ferir Júlia. Mário não sabia do laudo escrito pelo perito. O juiz determina que
a faca seja procurada no local onde Mário disse que ela estaria. De fato, a faca é
encontrada. Após isso, é levada ao perito para ser analisada. O perito constata que
as feridas no corpo de Júlia são compatíveis com a espessura da faca encontrada.
Caro estudante, perceba que, na situação que descrevi a você, não foi a simples
confissão de Mário que permitiu confirmar que ele havia causado as feridas em
Júlia. O que permitiu confirmar a autoria de Mário foi a confissão, as respostas
dadas por ele e a compatibilidade entre a lâmina da faca e o ferimento. Estas
respostas permitiram, especificamente, que o instrumento utilizado na prática
do crime fosse encontrado.

Há várias formas de como a confissão pode acontecer, conforme você pode ob-
servar na Figura 9. A confissão será simples quando o réu atribuir a si mesmo a
prática de uma única infração e será complexa quando o acusado reconhecer que
praticou mais de uma infração. Caso o réu admita que praticou a infração, mas
argumente, em seu benefício, algum fato modificativo, impeditivo ou extintivo, a
confissão será qualificada. A confissão poderá ser também judicial ou extrajudi-
cial. Será judicial quando feita perante órgão judicial e será extrajudicial quando
feita durante o inquérito policial ou fora do processo judicial.

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CONFISSÃO SIMPLES

É quando o réu atribui a si mesmo a prática de uma única infração.

CONFISSÃO COMPLEXA

É quando o acusado reconhece que praticou mais de uma infração.

CONFISSÃO QUALIFICADA

É quando o réu admite que praticou infração, mas alega em seu benefício fato modifi-
cativo, impeditivo ou extintivo (exemplo: excludente de ilicitude, de culpabilidade).

CONFISSÃO JUDICIAL

Feita perante órgão judicial.

CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL

Feita durante o inquérito policial ou fora do processo judicial.

Atenção! Não existe confissão ficta na legislação brasileira. Mesmo que o acusado
não se defenda no processo judicial, não é possível presumir verdadeiros os fatos
atribuídos a ele.

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

Quando o réu não se defende no processo, acontece a revelia. Deixar de se de-


fender não é confessar! A confissão só acontece quando o réu declara que são
verdadeiros os fatos criminosos cuja autoria é atribuída a ele. Portanto, não basta o
silêncio, não basta deixar de se defender. É necessária uma postura ativa, é neces-
sário admitir que praticou a infração.

Para encerrarmos o estudo da confissão, veremos as características desse meio


de prova. Como você já sabe, ela é um ato personalíssimo. Mas só terá validade
se for livre e espontânea. Após realizada a confissão, a pessoa que confessou,

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também chamada confitente, pode se retratar. Dizer que o confitente pode se


retratar é dizer que ele pode voltar atrás e retirar a confissão, ou seja, ele pode
voltar a se dizer inocente. A confissão também é divisível, porque o réu pode
confessar somente parte da infração. Por isso, a confissão é personalíssima, livre,
espontânea, retratável e divisível/cindível (REIS; GONÇALVES, 2020). O Código
de Processo Penal trata também sobre as declarações do ofendido. Faz isso em
seu art. 201 (BRASIL, 1941).
As declarações do ofendido são chamadas ouvida do ofendido, ou oitiva do
ofendido, isso porque, ao fazer suas declarações, o ofendido é ouvido. O ofendido
é a pessoa que sofreu com a conduta criminosa. Quando for possível, ele deverá
ser perguntado sobre as circunstâncias da infração. Também será perguntado so-
bre quem ele presume ter praticado a infração e se consegue indicar alguma prova
disso. Quando for possível, as declarações do ofendido deverão ser registradas
por gravação que capture som e imagem de preferências — o nome que a lei dá
para isso é “gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive
audiovisual” (art. 405, § 1º) (BRASIL, 1941, on-line). Quando as demais partes
fizerem perguntas ao ofendido, deverão perguntar diretamente a ele. Mas, após
essas perguntas, o juiz também poderá fazer indagações para complementar o
que o ofendido tiver respondido.
As declarações do ofendido têm, em regra, relevante valor probatório, prin-
cipalmente naqueles crimes em que não há testemunhas, praticados longe dos
olhos de outras pessoas. Não é necessário que o ofendido preste compromisso
antes dessas declarações. Caso as declarações sejam mentirosas, o declarante não
será responsabilizado criminalmente, por falso testemunho. No entanto, caso “de-
vidamente intimado, deixar o ofendido de comparecer sem motivo justo, poderá
ser determinada sua condução coercitiva” (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 174).
São direitos do ofendido: ser comunicado sobre atos que aconteçam no pro-
cesso judicial sobre a entrada e a saída do acusado da prisão, designação da
data para audiência, sentença e acórdão; ser encaminhado, quando necessário, a
atendimento multidisciplinar, por exemplo, nas áreas psicossocial, de assistência
jurídica e de saúde, às custas do ofensor ou do Estado; medidas que impliquem
respeito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem, inclusive o segredo de
justiça. Quando a vítima for criança ou adolescente, outros direitos também serão
assegurados. O depoimento especial é um deles e tem como finalidade reduzir
danos psicoemocionais à criança e ao adolescente (REIS; GONÇALVES, 2020).

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Além do ofendido, as testemunhas também podem ser ouvidas. Testemunhas


são pessoas diversas dos sujeitos processuais, chamadas “a juízo para prestar
informações sobre fatos relacionados à infração” (REIS; GONÇALVES, 2020,
p. 177). A testemunha não é chamada para falar sua opinião. É chamada para
falar sobre o fato. Opiniões só serão admitidas quando as apreciações pessoais
da testemunha forem inseparáveis do fato (BRASIL, 1941).

Quem pode ser testemunha? Qualquer pessoa e, uma vez chamada para teste-
munhar, em regra, deverá fazê-lo. Há casos, no entanto, em que será permitido à
pessoa recusar prestar testemunho. Também há casos em que será proibido que
a pessoa preste testemunho. Vamos ver que situações são essas?


Podem, no entanto, recusar-se a testemunhar o ascendente ou
descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desqui-
tado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo
quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se
a prova do fato e de suas circunstâncias (art. 206 do CPP). Deve-se
salientar, entretanto, que, se desejarem depor, não será tomado o
compromisso das pessoas acima (art. 208 do CPP), que, assim, são

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ouvidas na condição de informantes, sendo relativo o valor de suas


declarações. Também são ouvidos como informantes os doentes
mentais e os menores de 14 anos. Por sua vez, estão proibidas de
depor as pessoas que, em razão de sua função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte
interessada, quiserem dar seu depoimento (art. 207 do CPP). Além
disso, os deputados e senadores não são obrigados a depor sobre
informações recebidas no desempenho de suas funções (art. 53, §
5o, da CF) (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 178).

Preste atenção às características da prova testemunhal: a judicialidade,


a objetividade, a oralidade e a individualidade. Sabe o que isso quer dizer?
Judicialidade quer dizer que só é prova testemunhal aquela que for colhida
pelo juízo competente, portanto, aquela que for submetida ao contraditório
e à ampla defesa. Objetividade significa que a testemunha não emitirá opi-
niões — o que ela fará é se expressar sobre os fatos que seus sentidos tenham
percebido. A oralidade, por sua vez, significa que os fatos serão contados
oralmente pela testemunha. Quanto à característica da individualidade, in-
dica que as testemunhas serão ouvidas separadamente, ou seja, de forma
isolada (MASSON, 2017).

AP RO F U N DA NDO

Imagine que há dois processos judiciais tramitando em juízos diferentes. Vamos cha-
má-los processo de 1 e processo 2. No processo 2, uma testemunha apresenta seu
depoimento. Ao fazer isso, teremos uma prova testemunhal. Agora imagine que o
depoimento dado pela testemunha no processo 2 é utilizado no processo 1. Se isso
acontecer, esse depoimento não será prova testemunhal, mas, sim, prova documental.

A característica da objetividade quer dizer que a testemunha deve expor os


fatos de forma objetiva, ou seja, sem focar em sua opinião pessoal ou juízo
de valor. E a característica da oralidade? A oralidade quer dizer que o depoi-
mento prestado pela testemunha deve ser feito de forma verbal. Quanto à
individualidade, é a característica que garante que a testemunha será “ouvida
isoladamente, de forma que uma não ouça o depoimento da outra” (REIS;
GONÇALVES, 2020, p. 180).

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É importante que você também compreenda alguns detalhes sobre a


colheita da prova testemunhal. Em regra, a testemunha será ouvida na sede
do juízo. As perguntas serão feitas pelas partes, diretamente, às testemunhas.
Se a testemunha tiver sido indicada pela acusação, a acusação perguntará
primeiro. Caso a testemunha tenha sido indicada pelo acusado, a defesa
perguntará primeiro. O juiz poderá fazer perguntas complementares. É im-
portante que os depoimentos prestados pelas testemunhas sejam gravados.
Mas, se não forem gravados, o juiz deverá ditar as respostas da testemunha
ao escrevente, que escreverá o que for ditado.

Atenção! É função do juiz indeferir perguntas que puderem induzir a resposta,


não tiverem relação com a causa ou importarem repetição de outra pergunta
já respondida.

Outro meio de prova previsto no Código de Processo Penal, entre os arts.


226 e 228 (BRASIL, 1941), é o reconhecimento de pessoas e coisas. O reconhe-
cimento de pessoas acontece quando é necessário identificar o réu como autor
do delito. A pessoa que fará o reconhecimento é convidada para descrever a
pessoa a ser reconhecida. A pessoa a ser reconhecida será colocada, se possível,
ao lado de outras que com ela tenham qualquer semelhança. O reconhecedor
será convidado a apontá-la.

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AP RO F U N DA NDO

Reconhecimento de pessoas, reconhecimento fotográfico e retrato falado são di-


ferentes. O reconhecimento de pessoas é um meio de prova previsto no Código de
Processo Penal. O reconhecimento fotográfico, embora utilizado na prática, é meio
de prova inominada. O retrato falado não é meio de prova, é meio de investigação.

Já o reconhecimento de coisas acontece quando é necessário reconhecer coisas


relacionadas com o crime, como armas e outros instrumentos. Sobre isso, afir-
mam Reis e Gonçalves (2020, p. 183):


Dispõe o art. 227 do Código de Processo Penal que, no reconheci-
mento de objetos, serão observadas as cautelas previstas para o re-
conhecimento de pessoas, no que forem aplicáveis. Assim, a pessoa
chamada a identificar o objeto deve descrevê-lo e, após, apontá-lo,
quando estiver colocado ao lado de outras coisas semelhantes. Será
lavrado, igualmente, auto pormenorizado. Se mais de uma pessoa
for reconhecer o objeto, deve-se proceder a cada ato em separado.

Outro meio de prova previsto no Código de Processo Penal é a acareação (arts.


229 e 230) (BRASIL, 1941). Você sabe o que é acareação? É o ato de colocar cara a cara,
frente a frente, duas ou mais pessoas para que respondam perguntas, o que pode acon-
tecer na fase judicial e na fase da investigação. Essas pessoas podem ser os acusados,
quando houver mais de um; pessoas ofendidas; testemunhas; acusado e testemunha;
acusado ou testemunha e a pessoa ofendida. Primeiro, essas pessoas são ouvidas indi-
vidualmente. Serão colocadas frente a frente apenas depois, caso tenham apresentado
fatos divergentes em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.
Para que a acareação seja realizada, são necessários dois pressupostos. O pri-
meiro deles é que as pessoas que passarão pela acareação já tenham sido ouvidas. O
segundo pressuposto é que haja divergências nas respostas dadas pelas pessoas que
foram ouvidas. Imagine, por exemplo, que Mauro e Luciano roubaram, juntos, um
carro. Eles foram ouvidos separadamente, mas deram respostas contraditórias. Por
deram respostas contraditórias, os dois serão colocados frente a frente. Quando isso
acontecer, novas perguntas serão feitas a eles. A expectativa é que, com isso, a verdade
apareça. O Código de Processo Penal também trata sobre a prova documental. Fala-se
disso no Capítulo IX — dos documentos, entre os arts. 231 e 238 (BRASIL, 1941).

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Documento pode ser definido como “qualquer escrito, instrumento ou papel, pú-
blico ou particular”, ou ainda como “toda peça escrita que condensa graficamente
o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato
dotado de relevância jurídica” (LIMA, 2017, p. 720). No entanto, a definição que
mais faz sentido é a que conceitua documento como “qualquer objeto represen-
tativo de um fato ou ato relevante, conceito no qual podemos incluir fotografias,
filmes, desenhos, esquemas, e-mails, figuras digitalizadas, planilhas, croquis, etc.”
(LIMA, 2017, p. 720).

AP RO F U NDA NDO

Documento público é aquele documento “formado por pessoa investida em fun-


ção pública, desde que competente” para isso (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 185). Já
o documento particular é o documento formado por funcionário público fora de
suas atribuições ou por particular.

O documento só equivalerá à prova, ou seja, só terá eficácia probante, quando for


autêntico e veraz. Será autêntico quando for materialmente íntegro, por exemplo,
quando for emitido pelo funcionário que tem esses poderes, com a assinatura
desse funcionário. Será veraz quando for verdadeiro o que estiver escrito nele
(REIS; GONÇALVES, 2020). A prova documental poderá ser espontânea, o que
acontece quando é juntada pela própria parte. Mas também poderá ser provocada
ou coacta, o que acontece quando o juiz

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 5


“tomando conhecimento da existência de documento relativo a
ponto relevante da acusação ou da defesa, providencia sua juntada
aos autos, independentemente de requerimento das partes” (REIS;
GONÇALVES, 2020, p. 185).

No Código de Processo Penal, há também a prova indiciária. Sabia que esse as-
sunto não é novidade para você? Conversamos sobre a prova indiciária quando fala-
mos sobre os indícios. Mas retomarei o que merece destaque. Combinado? Quando
falamos em prova indiciária, estamos falando em “elementos que não se relacionam
diretamente ao fato, mas que, por via de raciocínio lógico, permitem a formação da
convicção acerca de algum aspecto da infração” (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 186).
Os indícios são admitidos como meio de prova, mas devem estar “encadeados
entre si e unívocos” (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 187).
Vamos, agora, ao estudo da busca e apreensão, previstas entre os arts. 240 e
250, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941). Antes de vermos o conceito,
convido você a refletir sobre uma situação hipotética.

Imagine que Lúcio tira a vida de uma pessoa, praticando, portanto, um homicídio.
Alguns elementos são coletados na cena do crime. As autoridades policiais têm
certeza de que Lúcio foi o autor do crime, no entanto precisam de mais elementos
para reforçar essa autoria. Lúcio é proprietário de uma papelaria. A polícia, então,
pede permissão ao juiz do caso para fazer uma busca e apreensão.

Talvez, você esteja se perguntando: mas, professora, o que a papelaria tem a ver
com o homicídio praticado por Lúcio? Como algo da papelaria pode se relacionar
com o crime? Na papelaria, podem ter, por exemplo, notebooks, nos quais haja
alguma informação relevante. É possível também que outros elementos sejam
encontrados na papelaria. Este é só um exemplo que trouxe a você para ajudá-
-lo(a) a compreender a busca e a apreensão.
Tenho mencionado busca e apreensão na nossa conversa porque é comum falar
assim. Mas preciso que fique claro para você que, na verdade, o que existe são duas
situações, uma delas é a busca, a outra, a apreensão. No exemplo que conversamos
sobre Lúcio, a busca aconteceu quando a polícia foi até a papelaria e lá entrou. A
apreensão aconteceu quando a polícia apreendeu o notebook. A busca tem como
objetivo encontrar objetos ou pessoas, já a apreensão é medida de contrição que
coloca sob custódia determinado objeto ou determinada pessoa (LIMA, 2017).

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ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

Você já sabe que existe diferença entre meio de prova e meio de obtenção de pro-
va. A partir dessa diferença, ao explicar sobre a busca e a apreensão, Lima (2017)
explica que, embora elas estejam descritas como meio de prova no Código de
Processo Penal, são, na verdade, meios de obtenção de prova. Fique atento!

NOVOS DESAFIOS
A busca pode ser determinada pelo juiz quando ele entender pertinente.
Quando a iniciativa da busca vem do juiz, chamamos de busca de ofício.
Outra hipótese em que a busca pode ocorrer é pelo pedido das partes. A
busca pode ser de coisas ou de pessoas. Quando se tratar de busca de pessoas,
chamada busca pessoal, poderá ser determinada por autoridade policial ou
por autoridade judiciária. Quando se tratar de busca em domicílio, “somente
autoridade judiciária competente poderá expedir o respectivo mandado”
(LIMA, 2017, p. 724).
Atenção! A Constituição Federal estabelece que a casa é asilo inviolável,
ou seja, para que seja possível entrar na casa de alguém, é necessário que esse
alguém, que é o morador, permita. Há exceções a essa inviolabilidade, ou seja,
há casos em que não será necessária a autorização do morador para entrar na
casa: em caso de flagrante delito, desastre, para prestar socorro, ou durante o
dia por determinação judicial. Isso vale para a casa e também para ambientes
onde a pessoa exerça sua atividade profissional (LIMA, 2017).
Atenção ao seguinte: o Código de Processo Penal apresenta uma lista de ob-
jetos que poderão ser submetidos à busca e à apreensão, sendo eles: criminosos;
coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; instrumentos de falsificação ou de
contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; armas e munições, instrumentos
utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; objetos necessários à
prova de infração ou à defesa do réu; cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado
ou em seu poder, quando houver suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo
possa ser útil à elucidação do fato; pessoas vítimas de crimes; qualquer elemento
de convicção (LIMA,2017). Essa lista, no entanto, é meramente exemplificativa. É
possível que outros objetos sejam submetidos à busca e à apreensão.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

MENDRONI, M. B. Provas no processo penal: estudo sobre a valoração das provas penais. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2015.

REIS, A. C. A.; GONÇALVES, V. E. R. Sinopses Jurídicas. Processo penal: parte geral. São Paulo:
Saraiva, 2020. v. 14.

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MINHAS ANOTAÇÕES

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TEMA DE APRENDIZAGEM 6

PRINCÍPIOS DA PROVA

MINHAS METAS

Entender o que é princípio da prova

Conhecer sobre princípios da prova

Discutir sobre cada um dos princípios

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INICIE SUA JORNADA


Trataremos, agora, dos princípios da prova. Você sabe o que é um princípio?
De um jeito simples e direto, posso dizer a você que princípio é o começo das
coisas. Sobre os princípios, encontrei uma definição muito interessante e quero
compartilhar com você.


Por um lado, o vocábulo princípio significa, em uma acepção vulgar,
início, começo ou origem das coisas. Transpondo o vocábulo para
o plano gnoseológico, os princípios figuram como os pressupostos
necessários de um sistema particular de conhecimento e a condição
de validade das demais asserções que integram um dado campo do
saber humano. A doutrina e a jurisprudência têm utilizado, cada
vez mais com maior amplitude, os princípios jurídicos na resolução
de problemas concretos, tornando absolutamente necessário ao in-
térprete do direito compreender e utilizar essas espécies normativas
(SOARES, 2019, p. 47).

Dentro do direito, princípio, também, é começo, já que, como acabamos


de ver, é o pressuposto necessário de um sistema particular de conhecimen-
to. É, portanto, o começo de algo específico. O que é esse algo? Depende.
Como você já sabe, dentro do direito, há vários ramos de estudo, por exem-
plo, direito civil, direito penal, direito do trabalho, direito processual penal.
Os assuntos que temos estudado são assuntos do direito processual penal,
especificamente, as provas. Para que servem os princípios? No direito, os
princípios também têm uma finalidade específica, que é a de ajudar os juízes
a resolverem casos complicados que cheguem a eles para serem julgados.
Partindo dessas compreensões iniciais, agora, sim, posso lhe explicar o as-
sunto sobre o qual conversaremos, os princípios relacionados à prova. Todo
meio de prova, esteja ele, ou não, escrito no Código de Processo Penal, deve
respeitar esses princípios.
Conversaremos sobre os seguintes princípios relacionados à prova: princí-
pio da presunção de inocência, proporcionalidade, princípio da comunhão da
prova, princípio da autorresponsabilidade das partes, princípio da oralidade,
princípio do favor rei e princípio da liberdade probatória.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 6

DESENVOLVA SEU POTENCIAL


O princípio da presunção de inocência diz respeito ao direito que o cidadão
tem de não ser declarado culpado enquanto houver dúvida se ele é culpado ou
inocente, e ele está previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal (BRASIL,
1988). Decorre desse princípio a regra probatória, também chamada in dubio pro
reo. Por essa regra do in dubio pro reo, a parte que acusa alguém de ter praticado
um crime deve demonstrar a culpabilidade do acusado.

VOCÊ SABE RESPONDER?


De que forma o princípio da presunção de inocência se relaciona com as provas?

O princípio da presunção da inocência se relaciona com as provas porque deve


ser aplicado quando as provas são analisadas, quando as provas são valoradas.
Se houver dúvida sobre a culpabilidade do acusado porque a acusação não apre-
sentou provas suficientes, a decisão deverá ser favorável ao acusado.

Portanto, caso as provas sejam insuficientes para demonstrar a culpa do acusado, o


juiz deve declará-lo inocente (LIMA, 2017).

O princípio da proporcionalidade, por sua vez, é o princípio que não permite que
o Poder Público aja de forma imoderada. Proíbe, portanto, que o Poder Público
aja com excessos. Como isso tem a ver com a prova no processo penal? De duas
formas, e vou lhe explicar.
A grande discussão sobre o princípio da proporcionalidade e as provas diz
respeito a provas obtidas por meios ilícitos. A conclusão é que é proporcional, ra-
zoável e aceitável utilizar a prova ilícita a favor do réu (pro reo), ou seja, é aceitável
utilizar a prova ilícita para a absolvição do réu. Contra outras pessoas, no entanto,
é desproporcional utilizar a prova ilícita. Também se discute sobre o uso da prova
ilícita pro societate. Há autores que dizem que é aceitável utilizar prova obtida por
meio ilícito nas situações em que ela implicar proteção a interesses da sociedade,
ou seja, nas situações em que ela for favorável à sociedade (pro societate).

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Por exemplo, imagine um caso em que presos estejam planejando sequestrar


um juiz. Acontece que esse plano do sequestro só foi descoberto porque os
responsáveis penitenciários abriram as correspondências de presos sem que um
juiz tivesse autorizado. Ao abrirem essas correspondências, leram o que estava
escrito nelas, ou seja, tiveram conhecimento sobre o plano que estava sendo feito
para o sequestro do juiz.

Abrir correspondência de presos sem prévia autorização judicial é violar


essa correspondência. Em regra, não seria possível usar essa correspondên-
cia como prova do plano de sequestro. Seria prova ilícita. Parte dos autores
que escrevem sobre processo penal, no entanto, afirmam que a proteção à
vida do juiz e a proteção à segurança do presídio tornam proporcional a
violação das correspondências dos presos, o que tornaria aceitável usá-las
como prova em juízo. Assim, seria proporcional para parte da doutrina usar
a prova ilícita pro societate, ou seja, a favor da sociedade. Apesar desse po-
sicionamento dos autores, para os Tribunais Superiores, a regra é que não
é aceitável, não é proporcional utilizar a prova ilícita pro societate. Veja, a
seguir, a justificativa para isso.


Em que pese a opinião dos respeitados autores, a leitura da juris-
prudência dos Tribunais Superiores pátrios não autoriza conclu-
são afirmativa quanto à tese da admissibilidade das provas ilícitas
pro societate com base no princípio da proporcionalidade. Preva-
lece o entendimento de que admitir-se a possibilidade de o direito
à prova prevalecer sobre as liberdades públicas indiscriminada-
mente, é criar um perigoso precedente em detrimento da preser-
vação de direitos e garantias individuais: não seria mais possível
estabelecer-se qualquer vedação probatória, pois todas as provas,
mesmo que ilícitas, poderiam ser admitidas no processo, em prol
da busca da verdade e do combate à criminalidade, tornando letra
morta o disposto no art.5º, LVI, da Constituição Federal (LIMA,
2017, p. 644-645).

Se é a primeira vez que você está estudando sobre a proporcionalidade e as


provas ilícitas, talvez, não seja um assunto muito fácil para você. Por isso, na
Figura 10, destacarei o que você precisa mesmo saber sobre isso. Combinado?

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PROPORCIONALIDADE

É o princípio que proíbe que o Poder Público pratique excessos.

PROPORCIONALIDADE E AS PROVAS

A regra é que as provas devem ser proporcionais, sem excessos.

PROVAS ILÍCITAS PRO REO

São provas desproporcionais. No entanto, excepcionalmente, é admissível utilizar pro-


va ilícita a favor do réu, ou seja, para absolvê-lo. Pode, portanto, a prova ilícita pro reo.

PROVAS ILÍCITAS PRO SOCIETATE

Para a doutrina, é admissível utilizar prova ilícita a favor da sociedade. Mas, para os
Tribunais Superiores, a regra é que não é admissível utilizar prova ilícita a favor da socie-
dade. A única situação em que os Tribunais admitem o uso da prova ilícita pro societate
é em “casos extremos de necessidade inadiável e incontornável” (LIMA, 2017, p. 646)

Outro princípio relacionado à prova é o princípio da comunhão da prova. Co-


munhão da prova significa que as provas apresentadas nos autos são comuns,
elas não pertencem exclusivamente à parte que as trazem aos autos. Também
não pertencem ao juiz. A prova informa sobre os fatos e pode ser utilizada por
qualquer das partes.
Atenção! A prova só se torna comum, só pertence a todas as partes, depois
que é produzida. Antes de ser juntada ao processo, a prova pertence apenas a
quem pretende juntá-la, ou seja, antes de ser juntada ao processo, a prova não é
comum (LIMA, 2017).

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Precisamos conversar também sobre o princípio da autorresponsabilidade das


partes. Autorresponsabilidade das partes significa que a consequência da prova
pertence à parte. Em outras palavras, a parte escolhe se juntará, ou não, determi-
nada prova ao processo e sofrerá as consequências que vêm depois disso. Pense
no seguinte: o Ministério Público está acusando João de ter praticado um crime.
Para provar isso, o Ministério Público apresenta algumas provas. O objetivo do
Ministério Público é que, a partir das provas, o juiz entenda que João deve ser
condenado. Acontece que uma das provas trazidas pelo Ministério Público de-
monstra que João não praticou o crime de que está sendo acusado. O juiz, então,
decide absolver João.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Você percebeu que a prova do Ministério Público foi usada com uma finalidade
diferente da pretendida?

O Ministério Público juntou provas para convencer da condenação, mas, no final,


o que aconteceu foi a absolvição. A autorresponsabilidade das partes quer dizer
que a parte tem responsabilidade pela prova que junta no processo, seja quando
alcança a finalidade que pretendia, seja quando não alcança.

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Precisamos conversar também sobre o princípio da oralidade. Por este princí-


pio, é necessário priorizar a palavra falada no lugar da palavra escrita. É possível
a palavra escrita, mas a prioridade é a palavra falada. Atenção! Outros quatro
princípios decorrem da oralidade: imediação, concentração dos atos processuais,
irrecorribilidade das decisões e identidade física do juiz (LIMA, 2017). Veja a
seguir, o que significa cada um desses princípios decorrentes da oralidade.

PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO

A prova deve ser colhida perante o juiz.

PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS

As provas são produzidas, em regra, em uma única audiência.

PRINCÍPIO DA IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES

Em regra, decisões interlocutórias são irrecorríveis.

PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ

O mesmo juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

Outro princípio relacionado à prova é o princípio do favor rei, ou favor libertatis.


Trata-se de princípio que permite um tratamento diferente ao acusado, permite
privilégios processuais em favor do acusado. Exemplo desses privilégios temos
no seguinte: há recursos que só a defesa do acusado pode interpor, a regra do
in dubio pro reo, caso falte provas, o acusado deve ser absolvido, proibição da
reformatio in pejus.
Passaremos, agora, ao estudo do último princípio que mencionei a você no
início da nossa conversa, o princípio da liberdade probatória. A liberdade proba-
tória é um princípio que permite à parte provar os fatos da forma que ela entender
melhor. Em regra, a prova pode ser produzida a qualquer momento.

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Atenção! Há exceções a essa regra, por exemplo, a prova testemunhal. A indicação


das testemunhas a serem chamadas no processo não pode acontecer a qualquer
momento. Quem acusa deve indicar as testemunhas já na peça acusatória. O
acusado, por sua vez, deve indicar as testemunhas na resposta à acusação.

Quanto ao tema da prova, pode ser qualquer assunto que interesse ao pro-
cesso. Cabe ao juiz ficar atento e indeferir provas que ele considere irrelevantes,
impertinentes ou protelatórias. Quanto aos meios de prova, podem ser meios
previstos no Código de Processo Penal, ou não. Mas devem ser meios lícitos,
meios que não desrespeitem, por exemplo, direitos e garantias fundamentais.
Caro estudante, agora que encerramos o estudo sobre a liberdade probatória,
deixo a você um quadro (Quadro 3) resumindo os momentos em que ela ocorre,
os assuntos sobre os quais ela trata e os meios por meio dos quais ela acontece.
Vamos ver a seguir sobre Liberdade probatória quanto ao momento da pro-
va, Liberdade probatória quanto ao tema da prova e Liberdade probatória
quanto aos meios de prova.

MOMENTO DA PROVA

A prova pode ser produzida a qualquer momento. Atenção: há situações em que a


prova só pode ser produzida no momento definido na lei.

TEMA DA PROVA

A prova pode ser sobre qualquer assunto. Atenção: o juiz pode indeferir provas irrele-
vantes, impertinentes ou protelatórias.

MEIOS DE PROVA

A prova pode ser produzida por meios previstos, ou não, no Código de Processo Penal.
Mas deve ser sempre lícita. Atenção: o estado de pessoas só admite provas previs-
tas na lei civil. Exemplo de estado de pessoa é o casamento. Em infrações penais
praticadas contra o cônjuge, o casamento deve ser provado por meio de certidão
de c
­ asamento.

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Caro estudante, encerramos aqui o estudo dos princípios. Parabéns! Se você


chegou até aqui, já estudou a parte mais extensa do conteúdo. Talvez, você pre-
cise de algum descanso. Recomendo que faça isso. Mas, depois, volte aqui para
finalizarmos nossa conversa. Combinado?

PROVAS TÍPICAS E ATÍPICAS

O assunto que estudaremos agora será o das provas típicas e atípicas. Como
você pôde perceber, em vários momentos, falei sobre a doutrina. Expliquei que,
quando os autores estudam um assunto e escrevem sobre ele, nascem os po-
sicionamentos da doutrina. Sobre as provas típicas e atípicas, os autores têm
vários posicionamentos. Alguns seguem a posição restritiva, outros seguem a
posição ampliativa. Os que seguem a posição restritiva defendem que é atípica a
prova utilizada no processo, mas não prevista em lei. Já os que seguem a posição
ampliativa entendem que a prova é atípica em duas situações: quando é prevista
no ordenamento, mas seu procedimento não o é, e quando a prova e seu pro-
cedimento não são previstos no ordenamento. Um exemplo de prova atípica na
posição ampliativa é a reconstituição dos fatos, prevista no art. 7º, do Código de
Processo Penal (BRASIL, 1941).

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A reconstituição dos fatos é prevista no Código, mas seu procedimento não


é (LIMA, 2017). Para facilitar suas revisões sobre as provas típicas e atípicas,
veja abaixo, um resumo sobre como a posição restritiva e a posição ampliativa
as ­explicam.
Posição restritiva
Prova típica é a prova prevista na lei.
Prova atípica é a prova não prevista na lei
Posição ampliativa
Prova típica é a prova prevista na lei junto a seu procedimento.
Prova atípica é quando:
■ A prova é prevista na lei, mas seu procedimento não.
■ A prova e seu respectivo procedimento não são previstos na lei.
Em resumo, é possível e aceitável a prova atípica. Mas, para que ela seja pro-
duzida, é necessário observar alguns procedimentos:


a) a prova, como regra, deve ser praticada em juízo, sob o crivo do
contraditório. Somente se admite sua produção fora dele quando a
natureza do meio de prova o exigir;
b) Somente se admite a produção da prova atípica no inquérito po-
licial quando houver cautelaridade a justificar tal medida ou quando
a própria lei indicar essa possibilidade;
c) a vontade pode atuar no meio de prova quando for elemento
diretamente a ele ligado. Em outras palavras, se a vontade for inte-
grante do ato a ser praticado, deve ser ela ausente de quaisquer dos
vícios do consentimento para que possa ser admitido como válido
tal meio de prova;
d) somente se afasta a parte da produção da prova quando houver
cautelaridade a justificar esta medida ou, então, quando a ciência da
parte for contrária à medida. Nesta situação, não haverá, natural-
mente a incidência da regra de discussão com as partes do modelo
probatório a ser seguido (LIMA, 2017, p. 602)

Há limites às provas. Em outras palavras, as provas não são absolutas. Esses


limites são chamados também de prova ilegal, gênero do qual decorrem as espé-
cies prova ilícita e prova ilegítima, conforme você pode observar na Figura 11.

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PROVA ILEGAL

PROVA ILÍCITA: a prova é ilícita quando viola direito


material. É prevista na Constituição, art. 5º, inciso LVI,
e no Código de Processo Penal, art. 157.

PROVA ILEGÍTIMA: a prova é ilegítima quando


viola direito processual. A Constituição não prevê
a prova ilegítima.

Figura 1- Prova ilegal / Fonte: adaptada de Lima (2017).

Descrição da Imagem: quadro descrevendo sobre prova ilegal e demonstrando a diferença entre a prova ilícita
e a prova ilegítima.

A prova ilícita está prevista na Constituição Federal,


Embora a finalidade
no art. 5º, inciso LVI (BRASIL, 1988), e no art. 157,
da produção
do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), que
das provas seja
estabelecem que as provas ilícitas são inadmissíveis. descobrir a verdade
A partir desses artigos, podemos dizer que não é
qualquer prova que pode ser utilizada. Portanto, em regra, a prova ilícita não é
admitida — mas, como você já sabe, excepcionalmente, quando pro reo, ela é
admitida. Qual a razão desses limites? Esses limites existem porque, embora a
finalidade da produção das provas seja descobrir a verdade, essa verdade não é a
qualquer custo. A consequência desses limites é que não é admitida a prova ilícita
no nosso ordenamento. O outro limite que mencionei a você é a prova ilegítima.
Vamos ver qual a diferença entre prova ilícita e ilegítima?


Prova Ilegítima: é aquela que viola uma regra de direito processual
no momento da sua produção em juízo, no processo. Ex.: juntada
de prova fora do prazo, após encerrada a instrução.
Prova Ilícita: quando há violação de uma norma de direito material
(Código Civil, Penal etc.) ou da Constituição no momento de sua

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coleta, fora do processo. Ex.: busca e apreensão em domicílio sem o


respectivo mandado, quebra ilegal de sigilo telefônico ou bancário,
confissão extraída mediante tortura ou ameaça etc.
Contudo, o art. 157 do CPP não adotou a distinção entre provas
ilegítimas e provas ilícitas, consagrando ambos os casos como prova
ilícita (LOPES JUNIOR, 2022, p.196).

Atenção! A Constituição trata apenas sobre a prova ilícita. Não faz menção à
prova ilegítima. Por causa do “silêncio da Constituição Federal, a doutrina nacio-
nal sempre se baseou na lição do italiano Pietro Nuvolone para conceituar prova
ilegal, e para distinguir as provas obtidas por meios ilícitos daquelas obtidas por
meios ilegítimos” (LIMA, 2017, p. 621).

Há vários autores brasileiros que explicam a teoria do autor italiano Pietro Nuvolone.
Um deles é Elias Marques de Medeiros Neto. Ele explica que, para Pietro Nuvolone, a
prova ilegal é gênero ao qual pertencem as subespécies prova ilícita e prova ilegítima.
A prova ilícita é aquela que desrespeita normas de direito material. Já a prova ilegítima
é aquela que viola direitos de caráter processual (MEDEIROS NETO, 2017).

NOVOS DESAFIOS
Caro estudante, finalizamos aqui o estudo. Como combinamos no início, con-
versamos sobre as provas no Código de Processo Penal, princípios relacionados
às provas, o princípio da liberdade probatória, as provas típicas e atípicas e os
limites às provas. No início da nossa conversa, trouxe a você um caso hipotético,
você se lembra? Isso mesmo, foi o caso do furto ao banco mediante uso de ex-
plosivos. Agora que você já aprendeu vários assuntos novos, se um caso como o
que narrei chegasse a você na sua atividade profissional, o que você faria? Espero

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que você tenha se imaginado como a primeira pessoa a chegar na cena do crime
e responsável por coletar e preservar os elementos encontrados.
Claro que, com toda a dedicação que você teve ao longo do nosso estudo,
você sabe que é necessário preservar a cadeia de custódia, ou seja, é necessário
realizar o reconhecimento, o isolamento, a fixação, a coleta, o acondicionamento,
o transporte, o recebimento, o processamento, o armazenamento e o descarte.
Você sabe, também, que as provas podem ser típicas ou atípicas, o Código prevê
exemplos de meios de prova e há princípios aplicáveis às provas e limites para que
essas sejam produzidas. Acredite, saber isso vai além de adquirir conhecimento!
O que você fez neste tema foi conhecer ferramentas que serão muito úteis na sua
atuação profissional no campo da investigação forense e das perícias criminais!

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:


Senado Federal, 1988.

LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

LOPES JUNIOR, A. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2022.

MEDEIROS NETO, E. M. de. Princípio da proibição da prova ilícita. In: CAMPILONGO, C. F.; GON-
ZAGA, A. de A.; FREIRE, A. L. (coord.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. São Paulo: PUC, 2017.
(Tomo: Processo Civil). Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/161/edi-
cao-1/principio-da-proibicao-da-prova-ilicita. Acesso em: 1 nov. 2022.

SOARES, R. M. F. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Saraiva, 2019.

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UNIDADE 3
TEMA DE APRENDIZAGEM 7

SISTEMA DE VALORAÇÃO
PROBATÓRIA

MINHAS METAS

Estudar como as provas são valoradas

Conhecer os sistemas de valoração probatória em geral

Perceber a importância do sistema de valoração probatória, a livre convicção motivada,


as provas ilícitas e o ônus da prova.

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U N I AS S E LVI

INICIE SUA JORNADA


Você já sabe que, no Brasil, temos muitas leis, e a mais importante delas é a Cons-
tituição Federal. São vários os assuntos de que a Constituição trata. Um deles é o
contraditório, no art.5º, inciso LV (BRASIL, 1988). A Constituição menciona o
contraditório, mas não o define, não explica o que ele é. Afinal, o que é o contra-
ditório? Para o Direito, de forma simplória, o contraditório seria a possibilidade
de reagir, mostrando sua versão de algo que tenha acontecido. Para que você
entenda melhor, pense o seguinte: quando há um crime, há, pelo menos, dois
lados contando suas versões. Cabe ao juiz analisar essas versões sobre o crime.
Vamos refletir sobre isso a partir de um exemplo.
■ Imagine que João rouba o carro de José.
■ Em outras palavras, João praticou o crime, enquanto José sofreu o crime.
Logo, João é sujeito ativo do crime e José é sujeito passivo.
■ João, enquanto sujeito ativo, ou seja, enquanto sujeito que praticou o
­crime, terá uma história para contar. A tendência é que ele use sua h
­ istória
para se defender.
■ José, enquanto sujeito passivo, ou seja, enquanto sujeito que sofreu com
o crime, terá outra história para contar. Usará sua história para dizer o
quanto sofreu com o crime.
Nesse caso envolvendo João e José, na fase de investigação, serão coletados
elementos informativos sobre o crime. Na fase judicial do processo penal, João
contará sua versão, tentando se defender. José contará sua versão, tentando de-
monstrar o quanto sofreu com o roubo. E quem terá razão, João ou José? Como
o juiz fará para decidir quem terá razão? Nas argumentações apresentadas no
processo judicial, por quem praticou o crime e por quem sofreu as consequências
do crime, podem ser admitidas quaisquer provas? Você só conseguirá desenvol-
ver respostas a essas perguntas após compreender sobre o sistema de valoração
probatória, sobre a livre convicção motivada, sobre as provas ilícitas e sobre o
ônus da prova. Todos esses assuntos fazem parte do Direito Processual Penal e
serão objetos do nosso estudo a partir de agora! Para você compreender aspectos
gerais sobre os assuntos que estudaremos, pense, novamente, no exemplo sobre
o qual conversamos, envolvendo João e José.
Nesse caso envolvendo João e José, na fase de investigação, serão coletados
elementos informativos sobre o crime. Na fase judicial do processo penal, João

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 7

contará sua versão, tentando se defender. José contará sua versão, tentando
­demonstrar o quanto sofreu com o roubo. E quem terá razão, João ou José?
Como o juiz fará para decidir quem terá razão? Nas argumentações apresen-
tadas no processo judicial, por quem praticou o crime e por quem sofreu as
consequências do crime, podem ser admitidas quaisquer provas?
Você só conseguirá desenvolver respostas a essas perguntas após com-
preender sobre o sistema de valoração probatória, sobre a livre convicção
motivada, sobre as provas ilícitas e sobre o ônus da prova. Todos esses assun-
tos fazem parte do Direito Processual Penal e serão objetos do nosso estudo
a partir de agora! Para você compreender aspectos gerais sobre os assuntos
que estudaremos, pense, novamente, no exemplo sobre o qual conversamos,
envolvendo João e José.
No nosso exemplo, João roubou o carro de José. Em razão disso, foi iniciada
a investigação sobre o caso, por meio de um inquérito policial. No inquérito, a
polícia colheu informações esclarecedoras acerca do roubo. Em seguida, uti-
lizando as informações obtidas pela autoridade policial, o Ministério Público
propôs uma ação pública incondicionada. O elemento mais importante encon-
trado pela polícia foi um vídeo capturado por uma câmera. Nesse vídeo, é pos-
sível ver o momento em que João rouba José. Enquanto estamos no momento
da investigação, este vídeo é tido como um elemento informativo, porque João
e José não têm a oportunidade de falar nada sobre o vídeo, ou seja, nenhum
deles tem a oportunidade de contraditar o vídeo.
Imagine agora que a investigação da polícia foi finalizada. Após a con-
clusão da investigação, o Ministério Público utilizou as informações obtidas
pela polícia, no caso envolvendo João e José , e ofereceu a denúncia ao juiz.
O juiz, por sua vez, manifestou-se quanto à denúncia. Ao fazê-lo, entendeu
que era necessário continuar analisando a história de João e de José, por isso,
recebeu a denúncia. Assim, o caso passou a ser uma ação penal e há, agora,
um processo judicial em andamento. Lembra do vídeo que demonstrava que
João havia mesmo roubado José? Antes, esse vídeo era um elemento informa-
tivo. Agora, quando esse mesmo vídeo for apresentado no processo judicial,
João e José poderão falar algo sobre. João só terá como falar algo dentro do
processo caso seja intimado, ou seja, caso seja chamado para isso. E se João
estiver preso? Neste caso, ele deverá ser requisitado para comparecer ao inter-
rogatório e caberá ao poder público providenciar sua apresentação perante o

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juiz, ou seja, caberá ao estabelecimento no qual ele se encontrar preso levá-lo


à presença do juiz (art. 399) (BRASIL, 1941).
Espero que até aqui você tenha percebido a importância dos assuntos
principais sobre os quais conversaremos, quais sejam: o sistema de valo-
ração probatória, a livre convicção motivada, as provas ilícitas e o ônus
da prova. Veremos muitos detalhes sobre eles! De todos esses assuntos, há
um que, após você compreendê-lo, conseguirá entender os demais com
muito mais facilidade. O assunto sobre o qual estou falando é o sistema de
valoração probatória.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL


O sistema de valoração probatória é importante porque permite compreender de
que forma as provas são analisadas e valoradas em um processo judicial. Quando
a polícia inicia as investigações sobre um crime, faz isso através do inquérito po-
licial. Após concluir as investigações, remete o inquérito ao Ministério Público,
que analisa o conteúdo do inquérito. Ao realizar esta análise, o Ministério Público
pode optar por arquivar o caso ou oferecer a denúncia. Realizará o oferecimento
da denúncia apenas quando entender que existem elementos suficientes para
tanto. Conforme estabelecido no artigo 46, do Código de Processo Penal o prazo
para o oferecimento da denúncia “estando o réu preso, será de 5 dias, contado da
data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial,
e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado” (BRASIL, 1941).

Atenção: a denúncia é a forma pela qual o Ministério Público comunica o juiz


sobre o crime. Com isso, o juiz é provocado a dar uma resposta, a dar uma
solução. Ao ser provocado, o juiz pode rejeitar ou receber a denúncia. Caso
receba, será iniciado o trâmite da ação penal. O objetivo é que em determinado
momento, no final da ação penal, o caso seja solucionado, o que acontecerá
por meio da sentença.

O juiz pode seguir alguns caminhos até proferir a sentença. Considerando o


livre convencimento motivado, tem liberdade para decidir. Se o juiz tem vários
caminhos para decidir, qual ele deve escolher?

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Para isso, há algumas ferramentas que o


ajudarão a proferir a decisão da melhor forma. Há algumas
ferramentas
Esse caminho, ou seja, essas ferramentas são
que ajudarão o
estudadas no sistema de valoração probatória. juiz a escolher o
Situações como a do roubo envolvendo João melhor caminho
e José são apresentadas a um juiz para que ele
as decida aplicando o sistema de valoração probatória. Faz parte de aplicar
o sistema de valoração probatória permitir que as partes apresentem suas
provas e permitir que as partes apresentem o contraditório – por exemplo,
se João apresenta uma prova para se defender, haverá um momento para que
José, caso queira, diga algo sobre essa prova.
Conforme conversamos acima, quando vimos o artigo 400 do Código de
Processo Penal, a regra é que o acusado e o ofendido apresentarão seus argu-
mentos e provas em momentos específicos. A ordem estabelecida no Código
é: tomada de declarações do ofendido, são ouvidas as testemunhas indicadas
pela acusação, são ouvidas as testemunhas indicadas pela defesa, são tomados
esclarecimentos dos peritos, acareações, reconhecimento de pessoas e coisas,
interrogatório do acusado.

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U N I AS S E LVI

Atenção! Há vários sistemas de valoração probatória. Mas no Brasil apenas dois são
adotados, um deles como regra, outro como exceção. Como regra, é adotado o
sistema do livre convencimento motivado. Como exceção, é adotado o sistema da
íntima convicção.

Você já sabe que quando ocorre um crime, há a etapa da investigação, em regra


realizada durante o Inquérito Penal, e a fase após o recebimento da denúncia,
referente à ação penal. Na etapa da investigação, são coletados elementos infor-
mativos. Na etapa judicial, há os meios de prova, que podem se converter em
elementos de prova.
Você lembra sobre o que se trata a etapa judicial? A etapa judicial é aquela em
que o juiz analisa o crime e tudo o que se relaciona com o crime para, ao final,
apresentar uma decisão. Agora precisamos aprofundar os nossos conhecimentos
sobre a fase judicial. Vamos lá?

Na fase judicial, quando os fatos criminosos são narrados ao juiz, são apresen-
tados os meios de prova utilizados. Cada pessoa envolvida no processo judicial
contará a sua versão sobre o que aconteceu, ou seja, cada pessoa descreverá os
fatos, conforme sua perspectiva. O ofendido falará sobre esses fatos em suas de-
clarações e o réu em seu interrogatório. De igual forma, ofendido e réu indicarão
testemunhas que também falarão sobre os fatos.

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Você já sabe, inclusive que, por meio disso, na fase judicial há o contraditório,
ocasião em que é possível uma parte se manifestar sobre o que a outra falou ou
apresentou no processo. Foi o que aconteceu no nosso exemplo: após a investi-
gação policial, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João, pela prática
do crime de roubo. O juiz recebeu a denúncia e marcou a data da audiência. João,
seu advogado e o Ministério Público foram intimados quanto à data da audiên-
cia, assim como previsto no artigo 399 do Código de Processo Penal. No dia da
audiência, foram tomadas declarações de José, foram feitas perguntas primeiro às
testemunhas indicadas pelo Ministério Público, depois às testemunhas indicadas
por João. Caso haja necessidade de pedir esclarecimentos a peritos, as partes in-
teressadas devem requerer previamente. Também poderão ocorrer acareações e
o reconhecimento de pessoas e coisas. Apenas depois disso, é que o acusado, no
caso João, será interrogado. O nome dado a esse conjunto de atitudes possíveis às
partes é contraditório. Sem novidades até aqui, porque já havíamos conversado
sobre isso. Aproveito para te perguntar, qual a importância do contraditório?

O contraditório é importante porque permite que o juiz tenha conhecimento o que


cada parte tem a dizer. Após ter conhecimento sobre o que cada parte tem a relatar,
o juiz atribuirá valor ao que cada parte apresentou, ou seja, o juiz atribuirá valor aos
meios de prova apresentados pelas partes.

Contudo, essa atribuição de valor às provas não acontece de forma discricionária


pelo juiz, já que existe um sistema para que essas provas sejam analisadas e va-
loradas. Trata-se do sistema de valoração probatória, que é chamado por alguns
autores de sistema de avaliação da prova, e para esses autores há três sistemas
destinados à avaliação da prova, sendo:

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1) o sistema da íntima convicção;


2) o sistema da prova tarifada, também chamado de sistema das provas legais; e
3) o sistema da persuasão racional do juiz, que também é chamado de sistema
da livre convicção motivada, conforme você pode observar na figura 1, a seguir.

SISTEMAS DE VALORAÇÃO PROBATÓRIA

Sistema da persuasão
racional do juiz/
Sistema da íntima Sistema da prova
Sistema da livre
convicção/ tarifada/
convicção motivada/
Sistema da certeza Sistema das provas
Sistema do livre
moral do juiz legais
convencimento
motivado

Figura 1 - Sistemas de valoração probatória. / Fonte: adaptada de Lima (2017).

Descrição da imagem: quadro mostrando as etapas do sistema de valoração probatória.

No sistema da íntima convicção “o juiz tem liberdade para valorar as provas,


inclusive aquelas que não se encontram nos autos, não sendo obrigado a fun-
damentar seu convencimento” (LIMA, 2017, p. 616). Trata-se de um sistema no
qual o juiz avalia a prova com ampla liberdade e decide aplicar o direito de acordo
com sua consciência, de acordo com sua livre convicção.
Preste atenção ao seguinte: no sistema da íntima convicção, o juiz tem uma
crença e decide com base nela. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima,
nesse sistema


“a decisão é o resultado da convicção do magistrado, sem que seja
necessária a demonstração de razões empíricas que justifiquem seu
convencimento, o que permite, em tese, que o juiz julgue com base
na prova dos autos, sem a prova dos autos, e até mesmo contra a
prova dos autos” (LIMA, 2017, p. 616).

No sistema da íntima convicção as partes apresentam suas provas, podendo


o juiz decidir com base nessas provas, sem que ele seja obrigado a isso.

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P E N SA N D O J UNTO S

No sistema da íntima convicção não são as provas que determinam a decisão do


juiz, mas sim o que ele pensa, sua íntima convicção. Em resumo, o juiz é livre para
decidir o valor das provas sem a necessidade de fundamentar sua decisão.

Já no sistema da prova tarifada, o juiz tem a função Explica que é


de, ao atribuir um valor às provas, sem que a lei tenha impossível prever
estabelecido anteriormente. É como se o juiz confe- todos os valores
risse se a prova apresentada por uma das partes en-
contra-se prevista na lei. Após esta conferência e estando prevista na lei, qual o
valor desta prova? Caso esteja, o juiz usará a prova para decidir. Mas se a lei nada
disser sobre a prova, então o juiz não a utilizará para decidir.
No início da nossa conversa, contei a você que o sistema da prova tarifa-
da também é chamado de sistema das provas legais. O autor Marcelo Batlouni
Mendroni usa o nome de sistema das provas legais como sinônimo de sistema
da prova tarifada. Além disso, o autor afirma que só são provas legais, ou provas
tarifadas, aquelas cujo valor vem descrito na lei.
O autor, no entanto, explica que é impossível prever todos os valores que
podem ser atribuídos às provas, que é impossível catalogar todos os valores exis-
tentes. A conclusão a que ele chega, consequentemente, é que a melhor opção é
deixar nas mãos do juiz a função de atribuir valor às provas.

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O sistema de “provas legais” impunha, por determinação legal,
valores a determinadas provas, sem considerar, entretanto, que
cada “prova” emite em si uma valoração própria e peculiar atrelada
a circunstâncias diversas que não podiam ser definidas através de
valores prefixados. O sistema foi abandonado a partir do momen-
to em que se concluiu pela impossibilidade de “catalogar” valores,
preestabelecendo a eficácia de cada prova a partir de uma defini-
ção, entendendo-se que a tarefa deveria ser deixada ao julgador,
de forma a permitir a análise probatória a partir das conclusões
emanadas das percepções humanas (MENDRONI, 2015, p. 10).

O sistema da prova tarifada não é adotado no Brasil. Caso fosse adotado, teríamos
alguns problemas. Por exemplo, a confissão seria a rainha das provas, ou seja, a con-
fissão seria a prova mais importante e mais forte, seria a prova que traria mais certeza.
Outro problema que teríamos no sistema da prova tarifada estaria na prova
testemunhal, na situação em que apenas uma pessoa tivesse presenciado o crime
– pelo sistema da prova tarifada, quando houvesse apenas uma testemunha, bas-
taria a palavra dela. Sobre isso, Renato Brasileiro de Lima afirma que a quantidade
de testemunhas importaria mais do que o conteúdo falado por elas: o conteúdo
falado por duas testemunhas mentindo teria mais valor do que o conteúdo de
uma testemunha falando a verdade (LIMA, 2017).

P E N SA N DO J UNTO S

Em resumo, no sistema da prova tarifada, também chamado de sistema das pro-


vas legais, o juiz não é livre para decidir o valor das provas. O que ele faz é verificar
e aplicar o valor que o legislador estabeleceu para a prova. Atenção! Esse sistema
não é adotado no Brasil.

Já no sistema do livre convencimento motivado, de acordo com a lei e de forma


abstrata, todas as provas apresentadas têm o mesmo valor. Isso significa que,
de acordo com a lei e até o momento da ocorrência do fato criminoso, não há
nenhuma prova que seja mais importante que a outra.


De acordo com o sistema do livre convencimento motivado (per-
suasão racional ou livre apreciação judicial da prova), o magistrado

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tem ampla liberdade na valoração das provas ­constantes dos autos,


as quais têm, legal e abstratamente, o mesmo valor, porém se vê
obrigado a fundamentar sua decisão.
Como aponta Gomes Filho, “a liberdade na apreciação das p ­ rovas
não se confunde com uma autorização para que o juiz adote ­decisões
arbitrárias, mas apenas lhe confere a possibilidade de estabelecer a
verdade judicial com base em dados e critérios objetivos e de uma
forma que seja controlável”.
Na verdade, em virtude dos extremos dos dois sistemas anteriores,
este apresenta a vantagem de devolver ao juiz discricionariedade
na hora da valoração das provas, isoladamente e no seu conjunto,
aspecto positivo do sistema da íntima convicção, mas desde que
tais provas estejam no processo (id quod nom est in actis non est in
mundus – o que não está nos autos não existe), sendo admitidas pela
lei e submetidas a um prévio juízo de credibilidade, não podendo
ser ilícitas ou ilegítimas (LIMA, 2017, p. 618-619).

Em síntese, diferentemente dos outros sistemas que estudamos, no sistema do livre


convencimento motivado, a princípio, todas as provas têm idêntico valor. Isso só muda
quando o crime acontece e é apresentado ao juiz para ser julgado. O que muda? O juiz
forma sua convicção pela livre apreciação da prova e sempre de forma fundamentada,
conforme previsto no artigo 155, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).

ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

■ Sistema da íntima convicção: O juiz decide de forma subjetiva, ou seja, ele de-
cide da forma que quiser e sem que precise justificar os motivos que o con-
duziram a tal decisão. Assim, não é necessário que explique o porquê de sua
decisão, não é necessário que o juiz explique os fundamentos que o levaram a
decidir de um ou de outro modo.
■ Sistema da prova tarifada ou sistema das provas legais: o juiz decide através da
aplicação de uma “hábil e difícil operação aritmética” (MENDRONI, 2015, p.10).
É como se houvesse um catálogo, uma lista de provas aceitáveis. Se a pro-
va apresentada constar nessa lista, ela terá valor. Se a prova apresentada não
constar nessa lista, então a prova não tem valor.
■ Sistema da persuasão racional do juiz, ou sistema da livre convicção motivada:
o juiz é livre para decidir, mas precisa levar em consideração as provas colacio-
nadas aos autos e, a partir delas, fundamentar sua decisão.

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No caso do Brasil, são dois os sistemas de valoração de provas aplicados, confor-


me preceitua o ordenamento jurídico pátrio, sendo o sistema do livre convenci-
mento motivado e o sistema da íntima convicção do juiz, conforme estabelecido
pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal.
Conforme artigo 93, inciso IX da Constituição Federal, e artigo 155 do ­Código
de Processo Penal, encontramos evidências que indicam que o sistema adotado
como regra no Brasil é o sistema do livre convencimento motivado (BRASIL, 1941).
Já o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea b, encontramos evidências que indicam que o
sistema adotado como exceção no Brasil é o sistema da íntima convicção (BRASIL,
1988). Para resumir essas concepções, observe a Figura 2, a seguir.

REGRA EXCEÇÃO

Sistema do livre Sistema da


convencimento íntima
motivado convicção

Figura 2 - Sistema de valoração probatória no Brasil: Regra e exceção. / Fonte: adaptada de


Mendroni (2015).

Descrição da imagem: quadro mostrando a regra e a exceção do Sistema de valoração probatória no Brasil.

O sistema do livre convencimento ou livre convicção motivada é adotado no


Brasil devido à previsão constante na Constituição Federal, em seu artigo 93,
inciso IX e no Código de Processo Penal, em seu artigo 155, face ao indicativo
ou previsão de que o juiz explique suas decisões. E, como você já sabe, o juiz
explicará suas decisões ao fundamentá-las.

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Por outro lado, no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea b, a Constituição Federal
apresenta que no Tribunal do Júri as decisões serão proferidas por meio de voto
sigiloso a ser atribuído pelos jurados. Sendo assim, somente no Tribunal do Júri,
os jurados manifestam se o acusado é culpado ou inocente, bem como deliberam
sobre os quesitos apresentados sem que haja necessidade de fundamentar sua
decisão e, por fim, o juiz que preside a sessão do júri redige a sentença, realizan-
do apenas a dosimetria da pena em caso de condenação. O nome dado a isso é
sistema da íntima convicção.

VOCÊ SABE O QUE É O TRIBUNAL DO JÚRI?

- O Tribunal do Júri é um órgão do Judiciário que julga apenas determinados crimes,


conforme previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal.
- Conforme § 1º, do art. 74, do Código de Processo Penal, são crimes de competência
do Tribunal do Júri os previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, parágrafo único, arts. 123, 124,
125, 126 e 127, do CP, consumados ou tentados.

HÁ JUÍZES NO TRIBUNAL DO JÚRI?

- No Tribunal do Júri, há um juiz, que preside a sessão, e os jurados, que votam os que-
sitos. *Não entraremos em detalhes sobre isso, porque é um assunto que não faz parte
do aprofundamento do nosso estudo.

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O QUE É PRECISO COMPREENDER SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI NA


PRIMEIRA FASE?

- Acontece de uma forma diferente, ou seja, tem procedimento diferente, previsto


entre os arts. 406 e 497, do Código de Processo Penal. Trata-se de um procedimento
bifásico, porque compreende duas fases. A primeira fase começa com a denúncia do
Ministério Público ou com uma queixa substitutiva e é encerrada com uma decisão ju-
dicial. Nesta fase, o juiz analisa se há elementos mínimos que permitam enviar o caso
para os jurados decidirem.

O QUE É PRECISO COMPREENDER SOBRE O TRIBUNAL DO JÚRI NA


SEGUNDA FASE?

A segunda fase começa com a preparação do processo para julgamento no plenário


do Júri e se encerra com o julgamento pelos jurados. Após os jurados decidirem, o
processo volta para o juiz, que fará a dosimetria da pena em caso de condenação.
- É aplicável a crimes contra a vida, por exemplo, no crime de homicídio;
- Tem como juízes os chamados jurados, que são juízes leigos; e
- Os jurados decidem por meio de votações sigilosas. Portanto, decidem pelo sistema
da íntima convicção, ou seja, não precisam explicar nem fundamentar suas decisões.

NOVOS DESAFIOS
Agora que você entendeu que o Tribunal do Júri é um órgão do Judiciário, ao
qual cabe processar e julgar apenas determinados crimes, podemos continuar o
nosso em outro tema, sobre a diferença entre o sistema do livre convencimento
e o sistema da íntima convicção. Nesses dois sistemas, as decisões são proferidas
após as partes apresentarem comprovações de suas argumentações no processo.
Também nos dois casos as provas apresentadas precisam ser lícitas.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. ­Brasília:


Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 17 out. 2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 648.004/SP. Luiz
Felipe de Souza Gaspatere e Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de São
Paulo. Relator: Ministro Felix Fischer. 13 de abril de 2021. Superior Tribunal de Justiça. Disponível
em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1205775682. Acesso em: 17 out. 2022.

LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

MENDRONI, M. B. Provas no processo penal: estudo sobre a valoração das provas penais. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2015.

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MINHAS ANOTAÇÕES

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TEMA DE APRENDIZAGEM 8

SISTEMA DO LIVRE
CONVENCIMENTO E O SISTEMA DA
ÍNTIMA CONVICÇÃO

MINHAS METAS

Estudar a diferença entre o sistema do livre convencimento e o sistema da


íntima ­convicção

Aprender sobre provas cautelares

Aprender sobre a proibição de provas ilícitas no Brasil

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U N I AS S E LVI

INICIE SUA JORNADA


Agora que você entendeu que o Tribunal do Júri é um órgão do Judiciário, ao
qual cabe processar e julgar apenas determinados crimes, podemos continuar o
estudo sobre a diferença entre o sistema do livre convencimento e o sistema da
íntima convicção. Nesses dois sistemas, as decisões são proferidas após as partes
apresentarem comprovações de suas argumentações no processo. Também nos
dois casos as provas apresentadas precisam ser lícitas.

P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Como você já sabe, um juiz não pode decidir de qualquer jeito os casos sob sua
responsabilidade. As provas juntadas no processo é que servirão de embasamento
para essas decisões. Um outro detalhe é que as provas precisam ser lícitas. Quer sa-
ber um pouco mais sobre isso? Convido você a ouvir sobre a importância das provas
e o ônus da prova no processo penal.
Recursos de mídia disponível no conteúdo digital no ambiente virtual de aprendizagem
Conteúdo de áudio/vídeo não patrocinado. Esse recurso utilizará seu pacote de
dados (ou wifi) para ser exibido.

DESENVOLVA SEU POTENCIAL


A diferença entre esses dois sistemas é que no caso do sistema do livre
­convencimento o juiz é obrigado a fundamentar sua decisão (regra), enquanto
no sistema da íntima convicção, que é o caso do Tribunal do Júri, os jurados não
precisam fundamentar suas respectivas decisões.
Sobre o sistema da livre convicção motivada, o juiz aprecia livremente as provas
produzidas em contraditório judicial. Em regra, o juiz não pode d ­ ecidir exclusiva-
mente com base em elementos que tenham sido colhidos na fase da investigação.
Conforme previsto no artigo 155, do Código de Processo Penal, os únicos
casos em que ele poderá decidir utilizando exclusivamente elementos colhidos na
investigação serão quando se tratar de prova cautelar, quando se tratar de prova
não repetível ou quando se tratar de prova antecipada (BRASIL, 1941). Para ficar
fácil de lembrar o que acabei de te explicar sobre o sistema da livre convicção
motivada, preste atenção na figura a seguir .

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 8

-Livre apreciação da prova


-L
p
produzida em contraditório judicial.

--Não pode decidir exclusivamente


ccom base em elementos colhidos
na investigação.

!
-Somente é possível que o juiz decida
exclusivamente com base em
elementos colhidos na investigação,
quando se tratar de prova cautelar,
de prova não repetível ou de
prova antecipada.

Figura 1 - Livre convencimento motivado / Fonte: adaptada do artigo 155, do Código de Processo Penal
(BRASIL, 1941)

Descrição da imagem: ilustração de um juiz de peruca com um óculos preto retangular torto, em sua mão ele
segura o martelo.

Você sabe o que são provas cautelares? Provas não repetíveis e provas antecipa-
das? São provas que foram produzidas na fase de investigação e que, por alguma
razão, não podem ser reproduzidas novamente.

Como exemplo de prova cautelar, pense na busca e apreensão domiciliar. Se


um notebook é apreendido durante a investigação, fica sob os cuidados da
autoridade que o apreendeu. Não há como, e nem é necessário, apreendê-lo
novamente, afinal ele já está à disposição das autoridades interessadas.

Como exemplo de prova não repetível, pense na seguinte situação. ­Determinado


fato criminoso foi investigado por meio de inquérito policial, fase na qual uma
testemunha apresentou seu depoimento. Após isso, o Ministério Público ofereceu
denúncia, porque entendeu se tratar de crime que precisava ser levado a um juiz.
O juiz recebeu a denúncia e foi iniciado o processo judicial. Ocorre que, antes de
acontecer esse recebimento pelo juiz, a testemunha que foi ouvida no inquérito fale-
ce. Perceba que a testemunha faleceu antes do processo judicial ser i­ niciado. Porque
trata-se de pessoa já falecida, não sendo possível a colheita de novo d ­ epoimento
pelo juiz. Em razão dessa impossibilidade, o depoimento prestado pela testemunha
em vida durante o inquérito policial, poderá ser ­utilizado pelo juiz.
Um exemplo de prova antecipada é a colheita do depoimento de uma testemunha
já idosa ou de uma pessoa com doença em fase terminal. Imagine que uma pessoa de
idade muito avançada presenciou um crime. É possível que essa pessoa seja ouvida na

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fase da investigação e seu depoimento seja aproveitado no processo judicial, sem que
ela precise ser ouvida novamente. Nesse sentido, afirmam Reis e Gonçalves (2020),


Entende-se por prova não repetível aquela cuja reprodução em juí-
zo mostra-se inviável (ex.: oitiva de testemunha que faleceu após
­prestar depoimento na fase investigativa; provas periciais).

Prova antecipada é aquela colhida em razão da existência de funda-


do receio de que já não exista ao tempo da instrução (ex.: oitiva de
testemunha enferma ou em idade bastante avançada – art. 225 do
CPP). A colheita antecipada da prova, que pressupõe a relevância
do meio de prova e a urgência de sua obtenção (art. 156, I, do CPP),
dispensa a posterior repetição no momento processual típico.
Já a prova cautelar pode ser definida como a obtida em decorrên-
cia da adoção de providência de natureza cautelar, como a busca
e apreensão domiciliar (art. 240, § 1o, c, d, e e h, do CPP) (REIS;
GONÇALVES, 2020, p.155).

Verificaremos, agora, exemplos práticos de como são aplicados o sistema do livre


convencimento motivado e o sistema da íntima convicção. Para isso, c­ onvido
você a refletir sobre duas situações hipotéticas. Imagine que Carlos e Flávia
­planejaram furtar uma residência em um condomínio de luxo na cidade de São
Paulo. Eles planejaram todos os detalhes sobre como realizariam o furto e, dias
depois, executaram o plano elaborado.

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Para realizarem o furto planejado, Carlos e Flávia invadiram a casa duran-


te a ausência dos moradores. Contudo, o imóvel contava com câmeras de
­monitoramento que registraram toda a ação criminosa.
A polícia foi informada sobre a ocorrência do furto e após instauração de pro-
cedimento, os investigadores estiveram in loco para realizarem a colheita de todos
os vestígios e elementos eventualmente deixados na cena do crime. Após isso, foi
instaurado um Inquérito Policial, no qual Carlos e Flávia foram indiciados. Encer-
rado o Inquérito Policial, o Ministério Público utilizou tudo o que foi documentado
nele para oferecer denúncia. O juiz recebeu a denúncia do Ministério Público, com
todos os meios de prova apresentados nela. Além de outros meios de prova, havia
um vídeo que possibilitou identificar Carlos e Flávia na cena do crime.

As regras do Código de Processo Penal foram seguidas: foi realizada audiência de


instrução e julgamento, foram tomadas declarações do ofendido, foi realizada a
inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem,
bem como aos esclarecimentos dos peritos, acareações, o reconhecimento de
pessoas e coisas, interrogando-se, por fim, o acusado (BRASIL, 1941, art. 400).

Chegado o momento de proferir sua decisão, o juiz explicou que o vídeo m


­ ostrava
de forma nítida o momento em que Carlos e Flávia praticaram o crime. Após
essa explicação, o juiz condenou Carlos e Flávia, ou seja, estabeleceu que eles
responderiam pelo crime praticado.

Nessa situação, o sistema utilizado para valoração da prova foi o sistema da livre
convicção motivada, porque o juiz se baseou em um meio de prova para decidir o
que aconteceria com os réus. Após isso, explicou o porquê de sua decisão.

Imagine, agora, uma segunda situação. Márcio e Ricardo trabalhavam na mesma


empresa, mas não tinham uma boa convivência. Certo dia, quando estavam no
refeitório da empresa, tiveram uma discussão. Após trocarem ofensas entre si,
Ricardo deu por terminada a discussão, tendo em vista que já estava exausto
daquela conversa, virando-se de costas e começou a caminhar até a porta para
sair do refeitório e voltar ao trabalho. Márcio ficou enfurecido, encontrou uma
faca, correu na direção de Ricardo e proferiu vários golpes com a faca nas costas
de Ricardo. Ricardo não resistiu aos ferimentos e faleceu.

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O ocorrido entre Márcio e Ricardo chegou ao conhecimento da polícia. Vestígios


foram coletados e foi feita uma investigação. Após isso, iniciou-se o processo judicial.
O caso foi levado ao Tribunal do Júri, uma vez que o crime praticado por Márcio foi
um crime contra vida, especificamente um homicídio doloso. No Tribunal do Júri
foram apresentados meios de prova. Após isso, os juízes do caso proferiram suas
decisões, através de voto sigiloso, conforme estabelecido na Constituição Federal.
Neste segundo caso, porque o voto foi sigiloso e a decisão não precisou ser
fundamentada, houve a aplicação do sistema da íntima convicção.
Nos dois sistemas estudados, as partes envolvidas terão um momento para
apresentar meios de prova. Mas atenção! Esses meios de prova precisam ser
­lícitos, uma vez que a regra no Brasil é a proibição de provas ilícitas.
No ordenamento jurídico brasileiro a origem das provas ilícitas é a C
­ onstituição
Federal de 1988. Você já ouviu falar que com a Constituição ­Federal de 1988 o
Brasil passou a ser um Estado Democrático de Direito? Sabe o que isso significa
na prática? Significa que no nosso país a regra é o exercício do poder pelo povo e
que há direitos a esse povo. Claro que há também deveres e que a explicação sobre
o que é o Estado Democrático de Direito é mais complexa do que isso. Mas quero
que você preste atenção ao seguinte ponto: em um Estado Democrático de Direito,
há direitos. Um deles é que, dentro do processo penal, a verdade sobre algum crime
não pode ser descoberta a qualquer custo. É preciso respeitar direitos e garantias
individuais. Uma dessas garantias é a proibição das provas ilícitas.

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Em resumo, é possível punir quem pratica crimes e o processo penal é importante


ferramenta utilizada para definir qual será a punição. Só não se esqueça da regra:
para que a punição seja corretamente aplicada é necessário respeitar em todo tempo
direitos e garantias fundamentais, por exemplo as provas devem ser lícitas (LIMA, 2017).

Por proporcionarem respeito a direitos e garantias individuais, foi e continua


sendo importante a previsão da proibição das provas ilícitas na Constituição.
Mas não parou por aí. No ano de 2008, o Código de Processo Penal também
passou a fazer previsão sobre as provas ilícitas. Assim como a Constituição, o
Código de Processo Penal vedou a produção de provas ilícitas. Fez isso no caput,
do artigo 157.

AP RO F U N DA NDO

As provas ilícitas, em regra, não são admitidas, porque a Constituição Federal (ar-
tigo 5º, inciso LVI) e o Código de Processo Penal (artigo 157, caput) estabelecem
assim. Como você já sabe, a prova é ilícita quando produzida mediante “violação
de uma norma de direito material (Código Civil, Penal etc.) ou da Constituição no
momento de sua coleta, fora do processo” (LOPES JUNIOR, 2022, p. 196). Podem
ser definidas também como provas “obtidas em violação a normas constitucionais
ou legais” (NUCCI, 2022, p. 236).

Em outras palavras, as provas são ilícitas nas situações em que coletadas m ­ ediante
o desrespeito de direitos dos indivíduos. Por exemplo, na investigação e no
­processo judicial existe o direito ao silêncio, que compreende o direito que o in-
vestigado ou o acusado têm de não produzir provas contra si. Imagine que José,
acusado de ter praticado um crime, confessa que praticou. Ocorreu, ­portanto,
a confissão. No entanto, isso aconteceu mediante tortura. Porque foi obtida
­mediante tortura, ou seja, através de violação de direitos, neste caso, a confissão
passou a ser ilícita.
Ou seja, sem o mandado judicial e a quebra
Outros exemplos de
ilegal de sigilo bancário - nesses dois casos para
prova ilícita são a
que seja lícita a prova, é preciso que o juiz tenha busca e apreensão
autorizado a busca e apreensão e a quebra de em domicílio
­sigilo bancário.

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Você já sabe o que são provas ilícitas e que, no Brasil, elas são assunto mencio-
nado na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Agora, passaremos
a estudar em um contexto mais abrangente, que vai além do Brasil, a origem,
sentido e extensão das provas ilícitas.
As provas ilícitas tiveram origem nos Estados Unidos da América. Por lá,
elas foram discutidas dentro da teoria da exclusionary rules. Por essa teoria,
provas que contrariassem o ordenamento deveriam ser excluídas do processo. A
finalidade dessa teoria era que durante investigações de pessoas quanto à prática
de crimes, direitos e garantias desses indivíduos fossem respeitados pela Polícia.
A ideia era manter a liberdade da Polícia para investigar, mas, ao mesmo tempo,
impor limites aos procedimentos realizados.
As exclusionary rules, ou seja, o direito de exclusão de provas ilícitas,
­chegaram a ser assunto nos tribunais superiores dos Estados Unidos da ­América,
­especificamente na Suprema Corte. A conclusão da Suprema Corte sobre elas foi a
de que as regras sobre prova ilícita eram importantes porque restringiam atuações
abusivas da Polícia e porque também impediam que os Tribunais ­aprovassem
condutas abusivas eventualmente praticadas pela Polícia. Leia, a seguir, a forma
como Mendroni (2015) explica isso.


As chamadas exclusionary rules tiveram origem no sistema
­Norte-Americano a partir da ideia de que deveriam ser preserva-
dos os direitos e garantias individuais das pessoas nas diversas ações
investigativas praticadas pela Polícia, incluindo principalmente
aqueles direitos ofendidos em decorrência das buscas e apreensões.
Assim, qualquer ação praticada pelos oficiais de Polícia que viessem
a burlar os direitos e garantias constitucionais do cidadão deveriam
ser considerados nulos e, portanto, não poderiam integrar, como
prova ou mesmo indício os autos do processo.

Havendo sido iniciado para os casos ocorridos na esfera no ­âmbito


da Jurisdição Federal, as exclusionary rules acabaram sendo
­difundidas também para os âmbitos estaduais. A Suprema C ­ orte
Norte-Americana fundamentou a utilização dessas regras com
dupla argumentação: (1) conter as atuações abusivas por parte da
Polícia; (2) chamada de “Integridade Judicial”, para a Corte não dar
­aprovação tácita àquelas condutas abusivas.

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Já por mais de 30 anos, a interpretação da Corte Suprema dos


­Estados Unidos sobre a Constituição Federal serviu de suporte legal
aos direitos dos acusados (MENDRONI, 2015, p. 161-162).

Reforçar direitos individuais, o que acontece por meio das exclusionary rules
nos Estados Unidos, é algo positivo, porque serve para trazer mais segurança às
pessoas que sejam investigadas pela prática de um crime. Mas, embora seja algo
positivo, nos Estados Unidos nem todos os autores são favoráveis às exclusionary
rules. Por lá, há um debate sobre esse assunto e, os autores contrários argumen-
tam que aplicar as exclusionary rules a pessoas criminosas traz custos para o
Estado e para a sociedade (MENDRONI, 2015). Em outras palavras, aplicar as
exclusionary rules seria não aceitar no processo as provas ilícitas. Ao não aceitar
essas provas ilícitas, pessoas criminosas poderiam ficar livres, o que equivaleria
expor o Estado e a sociedade a eventuais novas práticas criminosas.

Um argumento utilizado por aqueles que são contra a aplicação das exclusionary
rule é o de que, caso policiais ajam de forma abusiva, no lugar de excluir do 139
processo provas ilícitas, outras punições poderiam ser aplicadas a eles, poderiam
ser processados, por exemplo (MENDRONI, 2015).

Apesar desses posicionamentos, prevalece para os doutrinadores e para a


­jurisprudência Norte-Americana a importância das exclusionary rules. Para
eles tais regras têm finalidade preventiva. Sobre isso, argumentam que o ­direito
às ­exclusionary rules serviria para impedir a prática de exageros por parte da
­polícia. Também serviria para prevenir condutas irregulares, uma vez que os
agentes policiais, ao saberem que provas ilícitas seriam excluídas, evitariam
produzi-las, ou seja, deixariam de agir contra direitos e garantias individuais
(MENDRONI, 2015).
Qual o sentido e a extensão das exclusionary rules? Como você pode perceber
de tudo o que conversamos até aqui, o sentido dessas regras é prevenir condutas
abusivas ou irregulares por parte da Polícia, evitando que tal autoridade viole
direitos e garantias individuais.

Atenção! Tratam-se de regras que se estendem à Polícia, mas que também valem
para os Tribunais quando responsáveis pelo julgamento em situações que direitos e
garantias individuais tenham sido violados.

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Em resumo:

Nos Estados Unidos da América há as exclusionary rules. São regras que não
­permitem que a Polícia tenha condutas abusivas na investigação. Em outras
­palavras, não admitem provas ilícitas.

No Brasil temos a inadmissibilidade das provas ilícitas como regra, prevista na


Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVI e no Código de Processo Penal, no
artigo 157.
Caro(a) aluno(a), você já sabe que, em regra, provas ilícitas são inadmissíveis.
Porque inadmissíveis, em regra, apenas provas lícitas podem influenciar o juiz
em sua decisão.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Mas a quem cabe apresentar as provas no processo penal?

Perguntar isso é o mesmo que perguntar a quem pertence o ônus da prova no


processo penal.

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O artigo 156 do Código de Processo Penal, esclarece essa dúvida. Faz isso ao
estabelecer a regra de que aquele que faz alegações sobre algum fato criminoso
tem a incumbência de provar tais alegações. O artigo 156 complementa que,
em situações excepcionais, quando ainda não tiver sido iniciado o processo, o
juiz poderá mandar que sejam produzidas provas – perceba que é uma exceção
porque, neste caso, ainda não há alegação, então não há quem possa produzir
provas. Como não há quem possa produzi-las, a lei dá esse poder ao juiz.
O mesmo artigo permite uma segunda situação em que o juiz pode ter a
iniciativa de mandar que sejam produzidas provas - Isso acontecerá quando for
necessário resolver dúvida sobre algum ponto relevante do processo.


Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, po-
rém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção an-


tecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando
a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sen-
tença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto
relevante (BRASIL, 1941).

Caso você faça uma pesquisa rápida em algum dicionário sobre a palavra
ônus, provavelmente encontrará como definição as palavras dever e obrigação.
­Acontece que para o Direito, o ônus da prova não é uma obrigação.
Nesse sentido, Nestor Távora e Vinícius Assumpção afirmam que o ônus da
prova é faculdade, ou seja, é uma possibilidade: caso a parte queira, ela poderá
produzir provas (TÁVORA; ASSUMPÇÃO, 2012).
O autor Renato Brasileiro de Lima, por sua vez, usa palavras diferentes para
dizer isso. Afirma que o ônus da prova é diferente de obrigação e de dever, por-
que quando uma parte deixa de produzir provas não é penalizada. Ao deixar de
produzir provas o que acontece é que surgem desvantagens.


Em síntese, enquanto o inadimplemento de uma obrigação ou de
um dever gera uma situação de ilicitude e traz como consequência
141 a possibilidade de uma sanção, o descumprimento de um ônus
configura um ato lícito e não é sancionado.

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Transportando-se o conceito de ônus para o âmbito da prova, po-


de-se dizer que ônus da prova é o encargo que as partes têm de
provar, pelos meios legal e moralmente admissíveis, a veracidade
das afirmações por elas formuladas ao longo do processo, resultan-
do de sua inação uma situação de desvantagem perante o direito
(LIMA, 2017, p. 606).

Para o Direito, portanto, o ônus da prova é a oportunidade, é a faculdade de


provar alguma afirmação ou algum fato dentro do processo judicial. Sabendo
disso, quem tem dever de provar afirmações ou fatos? A regra é que a pessoa
que afirmar algo é que terá a incumbência de provar o que afirmou. Em outras
palavras, o que a acusação alegar, a ela mesma incumbirá provar. O que a defesa
alegar, a ela mesma incumbirá provar. Vamos compreender isso na prática.
Você já sabe, o Ministério Público é que inicia ações penais na maioria das
situações, ou seja, é o Ministério Público que apresenta denúncias ao juiz, in-
formando que determinada pessoa praticou crimes. O juiz analisa o que o Mi-
nistério Público lhe apresenta e decide se aquilo se tornará mesmo um processo
judicial. Caso ele decida que a situação que lhe foi contada precisa ser melhor
analisada, recebe a denúncia, iniciando assim o processo judicial, conforme você
pode observar na figura a seguir.

-Crime (prova da
materialidade e indícios
de autoria) -Decide se RECEBE
-Quem praticou (sujeito ou
ativo) REJEITA a denúncia do
-Contra quem praticou Ministério Público.
(sujeito passivo)
-Detalhes do crime

-Se RECEBER, será iniciado


o processo judicial.

Ministério Público Juiz


(Promotor de Juistiça)

Figura 4 - Denúncia do Ministério Público e recebimento do juiz / Fonte: adaptada do Código de Processo
Penal (1941).

Descrição da imagem: ilustração de um homem vestindo terno com uma mala na mão e ao lado um homem mais
velho trajando peruca branca e toga com um malhete na mão.

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Vamos ver como acontece na prática tudo o que acabei de contar a você.
­Imagine que chegou ao conhecimento do Ministério Público que Lúcio, policial
­rodoviário, exigiu vantagem indevida de Maurício: para não apreender o carro
de Maurício, exigiu que este lhe pagasse um valor em dinheiro. Lúcio exigiu essas
vantagens em um dia de trabalho, logo após parar o carro de Maurício e constatar
irregularidades no veículo.
O Ministério Público, então, apresentou afirmações, ou seja, apresentou
­alegações ao juiz, explicando que Lúcio, funcionário público, cobrou ­vantagem
­indevida de Maurício, praticando assim um crime chamado de crime de
­concussão, previsto no artigo 317, do Código Penal.
Lembra da regra que te contei? Quem faz afirmações ou alegações tem a
incumbência de prová-las.

Portanto, neste exemplo, porque o Ministério Público afirmou que Lúcio, funcionário
público, exigiu indevidamente dinheiro de Maurício, terá a incumbência de provar
que isso efetivamente aconteceu. Será do Ministério Público, portanto, o ônus da
prova quanto à materialidade, quanto à existência do crime.

Maurício, por sua vez, terá oportunidade de se defender daquilo que o M


­ inistério
Público o acusar. Consequentemente, caberá a Maurício provar os fatos e
­argumentos que alegar em sua defesa.
Perceba que existe ônus da prova, portanto, para a acusação e para a defesa.
Cada um tem a incumbência de provar aquilo que alegar.

P E N SA N D O J UNTO S

É importante que você compreenda que quem faz alguma alegação no processo
judicial, tem a incumbência de provar. Pela lei, o ônus da prova se aplica a todas as
partes. Portanto, não se esqueça: a alegação, seja ela da acusação ou da defesa,
precisa ser provada.

Caso a parte que fez a alegação não apresente provas, conforme já conversamos,
não haverá penalidades. No entanto, é preciso que você fique atento! As provas
se destinam ao juiz, que só tem como decidir sobre algum crime quando as par-
tes apresentarem elementos de prova atestando suas alegações. Mesmo que as

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partes não apresentem provas, o juiz precisará decidir o caso. Como fará isso?
Nesse caso, o juiz precisará utilizar o princípio do in dubio pro reo, ou seja, o juiz
precisará decidir a favor do réu.
Conforme já conversamos, você pôde perceber que quem alega algo, tem a
incumbência de produzir provas sobre o alegado. Ao mesmo tempo, essas pro-
vas precisam ser lícitas, ou seja, não valem provas que tenham sido obtidas com
desrespeito às normas previstas na constituição ou em leis ordinárias.
Caso as provas tenham sido obtidas com violação às normas constitucionais
ou às normas legais, estaremos diante da prova ilícita. Já conversamos sobre isso,
quando expliquei a você o artigo 5º¸ inciso LVI da Constituição Federal e o caput
do artigo 157, do Código de Processo Penal, segundo os quais a prova ilícita é
inadmissível no Brasil.
Acontece que há mais detalhes sobre isso. É o que conversaremos a partir de
agora, tratando sobre a prova ilícita por derivação.
É o artigo 157, no § 1o , que prevê a prova ilícita por derivação. Faz isso com
as seguintes palavras: “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas”
(BRASIL, 1941). A doutrina explica em detalhes o que são as provas ilícitas por
derivação, nas seguintes palavras.


Provas ilícitas por derivação são os meios probatórios que, não obs-
tante produzidos, validamente, em momento posterior, encontram-
-se afetados pelo vício da ilicitude originária, que a eles se transmite,
contaminando-os, por efeito de repercussão causal.

A título de exemplo, suponha-se que alguém tenha sido ­constrangido,


mediante tortura a confessar a prática de um crime de homicídio.
Indubitavelmente, essa confissão deverá ser declarada ilícita. Pode
ser que, dessa prova ilícita originária, resulte a obtenção de uma
prova aparentemente ilícita (v.g., localização e apreensão de um ca-
dáver). Apesar da apreensão do cadáver ser aparentemente ilícita
(v.g., localização e apreensão de um cadáver). Apesar da apreensão
do cadáver ser aparentemente lícita, percebe-se que há um nexo
causal inequívoco entre a confissão mediante tortura e a localização
do cadáver. Em outras palavras, não fosse a prova ilícita originária,
jamais teria sido possível a prova que dela derivou. Nessa linha de
pensamento, é possível concluir que a ilicitude da prova originária

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transmite-se por repercussão, a todos os dados probatórios que nela


se apoiem, ou dela derivem, ou, finalmente nela encontrem o seu
fundamento causal (LIMA, 2017, p. 625-626).

Em resumo, prova ilícita por derivação é aquela que foi produzida de forma váli-
da, mas que é afetada por uma prova ilícita originária. Para que você compreenda
o exato sentido dessa explicação, vamos conversar sobre uma situação hipotéti-
ca. Imagine que a polícia suspeite que Cláudia tenha matado Jorge. Cláudia, no
entanto, nega a prática desse homicídio. A polícia, então, a tortura e, com isso,
obtém a confissão.

Na confissão, Cláudia informa em que lugar está o cadáver de Jorge. Após isso,
a polícia vai até o local informado por Cláudia e lá encontra o cadáver. Ao
­encontrá-lo, faz a apreensão seguindo todas as formalidades necessárias.
Passado um tempo, o Ministério Público utiliza os elementos encontrados
pela polícia, ou seja, a confissão e a localização e apreensão do cadáver, e denun-
cia Cláudia pela prática do homicídio. O juiz recebe a denúncia e o processo
judicial é iniciado. Perceba que Cláudia só confessou o homicídio porque foi
torturada e, por outro lado, o cadáver só foi encontrado e apreendido porque
Cláudia confessou.

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Atenção! No caso envolvendo Cláudia e Jorge, a tortura levou à confissão. A tortura é


inadmissível, logo a confissão é prova ilícita. A localização e apreensão do cadáver é,
a princípio, válida, porque a polícia fez a busca seguindo formalidades necessárias.
No entanto, porque derivou da confissão, a localização e apreensão é uma prova
ilícita derivada.

Conclusão:

- Confissão é prova ilícita originária.

- Localização e apreensão do cadáver é prova ilícita derivada.

Deixa eu te contar uma novidade. Os autores que escrevem sobre provas no


processo penal, explicam que a primeira vez que se falou sobre a prova ilícita por
derivação foi nos Estados Unidos da América, em 1920. Isso aconteceu no caso
SILVERTHORNE LUMBER CO v. US. Nesse caso, a Suprema Corte norte-ame-
ricana entendeu inválida uma intimação que havia sido enviada com base em
uma informação obtida através de busca ilegal. Um tempo depois, em 1939, desta
vez no caso NARDONE v. US, foi dado um nome a essa situação: teoria da árvore
envenenada, que em inglês é fruits of the poisonous tree. Pela teoria dos frutos da
árvore envenenada “o vício da planta se transmite a todos os seus frutos” (LIMA,
2017, p. 626). Em outras palavras, se uma árvore está envenenada, todos os frutos
que dela nascerem também estarão envenenados – assim acontece com a prova
ilícita derivada, é como se ela fosse um fruto que nasce da prova ilícita originária.
Como é tratada a teoria dos frutos da árvore envenenada no Brasil? Até 2008,
foi um assunto muito discutido nos Tribunais Superiores. Mas hoje, como você já
sabe, o artigo 157, no § 1º, prevê a prova ilícita por derivação. Por isso, é ­possível
dizer que a teoria da árvore envenenada consta expressamente no Código de
Processo Penal.


Com a entrada em vigor da Lei nº 11.690/08, a teoria dos frutos
da árvore envenenada passou a constar expressamente do Código
de Processo Penal. Segundo o art.157, §1º, do CPP, “são também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não
evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando
as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente
das primeiras”.

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A título de exemplo de aplicação da referida teoria, em recente


caso concreto apreciado pela 2ª Turma do Supremo, considerou-se
ilícita a prova criminal consistente em obtenção, sem mandado
judicial, de dados bancários de acusado, do que derivou a conta-
minação das demais provas produzidas com base nessa diligência
ilegal. Na visão do Supremo, o fato de o acusado ter confessado
posteriormente não seria suficiente para que fosse mantida sua
condenação, já que a referida confissão surgira como efeito da
prova ilicitamente obtida, sendo razoável supor que não teria sido
feita sem a quebra prévia e ilegal do sigilo bancário. Concluiu-se,
assim, que a palavra do acusado, como meio de prova, também
padeceria de ilicitude, agora por derivação (LIMA, 2017, p. 627).

Um tempo depois de ter sido reconhecida nos Estados Unidos da América a


inadmissibilidade das provas ilícitas, novas teorias surgiram. Essas novas teorias
indicavam casos de exceções à inadmissibilidade de provas ilícitas ou de exceção
às exclusionary rules.

E U IN D ICO

Um pouco depois do Código de Processo Penal incluir a teoria dos frutos da árvore
envenenada no artigo 157, ocorreu o Encontro Internacional de Produção Cien-
tífica Cesumar. Nesse encontro, foi publicado o artigo científico com o título “O
tratamento jurídico das provas ilícitas no Processo Penal: um estudo crítico”. Deixo
como dica de leitura para você,
Recursos de mídia disponível no conteúdo digital no ambiente virtual de aprendizagem

Peço que preste muita atenção! O assunto das provas ilícitas tem muitos
­desdobramentos, mas não quero que você se perca.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Então, vamos conferir o que já vimos sobre isso e em que ponto do estudo estamos,
combinado?

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ZO O M N O CO NHEC I M ENTO

■ Prova ilícita ou prova ilícita originária: São assunto na teoria das exclusio-
nary rules, que surgiu nos Estados Unidos da América. São provas ilícitas
aquelas que, para serem obtidas, violam normas constitucionais ou nor-
mas legais. As provas ilícitas não são admitidas no Brasil: A Constituição
Federal e o Código de Processo Penal preveem expressamente essa inad-
missibilidade.
■ Prova ilícita derivada: é sinônimo de falar em Teoria dos frutos da árvore en-
venenada. É prevista no Código de Processo Penal. Em regra, a prova ilícita
derivada, assim como a prova ilícita originária, é inadmissível.

Agora vem a novidade e é sobre isso que conversaremos:


Há casos em que a prova ilícita derivada é admitida, ou seja, há casos em
que as provas ilícitas derivadas serão válidas. A isso, dá-se o nome de exceção à
inadmissibilidade de provas ilícitas ou exceção às exclusionary rules.
Há várias teorias que tratam sobre as exceções à inadmissibilidade de provas
ilícitas. Conversaremos apenas sobre três delas, que são as mais importantes:
1. teoria da fonte independente,
2. teoria da descoberta inevitável e
3. teoria da contaminação expurgada ou conexão atenuada.
Não se assuste com esses nomes. Eles apenas são diferentes, mas após nossa
conversa você compreenderá o que cada um deles significa!
Pela teoria da fonte independente, caso fique demonstrado que novos
elementos de informação foram colhidos, desta vez respeitando a constitui-
ção e a lei, a partir de uma fonte autônoma, ou seja, a partir de uma fonte
independente e lícita, as novas informações serão totalmente válidas. Esta
teoria é adotada no Brasil e desde 2008 consta no artigo 157, §1º, do Código
de Processo Penal. Mas antes de constar no Código de Processo Penal, o
Supremo Tribunal Federal a adota desde 2004. Exemplo disso, temos em um
caso no qual o Supremo ­Tribunal Federal decidiu que vícios ocorridos na
investigação não contaminam o processo. Decidiu assim, porque entendeu
que os elementos da investigação são sempre analisados dentro do proces-
so sob o crivo do contraditório, ou seja, são analisados uma segunda vez,
oportunidade em que todos os envolvidos podem dizer o que lhes interesse
sobre as provas (LIMA, 2017).

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 8

Quanto à teoria da descoberta inevitável,


“caso se demonstre que a prova derivada da ilícita seria produzida
de qualquer modo, independentemente da prova ilícita originária,
tal prova deve ser considerada válida” (LIMA, 2017, p. 629).

Embora essa teoria não seja expressamente adotada na legislação brasileira,


há posicionamentos dos tribunais admitindo sua aplicação, como você pode
­observar no caso a seguir, julgado em 2021 pelo Superior Tribunal de Justiça.


Prova ilícita. Prova derivada da ilícita. Teoria da descoberta
­inevitável: aplicabilidade?

“[...] a regra de exclusão (exclusionary rule) das provas deriva-


das das ilícitas consubstanciada na teoria da descoberta inevi-
tável (­ inevitable discovery), que tem origem no direito norte-
-americano, foi recebida no ordenamento jurídico brasileiro
pelo art. 157, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal, incluído

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pela Lei 11.690/2008. Nessa ordem de ideias, conquanto haja


prova ilícita nos autos, as demais provas incriminatórias seriam,
infalivelmente, obtidas pelo desenvolvimento regular, lícito e
ordinário das atividades investigativas, as quais não se macu-
lam pela ilicitude da prova originária. Portanto, se preservam
como fonte idônea para comprovação de materialidade e de
autoria delitiva.” AgRg no HC 648.004/SP, Rel. Ministro Felix
Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/04/2021, DJe 19/04/2021
(BRASIL, 2021).

Quanto à teoria da contaminação expurgada ou da conexão atenuada, trata-se


de teoria que tem semelhança com a teoria da fonte independente. No entanto,
são diferentes. Na teoria da contaminação expurgada a prova deixa de ser ilícita
pelo “decurso do tempo, de circunstâncias supervenientes na cadeia probatória,
da menor relevância da ilegalidade ou da vontade de um dos envolvidos em
colaborar com a persecução criminal” (LIMA, 2017, p. 631).

Preste atenção ao seguinte. Na teoria da contaminação expurgada, a contaminação


existiu, mas posteriormente houve um acontecimento que expurgou, afastou,
eliminou o vício. Com esse afastamento do vício, a prova que no início estava
contaminada, pôde ser utilizada (Lima, 2017).

Parte da doutrina afirma que o Código de Processo Penal adota a teoria da


contaminação expurgada. No entanto, não se tem conhecimento da adoção
dessa teoria pelo Supremo Tribunal Federal, nem pelo Superior Tribunal de
Justiça (LIMA, 2017).
Para facilitar seu estudo, veja a Figura 5 a seguir, que resume as três teorias
que acabamos de estudar.

FONTE INDEPENDENTE

A prova será válida se novos elementos de informação forem colhidos de forma autô-
noma e respeitando a Constituição e demais leis.
É prevista no Código de Processo Penal e já foi aplicada pelos Tribunais Superiores
no Brasil.

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DESCOBERTA INEVITÁVEL

A prova será válida se ficar demonstrado que a descoberta era inevitável, que a prova
derivada da ilícita seria produzida de qualquer modo.
É prevista no Código de Processo Penal e já foi aplicada pelos Tribunais Superiores
no Brasil.

CONTAMINAÇÃO EXPURGADA

Ou também chamada de conexão atenuada onde a prova será válida se, poste-
riormente a ela, houver um acontecimento que afaste o vício. -Parte da doutrina
arma que esta teoria foi adotada pelo Código do Processo Penal. No entanto, este
­posicionamento ainda não foi aplicado pelo STF nem pelo STJ.

Que bom ter sua atenção e companhia até o final deste tema! Você lembra
qual foi o nosso compromisso no início? Nos comprometemos a conversar
sobre o sistema de valoração probatória; a livre convicção motivada; a proi-
bição de provas ilícitas, com ênfase em sua origem, sentido e extensão; o
ônus da prova; a prova ilícita por derivação; e exceções à inadmissibilidade
de provas ilícitas.
Foi importante conversarmos sobre isso, para que você percebesse o
que tanto precisará considerar em sua atuação profissional. Inclusive, por
causa das nossas conversas, você sabe que há vários sistemas para valora-
ção da prova, embora no Brasil como regra seja adotado o sistema do livre
­convencimento motivado e como exceção o sistema da íntima convicção.
Na íntima convicção não há fundamentação, e está tudo bem, esta é a
característica desse sistema. Por outro lado, no livre convencimento, embora
o convencimento seja livre, é indispensável que sejam explicados os motivos
que levaram a esse convencimento.
Para explicar os motivos do convencimen-
É importante que
to, é importante que meios de provas tenham
meios de provas
sido apresentados no processo judicial. Não tenham sido
basta que tenham sido apresentados, precisam apresentados
ter sido a­ presentadas dentro das normas que
a ­C onstituição Federal e demais leis preveem. É necessário, portanto, que
sejam lícitos.

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Também é importante que cada parte apresente provas quanto àquilo que
tiver alegado. A isso é dado o nome de ônus da prova e, neste ponto, você pôde
perceber que não se trata de uma obrigação, mas sim de uma faculdade.

NOVOS DESAFIOS
Após tratarmos sobre o ônus da prova, voltamos a conversar sobre as provas
ilícitas. Quando fizemos isso, você pôde perceber que elas podem ser originárias
e derivadas. Ambas foram originariamente mencionadas nos Estados Unidos da
América em teorias criadas por lá e, em regra, não são admitidas no Brasil. Mas
vimos algumas situações excepcionais, situações nas quais as provas ilícitas têm
sim validade aqui no Brasil.
Sem dúvidas, agora você consegue desenvolver reflexões mais profun-
das sobre o caso hipotético que conversamos no início, aquele sobre o roubo
­envolvendo João e José.
Perceba que realmente é necessário dar oportunidade a ambos para que
­apresentem provas sobre suas alegações na fase judicial do processo penal. Quan-
do isso for feito, desenvolverão o ônus da prova e isso servirá para que o juiz
­encontre fundamentos para decidir. Consequentemente, ao decidir com base em
­fundamentos, o juiz aplicará o livre convencimento motivado.
Cumprimos tudo o que combinamos e agora você tem valiosos ­conhecimentos
para continuar sua caminhada de estudo no campo da investigação criminal e
das perícias forenses. Bons estudos!

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 17 out. 2022.

LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

LOPES JUNIOR, A. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2022.

MENDRONI, M. B. Provas no processo penal: estudo sobre a valoração das provas penais. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2015.

NUCCI, G. de S. Manual de Processo Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2022.

REIS, A. C. A.; GONÇALVES, V. E. R. Processo penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2020. (Cole-
ção Sinopses Jurídicas).

TÁVORA, N.; ASSUMPÇÃO, V. Processo penal II: provas, questões e processos incidentes. São
Paulo: Saraiva, 2012.

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MINHAS ANOTAÇÕES

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TEMA DE APRENDIZAGEM 9

PASSO A PASSO PARA CHEGAR À


VERDADE NA PERSECUÇÃO PENAL

MINHAS METAS

Estudar o tema da força probante dos elementos da investigação

Compreender o problema da prova da autoria

Compreender a divisão do ônus da prova

Discutir sobre inquérito policial, verdade real e verdade material

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INICIE SUA JORNADA


No Brasil, quando acontecem crimes, apenas o Estado pode aplicar pe-
nalidades, e estas são decididas pelos juízes de direito. Há um caminho
para que tais penalidades sejam definidas e aplicadas, e esse caminho é
a persecução penal. Como você já sabe, a persecução penal envolve dois
momentos: a investigação e a ação penal. Na investigação, são coletados
elementos informativos — tudo o que for encontrado sobre o crime será
registrado, principalmente aquilo que disser respeito à materialidade e à
autoria. Na ação penal, esses elementos são trazidos e passam a ser meios
de prova.
Atenção! A ação penal se inicia por meio de uma denúncia oferecida
pelo Ministério Público ou por meio de uma queixa-crime do ofendido ou
de quem tiver qualidade para representá-lo. Quando iniciada pelo Minis-
tério Público, será uma ação penal pública, que poderá ser condicionada
ou incondidicionada. A ação penal pública será condicionada quando a
lei exigir a requisição do Ministro da Justiça ou a representação do ofen-
dido ou de quem tiver qualidade para representá-lo como condição para
o oferecimento da denúncia. A ação penal pública será incondicionada
quando o Ministério Público não depender de requisição nem de repre-
sentação para oferecer a denúncia (art. 14) (BRASIL, 1941). Por outro
lado, quando iniciada pelo ofendido ou por algum representante dele,
será uma ação penal privada. Quanto aos elementos colhidos na investi-
gação e apresentados no decorrer do processo como meios de prova, se
utilizados pelo juiz para motivar sua decisão, passarão a ser chamados
elementos de prova.
O objetivo na investigação é verificar se um fato efetivamente aconte-
ceu e suas características, por exemplo, quem o praticou e como praticou.
Na ação penal, o objetivo é apresentar o fato a um novo sujeito, o juiz.
Este fará uma análise de tudo o que lhe for contado e demonstrado. Após
isso, caso verifique que seja caso de condenação, também deverá atribuir
qual sanção deverá ser aplicada, incluindo o prazo e o regime de cum-
primento (como regra geral). Muita coisa acontece na investigação e no
processo judicial. Conversaremos sobre alguns detalhes do que acontece
nesses dois momentos.

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P L AY N O CO NHEC I M ENTO

Que tal fazer uma pausa na leitura do material? Recomendo que você faça um peque-
no intervalo para ouvir o podcast deste tema. Nele, conversaremos sobre a distribuição
do ônus da prova segundo os elementos da teoria do crime. Com isso, você reforçará o
que aprendemos até aqui e estará pronto(a) para seguir no estudo do material.

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DESENVOLVA SEU POTENCIAL


O objetivo na investigação é verificar se um fato efetivamente aconteceu e suas
características, por exemplo, quem o praticou e como praticou. Na ação penal, o
objetivo é apresentar o fato a um novo sujeito, o juiz. Este fará uma análise de tudo
o que lhe for contado e demonstrado. Após isso, caso verifique que seja caso de
condenação, também deverá atribuir qual sanção deverá ser aplicada, incluindo
o prazo e o regime de cumprimento (como regra geral). Muita coisa acontece na
investigação e no processo judicial. Conversaremos sobre alguns detalhes do que
acontece nesses dois momentos.
Inquérito
Policial Juiz decide o caso
(investigação)

Início do
Processo através
Data do crime da denúncia ou
queixa-crime

Figura 1 - Do crime à decisão do juiz / Fonte: a autora.

Descrição da imagem: linha do tempo representando um resumo das etapas que ocorrem após a prática de um
crime. A investigação é realizada primeiro. Após isso, é iniciado o processo judicial. Por fim, porque foi iniciado o
processo, o juiz analisa o caso e profere sua decisão.

Além do que podemos observar a figura traz à esquerda, em que se lê nº 1 - Data


do crime, que possui como ícone uma arma de fogo. Depois, temos o nº 2 - In-
quérito Policial (investigação), seu ícone é a silhueta de um policial. Em seguida
o nº 3 - Início do processo através da denúncia ou da queixa crime, seu ícone é

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uma folha com algumas linhas escritas. Por fim, o nº 4 - Juiz decide o caso. São
decisões possíveis: condenação, absolvição e, no caso do Tribunal do Júri, além
destas, pronúncia ou impronúncia), o que foi representado pelo ícone da balança,
que traz a ideia da justiça buscada dentro do processo.
Para isso, convido você a pensar sobre a seguinte situação: imagine que Ger-
son persegue Tatiana na internet. Faz isso por meio de comentários ofensivos
em tudo o que Tatiana publica em seu perfil no Facebook, no Instagram e no
TikTok. Gerson, também, envia muitas mensagens privadas em tom de amea-
ça. Profundamente incomodada e com medo das ameaças, Tatiana já bloqueou
Gerson em todas as redes, mas, após isso, Gerson mudou de atitude. Se antes
ele fazia comentários negativos nos perfis de Tatiana, agora, ele publica, em seu
próprio perfil, esses comentários ruins.
A conduta praticada por Gerson, ao fazer comentários ofensivos e enviar
muitas mensagens em tom de ameaça, ficou conhecida, a partir de 2021, como
stalking, mas, no art. 147-A, do Código Penal, a palavra que a define é persegui-
ção. Antes de 2021, tal conduta também era crime, no entanto recebia um enqua-
dramento diferente, podendo ser tratada como crime de ameaça ou de injúria.
A tipificação do art. 147-A, do Código Penal, definiu como crime a conduta
específica de


perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-
-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade
de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua
esfera de liberdade ou privacidade (BRASIL, 2021, on-line).

Dizer que é crime é dizer que há consequências, há penalidades a quem rea-


lizar tal perseguição. Essas penalidades são estabelecidas pela própria lei. No
entanto, para que haja a persecução penal nesse crime, a vítima precisa pedir.
Faz isso por meio da representação.
Ao praticar atos de perseguição, o que Gerson faz é perturbar a liberdade
individual de Tatiana, que, assim que percebe que está sendo vítima do crime de
perseguição, decide procurar a polícia para representar contra Gerson. Faz isso
por meio da notitia criminis.
Antes de continuar nosso estudo, preciso que você compreenda o que é a
notitia criminis e o que acontece depois dela. A notitia criminis é a notícia de um

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fato aparentemente criminoso. Ela acontece quando a autoridade policial toma


conhecimento de que uma infração penal ocorreu, o que pode se dar de diversas
formas: “por comunicação de outros policiais, matéria jornalística, boletim de
ocorrência lavrado em sua delegacia, informação prestada por conhecidos etc.”
(REIS; GONÇALVES, 2020, p. 20).
Atenção! A notitia criminis é necessária nos crimes cujo processo judicial
se desenvolve por meio de ação penal pública condicionada ou de ação penal
pública incondicionada e naqueles em que o processo judicial se desenvolve por
meio de ação penal privada.
Segundo Brasil (1941, on-line), “qualquer pessoa do povo que tiver conhe-
cimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, ver-
balmente ou por escrito”, comunicar à autoridade policial sobre a ocorrência da
infração (art. 5º, § 3º). Lima (2017) explica que “notitia criminis é o conhecimen-
to, espontâneo ou provocado, por parte da autoridade policial, acerca de um fato
delituoso”, que pode acontecer das seguintes formas:


a) notitia criminis de cognição imediata (ou espontânea): ocorre
quando a autoridade policial toma conhecimento do fato delituoso
por meio de suas atividades rotineiras. É o que acontece, por exem-
plo, quando o delegado de polícia toma conhecimento da prática
de um crime por meio da imprensa;

b) notitia criminis de cognição mediata (ou provocada): ocorre


quando a autoridade policial toma conhecimento da infração penal
através de um expediente escrito. É o que acontece, por exemplo,
nas hipóteses de requisição do Ministério Público, representação
do ofendido, etc.

c) notitia criminis de cognição coercitiva: ocorre quando a auto-


ridade policial toma conhecimento do fato delituoso através da
apresentação do indivíduo preso em flagrante (LIMA, 2017, p. 131).

Sobre a instauração do inquérito policial, nos crimes de ação penal pública


incondicionada, a autoridade policial mandará instaurar inquérito após verificar
a procedência das informações apresentadas na notitia criminis (art. 5º, I) (BRA-
SIL, 1941). Nos crimes de ação penal pública condicionada à representação, o
inquérito só poderá ser instaurado se houver a notitia criminis e a representação.

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Nos crimes de ação penal privada, o inquérito só poderá ser instaurado pela auto-
ridade policial após a notitia criminis e o requerimento de quem tenha qualidade
para isso, conforme art. 5º, § 5º, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).
Quanto à conclusão do inquérito policial, o Código de Processo Penal prevê,
em seu art. 10º, que o inquérito deve ser concluído no prazo de dez dias, caso o
indiciado tenha sido preso em flagrante ou caso esteja preso preventivamente.
A contagem deste prazo começa a partir do dia em que for executada a ordem
de prisão. Mas, se o indiciado estiver solto, seja mediante fiança, ou não, o prazo
para que o inquérito seja concluído será de 30 dias (BRASIL, 1941).

Atenção! Quando se tratar de crime previsto na Lei de Drogas, que é a Lei nº


11.3434/2006 (BRASIL, 2006), os prazos para a conclusão do inquérito serão diferentes.

Tratando-se de indiciado preso, o inquérito deverá ser concluído no prazo de 30


dias, mas, caso o indiciado esteja solto, o prazo para a conclusão do inquérito será
de 90 dias. Os prazos previstos na Lei de Drogas poderão ser duplicados pelo juiz,
ouvido o Ministério Público, se houver pedido justificado da autoridade policial
(art. 51) (BRASIL, 2006). Em caso de crimes de ação penal privada, a forma de
pedir o início do processo judicial é por meio da queixa-crime (art. 38) (BRASIL,
1941). No caso de crimes de ação penal pública, isto acontecerá por meio da de-
núncia (art. 39, § 5º, e art. 46) (BRASIL, 1941). Na ação penal pública, concluído o
inquérito policial, será enviado ao Ministério Público, a quem cabe a titularidade
da ação penal pública (art. 129, I) (BRASIL, 1988). O Ministério Público poderá
optar por requerer diligências, arquivar o caso ou oferecer a denúncia.
■ Serão requeridas novas diligências quando forem imprescindíveis ao ofe-
recimento da denúncia (art.16) (BRASIL, 1941).
■ Por outro lado, o caso será arquivado se, após a conclusão do inquérito po-
licial, não forem identificados indícios de autoria (art. 28) (BRASIL, 1941).
■ A denúncia só será oferecida quando houver indícios de autoria e, caso
o Ministério Público a ofereça, será remetida ao juiz, que a analisará e
decidirá pelo recebimento ou pela rejeição (art. 396) (BRASIL, 1941). Ha-
vendo o recebimento da denúncia pelo juiz, estará iniciada a ação penal.

Essa coleta de elementos informativos não ocorre apenas no caso em que


indicamos como exemplo, já que o procedimento ocorre nos crimes em geral.

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Diante da ocorrência de um crime, quando colhidos os elementos, que força


eles terão na investigação? Como a autoridade policial prova quem foi o autor
do crime? Após concluído o inquérito policial pela autoridade policial e enviado
para o Ministério Público, caso este ofereça a denúncia e o juiz a receba, será ini-
ciada a ação penal. Na ação penal, de que forma o ônus da prova é distribuído às
partes do processo? Quais as características do inquérito policial? Que verdade é
buscada dentro da persecução penal? Ao longo do nosso estudo, você conseguirá
desenvolver respostas a estas perguntas.

Caro estudante, na vida em sociedade, é necessário que cada pessoa seja respeita-
da em suas ambições, em seus interesses, em suas buscas. A liberdade é a forma
de alcançar esse respeito. Na filosofia, na sociologia e no direito, por exemplo, é
possível estudar pontos muito importantes sobre a liberdade. Entre tantas pos-
sibilidades, para a nossa conversa, interessa que, dentro do direito, a liberdade
não é absoluta.

Digo a você que a liberdade não é absoluta porque, na convivência em sociedade,


há regras para serem seguidas... e não são poucas! Algumas dessas regras
encontramos no Direito Penal.

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Pense, por exemplo, no art. 147-A, que vimos há pouco. Gerson poderia conversar
com Tatiana, mas não poderia ultrapassar limites, não poderia desrespeitá-la, não
poderia persegui-la. O mesmo acontece em outras situações, por exemplo, as pessoas
podem emprestar objetos umas às outras, mas não devolver tais objetos, dependendo
de como isso é feito, pode configurar crime de apropriação indébita. Os limites são
importantes e necessários. O jeito de verificar se esses limites estão sendo respeitados
dá-se por meio da investigação e do processo judicial. Tudo o que acontece na inves-
tigação e no processo judicial tem uma finalidade: c­ ompreender como ocorreram a
materialidade, os elementos e a autoria. O ­objetivo é descobrir a verdade.
Para descobrir a verdade dentro do processo judicial, é necessário que haja o
contraditório, ou seja, é necessário que um dos envolvidos tenha a oportunidade
de se opor ao que o outro diz — para entender melhor isso, pense na situação que
ocorreu entre Gerson e Tatiana. Dentro do processo penal, iniciado pela ação
penal, Tatiana dirá o que e como ocorreu. Gerson terá um momento para se opor
ao que Tatiana tiver falado sobre ele.

Atenção! O contraditório só é permitido no processo judicial. Ele não é permitido no


inquérito policial, porque o inquérito é informativo e inquisitório.

Perceba que, na investigação e na ação penal, o foco é descobrir a verdade sobre o


crime e sobre quem o praticou. No entanto a verdade não pode ser descoberta a
qualquer custo, pois os direitos individuais precisam ser respeitados. O inquérito
policial e o processo judicial são instrumentos para que esse respeito aconteça.
Você verá como esses direitos são respeitados ao conversarmos sobre a força
probante que os elementos de investigação têm na persecução penal, sobre a
importância de provar a autoria do crime, sobre a forma como o ônus da prova
é distribuído e sobre as características do inquérito policial.
Na Constituição Federal, são previstas várias espécies de direitos, a partir dos
quais bens jurídicos individuais e coletivos recebem proteção jurídica. É por isso
que o Direito Penal protege bens dos indivíduos e da sociedade. Quanto a estes
assuntos, quero conversar com você, especificamente, sobre os direitos indivi-
duais previstos na Constituição, os quais são encontrados no art. 5º, da Cons-
tituição Federal (BRASIL, 1988). Em resumo, direitos individuais são direitos
do indivíduo. Ao mesmo tempo que são direitos do indivíduo, “são limitações
impostas ao Estado” (SIQUEIRA JR; OLIVEIRA, 2016, p. 65).

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Que tal conhecer alguns exemplos desses direitos individuais relacionados


à persecução penal? Para isso, peço a você que use sites de busca da internet e
encontre o art. 5º, na Constituição Federal, identificando os incisos LIV, LV e
LVI da referida Constituição. Faça uma leitura atenta desses artigos. Ao longo
do nosso estudo, eles serão necessários!
Espero que, ao identificar os incisos que recomendei, você tenha percebido
que a Constituição Federal permite que o Estado retire a liberdade das pessoas,
mas apenas em situações nas quais haja um devido processo legal. Espero que te-
nha percebido também que é necessário que o contraditório e ampla defesa sejam
aplicados e que as provas juntadas no processo sejam obtidas por meios lícitos.

VOCÊ SABE RESPONDER?


Vamos compreender o que vem a ser o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa?

Devido processo legal é um princípio segundo o qual uma pessoa só pode ser
processada e condenada a alguma penalidade se isso for feito respeitando a legis-
lação vigente (NUCCI, 2022). Em outras palavras, na data em que o fato for pra-
ticado, é preciso que exista uma lei que o defina como crime, isto porque, como
estabelece o Código Penal, “não há crime sem lei anterior que o defina” (art.
1º) (BRASIL, 1940, on-line). Já o contraditório é o direito à informação ou comu-
nicação sobre o que acontece no processo e a possibilidade de reagir àquilo que
acontecer no processo (SANTOS, 2017). A ampla defesa, por sua vez, é o direito
que o sujeito tem de se defender, chamado autodefesa, e de constituir advogado
para defendê-lo, chamado defesa técnica (CASTRO, 2016). Para que o direito à
defesa técnica seja possível a todos, mesmo ao réu que não tenha condições de
custear os honorários de um advogado, será nomeado um defensor pelo juiz,
chamado defensor dativo (art. 263) (BRASIL, 1941).
Esses princípios estão presentes na persecução penal, com a finalidade de que
seja possível descobrir a verdade sobre a conduta criminosa praticada e, após isso,
seja possível aplicar uma penalidade compatível com a conduta praticada. Dentro do
Processo Penal, esses princípios são instrumentos para alcançar a verdade, portanto.

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Vamos refletir sobre isso?

Pense sobre a seguinte situação: em uma sexta-feira, numa academia, após algumas
discussões verbais e com uma raiva incontida, Joaquim agride Catarina. Como
existiam câmeras filmando, tudo ficou registrado. Apesar de ser evidente a agressão,
como você sabe, ninguém pode fazer justiça com as próprias mãos. Então, o caso
foi comunicado às autoridades policiais para que providências devidas fossem
tomadas. Após isso, foi iniciado o inquérito policial, no qual elementos informativos
sobre a agressão foram mencionados e documentados.

No final, ficou evidente para o Delegado de Polícia que Joaquim havia praticado
o crime de lesão corporal. Em seguida, após a conclusão do inquérito policial,
os autos foram enviados ao Ministério Público, que, considerando as evidências
colacionadas, entendeu por realizar a denúncia em desfavor de Joaquim. O juiz,
por sua vez, entendeu que, devido à materialidade e às evidências presentes, era
pertinente acatar a denúncia realizada e, assim, foi iniciada a ação penal, tendo
Joaquim como réu.

Considerando tudo o que você pesquisou nos incisos do art. 5º, da Constituição
Federal, e o que conversamos sobre o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa, ilustrados na situação envolvendo Joaquim, ele poderá se defender
durante a investigação? E durante a ação penal?
Você já sabe que, após alguém praticar um crime, há a persecução penal, ou
seja, a instauração do inquérito policial e, caso haja indícios de autoria e materia-
lidade, após o acatamento da denúncia pelo juiz, dá-se início à ação penal. Nesses
dois momentos da persecução, o objetivo é encontrar provas que permitam uma
resposta ao crime. Essa resposta é a imposição de uma condenação. Por exemplo,
se João mata Maria, é realizada uma investigação, cujas evidências serão descritas
no inquérito policial. Após as conclusões da investigação, o Ministério Público
oferecerá a denúncia e, após o acatamento da denúncia pelo juiz, será iniciada
a ação penal.
Na investigação, elementos de informação serão coletados. Na ação penal,
meios de prova serão apresentados (art. 155) (BRASIL, 1941). Tudo isso ocorre
com a finalidade de descobrir a verdade sobre o fato — no nosso exemplo, com
a finalidade de descobrir se João realmente matou Maria, ou seja, se há indícios
de autoria, como deu-se a materialidade e, ainda, qual a motivação. Perceba que
os elementos encontrados na investigação e descritos no inquérito poderão ser

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utilizados para que o Ministério Público denuncie. Mas qual a força probante
dos elementos de investigação? Em outras palavras, qual a força probante do
inquérito policial?

O inquérito policial tem valor probatório relativo, pois, nele, são colhidos os elementos
de informação sobre a materialidade e sobre a autoria, em outros termos, sobre o
crime em si e sobre seu autor.

O inquérito policial acontece “sem a necessária participação dialética das partes,


isto é, sem a obrigatória observância do contraditório e da ampla defesa” (LIMA,
2017, p. 107). Em outras palavras, a regra é que as partes envolvidas não têm a
oportunidade de dialogar sobre o ocorrido. A doutrina discute sobre a aplicação
do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial.

P E N SA N D O J UNTO S

Dizer que o inquérito policial tem força probatória relativa significa dizer que os
elementos encontrados na investigação, por mais importantes que sejam para es-
clarecer o fato criminoso, precisarão ser revisitados, ou seja, precisarão ser analisa-
dos novamente quando for iniciado o processo. Só dentro do processo é que eles
serão, de alguma forma, prova — serão meios de prova ou elementos de prova.

Uma parte da doutrina argumenta que o inquérito não foi mencionado no rol dos
direitos individuais. A outra parte diz que a Constituição Federal incluiu, sim, o
inquérito policial, conforme você pode observar a seguir.


Não é invulgar afirmação de que “não se aplicam o contraditório
e a ampla defesa no inquérito policial”. Tal proposição baseia-se
numa interpretação literal da Constituição Federal, que em seu ar-
tigo 5º, LV garante o contraditório e a ampla defesa aos litigantes
em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral.
Daí se conclui que não estão incluídos os investigados em in-
quérito policial, por não serem litigantes ou acusados e por não
constituir o ­procedimento policial um processo. Todavia, meras
confusões terminológicas não têm o condão de aniquilar a norma
protetora. Dentre os acusados em geral estão contidos os suspeitos

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U N I AS S E LVI

e ­indiciados, contra os quais o Estado já pode adotar medidas restri-


tivas (como busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica
e até mesmo a prisão). A acusação em geral (o constituinte não
utilizou o complemento inutilmente) abrange não apenas a impu-
tação formal (veiculada por ação penal), mas também a imputação
informal (caracterizada pelo inquérito policial). Além disso, o ter-
mo processo abarca o procedimento, já tendo o legislador em outras
oportunidades empregado a palavra em sentido amplo, tal como no
Código de Processo Penal. Ademais, nada impede o etiquetamen-
to do inquérito policial como processo administrativo sui generis
(CASTRO, 2016, on-line).

Após conhecer toda essa discussão e a diferença de posicionamento, você


deve ter percebido que a aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa ao
inquérito policial é uma questão muito sensível. Venha comigo e você entenderá
o porquê dessa divergência por meio de um exemplo.

E U IN D ICO

Contemporaneamente, há uma discussão doutrinária, ainda tímida, se caberia, ou


não, o contraditório e a ampla defesa durante o inquérito policial. Contudo é preciso
enfatizar o entendimento predominante, ou seja, o entendimento que prevalece é
o de que o inquérito policial é inquisitório e, portanto, nele não cabem — conforme
vimos anteriormente, não há a participação dialética nem a ampla defesa das par-
tes no inquérito policial, já que ele é um procedimento inquisitorial. Para que você
entenda a motivação e os argumentos da minoria que defende a aplicação do con-
traditório e da ampla defesa no inquérito policial, recomendo a leitura do artigo “Há
sim contraditório e ampla defesa no inquérito policial. Boa leitura!

Imagine que Marília está sendo investigada sobre um suposto crime de corrup-
ção. A investigação ainda está na fase do inquérito policial. Marília sabe que é
importante que alguém fique atento para verificar se seus direitos estão sendo
respeitados. Por isso, ela contrata um advogado, para ter ciência de tudo o que
for apresentado na investigação. Para tanto, ele vai à delegacia responsável pela
condução do caso e pede acesso ao inquérito, ou seja, pede para ver o inquérito.
Porém o delegado permite que ele veja apenas uma parte dele.

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 9

VOCÊ SABE RESPONDER?


É correta essa atitude do delegado de deixar que o advogado veja só parte do
inquérito?

Essa questão é tão importante que já foi objeto de julgamento do Supremo Tri-
bunal Federal, que respondeu por meio da edição da Súmula Vinculante nº 14:


É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo
aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia ju-
diciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa (BRASIL,
2009, on-line).

Não permitir que o advogado tenha acesso à integralidade, mas apenas a parte
do inquérito, é correto porque, caso fosse permitido esse acesso integral, poderia
atrapalhar que a verdade sobre os fatos investigados fosse alcançada.

Dizer que não é possível o acesso à integralidade do inquérito é o mesmo que dizer
que não são aplicáveis o contraditório e a ampla defesa dentro da investigação po-
licial. Caso fossem aplicáveis, as pessoas envolvidas no crime — o sujeito ativo e o
sujeito passivo — veriam com antecedência qual seria o próximo passo da autorida-
de policial, o que poderia atrapalhar as investigações, contaminando as apurações.

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U N I AS S E LVI

Sobre a força probante dos elementos de investigação, talvez, você esteja se


perguntando: se ela é relativa, então, qual a importância de ser realizado o inqué-
rito policial? Se o inquérito não é suficiente para provar, não seria melhor iniciar
o processo judicial sem qualquer investigação anterior?
Mesmo que a força probante dos elementos de investigação seja relativa, é
importante que seja realizada a investigação para apurar infrações penais e sua
autoria (art. 4º) (BRASIL, 1941). Isso porque, no futuro, quando houver um pro-
cesso judicial, os elementos encontrados na investigação poderão ser utilizados,
sem a necessidade de serem novamente produzidos, apenas quando se tratar de
provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (art. 155) (BRASIL, 1941).
Para o Supremo Tribunal Federal e para a doutrina, os elementos colhi-
dos na investigação também poderão ser utilizados, de forma subsidiária e
­complementar, dentro do processo, conforme você pode perceber a seguir.


Ao longo dos anos, sempre prevaleceu nos Tribunais o ­entendimento
de que, de modo isolado, elementos produzidos na fase i­ nvestigatória
não podem servir de fundamento para um decreto condenatório,
sob pena de violação ao preceito constitucional do art.5º, inciso
LV, que assegura aos acusados em geral o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. De fato, pudesse
um decreto condenatório estar lastreado única e exclusivamente
em elementos informativos colhidos na fase investigatória, sem a
necessária observância do contraditório e da ampla defesa, haveria
flagrante desrespeito ao preceito do art.5º, LV, da Carta Magna.

No entanto, tais elementos podem ser usados de maneira subsi-


diária, complementando a prova produzida em juízo sob o crivo
do contraditório. Como já se manifestou o Supremo, ‘os elementos
do inquérito podem influir na formação do livre convencimento
do juiz para a decisão da causa quando complementam outros
­indícios e provas que passam pelo crivo do contraditório’ (LIMA,
2017, p. 107-108).

Como você sabe, na investigação são colhidos elementos que informem sobre
o crime em si (prova da materialidade) e sobre a autoria do crime (indícios de
autoria). Sem a prova da materialidade e os indícios da autoria, não é possível
iniciar uma ação penal. Isto porque, caso falte a prova da materialidade, é porque

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não há elementos que permitam dizer que o crime realmente aconteceu. Caso
faltem indícios da autoria, é porque não há elementos que permitam que deter-
minada pessoa praticou o crime. Se não há certeza sobre a prática do crime nem
sobre a pessoa que o praticou, então, não há justa causa para propor uma ação
penal. É o que você pode observar na Figura 2, a seguir.

FINALIDADES DO
INQUÉRITO POLICIAL

-Descobrir detalhes sobre o crime


(prova da materialidade)
-Descobrir quem foi o autor do crime
(indícios de autoria)

Prova da materialidade +indícios de autoria


=
Justa causa da ação penal.

Figura 2 - Finalidades do inquérito policial / Fonte: adaptada de Reis e Gonçalves (2020) e Brasil (1941).

Descrição da Imagem: ilustração azul demonstrando as finalidades do inquérito policial.

Quanto à autoria, precisamos conversar sobre o problema da prova da autoria.


Nem sempre existirão provas da autoria, por isso, bastam indícios sobre a autoria para
ser iniciada a ação penal. Lembre-se que, na ação penal, será verificado se a pessoa
realmente praticou o crime. Caso fique comprovado que sim, apenas quando encer-
rado o processo judicial, não falaremos mais em indícios. Enquanto não houver uma
decisão do juiz declarando que o réu praticou o crime, não haverá prova de autoria.

P E N SA N D O J UNTO S

Você já deve ter ouvido alguém dizendo que “até que se prove o contrário, sou ino-
cente”. No processo penal, acontece exatamente isso! Enquanto não houver pro-
vas, presumimos que a pessoa é inocente. Portanto, não damos o nome de prova
aos elementos iniciais que indiquem autoria. Damos o nome de indícios de autoria.

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U N I AS S E LVI

É por causa da presunção de inocência que bastam indícios da autoria. No


Brasil, essa é a regra, considerando o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Fe-
deral, e o art. 283, do Código de Processo Penal. Segundo o art. 5º, inciso LVII,
Constituição Federal, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988, [s. p.]) — o trânsito
em julgado é o momento em que uma decisão se torna definitiva, não sendo
mais possível interpor recursos quanto a ela. Segundo o art. 283, do Código de
Processo Penal, “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em de-
corrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada
em julgado” (BRASIL, 1941, on-line).

Isto porque o Supremo Tribunal Federal adotou posicionamentos diferentes ao


longo do tempo. Qual a razão da mudança de posicionamento do Supremo?
Questões internacionais influenciaram muito essa mudança. A seguir, explicarei
como isso aconteceu.

Conforme art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, ninguém será considera-
do culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (BRASIL,
1988). No entanto há um Tratado Internacional, do qual o Brasil faz parte, que,
segundo o qual, ninguém será considerado culpado até a comprovação da culpa
(BRASIL, 2002). Este Tratado é o Estatuto de Roma, criado em 1998, mas o Brasil
se tornou signatário dele apenas em 2002, por meio do Decreto nº 4.388, de 25
de setembro de 2002.
Por meio do Estatuto de Roma, foi criado o Tribunal Penal Internacional,
ao qual compete julgar crimes de genocídio, crimes contra a humanidade,
crimes de guerra e crime de agressão (art. 5º) (BRASIL, 2002). O Estatuto de
Roma não autoriza que um Estado Parte intervenha em “conflito armado
ou nos assuntos internos de qualquer Estado” (BRASIL, 2002, on-line).
Além disso, o Tribunal Penal Internacional é apenas complementar às juris-
dições penais nacionais, ele não substitui os Tribunais existentes em cada
país (BRASIL, 2002).
Desde a Emenda Constitucional nº 45/2004, por meio do § 4º, art. 5º, da
Constituição Federal,

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“o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional”
(BRASIL, 1988, [s. p.]). Por causa disso, autores intensificaram a dis-
cussão sobre a natureza do Estatuto de Roma, alguns dizendo que é
um Tratado que tem força constitucional, mas outros dizendo que
tem apenas força supralegal. No entanto prevalece que o Estatuto
de Roma não está no mesmo nível hierárquico que a Constituição
Federal, já que, pela forma como foi aprovado, “em um único turno
em cada Casa por maioria simples,”

é impossível “que a ele seja atribuído caráter hierárquico superior ou equivalente


à Constituição” (SOUSA; GOLTZMAN; TRAJANO, 2021, p. 115).
Portanto, embora o Estatuto de Roma tenha sido ratificado no Brasil, ele não
substitui nem se sobrepõe à Constituição Federal. Mas, por ter sido ratificado, é
normal que, em julgamentos nos Tribunais, ele seja mencionado nas argumen-
tações apresentadas, assim como aconteceu na situação sobre a qual acabamos
de conversar: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória (BRASIL, 1988)? Ou ninguém será considerado
culpado até a comprovação da culpa (BRASIL, 2002)? É o que veremos a seguir.

Estudante, atenção! Comprovação da culpa e trânsito em julgado são coisas di-


ferentes. Para que você compreenda mais sobre a comprovação da culpa e o
trânsito em julgado, precisamos conversar um pouco sobre as etapas do processo.
Quando ocorre um crime, a regra é:

REGRA 1

A pessoa suspeita de tê-lo cometido é investigada. Sendo cabível, é instaurado um


inquérito policial. Após o encerramento do inquérito policial, seus autos são remetidos
ao Ministério Público, que pode oferecer denúncia, caso entenda pertinente. Oferecida a
denúncia, o juiz pode recebê-la ou rejeitá-la. Caso a receba, estará iniciada a ação penal.

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REGRA 2

Caso o juiz verifique no processo que a pessoa realmente praticou o crime, a decisão
dele será condenatória, isto é, o juiz estabelecerá uma pena a ser cumprida. Essa
decisão é a sentença, também chamada decisão de 1º grau. Nesta decisão, é definido
se o réu é culpado, ou seja, nela, há a comprovação da culpa de que trata o art. 66, do
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

REGRA 3

Depois que o juiz profere a condenação, o condenado pode se manifestar acerca da


sua não concordância com a decisão, por meio de Recurso de Apelação, que precisa
ser subscrito pelo advogado (art. 593) (BRASIL, 1941).

REGRA 4

Os recursos devem ser interpostos perante o Tribunal de Justiça correspondente.

REGRA 5

Tratando-se de questão constitucional, é possível também a interposição de Recurso


Extraordinário perante o Supremo Tribunal Federa (art. 102, III) (BRASIL, 1988). Quando
não for mais cabível a interposição de qualquer recurso, operar-se-á o trânsito em
julgado de que tratam o art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, e o art. 283, do
Código de Processo Penal.

Considerando o que vimos até aqui, destaco a você o seguinte:


■ Na decisão de 1º grau, há a definição da culpa por meio dos Tribunais
competentes para tanto. Consequentemente, ao ser definida a culpa, pas-
sa-se à prova da autoria.
■ Na decisão de 2º grau, após todos os recursos serem julgados, ocorre o
trânsito em julgado.
Como estudamos anteriormente, o Estatuto de Roma tem conteúdo diferente
da Constituição Federal. O que, então, vige no Brasil? Em outras palavras, aquele
que é processado torna-se inocente após a comprovação da culpa ou após o trân-
sito em julgado de sentença penal condenatória? Isso foi decidido pelo Supremo
Tribunal Federal.

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O Supremo Tribunal Federal, de 2016 a 2019, entendia que, esgotadas as vias


ordinárias, assim, após o 1º grau, tornava-se possível a execução provisória da pena.

Em outras palavras, após proferida decisão condenatória pelo juiz da primeira


instância, o réu já poderia ser preso. Qualquer réu poderia ser preso porque,
com esta sentença, estavam reconhecidas, judicialmente, a prova da culpa e,
consequentemente, a prova da autoria.

No entanto, em 2019, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal foi modifi-


cado. O Supremo Tribunal Federal passou a entender que, para iniciar a execução
da pena, é necessário que o caso tenha sido julgado também no 2º grau, ou seja,
é necessário que tenha ocorrido o trânsito em julgado. Desde então, a regra é:
só é possível realizar a prisão de quem tenha sido condenado no processo penal
após o esgotamento de todas as instâncias. Apenas excepcionalmente, a prisão
poderá ocorrer antes de todas as instâncias terem julgado o réu. Observe, a seguir,
o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal.


Votaram a favor desse entendimento os ministros Marco Aurélio (re-
lator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso
de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF. Para a corrente vence-
dora, o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o
qual “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competen-
te, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado
ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão
temporária ou prisão preventiva”, está de acordo com o princípio da
presunção de inocência, garantia prevista no artigo 5º, inciso LVII,
da Constituição Federal. Ficaram vencidos os ministros Alexandre
de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen
Lúcia, que entendiam que a execução da pena após a condenação em
segunda instância não viola o princípio da presunção de inocência.

A decisão não veda a prisão antes do esgotamento dos recursos, mas


estabelece a necessidade de que a situação do réu seja i­ ndividualizada,
com a demonstração da existência dos requisitos para a prisão pre-

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ventiva previstos no artigo 312 do CPP – para a garantia da ordem


pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para
assegurar a aplicação da lei penal (BRASIL, 2019, on-line).

Prevalece, portanto, que, ao ser iniciada a ação penal, o que há, quanto à autoria,
são indícios. Apenas depois da decisão de 1º grau é que surge a prova da autoria,
o que se dá por meio da prova da culpa.

P E N SAN DO J UNTO S

A função da investigação não é condenar, mas, sim, identificar e demonstrar provas


da materialidade e indícios de autoria. Exigir prova da autoria na investigação, an-
tes de iniciar o processo judicial, seria incoerente e desrespeitaria a presunção de
inocência. Equivaleria a atribuir culpa, no entanto sem prová-la.

Para reafirmar o que acabamos de conversar, observe um recente entendimento


do Superior Tribunal de Justiça. Na ocasião, o que se discutia era a aplicação de
prisão. O Supremo Tribunal de Justiça fundamentou que, para que fosse possível
suprimir a liberdade, eram necessários “indícios suficientes de autoria e não a
prova cabal desta” (BRASIL, 2022, on-line). O Superior Tribunal de Justiça re-
forçou que não precisa de prova de autoria. Bastavam os indícios. Sobre o que
acabamos de conversar, a doutrina afirma que


“cometido um delito, deve o Estado buscar provas iniciais acerca
da autoria e da materialidade, para apresentá-las ao titular da ação
penal (Ministério Público ou vítima), a fim de que este, avaliando-
-as, decida se oferece ou não a denúncia ou queixa-crime” (REIS;
GONÇALVES, 2020, p. 17)

Isso significa que, se João pratica um crime contra Laura, após ser realizada in-
vestigação e inquérito policial (BRASIL, 1941, art.4º), os autos do inquérito po-
licial devem ser apresentados ao Ministério Público, que, entendendo presentes
elementos indícios de autoria e prova da materialidade, pode arquivar os autos
(art. 28) (BRASIL, 1941), solicitar diligências (art. 16) (BRASIL, 1941) ou oferecer
denúncia (art. 39, § 5º, e art. 46) (BRASIL, 1941).

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Além de compreender sobre a importância dos indícios de autoria, você pre-


cisa compreender também a divisão do ônus da prova segundo os elementos
da teoria do crime. Como você já sabe, o ônus da prova é assunto estudado no
Direito Processual Penal e equivale à faculdade de provar alguma afirmação ou
algum fato dentro do processo judicial. Esta faculdade cabe àquele que fizer algu-
ma alegação no processo judicial. Assim, o que a acusação alegar deverá provar.
Da mesma forma, o que a defesa alegar deverá provar (art. 156) (BRASIL, 1941).
Em relação aos elementos da teoria do crime, estes são assuntos do Direito Penal,
conforme você compreenderá a seguir. Para facilitar seu estudo, veja, na figura a
seguir, um resumo sobre isso. Em seguida, conversaremos um pouco mais sobre
esses elementos, combinado?

É assunto do Direito É assunto do


Processual Penal Direito Penal

Teoria dos crimes


Ônus da prova.
e seus elementos

Figura 3 - Ônus da prova e teoria do crime / Fonte: a autora.

Descrição da Imagem: ilustração demonstrando a diferença entre ônus da prova e teoria do crime.

Há vários posicionamentos sobre quais elementos fazem parte da teoria do


crime. Mas, entre todos esses posicionamentos, o que ganha mais adeptos e é
seguido no Brasil, majoritariamente, é a posição tripartida, também chamada
teoria ­tripartite.
Segundo a posição tripartida, são elementos do crime o fato típico, a ilicitude
(ou antijuridicidade) e a culpabilidade. O fato típico é o fato definido na lei como
crime praticado por alguém. A ilicitude é a contradição do fato com o direito
(CALLEGARI, 2014). Já a culpabilidade “está fundada na possibilidade do
homem, de acordo com o seu livre arbítrio, de poder optar pelo caminho
correto” (CALLEGARI, 2014, p. 176).

Em outras palavras, é o juízo de reprovação que recai sobre quem pratica um fato
típico e ilícito.

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Hoje, no Brasil, a culpabilidade é formada pela imputabilidade, pelo potencial


consciência da ilicitude e pela exigibilidade de conduta diversa. Só para deixar seu
estudo completo, veja, na tabela a seguir, a definição de imputabilidade, potencial
consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

IMPUTABILIDADE

É “a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e de agir de acordo com


esse entendimento, ou seja, são as condições de maturidade e sanidade mental que
conferem ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determi-
nar-se de acordo com esse entendimento” (CALLEGARI, 2014, p. 181).

POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE

É quando o sujeito sabe que seu ato é proibido pela lei.

EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA

É a possibilidade de exigir uma conduta diversa daquela realizada pelo sujeito.

Há dois posicionamentos sobre a divisão do ônus da prova, segundo os elementos


da teoria do crime.

A P RO F UNDA NDO

Na teoria do crime, na definição tripartite, os elementos são três: o fato típico, a


ilicitude e a culpabilidade. Conforme veremos a seguir, no processo penal, há au-
tores que explicam o ônus da prova a partir desses elementos.

O primeiro sobre o qual conversaremos é o posicionamento minoritário. No


posicionamento minoritário, o ônus da prova cabe a quem acusa — portanto,
neste posicionamento, cabe ao Ministério Público, quando se tratar de ação penal
pública e ao ofendido, quando se tratar de ação penal privada, provar todos os
assuntos. Isto porque o acusado não pode ser prejudicado por nenhuma dúvida
dentro do processo. Sobre isso, Lima (2017, p. 610) explica que “em um processo

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penal em que vigora a presunção de inocência, o ônus probatório é atribuído,


com exclusividade, ao acusador”. Assim, no posicionamento da minoria dos au-
tores, o Ministério Público tem o dever de provar todos os elementos da teoria
do crime, ou seja, deve provar o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade (LIMA,
2017). Veremos como isso aconteceria na prática.
Em uma situação hipotética, na qual o Ministério Público acusa Viviane de
ter praticado o crime de homicídio contra a vida de Bernardo, o Ministério Pú-
blico é autor da ação penal e Viviane é a ré. Segundo a corrente minoritária, o
autor, que é o Ministério Público, deverá provar o fato típico, em outras palavras,
deverá provar que Viviane praticou uma das condutas descritas na lei, no caso,
a conduta de homicídio, descrita no art. 121, do Código Penal. Portanto, deverá
provar que houve ilicitude porque o bem jurídico, que é a vida, foi ceifado de
Bernardo, configurando a ilicitude. Também será necessário provar que houve
culpabilidade, porque, ao matar Bernardo, Viviane era imputável, tinha consciên-
cia da ilicitude do fato praticado e era exigível que praticasse conduta diversa.

E se a defesa de Viviane argumentar que o homicídio aconteceu, mas não houve


ilicitude porque Viviane praticou a conduta para se defender?

Por exemplo, Bernardo surpreendeu Viviane com uma arma, afirmando que iria matá-
la. Ela, simplesmente, utilizou estratégias para retirar a arma das mãos de Bernardo.
No entanto, ao fazê-lo, acidentalmente, acionou a arma, que disparou e o acertou.

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Estes argumentos apresentados pela defesa de Viviane equivalem a uma ex-


cludente de ilicitude. A excludente de ilicitude cumpre a função de excluir
a ilicitude, ou seja, a excludente de ilicitude exclui um dos elementos do
crime. A falta desse elemento traz a seguinte implicação: o crime deixa de
existir e, pelo crime deixar de existir, o acusado da prática de um crime não
pode ser condenado a nenhuma pena.
Assim, pergunto a você, o que deve ser provado na situação envolvendo
Bernardo e Viviane e quem deve provar? Segundo a corrente minoritária,
“caberá à acusação demonstrar que a conduta do agente é típica, ilícita e
culpável” (LIMA, 2017, p. 611). Isso significa que, para a corrente minoritá-
ria, se Viviane alegar a excludente de ilicitude, caberá ao Ministério Público
demonstrar a ilicitude do fato, isto é, caberá ao Ministério Público provar
que Viviane realizou a conduta descrita no tipo penal não para se defender,
mas porque desejava ceifar a vida de Bernardo.

P E N SA N DO J UNTO S

Conversamos sobre estes assuntos, a fim de que você entendesse a corrente mino-
ritária, segundo a qual, a acusação (Ministério Público ou ofendido) tem o ônus de
provar todos os elementos da teoria do crime: fato típico, ilicitude e culpabilidade.

Agora, conversaremos sobre a posição majoritária no Brasil. O posicionamen-


to que ganha mais adeptos no Brasil é aquele, segundo o qual cabe à acusação
provar “1) a existência do fato típico; 2) a autoria ou participação; 3) a relação de
causalidade; 4) o elemento subjetivo do agente: dolo ou culpa” (LIMA, 2017, p.
608), todos integrantes do elemento fato típico.
Portanto, para a corrente majoritária, não cabe à acusação provar todos os
elementos da teoria do crime. Cabe a ela provar apenas o fato típico. Sobre isso,
Lima (2017, p. 609) afirma que, de acordo com esta corrente, “incumbe à acu-
sação tão somente a prova da existência do fato típico, não sendo objeto de prova
acusatória a ilicitude e a culpabilidade”
Isto porque o fato típico é “expressão provisória da ilicitude e o injusto penal
(fato típico e ilícito) é indício da culpabilidade respectiva. Comprovada a existência
do fato típico, portanto, haveria uma presunção de que o fato também seria ilícito
e culpável, cabendo ao acusado infirmar tal presunção” (LIMA, 2017, p. 609).

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O autor, também, explica que a acusação tem o ônus de provar para gerar no
juiz uma certeza que o permita decidir o caso. Por outro lado, é suficiente que a
defesa gere dúvidas dentro do processo.


Ora, se a fundada dúvida acerca de uma causa de excludente de
ilicitude ou da culpabilidade autoriza um decreto absolutório,
pode-se concluir que não se exige da defesa uma prova cabal
acerca de tais teses, bastando que produza um estado de dúvida
para que o acusado possa ser absolvido. Em suma, enquanto o
Ministério Público e o querelante têm o ônus de provar os fatos
delituosos além de qualquer dúvida razoável, produzindo no
magistrado um juízo de certeza em relação ao fato delituoso
imputado ao acusado, à defesa é suficiente gerar apenas uma
fundada dúvida sobre causas excludentes da ilicitude, causas
excludentes da culpabilidade, causas extintivas da punibilidade
ou acerca de eventual álibi. Há, inegavelmente, uma distinção
em relação ao quantum de prova necessário para cumprir o
ônus da prova: para a acusação, exige-se prova além de qualquer
dúvida razoável; para a defesa, basta criar um estado de dúvida
(LIMA, 2017, p. 610).

Para resumir o que foi apresentado, veja, a seguir, a Tabela 1.

Divisão do ônus da prova segundo elementos Teoria do Crime (posição majoritária)

Acusação (Ministério Público ou ofen-


Defesa (réu)
dido)
*Causas excludentes de ilicitude
*Fato típico
Para que o juiz condene, é preciso
*Causas excludentes de culpabilidade
provar o fato típico (a existência do fato
típico, a autoria ou participação,
Para que o réu seja absolvido, é
suficiente suscitar dúvida sobre a
a relação de causalidade e o elemento
ilicitude ou sobre a culpabilidade.
subjetivo do agente).

Tabela 1 - Divisão do ônus da prova (posição majoritária) / Fonte: adaptada de Lima (2017).

Aplicando a posição majoritária, como ficaria o caso envolvendo Bernardo e


Viviane que conversamos anteriormente?

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■ Cabe ao Ministério Público provar o fato típico, ou seja, cabe a ele provar
que o homicídio ocorreu (existência do fato típico), que o sujeito ativo da
conduta criminosa foi Viviane (autoria), que o sujeito passivo da conduta
criminosa foi Bernardo, que houve relação de causalidade entra a con-
duta de Viviane e o resultado que atingiu Bernardo (nexo causal) e que
Viviane tinha a intenção ou, pelo menos, assumiu o risco de tirar a vida
de Bernardo (elemento subjetivo: dolo ou culpa).
■ Na ação penal, o juiz só poderá condenar Viviane, caso o Ministério Público
apresente prova cabal, provas que tragam certeza sobre o que ele afirmar.
■ Cabe à defesa de Viviane provar que a conduta que resultou no homicídio
ocorreu em legítima defesa, ou seja, que Viviane agiu sob a excludente
de ilicitude.

P E N SA N DO J UNTO S

Em circunstâncias diversas, caso se tratasse de outro crime, também caberia à de-


fesa provar que Viviane não tinha consciência de que estava praticando um crime,
que não tinha consciência do que estava fazendo ou que era impossível exigir dela
outra conduta (causas excludentes de culpabilidade) ou, ainda, que havia causas
extintivas da punibilidade, que são situações descritas no art. 107, do Código Penal.

Para reforçar o que vimos até aqui sobre a distribuição do ônus da prova segun-
do os elementos da teoria do crime, refletiremos, agora, sobre outra conduta
criminosa, o art. 123, do Código Penal, que define o crime de infanticídio da
seguinte forma.

Infanticídio Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante
o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos (BRASIL, 1940, on-line).

Sobre a presença dos elementos da Teoria do Crime no infanticídio:

FATO TÍPICO

no infanticídio, é fato típico a conduta de “matar, sob a influência do estado puerperal,


o próprio filho, durante o parto ou logo após” (art. 123) (BRASIL, 1940).

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ILICITUDE

o direito protege a vida. Uma forma de fazer isso é definindo o infanticídio como cri-
me, no art. 123, do Código Penal. Assim, quando acontece o infanticídio, há ilicitude,
porque há o desrespeito a um bem protegido pelo direito, que é a vida.

CULPABILIDADE

Que pode ser imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de


conduta diversa. Aqui, haverá imputabilidade quando, ao “matar, sob a influência do
estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após” (BRASIL, 1940, on-li-
ne), a mãe tiver condições mentais de entender o que está fazendo e, mesmo assim,
praticar a conduta. Haverá potencial consciência de ilicitude quando souber que a lei
define como crime o infanticídio. Haverá exigibilidade de conduta diversa, porque é
plenamente possível exigir que uma mãe não mate seu filho (aliás, é esperado que
ela não faça isso).

Para compreender, imagine a seguinte situação hipotética: Carla dá à luz a


Ada. No entanto, logo após o parto, sob influência do estado puerperal, Carla
decide tirar a vida de sua filha e assim o faz. Realizadas as investigações e fina-
lizado o inquérito policial no qual foram apurados indícios de autoria e prova
da materialidade (art. 4º) (BRASIL, 1941), este fato chega ao conhecimento
do Ministério Público, que oferece denúncia em face de Carla pela prática do
crime de infanticídio, descrito no art. 123, do Código Penal (BRASIL, 1940). O
juiz recebe a denúncia e é iniciada a ação penal. Neste caso, Carla é ré e o Mi-
nistério Público é o autor da ação penal. Caberá ao Ministério Público provar
o fato típico. Em outras palavras, caberá a ele provar que:
■ O fato típico aconteceu (a existência do fato típico).
■ Carla o praticou (autoria).
■ Ada teve sua vida ceifada em razão da conduta praticada por Carla
­(relação de causalidade).
■ Carla tinha a intenção de matar Ada (elemento subjetivo do agente: dolo).
Já à defesa de Carla caberá provar, caso exista, excludente de ilicitude ou
excludente de culpabilidade. No nosso exemplo, todavia, não houve nenhuma
excludente de ilicitude ou de culpabilidade.

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P E N SA N DO J UNTO S

A defesa de Carla também poderá provar que havia causas extintivas da pu-
nibilidade. Porém não mencionei isso anteriormente porque a punibilidade
não faz parte dos elementos da teoria tripartida do crime. Lembre-se que a
teoria é tripartida, então, contém só três elementos: o fato típico, a ilicitude
e a culpabilidade.

O ônus da prova recai sobre o Ministério Público ou sobre o ofendido, aos


quais caberá provar apenas o fato típico. Isso acontece porque, no proces-
so penal, o ponto de partida, conforme já conversamos, é a presunção de
inocência, também chamada in dubio pro reo — caso não seja provado o
fato típico, o juiz não condenará o réu. Diante da existência da dúvida, deve
prevalecer a presunção da inocência do réu. É possível inverter essa regra,
ou seja, é possível o in dubio pro societate ou o in dubio contra reum? Em
outras palavras, é possível que, havendo dúvida, o réu seja condenado e a
sociedade, favorecida? Essa situação será possível apenas em uma situação:
quando se tratar de sanção civil que seja aplicada a um crime com o objetivo
de reparar danos.

Isto porque, dentro do direito, existem vários tipos de sanções. No direito penal,
são aplicadas sanções para retirar ou limitar a liberdade das pessoas, em regra. Há
também as chamadas sanções civis, que recaem sobre patrimônio, bens, direitos
ou valores.

Há alguns crimes que são punidos com sanções civis e com sanções penais, por
exemplo, o crime de lavagem de dinheiro. No crime de lavagem de dinheiro,
uma pessoa que obtém determinada quantia em dinheiro, de forma ilícita, faz
algo para que pareça que foi obtida dentro dos parâmetros da lei. Obter di-
nheiro por meio de tráfico de drogas, por exemplo, é obter dinheiro de forma
ilícita — trata-se de dinheiro sujo, portanto. Comprar obras de arte com esse
dinheiro e revendê-las a seguir é uma forma de tentar dar a esse dinheiro a
aparência de limpo, a aparência de dinheiro obtido dentro dos parâmetros da
lei — equivale, portanto, a lavar dinheiro.

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No crime de lavagem de dinheiro, o direito penal estabelece sanções que afetam


a liberdade e sanções que afetam os valores do investigado. É possível inverter
o ônus da prova apenas quanto às sanções civis, ou seja, apenas quanto a esses
valores. Na prática, isso significa que, em crimes assim, quando houver dúvida, a
decisão do juiz será a favor da sociedade, e não a favor do réu. Por exemplo, o Mi-
nistério Público alega que Cícero obteve dinheiro, a partir do desvio de dinheiro
público, e, após isso, adquiriu bens com esse dinheiro. Para evitar o bloqueio des-
ses bens, ou seja, para evitar uma sanção civil, caberá não ao Ministério Público,
mas, sim, à defesa de Cícero provar a origem lícita desses bens (BRASIL, 1998).
O ônus da prova se desenvolve na ação penal, conforme você pôde com-
preender. Antes da ação penal, é comum que haja o inquérito policial. Digo que
é comum porque, embora aconteça muito, o inquérito policial não é obrigatório.
É suficiente que haja informações demonstrando indícios de autoria e mate-
rialidade quanto ao crime e quanto a quem praticou o crime. O inquérito será
necessário apenas quando os indícios de autoria e a prova da materialidade não
estiverem claramente demonstrados (REIS; GONÇALVES, 2020).
E o que é o inquérito policial? Trata-se de um procedimento administrativo e
investigatório prévio, que é formado por uma série de diligências, com a finalida-
de de encontrar indícios que possibilitem que o titular da ação penal a proponha
contra quem praticou determinada infração penal (REIS; GONÇALVES, 2020).

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P E N SA N DO J UNTO S

O que é ação penal? O que é ser titular da ação penal? Quem são os titulares de uma
ação penal? A ação penal é o instrumento utilizado para constatar a existência de
uma infração penal e aplicar. É iniciada após o juiz receber denúncia oferecida pelo
Ministério Público ou receber queixa-crime do ofendido. Ser titular da ação penal é
ter o sujeito apto, segundo a legislação, para oferecer a denúncia ou a queixa-crime.
Na ação penal pública, o titular da ação penal é o Ministério Público. Na ação penal
privada, o titular é o ofendido.

O inquérito policial tem função preservadora, portanto. Por meio dele, são co-
lhidas informações sobre a autoria e a materialidade de determinada infração
penal. Apenas se essas informações forem consistentes é que a pessoa investigada
poderá, posteriormente, ser processada. Devido ao inquérito reunir elementos
que tornam possível a ação penal, ele tem também função preparatória.
Para compreender melhor o inquérito policial, é preciso compreender quais
são suas características, que são as seguintes: é dispensável (ou não obrigatório),
escrito, inquisitivo (ou inquisitorial), sigiloso, discricionário, indisponível, tem-
porário, oficial e oficioso. Já conversamos sobre o porquê de ser um procedimento
não obrigatório. Isso acontece porque, quando existirem elementos suficientes
para esclarecer a infração penal e tudo o que a ela disser respeito, não será neces-
sário o inquérito. Ele será, assim, dispensável ou não obrigatório.

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O inquérito policial é um procedimento escrito, porque o Código de Processo


Penal estabelece, no art. 9º, que “todas as peças do inquérito policial serão, num
só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela
autoridade” (BRASIL, 1941, on-line). Mas atenção! Embora seja escrito, ele não é
exclusivamente escrito. Isso porque, desde 2008, segundo o art. 405, do Código
de Processo Penal, quando for possível realizar gravações, isso deverá ser feito,
sem a necessidade de posterior transcrição, ou seja, sem a necessidade de escrever
o que foi falado na gravação (REIS; GONÇALVES, 2020).

As gravações podem ser só em áudio, mas também podem incluir vídeos — as que
incluem vídeos são chamadas gravações audiovisuais.

Outra característica do inquérito é que ele é um procedimento inquisitivo (ou


inquisitorial). Isto porque, enquanto ele acontece, os investigados não têm a
oportunidade de realizar o contraditório. O contraditório só existe após inicia-
da a ação penal, portanto, conforme art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal
(BRASIL, 1988). Embora seja inquisitivo, a autoridade que o realiza deve “agir
dentro dos termos da lei, podendo, a seu critério, realizar diligência requerida
pelo ofendido, ou seu representante legal, ou pelo indiciado (art. 14 do CPP)”
(REIS; GONÇALVES, 2020, p. 17).

P E N SA N D O J UNTO S

Embora não haja contraditório no inquérito policial, é possível que o investiga-


do seja acompanhado por um advogado. Isto é assegurado por meio da Lei nº
13.245, de 12 de janeiro de 2016. No entanto, o advogado não terá acesso amplo
ao ­inquérito policial.

Para não prejudicar o andamento do inquérito policial, o advogado não terá


acesso amplo ao inquérito policial. O fundamento para, assim, afirmarmos é o
art. 20, do Código de Processo Penal, que tem a seguinte redação: “A autoridade
assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo
interesse da sociedade” (BRASIL, 1941, on-line).
Há quem diga que o inquérito deixou de ser sigiloso depois do art. 7º, inciso
XIV, da Lei nº 8.906/1994, segundo o qual, o advogado teria poderes para

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“examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir
­investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de
­investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento,
ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
­apontamentos, em meio físico ou digital” (BRASIL, 1994, on-line).

De fato, o advogado tem esses direitos, mas de forma limitada: conforme já con-
versamos sobre a súmula vinculante nº 14, do Supremo Tribunal Federal, ele só aces-
sará aquilo que já estiver documentado, a fim de que não haja prejuízos à investigação.
O inquérito policial é também discricionário, pois a autoridade que o realiza
não está obrigada a seguir etapas rígidas. A autoridade policial tem liberdade para
decidir o que faz, tem liberdade de praticar os atos que sejam necessários em cada
circunstância. Segundo o art. 14, do Código de Processo Penal, fica a juízo da
autoridade decidir o que fazer em cada situação (BRASIL, 1941).
Também é característica do inquérito policial a indisponibilidade. Trata-se de
procedimento indisponível porque, uma vez iniciado, a autoridade policial não
poderá arquivá-lo. É o que está definido no art. 17, do Código de Processo Penal.

Mas atenção! Quando ocorre uma infração penal, o Delegado de Polícia não é
obrigado a, automaticamente, instaurar o inquérito. Antes, é necessário que se
verifique se são verdadeiras as informações que chegaram até ele sobre o fato
e se a conduta relatada é mesmo crime. Isto é feito por meio da verificação de
procedência de informação (LIMA, 2017).

Após verificado que o fato criminoso aconteceu, “uma vez determinada a ins-
taurado o inquérito policial, o arquivamento dos autos somente será possível a
partir de pedido formulado pelo titular da ação penal, com ulterior apreciação
pela autoridade judiciária competente” (LIMA, 2017, p. 126). Em outras palavras,
depois que o Delegado inicia o inquérito, apenas o juiz pode mandar arquivá-lo.

AP RO F U NDA NDO

Atualmente, quem arquiva o inquérito policial é o juiz. No entanto, no Pacote Anticrime


(Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019), foram realizadas algumas alterações, que,
ainda, estão sendo analisadas no Supremo Tribunal Federal, na ADI 6305. Se estas
alterações forem aprovadas, o arquivamento passará a caber ao Ministério Público.

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O inquérito policial é temporário, porque tem prazo para ser concluído. Confor-
me o art. 10º, do Código de Processo Penal, “deverá terminar no prazo de 10 dias,
se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente,
contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de
prisão” (BRASIL, 1941, on-line) e deverá terminar “no prazo de 30 dias, quando
estiver solto, mediante fiança ou sem ela” (BRASIL, 1941, on-line). É o que você
pode observar a seguir.
Prazo de 10 dias:
■ Se o indiciado está preso em agrante.
■ Se o indiciado está preso preventivamente (começa a contar o prazo de
10 dias no dia em que é cumprida a ordem de prisão).
Prazo de 30 dias:
■ Se o indiciado está solto com ou sem fiança.

Atenção! Quando o investigado estiver solto, o prazo de 30 dias poderá ser ul-
trapassado, mas apenas se o fato for de difícil elucidação. Nessa situação, o juiz
dirá em quanto tempo o inquérito policial deverá ser finalizado (BRASIL, 1941).


Na contagem do prazo, inclui-se o primeiro dia, ainda que a prisão
tenha se dado poucos minutos antes da meia-noite. O prazo para a
conclusão de inquérito policial referente a indiciado preso era impror-
rogável, mas a Lei n. 13.964/2019 inseriu regra no art. 3o-B, § 2o, do
CPP, estabelecendo que o juiz das garantias poderá, mediante represen-
tação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar,
uma única vez, a duração do inquérito por 15 dias, após o que, se a
investigação ainda não estiver concluída, deverá a prisão ser relaxada.
Boa parte da doutrina entende que esse dispositivo, que confere ao juiz
das garantias o poder de prorrogar por 15 dias o inquérito policial,
teria transmudado para 15 dias o prazo inicial para a conclusão das
investigações também no âmbito estadual. O dispositivo, contudo, não
menciona que o juiz poderá prorrogar por “mais” 15 dias. Ademais, o
art. 10, caput, do CPP, que menciona o prazo de 10 dias não foi revo-
gado. Esse prazo, entretanto, encontra algumas exceções em legislações
especiais. O art. 51, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei Antidrogas), por
exemplo, estipula que o prazo será de trinta dias, se o indiciado estiver
preso, e de noventa dias, se estiver solto.

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Esses prazos, inclusive, poderão ser duplicados pelo juiz (art. 51,
parágrafo único). Nos crimes de competência da Justiça Federal,
o prazo é de quinze dias, prorrogáveis por mais quinze (art. 66 da
Lei n. 5.010/66).
Veja-se, todavia, que o tráfico internacional de entorpecentes, ape-
sar de competir à Justiça Federal, segue o prazo mencionado no
parágrafo anterior, uma vez que a Lei de Tóxicos é lei especial e
posterior (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 22-23).

Outra característica do inquérito policial é a oficialidade. Por causa dela, o


inquérito policial é oficial. Ser oficial significa que só poderá ser instaurado por
autoridade oficial, que é a autoridade policial. Sobre isso, Lima (2017, p.126) afir-
ma: “Incumbe ao Delegado de Polícia (civil ou federal) a presidência do inquérito
policial. Vê-se, pois, que o inquérito policial fica a cargo de oficial do Estado,
nos termos do art.144, §1º, c/c art.144, §4º, da Constituição Federal”. Sobre isso,
também, falam Reis e Gonçalves (2020, p. 18):


O inquérito é realizado pela Polícia Judiciária (Polícia Civil ou Fe-
deral). É o que dispõem o art. 144, § 4º, da Constituição Federal, e
o art. 4º do Código de Processo Penal. A presidência do inquérito
fica a cargo da autoridade policial (delegado de polícia ou da Polí-
cia Federal), que, para a realização das diligências, é auxiliado por
investigadores de polícia, escrivães, agentes policiais etc. De acordo
com o art. 2o, § 1o, da Lei n. 12.830/2013, ‘ao delegado de polícia, na
qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação
criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento pre-
visto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias,
da materialidade e da autoria das infrações penais’. O art. 2º, § 4º,
da Lei n. 12.830/2013 estabelece que o inquérito policial ou outro
procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avoca-
do ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho
fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses
de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da
corporação que prejudique a eficácia da investigação.

O inquérito policial também é oficioso (é iniciado de ofício). Mas isto apenas


quando se tratar de crime de ação penal pública incondicionada. Ações penais

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públicas incondicionadas são aquelas que não dependem de nenhuma condição


para serem iniciadas. Por esta razão, quando se tratar de crime que admite este
tipo de ação, no inquérito policial, também não existirão condições, ou seja, para
iniciar o inquérito, a autoridade policial não precisará esperar que ninguém lhe
peça — em outras palavras, a autoridade policial não precisará ser provocada
pela vítima ou por outra pessoa.

Como o inquérito policial é instaurado? Pode ser instaurado de ofício, porque,


conforme estudamos anteriormente, o inquérito pode ser oficioso. Mas ele tam-
bém pode ser instaurado de outras formas: por requisição do juiz ou do minis-
tério público, a requerimento do ofendido ou de qualquer pessoa e pelo auto de
prisão em flagrante (art. 5º) (BRASIL, 1941). O inquérito policial é iniciado por
requisição do juiz ou do Ministério Público quando o promotor de justiça ou o
juiz requisitar a instauração. Uma vez que requisição significa ordem, o delegado
estará obrigado a instaurar o inquérito após essa requisição.
O ofendido também pode tomar a iniciativa de pedir ao delegado que seja
iniciado o inquérito policial. O nome dado a essa iniciativa é requerimento do
ofendido. Com o requerimento do ofendido, há a “possibilidade de endereçar
uma petição à autoridade solicitando formalmente que esta inicie as investiga-
ções” (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 21). Caso a autoridade policial não atenda
ao pedido do ofendido, este poderá apresentar recurso para o chefe da polícia.

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Atenção! Além dessas situações, qualquer pessoa que saiba que uma infração
penal aconteceu pode comunicar a autoridade policial. Após isso, será “lavrado
um boletim de ocorrência e, com base neste, o próprio delegado dá início ao
inquérito por meio de portaria” (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 21).

A última forma de ser iniciado o inquérito policial é por meio do auto de prisão
em flagrante. Isso acontecerá quando uma pessoa for presa em flagrante e levada
à Delegacia de Polícia. Ao chegar à Delegacia, será lavrado o auto de prisão, onde
serão descritas as circunstâncias do delito e as circunstâncias da prisão (REIS;
GONÇALVES, 2020). Após instaurado o inquérito policial, a autoridade policial
deverá realizar diligências, ou seja, deverá determinar que alguns atos sejam
praticados. No arts. 6º e 7º, do Código de Processo Penal, encontramos alguns
exemplos dessas diligências, como você pode perceber a seguir.


Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal,
a autoridade policial deverá:

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I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o


estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após
­liberados pelos peritos criminais;
III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do
fato e suas circunstâncias;
IV - ouvir o ofendido;
V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do
disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o res-
pectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham
ouvido a leitura;
VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de
delito e a quaisquer outras perícias;
VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo proces-
so ­datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha ­
de­ antecedentes;
IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista
individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude
e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quais-
quer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu
­temperamento e caráter.
X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas
­idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de
eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela
pessoa presa. Art. 7º Para verificar a possibilidade de haver a
infração sido praticada de determinado modo, a autoridade poli-
cial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que
esta não ­contrarie a moralidade ou a ordem pública (BRASIL,
1941, on-line).

Uma vez realizado o inquérito policial, caso a autoridade policial se convença


de que o investigado foi autor da infração penal, deverá ser realizado o indicia-
mento, “um ato formal eventualmente realizado durante o inquérito policial”
(REIS; GONÇALVES, 2020, p. 28). Enquanto não acontecer o indiciamento, em
outras palavras, enquanto o delegado não se convencer de que a pessoa praticou
a infração, essa pessoa será apenas suspeita ou investigada.

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O delegado de polícia não está limitado às diligências mencionadas nos arts. 6º


e 7º. Ele determinará as diligências que sejam necessárias em cada caso. Tratan-
do-se de crime envolvendo violência doméstica, por exemplo, outras diligências
poderão ser determinadas, conforme você pode conferir entre os arts. 10º e 12, da
Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006.

O indiciamento ocorre por meio de ato fundamentado, mediante análise


­técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, a materialidade e suas
­circunstâncias” (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 28). Ao indicar, a autoridade
­policial expressa um juízo de valor. No entanto, ao receber os autos do inquérito,
o Ministério Público não está obrigado a seguir esse juízo de valor. O Ministério
Público analisará os elementos informativos presentes no inquérito e, após isso,
desenvolverá seu próprio posicionamento.
Encerrado o inquérito policial, a autoridade policial deverá fazer um relató-
rio. Nele, descreve tudo o que foi feito no decorrer das investigações. A autoridade
policial não deve se manifestar quanto ao mérito de tudo o que foi colhido. O que
ela deve fazer é relatar o que encontrou nas investigações. A partir daí, é função
do Ministério Público apresentar uma opinião, cujo nome é opinio delicti. Nesse
sentido, afirmam Reis e Gonçalves (200, p. 29):


A autoridade policial deve elaborar um relatório descrevendo as
providências tomadas durante as investigações. Esse relatório é a
peça final do inquérito, que será então remetido ao juiz. Ao elaborar
o relatório, a autoridade declara estar encerrada a fase investigatória,
mas não deve manifestar-se acerca do mérito da prova colhida, uma
vez que tal atitude significa invadir a área de atuação do Ministé-
rio Público, a quem incumbe formar a opinio delicti. O art. 17 do
Código de Processo Penal diz que a autoridade policial não poderá
determinar o arquivamento do feito. Conforme se verá adiante, o
arquivamento do inquérito é sempre promovido pelo Ministério
Público. Em se tratando de crime de ação privada, o art. 19 do Có-
digo de Processo Penal estabelece que os autos do inquérito serão
remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do
ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues a eles,

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mediante traslado (cópia), se assim tiverem solicitado. O art. 11 do


Código de Processo Penal dispõe que os instrumentos do crime,
bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os
autos do inquérito policial. O inquérito policial acompanhará a de-
núncia ou queixa, sempre que servir de base para o oferecimento
de qualquer delas (art. 12 do CPP). A respeito do tema, ver comen-
tários abaixo no subitem 2.8.1 (juiz das garantias).

Após o inquérito policial, colhidos os elementos que demonstrem a justa causa


da ação penal (prova da materialidade e indícios da autoria), é possível a ação
penal, que, como você já sabe, dá início à ação penal.
A finalidade da ação penal é identificar a verdade sobre o crime e sobre o
autor para que, após isso, seja aplicada uma sanção. Todos os elementos de infor-
mação, meios de obtenção de prova, meios de prova e elementos de prova sobre
os quais conversamos servem para que essa verdade seja descoberta. A pergunta
que lhe faço é: você acredita que é realmente possível que o juiz descubra qual a
verdade sobre um crime dentro do processo penal? Fiz a pergunta apenas para
deixá-lo(a) curioso(a). Não é tão simples assim respondê-la. Mas, após nosso
estudo, você conseguirá construir um posicionamento.

Essa questão sobre a verdade já incomodou muitos estudiosos do processo penal.


Por muito tempo, prevaleceu a ideia de que, no processo penal, valia a verdade
substancial, também conhecida como verdade real e verdade material. O proble-
ma era que, na busca dessa verdade, tudo era possível, inclusive abusos, arbitrarie-
dades e violações de direitos por parte de autoridades responsáveis pela persecução
penal, como delegados, promotores e juízes. A busca da verdade era um “valor mais
precioso do que a própria proteção da liberdade individual” (LIMA, 2017, p. 67).

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Ainda hoje, a verdade real (ou verdade material) tem alguma força. Mas o im-
portante mesmo é que a busca dessa verdade tem limites. Digo isso porque, embora
o processo penal busque “descobrir efetivamente como os fatos se passaram, não
admitindo ficções e presunções processuais” (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 42), essa
busca precisa respeitar, por exemplo, questões que já estudamos — por exemplo, pro-
va ilícita não pode, jamais, ser utilizada para descobrir a verdade dos fatos. Outros
limites à verdade real ou material são a vedação de revisão criminal pro societate, a
transação penal nas infrações de menor potencial ofensivo e o perdão do ofendido
e perempção em crimes de ação penal privada (REIS; GONÇALVES, 2020).

É importante que você compreenda o porquê de a vedação de revisão criminal pro


societate, a transação penal nas infrações de menor potencial ofensivo e o perdão
do ofendido e perempção em crimes de ação penal privada serem limitações à
verdade real ou material

VEDAÇÃO DA REVISÃO CRIMINAL PRO SOCIETATE:

A revisão criminal é uma forma de pedir que uma decisão do juiz seja modificada.
Pense na seguinte situação: João foi processado pelo crime de roubo. No entanto, de-
pois de todo o andamento processual, o juiz o absolveu, decidiu não aplicar nenhuma
penalidade a João. O Ministério Público não concordou com a absolvição e interpôs
todos os recursos possíveis.

APÓS A ANÁLISE DOS RECURSOS.

Nada mudou. João está definitivamente absolvido. Mesmo que, depois disso, surjam
provas fortíssimas contra João, a absolvição continuará valendo. Não será possível
pedir que a decisão de absolvição seja revista, em outras palavras, não será possível a
revisão criminal pro societate.

TRANSAÇÃO PENAL NAS INFRAÇÕES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO:

“Uma vez que, com a transação, deixará o juiz de buscar a verdade real para aplicar
uma pena avençada pelas partes. O mesmo acontece no caso do acordo de não per-
secução penal” (REIS; GONÇALVES, 2020, p. 42-43).

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T E MA DE A PRE ND IZAGEM 9

PERDÃO DO OFENDIDO E PEREMPÇÃO EM CRIMES DE AÇÃO PENAL PRIVADA:

Quando há o perdão do ofendido e a perempção em crimes de ação penal privada,


torna-se impossível que o juiz julgue o mérito da causa (REIS; GONÇALVES, 2020).

Há quem afirme que vale a verdade, respeitadas as limitações que acabamos de


estudar. Mas também há quem afirme que as provas são incapazes de


[...] dar ao magistrado um juízo de certeza absoluto. O que vai haver
é uma aproximação, maior ou menor, da certeza dos fatos. Há de se
buscar, por conseguinte, a maior exatidão possível na reconstituição
do fato controverso, mas jamais com a pretensão de que se possa
atingir uma verdade real, mas sim uma aproximação da realidade
que renda a refletir ao máximo a verdade. Enfim, a verdade absoluta,
coincidente com os fatos ocorridos, é um ideal, porém inatingível
(LIMA, 2017, p. 67-68).

O importante é que, durante toda a persecução penal, ou seja, durante a investi-


gação e o processo judicial, as liberdades individuais sejam respeitadas. A melhor
resposta à pergunta que lhe fiz sobre qual verdade vale no processo penal é a de
que vigora, no processo penal, a verdade real (ou material). No entanto, para al-
cançar essa verdade, é necessário respeitar alguns limites e aceitar que a verdade
exata, talvez, não seja alcançada. O objetivo da persecução penal já não é mais a
verdade absoluta, mas, sim, aproximar-se, ao máximo, da realidade.

NOVOS DESAFIOS
Caro estudante, encerramos mais uma etapa de estudos! Neste momento, você
tem conhecimentos aprofundados sobre a prova no processo penal e pode com-
preender que os elementos colhidos na investigação e no inquérito policial, por
mais importantes que sejam, precisam receber um novo olhar dentro do processo
judicial. É no processo judicial que eles ganharão força de meios de prova.
Na investigação e no inquérito, existem apenas indícios quanto à autoria.

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U N I AS S E LVI

Em respeito à presunção de inocência, esses indícios só se tornam provas no


processo judicial, após proferida, pelo juiz, uma decisão de 1º grau em que haja a
prova da culpa do réu ou da ré. Você, também, compreende agora que, no Brasil,
a divisão do ônus da prova, segundo os elementos da teoria do crime, acontece
da seguinte forma: dentre os elementos da teoria do crime, cabe à acusação —
ao Ministério Público ou ao ofendido — provar o fato típico. Isto é suficiente,
porque o fato típico abarca a ilicitude e a culpabilidade. Já à defesa do réu ou da
ré cabe demonstrar excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, caso existam.
Sobre o inquérito policial, você compreende que ele é necessário apenas
quando as informações sobre o crime forem insuficientes para um eventual e
futuro processo judicial. O inquérito tem algumas características que precisam
ser consideradas, para que, no final, sejam, de fato, úteis a fim de colaborar com
o prosseguimento da persecução penal. O prosseguimento da persecução penal
acontecerá por meio do processo judicial, iniciado na ação penal, após o rece-
bimento da denúncia ou da queixa- -crime, onde será buscada a verdade em
relação a uma infração penal. Esta verdade é chamada verdade real (ou verdade
material). Embora, por muito tempo, liberdades tenham sido desrespeitadas na
ilusão de descobrir a verdade absoluta sobre infrações criminais, hoje, a verdade
real é buscada de forma diferente. A meta não é mais a ilusão da verdade absoluta.
A meta é utilizar tudo o que você aprendeu até aqui para se aproximar, o máximo
possível, da verdade, isto respeitados limites e liberdades.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. Disponível em: https:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del-


2848compilado.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. . Código de Processo Penal.Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/de-


creto-lei/del3689.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. Constituição (1988). . Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. . Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Dis-
ponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. . Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a pre-
venção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de
Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. . Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. . Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve me-
didas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes
de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de
drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. . É direito do defensor, no interesse do representado, ter aces-
so amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório reali-
zado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa. DJE de 9 fev. 2009. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/seq-su-
mula762/false. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. . 7 nov. 2019. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?id-


Conteudo=429359&ori=1. Acesso em: 1 nov. 2022.

BRASIL. . Acrescenta o art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),
para prever o crime de perseguição; e revoga o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro
de 1941 (Lei das Contravenções Penais). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2019-2022/2021/lei/L14132.htm. Acesso em: 1 nov. 2022

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 738059/PE. : Mi-
nistro Jesuíno Rissato. 26 de agosto de 2022. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: https://
scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 1 nov. 2022.

CALLEGARI, A. L. . 3. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2014.

CASTRO, H. H. M. de. . Conjur, 1 nov. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-nov-01/


academia-policia-sim-contraditorio-ampla-defesa-inquerito-policial. Acesso em: 1 nov. 2022.

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REFERÊNCIAS

LIMA, R. B. de. . 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

NUCCI, G. de S. Manual de Processo Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2022.

SOUSA, M. T. C. GOLTZMAN, E. M.; TRAJANO, I. de O. A Incorporação do E


­statuto de
Roma no Direito Brasileiro e o aparente conflito com as normas constitucionais: da
prisão perpétua e entrega de nacionais. RFD-Revista da Faculdade de Direito da UERJ,
­
n. 40, p. 101-126, dez. 2021. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/
article/view/59069/41009. Acesso em: 1 nov. 2022.

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MINHAS ANOTAÇÕES

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